1
EXCELENTIacuteSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA 10ordf VARA DA
FAZENDA PUacuteBLICA DO FORO CENTRAL DA COMARCA DE SAtildeO
PAULOSP
ldquoO futuro da proteccedilatildeo internacional
dos direitos humanos depende em
grande parte da adoccedilatildeo e do
aperfeiccediloamento das medidas
nacionais de implementaccedilatildeordquo
(Canccedilado Trindade)
PROCESSO Nordm 1016019-7120148260053
ACcedilAtildeO CIVIL PUacuteBLICA
CONECTAS DIREITOS HUMANOS associaccedilatildeo civil sem fins lucrativos qualificada
como Organizaccedilatildeo da Sociedade Civil de Interesse Puacuteblico ndash OSCIP inscrita no CNPJ sob
o n 047069540001-75 com sede na Av Paulista 575 19ordm andar CEP 01311-000 Satildeo
Paulo-SP (doc 1) neste ato representada por sua Diretora Executiva Lucia Nader (doc 2)
atraveacutes de seus procuradores (doc 3) vem respeitosamente agrave presenccedila de V Exa
manifestar-se na qualidade de
AMICUS CURIAE
na accedilatildeo em epiacutegrafe proposta pela DEFENSORIA PUacuteBLICA DO ESTADO DE SAtildeO PAULO
em face do ESTADO DE SAtildeO PAULO pelas razotildees a seguir articuladas
2
1) DA POSSIBILIDADE DE MANIFESTACcedilAtildeO COMO AMICUS CURIAE EM ACcedilAtildeO CIVIL
PUacuteBLICA
A presente accedilatildeo civil puacuteblica tem por objeto o cumprimento de garantias e
direitos fundamentais expressos na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica por parte do Estado de Satildeo
Paulo no controle da atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em manifestaccedilotildees
puacuteblicas
A relevacircncia social desta demanda envolve discussatildeo que diz respeito ao direito de
reuniatildeo ao direito ao lazer ao direito agrave cidade agrave liberdade de expressatildeo e ao livre exerciacutecio
profissional de jornalistas Observa-se que o seu niacutetido caraacuteter paradigmaacutetico tem
repercussatildeo direta na garantia de direitos difusos coletivos e individuais homogecircneos
O debate aqui travado envolve para aleacutem dos interesses meramente individuais
aqueles referentes agrave preservaccedilatildeo da harmonia e agrave realizaccedilatildeo dos objetivos constitucionais da
sociedade e da comunidade Assim reconhece-se de pronto que trata-se de um litiacutegio
de interesse puacuteblico
Nesse sentido a accedilatildeo civil puacuteblica como medida judicial apta para buscar
provimento jurisdicional capaz de resolver uma situaccedilatildeo juriacutedica coletiva natildeo pode deixar
de ser cenaacuterio da pluralizaccedilatildeo do debate fundamental para que o magistrado
disponha de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para a
resoluccedilatildeo da controveacutersia coletiva
Portanto a participaccedilatildeo de entidades e instituiccedilotildees que efetivamente representem
os interesses gerais da coletividade ou que expressem os valores essenciais e relevantes da
sociedade abrem a possibilidade de intervenccedilatildeo do amicus curiae como justificativa de
aprimoramento da tutela jurisdicional coletiva
3
Fredie Didier Jr e Hermes Zaneti Jr1 corroborando com o entendimento da
doutrina de Caacutessio Scarpinella Bueno defendem a intervenccedilatildeo de amicus curiae em
qualquer accedilatildeo coletiva desde que se respeitem algumas condiccedilotildees
ldquoHaacute uma tendecircncia doutrinaacuteria e jurisprudencial poreacutem de admitir-se
a intervenccedilatildeo de amicus curiae em qualquer accedilatildeo coletiva desde que
a causa tenha relevacircncia (que em se tratando de accedilatildeo coletiva estaacute
quase sempre in re ipsa) e o possiacutevel amicus curiae tenha condiccedilotildees
de auxiliar o trabalho do magistrado contribuindo com informaccedilotildees e
anaacutelises para o melhor julgamento da demanda Seria uma intervenccedilatildeo atiacutepica
de amicus curiae ideia que nos parece louvaacutevel tendo em vista a finalidade da
participaccedilatildeo deste especial auxiliar do juiacutezo legitimar ainda mais a
decisatildeo do oacutergatildeo jurisdicional em um processo de evidente interesse
puacuteblicordquo
Ora eacute inegaacutevel que a presente demanda trata de interesse puacuteblico Tanto eacute que
em outra causa de relevacircncia o eg Tribunal de Justiccedila do Estado de Satildeo Paulo
reconheceu a intervenccedilatildeo de amicus curiae em accedilatildeo civil puacuteblica que discutia a
proibiccedilatildeo do recolhimento e da custoacutedia de presos definitivamente condenados nas Cadeias
Puacuteblicas dos Distritos Policiais e das Delegacias Especializadas da Capital
Com efeito ao julgar os embargos infringentes nordm 9092747-4520028260000 a
Terceira Cacircmara de Direito Puacuteblico deixou claro que mesmo que natildeo haja previsatildeo
expressa de intervenccedilatildeo de amicus curiae na accedilatildeo civil puacuteblica ela deve ser aceita como
medida a auxiliar no julgamento quando a demanda tiver relevacircncia social inquestionaacutevel
Veja-se trecho do v acoacuterdatildeo
ldquoDe outro lado era perfeitamente possiacutevel a intervenccedilatildeo da ldquoConectas
Direitos Humanosrdquo na qualidade de ldquoamicus curiaerdquo
Ensina Caacutessio Scarpinella Bueno que ao contraacuterio do largamente
ministrado a figura do ldquoamicus curiaerdquo ou o ldquoamigo da Cuacuteriardquo surgiu no
seacuteculo XVI na Inglaterra e de laacute seguiu para os Estados Unidos da Ameacuterica
mas de forma diversa adaptando-se agraves regras utilizadas pela ldquoCommon
1 Curso de Direito Processual Civil Vol 4 Processo Coletivo 9ordm ediccedilatildeo 2014 Ed Jus Podium p231
4
Lawrdquo (ldquoO Amicus Curiaerdquo nos Tribunais Brasileiros ndash palestra proferida na
Escola Paulista de Magistratura em 13092011)
Esta figura tinha por missatildeo o auxiacutelio dos sacerdotes na soluccedilatildeo de lides que
a eles eram trazidas em um eacutepoca histoacuterica em que as decisotildees judicias eram
primeiramente proferidas pelo clero e apoacutes referendadas pela nobreza
governante
Embora natildeo haja lei que defina expressamente o ldquoamicus curiaerdquo haacute uma
seacuterie de diplomas legislativos que trazem indiretamente essa figura Entre
elas podemos citar
- Art 31 da Lei nordm 638676 ndash Mercado de Capitais
- Art 89 da Lei nordm 888494 ndash lei antitruste
- Art 49 da Lei nordm 890694 ndash Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil
- Art 5ordm da Lei nordm 946997 ndash que estabelece prerrogativas da faz Puacuteblica
- Art 97 da Constituiccedilatildeo Federal Incidente de Inconstitucionalidade
Haacute tambeacutem leis mais recentes que chama o ldquoamicus curiaerdquo de ldquoterceirosrdquo
- Lei nordm 986899 ndash Lei da ADIn e ADc Neste caso haacute previsatildeo expressa da
intervenccedilatildeo de terceiros
- Lei nordm 988299 ndash Lei da ADPF ndash tambeacutem da mesma forma
- Lei nordm 1141806 ndash Lei de Repercussatildeo Geral
Assim diante da legislaccedilatildeo paacutetria a funccedilatildeo atual do ldquoamicus curiaerdquo eacute de
ajudar o juiz a proferir uma decisatildeo quando por dois motivos a decisatildeo
afetara outras pessoas e aquela pessoa que na sua imparcialidade traz provas
ao juiz para auxiliar o juiz
Portanto mesmo sem lei eacute possiacutevel e necessaacuterio generalizar o
ldquoamicus curiaerdquo quando houver um processo paradigmaacutetico ou em
natildeo sendo deva ter um conteuacutedo valorativo muito forte
Dessa forma era possiacutevel considerar a utilidade das argumentaccedilotildees trazidas
pela Conectas que serviriam para corroborar a decisatildeo ora proferidardquo
Assim fica demonstrada a possibilidade juriacutedica da manifestaccedilatildeo da requerente
como amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
5
2) DA LEGITIMIDADE DA REQUERENTE PARA SE MANIFESTAR COMO AMICUS CURIAE
Demonstrada a possibilidade da intervenccedilatildeo de amicus curiae e da relevacircncia social
que a demanda envolve faz-se necessaacuterio analisar a representatividade da requerente a fim
de reconhecer a sua legitimidade para se manifestar como amicus curiae
No caso eacute importante destacar que a organizaccedilatildeo tem como uma de suas missotildees
a efetivaccedilatildeo dos fundamentos da Repuacuteblica Federativa do Brasil especialmente no que
tange agrave cidadania e agrave dignidade da pessoa humana Veja-se
ldquoConectas Direitos Humanos foi fundada em 2001 com a missatildeo de
fortalecer e promover o respeito aos direitos humanos no Brasil e no
hemisfeacuterio Sul dedicando-se para tanto agrave educaccedilatildeo em direitos humanos agrave
advocacia estrateacutegica e agrave promoccedilatildeo do diaacutelogo entre sociedade civil
universidades e agecircncias internacionais envolvidas na defesa destes direitos
Conectas promove advocacia estrateacutegica em direitos humanos em
acircmbito nacional e internacional com o objetivo de alterar as praacuteticas
institucionais e sociais que desencadeiam sistemaacuteticas violaccedilotildees de
direitos humanos Desde 2006 tem status consultivo junto ao Conselho
de Direitos Humanos das Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) e desde
2009 dispotildee de status de observador na Comissatildeo Africana de Direitos
Humanos e dos Povos2
A requerente eacute hoje a organizaccedilatildeo natildeo governamental com maior nuacutemero de amici
curiae perante o Supremo Tribunal Federal jaacute tendo ingressado com 42 (quarenta e dois)
desde a sua fundaccedilatildeo
Atuar em accedilotildees e processos destinados agrave efetivaccedilatildeo dos direitos humanos inclui a
busca continua pela efetivaccedilatildeo dos fundamentos da Repuacuteblica Federativa do Brasil
especialmente no que tange agrave cidadania e agrave dignidade da pessoa humana que satildeo
fundamentais para todo e qualquer serviccedilo prestado pelo Estado
2 wwwconectasorg
6
Com relaccedilatildeo aos fins institucionais da associaccedilatildeo autora vale transcrever o
inciso VI do artigo 3ordm e o paraacutegrafo 1ordm item ldquodrdquo do mesmo artigo de seu Estatuto (doc
01) in verbis
Artigo 3ordm - A ASSOCIACcedilAtildeO seraacute regida nos termos da Lei 979099 e
teraacute por finalidade promover apoiar monitorar e avaliar projetos em
direitos humanos em niacutevel nacional e internacional em especial
[]
VI ndash promoccedilatildeo e defesa dos direitos humanos em acircmbito judicial
Paraacutegrafo 1ordm - A ASSOCIACcedilAtildeO pode para consecuccedilatildeo de seus
objetivos institucionais utilizar todos os meios permitidos na lei
especialmente para
[]
g) Promover accedilotildees judiciais visando agrave efetivaccedilatildeo dos direitos
humanos
Restam desde modo devidamente demonstrados os requisitos necessaacuterios para a
admissatildeo da presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae quais sejam relevacircncia da
mateacuteria discutida a representatividade do postulante e sua legitimidade
3) OBJETO DA PRESENTE DEMANDA
A presente accedilatildeo civil puacuteblica fundamenta-se em 8 fatos que demonstram a
violaccedilatildeo sistemaacutetica que o Estado de Satildeo Paulo promove em face dos direitos das pessoas
reunirem-se independentemente de autorizaccedilatildeo para a realizaccedilatildeo de atos manifestaccedilotildees e
protestos em locais puacuteblicos na Cidade de Satildeo Paulo
A demanda tem como objeto aleacutem da tutela reparatoacuteria a determinaccedilatildeo de
obrigaccedilatildeo de fazer e de natildeo fazer ao Estado de Satildeo Paulo no que tange agrave atuaccedilatildeo de sua
Policia Militar em manifestaccedilotildees puacuteblicas a fim de cumprir com garantias e direitos
fundamentais expressos na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica como o direito de reuniatildeo o direito
7
ao lazer o direito agrave cidade a liberdade de expressatildeo e o livre exerciacutecio profissional de
jornalistas
Argumenta-se que o procedimento adotado pela Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo
Paulo em cada uma das 8 situaccedilotildees narradas trouxe danos irreversiacuteveis para as pessoas que
tiveram direitos suprimidos pela atividade repressiva e danos sociais para a coletividade
diante da grave violaccedilatildeo de preceitos fundamentais do Estado Democraacutetico de Direito
A autora requer a condenaccedilatildeo do reacuteu para que expeccedila ato normativo definindo
paracircmetros de atuaccedilatildeo da PMESP em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se
abstenha de impor condiccedilotildees ou limites de tempo e lugar agraves reuniotildees e manifestaccedilotildees
puacuteblicas de portar arma de fogo de utilizar gaacutes lacrimogecircneo e bombas de efeito moral
para dissolver aglomeraccedilotildees antes de comunicar os manifestantes em tempo haacutebil para sua
compreensatildeo e acatamento de postar a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de
Satildeo Paulo em manifestaccedilotildees paciacuteficas e de impedir qualquer cidadatildeo de captar imagem e
som de seus agentes em atuaccedilatildeo para identificar adequadamente todos os policiais atuando
em acompanhamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas para indicar negociador civil e para ser
responsabilizado pelos danos sofridos pela coletividade ou individualmente
Tendo em vista que o tema eacute de extrema relevacircncia a organizaccedilatildeo CONECTAS
DIREITOS HUMANOS que ora se manifesta na qualidade de amicus curiae oferece nesta
oportunidade argumentos em favor da concessatildeo antecipada dos efeitos da tutela
pretendida e do julgamento pela TOTAL PROCEDEcircNCIA da presente Accedilatildeo Civil
Puacuteblica pelas razotildees a seguir expostas
4) PROMOCcedilAtildeO E PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS HUMANOS NO CONTEXTO DE PROTESTOS
SOCIAIS
A ndash INTRODUCcedilAtildeO
Ao longo da histoacuteria protestos e outros meios de participaccedilatildeo social formaram
um elemento essencial de vibrantes sociedades democraacuteticas Embora a palavra ldquoprotestordquo
natildeo apareccedila no texto de tratados internacionais o sistema internacional de proteccedilatildeo dos
8
direitos humanos inegavelmente protege o direito de protestar em reconhecimento aos
direitos de reuniatildeo liberdade de expressatildeo de opiniatildeo e de associaccedilatildeo
Entretanto nos uacuteltimos anos o crescente nuacutemero de manifestaccedilotildees populares
pelo mundo vem se deparando com reaccedilotildees violentas das autoridades do Estado - em
regra os proacuteprios contestados nas manifestaccedilotildees Nesse sentido governos optam por
impor restriccedilotildees ao direito de reuniatildeo natildeo soacute ilegais mas contraacuterias ao proacuteprio conceito de
Estado Democraacutetico
Eacute nesse contexto que a presente demanda se insere e que a CONECTAS DIREITOS
HUMANOS viu-se compelida a se manifestar como amicus curiae para oferecer um breve
panorama dos principais paracircmetros internacionais que regulam o comportamento
da poliacutecia e particularmente o uso da forccedila no contexto de manifestaccedilotildees
populares
B ndash PRINCIPAIS NORMAS INTERNACIONAIS QUE REGULAM O USO DA FORCcedilA PELA
POLIacuteCIA
A niacutevel global existem 2 conjuntos de documentos que tratam especificamente da
regulaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia o Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios
Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei de 19793 (doc 4) com as diretrizes para sua efetiva
implementaccedilatildeo4 e os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei de 19905 (doc 5)
Amplamente tidas como declaraccedilotildees oficiais de direito internacional6 esses
instrumentos satildeo frequentemente mencionados pelos mecanismos regionais de direitos
3 Adotado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo nordm 34169 4 Adotado pelo Resoluccedilatildeo Conselho Social e Econocircmico da ONU nordm 198661 5 Adotado pela Conferecircncia de Crime das Naccedilotildees Unidas 6 Relatoacuterio apresentado na Assembleia Geral em 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on
9
humanos e tecircm sido repetidamente referenciados por vaacuterios oacutergatildeos da ONU7 como
expressatildeo dos princiacutepios da proporcionalidade e da estrita necessidade do uso da forccedila
policial destacando ainda que o uso de potencial forccedila letal deve ser sempre excepcional
A preocupaccedilatildeo da comunidade internacional com a efetividade dos direitos
universais de livre expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo fez com que fosse criada no
acircmbito da ONU a figura do Relator Especial sobre os Direitos de Liberdade de
Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo
Aleacutem disso haacute de ser destacado que em maio de 2011 o Relator Especial da
ONU sobre Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias ou Arbitraacuterias apresentou um
estudo ao Conselho de Direitos Humanos da organizaccedilatildeo concluindo que os sistemas
legais de muitos paiacuteses ainda natildeo aderiram aos padrotildees internacionais miacutenimos
relacionados ao uso da forccedila policial8
61 A princiacutepio disparar indiscriminadamente contra uma multidatildeo natildeo eacute
permitido e soacute pode se voltar ao indiviacuteduo ou grupo que constitui ameaccedila
de morte ou ferimentos graves O uso de armas de fogo natildeo pode ser
justificado apenas porque uma reuniatildeo eacute ilegal que tenha deva ser
dispersada ou para se proteger a propriedade Isso muitas vezes natildeo estaacute
refletido nas leis do paiacutes
62 Nos termos do Coacutedigo de Conduta e dos Princiacutepios Baacutesicos a norma a
respeito do uso intencional de forccedila letal eacute a mesma em todas as
circunstacircncias mesmo em auto-defesa prisatildeo contenccedilatildeo de revolta popular
the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 7 Entre outros Resoluccedilotildees do Conselho de Direitos Humanos observaccedilotildees finais de vaacuterios corpos de tratados como o Comitecirc de Direitos Humanos e o Comitecirc Contra a Tortura aleacutem dos relatos de procedimentos especiais 8 Relatoacuterio do Relator Especial sobre execuccedilotildees extrajudicias sumaacuterias ou arbitraacuterias apresentado agrave Assembleia Geral em 23052011 (AHRC1728) paraacutegrafos 61 e 62 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf
10
ou em quaisquer outras circunstacircncias ou seja somente em proteccedilatildeo da
vida9
No acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos (CIDH) por meio do Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos
Humanos (2009) (doc 7) e do Relatoacuterio sobre a Situaccedilatildeo dos Defensores dos
Direitos Humanos nas Ameacutericas (2012) (doc 8) definiu paracircmetros concretos para
regular o policiamento de protestos que inclui nomeadamente a proibiccedilatildeo do uso de
forccedila letal a necessidade de treinamento adequado para o policiamento durante
manifestaccedilotildees de massa e a exigecircncia de identificaccedilatildeo clara e individual dos policiais
Nota-se que os paracircmetros da CIDH tambeacutem reforccedilam os princiacutepios da
proporcionalidade e da estrita necessidade aleacutem de reconhecer que o direito de protestar eacute
uma forma de expressatildeo coletiva que deve ser garantida10
Natildeo eacute demais destacar que na Europa estaacute vigente um Coacutedigo Europeu de Eacutetica
Policial que conteacutem uma seccedilatildeo inteira dedicada ao policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas
que incluem obrigaccedilotildees processuais e materiais sobre as forccedilas de seguranccedila antes durante
e apoacutes as manifestaccedilotildees acontecerem aleacutem de um foco especial sobre as obrigaccedilotildees da
poliacutecia quando as forccedilas de seguranccedila tomam medidas para dispersar a multidatildeo11
9 Traduccedilatildeo livre de 61 In principle shooting indiscriminately into a crowd is not allowed and may only be targeted at the person or persons constituting the threat of death or serious injury The use of firearms cannot be justified merely because a particular gathering is illegal and has to be dispersed or to protect property This is often not reflected in domestic laws 62 In terms of the Code and the Basic Principles the norm in respect of the intentional use of lethal force is the same under all circumstances whether in self-defence arrest quelling a riot or any other circumstances namely protection of life 10 ldquoComo a jurisprudecircncia do sistema interamericano explicou em numerosas ocasiotildees a liberdade de expressatildeo eacute um direito que tem duas dimensotildees uma dimensatildeo individual que consiste no direito de cada pessoa para expressar seus pensamentos ideias e informaccedilotildees e uma dimensatildeo coletiva ou social que consiste no direito da sociedade de obter e receber todas as informaccedilotildees para saber os pensamentos ideias e informaccedilotildees de outras pessoas para estarem bem informadosrdquo CIDH Escritoacuterio do Relator Especial pela Liberdade de Expressatildeo The inter-American legal framework regarding the right to freedom of expression (OEA SerLVII CIDHRELEINF (2009) par 13 Traduccedilatildeo livre de ldquoAs the case law of the inter-American system has explained on numerous occasions freedom of expression is a right that has two dimensions an individual dimension consisting of the right of each person to express her own thoughts ideas and information and a collective or social dimension consisting of societyrsquos right to obtain and receive any information to know the thoughts ideas and information of others and to be well-informedrdquo 11 Paraacutegrafo 176 da Segunda Ediccedilatildeo das Diretrizes da OSCE Detalhando por exemplo a obrigaccedilatildeo de estabelecer procedimentos de descontaminaccedilatildeo de produtos quiacutemicos irritantes utilizados em
11
A Corte Europeia de Direitos Humanos inclusive jaacute adotou posicionamentos
importantes sobre o tema como a presunccedilatildeo em favor do caraacuteter paciacutefico de todas as
manifestaccedilotildees12 a legitimidade das manifestaccedilotildees de uso do espaccedilo puacuteblico ainda que
causem um certo grau de perturbaccedilatildeo na vida cotidiana13 a necessidade de avaliar o
comportamento do indiviacuteduo separadamente do da multidatildeo14 e o ocircnus da prova de
manifestantes com intenccedilotildees ou accedilotildees violentas que recai sobre as autoridades15
Com o que seraacute esmiuccedilado a seguir este mm Juiacutezo teraacute condiccedilotildees de
observar que o Estado de Satildeo Paulo em sua competecircncia de regulamentar e
controlar a atividade de sua poliacutecia militar aleacutem de desrespeitar a proacutepria
Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil viola absolutamente TODAS AS
NORMAS INTERNACIONAIS jaacute estabelecidas para o uso da forccedila policial
5) DO USO DA FORCcedilA PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO NO DIA 13 DE
JUNHO DE 2013
Em 13 de junho de 2013 uma das situaccedilotildees de fato trazidas agrave demanda a Poliacutecia
realizava em Satildeo Paulo uma das mais violentas repressotildees a manifestaccedilotildees desde o fim da
ditadura militar Numa noite de horror coletivo raramente vista milhares de pessoas que
manifestantes a proibiccedilatildeo de utilizar a forccedila contra manifestantes paciacuteficos que satildeo incapazes de dispersar o dever de manter registros detalhados sobre o tipo de forccedila utilizada e a obrigaccedilatildeo de investigar a causa de mortes ou ferimentos entre outros 12 Uma assembleacuteia seraacute considerada paciacutefica enquanto os participantes estiverem paciacuteficos mesmo que os organizadores natildeo cumpram com todos os requisitos legais necessaacuterios para o desenvolvimento da manifestaccedilatildeo Oya Ataman v Turkey no 7455201 ECHR 2006 e Cisse v France no 5134699 sect 37 ECHR 2002 Traduccedilatildeo livre de ldquoAn assembly will be deemed peaceful as long as the participants remain peaceful even if the organizers have not complied with all legal requirements prior to the assemblyrdquo 13 Patyi and Others v Hungary no 552905 sectsect 42-43 ECHR 2008 Balccedilik and Others v Turkey no 2502 sect 52 ECHR 2007 Ashughyan v Armenia no 3326803 sect 90 ECHR 2008 14 ldquouma pessoa natildeo deixa de gozar do direito de reuniatildeo paciacutefica em casos de violecircncia esporaacutedica ou outros atos puniacuteveis cometidos por outras no curso da manifestaccedilatildeo se permanece tranquilo em suas proacuteprias intenccedilotildees ou comportamentosrdquo Ziliberberg v Moldova (dec) no 6182100 ECHR 2004 Traduccedilatildeo livre de ldquoan individual does not cease to enjoy the right to peaceful assembly as a result of sporadic violence or other punishable acts committed by others in the course of the demonstration if the individual in question remains peaceful in his or her own intentions or behaviourrdquo 15 Christian Democratic Peoplersquos Party v Moldova (No 2) no 2519604 sect 23 ECHR 2010
12
participavam de um protesto paciacutefico no centro da cidade se viram cercadas por tropas
policiais em um labirinto violento que atravessou a noite e cujas traacutegicas consequecircncias se
fazem sentir ainda hoje especialmente para os que carregaratildeo sequelas fiacutesicas e emocionais
Esse caso mostra evidente que os procedimentos adotados pela seguranccedila puacuteblica
paulista natildeo respeitaram os protocolos internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila
aleacutem de descumprir tratados e convenccedilotildees internacionais que o Brasil eacute signataacuterio e natildeo
seguir as recomendaccedilotildees das organizaccedilotildees internacionais das quais o Brasil eacute parte
Satildeo numerosos os relatos e evidecircncias de violecircncia fiacutesica contra os manifestantes
em 13 de junho de 2013 inclusive em desfavor de pessoas rendidas deitadas desarmadas e
desprovidas de qualquer acircnimo de resistecircncia Muitas destas pessoas foram espancadas e
atingidas por disparos de balas de borracha
Foram relatados ainda atos de violecircncia contra pessoas que natildeo estavam
participando dos protestos inclusive idosos e crianccedilas16 Foram registradas cenas onde a
Poliacutecia invadiu ateacute mesmo hospitais a fim de localizar pessoas que teriam participado dos
protestos17 Aleacutem disso apoacutes o grande nuacutemero de manifestantes jaacute ter sido dispersado
foram registradas cenas onde a Poliacutecia invadiu estabelecimentos comerciais supostamente
em busca dos manifestantes e agrediu pessoas18 Segundo relatos dos organizadores do
evento mais de 100 pessoas ficaram feridas19 em decorrecircncia da accedilatildeo truculenta da Poliacutecia
naquele dia
16 Ver por exemplo PORTAL DE NOTIacuteCIAS TERRA ldquoBomba de gaacutes lacrimogecircneo atinge carro de um idoso que estava de passagemrdquo viacutedeo publicado no 14 de junho de 2013 13h50 disponiacutevel no link httpterratvterracombrvideosNoticiasBrasilCidades4828-474261Bomba-de-gas-lacrimogeneo-cai-dentro-de-carro-em-protesto-em-SPhtm 17 Ver depoimento no site do Coletivo Antiproibicionista de Satildeo Paulo ldquoPM retira feridos a forccedila de hospital e impede atendimentordquo 14 de junho de 2013 disponiacutevel no link httpcoletivodarorg201306pm-retira-feridos-a-forca-de-hospital-e-impede-atendimento
18Ver por exemplo JORNAL FOLHA DE SAtildeO PAULO ldquoApoacutes confronto casal eacute agredido por PMs na regiatildeo da Paulistardquo 14 de junho de 2013 00h52 disponiacutevel em httpwww1folhauolcombrcotidiano2013061294916-apos-confronto-casal-e-agredido-por-pms-na-regiao-da-paulistashtml 19
Os dados finais sobre o numero de feridos ainda estatildeo sendo organizados pelo MPL e pela Defensoria
Puacuteblica de Satildeo Paulo Para uma estimativa ver infograacutefico JORNAL FOLHA DE SAtildeO PAULO ldquoDos 235
detidos em protesto 231 satildeo liberados apoacutes prestar depoimentordquo 14 de junho 2013 07h25 disponiacutevel
emhttpwww1folhauolcombrcotidiano2013061294960-dos-235-detidos-em-protesto-231-sao-
liberados-apos-prestar-depoimentoshtml
13
Abaixo demonstra-se detalhadamente cada norma dos protocolos internacionais
para a utilizaccedilatildeo da forccedila que foram descumpridas pela Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo
Paulo contribuindo-se para o livre convencimento deste mm Juiacutezo a dar total procedecircncia
agrave presente accedilatildeo civil puacuteblica
i - DA INTERRUPCcedilAtildeO DA REUNIAtildeO PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO
VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS
Um dia que ficaria para a histoacuteria como a maior expressatildeo do exerciacutecio do direito
constitucional de reuniatildeo da liberdade de expressatildeo e de locomoccedilatildeo na verdade tornou-se
a maior expressatildeo da restriccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da proacutepria Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Observa-
se que a justificativa de se liberar o traacutefego de veiacuteculos para garantir a manutenccedilatildeo da
ordem puacuteblica foi a causa que deu iniacutecio agrave accedilatildeo ilegal e truculenta da Poliacutecia Militar do
Estado de Satildeo Paulo (PMESP)
Nota-se das paacuteginas 21 e 22 da exordial que as proacuteprias forccedilas de seguranccedila
tomaram a iniciativa de encerrar o ato que reuniu cerca de 15 mil pessoas que caminhavam
pelas ruas de Satildeo Paulo
Ocorre que aleacutem de ilegal e inconstitucional essa medida ofende diretamente a
Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos (Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica)
incorporada ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 68792
Eacute o que diz a Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos no Marco Juriacutedico
Interamericano Sobre o Direito agrave Liberdade de Expressatildeo20 onde seu paraacutegrafo 82
assevera
20 Apresentado pela Relatoria para a Liberdade de Expressatildeo da Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos 2010 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhexpresiondocspublicacionesMARCO20JURIDICO20INTERAMERICANO20DEL20DERECHO20A20LA20LIBERTAD20DE20EXPRESION20ESP20FINAL20portadadocpdf (acessado em 04062014)
14
ldquoqualquer afetaccedilatildeo da ordem puacuteblica invocada como justificaccedilatildeo para limitar
a liberdade de expressatildeo deve obedecer causas reais e objetivamente
verificaacuteveis que signifiquem uma ameaccedila certa e acreditaacutevel de uma
perturbaccedilatildeo potencialmente grave das condiccedilotildees baacutesicas para o
funcionamento das instituiccedilotildees democraacuteticasrdquo21
Nota-se do conjunto probatoacuterio juntado aos autos que antes da atuaccedilatildeo policial
natildeo houve qualquer risco razoaacutevel de distuacuterbio grave natildeo havendo possibilidade diante da
Convenccedilatildeo Americana de se promover a dispersatildeo da manifestaccedilatildeo simplesmente pela
ocupaccedilatildeo de uma via puacuteblica
Eacute o que diz a continuaccedilatildeo do dispositivo mencionado acima
ldquoEm consequecircncia natildeo eacute suficiente invocar meras conjecturas sobre
eventuais afetaccedilotildees da ordem nem circunstacircncias hipoteacuteticas derivadas
de interpretaccedilotildees das autoridades diante de fatos que natildeo representem
claramente um risco razoaacutevel de distuacuterbios graves Uma interpretaccedilatildeo mais
ampla ou indeterminada abriria um campo inadmissiacutevel agrave arbitrariedade e
restringiria a raiz da liberdade de expressatildeo que forma parte integral da
ordem puacuteblica protegida pela Convenccedilatildeo Americanardquo22
Dentre as pessoas viacutetimas da violecircncia policial do dia 13062013 dez prestaram
relatos agrave requerente sobre o que ocorreu naquela noite em Satildeo Paulo (doc 6) informando
que PMESP perseguiu prendeu agrediu e feriu indiscriminadamente natildeo apenas
manifestantes mas tambeacutem jornalistas e moradores dos bairros por onde a marcha passou
21 Traduccedilatildeo livre de ldquocualquier afectacioacuten del orden puacuteblico invocada como justificacioacuten para limitar la libertad de expresioacuten debe obedecer a causas reales y objetivamente verificables que planteen una amenaza cierta y creiacuteble de una perturbacioacuten potencialmente grave de las condiciones baacutesicas para el funcionamiento de las instituciones democraacuteticasrdquo 22 Traduccedilatildeo livre de ldquo En consecuencia no resulta suficiente invocar meras conjeturas sobre eventuales afectaciones del orden ni circunstancias hipoteacuteticas derivadas de interpretaciones de las autoridades frente a hechos que no planteen claramente un riesgo razonable de disturbios graves (ldquoviolencia anaacuterquicardquo) Una interpretacioacuten maacutes amplia o indeterminada abririacutea un campo inadmisible a la arbitrariedad y restringiriacutea de raiacutez la libertad de expresioacuten que forma parte integral del orden puacuteblico protegido por la Convencioacuten Americanardquo
15
Veja-se o depoimento de uma delas
A manifestaccedilatildeo seguiu pela av Ipiranga ateacute o iniacutecio da rua da Consolaccedilatildeo
onde jaacute havia viaturas policiais acompanhando a multidatildeo Ateacute entatildeo a
movimentaccedilatildeo desses policiais era tranquila como a dos proacuteprios
manifestantes Eles caminhavam com suas faixas bandeiras camisas com
dizeres de protesto gritos enfim uma manifestaccedilatildeo como outra qualquer
Entrando na rua da Consolaccedilatildeo o clima comeccedilou a ficar diferente Em
frente agrave Praccedila Roosevelt havia uma barreira de guardas civis da Guarda
Civil Metropolitana (GCM) Eles se posicionaram com escudos e cassetetes
formando uma barreira humana nas escadarias da Praccedila Roosevelt para que
os manifestantes natildeo ocupassem aquele espaccedilo []
Seguindo ainda nesse trecho da rua da Consolaccedilatildeo a Poliacutecia Militar do
estado de Satildeo Paulo posiciona alguns veiacuteculos duas ou trecircs viaturas (natildeo me
recordo bem) e comeccedila um diaacutelogo (podemos chamar assim) entre alguns
policiais alguns manifestantes e o pessoal da imprensa Posso dizer com
absoluta certeza que eram pouquiacutessimas pessoas nesse diaacutelogo dois ou trecircs
policiais cinco ou seis manifestantes e o resto era da imprensa Eu estava
proacuteximo do local dessa conversa e o pouco que eu consegui ouvir era da
voz de um policial dizendo que os manifestantes natildeo poderiam continuar
naquele trajeto ou seja subir a rua da Consolaccedilatildeo em direccedilatildeo agrave av Paulista
que era o trajeto que aquela manifestaccedilatildeo queria fazer
16
Ao adotar a formaccedilatildeo de confronto e impedir o prosseguimento da manifestaccedilatildeo
paciacutefica a PMESP impediu o exerciacutecio do direito de reuniatildeo e livre expressatildeo de cerca de
15 mil pessoas Natildeo satisfeita ainda iniciou o lanccedilamento de bombas e tiros com municcedilatildeo
de elastocircmero contra as pessoas reunidas ali pacificamente
23
Claramente ao interromper as pessoas ali reunidas que marchavam
pacificamente a PMESP rasgou todas as cartas de direitos que reconhecem a liberdade de
reuniatildeo e de expressatildeo - a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica a Declaraccedilatildeo Universal de Direitos
Humanos e a Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos ndash ferindo tambeacutem os
posicionamentos de organismos internacionais como a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos (CIDH)cedilque sinaliza hipoacuteteses restritas de limitaccedilatildeo do direito de
reuniatildeo no 2ordm Relatoacuterio sobre a Situaccedilatildeo de Defensores e Defensoras de Direitos
Humanos nas Ameacutericas24 (doc 8) Veja-se
ldquo107 Nos uacuteltimos anos alguns paiacuteses tecircm apresentado um aumento no
nuacutemero de accedilotildees penais contra participantes de protestos sociais para a
reivindicaccedilatildeo de direitos utilizando-se de argumentos como a perturbaccedilatildeo
da ordem puacuteblica ou o atentado contra a seguranccedila do Estado Em virtude
da importacircncia que se revestem as manifestaccedilotildees puacuteblicas nos sistemas
democraacuteticos o Estado possui hipoacuteteses restritas para aplicar
limitaccedilotildees nesse sentido mesmo que o direito de reuniatildeo natildeo seja
23 Disponiacutevel em httpimgr7comimages2013061500_13_08_643_filedimensions=780x340 24 Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos 2011 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhdefensoresdocspdfdefensores2011pdf (acessado em 02062014)
17
absoluto ou possa estar sujeito a certos limites essas justificativas
devem ser razoaacuteveis para se assegurar o desenvolvimento paciacutefico das
manifestaccedilotildees e devem reger-se ldquopelos princiacutepios da legalidade da
necessidade e da proporcionalidaderdquo25
A importacircncia destes firmes posicionamentos da CIDH fundamenta-se em sua
proacutepria funccedilatildeo institucional de interpretar e recomendar a melhor aplicaccedilatildeo da
Convenccedilatildeo que claramente reconhece na atividade administrativa do Estado de Satildeo
Paulo a violaccedilatildeo de dois de seus artigos abaixo transcritos
Artigo 13 - Liberdade de pensamento e de expressatildeo
Toda pessoa tem o direito agrave liberdade de pensamento e de expressatildeo Esse
direito inclui a liberdade de procurar receber e difundir informaccedilotildees e ideacuteias
de qualquer natureza sem consideraccedilotildees de fronteiras verbalmente ou por
escrito ou em forma impressa ou artiacutestica ou por qualquer meio de sua
escolha
Artigo 15 - Direito de reuniatildeo
Eacute reconhecido o direito de reuniatildeo paciacutefica e sem armas O exerciacutecio desse
direito soacute pode estar sujeito agraves restriccedilotildees previstas em lei e que se faccedilam
necessaacuterias em uma sociedade democraacutetica ao interesse da seguranccedila
nacional da seguranccedila ou ordem puacuteblicas ou para proteger a sauacutede ou a
moral puacuteblicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas
25 Traduccedilatildeo livre de ldquo107 En los uacuteltimos antildeos se ha presentado una creciente iniciacioacuten de acciones penales en algunos paiacuteses en contra de quienes participan en protestas sociales para la reivindicacioacuten de derechos bajo el argumento de que supuestamente se desarrollariacutean en un marco de perturbacioacuten del orden puacuteblicoo atentariacutean contra la seguridad del Estado En virtud de la importancia que reviste la protesta social en los sistemas democraacuteticos el Estado tiene un marco centildeido para justificar su limitacioacuten en este sentido si bien el derecho de reunioacuten no es absoluto y puede estar sujeto a ciertos liacutemites eacutestos deben ser razonablescon el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las manifestaciones y deben regirse ldquopor los principios de legalidad necesidad y proporcionalidaderdquo
18
Jaacute no acircmbito da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) o Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Poliacuteticos26 exige que os Estados signataacuterios
garantam aos seus cidadatildeos o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de participaccedilatildeo da
conduccedilatildeo de assuntos puacuteblicos sem restriccedilotildees infundadas27
Nessa linha o 8ordm Congresso das Naccedilotildees Unidas sobre a Prevenccedilatildeo do Crime
e o Tratamento dos Delinquentes deu publicidade a um documento formulado para
assistir os Estados membros na tarefa de assegurar e promover a adequada missatildeo dos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo de lei Trata-se dos Princiacutepios Baacutesicos sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da
Lei28 (doc 5) que dentre suas disposiccedilotildees determina que
ldquodevem ser tomados em consideraccedilatildeo e respeitados pelos governos
no acircmbito da legislaccedilatildeo e da praacutetica nacionais e levados ao
conhecimento dos funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei e de
outras pessoas como juiacutezes agentes do Ministeacuterio Puacuteblico
advogados membros do Executivo e do Legislativo bem como do
puacuteblico em geralrdquo
Ao se comprometer com esse documento o Estado Brasileiro compreendido por
Uniatildeo Estados e Municiacutepios natildeo pode deixar de observar suas disposiccedilotildees
Todavia mesmo conhecedor desses paracircmetros o Estado de Satildeo Paulo
por meio da PMESP no dia 13 de junho optou por descumpri-los ao encerrar uma
manifestaccedilatildeo legal e natildeo-violenta
26 Internalizado ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 592 de 6 de julho de 1992 27 Arts 19 21 e 25 28 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)
19
29
A violaccedilatildeo do compromisso internacional estaacute explicitada em seu Princiacutepio 12
que diz que como todos tecircm direito de participar de reuniotildees legiacutetimas e paciacuteficas de acordo com os
princiacutepios expressos na Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional de Direitos
Civis e Poliacuteticos os governos entidades e os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo reconhecer que a forccedila
e as armas de fogo soacute podem ser usadas nos termos dos Princiacutepios 13 e 14
Note-se que tais princiacutepios referem-se a grupos ilegais e violentos o que
claramente natildeo foi o caso das pessoas que estavam nas ruas exercendo seu direito de livre
expressatildeo e reuniatildeo poreacutem ainda que fosse seria inevitaacutevel se observarem os criteacuterios da
proporcionalidade e da estrita necessidade no uso da forccedila policial
Veja-se a transcriccedilatildeo dos Princiacutepios 13 e 14 do protocolo
13 Ao dispersar grupos ilegais mas natildeo-violentos os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo evitar o uso da forccedila ou quando tal natildeo for
possiacutevel deveratildeo restringir tal forccedila ao miacutenimo necessaacuterio
14 Ao dispersar grupos violentos os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute
poderatildeo fazer uso de armas de fogo quando natildeo for possiacutevel usar outros
meios menos perigosos e apenas nos termos minimamente necessaacuterios Os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei natildeo deveratildeo fazer uso de armas de
fogo em tais casos a natildeo ser nas condiccedilotildees previstas no Princiacutepio 9
29 Disponiacutevel em httpwwwvalorcombrsitesdefaultfilesimagecachemedia_library_300_197imagesprotestag_0_8_640_419jpg
20
Ora diante dos fatos eacute impossiacutevel identificar sequer um rastro de observacircncia
deste protocolo pela PMESP seja no dia 13 de junho de 2013 ou nas outras situaccedilotildees
narradas na inicial
Portanto demonstra-se que suposta manutenccedilatildeo da ordem puacuteblica no intuito de
se garantir a circulaccedilatildeo de veiacuteculos natildeo pode do ponto de vista juriacutedico interno e
internacional frustrar o direito de reuniatildeo das pessoas que se encontram em vias puacuteblicas
para exercer seu direito universal agrave liberdade de expressatildeo
ii - DA UTILIZACcedilAtildeO DE ARMAS DE FOGO COM MUNICcedilAtildeO DE ELASTOcircMERO BOMBAS DE
GAacuteS E GRANADAS DE LUZ E SOM PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO
VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS
Os relatos daqueles que participaram da manifestaccedilatildeo (doc 6) sugerem que em
vez de direcionar a marcha num suposto sentido de dispersatildeo os policiais encurralaram
milhares de pessoas num circuito de tiro com balas de borracha saturado com bombas
de gaacutes e granadas de luz e som ao longo de vaacuterias ruas da regiatildeo central Essa taacutetica policial
de encurralamento pode ser observada pelo mapa abaixo o qual explica como se deu o
trajeto realizado pela poliacutecia e manifestantes
21
22
Seacutergio Andrade da Silva de 31 anos eacute um fotoacutegrafo casado e pai de duas
crianccedilas Na noite do protesto ele saiu para trabalhar Faria fotos da marcha para uma
agecircncia de notiacutecias mas acabou horas depois internado no ldquoHospital H Olhosrdquo depois
de ter passado pelo ldquoHospital 9 de Julhordquo onde recebeu doses de morfina para controlar a
dor de duas fraturas na oacuterbita ocular resultante de accedilatildeo da Poliacutecia Militar Sergio levou
cinco pontos dentro do olho esquerdo do qual ficaria definitivamente cego
Transcreve-se abaixo trecho do relato de Sergio que mostra todo o pacircnico que
sentiu no momento da agressatildeo recebida pela PMESP (doc 6)
Fui atingido por uma bala de borracha Tenho quase 180m e a bala me
atingiu exatamente no olho [] A dor foi instantacircnea profunda terriacutevel
Todos os piores adjetivos com que vocecirc puder qualificar a dor eu senti
naquele momento Meu olho inchou rapidamente coloquei a matildeo e minha
paacutelpebra jaacute havia se fechado Muito sangue comeccedilava a cair naquele instante
e pensei lsquofiquei cego Natildeo vou mais conseguir fotografarrsquo Foi a sensaccedilatildeo
que eu tive
Outro relato mostra exatamente o desespero de um cidadatildeo que corre risco de
vida ou de ferimentos graves pela accedilatildeo da proacutepria poliacutecia que supostamente deve
promover a seguranccedila puacuteblica (doc 6)
23
Ali foi o momento mais desesperador mesmo porque natildeo conseguia
respirar achei que ia desmaiar ali comecei a ficar fraca natildeo conseguia correr
mais e fiquei um tempo ali desnorteada com todo aquele gaacutes e continuei
correndohellip Jaacute tinha perdido todo mundo e olhei para os lados estava todo
mundo correndo subindo e natildeo tinha para onde ir a natildeo ser subir a
Augusta Tinha muita gente e natildeo dava para ir raacutepido a gente ficou
encurralado Quando vi estaacutevamos entre uma parede subindo a Augusta
na frente tinha um grupo de policias da Tropa de Choque e atraacutes tambeacutem
Ali foi o momento que fomos emparedados Natildeo tinha o que fazer natildeo
dava para correr muito corriacuteamos lentamentehellip Me senti fuzilada naquele
momento a gente ficou emparedado parecia um fuzilamento no paredatildeo
Foi tudo muito raacutepido e de repente estourou uma bomba na minha frente a
princiacutepio achei que era gaacutes lacrimogecircnio eu senti todo o impacto no meu
corpo mas continuei correndo Natildeo sabia que eu havia me machucado ou
melhor que tinham me machucado naquele momento soacute tinha sentido o
impacto Eu estava com muito medo de levar bala de borracha porque eles
estavam realmente perseguindo Quando virei a direita eu continuei
ouvindo os tiros e as bombas e aquela rua estava completamente parada as
pessoas correndo entre os carros todo mundo desesperado ali E eles
continuaram correndo atraacutes da gente ndash na verdade sequer olhei para traacutes
dava para ouvir e tinha certeza absoluta que seria atingida por uma bala de
borracha Porque eles estavam muito perto perseguindo Consegui correr e
virar a direita de novo onde encontrei um estacionamento grande na Caio
Prado Ali correndo seguindo nessa rua percebi que havia um corte
profundo no meu braccedilo Eu olhei um corte muito profundo eu fiquei
muito assustada Minha reaccedilatildeo foi chorar continuar correndo Foi uma
sensaccedilatildeo de desespero muito grande mesmo Me senti em uma guerra natildeo
tinha para onde correr e com certeza seria atingida por alguma bala de
borracha ou por bombas porque eles continuavam atraacutes Nesse
estacionamento pedi para o rapaz me deixar entrar Ele falou que natildeo podia
me deixar entrar Falei ldquopor favor me deixa entrarrdquo mostrei meu braccedilo ele
se assustou e deixou entrar
24
Esta eacute a lesatildeo de que relato trata
Estes casos revelam o potencial de causar danos irreversiacuteveis que as ldquomuniccedilotildees
menos letaisrdquo como municcedilatildeo de elastocircmero em armas de fogo possuem quando utilizadas
contra oacutergatildeos vitais e a curta distacircncia
O fotoacutegrafo Seacutergio natildeo teria perdido um olho e centenas de pessoas natildeo
teriam sofrido lesotildees e corrido risco de morte se a PMESP tivesse observado
minimamente os paracircmetros internacionais para o uso da forccedila reconhecidos pela
Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas e pela Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos
O Coacutedigo de Conduta Para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo
da Lei30 (doc 4) aprovado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo 34169 de 17
de dezembro de 1979 estabelece criteacuterios para a aplicaccedilatildeo da lei na defesa da ordem
puacuteblica e a forma como essas funccedilotildees satildeo exercidas
30 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)
25
Seu artigo 3ordm dispotildee
Os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute podem empregar a
forccedila quando tal se afigure estritamente necessaacuterio e na medida
exigida para o cumprimento do seu dever
Bastaria a leitura deste artigo para verificar que os agentes de seguranccedila
independente do dever que entendiam estar cumprindo ultrapassaram (e muito) o
estritamente necessaacuterio
Ainda assim esse importante documento internacional vigente desde 1979
possui comentaacuterios interpretativos31 que permitem a melhor aplicaccedilatildeo de seus dispositivos
Veja-se o que diz o comentaacuterio do artigo 3ordm
ldquoComentaacuterio
a) Esta disposiccedilatildeo salienta que o emprego da forccedila por parte dos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deve ser excepcional
Embora admita que estes funcionaacuterios possam estar autorizados a utilizar a
forccedila na medida em que tal seja razoavelmente considerado como
necessaacuterio tendo em conta as circunstacircncias para a prevenccedilatildeo de um crime
ou para deter ou ajudar agrave detenccedilatildeo legal de delinquentes ou de suspeitos
qualquer uso da forccedila fora deste contexto natildeo eacute permitido
b) A lei nacional restringe normalmente o emprego da forccedila pelos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei de acordo com o princiacutepio
da proporcionalidade Deve-se entender que tais princiacutepios nacionais
de proporcionalidade devem ser respeitados na interpretaccedilatildeo desta
disposiccedilatildeo
A presente disposiccedilatildeo natildeo deve ser em nenhum caso interpretada no
sentido da autorizaccedilatildeo do emprego da forccedila em desproporccedilatildeo com o
legiacutetimo objetivo a atingir
c) O emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem
fazer-se todos os esforccedilos no sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de
31 Diretrizes para a efetiva implementaccedilatildeo do Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei Adotado pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU em 1986 por meio da resoluccedilatildeo nordm 198661
26
fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo utilizar-se
armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou
quando de qualquer forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja
suficientes medidas menos extremas para o dominar ou deter Cada vez que
uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as
autoridades competentesrdquo
Observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP tambeacutem natildeo respeitou as disposiccedilotildees dos
Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios
Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (Princiacutepios Baacutesicos) outra normativa no acircmbito
da ONU a qual o Brasil estaacute submetido
32
Eacute escandaloso o descompasso da atuaccedilatildeo policial com o que determina o
paraacutegrafo 5 desse importante documento Veja-se
32 Disponiacutevel em httppontoeletronicomewp-contentuploads20130613jun2013-policial-se-prepara-para-atirar-contra-manifestantes-durante-protesto-contra-o-aumento-da-tarifa-do-transporte-coletivo-realizado-pelas-ruas-da-regiao-central-de-sao-paulo-1371176850700_1920x1080jpg
27
ldquo5 Sempre que o uso legiacutetimo da forccedila e de armas de fogo for inevitaacutevel
os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
(a) Exercer moderaccedilatildeo no uso de tais recursos e agir na proporccedilatildeo da
gravidade da infraccedilatildeo e do objetivo legiacutetimo a ser alcanccedilado
(b) Minimizar danos e ferimentos e respeitar e preservar a vida humana
(c) Assegurar que qualquer indiviacuteduo ferido ou afetado receba assistecircncia e
cuidados meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel
(d) Garantir que os familiares ou amigos iacutentimos da pessoa ferida ou afetada
sejam notificados o mais depressa possiacutevel
Diante dos fatos narrados na inicial eacute possiacutevel se questionar O uso legiacutetimo da
forccedila foi inevitaacutevel Houve infraccedilatildeo grave dos manifestantes para justificar a proporccedilatildeo da
forccedila policial aplicada Houve por parte da PMESP a prestaccedilatildeo de assistecircncia e cuidados
meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel As forccedilas repressivas do Estado garantiram a imediata
notificaccedilatildeo dos feridos
A resposta eacute veementemente negativa para todas essas questotildees
Independentemente dos questionamentos acima tambeacutem natildeo eacute possiacutevel
identificar qual o objetivo legiacutetimo da atuaccedilatildeo da PMESP A proacutepria intenccedilatildeo de dispersatildeo
jaacute ofende o direito agrave reuniatildeo legalmente exercido pela manifestaccedilatildeo puacuteblica presente nos 8
casos trazidos na inicial poreacutem a PMESP foi aleacutem pois contrariou os princiacutepios 13 e 14
dos Princiacutepios Baacutesicos33 ainda que tais manifestaccedilotildees fossem consideradas ilegais e
violentas
Ora estaacute mais do que claro que a utilizaccedilatildeo de armamento de fogo com
municcedilatildeo de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral estariam
absolutamente descartadas se fossem cumpridas as normativas internacionais para
o uso da forccedila
33 A transcriccedilatildeo dos artigos 13 e 14 dos princiacutepios baacutesicos estaacute na paacutegina 16
28
Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais
mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito
internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de
proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade
Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser
sempre a uacuteltima opccedilatildeo
O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias
ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no
sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida
74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo
da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um
contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente
treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo
contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente
quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis
Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente
controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave
forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro
juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo
34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre
Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)
29
iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia
de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma
confiaacutevel36
Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees
da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da
liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX
que ora transcreve-se
Artigo XIX
Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito
inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e
transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente
de fronteiras
Artigo XX
1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas
2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo
Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre
Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem
assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o
relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de
controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto
identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees
36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
30
administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo
das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas
investigaccedilotildees
Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho
de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma
das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de
maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila
de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel
abuso da forccedila
Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas
administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em
manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente
necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de
planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso
abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo
recomendou as seguintes medidas
a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da
forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas
b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees
c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para
verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores
A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao
Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde
partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de
comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela
PMESP no dia 13 de junho de 2014
31
Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que
um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem
de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros
internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em
qualquer outra manifestaccedilatildeo popular
iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO
DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO
Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo
em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de
direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)
ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi
realizada de forma violenta e ilegal
Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem
evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De
acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude
adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia
perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois
A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de
gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a
Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como
pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era
como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e
violecircncia
Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na
direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria
Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos
os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da
Silva)
32
ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um
cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a
ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha
muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais
lanccedilavam bomba por nada para todos os lados
Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as
pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva
[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se
acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas
entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]
quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para
deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos
Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando
com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta
velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo
tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas
pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As
33
pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas
que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair
de laacute
Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o
traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato
mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da
accedilatildeo repressiva
A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava
dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na
Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []
Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente
rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais
comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como
eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para
dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no
chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador
34
Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante
recorrentes
Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um
ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial
mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua
patricinha vagabundarsquo ele me dizia
[]
Vai embora sua prostituta
A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer
seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente
sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral
Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo
Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes
puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz
que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no
35
sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo
utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer
forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou
deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades
competentes
No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de
Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma
de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de
armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal
aviso deve ser feito de forma clara e adequada
Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento
10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente
a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo
suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando
tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave
ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso
Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a
utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo
de armas de fogo
Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a
grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade
policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma
sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma
36
manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos
princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38
Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)
manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de
proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo
com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado
ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever
de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e
menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas
deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme
os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo
A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa
de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila
Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do
Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas
envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para
que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio
ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se
identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza
as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila
outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude
exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
37
[]
A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica
implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto
proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com
proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de
reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O
grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja
considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do
que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de
maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se
encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o
uso da forccedila resulta desproporcionado
Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da
aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute
internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado
internacional de direitos humanos
Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com
documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema
necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas
de seguranccedila
iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE
POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES
Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a
de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de
identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria
responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)
41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15
38
ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo
ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem
os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na
Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo
onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam
muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito
desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada
um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e
depois soltarrdquo
Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume
havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as
normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo
usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento
Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute
tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma
Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por
parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em
particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo
identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de
2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos
gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de
3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se
SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou
nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto
de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os
rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido
possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante
42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319
39
agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da
corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos
A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)
que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o
Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica
informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de
identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou
crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas
pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e
ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento
Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento
feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -
organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo
com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a
manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da
Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois
se espalharam pelo centro
Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se
determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular
Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito
interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a
atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu
Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta
manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial
em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes
policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees
O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo
em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial
40
No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado
de se identificarem previamente como tais no momento de advertir
com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a
forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua
atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees
estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e
adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se
f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de
seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas
ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever
potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim
de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no
terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e
comportamento policial
Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a
identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que
cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e
ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se
g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as
forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de
abusos ou atos de violecircncia
h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou
judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas
operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos
no curso das mesmas
41
Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos
cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013
em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos
A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou
que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem
disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes
em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que
confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns
trechos da mateacuteria
Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes
sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas
delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo
Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo
investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute
abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi
concluiacuteda e nenhum policial foi punido
A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute
os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo
processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1
de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014
Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de
Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum
policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21
policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato
Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e
tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e
ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades
43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)
42
v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS
CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES
Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do
Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa
atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute
de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila
Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em
manifestaccedilotildees futuras
Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute
imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo
temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de
confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo
Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a
negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A
proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da
Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que
Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os
governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar
atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos
especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da
forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a
compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de
persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos
destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados
da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e
procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos
43
Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um
negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se
evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se
e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves
manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes
para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e
protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de
conflito
Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na
Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos
publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72
daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue
72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no
uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a
resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das
multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como
meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45
Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de
Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia
da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se
44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf
44
38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um
verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades
policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da
manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico
Suiacuteccedila e outros paiacuteses47
Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os
documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador
civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco
de conflito social
vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa
de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na
dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila
notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas
O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar
Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre
recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo
Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem
alguns trechos
No comando do choque eu soacute recebi precircmios
47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora
45
Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe
pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de
Satildeo Paulo
ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de
protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo
A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho
quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e
pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo
foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do
centro saqueadas
Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da
Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui
ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou
A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v
Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de
dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute
o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte
ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar
seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito
negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50
Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando
preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa
policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre
expressatildeo
49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)
46
ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees
razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento
paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem
violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da
legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento
de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo
manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma
manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das
pessoasrdquo52
Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho
de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante
da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo
A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava
subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e
um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas
patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de
brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo
tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha
bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa
assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou
brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo
[]
Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos
policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles
ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar
sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E
todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado
52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas
47
do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo
para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo
[]
Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu
encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de
gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba
nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para
os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de
novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me
lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de
Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo
mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da
poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo
estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e
nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo
[]
A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes
Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a
gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem
Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o
pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes
lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila
Roosevelt
[]
O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da
Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava
que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente
ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima
tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali
natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando
bomba em cima da gente
O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da
Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e
intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso
desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a
48
agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de
Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se
ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees
policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso
indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o
membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para
proteger seus companheiros ali presentesrdquo54
Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave
determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve
permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo
administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes
vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A
ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica
do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e
internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo
puacuteblico
Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da
forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a
formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas
53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo
49
Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que
ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e
de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na
elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e
minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e
de armas de fogordquo
Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para
determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila
deveriam seguir Aqui estatildeo elas
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo
da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os
tipos de armas e municcedilotildees permitidas
(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias
apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio
(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos
injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis
(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas
de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas
armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de
armas de fogo
50
(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no
desempenho das suas funccedilotildees
Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila
e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia
da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece
as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila
Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como
aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos
agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento
dessas diretrizes
1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar
nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e
deveraacute considerar primordialmente
a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela
Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na
sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979
b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de
Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados
pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo
198961 de 24 de maio de 1989
c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo
Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o
Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto
a 7 de setembro de 1999
d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis
Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees
Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de
1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991
51
Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade
resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a
necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna
ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial
Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao
Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que
tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria
9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos
disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo
objetivamente
a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas
b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao
ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no
evento
c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo
perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento
d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees
desnecessaacuterias e risco injustificado e
e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente
de seguranccedila puacuteblica
Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do
Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de
Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que
regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees
Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se
natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como
a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de
manifestaccedilotildees e reuniotildees populares
52
Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro
miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos
que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e
sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil
6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE
DIREITOS HUMANOS
O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado
por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica
contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso
internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados
no que tange agrave dignidade humana
De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados
natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a
dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados
podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros
Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos
que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos
internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas
Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo
terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua
responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos
internacionalmente admitidos
55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf
53
Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56
apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute
um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees
como prova para outro procedimento de julgamento internacional do
Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura
ignorada
Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados
no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos
normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo
Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina
se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses
oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o
jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi
distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda
externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados
ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos
constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os
paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o
respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil
continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos
nacionalmente57
Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da
presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o
que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada
56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355
54
7) CONCLUSAtildeO
A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm
Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para
resoluccedilatildeo da presente controveacutersia
Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e
histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma
expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo
se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do
Estado de Satildeo Paulo
Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a
atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa
padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia
O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo
Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos
Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que
expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e
que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente
demanda
55
8) PEDIDO
Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como
amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae
requer-se seu recebimento como memoriais
Termos em que
Pede deferimento
Satildeo Paulo 17 de julho de 2014
Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs
OABSP 262284 OABSP 101663
Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni
OABSP 284930 OABSP 286871
Sheila Santana de Carvalho
OABSP 343588
2
1) DA POSSIBILIDADE DE MANIFESTACcedilAtildeO COMO AMICUS CURIAE EM ACcedilAtildeO CIVIL
PUacuteBLICA
A presente accedilatildeo civil puacuteblica tem por objeto o cumprimento de garantias e
direitos fundamentais expressos na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica por parte do Estado de Satildeo
Paulo no controle da atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em manifestaccedilotildees
puacuteblicas
A relevacircncia social desta demanda envolve discussatildeo que diz respeito ao direito de
reuniatildeo ao direito ao lazer ao direito agrave cidade agrave liberdade de expressatildeo e ao livre exerciacutecio
profissional de jornalistas Observa-se que o seu niacutetido caraacuteter paradigmaacutetico tem
repercussatildeo direta na garantia de direitos difusos coletivos e individuais homogecircneos
O debate aqui travado envolve para aleacutem dos interesses meramente individuais
aqueles referentes agrave preservaccedilatildeo da harmonia e agrave realizaccedilatildeo dos objetivos constitucionais da
sociedade e da comunidade Assim reconhece-se de pronto que trata-se de um litiacutegio
de interesse puacuteblico
Nesse sentido a accedilatildeo civil puacuteblica como medida judicial apta para buscar
provimento jurisdicional capaz de resolver uma situaccedilatildeo juriacutedica coletiva natildeo pode deixar
de ser cenaacuterio da pluralizaccedilatildeo do debate fundamental para que o magistrado
disponha de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para a
resoluccedilatildeo da controveacutersia coletiva
Portanto a participaccedilatildeo de entidades e instituiccedilotildees que efetivamente representem
os interesses gerais da coletividade ou que expressem os valores essenciais e relevantes da
sociedade abrem a possibilidade de intervenccedilatildeo do amicus curiae como justificativa de
aprimoramento da tutela jurisdicional coletiva
3
Fredie Didier Jr e Hermes Zaneti Jr1 corroborando com o entendimento da
doutrina de Caacutessio Scarpinella Bueno defendem a intervenccedilatildeo de amicus curiae em
qualquer accedilatildeo coletiva desde que se respeitem algumas condiccedilotildees
ldquoHaacute uma tendecircncia doutrinaacuteria e jurisprudencial poreacutem de admitir-se
a intervenccedilatildeo de amicus curiae em qualquer accedilatildeo coletiva desde que
a causa tenha relevacircncia (que em se tratando de accedilatildeo coletiva estaacute
quase sempre in re ipsa) e o possiacutevel amicus curiae tenha condiccedilotildees
de auxiliar o trabalho do magistrado contribuindo com informaccedilotildees e
anaacutelises para o melhor julgamento da demanda Seria uma intervenccedilatildeo atiacutepica
de amicus curiae ideia que nos parece louvaacutevel tendo em vista a finalidade da
participaccedilatildeo deste especial auxiliar do juiacutezo legitimar ainda mais a
decisatildeo do oacutergatildeo jurisdicional em um processo de evidente interesse
puacuteblicordquo
Ora eacute inegaacutevel que a presente demanda trata de interesse puacuteblico Tanto eacute que
em outra causa de relevacircncia o eg Tribunal de Justiccedila do Estado de Satildeo Paulo
reconheceu a intervenccedilatildeo de amicus curiae em accedilatildeo civil puacuteblica que discutia a
proibiccedilatildeo do recolhimento e da custoacutedia de presos definitivamente condenados nas Cadeias
Puacuteblicas dos Distritos Policiais e das Delegacias Especializadas da Capital
Com efeito ao julgar os embargos infringentes nordm 9092747-4520028260000 a
Terceira Cacircmara de Direito Puacuteblico deixou claro que mesmo que natildeo haja previsatildeo
expressa de intervenccedilatildeo de amicus curiae na accedilatildeo civil puacuteblica ela deve ser aceita como
medida a auxiliar no julgamento quando a demanda tiver relevacircncia social inquestionaacutevel
Veja-se trecho do v acoacuterdatildeo
ldquoDe outro lado era perfeitamente possiacutevel a intervenccedilatildeo da ldquoConectas
Direitos Humanosrdquo na qualidade de ldquoamicus curiaerdquo
Ensina Caacutessio Scarpinella Bueno que ao contraacuterio do largamente
ministrado a figura do ldquoamicus curiaerdquo ou o ldquoamigo da Cuacuteriardquo surgiu no
seacuteculo XVI na Inglaterra e de laacute seguiu para os Estados Unidos da Ameacuterica
mas de forma diversa adaptando-se agraves regras utilizadas pela ldquoCommon
1 Curso de Direito Processual Civil Vol 4 Processo Coletivo 9ordm ediccedilatildeo 2014 Ed Jus Podium p231
4
Lawrdquo (ldquoO Amicus Curiaerdquo nos Tribunais Brasileiros ndash palestra proferida na
Escola Paulista de Magistratura em 13092011)
Esta figura tinha por missatildeo o auxiacutelio dos sacerdotes na soluccedilatildeo de lides que
a eles eram trazidas em um eacutepoca histoacuterica em que as decisotildees judicias eram
primeiramente proferidas pelo clero e apoacutes referendadas pela nobreza
governante
Embora natildeo haja lei que defina expressamente o ldquoamicus curiaerdquo haacute uma
seacuterie de diplomas legislativos que trazem indiretamente essa figura Entre
elas podemos citar
- Art 31 da Lei nordm 638676 ndash Mercado de Capitais
- Art 89 da Lei nordm 888494 ndash lei antitruste
- Art 49 da Lei nordm 890694 ndash Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil
- Art 5ordm da Lei nordm 946997 ndash que estabelece prerrogativas da faz Puacuteblica
- Art 97 da Constituiccedilatildeo Federal Incidente de Inconstitucionalidade
Haacute tambeacutem leis mais recentes que chama o ldquoamicus curiaerdquo de ldquoterceirosrdquo
- Lei nordm 986899 ndash Lei da ADIn e ADc Neste caso haacute previsatildeo expressa da
intervenccedilatildeo de terceiros
- Lei nordm 988299 ndash Lei da ADPF ndash tambeacutem da mesma forma
- Lei nordm 1141806 ndash Lei de Repercussatildeo Geral
Assim diante da legislaccedilatildeo paacutetria a funccedilatildeo atual do ldquoamicus curiaerdquo eacute de
ajudar o juiz a proferir uma decisatildeo quando por dois motivos a decisatildeo
afetara outras pessoas e aquela pessoa que na sua imparcialidade traz provas
ao juiz para auxiliar o juiz
Portanto mesmo sem lei eacute possiacutevel e necessaacuterio generalizar o
ldquoamicus curiaerdquo quando houver um processo paradigmaacutetico ou em
natildeo sendo deva ter um conteuacutedo valorativo muito forte
Dessa forma era possiacutevel considerar a utilidade das argumentaccedilotildees trazidas
pela Conectas que serviriam para corroborar a decisatildeo ora proferidardquo
Assim fica demonstrada a possibilidade juriacutedica da manifestaccedilatildeo da requerente
como amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
5
2) DA LEGITIMIDADE DA REQUERENTE PARA SE MANIFESTAR COMO AMICUS CURIAE
Demonstrada a possibilidade da intervenccedilatildeo de amicus curiae e da relevacircncia social
que a demanda envolve faz-se necessaacuterio analisar a representatividade da requerente a fim
de reconhecer a sua legitimidade para se manifestar como amicus curiae
No caso eacute importante destacar que a organizaccedilatildeo tem como uma de suas missotildees
a efetivaccedilatildeo dos fundamentos da Repuacuteblica Federativa do Brasil especialmente no que
tange agrave cidadania e agrave dignidade da pessoa humana Veja-se
ldquoConectas Direitos Humanos foi fundada em 2001 com a missatildeo de
fortalecer e promover o respeito aos direitos humanos no Brasil e no
hemisfeacuterio Sul dedicando-se para tanto agrave educaccedilatildeo em direitos humanos agrave
advocacia estrateacutegica e agrave promoccedilatildeo do diaacutelogo entre sociedade civil
universidades e agecircncias internacionais envolvidas na defesa destes direitos
Conectas promove advocacia estrateacutegica em direitos humanos em
acircmbito nacional e internacional com o objetivo de alterar as praacuteticas
institucionais e sociais que desencadeiam sistemaacuteticas violaccedilotildees de
direitos humanos Desde 2006 tem status consultivo junto ao Conselho
de Direitos Humanos das Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) e desde
2009 dispotildee de status de observador na Comissatildeo Africana de Direitos
Humanos e dos Povos2
A requerente eacute hoje a organizaccedilatildeo natildeo governamental com maior nuacutemero de amici
curiae perante o Supremo Tribunal Federal jaacute tendo ingressado com 42 (quarenta e dois)
desde a sua fundaccedilatildeo
Atuar em accedilotildees e processos destinados agrave efetivaccedilatildeo dos direitos humanos inclui a
busca continua pela efetivaccedilatildeo dos fundamentos da Repuacuteblica Federativa do Brasil
especialmente no que tange agrave cidadania e agrave dignidade da pessoa humana que satildeo
fundamentais para todo e qualquer serviccedilo prestado pelo Estado
2 wwwconectasorg
6
Com relaccedilatildeo aos fins institucionais da associaccedilatildeo autora vale transcrever o
inciso VI do artigo 3ordm e o paraacutegrafo 1ordm item ldquodrdquo do mesmo artigo de seu Estatuto (doc
01) in verbis
Artigo 3ordm - A ASSOCIACcedilAtildeO seraacute regida nos termos da Lei 979099 e
teraacute por finalidade promover apoiar monitorar e avaliar projetos em
direitos humanos em niacutevel nacional e internacional em especial
[]
VI ndash promoccedilatildeo e defesa dos direitos humanos em acircmbito judicial
Paraacutegrafo 1ordm - A ASSOCIACcedilAtildeO pode para consecuccedilatildeo de seus
objetivos institucionais utilizar todos os meios permitidos na lei
especialmente para
[]
g) Promover accedilotildees judiciais visando agrave efetivaccedilatildeo dos direitos
humanos
Restam desde modo devidamente demonstrados os requisitos necessaacuterios para a
admissatildeo da presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae quais sejam relevacircncia da
mateacuteria discutida a representatividade do postulante e sua legitimidade
3) OBJETO DA PRESENTE DEMANDA
A presente accedilatildeo civil puacuteblica fundamenta-se em 8 fatos que demonstram a
violaccedilatildeo sistemaacutetica que o Estado de Satildeo Paulo promove em face dos direitos das pessoas
reunirem-se independentemente de autorizaccedilatildeo para a realizaccedilatildeo de atos manifestaccedilotildees e
protestos em locais puacuteblicos na Cidade de Satildeo Paulo
A demanda tem como objeto aleacutem da tutela reparatoacuteria a determinaccedilatildeo de
obrigaccedilatildeo de fazer e de natildeo fazer ao Estado de Satildeo Paulo no que tange agrave atuaccedilatildeo de sua
Policia Militar em manifestaccedilotildees puacuteblicas a fim de cumprir com garantias e direitos
fundamentais expressos na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica como o direito de reuniatildeo o direito
7
ao lazer o direito agrave cidade a liberdade de expressatildeo e o livre exerciacutecio profissional de
jornalistas
Argumenta-se que o procedimento adotado pela Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo
Paulo em cada uma das 8 situaccedilotildees narradas trouxe danos irreversiacuteveis para as pessoas que
tiveram direitos suprimidos pela atividade repressiva e danos sociais para a coletividade
diante da grave violaccedilatildeo de preceitos fundamentais do Estado Democraacutetico de Direito
A autora requer a condenaccedilatildeo do reacuteu para que expeccedila ato normativo definindo
paracircmetros de atuaccedilatildeo da PMESP em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se
abstenha de impor condiccedilotildees ou limites de tempo e lugar agraves reuniotildees e manifestaccedilotildees
puacuteblicas de portar arma de fogo de utilizar gaacutes lacrimogecircneo e bombas de efeito moral
para dissolver aglomeraccedilotildees antes de comunicar os manifestantes em tempo haacutebil para sua
compreensatildeo e acatamento de postar a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de
Satildeo Paulo em manifestaccedilotildees paciacuteficas e de impedir qualquer cidadatildeo de captar imagem e
som de seus agentes em atuaccedilatildeo para identificar adequadamente todos os policiais atuando
em acompanhamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas para indicar negociador civil e para ser
responsabilizado pelos danos sofridos pela coletividade ou individualmente
Tendo em vista que o tema eacute de extrema relevacircncia a organizaccedilatildeo CONECTAS
DIREITOS HUMANOS que ora se manifesta na qualidade de amicus curiae oferece nesta
oportunidade argumentos em favor da concessatildeo antecipada dos efeitos da tutela
pretendida e do julgamento pela TOTAL PROCEDEcircNCIA da presente Accedilatildeo Civil
Puacuteblica pelas razotildees a seguir expostas
4) PROMOCcedilAtildeO E PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS HUMANOS NO CONTEXTO DE PROTESTOS
SOCIAIS
A ndash INTRODUCcedilAtildeO
Ao longo da histoacuteria protestos e outros meios de participaccedilatildeo social formaram
um elemento essencial de vibrantes sociedades democraacuteticas Embora a palavra ldquoprotestordquo
natildeo apareccedila no texto de tratados internacionais o sistema internacional de proteccedilatildeo dos
8
direitos humanos inegavelmente protege o direito de protestar em reconhecimento aos
direitos de reuniatildeo liberdade de expressatildeo de opiniatildeo e de associaccedilatildeo
Entretanto nos uacuteltimos anos o crescente nuacutemero de manifestaccedilotildees populares
pelo mundo vem se deparando com reaccedilotildees violentas das autoridades do Estado - em
regra os proacuteprios contestados nas manifestaccedilotildees Nesse sentido governos optam por
impor restriccedilotildees ao direito de reuniatildeo natildeo soacute ilegais mas contraacuterias ao proacuteprio conceito de
Estado Democraacutetico
Eacute nesse contexto que a presente demanda se insere e que a CONECTAS DIREITOS
HUMANOS viu-se compelida a se manifestar como amicus curiae para oferecer um breve
panorama dos principais paracircmetros internacionais que regulam o comportamento
da poliacutecia e particularmente o uso da forccedila no contexto de manifestaccedilotildees
populares
B ndash PRINCIPAIS NORMAS INTERNACIONAIS QUE REGULAM O USO DA FORCcedilA PELA
POLIacuteCIA
A niacutevel global existem 2 conjuntos de documentos que tratam especificamente da
regulaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia o Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios
Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei de 19793 (doc 4) com as diretrizes para sua efetiva
implementaccedilatildeo4 e os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei de 19905 (doc 5)
Amplamente tidas como declaraccedilotildees oficiais de direito internacional6 esses
instrumentos satildeo frequentemente mencionados pelos mecanismos regionais de direitos
3 Adotado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo nordm 34169 4 Adotado pelo Resoluccedilatildeo Conselho Social e Econocircmico da ONU nordm 198661 5 Adotado pela Conferecircncia de Crime das Naccedilotildees Unidas 6 Relatoacuterio apresentado na Assembleia Geral em 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on
9
humanos e tecircm sido repetidamente referenciados por vaacuterios oacutergatildeos da ONU7 como
expressatildeo dos princiacutepios da proporcionalidade e da estrita necessidade do uso da forccedila
policial destacando ainda que o uso de potencial forccedila letal deve ser sempre excepcional
A preocupaccedilatildeo da comunidade internacional com a efetividade dos direitos
universais de livre expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo fez com que fosse criada no
acircmbito da ONU a figura do Relator Especial sobre os Direitos de Liberdade de
Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo
Aleacutem disso haacute de ser destacado que em maio de 2011 o Relator Especial da
ONU sobre Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias ou Arbitraacuterias apresentou um
estudo ao Conselho de Direitos Humanos da organizaccedilatildeo concluindo que os sistemas
legais de muitos paiacuteses ainda natildeo aderiram aos padrotildees internacionais miacutenimos
relacionados ao uso da forccedila policial8
61 A princiacutepio disparar indiscriminadamente contra uma multidatildeo natildeo eacute
permitido e soacute pode se voltar ao indiviacuteduo ou grupo que constitui ameaccedila
de morte ou ferimentos graves O uso de armas de fogo natildeo pode ser
justificado apenas porque uma reuniatildeo eacute ilegal que tenha deva ser
dispersada ou para se proteger a propriedade Isso muitas vezes natildeo estaacute
refletido nas leis do paiacutes
62 Nos termos do Coacutedigo de Conduta e dos Princiacutepios Baacutesicos a norma a
respeito do uso intencional de forccedila letal eacute a mesma em todas as
circunstacircncias mesmo em auto-defesa prisatildeo contenccedilatildeo de revolta popular
the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 7 Entre outros Resoluccedilotildees do Conselho de Direitos Humanos observaccedilotildees finais de vaacuterios corpos de tratados como o Comitecirc de Direitos Humanos e o Comitecirc Contra a Tortura aleacutem dos relatos de procedimentos especiais 8 Relatoacuterio do Relator Especial sobre execuccedilotildees extrajudicias sumaacuterias ou arbitraacuterias apresentado agrave Assembleia Geral em 23052011 (AHRC1728) paraacutegrafos 61 e 62 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf
10
ou em quaisquer outras circunstacircncias ou seja somente em proteccedilatildeo da
vida9
No acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos (CIDH) por meio do Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos
Humanos (2009) (doc 7) e do Relatoacuterio sobre a Situaccedilatildeo dos Defensores dos
Direitos Humanos nas Ameacutericas (2012) (doc 8) definiu paracircmetros concretos para
regular o policiamento de protestos que inclui nomeadamente a proibiccedilatildeo do uso de
forccedila letal a necessidade de treinamento adequado para o policiamento durante
manifestaccedilotildees de massa e a exigecircncia de identificaccedilatildeo clara e individual dos policiais
Nota-se que os paracircmetros da CIDH tambeacutem reforccedilam os princiacutepios da
proporcionalidade e da estrita necessidade aleacutem de reconhecer que o direito de protestar eacute
uma forma de expressatildeo coletiva que deve ser garantida10
Natildeo eacute demais destacar que na Europa estaacute vigente um Coacutedigo Europeu de Eacutetica
Policial que conteacutem uma seccedilatildeo inteira dedicada ao policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas
que incluem obrigaccedilotildees processuais e materiais sobre as forccedilas de seguranccedila antes durante
e apoacutes as manifestaccedilotildees acontecerem aleacutem de um foco especial sobre as obrigaccedilotildees da
poliacutecia quando as forccedilas de seguranccedila tomam medidas para dispersar a multidatildeo11
9 Traduccedilatildeo livre de 61 In principle shooting indiscriminately into a crowd is not allowed and may only be targeted at the person or persons constituting the threat of death or serious injury The use of firearms cannot be justified merely because a particular gathering is illegal and has to be dispersed or to protect property This is often not reflected in domestic laws 62 In terms of the Code and the Basic Principles the norm in respect of the intentional use of lethal force is the same under all circumstances whether in self-defence arrest quelling a riot or any other circumstances namely protection of life 10 ldquoComo a jurisprudecircncia do sistema interamericano explicou em numerosas ocasiotildees a liberdade de expressatildeo eacute um direito que tem duas dimensotildees uma dimensatildeo individual que consiste no direito de cada pessoa para expressar seus pensamentos ideias e informaccedilotildees e uma dimensatildeo coletiva ou social que consiste no direito da sociedade de obter e receber todas as informaccedilotildees para saber os pensamentos ideias e informaccedilotildees de outras pessoas para estarem bem informadosrdquo CIDH Escritoacuterio do Relator Especial pela Liberdade de Expressatildeo The inter-American legal framework regarding the right to freedom of expression (OEA SerLVII CIDHRELEINF (2009) par 13 Traduccedilatildeo livre de ldquoAs the case law of the inter-American system has explained on numerous occasions freedom of expression is a right that has two dimensions an individual dimension consisting of the right of each person to express her own thoughts ideas and information and a collective or social dimension consisting of societyrsquos right to obtain and receive any information to know the thoughts ideas and information of others and to be well-informedrdquo 11 Paraacutegrafo 176 da Segunda Ediccedilatildeo das Diretrizes da OSCE Detalhando por exemplo a obrigaccedilatildeo de estabelecer procedimentos de descontaminaccedilatildeo de produtos quiacutemicos irritantes utilizados em
11
A Corte Europeia de Direitos Humanos inclusive jaacute adotou posicionamentos
importantes sobre o tema como a presunccedilatildeo em favor do caraacuteter paciacutefico de todas as
manifestaccedilotildees12 a legitimidade das manifestaccedilotildees de uso do espaccedilo puacuteblico ainda que
causem um certo grau de perturbaccedilatildeo na vida cotidiana13 a necessidade de avaliar o
comportamento do indiviacuteduo separadamente do da multidatildeo14 e o ocircnus da prova de
manifestantes com intenccedilotildees ou accedilotildees violentas que recai sobre as autoridades15
Com o que seraacute esmiuccedilado a seguir este mm Juiacutezo teraacute condiccedilotildees de
observar que o Estado de Satildeo Paulo em sua competecircncia de regulamentar e
controlar a atividade de sua poliacutecia militar aleacutem de desrespeitar a proacutepria
Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil viola absolutamente TODAS AS
NORMAS INTERNACIONAIS jaacute estabelecidas para o uso da forccedila policial
5) DO USO DA FORCcedilA PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO NO DIA 13 DE
JUNHO DE 2013
Em 13 de junho de 2013 uma das situaccedilotildees de fato trazidas agrave demanda a Poliacutecia
realizava em Satildeo Paulo uma das mais violentas repressotildees a manifestaccedilotildees desde o fim da
ditadura militar Numa noite de horror coletivo raramente vista milhares de pessoas que
manifestantes a proibiccedilatildeo de utilizar a forccedila contra manifestantes paciacuteficos que satildeo incapazes de dispersar o dever de manter registros detalhados sobre o tipo de forccedila utilizada e a obrigaccedilatildeo de investigar a causa de mortes ou ferimentos entre outros 12 Uma assembleacuteia seraacute considerada paciacutefica enquanto os participantes estiverem paciacuteficos mesmo que os organizadores natildeo cumpram com todos os requisitos legais necessaacuterios para o desenvolvimento da manifestaccedilatildeo Oya Ataman v Turkey no 7455201 ECHR 2006 e Cisse v France no 5134699 sect 37 ECHR 2002 Traduccedilatildeo livre de ldquoAn assembly will be deemed peaceful as long as the participants remain peaceful even if the organizers have not complied with all legal requirements prior to the assemblyrdquo 13 Patyi and Others v Hungary no 552905 sectsect 42-43 ECHR 2008 Balccedilik and Others v Turkey no 2502 sect 52 ECHR 2007 Ashughyan v Armenia no 3326803 sect 90 ECHR 2008 14 ldquouma pessoa natildeo deixa de gozar do direito de reuniatildeo paciacutefica em casos de violecircncia esporaacutedica ou outros atos puniacuteveis cometidos por outras no curso da manifestaccedilatildeo se permanece tranquilo em suas proacuteprias intenccedilotildees ou comportamentosrdquo Ziliberberg v Moldova (dec) no 6182100 ECHR 2004 Traduccedilatildeo livre de ldquoan individual does not cease to enjoy the right to peaceful assembly as a result of sporadic violence or other punishable acts committed by others in the course of the demonstration if the individual in question remains peaceful in his or her own intentions or behaviourrdquo 15 Christian Democratic Peoplersquos Party v Moldova (No 2) no 2519604 sect 23 ECHR 2010
12
participavam de um protesto paciacutefico no centro da cidade se viram cercadas por tropas
policiais em um labirinto violento que atravessou a noite e cujas traacutegicas consequecircncias se
fazem sentir ainda hoje especialmente para os que carregaratildeo sequelas fiacutesicas e emocionais
Esse caso mostra evidente que os procedimentos adotados pela seguranccedila puacuteblica
paulista natildeo respeitaram os protocolos internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila
aleacutem de descumprir tratados e convenccedilotildees internacionais que o Brasil eacute signataacuterio e natildeo
seguir as recomendaccedilotildees das organizaccedilotildees internacionais das quais o Brasil eacute parte
Satildeo numerosos os relatos e evidecircncias de violecircncia fiacutesica contra os manifestantes
em 13 de junho de 2013 inclusive em desfavor de pessoas rendidas deitadas desarmadas e
desprovidas de qualquer acircnimo de resistecircncia Muitas destas pessoas foram espancadas e
atingidas por disparos de balas de borracha
Foram relatados ainda atos de violecircncia contra pessoas que natildeo estavam
participando dos protestos inclusive idosos e crianccedilas16 Foram registradas cenas onde a
Poliacutecia invadiu ateacute mesmo hospitais a fim de localizar pessoas que teriam participado dos
protestos17 Aleacutem disso apoacutes o grande nuacutemero de manifestantes jaacute ter sido dispersado
foram registradas cenas onde a Poliacutecia invadiu estabelecimentos comerciais supostamente
em busca dos manifestantes e agrediu pessoas18 Segundo relatos dos organizadores do
evento mais de 100 pessoas ficaram feridas19 em decorrecircncia da accedilatildeo truculenta da Poliacutecia
naquele dia
16 Ver por exemplo PORTAL DE NOTIacuteCIAS TERRA ldquoBomba de gaacutes lacrimogecircneo atinge carro de um idoso que estava de passagemrdquo viacutedeo publicado no 14 de junho de 2013 13h50 disponiacutevel no link httpterratvterracombrvideosNoticiasBrasilCidades4828-474261Bomba-de-gas-lacrimogeneo-cai-dentro-de-carro-em-protesto-em-SPhtm 17 Ver depoimento no site do Coletivo Antiproibicionista de Satildeo Paulo ldquoPM retira feridos a forccedila de hospital e impede atendimentordquo 14 de junho de 2013 disponiacutevel no link httpcoletivodarorg201306pm-retira-feridos-a-forca-de-hospital-e-impede-atendimento
18Ver por exemplo JORNAL FOLHA DE SAtildeO PAULO ldquoApoacutes confronto casal eacute agredido por PMs na regiatildeo da Paulistardquo 14 de junho de 2013 00h52 disponiacutevel em httpwww1folhauolcombrcotidiano2013061294916-apos-confronto-casal-e-agredido-por-pms-na-regiao-da-paulistashtml 19
Os dados finais sobre o numero de feridos ainda estatildeo sendo organizados pelo MPL e pela Defensoria
Puacuteblica de Satildeo Paulo Para uma estimativa ver infograacutefico JORNAL FOLHA DE SAtildeO PAULO ldquoDos 235
detidos em protesto 231 satildeo liberados apoacutes prestar depoimentordquo 14 de junho 2013 07h25 disponiacutevel
emhttpwww1folhauolcombrcotidiano2013061294960-dos-235-detidos-em-protesto-231-sao-
liberados-apos-prestar-depoimentoshtml
13
Abaixo demonstra-se detalhadamente cada norma dos protocolos internacionais
para a utilizaccedilatildeo da forccedila que foram descumpridas pela Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo
Paulo contribuindo-se para o livre convencimento deste mm Juiacutezo a dar total procedecircncia
agrave presente accedilatildeo civil puacuteblica
i - DA INTERRUPCcedilAtildeO DA REUNIAtildeO PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO
VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS
Um dia que ficaria para a histoacuteria como a maior expressatildeo do exerciacutecio do direito
constitucional de reuniatildeo da liberdade de expressatildeo e de locomoccedilatildeo na verdade tornou-se
a maior expressatildeo da restriccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da proacutepria Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Observa-
se que a justificativa de se liberar o traacutefego de veiacuteculos para garantir a manutenccedilatildeo da
ordem puacuteblica foi a causa que deu iniacutecio agrave accedilatildeo ilegal e truculenta da Poliacutecia Militar do
Estado de Satildeo Paulo (PMESP)
Nota-se das paacuteginas 21 e 22 da exordial que as proacuteprias forccedilas de seguranccedila
tomaram a iniciativa de encerrar o ato que reuniu cerca de 15 mil pessoas que caminhavam
pelas ruas de Satildeo Paulo
Ocorre que aleacutem de ilegal e inconstitucional essa medida ofende diretamente a
Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos (Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica)
incorporada ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 68792
Eacute o que diz a Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos no Marco Juriacutedico
Interamericano Sobre o Direito agrave Liberdade de Expressatildeo20 onde seu paraacutegrafo 82
assevera
20 Apresentado pela Relatoria para a Liberdade de Expressatildeo da Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos 2010 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhexpresiondocspublicacionesMARCO20JURIDICO20INTERAMERICANO20DEL20DERECHO20A20LA20LIBERTAD20DE20EXPRESION20ESP20FINAL20portadadocpdf (acessado em 04062014)
14
ldquoqualquer afetaccedilatildeo da ordem puacuteblica invocada como justificaccedilatildeo para limitar
a liberdade de expressatildeo deve obedecer causas reais e objetivamente
verificaacuteveis que signifiquem uma ameaccedila certa e acreditaacutevel de uma
perturbaccedilatildeo potencialmente grave das condiccedilotildees baacutesicas para o
funcionamento das instituiccedilotildees democraacuteticasrdquo21
Nota-se do conjunto probatoacuterio juntado aos autos que antes da atuaccedilatildeo policial
natildeo houve qualquer risco razoaacutevel de distuacuterbio grave natildeo havendo possibilidade diante da
Convenccedilatildeo Americana de se promover a dispersatildeo da manifestaccedilatildeo simplesmente pela
ocupaccedilatildeo de uma via puacuteblica
Eacute o que diz a continuaccedilatildeo do dispositivo mencionado acima
ldquoEm consequecircncia natildeo eacute suficiente invocar meras conjecturas sobre
eventuais afetaccedilotildees da ordem nem circunstacircncias hipoteacuteticas derivadas
de interpretaccedilotildees das autoridades diante de fatos que natildeo representem
claramente um risco razoaacutevel de distuacuterbios graves Uma interpretaccedilatildeo mais
ampla ou indeterminada abriria um campo inadmissiacutevel agrave arbitrariedade e
restringiria a raiz da liberdade de expressatildeo que forma parte integral da
ordem puacuteblica protegida pela Convenccedilatildeo Americanardquo22
Dentre as pessoas viacutetimas da violecircncia policial do dia 13062013 dez prestaram
relatos agrave requerente sobre o que ocorreu naquela noite em Satildeo Paulo (doc 6) informando
que PMESP perseguiu prendeu agrediu e feriu indiscriminadamente natildeo apenas
manifestantes mas tambeacutem jornalistas e moradores dos bairros por onde a marcha passou
21 Traduccedilatildeo livre de ldquocualquier afectacioacuten del orden puacuteblico invocada como justificacioacuten para limitar la libertad de expresioacuten debe obedecer a causas reales y objetivamente verificables que planteen una amenaza cierta y creiacuteble de una perturbacioacuten potencialmente grave de las condiciones baacutesicas para el funcionamiento de las instituciones democraacuteticasrdquo 22 Traduccedilatildeo livre de ldquo En consecuencia no resulta suficiente invocar meras conjeturas sobre eventuales afectaciones del orden ni circunstancias hipoteacuteticas derivadas de interpretaciones de las autoridades frente a hechos que no planteen claramente un riesgo razonable de disturbios graves (ldquoviolencia anaacuterquicardquo) Una interpretacioacuten maacutes amplia o indeterminada abririacutea un campo inadmisible a la arbitrariedad y restringiriacutea de raiacutez la libertad de expresioacuten que forma parte integral del orden puacuteblico protegido por la Convencioacuten Americanardquo
15
Veja-se o depoimento de uma delas
A manifestaccedilatildeo seguiu pela av Ipiranga ateacute o iniacutecio da rua da Consolaccedilatildeo
onde jaacute havia viaturas policiais acompanhando a multidatildeo Ateacute entatildeo a
movimentaccedilatildeo desses policiais era tranquila como a dos proacuteprios
manifestantes Eles caminhavam com suas faixas bandeiras camisas com
dizeres de protesto gritos enfim uma manifestaccedilatildeo como outra qualquer
Entrando na rua da Consolaccedilatildeo o clima comeccedilou a ficar diferente Em
frente agrave Praccedila Roosevelt havia uma barreira de guardas civis da Guarda
Civil Metropolitana (GCM) Eles se posicionaram com escudos e cassetetes
formando uma barreira humana nas escadarias da Praccedila Roosevelt para que
os manifestantes natildeo ocupassem aquele espaccedilo []
Seguindo ainda nesse trecho da rua da Consolaccedilatildeo a Poliacutecia Militar do
estado de Satildeo Paulo posiciona alguns veiacuteculos duas ou trecircs viaturas (natildeo me
recordo bem) e comeccedila um diaacutelogo (podemos chamar assim) entre alguns
policiais alguns manifestantes e o pessoal da imprensa Posso dizer com
absoluta certeza que eram pouquiacutessimas pessoas nesse diaacutelogo dois ou trecircs
policiais cinco ou seis manifestantes e o resto era da imprensa Eu estava
proacuteximo do local dessa conversa e o pouco que eu consegui ouvir era da
voz de um policial dizendo que os manifestantes natildeo poderiam continuar
naquele trajeto ou seja subir a rua da Consolaccedilatildeo em direccedilatildeo agrave av Paulista
que era o trajeto que aquela manifestaccedilatildeo queria fazer
16
Ao adotar a formaccedilatildeo de confronto e impedir o prosseguimento da manifestaccedilatildeo
paciacutefica a PMESP impediu o exerciacutecio do direito de reuniatildeo e livre expressatildeo de cerca de
15 mil pessoas Natildeo satisfeita ainda iniciou o lanccedilamento de bombas e tiros com municcedilatildeo
de elastocircmero contra as pessoas reunidas ali pacificamente
23
Claramente ao interromper as pessoas ali reunidas que marchavam
pacificamente a PMESP rasgou todas as cartas de direitos que reconhecem a liberdade de
reuniatildeo e de expressatildeo - a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica a Declaraccedilatildeo Universal de Direitos
Humanos e a Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos ndash ferindo tambeacutem os
posicionamentos de organismos internacionais como a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos (CIDH)cedilque sinaliza hipoacuteteses restritas de limitaccedilatildeo do direito de
reuniatildeo no 2ordm Relatoacuterio sobre a Situaccedilatildeo de Defensores e Defensoras de Direitos
Humanos nas Ameacutericas24 (doc 8) Veja-se
ldquo107 Nos uacuteltimos anos alguns paiacuteses tecircm apresentado um aumento no
nuacutemero de accedilotildees penais contra participantes de protestos sociais para a
reivindicaccedilatildeo de direitos utilizando-se de argumentos como a perturbaccedilatildeo
da ordem puacuteblica ou o atentado contra a seguranccedila do Estado Em virtude
da importacircncia que se revestem as manifestaccedilotildees puacuteblicas nos sistemas
democraacuteticos o Estado possui hipoacuteteses restritas para aplicar
limitaccedilotildees nesse sentido mesmo que o direito de reuniatildeo natildeo seja
23 Disponiacutevel em httpimgr7comimages2013061500_13_08_643_filedimensions=780x340 24 Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos 2011 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhdefensoresdocspdfdefensores2011pdf (acessado em 02062014)
17
absoluto ou possa estar sujeito a certos limites essas justificativas
devem ser razoaacuteveis para se assegurar o desenvolvimento paciacutefico das
manifestaccedilotildees e devem reger-se ldquopelos princiacutepios da legalidade da
necessidade e da proporcionalidaderdquo25
A importacircncia destes firmes posicionamentos da CIDH fundamenta-se em sua
proacutepria funccedilatildeo institucional de interpretar e recomendar a melhor aplicaccedilatildeo da
Convenccedilatildeo que claramente reconhece na atividade administrativa do Estado de Satildeo
Paulo a violaccedilatildeo de dois de seus artigos abaixo transcritos
Artigo 13 - Liberdade de pensamento e de expressatildeo
Toda pessoa tem o direito agrave liberdade de pensamento e de expressatildeo Esse
direito inclui a liberdade de procurar receber e difundir informaccedilotildees e ideacuteias
de qualquer natureza sem consideraccedilotildees de fronteiras verbalmente ou por
escrito ou em forma impressa ou artiacutestica ou por qualquer meio de sua
escolha
Artigo 15 - Direito de reuniatildeo
Eacute reconhecido o direito de reuniatildeo paciacutefica e sem armas O exerciacutecio desse
direito soacute pode estar sujeito agraves restriccedilotildees previstas em lei e que se faccedilam
necessaacuterias em uma sociedade democraacutetica ao interesse da seguranccedila
nacional da seguranccedila ou ordem puacuteblicas ou para proteger a sauacutede ou a
moral puacuteblicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas
25 Traduccedilatildeo livre de ldquo107 En los uacuteltimos antildeos se ha presentado una creciente iniciacioacuten de acciones penales en algunos paiacuteses en contra de quienes participan en protestas sociales para la reivindicacioacuten de derechos bajo el argumento de que supuestamente se desarrollariacutean en un marco de perturbacioacuten del orden puacuteblicoo atentariacutean contra la seguridad del Estado En virtud de la importancia que reviste la protesta social en los sistemas democraacuteticos el Estado tiene un marco centildeido para justificar su limitacioacuten en este sentido si bien el derecho de reunioacuten no es absoluto y puede estar sujeto a ciertos liacutemites eacutestos deben ser razonablescon el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las manifestaciones y deben regirse ldquopor los principios de legalidad necesidad y proporcionalidaderdquo
18
Jaacute no acircmbito da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) o Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Poliacuteticos26 exige que os Estados signataacuterios
garantam aos seus cidadatildeos o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de participaccedilatildeo da
conduccedilatildeo de assuntos puacuteblicos sem restriccedilotildees infundadas27
Nessa linha o 8ordm Congresso das Naccedilotildees Unidas sobre a Prevenccedilatildeo do Crime
e o Tratamento dos Delinquentes deu publicidade a um documento formulado para
assistir os Estados membros na tarefa de assegurar e promover a adequada missatildeo dos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo de lei Trata-se dos Princiacutepios Baacutesicos sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da
Lei28 (doc 5) que dentre suas disposiccedilotildees determina que
ldquodevem ser tomados em consideraccedilatildeo e respeitados pelos governos
no acircmbito da legislaccedilatildeo e da praacutetica nacionais e levados ao
conhecimento dos funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei e de
outras pessoas como juiacutezes agentes do Ministeacuterio Puacuteblico
advogados membros do Executivo e do Legislativo bem como do
puacuteblico em geralrdquo
Ao se comprometer com esse documento o Estado Brasileiro compreendido por
Uniatildeo Estados e Municiacutepios natildeo pode deixar de observar suas disposiccedilotildees
Todavia mesmo conhecedor desses paracircmetros o Estado de Satildeo Paulo
por meio da PMESP no dia 13 de junho optou por descumpri-los ao encerrar uma
manifestaccedilatildeo legal e natildeo-violenta
26 Internalizado ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 592 de 6 de julho de 1992 27 Arts 19 21 e 25 28 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)
19
29
A violaccedilatildeo do compromisso internacional estaacute explicitada em seu Princiacutepio 12
que diz que como todos tecircm direito de participar de reuniotildees legiacutetimas e paciacuteficas de acordo com os
princiacutepios expressos na Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional de Direitos
Civis e Poliacuteticos os governos entidades e os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo reconhecer que a forccedila
e as armas de fogo soacute podem ser usadas nos termos dos Princiacutepios 13 e 14
Note-se que tais princiacutepios referem-se a grupos ilegais e violentos o que
claramente natildeo foi o caso das pessoas que estavam nas ruas exercendo seu direito de livre
expressatildeo e reuniatildeo poreacutem ainda que fosse seria inevitaacutevel se observarem os criteacuterios da
proporcionalidade e da estrita necessidade no uso da forccedila policial
Veja-se a transcriccedilatildeo dos Princiacutepios 13 e 14 do protocolo
13 Ao dispersar grupos ilegais mas natildeo-violentos os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo evitar o uso da forccedila ou quando tal natildeo for
possiacutevel deveratildeo restringir tal forccedila ao miacutenimo necessaacuterio
14 Ao dispersar grupos violentos os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute
poderatildeo fazer uso de armas de fogo quando natildeo for possiacutevel usar outros
meios menos perigosos e apenas nos termos minimamente necessaacuterios Os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei natildeo deveratildeo fazer uso de armas de
fogo em tais casos a natildeo ser nas condiccedilotildees previstas no Princiacutepio 9
29 Disponiacutevel em httpwwwvalorcombrsitesdefaultfilesimagecachemedia_library_300_197imagesprotestag_0_8_640_419jpg
20
Ora diante dos fatos eacute impossiacutevel identificar sequer um rastro de observacircncia
deste protocolo pela PMESP seja no dia 13 de junho de 2013 ou nas outras situaccedilotildees
narradas na inicial
Portanto demonstra-se que suposta manutenccedilatildeo da ordem puacuteblica no intuito de
se garantir a circulaccedilatildeo de veiacuteculos natildeo pode do ponto de vista juriacutedico interno e
internacional frustrar o direito de reuniatildeo das pessoas que se encontram em vias puacuteblicas
para exercer seu direito universal agrave liberdade de expressatildeo
ii - DA UTILIZACcedilAtildeO DE ARMAS DE FOGO COM MUNICcedilAtildeO DE ELASTOcircMERO BOMBAS DE
GAacuteS E GRANADAS DE LUZ E SOM PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO
VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS
Os relatos daqueles que participaram da manifestaccedilatildeo (doc 6) sugerem que em
vez de direcionar a marcha num suposto sentido de dispersatildeo os policiais encurralaram
milhares de pessoas num circuito de tiro com balas de borracha saturado com bombas
de gaacutes e granadas de luz e som ao longo de vaacuterias ruas da regiatildeo central Essa taacutetica policial
de encurralamento pode ser observada pelo mapa abaixo o qual explica como se deu o
trajeto realizado pela poliacutecia e manifestantes
21
22
Seacutergio Andrade da Silva de 31 anos eacute um fotoacutegrafo casado e pai de duas
crianccedilas Na noite do protesto ele saiu para trabalhar Faria fotos da marcha para uma
agecircncia de notiacutecias mas acabou horas depois internado no ldquoHospital H Olhosrdquo depois
de ter passado pelo ldquoHospital 9 de Julhordquo onde recebeu doses de morfina para controlar a
dor de duas fraturas na oacuterbita ocular resultante de accedilatildeo da Poliacutecia Militar Sergio levou
cinco pontos dentro do olho esquerdo do qual ficaria definitivamente cego
Transcreve-se abaixo trecho do relato de Sergio que mostra todo o pacircnico que
sentiu no momento da agressatildeo recebida pela PMESP (doc 6)
Fui atingido por uma bala de borracha Tenho quase 180m e a bala me
atingiu exatamente no olho [] A dor foi instantacircnea profunda terriacutevel
Todos os piores adjetivos com que vocecirc puder qualificar a dor eu senti
naquele momento Meu olho inchou rapidamente coloquei a matildeo e minha
paacutelpebra jaacute havia se fechado Muito sangue comeccedilava a cair naquele instante
e pensei lsquofiquei cego Natildeo vou mais conseguir fotografarrsquo Foi a sensaccedilatildeo
que eu tive
Outro relato mostra exatamente o desespero de um cidadatildeo que corre risco de
vida ou de ferimentos graves pela accedilatildeo da proacutepria poliacutecia que supostamente deve
promover a seguranccedila puacuteblica (doc 6)
23
Ali foi o momento mais desesperador mesmo porque natildeo conseguia
respirar achei que ia desmaiar ali comecei a ficar fraca natildeo conseguia correr
mais e fiquei um tempo ali desnorteada com todo aquele gaacutes e continuei
correndohellip Jaacute tinha perdido todo mundo e olhei para os lados estava todo
mundo correndo subindo e natildeo tinha para onde ir a natildeo ser subir a
Augusta Tinha muita gente e natildeo dava para ir raacutepido a gente ficou
encurralado Quando vi estaacutevamos entre uma parede subindo a Augusta
na frente tinha um grupo de policias da Tropa de Choque e atraacutes tambeacutem
Ali foi o momento que fomos emparedados Natildeo tinha o que fazer natildeo
dava para correr muito corriacuteamos lentamentehellip Me senti fuzilada naquele
momento a gente ficou emparedado parecia um fuzilamento no paredatildeo
Foi tudo muito raacutepido e de repente estourou uma bomba na minha frente a
princiacutepio achei que era gaacutes lacrimogecircnio eu senti todo o impacto no meu
corpo mas continuei correndo Natildeo sabia que eu havia me machucado ou
melhor que tinham me machucado naquele momento soacute tinha sentido o
impacto Eu estava com muito medo de levar bala de borracha porque eles
estavam realmente perseguindo Quando virei a direita eu continuei
ouvindo os tiros e as bombas e aquela rua estava completamente parada as
pessoas correndo entre os carros todo mundo desesperado ali E eles
continuaram correndo atraacutes da gente ndash na verdade sequer olhei para traacutes
dava para ouvir e tinha certeza absoluta que seria atingida por uma bala de
borracha Porque eles estavam muito perto perseguindo Consegui correr e
virar a direita de novo onde encontrei um estacionamento grande na Caio
Prado Ali correndo seguindo nessa rua percebi que havia um corte
profundo no meu braccedilo Eu olhei um corte muito profundo eu fiquei
muito assustada Minha reaccedilatildeo foi chorar continuar correndo Foi uma
sensaccedilatildeo de desespero muito grande mesmo Me senti em uma guerra natildeo
tinha para onde correr e com certeza seria atingida por alguma bala de
borracha ou por bombas porque eles continuavam atraacutes Nesse
estacionamento pedi para o rapaz me deixar entrar Ele falou que natildeo podia
me deixar entrar Falei ldquopor favor me deixa entrarrdquo mostrei meu braccedilo ele
se assustou e deixou entrar
24
Esta eacute a lesatildeo de que relato trata
Estes casos revelam o potencial de causar danos irreversiacuteveis que as ldquomuniccedilotildees
menos letaisrdquo como municcedilatildeo de elastocircmero em armas de fogo possuem quando utilizadas
contra oacutergatildeos vitais e a curta distacircncia
O fotoacutegrafo Seacutergio natildeo teria perdido um olho e centenas de pessoas natildeo
teriam sofrido lesotildees e corrido risco de morte se a PMESP tivesse observado
minimamente os paracircmetros internacionais para o uso da forccedila reconhecidos pela
Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas e pela Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos
O Coacutedigo de Conduta Para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo
da Lei30 (doc 4) aprovado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo 34169 de 17
de dezembro de 1979 estabelece criteacuterios para a aplicaccedilatildeo da lei na defesa da ordem
puacuteblica e a forma como essas funccedilotildees satildeo exercidas
30 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)
25
Seu artigo 3ordm dispotildee
Os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute podem empregar a
forccedila quando tal se afigure estritamente necessaacuterio e na medida
exigida para o cumprimento do seu dever
Bastaria a leitura deste artigo para verificar que os agentes de seguranccedila
independente do dever que entendiam estar cumprindo ultrapassaram (e muito) o
estritamente necessaacuterio
Ainda assim esse importante documento internacional vigente desde 1979
possui comentaacuterios interpretativos31 que permitem a melhor aplicaccedilatildeo de seus dispositivos
Veja-se o que diz o comentaacuterio do artigo 3ordm
ldquoComentaacuterio
a) Esta disposiccedilatildeo salienta que o emprego da forccedila por parte dos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deve ser excepcional
Embora admita que estes funcionaacuterios possam estar autorizados a utilizar a
forccedila na medida em que tal seja razoavelmente considerado como
necessaacuterio tendo em conta as circunstacircncias para a prevenccedilatildeo de um crime
ou para deter ou ajudar agrave detenccedilatildeo legal de delinquentes ou de suspeitos
qualquer uso da forccedila fora deste contexto natildeo eacute permitido
b) A lei nacional restringe normalmente o emprego da forccedila pelos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei de acordo com o princiacutepio
da proporcionalidade Deve-se entender que tais princiacutepios nacionais
de proporcionalidade devem ser respeitados na interpretaccedilatildeo desta
disposiccedilatildeo
A presente disposiccedilatildeo natildeo deve ser em nenhum caso interpretada no
sentido da autorizaccedilatildeo do emprego da forccedila em desproporccedilatildeo com o
legiacutetimo objetivo a atingir
c) O emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem
fazer-se todos os esforccedilos no sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de
31 Diretrizes para a efetiva implementaccedilatildeo do Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei Adotado pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU em 1986 por meio da resoluccedilatildeo nordm 198661
26
fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo utilizar-se
armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou
quando de qualquer forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja
suficientes medidas menos extremas para o dominar ou deter Cada vez que
uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as
autoridades competentesrdquo
Observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP tambeacutem natildeo respeitou as disposiccedilotildees dos
Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios
Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (Princiacutepios Baacutesicos) outra normativa no acircmbito
da ONU a qual o Brasil estaacute submetido
32
Eacute escandaloso o descompasso da atuaccedilatildeo policial com o que determina o
paraacutegrafo 5 desse importante documento Veja-se
32 Disponiacutevel em httppontoeletronicomewp-contentuploads20130613jun2013-policial-se-prepara-para-atirar-contra-manifestantes-durante-protesto-contra-o-aumento-da-tarifa-do-transporte-coletivo-realizado-pelas-ruas-da-regiao-central-de-sao-paulo-1371176850700_1920x1080jpg
27
ldquo5 Sempre que o uso legiacutetimo da forccedila e de armas de fogo for inevitaacutevel
os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
(a) Exercer moderaccedilatildeo no uso de tais recursos e agir na proporccedilatildeo da
gravidade da infraccedilatildeo e do objetivo legiacutetimo a ser alcanccedilado
(b) Minimizar danos e ferimentos e respeitar e preservar a vida humana
(c) Assegurar que qualquer indiviacuteduo ferido ou afetado receba assistecircncia e
cuidados meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel
(d) Garantir que os familiares ou amigos iacutentimos da pessoa ferida ou afetada
sejam notificados o mais depressa possiacutevel
Diante dos fatos narrados na inicial eacute possiacutevel se questionar O uso legiacutetimo da
forccedila foi inevitaacutevel Houve infraccedilatildeo grave dos manifestantes para justificar a proporccedilatildeo da
forccedila policial aplicada Houve por parte da PMESP a prestaccedilatildeo de assistecircncia e cuidados
meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel As forccedilas repressivas do Estado garantiram a imediata
notificaccedilatildeo dos feridos
A resposta eacute veementemente negativa para todas essas questotildees
Independentemente dos questionamentos acima tambeacutem natildeo eacute possiacutevel
identificar qual o objetivo legiacutetimo da atuaccedilatildeo da PMESP A proacutepria intenccedilatildeo de dispersatildeo
jaacute ofende o direito agrave reuniatildeo legalmente exercido pela manifestaccedilatildeo puacuteblica presente nos 8
casos trazidos na inicial poreacutem a PMESP foi aleacutem pois contrariou os princiacutepios 13 e 14
dos Princiacutepios Baacutesicos33 ainda que tais manifestaccedilotildees fossem consideradas ilegais e
violentas
Ora estaacute mais do que claro que a utilizaccedilatildeo de armamento de fogo com
municcedilatildeo de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral estariam
absolutamente descartadas se fossem cumpridas as normativas internacionais para
o uso da forccedila
33 A transcriccedilatildeo dos artigos 13 e 14 dos princiacutepios baacutesicos estaacute na paacutegina 16
28
Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais
mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito
internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de
proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade
Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser
sempre a uacuteltima opccedilatildeo
O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias
ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no
sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida
74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo
da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um
contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente
treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo
contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente
quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis
Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente
controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave
forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro
juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo
34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre
Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)
29
iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia
de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma
confiaacutevel36
Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees
da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da
liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX
que ora transcreve-se
Artigo XIX
Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito
inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e
transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente
de fronteiras
Artigo XX
1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas
2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo
Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre
Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem
assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o
relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de
controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto
identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees
36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
30
administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo
das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas
investigaccedilotildees
Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho
de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma
das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de
maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila
de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel
abuso da forccedila
Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas
administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em
manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente
necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de
planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso
abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo
recomendou as seguintes medidas
a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da
forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas
b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees
c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para
verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores
A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao
Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde
partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de
comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela
PMESP no dia 13 de junho de 2014
31
Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que
um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem
de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros
internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em
qualquer outra manifestaccedilatildeo popular
iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO
DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO
Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo
em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de
direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)
ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi
realizada de forma violenta e ilegal
Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem
evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De
acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude
adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia
perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois
A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de
gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a
Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como
pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era
como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e
violecircncia
Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na
direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria
Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos
os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da
Silva)
32
ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um
cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a
ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha
muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais
lanccedilavam bomba por nada para todos os lados
Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as
pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva
[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se
acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas
entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]
quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para
deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos
Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando
com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta
velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo
tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas
pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As
33
pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas
que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair
de laacute
Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o
traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato
mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da
accedilatildeo repressiva
A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava
dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na
Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []
Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente
rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais
comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como
eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para
dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no
chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador
34
Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante
recorrentes
Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um
ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial
mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua
patricinha vagabundarsquo ele me dizia
[]
Vai embora sua prostituta
A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer
seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente
sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral
Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo
Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes
puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz
que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no
35
sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo
utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer
forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou
deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades
competentes
No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de
Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma
de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de
armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal
aviso deve ser feito de forma clara e adequada
Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento
10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente
a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo
suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando
tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave
ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso
Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a
utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo
de armas de fogo
Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a
grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade
policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma
sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma
36
manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos
princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38
Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)
manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de
proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo
com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado
ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever
de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e
menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas
deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme
os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo
A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa
de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila
Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do
Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas
envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para
que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio
ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se
identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza
as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila
outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude
exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
37
[]
A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica
implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto
proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com
proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de
reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O
grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja
considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do
que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de
maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se
encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o
uso da forccedila resulta desproporcionado
Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da
aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute
internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado
internacional de direitos humanos
Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com
documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema
necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas
de seguranccedila
iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE
POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES
Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a
de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de
identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria
responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)
41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15
38
ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo
ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem
os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na
Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo
onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam
muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito
desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada
um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e
depois soltarrdquo
Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume
havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as
normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo
usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento
Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute
tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma
Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por
parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em
particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo
identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de
2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos
gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de
3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se
SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou
nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto
de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os
rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido
possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante
42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319
39
agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da
corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos
A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)
que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o
Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica
informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de
identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou
crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas
pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e
ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento
Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento
feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -
organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo
com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a
manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da
Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois
se espalharam pelo centro
Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se
determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular
Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito
interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a
atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu
Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta
manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial
em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes
policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees
O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo
em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial
40
No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado
de se identificarem previamente como tais no momento de advertir
com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a
forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua
atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees
estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e
adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se
f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de
seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas
ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever
potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim
de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no
terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e
comportamento policial
Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a
identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que
cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e
ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se
g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as
forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de
abusos ou atos de violecircncia
h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou
judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas
operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos
no curso das mesmas
41
Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos
cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013
em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos
A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou
que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem
disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes
em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que
confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns
trechos da mateacuteria
Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes
sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas
delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo
Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo
investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute
abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi
concluiacuteda e nenhum policial foi punido
A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute
os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo
processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1
de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014
Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de
Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum
policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21
policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato
Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e
tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e
ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades
43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)
42
v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS
CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES
Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do
Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa
atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute
de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila
Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em
manifestaccedilotildees futuras
Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute
imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo
temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de
confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo
Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a
negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A
proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da
Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que
Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os
governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar
atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos
especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da
forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a
compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de
persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos
destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados
da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e
procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos
43
Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um
negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se
evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se
e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves
manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes
para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e
protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de
conflito
Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na
Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos
publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72
daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue
72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no
uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a
resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das
multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como
meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45
Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de
Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia
da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se
44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf
44
38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um
verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades
policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da
manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico
Suiacuteccedila e outros paiacuteses47
Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os
documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador
civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco
de conflito social
vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa
de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na
dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila
notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas
O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar
Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre
recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo
Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem
alguns trechos
No comando do choque eu soacute recebi precircmios
47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora
45
Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe
pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de
Satildeo Paulo
ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de
protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo
A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho
quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e
pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo
foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do
centro saqueadas
Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da
Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui
ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou
A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v
Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de
dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute
o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte
ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar
seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito
negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50
Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando
preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa
policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre
expressatildeo
49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)
46
ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees
razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento
paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem
violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da
legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento
de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo
manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma
manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das
pessoasrdquo52
Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho
de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante
da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo
A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava
subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e
um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas
patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de
brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo
tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha
bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa
assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou
brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo
[]
Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos
policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles
ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar
sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E
todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado
52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas
47
do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo
para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo
[]
Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu
encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de
gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba
nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para
os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de
novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me
lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de
Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo
mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da
poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo
estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e
nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo
[]
A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes
Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a
gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem
Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o
pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes
lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila
Roosevelt
[]
O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da
Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava
que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente
ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima
tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali
natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando
bomba em cima da gente
O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da
Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e
intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso
desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a
48
agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de
Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se
ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees
policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso
indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o
membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para
proteger seus companheiros ali presentesrdquo54
Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave
determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve
permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo
administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes
vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A
ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica
do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e
internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo
puacuteblico
Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da
forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a
formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas
53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo
49
Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que
ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e
de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na
elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e
minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e
de armas de fogordquo
Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para
determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila
deveriam seguir Aqui estatildeo elas
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo
da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os
tipos de armas e municcedilotildees permitidas
(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias
apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio
(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos
injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis
(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas
de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas
armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de
armas de fogo
50
(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no
desempenho das suas funccedilotildees
Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila
e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia
da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece
as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila
Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como
aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos
agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento
dessas diretrizes
1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar
nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e
deveraacute considerar primordialmente
a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela
Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na
sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979
b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de
Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados
pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo
198961 de 24 de maio de 1989
c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo
Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o
Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto
a 7 de setembro de 1999
d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis
Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees
Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de
1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991
51
Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade
resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a
necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna
ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial
Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao
Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que
tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria
9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos
disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo
objetivamente
a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas
b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao
ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no
evento
c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo
perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento
d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees
desnecessaacuterias e risco injustificado e
e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente
de seguranccedila puacuteblica
Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do
Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de
Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que
regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees
Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se
natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como
a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de
manifestaccedilotildees e reuniotildees populares
52
Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro
miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos
que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e
sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil
6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE
DIREITOS HUMANOS
O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado
por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica
contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso
internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados
no que tange agrave dignidade humana
De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados
natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a
dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados
podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros
Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos
que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos
internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas
Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo
terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua
responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos
internacionalmente admitidos
55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf
53
Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56
apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute
um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees
como prova para outro procedimento de julgamento internacional do
Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura
ignorada
Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados
no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos
normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo
Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina
se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses
oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o
jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi
distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda
externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados
ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos
constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os
paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o
respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil
continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos
nacionalmente57
Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da
presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o
que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada
56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355
54
7) CONCLUSAtildeO
A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm
Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para
resoluccedilatildeo da presente controveacutersia
Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e
histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma
expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo
se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do
Estado de Satildeo Paulo
Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a
atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa
padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia
O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo
Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos
Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que
expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e
que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente
demanda
55
8) PEDIDO
Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como
amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae
requer-se seu recebimento como memoriais
Termos em que
Pede deferimento
Satildeo Paulo 17 de julho de 2014
Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs
OABSP 262284 OABSP 101663
Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni
OABSP 284930 OABSP 286871
Sheila Santana de Carvalho
OABSP 343588
3
Fredie Didier Jr e Hermes Zaneti Jr1 corroborando com o entendimento da
doutrina de Caacutessio Scarpinella Bueno defendem a intervenccedilatildeo de amicus curiae em
qualquer accedilatildeo coletiva desde que se respeitem algumas condiccedilotildees
ldquoHaacute uma tendecircncia doutrinaacuteria e jurisprudencial poreacutem de admitir-se
a intervenccedilatildeo de amicus curiae em qualquer accedilatildeo coletiva desde que
a causa tenha relevacircncia (que em se tratando de accedilatildeo coletiva estaacute
quase sempre in re ipsa) e o possiacutevel amicus curiae tenha condiccedilotildees
de auxiliar o trabalho do magistrado contribuindo com informaccedilotildees e
anaacutelises para o melhor julgamento da demanda Seria uma intervenccedilatildeo atiacutepica
de amicus curiae ideia que nos parece louvaacutevel tendo em vista a finalidade da
participaccedilatildeo deste especial auxiliar do juiacutezo legitimar ainda mais a
decisatildeo do oacutergatildeo jurisdicional em um processo de evidente interesse
puacuteblicordquo
Ora eacute inegaacutevel que a presente demanda trata de interesse puacuteblico Tanto eacute que
em outra causa de relevacircncia o eg Tribunal de Justiccedila do Estado de Satildeo Paulo
reconheceu a intervenccedilatildeo de amicus curiae em accedilatildeo civil puacuteblica que discutia a
proibiccedilatildeo do recolhimento e da custoacutedia de presos definitivamente condenados nas Cadeias
Puacuteblicas dos Distritos Policiais e das Delegacias Especializadas da Capital
Com efeito ao julgar os embargos infringentes nordm 9092747-4520028260000 a
Terceira Cacircmara de Direito Puacuteblico deixou claro que mesmo que natildeo haja previsatildeo
expressa de intervenccedilatildeo de amicus curiae na accedilatildeo civil puacuteblica ela deve ser aceita como
medida a auxiliar no julgamento quando a demanda tiver relevacircncia social inquestionaacutevel
Veja-se trecho do v acoacuterdatildeo
ldquoDe outro lado era perfeitamente possiacutevel a intervenccedilatildeo da ldquoConectas
Direitos Humanosrdquo na qualidade de ldquoamicus curiaerdquo
Ensina Caacutessio Scarpinella Bueno que ao contraacuterio do largamente
ministrado a figura do ldquoamicus curiaerdquo ou o ldquoamigo da Cuacuteriardquo surgiu no
seacuteculo XVI na Inglaterra e de laacute seguiu para os Estados Unidos da Ameacuterica
mas de forma diversa adaptando-se agraves regras utilizadas pela ldquoCommon
1 Curso de Direito Processual Civil Vol 4 Processo Coletivo 9ordm ediccedilatildeo 2014 Ed Jus Podium p231
4
Lawrdquo (ldquoO Amicus Curiaerdquo nos Tribunais Brasileiros ndash palestra proferida na
Escola Paulista de Magistratura em 13092011)
Esta figura tinha por missatildeo o auxiacutelio dos sacerdotes na soluccedilatildeo de lides que
a eles eram trazidas em um eacutepoca histoacuterica em que as decisotildees judicias eram
primeiramente proferidas pelo clero e apoacutes referendadas pela nobreza
governante
Embora natildeo haja lei que defina expressamente o ldquoamicus curiaerdquo haacute uma
seacuterie de diplomas legislativos que trazem indiretamente essa figura Entre
elas podemos citar
- Art 31 da Lei nordm 638676 ndash Mercado de Capitais
- Art 89 da Lei nordm 888494 ndash lei antitruste
- Art 49 da Lei nordm 890694 ndash Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil
- Art 5ordm da Lei nordm 946997 ndash que estabelece prerrogativas da faz Puacuteblica
- Art 97 da Constituiccedilatildeo Federal Incidente de Inconstitucionalidade
Haacute tambeacutem leis mais recentes que chama o ldquoamicus curiaerdquo de ldquoterceirosrdquo
- Lei nordm 986899 ndash Lei da ADIn e ADc Neste caso haacute previsatildeo expressa da
intervenccedilatildeo de terceiros
- Lei nordm 988299 ndash Lei da ADPF ndash tambeacutem da mesma forma
- Lei nordm 1141806 ndash Lei de Repercussatildeo Geral
Assim diante da legislaccedilatildeo paacutetria a funccedilatildeo atual do ldquoamicus curiaerdquo eacute de
ajudar o juiz a proferir uma decisatildeo quando por dois motivos a decisatildeo
afetara outras pessoas e aquela pessoa que na sua imparcialidade traz provas
ao juiz para auxiliar o juiz
Portanto mesmo sem lei eacute possiacutevel e necessaacuterio generalizar o
ldquoamicus curiaerdquo quando houver um processo paradigmaacutetico ou em
natildeo sendo deva ter um conteuacutedo valorativo muito forte
Dessa forma era possiacutevel considerar a utilidade das argumentaccedilotildees trazidas
pela Conectas que serviriam para corroborar a decisatildeo ora proferidardquo
Assim fica demonstrada a possibilidade juriacutedica da manifestaccedilatildeo da requerente
como amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
5
2) DA LEGITIMIDADE DA REQUERENTE PARA SE MANIFESTAR COMO AMICUS CURIAE
Demonstrada a possibilidade da intervenccedilatildeo de amicus curiae e da relevacircncia social
que a demanda envolve faz-se necessaacuterio analisar a representatividade da requerente a fim
de reconhecer a sua legitimidade para se manifestar como amicus curiae
No caso eacute importante destacar que a organizaccedilatildeo tem como uma de suas missotildees
a efetivaccedilatildeo dos fundamentos da Repuacuteblica Federativa do Brasil especialmente no que
tange agrave cidadania e agrave dignidade da pessoa humana Veja-se
ldquoConectas Direitos Humanos foi fundada em 2001 com a missatildeo de
fortalecer e promover o respeito aos direitos humanos no Brasil e no
hemisfeacuterio Sul dedicando-se para tanto agrave educaccedilatildeo em direitos humanos agrave
advocacia estrateacutegica e agrave promoccedilatildeo do diaacutelogo entre sociedade civil
universidades e agecircncias internacionais envolvidas na defesa destes direitos
Conectas promove advocacia estrateacutegica em direitos humanos em
acircmbito nacional e internacional com o objetivo de alterar as praacuteticas
institucionais e sociais que desencadeiam sistemaacuteticas violaccedilotildees de
direitos humanos Desde 2006 tem status consultivo junto ao Conselho
de Direitos Humanos das Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) e desde
2009 dispotildee de status de observador na Comissatildeo Africana de Direitos
Humanos e dos Povos2
A requerente eacute hoje a organizaccedilatildeo natildeo governamental com maior nuacutemero de amici
curiae perante o Supremo Tribunal Federal jaacute tendo ingressado com 42 (quarenta e dois)
desde a sua fundaccedilatildeo
Atuar em accedilotildees e processos destinados agrave efetivaccedilatildeo dos direitos humanos inclui a
busca continua pela efetivaccedilatildeo dos fundamentos da Repuacuteblica Federativa do Brasil
especialmente no que tange agrave cidadania e agrave dignidade da pessoa humana que satildeo
fundamentais para todo e qualquer serviccedilo prestado pelo Estado
2 wwwconectasorg
6
Com relaccedilatildeo aos fins institucionais da associaccedilatildeo autora vale transcrever o
inciso VI do artigo 3ordm e o paraacutegrafo 1ordm item ldquodrdquo do mesmo artigo de seu Estatuto (doc
01) in verbis
Artigo 3ordm - A ASSOCIACcedilAtildeO seraacute regida nos termos da Lei 979099 e
teraacute por finalidade promover apoiar monitorar e avaliar projetos em
direitos humanos em niacutevel nacional e internacional em especial
[]
VI ndash promoccedilatildeo e defesa dos direitos humanos em acircmbito judicial
Paraacutegrafo 1ordm - A ASSOCIACcedilAtildeO pode para consecuccedilatildeo de seus
objetivos institucionais utilizar todos os meios permitidos na lei
especialmente para
[]
g) Promover accedilotildees judiciais visando agrave efetivaccedilatildeo dos direitos
humanos
Restam desde modo devidamente demonstrados os requisitos necessaacuterios para a
admissatildeo da presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae quais sejam relevacircncia da
mateacuteria discutida a representatividade do postulante e sua legitimidade
3) OBJETO DA PRESENTE DEMANDA
A presente accedilatildeo civil puacuteblica fundamenta-se em 8 fatos que demonstram a
violaccedilatildeo sistemaacutetica que o Estado de Satildeo Paulo promove em face dos direitos das pessoas
reunirem-se independentemente de autorizaccedilatildeo para a realizaccedilatildeo de atos manifestaccedilotildees e
protestos em locais puacuteblicos na Cidade de Satildeo Paulo
A demanda tem como objeto aleacutem da tutela reparatoacuteria a determinaccedilatildeo de
obrigaccedilatildeo de fazer e de natildeo fazer ao Estado de Satildeo Paulo no que tange agrave atuaccedilatildeo de sua
Policia Militar em manifestaccedilotildees puacuteblicas a fim de cumprir com garantias e direitos
fundamentais expressos na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica como o direito de reuniatildeo o direito
7
ao lazer o direito agrave cidade a liberdade de expressatildeo e o livre exerciacutecio profissional de
jornalistas
Argumenta-se que o procedimento adotado pela Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo
Paulo em cada uma das 8 situaccedilotildees narradas trouxe danos irreversiacuteveis para as pessoas que
tiveram direitos suprimidos pela atividade repressiva e danos sociais para a coletividade
diante da grave violaccedilatildeo de preceitos fundamentais do Estado Democraacutetico de Direito
A autora requer a condenaccedilatildeo do reacuteu para que expeccedila ato normativo definindo
paracircmetros de atuaccedilatildeo da PMESP em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se
abstenha de impor condiccedilotildees ou limites de tempo e lugar agraves reuniotildees e manifestaccedilotildees
puacuteblicas de portar arma de fogo de utilizar gaacutes lacrimogecircneo e bombas de efeito moral
para dissolver aglomeraccedilotildees antes de comunicar os manifestantes em tempo haacutebil para sua
compreensatildeo e acatamento de postar a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de
Satildeo Paulo em manifestaccedilotildees paciacuteficas e de impedir qualquer cidadatildeo de captar imagem e
som de seus agentes em atuaccedilatildeo para identificar adequadamente todos os policiais atuando
em acompanhamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas para indicar negociador civil e para ser
responsabilizado pelos danos sofridos pela coletividade ou individualmente
Tendo em vista que o tema eacute de extrema relevacircncia a organizaccedilatildeo CONECTAS
DIREITOS HUMANOS que ora se manifesta na qualidade de amicus curiae oferece nesta
oportunidade argumentos em favor da concessatildeo antecipada dos efeitos da tutela
pretendida e do julgamento pela TOTAL PROCEDEcircNCIA da presente Accedilatildeo Civil
Puacuteblica pelas razotildees a seguir expostas
4) PROMOCcedilAtildeO E PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS HUMANOS NO CONTEXTO DE PROTESTOS
SOCIAIS
A ndash INTRODUCcedilAtildeO
Ao longo da histoacuteria protestos e outros meios de participaccedilatildeo social formaram
um elemento essencial de vibrantes sociedades democraacuteticas Embora a palavra ldquoprotestordquo
natildeo apareccedila no texto de tratados internacionais o sistema internacional de proteccedilatildeo dos
8
direitos humanos inegavelmente protege o direito de protestar em reconhecimento aos
direitos de reuniatildeo liberdade de expressatildeo de opiniatildeo e de associaccedilatildeo
Entretanto nos uacuteltimos anos o crescente nuacutemero de manifestaccedilotildees populares
pelo mundo vem se deparando com reaccedilotildees violentas das autoridades do Estado - em
regra os proacuteprios contestados nas manifestaccedilotildees Nesse sentido governos optam por
impor restriccedilotildees ao direito de reuniatildeo natildeo soacute ilegais mas contraacuterias ao proacuteprio conceito de
Estado Democraacutetico
Eacute nesse contexto que a presente demanda se insere e que a CONECTAS DIREITOS
HUMANOS viu-se compelida a se manifestar como amicus curiae para oferecer um breve
panorama dos principais paracircmetros internacionais que regulam o comportamento
da poliacutecia e particularmente o uso da forccedila no contexto de manifestaccedilotildees
populares
B ndash PRINCIPAIS NORMAS INTERNACIONAIS QUE REGULAM O USO DA FORCcedilA PELA
POLIacuteCIA
A niacutevel global existem 2 conjuntos de documentos que tratam especificamente da
regulaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia o Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios
Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei de 19793 (doc 4) com as diretrizes para sua efetiva
implementaccedilatildeo4 e os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei de 19905 (doc 5)
Amplamente tidas como declaraccedilotildees oficiais de direito internacional6 esses
instrumentos satildeo frequentemente mencionados pelos mecanismos regionais de direitos
3 Adotado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo nordm 34169 4 Adotado pelo Resoluccedilatildeo Conselho Social e Econocircmico da ONU nordm 198661 5 Adotado pela Conferecircncia de Crime das Naccedilotildees Unidas 6 Relatoacuterio apresentado na Assembleia Geral em 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on
9
humanos e tecircm sido repetidamente referenciados por vaacuterios oacutergatildeos da ONU7 como
expressatildeo dos princiacutepios da proporcionalidade e da estrita necessidade do uso da forccedila
policial destacando ainda que o uso de potencial forccedila letal deve ser sempre excepcional
A preocupaccedilatildeo da comunidade internacional com a efetividade dos direitos
universais de livre expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo fez com que fosse criada no
acircmbito da ONU a figura do Relator Especial sobre os Direitos de Liberdade de
Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo
Aleacutem disso haacute de ser destacado que em maio de 2011 o Relator Especial da
ONU sobre Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias ou Arbitraacuterias apresentou um
estudo ao Conselho de Direitos Humanos da organizaccedilatildeo concluindo que os sistemas
legais de muitos paiacuteses ainda natildeo aderiram aos padrotildees internacionais miacutenimos
relacionados ao uso da forccedila policial8
61 A princiacutepio disparar indiscriminadamente contra uma multidatildeo natildeo eacute
permitido e soacute pode se voltar ao indiviacuteduo ou grupo que constitui ameaccedila
de morte ou ferimentos graves O uso de armas de fogo natildeo pode ser
justificado apenas porque uma reuniatildeo eacute ilegal que tenha deva ser
dispersada ou para se proteger a propriedade Isso muitas vezes natildeo estaacute
refletido nas leis do paiacutes
62 Nos termos do Coacutedigo de Conduta e dos Princiacutepios Baacutesicos a norma a
respeito do uso intencional de forccedila letal eacute a mesma em todas as
circunstacircncias mesmo em auto-defesa prisatildeo contenccedilatildeo de revolta popular
the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 7 Entre outros Resoluccedilotildees do Conselho de Direitos Humanos observaccedilotildees finais de vaacuterios corpos de tratados como o Comitecirc de Direitos Humanos e o Comitecirc Contra a Tortura aleacutem dos relatos de procedimentos especiais 8 Relatoacuterio do Relator Especial sobre execuccedilotildees extrajudicias sumaacuterias ou arbitraacuterias apresentado agrave Assembleia Geral em 23052011 (AHRC1728) paraacutegrafos 61 e 62 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf
10
ou em quaisquer outras circunstacircncias ou seja somente em proteccedilatildeo da
vida9
No acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos (CIDH) por meio do Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos
Humanos (2009) (doc 7) e do Relatoacuterio sobre a Situaccedilatildeo dos Defensores dos
Direitos Humanos nas Ameacutericas (2012) (doc 8) definiu paracircmetros concretos para
regular o policiamento de protestos que inclui nomeadamente a proibiccedilatildeo do uso de
forccedila letal a necessidade de treinamento adequado para o policiamento durante
manifestaccedilotildees de massa e a exigecircncia de identificaccedilatildeo clara e individual dos policiais
Nota-se que os paracircmetros da CIDH tambeacutem reforccedilam os princiacutepios da
proporcionalidade e da estrita necessidade aleacutem de reconhecer que o direito de protestar eacute
uma forma de expressatildeo coletiva que deve ser garantida10
Natildeo eacute demais destacar que na Europa estaacute vigente um Coacutedigo Europeu de Eacutetica
Policial que conteacutem uma seccedilatildeo inteira dedicada ao policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas
que incluem obrigaccedilotildees processuais e materiais sobre as forccedilas de seguranccedila antes durante
e apoacutes as manifestaccedilotildees acontecerem aleacutem de um foco especial sobre as obrigaccedilotildees da
poliacutecia quando as forccedilas de seguranccedila tomam medidas para dispersar a multidatildeo11
9 Traduccedilatildeo livre de 61 In principle shooting indiscriminately into a crowd is not allowed and may only be targeted at the person or persons constituting the threat of death or serious injury The use of firearms cannot be justified merely because a particular gathering is illegal and has to be dispersed or to protect property This is often not reflected in domestic laws 62 In terms of the Code and the Basic Principles the norm in respect of the intentional use of lethal force is the same under all circumstances whether in self-defence arrest quelling a riot or any other circumstances namely protection of life 10 ldquoComo a jurisprudecircncia do sistema interamericano explicou em numerosas ocasiotildees a liberdade de expressatildeo eacute um direito que tem duas dimensotildees uma dimensatildeo individual que consiste no direito de cada pessoa para expressar seus pensamentos ideias e informaccedilotildees e uma dimensatildeo coletiva ou social que consiste no direito da sociedade de obter e receber todas as informaccedilotildees para saber os pensamentos ideias e informaccedilotildees de outras pessoas para estarem bem informadosrdquo CIDH Escritoacuterio do Relator Especial pela Liberdade de Expressatildeo The inter-American legal framework regarding the right to freedom of expression (OEA SerLVII CIDHRELEINF (2009) par 13 Traduccedilatildeo livre de ldquoAs the case law of the inter-American system has explained on numerous occasions freedom of expression is a right that has two dimensions an individual dimension consisting of the right of each person to express her own thoughts ideas and information and a collective or social dimension consisting of societyrsquos right to obtain and receive any information to know the thoughts ideas and information of others and to be well-informedrdquo 11 Paraacutegrafo 176 da Segunda Ediccedilatildeo das Diretrizes da OSCE Detalhando por exemplo a obrigaccedilatildeo de estabelecer procedimentos de descontaminaccedilatildeo de produtos quiacutemicos irritantes utilizados em
11
A Corte Europeia de Direitos Humanos inclusive jaacute adotou posicionamentos
importantes sobre o tema como a presunccedilatildeo em favor do caraacuteter paciacutefico de todas as
manifestaccedilotildees12 a legitimidade das manifestaccedilotildees de uso do espaccedilo puacuteblico ainda que
causem um certo grau de perturbaccedilatildeo na vida cotidiana13 a necessidade de avaliar o
comportamento do indiviacuteduo separadamente do da multidatildeo14 e o ocircnus da prova de
manifestantes com intenccedilotildees ou accedilotildees violentas que recai sobre as autoridades15
Com o que seraacute esmiuccedilado a seguir este mm Juiacutezo teraacute condiccedilotildees de
observar que o Estado de Satildeo Paulo em sua competecircncia de regulamentar e
controlar a atividade de sua poliacutecia militar aleacutem de desrespeitar a proacutepria
Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil viola absolutamente TODAS AS
NORMAS INTERNACIONAIS jaacute estabelecidas para o uso da forccedila policial
5) DO USO DA FORCcedilA PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO NO DIA 13 DE
JUNHO DE 2013
Em 13 de junho de 2013 uma das situaccedilotildees de fato trazidas agrave demanda a Poliacutecia
realizava em Satildeo Paulo uma das mais violentas repressotildees a manifestaccedilotildees desde o fim da
ditadura militar Numa noite de horror coletivo raramente vista milhares de pessoas que
manifestantes a proibiccedilatildeo de utilizar a forccedila contra manifestantes paciacuteficos que satildeo incapazes de dispersar o dever de manter registros detalhados sobre o tipo de forccedila utilizada e a obrigaccedilatildeo de investigar a causa de mortes ou ferimentos entre outros 12 Uma assembleacuteia seraacute considerada paciacutefica enquanto os participantes estiverem paciacuteficos mesmo que os organizadores natildeo cumpram com todos os requisitos legais necessaacuterios para o desenvolvimento da manifestaccedilatildeo Oya Ataman v Turkey no 7455201 ECHR 2006 e Cisse v France no 5134699 sect 37 ECHR 2002 Traduccedilatildeo livre de ldquoAn assembly will be deemed peaceful as long as the participants remain peaceful even if the organizers have not complied with all legal requirements prior to the assemblyrdquo 13 Patyi and Others v Hungary no 552905 sectsect 42-43 ECHR 2008 Balccedilik and Others v Turkey no 2502 sect 52 ECHR 2007 Ashughyan v Armenia no 3326803 sect 90 ECHR 2008 14 ldquouma pessoa natildeo deixa de gozar do direito de reuniatildeo paciacutefica em casos de violecircncia esporaacutedica ou outros atos puniacuteveis cometidos por outras no curso da manifestaccedilatildeo se permanece tranquilo em suas proacuteprias intenccedilotildees ou comportamentosrdquo Ziliberberg v Moldova (dec) no 6182100 ECHR 2004 Traduccedilatildeo livre de ldquoan individual does not cease to enjoy the right to peaceful assembly as a result of sporadic violence or other punishable acts committed by others in the course of the demonstration if the individual in question remains peaceful in his or her own intentions or behaviourrdquo 15 Christian Democratic Peoplersquos Party v Moldova (No 2) no 2519604 sect 23 ECHR 2010
12
participavam de um protesto paciacutefico no centro da cidade se viram cercadas por tropas
policiais em um labirinto violento que atravessou a noite e cujas traacutegicas consequecircncias se
fazem sentir ainda hoje especialmente para os que carregaratildeo sequelas fiacutesicas e emocionais
Esse caso mostra evidente que os procedimentos adotados pela seguranccedila puacuteblica
paulista natildeo respeitaram os protocolos internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila
aleacutem de descumprir tratados e convenccedilotildees internacionais que o Brasil eacute signataacuterio e natildeo
seguir as recomendaccedilotildees das organizaccedilotildees internacionais das quais o Brasil eacute parte
Satildeo numerosos os relatos e evidecircncias de violecircncia fiacutesica contra os manifestantes
em 13 de junho de 2013 inclusive em desfavor de pessoas rendidas deitadas desarmadas e
desprovidas de qualquer acircnimo de resistecircncia Muitas destas pessoas foram espancadas e
atingidas por disparos de balas de borracha
Foram relatados ainda atos de violecircncia contra pessoas que natildeo estavam
participando dos protestos inclusive idosos e crianccedilas16 Foram registradas cenas onde a
Poliacutecia invadiu ateacute mesmo hospitais a fim de localizar pessoas que teriam participado dos
protestos17 Aleacutem disso apoacutes o grande nuacutemero de manifestantes jaacute ter sido dispersado
foram registradas cenas onde a Poliacutecia invadiu estabelecimentos comerciais supostamente
em busca dos manifestantes e agrediu pessoas18 Segundo relatos dos organizadores do
evento mais de 100 pessoas ficaram feridas19 em decorrecircncia da accedilatildeo truculenta da Poliacutecia
naquele dia
16 Ver por exemplo PORTAL DE NOTIacuteCIAS TERRA ldquoBomba de gaacutes lacrimogecircneo atinge carro de um idoso que estava de passagemrdquo viacutedeo publicado no 14 de junho de 2013 13h50 disponiacutevel no link httpterratvterracombrvideosNoticiasBrasilCidades4828-474261Bomba-de-gas-lacrimogeneo-cai-dentro-de-carro-em-protesto-em-SPhtm 17 Ver depoimento no site do Coletivo Antiproibicionista de Satildeo Paulo ldquoPM retira feridos a forccedila de hospital e impede atendimentordquo 14 de junho de 2013 disponiacutevel no link httpcoletivodarorg201306pm-retira-feridos-a-forca-de-hospital-e-impede-atendimento
18Ver por exemplo JORNAL FOLHA DE SAtildeO PAULO ldquoApoacutes confronto casal eacute agredido por PMs na regiatildeo da Paulistardquo 14 de junho de 2013 00h52 disponiacutevel em httpwww1folhauolcombrcotidiano2013061294916-apos-confronto-casal-e-agredido-por-pms-na-regiao-da-paulistashtml 19
Os dados finais sobre o numero de feridos ainda estatildeo sendo organizados pelo MPL e pela Defensoria
Puacuteblica de Satildeo Paulo Para uma estimativa ver infograacutefico JORNAL FOLHA DE SAtildeO PAULO ldquoDos 235
detidos em protesto 231 satildeo liberados apoacutes prestar depoimentordquo 14 de junho 2013 07h25 disponiacutevel
emhttpwww1folhauolcombrcotidiano2013061294960-dos-235-detidos-em-protesto-231-sao-
liberados-apos-prestar-depoimentoshtml
13
Abaixo demonstra-se detalhadamente cada norma dos protocolos internacionais
para a utilizaccedilatildeo da forccedila que foram descumpridas pela Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo
Paulo contribuindo-se para o livre convencimento deste mm Juiacutezo a dar total procedecircncia
agrave presente accedilatildeo civil puacuteblica
i - DA INTERRUPCcedilAtildeO DA REUNIAtildeO PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO
VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS
Um dia que ficaria para a histoacuteria como a maior expressatildeo do exerciacutecio do direito
constitucional de reuniatildeo da liberdade de expressatildeo e de locomoccedilatildeo na verdade tornou-se
a maior expressatildeo da restriccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da proacutepria Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Observa-
se que a justificativa de se liberar o traacutefego de veiacuteculos para garantir a manutenccedilatildeo da
ordem puacuteblica foi a causa que deu iniacutecio agrave accedilatildeo ilegal e truculenta da Poliacutecia Militar do
Estado de Satildeo Paulo (PMESP)
Nota-se das paacuteginas 21 e 22 da exordial que as proacuteprias forccedilas de seguranccedila
tomaram a iniciativa de encerrar o ato que reuniu cerca de 15 mil pessoas que caminhavam
pelas ruas de Satildeo Paulo
Ocorre que aleacutem de ilegal e inconstitucional essa medida ofende diretamente a
Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos (Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica)
incorporada ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 68792
Eacute o que diz a Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos no Marco Juriacutedico
Interamericano Sobre o Direito agrave Liberdade de Expressatildeo20 onde seu paraacutegrafo 82
assevera
20 Apresentado pela Relatoria para a Liberdade de Expressatildeo da Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos 2010 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhexpresiondocspublicacionesMARCO20JURIDICO20INTERAMERICANO20DEL20DERECHO20A20LA20LIBERTAD20DE20EXPRESION20ESP20FINAL20portadadocpdf (acessado em 04062014)
14
ldquoqualquer afetaccedilatildeo da ordem puacuteblica invocada como justificaccedilatildeo para limitar
a liberdade de expressatildeo deve obedecer causas reais e objetivamente
verificaacuteveis que signifiquem uma ameaccedila certa e acreditaacutevel de uma
perturbaccedilatildeo potencialmente grave das condiccedilotildees baacutesicas para o
funcionamento das instituiccedilotildees democraacuteticasrdquo21
Nota-se do conjunto probatoacuterio juntado aos autos que antes da atuaccedilatildeo policial
natildeo houve qualquer risco razoaacutevel de distuacuterbio grave natildeo havendo possibilidade diante da
Convenccedilatildeo Americana de se promover a dispersatildeo da manifestaccedilatildeo simplesmente pela
ocupaccedilatildeo de uma via puacuteblica
Eacute o que diz a continuaccedilatildeo do dispositivo mencionado acima
ldquoEm consequecircncia natildeo eacute suficiente invocar meras conjecturas sobre
eventuais afetaccedilotildees da ordem nem circunstacircncias hipoteacuteticas derivadas
de interpretaccedilotildees das autoridades diante de fatos que natildeo representem
claramente um risco razoaacutevel de distuacuterbios graves Uma interpretaccedilatildeo mais
ampla ou indeterminada abriria um campo inadmissiacutevel agrave arbitrariedade e
restringiria a raiz da liberdade de expressatildeo que forma parte integral da
ordem puacuteblica protegida pela Convenccedilatildeo Americanardquo22
Dentre as pessoas viacutetimas da violecircncia policial do dia 13062013 dez prestaram
relatos agrave requerente sobre o que ocorreu naquela noite em Satildeo Paulo (doc 6) informando
que PMESP perseguiu prendeu agrediu e feriu indiscriminadamente natildeo apenas
manifestantes mas tambeacutem jornalistas e moradores dos bairros por onde a marcha passou
21 Traduccedilatildeo livre de ldquocualquier afectacioacuten del orden puacuteblico invocada como justificacioacuten para limitar la libertad de expresioacuten debe obedecer a causas reales y objetivamente verificables que planteen una amenaza cierta y creiacuteble de una perturbacioacuten potencialmente grave de las condiciones baacutesicas para el funcionamiento de las instituciones democraacuteticasrdquo 22 Traduccedilatildeo livre de ldquo En consecuencia no resulta suficiente invocar meras conjeturas sobre eventuales afectaciones del orden ni circunstancias hipoteacuteticas derivadas de interpretaciones de las autoridades frente a hechos que no planteen claramente un riesgo razonable de disturbios graves (ldquoviolencia anaacuterquicardquo) Una interpretacioacuten maacutes amplia o indeterminada abririacutea un campo inadmisible a la arbitrariedad y restringiriacutea de raiacutez la libertad de expresioacuten que forma parte integral del orden puacuteblico protegido por la Convencioacuten Americanardquo
15
Veja-se o depoimento de uma delas
A manifestaccedilatildeo seguiu pela av Ipiranga ateacute o iniacutecio da rua da Consolaccedilatildeo
onde jaacute havia viaturas policiais acompanhando a multidatildeo Ateacute entatildeo a
movimentaccedilatildeo desses policiais era tranquila como a dos proacuteprios
manifestantes Eles caminhavam com suas faixas bandeiras camisas com
dizeres de protesto gritos enfim uma manifestaccedilatildeo como outra qualquer
Entrando na rua da Consolaccedilatildeo o clima comeccedilou a ficar diferente Em
frente agrave Praccedila Roosevelt havia uma barreira de guardas civis da Guarda
Civil Metropolitana (GCM) Eles se posicionaram com escudos e cassetetes
formando uma barreira humana nas escadarias da Praccedila Roosevelt para que
os manifestantes natildeo ocupassem aquele espaccedilo []
Seguindo ainda nesse trecho da rua da Consolaccedilatildeo a Poliacutecia Militar do
estado de Satildeo Paulo posiciona alguns veiacuteculos duas ou trecircs viaturas (natildeo me
recordo bem) e comeccedila um diaacutelogo (podemos chamar assim) entre alguns
policiais alguns manifestantes e o pessoal da imprensa Posso dizer com
absoluta certeza que eram pouquiacutessimas pessoas nesse diaacutelogo dois ou trecircs
policiais cinco ou seis manifestantes e o resto era da imprensa Eu estava
proacuteximo do local dessa conversa e o pouco que eu consegui ouvir era da
voz de um policial dizendo que os manifestantes natildeo poderiam continuar
naquele trajeto ou seja subir a rua da Consolaccedilatildeo em direccedilatildeo agrave av Paulista
que era o trajeto que aquela manifestaccedilatildeo queria fazer
16
Ao adotar a formaccedilatildeo de confronto e impedir o prosseguimento da manifestaccedilatildeo
paciacutefica a PMESP impediu o exerciacutecio do direito de reuniatildeo e livre expressatildeo de cerca de
15 mil pessoas Natildeo satisfeita ainda iniciou o lanccedilamento de bombas e tiros com municcedilatildeo
de elastocircmero contra as pessoas reunidas ali pacificamente
23
Claramente ao interromper as pessoas ali reunidas que marchavam
pacificamente a PMESP rasgou todas as cartas de direitos que reconhecem a liberdade de
reuniatildeo e de expressatildeo - a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica a Declaraccedilatildeo Universal de Direitos
Humanos e a Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos ndash ferindo tambeacutem os
posicionamentos de organismos internacionais como a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos (CIDH)cedilque sinaliza hipoacuteteses restritas de limitaccedilatildeo do direito de
reuniatildeo no 2ordm Relatoacuterio sobre a Situaccedilatildeo de Defensores e Defensoras de Direitos
Humanos nas Ameacutericas24 (doc 8) Veja-se
ldquo107 Nos uacuteltimos anos alguns paiacuteses tecircm apresentado um aumento no
nuacutemero de accedilotildees penais contra participantes de protestos sociais para a
reivindicaccedilatildeo de direitos utilizando-se de argumentos como a perturbaccedilatildeo
da ordem puacuteblica ou o atentado contra a seguranccedila do Estado Em virtude
da importacircncia que se revestem as manifestaccedilotildees puacuteblicas nos sistemas
democraacuteticos o Estado possui hipoacuteteses restritas para aplicar
limitaccedilotildees nesse sentido mesmo que o direito de reuniatildeo natildeo seja
23 Disponiacutevel em httpimgr7comimages2013061500_13_08_643_filedimensions=780x340 24 Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos 2011 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhdefensoresdocspdfdefensores2011pdf (acessado em 02062014)
17
absoluto ou possa estar sujeito a certos limites essas justificativas
devem ser razoaacuteveis para se assegurar o desenvolvimento paciacutefico das
manifestaccedilotildees e devem reger-se ldquopelos princiacutepios da legalidade da
necessidade e da proporcionalidaderdquo25
A importacircncia destes firmes posicionamentos da CIDH fundamenta-se em sua
proacutepria funccedilatildeo institucional de interpretar e recomendar a melhor aplicaccedilatildeo da
Convenccedilatildeo que claramente reconhece na atividade administrativa do Estado de Satildeo
Paulo a violaccedilatildeo de dois de seus artigos abaixo transcritos
Artigo 13 - Liberdade de pensamento e de expressatildeo
Toda pessoa tem o direito agrave liberdade de pensamento e de expressatildeo Esse
direito inclui a liberdade de procurar receber e difundir informaccedilotildees e ideacuteias
de qualquer natureza sem consideraccedilotildees de fronteiras verbalmente ou por
escrito ou em forma impressa ou artiacutestica ou por qualquer meio de sua
escolha
Artigo 15 - Direito de reuniatildeo
Eacute reconhecido o direito de reuniatildeo paciacutefica e sem armas O exerciacutecio desse
direito soacute pode estar sujeito agraves restriccedilotildees previstas em lei e que se faccedilam
necessaacuterias em uma sociedade democraacutetica ao interesse da seguranccedila
nacional da seguranccedila ou ordem puacuteblicas ou para proteger a sauacutede ou a
moral puacuteblicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas
25 Traduccedilatildeo livre de ldquo107 En los uacuteltimos antildeos se ha presentado una creciente iniciacioacuten de acciones penales en algunos paiacuteses en contra de quienes participan en protestas sociales para la reivindicacioacuten de derechos bajo el argumento de que supuestamente se desarrollariacutean en un marco de perturbacioacuten del orden puacuteblicoo atentariacutean contra la seguridad del Estado En virtud de la importancia que reviste la protesta social en los sistemas democraacuteticos el Estado tiene un marco centildeido para justificar su limitacioacuten en este sentido si bien el derecho de reunioacuten no es absoluto y puede estar sujeto a ciertos liacutemites eacutestos deben ser razonablescon el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las manifestaciones y deben regirse ldquopor los principios de legalidad necesidad y proporcionalidaderdquo
18
Jaacute no acircmbito da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) o Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Poliacuteticos26 exige que os Estados signataacuterios
garantam aos seus cidadatildeos o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de participaccedilatildeo da
conduccedilatildeo de assuntos puacuteblicos sem restriccedilotildees infundadas27
Nessa linha o 8ordm Congresso das Naccedilotildees Unidas sobre a Prevenccedilatildeo do Crime
e o Tratamento dos Delinquentes deu publicidade a um documento formulado para
assistir os Estados membros na tarefa de assegurar e promover a adequada missatildeo dos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo de lei Trata-se dos Princiacutepios Baacutesicos sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da
Lei28 (doc 5) que dentre suas disposiccedilotildees determina que
ldquodevem ser tomados em consideraccedilatildeo e respeitados pelos governos
no acircmbito da legislaccedilatildeo e da praacutetica nacionais e levados ao
conhecimento dos funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei e de
outras pessoas como juiacutezes agentes do Ministeacuterio Puacuteblico
advogados membros do Executivo e do Legislativo bem como do
puacuteblico em geralrdquo
Ao se comprometer com esse documento o Estado Brasileiro compreendido por
Uniatildeo Estados e Municiacutepios natildeo pode deixar de observar suas disposiccedilotildees
Todavia mesmo conhecedor desses paracircmetros o Estado de Satildeo Paulo
por meio da PMESP no dia 13 de junho optou por descumpri-los ao encerrar uma
manifestaccedilatildeo legal e natildeo-violenta
26 Internalizado ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 592 de 6 de julho de 1992 27 Arts 19 21 e 25 28 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)
19
29
A violaccedilatildeo do compromisso internacional estaacute explicitada em seu Princiacutepio 12
que diz que como todos tecircm direito de participar de reuniotildees legiacutetimas e paciacuteficas de acordo com os
princiacutepios expressos na Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional de Direitos
Civis e Poliacuteticos os governos entidades e os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo reconhecer que a forccedila
e as armas de fogo soacute podem ser usadas nos termos dos Princiacutepios 13 e 14
Note-se que tais princiacutepios referem-se a grupos ilegais e violentos o que
claramente natildeo foi o caso das pessoas que estavam nas ruas exercendo seu direito de livre
expressatildeo e reuniatildeo poreacutem ainda que fosse seria inevitaacutevel se observarem os criteacuterios da
proporcionalidade e da estrita necessidade no uso da forccedila policial
Veja-se a transcriccedilatildeo dos Princiacutepios 13 e 14 do protocolo
13 Ao dispersar grupos ilegais mas natildeo-violentos os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo evitar o uso da forccedila ou quando tal natildeo for
possiacutevel deveratildeo restringir tal forccedila ao miacutenimo necessaacuterio
14 Ao dispersar grupos violentos os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute
poderatildeo fazer uso de armas de fogo quando natildeo for possiacutevel usar outros
meios menos perigosos e apenas nos termos minimamente necessaacuterios Os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei natildeo deveratildeo fazer uso de armas de
fogo em tais casos a natildeo ser nas condiccedilotildees previstas no Princiacutepio 9
29 Disponiacutevel em httpwwwvalorcombrsitesdefaultfilesimagecachemedia_library_300_197imagesprotestag_0_8_640_419jpg
20
Ora diante dos fatos eacute impossiacutevel identificar sequer um rastro de observacircncia
deste protocolo pela PMESP seja no dia 13 de junho de 2013 ou nas outras situaccedilotildees
narradas na inicial
Portanto demonstra-se que suposta manutenccedilatildeo da ordem puacuteblica no intuito de
se garantir a circulaccedilatildeo de veiacuteculos natildeo pode do ponto de vista juriacutedico interno e
internacional frustrar o direito de reuniatildeo das pessoas que se encontram em vias puacuteblicas
para exercer seu direito universal agrave liberdade de expressatildeo
ii - DA UTILIZACcedilAtildeO DE ARMAS DE FOGO COM MUNICcedilAtildeO DE ELASTOcircMERO BOMBAS DE
GAacuteS E GRANADAS DE LUZ E SOM PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO
VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS
Os relatos daqueles que participaram da manifestaccedilatildeo (doc 6) sugerem que em
vez de direcionar a marcha num suposto sentido de dispersatildeo os policiais encurralaram
milhares de pessoas num circuito de tiro com balas de borracha saturado com bombas
de gaacutes e granadas de luz e som ao longo de vaacuterias ruas da regiatildeo central Essa taacutetica policial
de encurralamento pode ser observada pelo mapa abaixo o qual explica como se deu o
trajeto realizado pela poliacutecia e manifestantes
21
22
Seacutergio Andrade da Silva de 31 anos eacute um fotoacutegrafo casado e pai de duas
crianccedilas Na noite do protesto ele saiu para trabalhar Faria fotos da marcha para uma
agecircncia de notiacutecias mas acabou horas depois internado no ldquoHospital H Olhosrdquo depois
de ter passado pelo ldquoHospital 9 de Julhordquo onde recebeu doses de morfina para controlar a
dor de duas fraturas na oacuterbita ocular resultante de accedilatildeo da Poliacutecia Militar Sergio levou
cinco pontos dentro do olho esquerdo do qual ficaria definitivamente cego
Transcreve-se abaixo trecho do relato de Sergio que mostra todo o pacircnico que
sentiu no momento da agressatildeo recebida pela PMESP (doc 6)
Fui atingido por uma bala de borracha Tenho quase 180m e a bala me
atingiu exatamente no olho [] A dor foi instantacircnea profunda terriacutevel
Todos os piores adjetivos com que vocecirc puder qualificar a dor eu senti
naquele momento Meu olho inchou rapidamente coloquei a matildeo e minha
paacutelpebra jaacute havia se fechado Muito sangue comeccedilava a cair naquele instante
e pensei lsquofiquei cego Natildeo vou mais conseguir fotografarrsquo Foi a sensaccedilatildeo
que eu tive
Outro relato mostra exatamente o desespero de um cidadatildeo que corre risco de
vida ou de ferimentos graves pela accedilatildeo da proacutepria poliacutecia que supostamente deve
promover a seguranccedila puacuteblica (doc 6)
23
Ali foi o momento mais desesperador mesmo porque natildeo conseguia
respirar achei que ia desmaiar ali comecei a ficar fraca natildeo conseguia correr
mais e fiquei um tempo ali desnorteada com todo aquele gaacutes e continuei
correndohellip Jaacute tinha perdido todo mundo e olhei para os lados estava todo
mundo correndo subindo e natildeo tinha para onde ir a natildeo ser subir a
Augusta Tinha muita gente e natildeo dava para ir raacutepido a gente ficou
encurralado Quando vi estaacutevamos entre uma parede subindo a Augusta
na frente tinha um grupo de policias da Tropa de Choque e atraacutes tambeacutem
Ali foi o momento que fomos emparedados Natildeo tinha o que fazer natildeo
dava para correr muito corriacuteamos lentamentehellip Me senti fuzilada naquele
momento a gente ficou emparedado parecia um fuzilamento no paredatildeo
Foi tudo muito raacutepido e de repente estourou uma bomba na minha frente a
princiacutepio achei que era gaacutes lacrimogecircnio eu senti todo o impacto no meu
corpo mas continuei correndo Natildeo sabia que eu havia me machucado ou
melhor que tinham me machucado naquele momento soacute tinha sentido o
impacto Eu estava com muito medo de levar bala de borracha porque eles
estavam realmente perseguindo Quando virei a direita eu continuei
ouvindo os tiros e as bombas e aquela rua estava completamente parada as
pessoas correndo entre os carros todo mundo desesperado ali E eles
continuaram correndo atraacutes da gente ndash na verdade sequer olhei para traacutes
dava para ouvir e tinha certeza absoluta que seria atingida por uma bala de
borracha Porque eles estavam muito perto perseguindo Consegui correr e
virar a direita de novo onde encontrei um estacionamento grande na Caio
Prado Ali correndo seguindo nessa rua percebi que havia um corte
profundo no meu braccedilo Eu olhei um corte muito profundo eu fiquei
muito assustada Minha reaccedilatildeo foi chorar continuar correndo Foi uma
sensaccedilatildeo de desespero muito grande mesmo Me senti em uma guerra natildeo
tinha para onde correr e com certeza seria atingida por alguma bala de
borracha ou por bombas porque eles continuavam atraacutes Nesse
estacionamento pedi para o rapaz me deixar entrar Ele falou que natildeo podia
me deixar entrar Falei ldquopor favor me deixa entrarrdquo mostrei meu braccedilo ele
se assustou e deixou entrar
24
Esta eacute a lesatildeo de que relato trata
Estes casos revelam o potencial de causar danos irreversiacuteveis que as ldquomuniccedilotildees
menos letaisrdquo como municcedilatildeo de elastocircmero em armas de fogo possuem quando utilizadas
contra oacutergatildeos vitais e a curta distacircncia
O fotoacutegrafo Seacutergio natildeo teria perdido um olho e centenas de pessoas natildeo
teriam sofrido lesotildees e corrido risco de morte se a PMESP tivesse observado
minimamente os paracircmetros internacionais para o uso da forccedila reconhecidos pela
Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas e pela Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos
O Coacutedigo de Conduta Para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo
da Lei30 (doc 4) aprovado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo 34169 de 17
de dezembro de 1979 estabelece criteacuterios para a aplicaccedilatildeo da lei na defesa da ordem
puacuteblica e a forma como essas funccedilotildees satildeo exercidas
30 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)
25
Seu artigo 3ordm dispotildee
Os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute podem empregar a
forccedila quando tal se afigure estritamente necessaacuterio e na medida
exigida para o cumprimento do seu dever
Bastaria a leitura deste artigo para verificar que os agentes de seguranccedila
independente do dever que entendiam estar cumprindo ultrapassaram (e muito) o
estritamente necessaacuterio
Ainda assim esse importante documento internacional vigente desde 1979
possui comentaacuterios interpretativos31 que permitem a melhor aplicaccedilatildeo de seus dispositivos
Veja-se o que diz o comentaacuterio do artigo 3ordm
ldquoComentaacuterio
a) Esta disposiccedilatildeo salienta que o emprego da forccedila por parte dos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deve ser excepcional
Embora admita que estes funcionaacuterios possam estar autorizados a utilizar a
forccedila na medida em que tal seja razoavelmente considerado como
necessaacuterio tendo em conta as circunstacircncias para a prevenccedilatildeo de um crime
ou para deter ou ajudar agrave detenccedilatildeo legal de delinquentes ou de suspeitos
qualquer uso da forccedila fora deste contexto natildeo eacute permitido
b) A lei nacional restringe normalmente o emprego da forccedila pelos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei de acordo com o princiacutepio
da proporcionalidade Deve-se entender que tais princiacutepios nacionais
de proporcionalidade devem ser respeitados na interpretaccedilatildeo desta
disposiccedilatildeo
A presente disposiccedilatildeo natildeo deve ser em nenhum caso interpretada no
sentido da autorizaccedilatildeo do emprego da forccedila em desproporccedilatildeo com o
legiacutetimo objetivo a atingir
c) O emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem
fazer-se todos os esforccedilos no sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de
31 Diretrizes para a efetiva implementaccedilatildeo do Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei Adotado pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU em 1986 por meio da resoluccedilatildeo nordm 198661
26
fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo utilizar-se
armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou
quando de qualquer forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja
suficientes medidas menos extremas para o dominar ou deter Cada vez que
uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as
autoridades competentesrdquo
Observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP tambeacutem natildeo respeitou as disposiccedilotildees dos
Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios
Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (Princiacutepios Baacutesicos) outra normativa no acircmbito
da ONU a qual o Brasil estaacute submetido
32
Eacute escandaloso o descompasso da atuaccedilatildeo policial com o que determina o
paraacutegrafo 5 desse importante documento Veja-se
32 Disponiacutevel em httppontoeletronicomewp-contentuploads20130613jun2013-policial-se-prepara-para-atirar-contra-manifestantes-durante-protesto-contra-o-aumento-da-tarifa-do-transporte-coletivo-realizado-pelas-ruas-da-regiao-central-de-sao-paulo-1371176850700_1920x1080jpg
27
ldquo5 Sempre que o uso legiacutetimo da forccedila e de armas de fogo for inevitaacutevel
os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
(a) Exercer moderaccedilatildeo no uso de tais recursos e agir na proporccedilatildeo da
gravidade da infraccedilatildeo e do objetivo legiacutetimo a ser alcanccedilado
(b) Minimizar danos e ferimentos e respeitar e preservar a vida humana
(c) Assegurar que qualquer indiviacuteduo ferido ou afetado receba assistecircncia e
cuidados meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel
(d) Garantir que os familiares ou amigos iacutentimos da pessoa ferida ou afetada
sejam notificados o mais depressa possiacutevel
Diante dos fatos narrados na inicial eacute possiacutevel se questionar O uso legiacutetimo da
forccedila foi inevitaacutevel Houve infraccedilatildeo grave dos manifestantes para justificar a proporccedilatildeo da
forccedila policial aplicada Houve por parte da PMESP a prestaccedilatildeo de assistecircncia e cuidados
meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel As forccedilas repressivas do Estado garantiram a imediata
notificaccedilatildeo dos feridos
A resposta eacute veementemente negativa para todas essas questotildees
Independentemente dos questionamentos acima tambeacutem natildeo eacute possiacutevel
identificar qual o objetivo legiacutetimo da atuaccedilatildeo da PMESP A proacutepria intenccedilatildeo de dispersatildeo
jaacute ofende o direito agrave reuniatildeo legalmente exercido pela manifestaccedilatildeo puacuteblica presente nos 8
casos trazidos na inicial poreacutem a PMESP foi aleacutem pois contrariou os princiacutepios 13 e 14
dos Princiacutepios Baacutesicos33 ainda que tais manifestaccedilotildees fossem consideradas ilegais e
violentas
Ora estaacute mais do que claro que a utilizaccedilatildeo de armamento de fogo com
municcedilatildeo de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral estariam
absolutamente descartadas se fossem cumpridas as normativas internacionais para
o uso da forccedila
33 A transcriccedilatildeo dos artigos 13 e 14 dos princiacutepios baacutesicos estaacute na paacutegina 16
28
Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais
mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito
internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de
proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade
Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser
sempre a uacuteltima opccedilatildeo
O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias
ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no
sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida
74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo
da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um
contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente
treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo
contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente
quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis
Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente
controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave
forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro
juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo
34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre
Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)
29
iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia
de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma
confiaacutevel36
Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees
da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da
liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX
que ora transcreve-se
Artigo XIX
Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito
inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e
transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente
de fronteiras
Artigo XX
1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas
2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo
Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre
Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem
assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o
relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de
controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto
identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees
36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
30
administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo
das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas
investigaccedilotildees
Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho
de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma
das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de
maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila
de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel
abuso da forccedila
Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas
administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em
manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente
necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de
planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso
abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo
recomendou as seguintes medidas
a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da
forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas
b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees
c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para
verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores
A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao
Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde
partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de
comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela
PMESP no dia 13 de junho de 2014
31
Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que
um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem
de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros
internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em
qualquer outra manifestaccedilatildeo popular
iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO
DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO
Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo
em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de
direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)
ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi
realizada de forma violenta e ilegal
Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem
evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De
acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude
adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia
perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois
A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de
gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a
Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como
pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era
como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e
violecircncia
Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na
direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria
Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos
os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da
Silva)
32
ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um
cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a
ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha
muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais
lanccedilavam bomba por nada para todos os lados
Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as
pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva
[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se
acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas
entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]
quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para
deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos
Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando
com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta
velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo
tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas
pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As
33
pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas
que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair
de laacute
Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o
traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato
mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da
accedilatildeo repressiva
A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava
dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na
Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []
Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente
rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais
comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como
eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para
dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no
chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador
34
Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante
recorrentes
Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um
ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial
mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua
patricinha vagabundarsquo ele me dizia
[]
Vai embora sua prostituta
A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer
seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente
sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral
Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo
Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes
puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz
que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no
35
sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo
utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer
forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou
deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades
competentes
No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de
Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma
de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de
armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal
aviso deve ser feito de forma clara e adequada
Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento
10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente
a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo
suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando
tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave
ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso
Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a
utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo
de armas de fogo
Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a
grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade
policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma
sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma
36
manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos
princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38
Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)
manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de
proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo
com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado
ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever
de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e
menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas
deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme
os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo
A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa
de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila
Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do
Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas
envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para
que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio
ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se
identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza
as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila
outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude
exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
37
[]
A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica
implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto
proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com
proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de
reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O
grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja
considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do
que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de
maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se
encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o
uso da forccedila resulta desproporcionado
Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da
aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute
internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado
internacional de direitos humanos
Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com
documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema
necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas
de seguranccedila
iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE
POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES
Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a
de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de
identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria
responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)
41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15
38
ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo
ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem
os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na
Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo
onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam
muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito
desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada
um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e
depois soltarrdquo
Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume
havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as
normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo
usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento
Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute
tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma
Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por
parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em
particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo
identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de
2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos
gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de
3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se
SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou
nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto
de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os
rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido
possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante
42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319
39
agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da
corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos
A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)
que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o
Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica
informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de
identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou
crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas
pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e
ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento
Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento
feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -
organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo
com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a
manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da
Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois
se espalharam pelo centro
Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se
determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular
Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito
interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a
atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu
Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta
manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial
em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes
policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees
O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo
em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial
40
No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado
de se identificarem previamente como tais no momento de advertir
com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a
forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua
atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees
estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e
adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se
f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de
seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas
ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever
potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim
de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no
terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e
comportamento policial
Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a
identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que
cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e
ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se
g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as
forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de
abusos ou atos de violecircncia
h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou
judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas
operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos
no curso das mesmas
41
Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos
cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013
em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos
A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou
que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem
disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes
em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que
confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns
trechos da mateacuteria
Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes
sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas
delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo
Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo
investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute
abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi
concluiacuteda e nenhum policial foi punido
A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute
os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo
processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1
de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014
Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de
Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum
policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21
policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato
Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e
tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e
ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades
43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)
42
v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS
CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES
Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do
Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa
atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute
de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila
Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em
manifestaccedilotildees futuras
Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute
imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo
temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de
confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo
Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a
negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A
proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da
Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que
Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os
governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar
atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos
especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da
forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a
compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de
persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos
destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados
da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e
procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos
43
Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um
negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se
evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se
e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves
manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes
para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e
protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de
conflito
Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na
Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos
publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72
daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue
72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no
uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a
resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das
multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como
meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45
Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de
Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia
da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se
44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf
44
38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um
verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades
policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da
manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico
Suiacuteccedila e outros paiacuteses47
Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os
documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador
civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco
de conflito social
vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa
de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na
dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila
notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas
O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar
Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre
recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo
Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem
alguns trechos
No comando do choque eu soacute recebi precircmios
47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora
45
Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe
pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de
Satildeo Paulo
ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de
protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo
A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho
quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e
pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo
foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do
centro saqueadas
Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da
Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui
ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou
A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v
Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de
dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute
o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte
ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar
seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito
negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50
Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando
preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa
policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre
expressatildeo
49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)
46
ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees
razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento
paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem
violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da
legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento
de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo
manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma
manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das
pessoasrdquo52
Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho
de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante
da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo
A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava
subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e
um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas
patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de
brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo
tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha
bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa
assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou
brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo
[]
Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos
policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles
ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar
sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E
todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado
52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas
47
do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo
para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo
[]
Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu
encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de
gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba
nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para
os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de
novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me
lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de
Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo
mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da
poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo
estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e
nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo
[]
A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes
Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a
gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem
Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o
pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes
lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila
Roosevelt
[]
O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da
Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava
que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente
ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima
tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali
natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando
bomba em cima da gente
O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da
Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e
intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso
desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a
48
agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de
Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se
ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees
policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso
indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o
membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para
proteger seus companheiros ali presentesrdquo54
Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave
determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve
permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo
administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes
vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A
ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica
do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e
internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo
puacuteblico
Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da
forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a
formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas
53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo
49
Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que
ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e
de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na
elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e
minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e
de armas de fogordquo
Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para
determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila
deveriam seguir Aqui estatildeo elas
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo
da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os
tipos de armas e municcedilotildees permitidas
(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias
apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio
(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos
injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis
(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas
de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas
armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de
armas de fogo
50
(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no
desempenho das suas funccedilotildees
Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila
e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia
da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece
as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila
Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como
aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos
agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento
dessas diretrizes
1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar
nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e
deveraacute considerar primordialmente
a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela
Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na
sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979
b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de
Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados
pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo
198961 de 24 de maio de 1989
c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo
Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o
Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto
a 7 de setembro de 1999
d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis
Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees
Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de
1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991
51
Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade
resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a
necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna
ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial
Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao
Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que
tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria
9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos
disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo
objetivamente
a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas
b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao
ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no
evento
c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo
perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento
d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees
desnecessaacuterias e risco injustificado e
e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente
de seguranccedila puacuteblica
Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do
Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de
Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que
regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees
Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se
natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como
a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de
manifestaccedilotildees e reuniotildees populares
52
Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro
miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos
que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e
sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil
6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE
DIREITOS HUMANOS
O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado
por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica
contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso
internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados
no que tange agrave dignidade humana
De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados
natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a
dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados
podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros
Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos
que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos
internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas
Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo
terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua
responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos
internacionalmente admitidos
55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf
53
Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56
apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute
um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees
como prova para outro procedimento de julgamento internacional do
Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura
ignorada
Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados
no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos
normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo
Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina
se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses
oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o
jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi
distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda
externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados
ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos
constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os
paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o
respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil
continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos
nacionalmente57
Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da
presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o
que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada
56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355
54
7) CONCLUSAtildeO
A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm
Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para
resoluccedilatildeo da presente controveacutersia
Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e
histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma
expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo
se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do
Estado de Satildeo Paulo
Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a
atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa
padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia
O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo
Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos
Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que
expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e
que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente
demanda
55
8) PEDIDO
Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como
amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae
requer-se seu recebimento como memoriais
Termos em que
Pede deferimento
Satildeo Paulo 17 de julho de 2014
Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs
OABSP 262284 OABSP 101663
Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni
OABSP 284930 OABSP 286871
Sheila Santana de Carvalho
OABSP 343588
4
Lawrdquo (ldquoO Amicus Curiaerdquo nos Tribunais Brasileiros ndash palestra proferida na
Escola Paulista de Magistratura em 13092011)
Esta figura tinha por missatildeo o auxiacutelio dos sacerdotes na soluccedilatildeo de lides que
a eles eram trazidas em um eacutepoca histoacuterica em que as decisotildees judicias eram
primeiramente proferidas pelo clero e apoacutes referendadas pela nobreza
governante
Embora natildeo haja lei que defina expressamente o ldquoamicus curiaerdquo haacute uma
seacuterie de diplomas legislativos que trazem indiretamente essa figura Entre
elas podemos citar
- Art 31 da Lei nordm 638676 ndash Mercado de Capitais
- Art 89 da Lei nordm 888494 ndash lei antitruste
- Art 49 da Lei nordm 890694 ndash Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil
- Art 5ordm da Lei nordm 946997 ndash que estabelece prerrogativas da faz Puacuteblica
- Art 97 da Constituiccedilatildeo Federal Incidente de Inconstitucionalidade
Haacute tambeacutem leis mais recentes que chama o ldquoamicus curiaerdquo de ldquoterceirosrdquo
- Lei nordm 986899 ndash Lei da ADIn e ADc Neste caso haacute previsatildeo expressa da
intervenccedilatildeo de terceiros
- Lei nordm 988299 ndash Lei da ADPF ndash tambeacutem da mesma forma
- Lei nordm 1141806 ndash Lei de Repercussatildeo Geral
Assim diante da legislaccedilatildeo paacutetria a funccedilatildeo atual do ldquoamicus curiaerdquo eacute de
ajudar o juiz a proferir uma decisatildeo quando por dois motivos a decisatildeo
afetara outras pessoas e aquela pessoa que na sua imparcialidade traz provas
ao juiz para auxiliar o juiz
Portanto mesmo sem lei eacute possiacutevel e necessaacuterio generalizar o
ldquoamicus curiaerdquo quando houver um processo paradigmaacutetico ou em
natildeo sendo deva ter um conteuacutedo valorativo muito forte
Dessa forma era possiacutevel considerar a utilidade das argumentaccedilotildees trazidas
pela Conectas que serviriam para corroborar a decisatildeo ora proferidardquo
Assim fica demonstrada a possibilidade juriacutedica da manifestaccedilatildeo da requerente
como amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
5
2) DA LEGITIMIDADE DA REQUERENTE PARA SE MANIFESTAR COMO AMICUS CURIAE
Demonstrada a possibilidade da intervenccedilatildeo de amicus curiae e da relevacircncia social
que a demanda envolve faz-se necessaacuterio analisar a representatividade da requerente a fim
de reconhecer a sua legitimidade para se manifestar como amicus curiae
No caso eacute importante destacar que a organizaccedilatildeo tem como uma de suas missotildees
a efetivaccedilatildeo dos fundamentos da Repuacuteblica Federativa do Brasil especialmente no que
tange agrave cidadania e agrave dignidade da pessoa humana Veja-se
ldquoConectas Direitos Humanos foi fundada em 2001 com a missatildeo de
fortalecer e promover o respeito aos direitos humanos no Brasil e no
hemisfeacuterio Sul dedicando-se para tanto agrave educaccedilatildeo em direitos humanos agrave
advocacia estrateacutegica e agrave promoccedilatildeo do diaacutelogo entre sociedade civil
universidades e agecircncias internacionais envolvidas na defesa destes direitos
Conectas promove advocacia estrateacutegica em direitos humanos em
acircmbito nacional e internacional com o objetivo de alterar as praacuteticas
institucionais e sociais que desencadeiam sistemaacuteticas violaccedilotildees de
direitos humanos Desde 2006 tem status consultivo junto ao Conselho
de Direitos Humanos das Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) e desde
2009 dispotildee de status de observador na Comissatildeo Africana de Direitos
Humanos e dos Povos2
A requerente eacute hoje a organizaccedilatildeo natildeo governamental com maior nuacutemero de amici
curiae perante o Supremo Tribunal Federal jaacute tendo ingressado com 42 (quarenta e dois)
desde a sua fundaccedilatildeo
Atuar em accedilotildees e processos destinados agrave efetivaccedilatildeo dos direitos humanos inclui a
busca continua pela efetivaccedilatildeo dos fundamentos da Repuacuteblica Federativa do Brasil
especialmente no que tange agrave cidadania e agrave dignidade da pessoa humana que satildeo
fundamentais para todo e qualquer serviccedilo prestado pelo Estado
2 wwwconectasorg
6
Com relaccedilatildeo aos fins institucionais da associaccedilatildeo autora vale transcrever o
inciso VI do artigo 3ordm e o paraacutegrafo 1ordm item ldquodrdquo do mesmo artigo de seu Estatuto (doc
01) in verbis
Artigo 3ordm - A ASSOCIACcedilAtildeO seraacute regida nos termos da Lei 979099 e
teraacute por finalidade promover apoiar monitorar e avaliar projetos em
direitos humanos em niacutevel nacional e internacional em especial
[]
VI ndash promoccedilatildeo e defesa dos direitos humanos em acircmbito judicial
Paraacutegrafo 1ordm - A ASSOCIACcedilAtildeO pode para consecuccedilatildeo de seus
objetivos institucionais utilizar todos os meios permitidos na lei
especialmente para
[]
g) Promover accedilotildees judiciais visando agrave efetivaccedilatildeo dos direitos
humanos
Restam desde modo devidamente demonstrados os requisitos necessaacuterios para a
admissatildeo da presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae quais sejam relevacircncia da
mateacuteria discutida a representatividade do postulante e sua legitimidade
3) OBJETO DA PRESENTE DEMANDA
A presente accedilatildeo civil puacuteblica fundamenta-se em 8 fatos que demonstram a
violaccedilatildeo sistemaacutetica que o Estado de Satildeo Paulo promove em face dos direitos das pessoas
reunirem-se independentemente de autorizaccedilatildeo para a realizaccedilatildeo de atos manifestaccedilotildees e
protestos em locais puacuteblicos na Cidade de Satildeo Paulo
A demanda tem como objeto aleacutem da tutela reparatoacuteria a determinaccedilatildeo de
obrigaccedilatildeo de fazer e de natildeo fazer ao Estado de Satildeo Paulo no que tange agrave atuaccedilatildeo de sua
Policia Militar em manifestaccedilotildees puacuteblicas a fim de cumprir com garantias e direitos
fundamentais expressos na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica como o direito de reuniatildeo o direito
7
ao lazer o direito agrave cidade a liberdade de expressatildeo e o livre exerciacutecio profissional de
jornalistas
Argumenta-se que o procedimento adotado pela Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo
Paulo em cada uma das 8 situaccedilotildees narradas trouxe danos irreversiacuteveis para as pessoas que
tiveram direitos suprimidos pela atividade repressiva e danos sociais para a coletividade
diante da grave violaccedilatildeo de preceitos fundamentais do Estado Democraacutetico de Direito
A autora requer a condenaccedilatildeo do reacuteu para que expeccedila ato normativo definindo
paracircmetros de atuaccedilatildeo da PMESP em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se
abstenha de impor condiccedilotildees ou limites de tempo e lugar agraves reuniotildees e manifestaccedilotildees
puacuteblicas de portar arma de fogo de utilizar gaacutes lacrimogecircneo e bombas de efeito moral
para dissolver aglomeraccedilotildees antes de comunicar os manifestantes em tempo haacutebil para sua
compreensatildeo e acatamento de postar a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de
Satildeo Paulo em manifestaccedilotildees paciacuteficas e de impedir qualquer cidadatildeo de captar imagem e
som de seus agentes em atuaccedilatildeo para identificar adequadamente todos os policiais atuando
em acompanhamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas para indicar negociador civil e para ser
responsabilizado pelos danos sofridos pela coletividade ou individualmente
Tendo em vista que o tema eacute de extrema relevacircncia a organizaccedilatildeo CONECTAS
DIREITOS HUMANOS que ora se manifesta na qualidade de amicus curiae oferece nesta
oportunidade argumentos em favor da concessatildeo antecipada dos efeitos da tutela
pretendida e do julgamento pela TOTAL PROCEDEcircNCIA da presente Accedilatildeo Civil
Puacuteblica pelas razotildees a seguir expostas
4) PROMOCcedilAtildeO E PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS HUMANOS NO CONTEXTO DE PROTESTOS
SOCIAIS
A ndash INTRODUCcedilAtildeO
Ao longo da histoacuteria protestos e outros meios de participaccedilatildeo social formaram
um elemento essencial de vibrantes sociedades democraacuteticas Embora a palavra ldquoprotestordquo
natildeo apareccedila no texto de tratados internacionais o sistema internacional de proteccedilatildeo dos
8
direitos humanos inegavelmente protege o direito de protestar em reconhecimento aos
direitos de reuniatildeo liberdade de expressatildeo de opiniatildeo e de associaccedilatildeo
Entretanto nos uacuteltimos anos o crescente nuacutemero de manifestaccedilotildees populares
pelo mundo vem se deparando com reaccedilotildees violentas das autoridades do Estado - em
regra os proacuteprios contestados nas manifestaccedilotildees Nesse sentido governos optam por
impor restriccedilotildees ao direito de reuniatildeo natildeo soacute ilegais mas contraacuterias ao proacuteprio conceito de
Estado Democraacutetico
Eacute nesse contexto que a presente demanda se insere e que a CONECTAS DIREITOS
HUMANOS viu-se compelida a se manifestar como amicus curiae para oferecer um breve
panorama dos principais paracircmetros internacionais que regulam o comportamento
da poliacutecia e particularmente o uso da forccedila no contexto de manifestaccedilotildees
populares
B ndash PRINCIPAIS NORMAS INTERNACIONAIS QUE REGULAM O USO DA FORCcedilA PELA
POLIacuteCIA
A niacutevel global existem 2 conjuntos de documentos que tratam especificamente da
regulaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia o Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios
Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei de 19793 (doc 4) com as diretrizes para sua efetiva
implementaccedilatildeo4 e os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei de 19905 (doc 5)
Amplamente tidas como declaraccedilotildees oficiais de direito internacional6 esses
instrumentos satildeo frequentemente mencionados pelos mecanismos regionais de direitos
3 Adotado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo nordm 34169 4 Adotado pelo Resoluccedilatildeo Conselho Social e Econocircmico da ONU nordm 198661 5 Adotado pela Conferecircncia de Crime das Naccedilotildees Unidas 6 Relatoacuterio apresentado na Assembleia Geral em 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on
9
humanos e tecircm sido repetidamente referenciados por vaacuterios oacutergatildeos da ONU7 como
expressatildeo dos princiacutepios da proporcionalidade e da estrita necessidade do uso da forccedila
policial destacando ainda que o uso de potencial forccedila letal deve ser sempre excepcional
A preocupaccedilatildeo da comunidade internacional com a efetividade dos direitos
universais de livre expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo fez com que fosse criada no
acircmbito da ONU a figura do Relator Especial sobre os Direitos de Liberdade de
Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo
Aleacutem disso haacute de ser destacado que em maio de 2011 o Relator Especial da
ONU sobre Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias ou Arbitraacuterias apresentou um
estudo ao Conselho de Direitos Humanos da organizaccedilatildeo concluindo que os sistemas
legais de muitos paiacuteses ainda natildeo aderiram aos padrotildees internacionais miacutenimos
relacionados ao uso da forccedila policial8
61 A princiacutepio disparar indiscriminadamente contra uma multidatildeo natildeo eacute
permitido e soacute pode se voltar ao indiviacuteduo ou grupo que constitui ameaccedila
de morte ou ferimentos graves O uso de armas de fogo natildeo pode ser
justificado apenas porque uma reuniatildeo eacute ilegal que tenha deva ser
dispersada ou para se proteger a propriedade Isso muitas vezes natildeo estaacute
refletido nas leis do paiacutes
62 Nos termos do Coacutedigo de Conduta e dos Princiacutepios Baacutesicos a norma a
respeito do uso intencional de forccedila letal eacute a mesma em todas as
circunstacircncias mesmo em auto-defesa prisatildeo contenccedilatildeo de revolta popular
the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 7 Entre outros Resoluccedilotildees do Conselho de Direitos Humanos observaccedilotildees finais de vaacuterios corpos de tratados como o Comitecirc de Direitos Humanos e o Comitecirc Contra a Tortura aleacutem dos relatos de procedimentos especiais 8 Relatoacuterio do Relator Especial sobre execuccedilotildees extrajudicias sumaacuterias ou arbitraacuterias apresentado agrave Assembleia Geral em 23052011 (AHRC1728) paraacutegrafos 61 e 62 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf
10
ou em quaisquer outras circunstacircncias ou seja somente em proteccedilatildeo da
vida9
No acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos (CIDH) por meio do Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos
Humanos (2009) (doc 7) e do Relatoacuterio sobre a Situaccedilatildeo dos Defensores dos
Direitos Humanos nas Ameacutericas (2012) (doc 8) definiu paracircmetros concretos para
regular o policiamento de protestos que inclui nomeadamente a proibiccedilatildeo do uso de
forccedila letal a necessidade de treinamento adequado para o policiamento durante
manifestaccedilotildees de massa e a exigecircncia de identificaccedilatildeo clara e individual dos policiais
Nota-se que os paracircmetros da CIDH tambeacutem reforccedilam os princiacutepios da
proporcionalidade e da estrita necessidade aleacutem de reconhecer que o direito de protestar eacute
uma forma de expressatildeo coletiva que deve ser garantida10
Natildeo eacute demais destacar que na Europa estaacute vigente um Coacutedigo Europeu de Eacutetica
Policial que conteacutem uma seccedilatildeo inteira dedicada ao policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas
que incluem obrigaccedilotildees processuais e materiais sobre as forccedilas de seguranccedila antes durante
e apoacutes as manifestaccedilotildees acontecerem aleacutem de um foco especial sobre as obrigaccedilotildees da
poliacutecia quando as forccedilas de seguranccedila tomam medidas para dispersar a multidatildeo11
9 Traduccedilatildeo livre de 61 In principle shooting indiscriminately into a crowd is not allowed and may only be targeted at the person or persons constituting the threat of death or serious injury The use of firearms cannot be justified merely because a particular gathering is illegal and has to be dispersed or to protect property This is often not reflected in domestic laws 62 In terms of the Code and the Basic Principles the norm in respect of the intentional use of lethal force is the same under all circumstances whether in self-defence arrest quelling a riot or any other circumstances namely protection of life 10 ldquoComo a jurisprudecircncia do sistema interamericano explicou em numerosas ocasiotildees a liberdade de expressatildeo eacute um direito que tem duas dimensotildees uma dimensatildeo individual que consiste no direito de cada pessoa para expressar seus pensamentos ideias e informaccedilotildees e uma dimensatildeo coletiva ou social que consiste no direito da sociedade de obter e receber todas as informaccedilotildees para saber os pensamentos ideias e informaccedilotildees de outras pessoas para estarem bem informadosrdquo CIDH Escritoacuterio do Relator Especial pela Liberdade de Expressatildeo The inter-American legal framework regarding the right to freedom of expression (OEA SerLVII CIDHRELEINF (2009) par 13 Traduccedilatildeo livre de ldquoAs the case law of the inter-American system has explained on numerous occasions freedom of expression is a right that has two dimensions an individual dimension consisting of the right of each person to express her own thoughts ideas and information and a collective or social dimension consisting of societyrsquos right to obtain and receive any information to know the thoughts ideas and information of others and to be well-informedrdquo 11 Paraacutegrafo 176 da Segunda Ediccedilatildeo das Diretrizes da OSCE Detalhando por exemplo a obrigaccedilatildeo de estabelecer procedimentos de descontaminaccedilatildeo de produtos quiacutemicos irritantes utilizados em
11
A Corte Europeia de Direitos Humanos inclusive jaacute adotou posicionamentos
importantes sobre o tema como a presunccedilatildeo em favor do caraacuteter paciacutefico de todas as
manifestaccedilotildees12 a legitimidade das manifestaccedilotildees de uso do espaccedilo puacuteblico ainda que
causem um certo grau de perturbaccedilatildeo na vida cotidiana13 a necessidade de avaliar o
comportamento do indiviacuteduo separadamente do da multidatildeo14 e o ocircnus da prova de
manifestantes com intenccedilotildees ou accedilotildees violentas que recai sobre as autoridades15
Com o que seraacute esmiuccedilado a seguir este mm Juiacutezo teraacute condiccedilotildees de
observar que o Estado de Satildeo Paulo em sua competecircncia de regulamentar e
controlar a atividade de sua poliacutecia militar aleacutem de desrespeitar a proacutepria
Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil viola absolutamente TODAS AS
NORMAS INTERNACIONAIS jaacute estabelecidas para o uso da forccedila policial
5) DO USO DA FORCcedilA PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO NO DIA 13 DE
JUNHO DE 2013
Em 13 de junho de 2013 uma das situaccedilotildees de fato trazidas agrave demanda a Poliacutecia
realizava em Satildeo Paulo uma das mais violentas repressotildees a manifestaccedilotildees desde o fim da
ditadura militar Numa noite de horror coletivo raramente vista milhares de pessoas que
manifestantes a proibiccedilatildeo de utilizar a forccedila contra manifestantes paciacuteficos que satildeo incapazes de dispersar o dever de manter registros detalhados sobre o tipo de forccedila utilizada e a obrigaccedilatildeo de investigar a causa de mortes ou ferimentos entre outros 12 Uma assembleacuteia seraacute considerada paciacutefica enquanto os participantes estiverem paciacuteficos mesmo que os organizadores natildeo cumpram com todos os requisitos legais necessaacuterios para o desenvolvimento da manifestaccedilatildeo Oya Ataman v Turkey no 7455201 ECHR 2006 e Cisse v France no 5134699 sect 37 ECHR 2002 Traduccedilatildeo livre de ldquoAn assembly will be deemed peaceful as long as the participants remain peaceful even if the organizers have not complied with all legal requirements prior to the assemblyrdquo 13 Patyi and Others v Hungary no 552905 sectsect 42-43 ECHR 2008 Balccedilik and Others v Turkey no 2502 sect 52 ECHR 2007 Ashughyan v Armenia no 3326803 sect 90 ECHR 2008 14 ldquouma pessoa natildeo deixa de gozar do direito de reuniatildeo paciacutefica em casos de violecircncia esporaacutedica ou outros atos puniacuteveis cometidos por outras no curso da manifestaccedilatildeo se permanece tranquilo em suas proacuteprias intenccedilotildees ou comportamentosrdquo Ziliberberg v Moldova (dec) no 6182100 ECHR 2004 Traduccedilatildeo livre de ldquoan individual does not cease to enjoy the right to peaceful assembly as a result of sporadic violence or other punishable acts committed by others in the course of the demonstration if the individual in question remains peaceful in his or her own intentions or behaviourrdquo 15 Christian Democratic Peoplersquos Party v Moldova (No 2) no 2519604 sect 23 ECHR 2010
12
participavam de um protesto paciacutefico no centro da cidade se viram cercadas por tropas
policiais em um labirinto violento que atravessou a noite e cujas traacutegicas consequecircncias se
fazem sentir ainda hoje especialmente para os que carregaratildeo sequelas fiacutesicas e emocionais
Esse caso mostra evidente que os procedimentos adotados pela seguranccedila puacuteblica
paulista natildeo respeitaram os protocolos internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila
aleacutem de descumprir tratados e convenccedilotildees internacionais que o Brasil eacute signataacuterio e natildeo
seguir as recomendaccedilotildees das organizaccedilotildees internacionais das quais o Brasil eacute parte
Satildeo numerosos os relatos e evidecircncias de violecircncia fiacutesica contra os manifestantes
em 13 de junho de 2013 inclusive em desfavor de pessoas rendidas deitadas desarmadas e
desprovidas de qualquer acircnimo de resistecircncia Muitas destas pessoas foram espancadas e
atingidas por disparos de balas de borracha
Foram relatados ainda atos de violecircncia contra pessoas que natildeo estavam
participando dos protestos inclusive idosos e crianccedilas16 Foram registradas cenas onde a
Poliacutecia invadiu ateacute mesmo hospitais a fim de localizar pessoas que teriam participado dos
protestos17 Aleacutem disso apoacutes o grande nuacutemero de manifestantes jaacute ter sido dispersado
foram registradas cenas onde a Poliacutecia invadiu estabelecimentos comerciais supostamente
em busca dos manifestantes e agrediu pessoas18 Segundo relatos dos organizadores do
evento mais de 100 pessoas ficaram feridas19 em decorrecircncia da accedilatildeo truculenta da Poliacutecia
naquele dia
16 Ver por exemplo PORTAL DE NOTIacuteCIAS TERRA ldquoBomba de gaacutes lacrimogecircneo atinge carro de um idoso que estava de passagemrdquo viacutedeo publicado no 14 de junho de 2013 13h50 disponiacutevel no link httpterratvterracombrvideosNoticiasBrasilCidades4828-474261Bomba-de-gas-lacrimogeneo-cai-dentro-de-carro-em-protesto-em-SPhtm 17 Ver depoimento no site do Coletivo Antiproibicionista de Satildeo Paulo ldquoPM retira feridos a forccedila de hospital e impede atendimentordquo 14 de junho de 2013 disponiacutevel no link httpcoletivodarorg201306pm-retira-feridos-a-forca-de-hospital-e-impede-atendimento
18Ver por exemplo JORNAL FOLHA DE SAtildeO PAULO ldquoApoacutes confronto casal eacute agredido por PMs na regiatildeo da Paulistardquo 14 de junho de 2013 00h52 disponiacutevel em httpwww1folhauolcombrcotidiano2013061294916-apos-confronto-casal-e-agredido-por-pms-na-regiao-da-paulistashtml 19
Os dados finais sobre o numero de feridos ainda estatildeo sendo organizados pelo MPL e pela Defensoria
Puacuteblica de Satildeo Paulo Para uma estimativa ver infograacutefico JORNAL FOLHA DE SAtildeO PAULO ldquoDos 235
detidos em protesto 231 satildeo liberados apoacutes prestar depoimentordquo 14 de junho 2013 07h25 disponiacutevel
emhttpwww1folhauolcombrcotidiano2013061294960-dos-235-detidos-em-protesto-231-sao-
liberados-apos-prestar-depoimentoshtml
13
Abaixo demonstra-se detalhadamente cada norma dos protocolos internacionais
para a utilizaccedilatildeo da forccedila que foram descumpridas pela Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo
Paulo contribuindo-se para o livre convencimento deste mm Juiacutezo a dar total procedecircncia
agrave presente accedilatildeo civil puacuteblica
i - DA INTERRUPCcedilAtildeO DA REUNIAtildeO PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO
VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS
Um dia que ficaria para a histoacuteria como a maior expressatildeo do exerciacutecio do direito
constitucional de reuniatildeo da liberdade de expressatildeo e de locomoccedilatildeo na verdade tornou-se
a maior expressatildeo da restriccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da proacutepria Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Observa-
se que a justificativa de se liberar o traacutefego de veiacuteculos para garantir a manutenccedilatildeo da
ordem puacuteblica foi a causa que deu iniacutecio agrave accedilatildeo ilegal e truculenta da Poliacutecia Militar do
Estado de Satildeo Paulo (PMESP)
Nota-se das paacuteginas 21 e 22 da exordial que as proacuteprias forccedilas de seguranccedila
tomaram a iniciativa de encerrar o ato que reuniu cerca de 15 mil pessoas que caminhavam
pelas ruas de Satildeo Paulo
Ocorre que aleacutem de ilegal e inconstitucional essa medida ofende diretamente a
Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos (Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica)
incorporada ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 68792
Eacute o que diz a Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos no Marco Juriacutedico
Interamericano Sobre o Direito agrave Liberdade de Expressatildeo20 onde seu paraacutegrafo 82
assevera
20 Apresentado pela Relatoria para a Liberdade de Expressatildeo da Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos 2010 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhexpresiondocspublicacionesMARCO20JURIDICO20INTERAMERICANO20DEL20DERECHO20A20LA20LIBERTAD20DE20EXPRESION20ESP20FINAL20portadadocpdf (acessado em 04062014)
14
ldquoqualquer afetaccedilatildeo da ordem puacuteblica invocada como justificaccedilatildeo para limitar
a liberdade de expressatildeo deve obedecer causas reais e objetivamente
verificaacuteveis que signifiquem uma ameaccedila certa e acreditaacutevel de uma
perturbaccedilatildeo potencialmente grave das condiccedilotildees baacutesicas para o
funcionamento das instituiccedilotildees democraacuteticasrdquo21
Nota-se do conjunto probatoacuterio juntado aos autos que antes da atuaccedilatildeo policial
natildeo houve qualquer risco razoaacutevel de distuacuterbio grave natildeo havendo possibilidade diante da
Convenccedilatildeo Americana de se promover a dispersatildeo da manifestaccedilatildeo simplesmente pela
ocupaccedilatildeo de uma via puacuteblica
Eacute o que diz a continuaccedilatildeo do dispositivo mencionado acima
ldquoEm consequecircncia natildeo eacute suficiente invocar meras conjecturas sobre
eventuais afetaccedilotildees da ordem nem circunstacircncias hipoteacuteticas derivadas
de interpretaccedilotildees das autoridades diante de fatos que natildeo representem
claramente um risco razoaacutevel de distuacuterbios graves Uma interpretaccedilatildeo mais
ampla ou indeterminada abriria um campo inadmissiacutevel agrave arbitrariedade e
restringiria a raiz da liberdade de expressatildeo que forma parte integral da
ordem puacuteblica protegida pela Convenccedilatildeo Americanardquo22
Dentre as pessoas viacutetimas da violecircncia policial do dia 13062013 dez prestaram
relatos agrave requerente sobre o que ocorreu naquela noite em Satildeo Paulo (doc 6) informando
que PMESP perseguiu prendeu agrediu e feriu indiscriminadamente natildeo apenas
manifestantes mas tambeacutem jornalistas e moradores dos bairros por onde a marcha passou
21 Traduccedilatildeo livre de ldquocualquier afectacioacuten del orden puacuteblico invocada como justificacioacuten para limitar la libertad de expresioacuten debe obedecer a causas reales y objetivamente verificables que planteen una amenaza cierta y creiacuteble de una perturbacioacuten potencialmente grave de las condiciones baacutesicas para el funcionamiento de las instituciones democraacuteticasrdquo 22 Traduccedilatildeo livre de ldquo En consecuencia no resulta suficiente invocar meras conjeturas sobre eventuales afectaciones del orden ni circunstancias hipoteacuteticas derivadas de interpretaciones de las autoridades frente a hechos que no planteen claramente un riesgo razonable de disturbios graves (ldquoviolencia anaacuterquicardquo) Una interpretacioacuten maacutes amplia o indeterminada abririacutea un campo inadmisible a la arbitrariedad y restringiriacutea de raiacutez la libertad de expresioacuten que forma parte integral del orden puacuteblico protegido por la Convencioacuten Americanardquo
15
Veja-se o depoimento de uma delas
A manifestaccedilatildeo seguiu pela av Ipiranga ateacute o iniacutecio da rua da Consolaccedilatildeo
onde jaacute havia viaturas policiais acompanhando a multidatildeo Ateacute entatildeo a
movimentaccedilatildeo desses policiais era tranquila como a dos proacuteprios
manifestantes Eles caminhavam com suas faixas bandeiras camisas com
dizeres de protesto gritos enfim uma manifestaccedilatildeo como outra qualquer
Entrando na rua da Consolaccedilatildeo o clima comeccedilou a ficar diferente Em
frente agrave Praccedila Roosevelt havia uma barreira de guardas civis da Guarda
Civil Metropolitana (GCM) Eles se posicionaram com escudos e cassetetes
formando uma barreira humana nas escadarias da Praccedila Roosevelt para que
os manifestantes natildeo ocupassem aquele espaccedilo []
Seguindo ainda nesse trecho da rua da Consolaccedilatildeo a Poliacutecia Militar do
estado de Satildeo Paulo posiciona alguns veiacuteculos duas ou trecircs viaturas (natildeo me
recordo bem) e comeccedila um diaacutelogo (podemos chamar assim) entre alguns
policiais alguns manifestantes e o pessoal da imprensa Posso dizer com
absoluta certeza que eram pouquiacutessimas pessoas nesse diaacutelogo dois ou trecircs
policiais cinco ou seis manifestantes e o resto era da imprensa Eu estava
proacuteximo do local dessa conversa e o pouco que eu consegui ouvir era da
voz de um policial dizendo que os manifestantes natildeo poderiam continuar
naquele trajeto ou seja subir a rua da Consolaccedilatildeo em direccedilatildeo agrave av Paulista
que era o trajeto que aquela manifestaccedilatildeo queria fazer
16
Ao adotar a formaccedilatildeo de confronto e impedir o prosseguimento da manifestaccedilatildeo
paciacutefica a PMESP impediu o exerciacutecio do direito de reuniatildeo e livre expressatildeo de cerca de
15 mil pessoas Natildeo satisfeita ainda iniciou o lanccedilamento de bombas e tiros com municcedilatildeo
de elastocircmero contra as pessoas reunidas ali pacificamente
23
Claramente ao interromper as pessoas ali reunidas que marchavam
pacificamente a PMESP rasgou todas as cartas de direitos que reconhecem a liberdade de
reuniatildeo e de expressatildeo - a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica a Declaraccedilatildeo Universal de Direitos
Humanos e a Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos ndash ferindo tambeacutem os
posicionamentos de organismos internacionais como a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos (CIDH)cedilque sinaliza hipoacuteteses restritas de limitaccedilatildeo do direito de
reuniatildeo no 2ordm Relatoacuterio sobre a Situaccedilatildeo de Defensores e Defensoras de Direitos
Humanos nas Ameacutericas24 (doc 8) Veja-se
ldquo107 Nos uacuteltimos anos alguns paiacuteses tecircm apresentado um aumento no
nuacutemero de accedilotildees penais contra participantes de protestos sociais para a
reivindicaccedilatildeo de direitos utilizando-se de argumentos como a perturbaccedilatildeo
da ordem puacuteblica ou o atentado contra a seguranccedila do Estado Em virtude
da importacircncia que se revestem as manifestaccedilotildees puacuteblicas nos sistemas
democraacuteticos o Estado possui hipoacuteteses restritas para aplicar
limitaccedilotildees nesse sentido mesmo que o direito de reuniatildeo natildeo seja
23 Disponiacutevel em httpimgr7comimages2013061500_13_08_643_filedimensions=780x340 24 Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos 2011 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhdefensoresdocspdfdefensores2011pdf (acessado em 02062014)
17
absoluto ou possa estar sujeito a certos limites essas justificativas
devem ser razoaacuteveis para se assegurar o desenvolvimento paciacutefico das
manifestaccedilotildees e devem reger-se ldquopelos princiacutepios da legalidade da
necessidade e da proporcionalidaderdquo25
A importacircncia destes firmes posicionamentos da CIDH fundamenta-se em sua
proacutepria funccedilatildeo institucional de interpretar e recomendar a melhor aplicaccedilatildeo da
Convenccedilatildeo que claramente reconhece na atividade administrativa do Estado de Satildeo
Paulo a violaccedilatildeo de dois de seus artigos abaixo transcritos
Artigo 13 - Liberdade de pensamento e de expressatildeo
Toda pessoa tem o direito agrave liberdade de pensamento e de expressatildeo Esse
direito inclui a liberdade de procurar receber e difundir informaccedilotildees e ideacuteias
de qualquer natureza sem consideraccedilotildees de fronteiras verbalmente ou por
escrito ou em forma impressa ou artiacutestica ou por qualquer meio de sua
escolha
Artigo 15 - Direito de reuniatildeo
Eacute reconhecido o direito de reuniatildeo paciacutefica e sem armas O exerciacutecio desse
direito soacute pode estar sujeito agraves restriccedilotildees previstas em lei e que se faccedilam
necessaacuterias em uma sociedade democraacutetica ao interesse da seguranccedila
nacional da seguranccedila ou ordem puacuteblicas ou para proteger a sauacutede ou a
moral puacuteblicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas
25 Traduccedilatildeo livre de ldquo107 En los uacuteltimos antildeos se ha presentado una creciente iniciacioacuten de acciones penales en algunos paiacuteses en contra de quienes participan en protestas sociales para la reivindicacioacuten de derechos bajo el argumento de que supuestamente se desarrollariacutean en un marco de perturbacioacuten del orden puacuteblicoo atentariacutean contra la seguridad del Estado En virtud de la importancia que reviste la protesta social en los sistemas democraacuteticos el Estado tiene un marco centildeido para justificar su limitacioacuten en este sentido si bien el derecho de reunioacuten no es absoluto y puede estar sujeto a ciertos liacutemites eacutestos deben ser razonablescon el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las manifestaciones y deben regirse ldquopor los principios de legalidad necesidad y proporcionalidaderdquo
18
Jaacute no acircmbito da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) o Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Poliacuteticos26 exige que os Estados signataacuterios
garantam aos seus cidadatildeos o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de participaccedilatildeo da
conduccedilatildeo de assuntos puacuteblicos sem restriccedilotildees infundadas27
Nessa linha o 8ordm Congresso das Naccedilotildees Unidas sobre a Prevenccedilatildeo do Crime
e o Tratamento dos Delinquentes deu publicidade a um documento formulado para
assistir os Estados membros na tarefa de assegurar e promover a adequada missatildeo dos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo de lei Trata-se dos Princiacutepios Baacutesicos sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da
Lei28 (doc 5) que dentre suas disposiccedilotildees determina que
ldquodevem ser tomados em consideraccedilatildeo e respeitados pelos governos
no acircmbito da legislaccedilatildeo e da praacutetica nacionais e levados ao
conhecimento dos funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei e de
outras pessoas como juiacutezes agentes do Ministeacuterio Puacuteblico
advogados membros do Executivo e do Legislativo bem como do
puacuteblico em geralrdquo
Ao se comprometer com esse documento o Estado Brasileiro compreendido por
Uniatildeo Estados e Municiacutepios natildeo pode deixar de observar suas disposiccedilotildees
Todavia mesmo conhecedor desses paracircmetros o Estado de Satildeo Paulo
por meio da PMESP no dia 13 de junho optou por descumpri-los ao encerrar uma
manifestaccedilatildeo legal e natildeo-violenta
26 Internalizado ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 592 de 6 de julho de 1992 27 Arts 19 21 e 25 28 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)
19
29
A violaccedilatildeo do compromisso internacional estaacute explicitada em seu Princiacutepio 12
que diz que como todos tecircm direito de participar de reuniotildees legiacutetimas e paciacuteficas de acordo com os
princiacutepios expressos na Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional de Direitos
Civis e Poliacuteticos os governos entidades e os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo reconhecer que a forccedila
e as armas de fogo soacute podem ser usadas nos termos dos Princiacutepios 13 e 14
Note-se que tais princiacutepios referem-se a grupos ilegais e violentos o que
claramente natildeo foi o caso das pessoas que estavam nas ruas exercendo seu direito de livre
expressatildeo e reuniatildeo poreacutem ainda que fosse seria inevitaacutevel se observarem os criteacuterios da
proporcionalidade e da estrita necessidade no uso da forccedila policial
Veja-se a transcriccedilatildeo dos Princiacutepios 13 e 14 do protocolo
13 Ao dispersar grupos ilegais mas natildeo-violentos os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo evitar o uso da forccedila ou quando tal natildeo for
possiacutevel deveratildeo restringir tal forccedila ao miacutenimo necessaacuterio
14 Ao dispersar grupos violentos os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute
poderatildeo fazer uso de armas de fogo quando natildeo for possiacutevel usar outros
meios menos perigosos e apenas nos termos minimamente necessaacuterios Os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei natildeo deveratildeo fazer uso de armas de
fogo em tais casos a natildeo ser nas condiccedilotildees previstas no Princiacutepio 9
29 Disponiacutevel em httpwwwvalorcombrsitesdefaultfilesimagecachemedia_library_300_197imagesprotestag_0_8_640_419jpg
20
Ora diante dos fatos eacute impossiacutevel identificar sequer um rastro de observacircncia
deste protocolo pela PMESP seja no dia 13 de junho de 2013 ou nas outras situaccedilotildees
narradas na inicial
Portanto demonstra-se que suposta manutenccedilatildeo da ordem puacuteblica no intuito de
se garantir a circulaccedilatildeo de veiacuteculos natildeo pode do ponto de vista juriacutedico interno e
internacional frustrar o direito de reuniatildeo das pessoas que se encontram em vias puacuteblicas
para exercer seu direito universal agrave liberdade de expressatildeo
ii - DA UTILIZACcedilAtildeO DE ARMAS DE FOGO COM MUNICcedilAtildeO DE ELASTOcircMERO BOMBAS DE
GAacuteS E GRANADAS DE LUZ E SOM PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO
VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS
Os relatos daqueles que participaram da manifestaccedilatildeo (doc 6) sugerem que em
vez de direcionar a marcha num suposto sentido de dispersatildeo os policiais encurralaram
milhares de pessoas num circuito de tiro com balas de borracha saturado com bombas
de gaacutes e granadas de luz e som ao longo de vaacuterias ruas da regiatildeo central Essa taacutetica policial
de encurralamento pode ser observada pelo mapa abaixo o qual explica como se deu o
trajeto realizado pela poliacutecia e manifestantes
21
22
Seacutergio Andrade da Silva de 31 anos eacute um fotoacutegrafo casado e pai de duas
crianccedilas Na noite do protesto ele saiu para trabalhar Faria fotos da marcha para uma
agecircncia de notiacutecias mas acabou horas depois internado no ldquoHospital H Olhosrdquo depois
de ter passado pelo ldquoHospital 9 de Julhordquo onde recebeu doses de morfina para controlar a
dor de duas fraturas na oacuterbita ocular resultante de accedilatildeo da Poliacutecia Militar Sergio levou
cinco pontos dentro do olho esquerdo do qual ficaria definitivamente cego
Transcreve-se abaixo trecho do relato de Sergio que mostra todo o pacircnico que
sentiu no momento da agressatildeo recebida pela PMESP (doc 6)
Fui atingido por uma bala de borracha Tenho quase 180m e a bala me
atingiu exatamente no olho [] A dor foi instantacircnea profunda terriacutevel
Todos os piores adjetivos com que vocecirc puder qualificar a dor eu senti
naquele momento Meu olho inchou rapidamente coloquei a matildeo e minha
paacutelpebra jaacute havia se fechado Muito sangue comeccedilava a cair naquele instante
e pensei lsquofiquei cego Natildeo vou mais conseguir fotografarrsquo Foi a sensaccedilatildeo
que eu tive
Outro relato mostra exatamente o desespero de um cidadatildeo que corre risco de
vida ou de ferimentos graves pela accedilatildeo da proacutepria poliacutecia que supostamente deve
promover a seguranccedila puacuteblica (doc 6)
23
Ali foi o momento mais desesperador mesmo porque natildeo conseguia
respirar achei que ia desmaiar ali comecei a ficar fraca natildeo conseguia correr
mais e fiquei um tempo ali desnorteada com todo aquele gaacutes e continuei
correndohellip Jaacute tinha perdido todo mundo e olhei para os lados estava todo
mundo correndo subindo e natildeo tinha para onde ir a natildeo ser subir a
Augusta Tinha muita gente e natildeo dava para ir raacutepido a gente ficou
encurralado Quando vi estaacutevamos entre uma parede subindo a Augusta
na frente tinha um grupo de policias da Tropa de Choque e atraacutes tambeacutem
Ali foi o momento que fomos emparedados Natildeo tinha o que fazer natildeo
dava para correr muito corriacuteamos lentamentehellip Me senti fuzilada naquele
momento a gente ficou emparedado parecia um fuzilamento no paredatildeo
Foi tudo muito raacutepido e de repente estourou uma bomba na minha frente a
princiacutepio achei que era gaacutes lacrimogecircnio eu senti todo o impacto no meu
corpo mas continuei correndo Natildeo sabia que eu havia me machucado ou
melhor que tinham me machucado naquele momento soacute tinha sentido o
impacto Eu estava com muito medo de levar bala de borracha porque eles
estavam realmente perseguindo Quando virei a direita eu continuei
ouvindo os tiros e as bombas e aquela rua estava completamente parada as
pessoas correndo entre os carros todo mundo desesperado ali E eles
continuaram correndo atraacutes da gente ndash na verdade sequer olhei para traacutes
dava para ouvir e tinha certeza absoluta que seria atingida por uma bala de
borracha Porque eles estavam muito perto perseguindo Consegui correr e
virar a direita de novo onde encontrei um estacionamento grande na Caio
Prado Ali correndo seguindo nessa rua percebi que havia um corte
profundo no meu braccedilo Eu olhei um corte muito profundo eu fiquei
muito assustada Minha reaccedilatildeo foi chorar continuar correndo Foi uma
sensaccedilatildeo de desespero muito grande mesmo Me senti em uma guerra natildeo
tinha para onde correr e com certeza seria atingida por alguma bala de
borracha ou por bombas porque eles continuavam atraacutes Nesse
estacionamento pedi para o rapaz me deixar entrar Ele falou que natildeo podia
me deixar entrar Falei ldquopor favor me deixa entrarrdquo mostrei meu braccedilo ele
se assustou e deixou entrar
24
Esta eacute a lesatildeo de que relato trata
Estes casos revelam o potencial de causar danos irreversiacuteveis que as ldquomuniccedilotildees
menos letaisrdquo como municcedilatildeo de elastocircmero em armas de fogo possuem quando utilizadas
contra oacutergatildeos vitais e a curta distacircncia
O fotoacutegrafo Seacutergio natildeo teria perdido um olho e centenas de pessoas natildeo
teriam sofrido lesotildees e corrido risco de morte se a PMESP tivesse observado
minimamente os paracircmetros internacionais para o uso da forccedila reconhecidos pela
Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas e pela Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos
O Coacutedigo de Conduta Para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo
da Lei30 (doc 4) aprovado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo 34169 de 17
de dezembro de 1979 estabelece criteacuterios para a aplicaccedilatildeo da lei na defesa da ordem
puacuteblica e a forma como essas funccedilotildees satildeo exercidas
30 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)
25
Seu artigo 3ordm dispotildee
Os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute podem empregar a
forccedila quando tal se afigure estritamente necessaacuterio e na medida
exigida para o cumprimento do seu dever
Bastaria a leitura deste artigo para verificar que os agentes de seguranccedila
independente do dever que entendiam estar cumprindo ultrapassaram (e muito) o
estritamente necessaacuterio
Ainda assim esse importante documento internacional vigente desde 1979
possui comentaacuterios interpretativos31 que permitem a melhor aplicaccedilatildeo de seus dispositivos
Veja-se o que diz o comentaacuterio do artigo 3ordm
ldquoComentaacuterio
a) Esta disposiccedilatildeo salienta que o emprego da forccedila por parte dos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deve ser excepcional
Embora admita que estes funcionaacuterios possam estar autorizados a utilizar a
forccedila na medida em que tal seja razoavelmente considerado como
necessaacuterio tendo em conta as circunstacircncias para a prevenccedilatildeo de um crime
ou para deter ou ajudar agrave detenccedilatildeo legal de delinquentes ou de suspeitos
qualquer uso da forccedila fora deste contexto natildeo eacute permitido
b) A lei nacional restringe normalmente o emprego da forccedila pelos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei de acordo com o princiacutepio
da proporcionalidade Deve-se entender que tais princiacutepios nacionais
de proporcionalidade devem ser respeitados na interpretaccedilatildeo desta
disposiccedilatildeo
A presente disposiccedilatildeo natildeo deve ser em nenhum caso interpretada no
sentido da autorizaccedilatildeo do emprego da forccedila em desproporccedilatildeo com o
legiacutetimo objetivo a atingir
c) O emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem
fazer-se todos os esforccedilos no sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de
31 Diretrizes para a efetiva implementaccedilatildeo do Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei Adotado pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU em 1986 por meio da resoluccedilatildeo nordm 198661
26
fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo utilizar-se
armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou
quando de qualquer forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja
suficientes medidas menos extremas para o dominar ou deter Cada vez que
uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as
autoridades competentesrdquo
Observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP tambeacutem natildeo respeitou as disposiccedilotildees dos
Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios
Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (Princiacutepios Baacutesicos) outra normativa no acircmbito
da ONU a qual o Brasil estaacute submetido
32
Eacute escandaloso o descompasso da atuaccedilatildeo policial com o que determina o
paraacutegrafo 5 desse importante documento Veja-se
32 Disponiacutevel em httppontoeletronicomewp-contentuploads20130613jun2013-policial-se-prepara-para-atirar-contra-manifestantes-durante-protesto-contra-o-aumento-da-tarifa-do-transporte-coletivo-realizado-pelas-ruas-da-regiao-central-de-sao-paulo-1371176850700_1920x1080jpg
27
ldquo5 Sempre que o uso legiacutetimo da forccedila e de armas de fogo for inevitaacutevel
os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
(a) Exercer moderaccedilatildeo no uso de tais recursos e agir na proporccedilatildeo da
gravidade da infraccedilatildeo e do objetivo legiacutetimo a ser alcanccedilado
(b) Minimizar danos e ferimentos e respeitar e preservar a vida humana
(c) Assegurar que qualquer indiviacuteduo ferido ou afetado receba assistecircncia e
cuidados meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel
(d) Garantir que os familiares ou amigos iacutentimos da pessoa ferida ou afetada
sejam notificados o mais depressa possiacutevel
Diante dos fatos narrados na inicial eacute possiacutevel se questionar O uso legiacutetimo da
forccedila foi inevitaacutevel Houve infraccedilatildeo grave dos manifestantes para justificar a proporccedilatildeo da
forccedila policial aplicada Houve por parte da PMESP a prestaccedilatildeo de assistecircncia e cuidados
meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel As forccedilas repressivas do Estado garantiram a imediata
notificaccedilatildeo dos feridos
A resposta eacute veementemente negativa para todas essas questotildees
Independentemente dos questionamentos acima tambeacutem natildeo eacute possiacutevel
identificar qual o objetivo legiacutetimo da atuaccedilatildeo da PMESP A proacutepria intenccedilatildeo de dispersatildeo
jaacute ofende o direito agrave reuniatildeo legalmente exercido pela manifestaccedilatildeo puacuteblica presente nos 8
casos trazidos na inicial poreacutem a PMESP foi aleacutem pois contrariou os princiacutepios 13 e 14
dos Princiacutepios Baacutesicos33 ainda que tais manifestaccedilotildees fossem consideradas ilegais e
violentas
Ora estaacute mais do que claro que a utilizaccedilatildeo de armamento de fogo com
municcedilatildeo de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral estariam
absolutamente descartadas se fossem cumpridas as normativas internacionais para
o uso da forccedila
33 A transcriccedilatildeo dos artigos 13 e 14 dos princiacutepios baacutesicos estaacute na paacutegina 16
28
Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais
mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito
internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de
proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade
Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser
sempre a uacuteltima opccedilatildeo
O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias
ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no
sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida
74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo
da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um
contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente
treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo
contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente
quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis
Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente
controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave
forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro
juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo
34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre
Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)
29
iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia
de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma
confiaacutevel36
Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees
da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da
liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX
que ora transcreve-se
Artigo XIX
Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito
inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e
transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente
de fronteiras
Artigo XX
1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas
2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo
Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre
Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem
assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o
relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de
controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto
identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees
36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
30
administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo
das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas
investigaccedilotildees
Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho
de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma
das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de
maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila
de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel
abuso da forccedila
Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas
administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em
manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente
necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de
planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso
abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo
recomendou as seguintes medidas
a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da
forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas
b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees
c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para
verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores
A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao
Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde
partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de
comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela
PMESP no dia 13 de junho de 2014
31
Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que
um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem
de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros
internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em
qualquer outra manifestaccedilatildeo popular
iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO
DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO
Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo
em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de
direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)
ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi
realizada de forma violenta e ilegal
Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem
evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De
acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude
adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia
perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois
A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de
gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a
Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como
pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era
como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e
violecircncia
Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na
direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria
Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos
os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da
Silva)
32
ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um
cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a
ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha
muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais
lanccedilavam bomba por nada para todos os lados
Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as
pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva
[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se
acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas
entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]
quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para
deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos
Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando
com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta
velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo
tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas
pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As
33
pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas
que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair
de laacute
Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o
traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato
mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da
accedilatildeo repressiva
A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava
dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na
Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []
Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente
rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais
comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como
eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para
dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no
chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador
34
Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante
recorrentes
Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um
ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial
mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua
patricinha vagabundarsquo ele me dizia
[]
Vai embora sua prostituta
A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer
seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente
sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral
Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo
Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes
puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz
que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no
35
sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo
utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer
forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou
deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades
competentes
No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de
Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma
de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de
armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal
aviso deve ser feito de forma clara e adequada
Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento
10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente
a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo
suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando
tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave
ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso
Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a
utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo
de armas de fogo
Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a
grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade
policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma
sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma
36
manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos
princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38
Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)
manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de
proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo
com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado
ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever
de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e
menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas
deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme
os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo
A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa
de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila
Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do
Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas
envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para
que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio
ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se
identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza
as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila
outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude
exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
37
[]
A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica
implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto
proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com
proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de
reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O
grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja
considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do
que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de
maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se
encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o
uso da forccedila resulta desproporcionado
Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da
aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute
internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado
internacional de direitos humanos
Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com
documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema
necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas
de seguranccedila
iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE
POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES
Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a
de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de
identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria
responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)
41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15
38
ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo
ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem
os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na
Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo
onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam
muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito
desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada
um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e
depois soltarrdquo
Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume
havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as
normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo
usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento
Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute
tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma
Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por
parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em
particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo
identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de
2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos
gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de
3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se
SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou
nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto
de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os
rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido
possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante
42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319
39
agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da
corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos
A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)
que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o
Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica
informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de
identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou
crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas
pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e
ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento
Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento
feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -
organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo
com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a
manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da
Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois
se espalharam pelo centro
Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se
determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular
Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito
interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a
atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu
Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta
manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial
em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes
policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees
O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo
em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial
40
No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado
de se identificarem previamente como tais no momento de advertir
com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a
forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua
atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees
estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e
adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se
f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de
seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas
ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever
potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim
de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no
terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e
comportamento policial
Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a
identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que
cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e
ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se
g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as
forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de
abusos ou atos de violecircncia
h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou
judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas
operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos
no curso das mesmas
41
Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos
cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013
em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos
A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou
que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem
disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes
em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que
confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns
trechos da mateacuteria
Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes
sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas
delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo
Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo
investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute
abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi
concluiacuteda e nenhum policial foi punido
A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute
os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo
processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1
de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014
Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de
Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum
policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21
policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato
Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e
tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e
ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades
43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)
42
v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS
CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES
Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do
Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa
atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute
de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila
Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em
manifestaccedilotildees futuras
Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute
imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo
temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de
confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo
Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a
negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A
proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da
Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que
Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os
governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar
atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos
especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da
forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a
compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de
persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos
destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados
da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e
procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos
43
Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um
negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se
evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se
e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves
manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes
para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e
protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de
conflito
Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na
Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos
publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72
daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue
72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no
uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a
resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das
multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como
meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45
Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de
Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia
da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se
44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf
44
38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um
verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades
policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da
manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico
Suiacuteccedila e outros paiacuteses47
Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os
documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador
civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco
de conflito social
vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa
de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na
dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila
notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas
O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar
Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre
recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo
Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem
alguns trechos
No comando do choque eu soacute recebi precircmios
47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora
45
Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe
pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de
Satildeo Paulo
ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de
protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo
A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho
quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e
pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo
foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do
centro saqueadas
Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da
Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui
ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou
A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v
Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de
dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute
o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte
ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar
seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito
negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50
Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando
preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa
policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre
expressatildeo
49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)
46
ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees
razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento
paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem
violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da
legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento
de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo
manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma
manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das
pessoasrdquo52
Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho
de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante
da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo
A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava
subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e
um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas
patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de
brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo
tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha
bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa
assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou
brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo
[]
Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos
policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles
ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar
sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E
todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado
52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas
47
do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo
para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo
[]
Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu
encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de
gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba
nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para
os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de
novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me
lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de
Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo
mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da
poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo
estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e
nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo
[]
A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes
Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a
gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem
Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o
pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes
lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila
Roosevelt
[]
O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da
Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava
que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente
ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima
tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali
natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando
bomba em cima da gente
O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da
Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e
intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso
desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a
48
agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de
Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se
ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees
policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso
indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o
membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para
proteger seus companheiros ali presentesrdquo54
Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave
determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve
permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo
administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes
vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A
ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica
do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e
internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo
puacuteblico
Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da
forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a
formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas
53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo
49
Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que
ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e
de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na
elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e
minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e
de armas de fogordquo
Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para
determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila
deveriam seguir Aqui estatildeo elas
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo
da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os
tipos de armas e municcedilotildees permitidas
(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias
apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio
(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos
injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis
(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas
de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas
armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de
armas de fogo
50
(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no
desempenho das suas funccedilotildees
Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila
e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia
da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece
as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila
Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como
aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos
agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento
dessas diretrizes
1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar
nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e
deveraacute considerar primordialmente
a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela
Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na
sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979
b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de
Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados
pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo
198961 de 24 de maio de 1989
c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo
Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o
Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto
a 7 de setembro de 1999
d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis
Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees
Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de
1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991
51
Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade
resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a
necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna
ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial
Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao
Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que
tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria
9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos
disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo
objetivamente
a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas
b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao
ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no
evento
c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo
perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento
d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees
desnecessaacuterias e risco injustificado e
e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente
de seguranccedila puacuteblica
Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do
Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de
Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que
regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees
Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se
natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como
a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de
manifestaccedilotildees e reuniotildees populares
52
Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro
miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos
que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e
sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil
6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE
DIREITOS HUMANOS
O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado
por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica
contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso
internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados
no que tange agrave dignidade humana
De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados
natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a
dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados
podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros
Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos
que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos
internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas
Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo
terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua
responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos
internacionalmente admitidos
55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf
53
Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56
apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute
um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees
como prova para outro procedimento de julgamento internacional do
Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura
ignorada
Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados
no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos
normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo
Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina
se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses
oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o
jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi
distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda
externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados
ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos
constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os
paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o
respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil
continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos
nacionalmente57
Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da
presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o
que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada
56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355
54
7) CONCLUSAtildeO
A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm
Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para
resoluccedilatildeo da presente controveacutersia
Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e
histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma
expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo
se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do
Estado de Satildeo Paulo
Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a
atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa
padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia
O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo
Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos
Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que
expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e
que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente
demanda
55
8) PEDIDO
Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como
amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae
requer-se seu recebimento como memoriais
Termos em que
Pede deferimento
Satildeo Paulo 17 de julho de 2014
Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs
OABSP 262284 OABSP 101663
Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni
OABSP 284930 OABSP 286871
Sheila Santana de Carvalho
OABSP 343588
5
2) DA LEGITIMIDADE DA REQUERENTE PARA SE MANIFESTAR COMO AMICUS CURIAE
Demonstrada a possibilidade da intervenccedilatildeo de amicus curiae e da relevacircncia social
que a demanda envolve faz-se necessaacuterio analisar a representatividade da requerente a fim
de reconhecer a sua legitimidade para se manifestar como amicus curiae
No caso eacute importante destacar que a organizaccedilatildeo tem como uma de suas missotildees
a efetivaccedilatildeo dos fundamentos da Repuacuteblica Federativa do Brasil especialmente no que
tange agrave cidadania e agrave dignidade da pessoa humana Veja-se
ldquoConectas Direitos Humanos foi fundada em 2001 com a missatildeo de
fortalecer e promover o respeito aos direitos humanos no Brasil e no
hemisfeacuterio Sul dedicando-se para tanto agrave educaccedilatildeo em direitos humanos agrave
advocacia estrateacutegica e agrave promoccedilatildeo do diaacutelogo entre sociedade civil
universidades e agecircncias internacionais envolvidas na defesa destes direitos
Conectas promove advocacia estrateacutegica em direitos humanos em
acircmbito nacional e internacional com o objetivo de alterar as praacuteticas
institucionais e sociais que desencadeiam sistemaacuteticas violaccedilotildees de
direitos humanos Desde 2006 tem status consultivo junto ao Conselho
de Direitos Humanos das Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) e desde
2009 dispotildee de status de observador na Comissatildeo Africana de Direitos
Humanos e dos Povos2
A requerente eacute hoje a organizaccedilatildeo natildeo governamental com maior nuacutemero de amici
curiae perante o Supremo Tribunal Federal jaacute tendo ingressado com 42 (quarenta e dois)
desde a sua fundaccedilatildeo
Atuar em accedilotildees e processos destinados agrave efetivaccedilatildeo dos direitos humanos inclui a
busca continua pela efetivaccedilatildeo dos fundamentos da Repuacuteblica Federativa do Brasil
especialmente no que tange agrave cidadania e agrave dignidade da pessoa humana que satildeo
fundamentais para todo e qualquer serviccedilo prestado pelo Estado
2 wwwconectasorg
6
Com relaccedilatildeo aos fins institucionais da associaccedilatildeo autora vale transcrever o
inciso VI do artigo 3ordm e o paraacutegrafo 1ordm item ldquodrdquo do mesmo artigo de seu Estatuto (doc
01) in verbis
Artigo 3ordm - A ASSOCIACcedilAtildeO seraacute regida nos termos da Lei 979099 e
teraacute por finalidade promover apoiar monitorar e avaliar projetos em
direitos humanos em niacutevel nacional e internacional em especial
[]
VI ndash promoccedilatildeo e defesa dos direitos humanos em acircmbito judicial
Paraacutegrafo 1ordm - A ASSOCIACcedilAtildeO pode para consecuccedilatildeo de seus
objetivos institucionais utilizar todos os meios permitidos na lei
especialmente para
[]
g) Promover accedilotildees judiciais visando agrave efetivaccedilatildeo dos direitos
humanos
Restam desde modo devidamente demonstrados os requisitos necessaacuterios para a
admissatildeo da presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae quais sejam relevacircncia da
mateacuteria discutida a representatividade do postulante e sua legitimidade
3) OBJETO DA PRESENTE DEMANDA
A presente accedilatildeo civil puacuteblica fundamenta-se em 8 fatos que demonstram a
violaccedilatildeo sistemaacutetica que o Estado de Satildeo Paulo promove em face dos direitos das pessoas
reunirem-se independentemente de autorizaccedilatildeo para a realizaccedilatildeo de atos manifestaccedilotildees e
protestos em locais puacuteblicos na Cidade de Satildeo Paulo
A demanda tem como objeto aleacutem da tutela reparatoacuteria a determinaccedilatildeo de
obrigaccedilatildeo de fazer e de natildeo fazer ao Estado de Satildeo Paulo no que tange agrave atuaccedilatildeo de sua
Policia Militar em manifestaccedilotildees puacuteblicas a fim de cumprir com garantias e direitos
fundamentais expressos na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica como o direito de reuniatildeo o direito
7
ao lazer o direito agrave cidade a liberdade de expressatildeo e o livre exerciacutecio profissional de
jornalistas
Argumenta-se que o procedimento adotado pela Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo
Paulo em cada uma das 8 situaccedilotildees narradas trouxe danos irreversiacuteveis para as pessoas que
tiveram direitos suprimidos pela atividade repressiva e danos sociais para a coletividade
diante da grave violaccedilatildeo de preceitos fundamentais do Estado Democraacutetico de Direito
A autora requer a condenaccedilatildeo do reacuteu para que expeccedila ato normativo definindo
paracircmetros de atuaccedilatildeo da PMESP em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se
abstenha de impor condiccedilotildees ou limites de tempo e lugar agraves reuniotildees e manifestaccedilotildees
puacuteblicas de portar arma de fogo de utilizar gaacutes lacrimogecircneo e bombas de efeito moral
para dissolver aglomeraccedilotildees antes de comunicar os manifestantes em tempo haacutebil para sua
compreensatildeo e acatamento de postar a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de
Satildeo Paulo em manifestaccedilotildees paciacuteficas e de impedir qualquer cidadatildeo de captar imagem e
som de seus agentes em atuaccedilatildeo para identificar adequadamente todos os policiais atuando
em acompanhamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas para indicar negociador civil e para ser
responsabilizado pelos danos sofridos pela coletividade ou individualmente
Tendo em vista que o tema eacute de extrema relevacircncia a organizaccedilatildeo CONECTAS
DIREITOS HUMANOS que ora se manifesta na qualidade de amicus curiae oferece nesta
oportunidade argumentos em favor da concessatildeo antecipada dos efeitos da tutela
pretendida e do julgamento pela TOTAL PROCEDEcircNCIA da presente Accedilatildeo Civil
Puacuteblica pelas razotildees a seguir expostas
4) PROMOCcedilAtildeO E PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS HUMANOS NO CONTEXTO DE PROTESTOS
SOCIAIS
A ndash INTRODUCcedilAtildeO
Ao longo da histoacuteria protestos e outros meios de participaccedilatildeo social formaram
um elemento essencial de vibrantes sociedades democraacuteticas Embora a palavra ldquoprotestordquo
natildeo apareccedila no texto de tratados internacionais o sistema internacional de proteccedilatildeo dos
8
direitos humanos inegavelmente protege o direito de protestar em reconhecimento aos
direitos de reuniatildeo liberdade de expressatildeo de opiniatildeo e de associaccedilatildeo
Entretanto nos uacuteltimos anos o crescente nuacutemero de manifestaccedilotildees populares
pelo mundo vem se deparando com reaccedilotildees violentas das autoridades do Estado - em
regra os proacuteprios contestados nas manifestaccedilotildees Nesse sentido governos optam por
impor restriccedilotildees ao direito de reuniatildeo natildeo soacute ilegais mas contraacuterias ao proacuteprio conceito de
Estado Democraacutetico
Eacute nesse contexto que a presente demanda se insere e que a CONECTAS DIREITOS
HUMANOS viu-se compelida a se manifestar como amicus curiae para oferecer um breve
panorama dos principais paracircmetros internacionais que regulam o comportamento
da poliacutecia e particularmente o uso da forccedila no contexto de manifestaccedilotildees
populares
B ndash PRINCIPAIS NORMAS INTERNACIONAIS QUE REGULAM O USO DA FORCcedilA PELA
POLIacuteCIA
A niacutevel global existem 2 conjuntos de documentos que tratam especificamente da
regulaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia o Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios
Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei de 19793 (doc 4) com as diretrizes para sua efetiva
implementaccedilatildeo4 e os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei de 19905 (doc 5)
Amplamente tidas como declaraccedilotildees oficiais de direito internacional6 esses
instrumentos satildeo frequentemente mencionados pelos mecanismos regionais de direitos
3 Adotado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo nordm 34169 4 Adotado pelo Resoluccedilatildeo Conselho Social e Econocircmico da ONU nordm 198661 5 Adotado pela Conferecircncia de Crime das Naccedilotildees Unidas 6 Relatoacuterio apresentado na Assembleia Geral em 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on
9
humanos e tecircm sido repetidamente referenciados por vaacuterios oacutergatildeos da ONU7 como
expressatildeo dos princiacutepios da proporcionalidade e da estrita necessidade do uso da forccedila
policial destacando ainda que o uso de potencial forccedila letal deve ser sempre excepcional
A preocupaccedilatildeo da comunidade internacional com a efetividade dos direitos
universais de livre expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo fez com que fosse criada no
acircmbito da ONU a figura do Relator Especial sobre os Direitos de Liberdade de
Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo
Aleacutem disso haacute de ser destacado que em maio de 2011 o Relator Especial da
ONU sobre Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias ou Arbitraacuterias apresentou um
estudo ao Conselho de Direitos Humanos da organizaccedilatildeo concluindo que os sistemas
legais de muitos paiacuteses ainda natildeo aderiram aos padrotildees internacionais miacutenimos
relacionados ao uso da forccedila policial8
61 A princiacutepio disparar indiscriminadamente contra uma multidatildeo natildeo eacute
permitido e soacute pode se voltar ao indiviacuteduo ou grupo que constitui ameaccedila
de morte ou ferimentos graves O uso de armas de fogo natildeo pode ser
justificado apenas porque uma reuniatildeo eacute ilegal que tenha deva ser
dispersada ou para se proteger a propriedade Isso muitas vezes natildeo estaacute
refletido nas leis do paiacutes
62 Nos termos do Coacutedigo de Conduta e dos Princiacutepios Baacutesicos a norma a
respeito do uso intencional de forccedila letal eacute a mesma em todas as
circunstacircncias mesmo em auto-defesa prisatildeo contenccedilatildeo de revolta popular
the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 7 Entre outros Resoluccedilotildees do Conselho de Direitos Humanos observaccedilotildees finais de vaacuterios corpos de tratados como o Comitecirc de Direitos Humanos e o Comitecirc Contra a Tortura aleacutem dos relatos de procedimentos especiais 8 Relatoacuterio do Relator Especial sobre execuccedilotildees extrajudicias sumaacuterias ou arbitraacuterias apresentado agrave Assembleia Geral em 23052011 (AHRC1728) paraacutegrafos 61 e 62 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf
10
ou em quaisquer outras circunstacircncias ou seja somente em proteccedilatildeo da
vida9
No acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos (CIDH) por meio do Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos
Humanos (2009) (doc 7) e do Relatoacuterio sobre a Situaccedilatildeo dos Defensores dos
Direitos Humanos nas Ameacutericas (2012) (doc 8) definiu paracircmetros concretos para
regular o policiamento de protestos que inclui nomeadamente a proibiccedilatildeo do uso de
forccedila letal a necessidade de treinamento adequado para o policiamento durante
manifestaccedilotildees de massa e a exigecircncia de identificaccedilatildeo clara e individual dos policiais
Nota-se que os paracircmetros da CIDH tambeacutem reforccedilam os princiacutepios da
proporcionalidade e da estrita necessidade aleacutem de reconhecer que o direito de protestar eacute
uma forma de expressatildeo coletiva que deve ser garantida10
Natildeo eacute demais destacar que na Europa estaacute vigente um Coacutedigo Europeu de Eacutetica
Policial que conteacutem uma seccedilatildeo inteira dedicada ao policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas
que incluem obrigaccedilotildees processuais e materiais sobre as forccedilas de seguranccedila antes durante
e apoacutes as manifestaccedilotildees acontecerem aleacutem de um foco especial sobre as obrigaccedilotildees da
poliacutecia quando as forccedilas de seguranccedila tomam medidas para dispersar a multidatildeo11
9 Traduccedilatildeo livre de 61 In principle shooting indiscriminately into a crowd is not allowed and may only be targeted at the person or persons constituting the threat of death or serious injury The use of firearms cannot be justified merely because a particular gathering is illegal and has to be dispersed or to protect property This is often not reflected in domestic laws 62 In terms of the Code and the Basic Principles the norm in respect of the intentional use of lethal force is the same under all circumstances whether in self-defence arrest quelling a riot or any other circumstances namely protection of life 10 ldquoComo a jurisprudecircncia do sistema interamericano explicou em numerosas ocasiotildees a liberdade de expressatildeo eacute um direito que tem duas dimensotildees uma dimensatildeo individual que consiste no direito de cada pessoa para expressar seus pensamentos ideias e informaccedilotildees e uma dimensatildeo coletiva ou social que consiste no direito da sociedade de obter e receber todas as informaccedilotildees para saber os pensamentos ideias e informaccedilotildees de outras pessoas para estarem bem informadosrdquo CIDH Escritoacuterio do Relator Especial pela Liberdade de Expressatildeo The inter-American legal framework regarding the right to freedom of expression (OEA SerLVII CIDHRELEINF (2009) par 13 Traduccedilatildeo livre de ldquoAs the case law of the inter-American system has explained on numerous occasions freedom of expression is a right that has two dimensions an individual dimension consisting of the right of each person to express her own thoughts ideas and information and a collective or social dimension consisting of societyrsquos right to obtain and receive any information to know the thoughts ideas and information of others and to be well-informedrdquo 11 Paraacutegrafo 176 da Segunda Ediccedilatildeo das Diretrizes da OSCE Detalhando por exemplo a obrigaccedilatildeo de estabelecer procedimentos de descontaminaccedilatildeo de produtos quiacutemicos irritantes utilizados em
11
A Corte Europeia de Direitos Humanos inclusive jaacute adotou posicionamentos
importantes sobre o tema como a presunccedilatildeo em favor do caraacuteter paciacutefico de todas as
manifestaccedilotildees12 a legitimidade das manifestaccedilotildees de uso do espaccedilo puacuteblico ainda que
causem um certo grau de perturbaccedilatildeo na vida cotidiana13 a necessidade de avaliar o
comportamento do indiviacuteduo separadamente do da multidatildeo14 e o ocircnus da prova de
manifestantes com intenccedilotildees ou accedilotildees violentas que recai sobre as autoridades15
Com o que seraacute esmiuccedilado a seguir este mm Juiacutezo teraacute condiccedilotildees de
observar que o Estado de Satildeo Paulo em sua competecircncia de regulamentar e
controlar a atividade de sua poliacutecia militar aleacutem de desrespeitar a proacutepria
Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil viola absolutamente TODAS AS
NORMAS INTERNACIONAIS jaacute estabelecidas para o uso da forccedila policial
5) DO USO DA FORCcedilA PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO NO DIA 13 DE
JUNHO DE 2013
Em 13 de junho de 2013 uma das situaccedilotildees de fato trazidas agrave demanda a Poliacutecia
realizava em Satildeo Paulo uma das mais violentas repressotildees a manifestaccedilotildees desde o fim da
ditadura militar Numa noite de horror coletivo raramente vista milhares de pessoas que
manifestantes a proibiccedilatildeo de utilizar a forccedila contra manifestantes paciacuteficos que satildeo incapazes de dispersar o dever de manter registros detalhados sobre o tipo de forccedila utilizada e a obrigaccedilatildeo de investigar a causa de mortes ou ferimentos entre outros 12 Uma assembleacuteia seraacute considerada paciacutefica enquanto os participantes estiverem paciacuteficos mesmo que os organizadores natildeo cumpram com todos os requisitos legais necessaacuterios para o desenvolvimento da manifestaccedilatildeo Oya Ataman v Turkey no 7455201 ECHR 2006 e Cisse v France no 5134699 sect 37 ECHR 2002 Traduccedilatildeo livre de ldquoAn assembly will be deemed peaceful as long as the participants remain peaceful even if the organizers have not complied with all legal requirements prior to the assemblyrdquo 13 Patyi and Others v Hungary no 552905 sectsect 42-43 ECHR 2008 Balccedilik and Others v Turkey no 2502 sect 52 ECHR 2007 Ashughyan v Armenia no 3326803 sect 90 ECHR 2008 14 ldquouma pessoa natildeo deixa de gozar do direito de reuniatildeo paciacutefica em casos de violecircncia esporaacutedica ou outros atos puniacuteveis cometidos por outras no curso da manifestaccedilatildeo se permanece tranquilo em suas proacuteprias intenccedilotildees ou comportamentosrdquo Ziliberberg v Moldova (dec) no 6182100 ECHR 2004 Traduccedilatildeo livre de ldquoan individual does not cease to enjoy the right to peaceful assembly as a result of sporadic violence or other punishable acts committed by others in the course of the demonstration if the individual in question remains peaceful in his or her own intentions or behaviourrdquo 15 Christian Democratic Peoplersquos Party v Moldova (No 2) no 2519604 sect 23 ECHR 2010
12
participavam de um protesto paciacutefico no centro da cidade se viram cercadas por tropas
policiais em um labirinto violento que atravessou a noite e cujas traacutegicas consequecircncias se
fazem sentir ainda hoje especialmente para os que carregaratildeo sequelas fiacutesicas e emocionais
Esse caso mostra evidente que os procedimentos adotados pela seguranccedila puacuteblica
paulista natildeo respeitaram os protocolos internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila
aleacutem de descumprir tratados e convenccedilotildees internacionais que o Brasil eacute signataacuterio e natildeo
seguir as recomendaccedilotildees das organizaccedilotildees internacionais das quais o Brasil eacute parte
Satildeo numerosos os relatos e evidecircncias de violecircncia fiacutesica contra os manifestantes
em 13 de junho de 2013 inclusive em desfavor de pessoas rendidas deitadas desarmadas e
desprovidas de qualquer acircnimo de resistecircncia Muitas destas pessoas foram espancadas e
atingidas por disparos de balas de borracha
Foram relatados ainda atos de violecircncia contra pessoas que natildeo estavam
participando dos protestos inclusive idosos e crianccedilas16 Foram registradas cenas onde a
Poliacutecia invadiu ateacute mesmo hospitais a fim de localizar pessoas que teriam participado dos
protestos17 Aleacutem disso apoacutes o grande nuacutemero de manifestantes jaacute ter sido dispersado
foram registradas cenas onde a Poliacutecia invadiu estabelecimentos comerciais supostamente
em busca dos manifestantes e agrediu pessoas18 Segundo relatos dos organizadores do
evento mais de 100 pessoas ficaram feridas19 em decorrecircncia da accedilatildeo truculenta da Poliacutecia
naquele dia
16 Ver por exemplo PORTAL DE NOTIacuteCIAS TERRA ldquoBomba de gaacutes lacrimogecircneo atinge carro de um idoso que estava de passagemrdquo viacutedeo publicado no 14 de junho de 2013 13h50 disponiacutevel no link httpterratvterracombrvideosNoticiasBrasilCidades4828-474261Bomba-de-gas-lacrimogeneo-cai-dentro-de-carro-em-protesto-em-SPhtm 17 Ver depoimento no site do Coletivo Antiproibicionista de Satildeo Paulo ldquoPM retira feridos a forccedila de hospital e impede atendimentordquo 14 de junho de 2013 disponiacutevel no link httpcoletivodarorg201306pm-retira-feridos-a-forca-de-hospital-e-impede-atendimento
18Ver por exemplo JORNAL FOLHA DE SAtildeO PAULO ldquoApoacutes confronto casal eacute agredido por PMs na regiatildeo da Paulistardquo 14 de junho de 2013 00h52 disponiacutevel em httpwww1folhauolcombrcotidiano2013061294916-apos-confronto-casal-e-agredido-por-pms-na-regiao-da-paulistashtml 19
Os dados finais sobre o numero de feridos ainda estatildeo sendo organizados pelo MPL e pela Defensoria
Puacuteblica de Satildeo Paulo Para uma estimativa ver infograacutefico JORNAL FOLHA DE SAtildeO PAULO ldquoDos 235
detidos em protesto 231 satildeo liberados apoacutes prestar depoimentordquo 14 de junho 2013 07h25 disponiacutevel
emhttpwww1folhauolcombrcotidiano2013061294960-dos-235-detidos-em-protesto-231-sao-
liberados-apos-prestar-depoimentoshtml
13
Abaixo demonstra-se detalhadamente cada norma dos protocolos internacionais
para a utilizaccedilatildeo da forccedila que foram descumpridas pela Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo
Paulo contribuindo-se para o livre convencimento deste mm Juiacutezo a dar total procedecircncia
agrave presente accedilatildeo civil puacuteblica
i - DA INTERRUPCcedilAtildeO DA REUNIAtildeO PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO
VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS
Um dia que ficaria para a histoacuteria como a maior expressatildeo do exerciacutecio do direito
constitucional de reuniatildeo da liberdade de expressatildeo e de locomoccedilatildeo na verdade tornou-se
a maior expressatildeo da restriccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da proacutepria Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Observa-
se que a justificativa de se liberar o traacutefego de veiacuteculos para garantir a manutenccedilatildeo da
ordem puacuteblica foi a causa que deu iniacutecio agrave accedilatildeo ilegal e truculenta da Poliacutecia Militar do
Estado de Satildeo Paulo (PMESP)
Nota-se das paacuteginas 21 e 22 da exordial que as proacuteprias forccedilas de seguranccedila
tomaram a iniciativa de encerrar o ato que reuniu cerca de 15 mil pessoas que caminhavam
pelas ruas de Satildeo Paulo
Ocorre que aleacutem de ilegal e inconstitucional essa medida ofende diretamente a
Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos (Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica)
incorporada ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 68792
Eacute o que diz a Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos no Marco Juriacutedico
Interamericano Sobre o Direito agrave Liberdade de Expressatildeo20 onde seu paraacutegrafo 82
assevera
20 Apresentado pela Relatoria para a Liberdade de Expressatildeo da Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos 2010 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhexpresiondocspublicacionesMARCO20JURIDICO20INTERAMERICANO20DEL20DERECHO20A20LA20LIBERTAD20DE20EXPRESION20ESP20FINAL20portadadocpdf (acessado em 04062014)
14
ldquoqualquer afetaccedilatildeo da ordem puacuteblica invocada como justificaccedilatildeo para limitar
a liberdade de expressatildeo deve obedecer causas reais e objetivamente
verificaacuteveis que signifiquem uma ameaccedila certa e acreditaacutevel de uma
perturbaccedilatildeo potencialmente grave das condiccedilotildees baacutesicas para o
funcionamento das instituiccedilotildees democraacuteticasrdquo21
Nota-se do conjunto probatoacuterio juntado aos autos que antes da atuaccedilatildeo policial
natildeo houve qualquer risco razoaacutevel de distuacuterbio grave natildeo havendo possibilidade diante da
Convenccedilatildeo Americana de se promover a dispersatildeo da manifestaccedilatildeo simplesmente pela
ocupaccedilatildeo de uma via puacuteblica
Eacute o que diz a continuaccedilatildeo do dispositivo mencionado acima
ldquoEm consequecircncia natildeo eacute suficiente invocar meras conjecturas sobre
eventuais afetaccedilotildees da ordem nem circunstacircncias hipoteacuteticas derivadas
de interpretaccedilotildees das autoridades diante de fatos que natildeo representem
claramente um risco razoaacutevel de distuacuterbios graves Uma interpretaccedilatildeo mais
ampla ou indeterminada abriria um campo inadmissiacutevel agrave arbitrariedade e
restringiria a raiz da liberdade de expressatildeo que forma parte integral da
ordem puacuteblica protegida pela Convenccedilatildeo Americanardquo22
Dentre as pessoas viacutetimas da violecircncia policial do dia 13062013 dez prestaram
relatos agrave requerente sobre o que ocorreu naquela noite em Satildeo Paulo (doc 6) informando
que PMESP perseguiu prendeu agrediu e feriu indiscriminadamente natildeo apenas
manifestantes mas tambeacutem jornalistas e moradores dos bairros por onde a marcha passou
21 Traduccedilatildeo livre de ldquocualquier afectacioacuten del orden puacuteblico invocada como justificacioacuten para limitar la libertad de expresioacuten debe obedecer a causas reales y objetivamente verificables que planteen una amenaza cierta y creiacuteble de una perturbacioacuten potencialmente grave de las condiciones baacutesicas para el funcionamiento de las instituciones democraacuteticasrdquo 22 Traduccedilatildeo livre de ldquo En consecuencia no resulta suficiente invocar meras conjeturas sobre eventuales afectaciones del orden ni circunstancias hipoteacuteticas derivadas de interpretaciones de las autoridades frente a hechos que no planteen claramente un riesgo razonable de disturbios graves (ldquoviolencia anaacuterquicardquo) Una interpretacioacuten maacutes amplia o indeterminada abririacutea un campo inadmisible a la arbitrariedad y restringiriacutea de raiacutez la libertad de expresioacuten que forma parte integral del orden puacuteblico protegido por la Convencioacuten Americanardquo
15
Veja-se o depoimento de uma delas
A manifestaccedilatildeo seguiu pela av Ipiranga ateacute o iniacutecio da rua da Consolaccedilatildeo
onde jaacute havia viaturas policiais acompanhando a multidatildeo Ateacute entatildeo a
movimentaccedilatildeo desses policiais era tranquila como a dos proacuteprios
manifestantes Eles caminhavam com suas faixas bandeiras camisas com
dizeres de protesto gritos enfim uma manifestaccedilatildeo como outra qualquer
Entrando na rua da Consolaccedilatildeo o clima comeccedilou a ficar diferente Em
frente agrave Praccedila Roosevelt havia uma barreira de guardas civis da Guarda
Civil Metropolitana (GCM) Eles se posicionaram com escudos e cassetetes
formando uma barreira humana nas escadarias da Praccedila Roosevelt para que
os manifestantes natildeo ocupassem aquele espaccedilo []
Seguindo ainda nesse trecho da rua da Consolaccedilatildeo a Poliacutecia Militar do
estado de Satildeo Paulo posiciona alguns veiacuteculos duas ou trecircs viaturas (natildeo me
recordo bem) e comeccedila um diaacutelogo (podemos chamar assim) entre alguns
policiais alguns manifestantes e o pessoal da imprensa Posso dizer com
absoluta certeza que eram pouquiacutessimas pessoas nesse diaacutelogo dois ou trecircs
policiais cinco ou seis manifestantes e o resto era da imprensa Eu estava
proacuteximo do local dessa conversa e o pouco que eu consegui ouvir era da
voz de um policial dizendo que os manifestantes natildeo poderiam continuar
naquele trajeto ou seja subir a rua da Consolaccedilatildeo em direccedilatildeo agrave av Paulista
que era o trajeto que aquela manifestaccedilatildeo queria fazer
16
Ao adotar a formaccedilatildeo de confronto e impedir o prosseguimento da manifestaccedilatildeo
paciacutefica a PMESP impediu o exerciacutecio do direito de reuniatildeo e livre expressatildeo de cerca de
15 mil pessoas Natildeo satisfeita ainda iniciou o lanccedilamento de bombas e tiros com municcedilatildeo
de elastocircmero contra as pessoas reunidas ali pacificamente
23
Claramente ao interromper as pessoas ali reunidas que marchavam
pacificamente a PMESP rasgou todas as cartas de direitos que reconhecem a liberdade de
reuniatildeo e de expressatildeo - a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica a Declaraccedilatildeo Universal de Direitos
Humanos e a Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos ndash ferindo tambeacutem os
posicionamentos de organismos internacionais como a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos (CIDH)cedilque sinaliza hipoacuteteses restritas de limitaccedilatildeo do direito de
reuniatildeo no 2ordm Relatoacuterio sobre a Situaccedilatildeo de Defensores e Defensoras de Direitos
Humanos nas Ameacutericas24 (doc 8) Veja-se
ldquo107 Nos uacuteltimos anos alguns paiacuteses tecircm apresentado um aumento no
nuacutemero de accedilotildees penais contra participantes de protestos sociais para a
reivindicaccedilatildeo de direitos utilizando-se de argumentos como a perturbaccedilatildeo
da ordem puacuteblica ou o atentado contra a seguranccedila do Estado Em virtude
da importacircncia que se revestem as manifestaccedilotildees puacuteblicas nos sistemas
democraacuteticos o Estado possui hipoacuteteses restritas para aplicar
limitaccedilotildees nesse sentido mesmo que o direito de reuniatildeo natildeo seja
23 Disponiacutevel em httpimgr7comimages2013061500_13_08_643_filedimensions=780x340 24 Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos 2011 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhdefensoresdocspdfdefensores2011pdf (acessado em 02062014)
17
absoluto ou possa estar sujeito a certos limites essas justificativas
devem ser razoaacuteveis para se assegurar o desenvolvimento paciacutefico das
manifestaccedilotildees e devem reger-se ldquopelos princiacutepios da legalidade da
necessidade e da proporcionalidaderdquo25
A importacircncia destes firmes posicionamentos da CIDH fundamenta-se em sua
proacutepria funccedilatildeo institucional de interpretar e recomendar a melhor aplicaccedilatildeo da
Convenccedilatildeo que claramente reconhece na atividade administrativa do Estado de Satildeo
Paulo a violaccedilatildeo de dois de seus artigos abaixo transcritos
Artigo 13 - Liberdade de pensamento e de expressatildeo
Toda pessoa tem o direito agrave liberdade de pensamento e de expressatildeo Esse
direito inclui a liberdade de procurar receber e difundir informaccedilotildees e ideacuteias
de qualquer natureza sem consideraccedilotildees de fronteiras verbalmente ou por
escrito ou em forma impressa ou artiacutestica ou por qualquer meio de sua
escolha
Artigo 15 - Direito de reuniatildeo
Eacute reconhecido o direito de reuniatildeo paciacutefica e sem armas O exerciacutecio desse
direito soacute pode estar sujeito agraves restriccedilotildees previstas em lei e que se faccedilam
necessaacuterias em uma sociedade democraacutetica ao interesse da seguranccedila
nacional da seguranccedila ou ordem puacuteblicas ou para proteger a sauacutede ou a
moral puacuteblicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas
25 Traduccedilatildeo livre de ldquo107 En los uacuteltimos antildeos se ha presentado una creciente iniciacioacuten de acciones penales en algunos paiacuteses en contra de quienes participan en protestas sociales para la reivindicacioacuten de derechos bajo el argumento de que supuestamente se desarrollariacutean en un marco de perturbacioacuten del orden puacuteblicoo atentariacutean contra la seguridad del Estado En virtud de la importancia que reviste la protesta social en los sistemas democraacuteticos el Estado tiene un marco centildeido para justificar su limitacioacuten en este sentido si bien el derecho de reunioacuten no es absoluto y puede estar sujeto a ciertos liacutemites eacutestos deben ser razonablescon el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las manifestaciones y deben regirse ldquopor los principios de legalidad necesidad y proporcionalidaderdquo
18
Jaacute no acircmbito da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) o Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Poliacuteticos26 exige que os Estados signataacuterios
garantam aos seus cidadatildeos o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de participaccedilatildeo da
conduccedilatildeo de assuntos puacuteblicos sem restriccedilotildees infundadas27
Nessa linha o 8ordm Congresso das Naccedilotildees Unidas sobre a Prevenccedilatildeo do Crime
e o Tratamento dos Delinquentes deu publicidade a um documento formulado para
assistir os Estados membros na tarefa de assegurar e promover a adequada missatildeo dos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo de lei Trata-se dos Princiacutepios Baacutesicos sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da
Lei28 (doc 5) que dentre suas disposiccedilotildees determina que
ldquodevem ser tomados em consideraccedilatildeo e respeitados pelos governos
no acircmbito da legislaccedilatildeo e da praacutetica nacionais e levados ao
conhecimento dos funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei e de
outras pessoas como juiacutezes agentes do Ministeacuterio Puacuteblico
advogados membros do Executivo e do Legislativo bem como do
puacuteblico em geralrdquo
Ao se comprometer com esse documento o Estado Brasileiro compreendido por
Uniatildeo Estados e Municiacutepios natildeo pode deixar de observar suas disposiccedilotildees
Todavia mesmo conhecedor desses paracircmetros o Estado de Satildeo Paulo
por meio da PMESP no dia 13 de junho optou por descumpri-los ao encerrar uma
manifestaccedilatildeo legal e natildeo-violenta
26 Internalizado ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 592 de 6 de julho de 1992 27 Arts 19 21 e 25 28 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)
19
29
A violaccedilatildeo do compromisso internacional estaacute explicitada em seu Princiacutepio 12
que diz que como todos tecircm direito de participar de reuniotildees legiacutetimas e paciacuteficas de acordo com os
princiacutepios expressos na Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional de Direitos
Civis e Poliacuteticos os governos entidades e os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo reconhecer que a forccedila
e as armas de fogo soacute podem ser usadas nos termos dos Princiacutepios 13 e 14
Note-se que tais princiacutepios referem-se a grupos ilegais e violentos o que
claramente natildeo foi o caso das pessoas que estavam nas ruas exercendo seu direito de livre
expressatildeo e reuniatildeo poreacutem ainda que fosse seria inevitaacutevel se observarem os criteacuterios da
proporcionalidade e da estrita necessidade no uso da forccedila policial
Veja-se a transcriccedilatildeo dos Princiacutepios 13 e 14 do protocolo
13 Ao dispersar grupos ilegais mas natildeo-violentos os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo evitar o uso da forccedila ou quando tal natildeo for
possiacutevel deveratildeo restringir tal forccedila ao miacutenimo necessaacuterio
14 Ao dispersar grupos violentos os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute
poderatildeo fazer uso de armas de fogo quando natildeo for possiacutevel usar outros
meios menos perigosos e apenas nos termos minimamente necessaacuterios Os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei natildeo deveratildeo fazer uso de armas de
fogo em tais casos a natildeo ser nas condiccedilotildees previstas no Princiacutepio 9
29 Disponiacutevel em httpwwwvalorcombrsitesdefaultfilesimagecachemedia_library_300_197imagesprotestag_0_8_640_419jpg
20
Ora diante dos fatos eacute impossiacutevel identificar sequer um rastro de observacircncia
deste protocolo pela PMESP seja no dia 13 de junho de 2013 ou nas outras situaccedilotildees
narradas na inicial
Portanto demonstra-se que suposta manutenccedilatildeo da ordem puacuteblica no intuito de
se garantir a circulaccedilatildeo de veiacuteculos natildeo pode do ponto de vista juriacutedico interno e
internacional frustrar o direito de reuniatildeo das pessoas que se encontram em vias puacuteblicas
para exercer seu direito universal agrave liberdade de expressatildeo
ii - DA UTILIZACcedilAtildeO DE ARMAS DE FOGO COM MUNICcedilAtildeO DE ELASTOcircMERO BOMBAS DE
GAacuteS E GRANADAS DE LUZ E SOM PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO
VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS
Os relatos daqueles que participaram da manifestaccedilatildeo (doc 6) sugerem que em
vez de direcionar a marcha num suposto sentido de dispersatildeo os policiais encurralaram
milhares de pessoas num circuito de tiro com balas de borracha saturado com bombas
de gaacutes e granadas de luz e som ao longo de vaacuterias ruas da regiatildeo central Essa taacutetica policial
de encurralamento pode ser observada pelo mapa abaixo o qual explica como se deu o
trajeto realizado pela poliacutecia e manifestantes
21
22
Seacutergio Andrade da Silva de 31 anos eacute um fotoacutegrafo casado e pai de duas
crianccedilas Na noite do protesto ele saiu para trabalhar Faria fotos da marcha para uma
agecircncia de notiacutecias mas acabou horas depois internado no ldquoHospital H Olhosrdquo depois
de ter passado pelo ldquoHospital 9 de Julhordquo onde recebeu doses de morfina para controlar a
dor de duas fraturas na oacuterbita ocular resultante de accedilatildeo da Poliacutecia Militar Sergio levou
cinco pontos dentro do olho esquerdo do qual ficaria definitivamente cego
Transcreve-se abaixo trecho do relato de Sergio que mostra todo o pacircnico que
sentiu no momento da agressatildeo recebida pela PMESP (doc 6)
Fui atingido por uma bala de borracha Tenho quase 180m e a bala me
atingiu exatamente no olho [] A dor foi instantacircnea profunda terriacutevel
Todos os piores adjetivos com que vocecirc puder qualificar a dor eu senti
naquele momento Meu olho inchou rapidamente coloquei a matildeo e minha
paacutelpebra jaacute havia se fechado Muito sangue comeccedilava a cair naquele instante
e pensei lsquofiquei cego Natildeo vou mais conseguir fotografarrsquo Foi a sensaccedilatildeo
que eu tive
Outro relato mostra exatamente o desespero de um cidadatildeo que corre risco de
vida ou de ferimentos graves pela accedilatildeo da proacutepria poliacutecia que supostamente deve
promover a seguranccedila puacuteblica (doc 6)
23
Ali foi o momento mais desesperador mesmo porque natildeo conseguia
respirar achei que ia desmaiar ali comecei a ficar fraca natildeo conseguia correr
mais e fiquei um tempo ali desnorteada com todo aquele gaacutes e continuei
correndohellip Jaacute tinha perdido todo mundo e olhei para os lados estava todo
mundo correndo subindo e natildeo tinha para onde ir a natildeo ser subir a
Augusta Tinha muita gente e natildeo dava para ir raacutepido a gente ficou
encurralado Quando vi estaacutevamos entre uma parede subindo a Augusta
na frente tinha um grupo de policias da Tropa de Choque e atraacutes tambeacutem
Ali foi o momento que fomos emparedados Natildeo tinha o que fazer natildeo
dava para correr muito corriacuteamos lentamentehellip Me senti fuzilada naquele
momento a gente ficou emparedado parecia um fuzilamento no paredatildeo
Foi tudo muito raacutepido e de repente estourou uma bomba na minha frente a
princiacutepio achei que era gaacutes lacrimogecircnio eu senti todo o impacto no meu
corpo mas continuei correndo Natildeo sabia que eu havia me machucado ou
melhor que tinham me machucado naquele momento soacute tinha sentido o
impacto Eu estava com muito medo de levar bala de borracha porque eles
estavam realmente perseguindo Quando virei a direita eu continuei
ouvindo os tiros e as bombas e aquela rua estava completamente parada as
pessoas correndo entre os carros todo mundo desesperado ali E eles
continuaram correndo atraacutes da gente ndash na verdade sequer olhei para traacutes
dava para ouvir e tinha certeza absoluta que seria atingida por uma bala de
borracha Porque eles estavam muito perto perseguindo Consegui correr e
virar a direita de novo onde encontrei um estacionamento grande na Caio
Prado Ali correndo seguindo nessa rua percebi que havia um corte
profundo no meu braccedilo Eu olhei um corte muito profundo eu fiquei
muito assustada Minha reaccedilatildeo foi chorar continuar correndo Foi uma
sensaccedilatildeo de desespero muito grande mesmo Me senti em uma guerra natildeo
tinha para onde correr e com certeza seria atingida por alguma bala de
borracha ou por bombas porque eles continuavam atraacutes Nesse
estacionamento pedi para o rapaz me deixar entrar Ele falou que natildeo podia
me deixar entrar Falei ldquopor favor me deixa entrarrdquo mostrei meu braccedilo ele
se assustou e deixou entrar
24
Esta eacute a lesatildeo de que relato trata
Estes casos revelam o potencial de causar danos irreversiacuteveis que as ldquomuniccedilotildees
menos letaisrdquo como municcedilatildeo de elastocircmero em armas de fogo possuem quando utilizadas
contra oacutergatildeos vitais e a curta distacircncia
O fotoacutegrafo Seacutergio natildeo teria perdido um olho e centenas de pessoas natildeo
teriam sofrido lesotildees e corrido risco de morte se a PMESP tivesse observado
minimamente os paracircmetros internacionais para o uso da forccedila reconhecidos pela
Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas e pela Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos
O Coacutedigo de Conduta Para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo
da Lei30 (doc 4) aprovado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo 34169 de 17
de dezembro de 1979 estabelece criteacuterios para a aplicaccedilatildeo da lei na defesa da ordem
puacuteblica e a forma como essas funccedilotildees satildeo exercidas
30 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)
25
Seu artigo 3ordm dispotildee
Os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute podem empregar a
forccedila quando tal se afigure estritamente necessaacuterio e na medida
exigida para o cumprimento do seu dever
Bastaria a leitura deste artigo para verificar que os agentes de seguranccedila
independente do dever que entendiam estar cumprindo ultrapassaram (e muito) o
estritamente necessaacuterio
Ainda assim esse importante documento internacional vigente desde 1979
possui comentaacuterios interpretativos31 que permitem a melhor aplicaccedilatildeo de seus dispositivos
Veja-se o que diz o comentaacuterio do artigo 3ordm
ldquoComentaacuterio
a) Esta disposiccedilatildeo salienta que o emprego da forccedila por parte dos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deve ser excepcional
Embora admita que estes funcionaacuterios possam estar autorizados a utilizar a
forccedila na medida em que tal seja razoavelmente considerado como
necessaacuterio tendo em conta as circunstacircncias para a prevenccedilatildeo de um crime
ou para deter ou ajudar agrave detenccedilatildeo legal de delinquentes ou de suspeitos
qualquer uso da forccedila fora deste contexto natildeo eacute permitido
b) A lei nacional restringe normalmente o emprego da forccedila pelos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei de acordo com o princiacutepio
da proporcionalidade Deve-se entender que tais princiacutepios nacionais
de proporcionalidade devem ser respeitados na interpretaccedilatildeo desta
disposiccedilatildeo
A presente disposiccedilatildeo natildeo deve ser em nenhum caso interpretada no
sentido da autorizaccedilatildeo do emprego da forccedila em desproporccedilatildeo com o
legiacutetimo objetivo a atingir
c) O emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem
fazer-se todos os esforccedilos no sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de
31 Diretrizes para a efetiva implementaccedilatildeo do Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei Adotado pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU em 1986 por meio da resoluccedilatildeo nordm 198661
26
fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo utilizar-se
armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou
quando de qualquer forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja
suficientes medidas menos extremas para o dominar ou deter Cada vez que
uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as
autoridades competentesrdquo
Observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP tambeacutem natildeo respeitou as disposiccedilotildees dos
Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios
Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (Princiacutepios Baacutesicos) outra normativa no acircmbito
da ONU a qual o Brasil estaacute submetido
32
Eacute escandaloso o descompasso da atuaccedilatildeo policial com o que determina o
paraacutegrafo 5 desse importante documento Veja-se
32 Disponiacutevel em httppontoeletronicomewp-contentuploads20130613jun2013-policial-se-prepara-para-atirar-contra-manifestantes-durante-protesto-contra-o-aumento-da-tarifa-do-transporte-coletivo-realizado-pelas-ruas-da-regiao-central-de-sao-paulo-1371176850700_1920x1080jpg
27
ldquo5 Sempre que o uso legiacutetimo da forccedila e de armas de fogo for inevitaacutevel
os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
(a) Exercer moderaccedilatildeo no uso de tais recursos e agir na proporccedilatildeo da
gravidade da infraccedilatildeo e do objetivo legiacutetimo a ser alcanccedilado
(b) Minimizar danos e ferimentos e respeitar e preservar a vida humana
(c) Assegurar que qualquer indiviacuteduo ferido ou afetado receba assistecircncia e
cuidados meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel
(d) Garantir que os familiares ou amigos iacutentimos da pessoa ferida ou afetada
sejam notificados o mais depressa possiacutevel
Diante dos fatos narrados na inicial eacute possiacutevel se questionar O uso legiacutetimo da
forccedila foi inevitaacutevel Houve infraccedilatildeo grave dos manifestantes para justificar a proporccedilatildeo da
forccedila policial aplicada Houve por parte da PMESP a prestaccedilatildeo de assistecircncia e cuidados
meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel As forccedilas repressivas do Estado garantiram a imediata
notificaccedilatildeo dos feridos
A resposta eacute veementemente negativa para todas essas questotildees
Independentemente dos questionamentos acima tambeacutem natildeo eacute possiacutevel
identificar qual o objetivo legiacutetimo da atuaccedilatildeo da PMESP A proacutepria intenccedilatildeo de dispersatildeo
jaacute ofende o direito agrave reuniatildeo legalmente exercido pela manifestaccedilatildeo puacuteblica presente nos 8
casos trazidos na inicial poreacutem a PMESP foi aleacutem pois contrariou os princiacutepios 13 e 14
dos Princiacutepios Baacutesicos33 ainda que tais manifestaccedilotildees fossem consideradas ilegais e
violentas
Ora estaacute mais do que claro que a utilizaccedilatildeo de armamento de fogo com
municcedilatildeo de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral estariam
absolutamente descartadas se fossem cumpridas as normativas internacionais para
o uso da forccedila
33 A transcriccedilatildeo dos artigos 13 e 14 dos princiacutepios baacutesicos estaacute na paacutegina 16
28
Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais
mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito
internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de
proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade
Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser
sempre a uacuteltima opccedilatildeo
O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias
ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no
sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida
74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo
da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um
contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente
treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo
contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente
quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis
Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente
controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave
forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro
juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo
34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre
Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)
29
iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia
de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma
confiaacutevel36
Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees
da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da
liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX
que ora transcreve-se
Artigo XIX
Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito
inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e
transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente
de fronteiras
Artigo XX
1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas
2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo
Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre
Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem
assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o
relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de
controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto
identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees
36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
30
administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo
das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas
investigaccedilotildees
Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho
de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma
das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de
maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila
de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel
abuso da forccedila
Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas
administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em
manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente
necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de
planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso
abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo
recomendou as seguintes medidas
a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da
forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas
b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees
c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para
verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores
A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao
Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde
partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de
comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela
PMESP no dia 13 de junho de 2014
31
Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que
um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem
de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros
internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em
qualquer outra manifestaccedilatildeo popular
iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO
DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO
Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo
em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de
direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)
ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi
realizada de forma violenta e ilegal
Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem
evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De
acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude
adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia
perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois
A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de
gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a
Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como
pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era
como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e
violecircncia
Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na
direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria
Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos
os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da
Silva)
32
ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um
cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a
ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha
muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais
lanccedilavam bomba por nada para todos os lados
Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as
pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva
[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se
acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas
entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]
quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para
deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos
Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando
com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta
velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo
tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas
pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As
33
pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas
que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair
de laacute
Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o
traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato
mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da
accedilatildeo repressiva
A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava
dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na
Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []
Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente
rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais
comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como
eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para
dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no
chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador
34
Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante
recorrentes
Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um
ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial
mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua
patricinha vagabundarsquo ele me dizia
[]
Vai embora sua prostituta
A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer
seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente
sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral
Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo
Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes
puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz
que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no
35
sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo
utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer
forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou
deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades
competentes
No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de
Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma
de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de
armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal
aviso deve ser feito de forma clara e adequada
Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento
10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente
a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo
suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando
tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave
ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso
Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a
utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo
de armas de fogo
Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a
grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade
policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma
sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma
36
manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos
princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38
Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)
manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de
proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo
com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado
ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever
de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e
menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas
deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme
os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo
A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa
de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila
Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do
Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas
envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para
que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio
ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se
identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza
as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila
outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude
exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
37
[]
A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica
implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto
proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com
proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de
reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O
grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja
considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do
que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de
maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se
encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o
uso da forccedila resulta desproporcionado
Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da
aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute
internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado
internacional de direitos humanos
Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com
documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema
necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas
de seguranccedila
iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE
POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES
Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a
de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de
identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria
responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)
41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15
38
ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo
ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem
os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na
Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo
onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam
muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito
desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada
um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e
depois soltarrdquo
Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume
havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as
normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo
usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento
Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute
tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma
Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por
parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em
particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo
identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de
2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos
gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de
3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se
SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou
nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto
de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os
rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido
possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante
42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319
39
agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da
corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos
A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)
que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o
Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica
informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de
identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou
crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas
pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e
ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento
Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento
feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -
organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo
com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a
manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da
Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois
se espalharam pelo centro
Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se
determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular
Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito
interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a
atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu
Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta
manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial
em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes
policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees
O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo
em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial
40
No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado
de se identificarem previamente como tais no momento de advertir
com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a
forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua
atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees
estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e
adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se
f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de
seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas
ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever
potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim
de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no
terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e
comportamento policial
Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a
identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que
cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e
ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se
g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as
forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de
abusos ou atos de violecircncia
h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou
judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas
operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos
no curso das mesmas
41
Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos
cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013
em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos
A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou
que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem
disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes
em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que
confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns
trechos da mateacuteria
Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes
sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas
delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo
Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo
investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute
abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi
concluiacuteda e nenhum policial foi punido
A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute
os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo
processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1
de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014
Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de
Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum
policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21
policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato
Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e
tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e
ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades
43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)
42
v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS
CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES
Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do
Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa
atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute
de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila
Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em
manifestaccedilotildees futuras
Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute
imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo
temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de
confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo
Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a
negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A
proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da
Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que
Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os
governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar
atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos
especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da
forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a
compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de
persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos
destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados
da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e
procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos
43
Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um
negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se
evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se
e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves
manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes
para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e
protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de
conflito
Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na
Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos
publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72
daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue
72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no
uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a
resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das
multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como
meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45
Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de
Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia
da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se
44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf
44
38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um
verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades
policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da
manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico
Suiacuteccedila e outros paiacuteses47
Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os
documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador
civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco
de conflito social
vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa
de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na
dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila
notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas
O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar
Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre
recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo
Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem
alguns trechos
No comando do choque eu soacute recebi precircmios
47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora
45
Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe
pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de
Satildeo Paulo
ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de
protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo
A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho
quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e
pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo
foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do
centro saqueadas
Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da
Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui
ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou
A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v
Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de
dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute
o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte
ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar
seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito
negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50
Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando
preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa
policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre
expressatildeo
49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)
46
ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees
razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento
paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem
violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da
legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento
de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo
manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma
manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das
pessoasrdquo52
Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho
de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante
da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo
A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava
subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e
um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas
patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de
brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo
tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha
bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa
assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou
brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo
[]
Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos
policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles
ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar
sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E
todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado
52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas
47
do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo
para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo
[]
Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu
encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de
gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba
nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para
os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de
novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me
lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de
Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo
mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da
poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo
estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e
nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo
[]
A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes
Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a
gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem
Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o
pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes
lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila
Roosevelt
[]
O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da
Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava
que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente
ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima
tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali
natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando
bomba em cima da gente
O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da
Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e
intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso
desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a
48
agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de
Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se
ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees
policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso
indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o
membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para
proteger seus companheiros ali presentesrdquo54
Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave
determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve
permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo
administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes
vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A
ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica
do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e
internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo
puacuteblico
Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da
forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a
formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas
53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo
49
Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que
ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e
de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na
elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e
minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e
de armas de fogordquo
Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para
determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila
deveriam seguir Aqui estatildeo elas
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo
da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os
tipos de armas e municcedilotildees permitidas
(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias
apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio
(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos
injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis
(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas
de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas
armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de
armas de fogo
50
(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no
desempenho das suas funccedilotildees
Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila
e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia
da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece
as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila
Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como
aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos
agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento
dessas diretrizes
1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar
nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e
deveraacute considerar primordialmente
a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela
Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na
sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979
b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de
Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados
pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo
198961 de 24 de maio de 1989
c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo
Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o
Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto
a 7 de setembro de 1999
d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis
Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees
Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de
1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991
51
Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade
resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a
necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna
ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial
Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao
Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que
tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria
9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos
disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo
objetivamente
a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas
b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao
ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no
evento
c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo
perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento
d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees
desnecessaacuterias e risco injustificado e
e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente
de seguranccedila puacuteblica
Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do
Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de
Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que
regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees
Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se
natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como
a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de
manifestaccedilotildees e reuniotildees populares
52
Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro
miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos
que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e
sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil
6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE
DIREITOS HUMANOS
O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado
por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica
contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso
internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados
no que tange agrave dignidade humana
De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados
natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a
dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados
podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros
Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos
que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos
internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas
Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo
terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua
responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos
internacionalmente admitidos
55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf
53
Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56
apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute
um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees
como prova para outro procedimento de julgamento internacional do
Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura
ignorada
Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados
no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos
normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo
Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina
se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses
oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o
jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi
distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda
externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados
ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos
constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os
paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o
respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil
continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos
nacionalmente57
Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da
presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o
que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada
56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355
54
7) CONCLUSAtildeO
A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm
Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para
resoluccedilatildeo da presente controveacutersia
Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e
histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma
expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo
se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do
Estado de Satildeo Paulo
Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a
atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa
padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia
O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo
Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos
Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que
expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e
que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente
demanda
55
8) PEDIDO
Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como
amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae
requer-se seu recebimento como memoriais
Termos em que
Pede deferimento
Satildeo Paulo 17 de julho de 2014
Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs
OABSP 262284 OABSP 101663
Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni
OABSP 284930 OABSP 286871
Sheila Santana de Carvalho
OABSP 343588
6
Com relaccedilatildeo aos fins institucionais da associaccedilatildeo autora vale transcrever o
inciso VI do artigo 3ordm e o paraacutegrafo 1ordm item ldquodrdquo do mesmo artigo de seu Estatuto (doc
01) in verbis
Artigo 3ordm - A ASSOCIACcedilAtildeO seraacute regida nos termos da Lei 979099 e
teraacute por finalidade promover apoiar monitorar e avaliar projetos em
direitos humanos em niacutevel nacional e internacional em especial
[]
VI ndash promoccedilatildeo e defesa dos direitos humanos em acircmbito judicial
Paraacutegrafo 1ordm - A ASSOCIACcedilAtildeO pode para consecuccedilatildeo de seus
objetivos institucionais utilizar todos os meios permitidos na lei
especialmente para
[]
g) Promover accedilotildees judiciais visando agrave efetivaccedilatildeo dos direitos
humanos
Restam desde modo devidamente demonstrados os requisitos necessaacuterios para a
admissatildeo da presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae quais sejam relevacircncia da
mateacuteria discutida a representatividade do postulante e sua legitimidade
3) OBJETO DA PRESENTE DEMANDA
A presente accedilatildeo civil puacuteblica fundamenta-se em 8 fatos que demonstram a
violaccedilatildeo sistemaacutetica que o Estado de Satildeo Paulo promove em face dos direitos das pessoas
reunirem-se independentemente de autorizaccedilatildeo para a realizaccedilatildeo de atos manifestaccedilotildees e
protestos em locais puacuteblicos na Cidade de Satildeo Paulo
A demanda tem como objeto aleacutem da tutela reparatoacuteria a determinaccedilatildeo de
obrigaccedilatildeo de fazer e de natildeo fazer ao Estado de Satildeo Paulo no que tange agrave atuaccedilatildeo de sua
Policia Militar em manifestaccedilotildees puacuteblicas a fim de cumprir com garantias e direitos
fundamentais expressos na Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica como o direito de reuniatildeo o direito
7
ao lazer o direito agrave cidade a liberdade de expressatildeo e o livre exerciacutecio profissional de
jornalistas
Argumenta-se que o procedimento adotado pela Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo
Paulo em cada uma das 8 situaccedilotildees narradas trouxe danos irreversiacuteveis para as pessoas que
tiveram direitos suprimidos pela atividade repressiva e danos sociais para a coletividade
diante da grave violaccedilatildeo de preceitos fundamentais do Estado Democraacutetico de Direito
A autora requer a condenaccedilatildeo do reacuteu para que expeccedila ato normativo definindo
paracircmetros de atuaccedilatildeo da PMESP em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se
abstenha de impor condiccedilotildees ou limites de tempo e lugar agraves reuniotildees e manifestaccedilotildees
puacuteblicas de portar arma de fogo de utilizar gaacutes lacrimogecircneo e bombas de efeito moral
para dissolver aglomeraccedilotildees antes de comunicar os manifestantes em tempo haacutebil para sua
compreensatildeo e acatamento de postar a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de
Satildeo Paulo em manifestaccedilotildees paciacuteficas e de impedir qualquer cidadatildeo de captar imagem e
som de seus agentes em atuaccedilatildeo para identificar adequadamente todos os policiais atuando
em acompanhamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas para indicar negociador civil e para ser
responsabilizado pelos danos sofridos pela coletividade ou individualmente
Tendo em vista que o tema eacute de extrema relevacircncia a organizaccedilatildeo CONECTAS
DIREITOS HUMANOS que ora se manifesta na qualidade de amicus curiae oferece nesta
oportunidade argumentos em favor da concessatildeo antecipada dos efeitos da tutela
pretendida e do julgamento pela TOTAL PROCEDEcircNCIA da presente Accedilatildeo Civil
Puacuteblica pelas razotildees a seguir expostas
4) PROMOCcedilAtildeO E PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS HUMANOS NO CONTEXTO DE PROTESTOS
SOCIAIS
A ndash INTRODUCcedilAtildeO
Ao longo da histoacuteria protestos e outros meios de participaccedilatildeo social formaram
um elemento essencial de vibrantes sociedades democraacuteticas Embora a palavra ldquoprotestordquo
natildeo apareccedila no texto de tratados internacionais o sistema internacional de proteccedilatildeo dos
8
direitos humanos inegavelmente protege o direito de protestar em reconhecimento aos
direitos de reuniatildeo liberdade de expressatildeo de opiniatildeo e de associaccedilatildeo
Entretanto nos uacuteltimos anos o crescente nuacutemero de manifestaccedilotildees populares
pelo mundo vem se deparando com reaccedilotildees violentas das autoridades do Estado - em
regra os proacuteprios contestados nas manifestaccedilotildees Nesse sentido governos optam por
impor restriccedilotildees ao direito de reuniatildeo natildeo soacute ilegais mas contraacuterias ao proacuteprio conceito de
Estado Democraacutetico
Eacute nesse contexto que a presente demanda se insere e que a CONECTAS DIREITOS
HUMANOS viu-se compelida a se manifestar como amicus curiae para oferecer um breve
panorama dos principais paracircmetros internacionais que regulam o comportamento
da poliacutecia e particularmente o uso da forccedila no contexto de manifestaccedilotildees
populares
B ndash PRINCIPAIS NORMAS INTERNACIONAIS QUE REGULAM O USO DA FORCcedilA PELA
POLIacuteCIA
A niacutevel global existem 2 conjuntos de documentos que tratam especificamente da
regulaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia o Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios
Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei de 19793 (doc 4) com as diretrizes para sua efetiva
implementaccedilatildeo4 e os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei de 19905 (doc 5)
Amplamente tidas como declaraccedilotildees oficiais de direito internacional6 esses
instrumentos satildeo frequentemente mencionados pelos mecanismos regionais de direitos
3 Adotado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo nordm 34169 4 Adotado pelo Resoluccedilatildeo Conselho Social e Econocircmico da ONU nordm 198661 5 Adotado pela Conferecircncia de Crime das Naccedilotildees Unidas 6 Relatoacuterio apresentado na Assembleia Geral em 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on
9
humanos e tecircm sido repetidamente referenciados por vaacuterios oacutergatildeos da ONU7 como
expressatildeo dos princiacutepios da proporcionalidade e da estrita necessidade do uso da forccedila
policial destacando ainda que o uso de potencial forccedila letal deve ser sempre excepcional
A preocupaccedilatildeo da comunidade internacional com a efetividade dos direitos
universais de livre expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo fez com que fosse criada no
acircmbito da ONU a figura do Relator Especial sobre os Direitos de Liberdade de
Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo
Aleacutem disso haacute de ser destacado que em maio de 2011 o Relator Especial da
ONU sobre Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias ou Arbitraacuterias apresentou um
estudo ao Conselho de Direitos Humanos da organizaccedilatildeo concluindo que os sistemas
legais de muitos paiacuteses ainda natildeo aderiram aos padrotildees internacionais miacutenimos
relacionados ao uso da forccedila policial8
61 A princiacutepio disparar indiscriminadamente contra uma multidatildeo natildeo eacute
permitido e soacute pode se voltar ao indiviacuteduo ou grupo que constitui ameaccedila
de morte ou ferimentos graves O uso de armas de fogo natildeo pode ser
justificado apenas porque uma reuniatildeo eacute ilegal que tenha deva ser
dispersada ou para se proteger a propriedade Isso muitas vezes natildeo estaacute
refletido nas leis do paiacutes
62 Nos termos do Coacutedigo de Conduta e dos Princiacutepios Baacutesicos a norma a
respeito do uso intencional de forccedila letal eacute a mesma em todas as
circunstacircncias mesmo em auto-defesa prisatildeo contenccedilatildeo de revolta popular
the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 7 Entre outros Resoluccedilotildees do Conselho de Direitos Humanos observaccedilotildees finais de vaacuterios corpos de tratados como o Comitecirc de Direitos Humanos e o Comitecirc Contra a Tortura aleacutem dos relatos de procedimentos especiais 8 Relatoacuterio do Relator Especial sobre execuccedilotildees extrajudicias sumaacuterias ou arbitraacuterias apresentado agrave Assembleia Geral em 23052011 (AHRC1728) paraacutegrafos 61 e 62 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf
10
ou em quaisquer outras circunstacircncias ou seja somente em proteccedilatildeo da
vida9
No acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos (CIDH) por meio do Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos
Humanos (2009) (doc 7) e do Relatoacuterio sobre a Situaccedilatildeo dos Defensores dos
Direitos Humanos nas Ameacutericas (2012) (doc 8) definiu paracircmetros concretos para
regular o policiamento de protestos que inclui nomeadamente a proibiccedilatildeo do uso de
forccedila letal a necessidade de treinamento adequado para o policiamento durante
manifestaccedilotildees de massa e a exigecircncia de identificaccedilatildeo clara e individual dos policiais
Nota-se que os paracircmetros da CIDH tambeacutem reforccedilam os princiacutepios da
proporcionalidade e da estrita necessidade aleacutem de reconhecer que o direito de protestar eacute
uma forma de expressatildeo coletiva que deve ser garantida10
Natildeo eacute demais destacar que na Europa estaacute vigente um Coacutedigo Europeu de Eacutetica
Policial que conteacutem uma seccedilatildeo inteira dedicada ao policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas
que incluem obrigaccedilotildees processuais e materiais sobre as forccedilas de seguranccedila antes durante
e apoacutes as manifestaccedilotildees acontecerem aleacutem de um foco especial sobre as obrigaccedilotildees da
poliacutecia quando as forccedilas de seguranccedila tomam medidas para dispersar a multidatildeo11
9 Traduccedilatildeo livre de 61 In principle shooting indiscriminately into a crowd is not allowed and may only be targeted at the person or persons constituting the threat of death or serious injury The use of firearms cannot be justified merely because a particular gathering is illegal and has to be dispersed or to protect property This is often not reflected in domestic laws 62 In terms of the Code and the Basic Principles the norm in respect of the intentional use of lethal force is the same under all circumstances whether in self-defence arrest quelling a riot or any other circumstances namely protection of life 10 ldquoComo a jurisprudecircncia do sistema interamericano explicou em numerosas ocasiotildees a liberdade de expressatildeo eacute um direito que tem duas dimensotildees uma dimensatildeo individual que consiste no direito de cada pessoa para expressar seus pensamentos ideias e informaccedilotildees e uma dimensatildeo coletiva ou social que consiste no direito da sociedade de obter e receber todas as informaccedilotildees para saber os pensamentos ideias e informaccedilotildees de outras pessoas para estarem bem informadosrdquo CIDH Escritoacuterio do Relator Especial pela Liberdade de Expressatildeo The inter-American legal framework regarding the right to freedom of expression (OEA SerLVII CIDHRELEINF (2009) par 13 Traduccedilatildeo livre de ldquoAs the case law of the inter-American system has explained on numerous occasions freedom of expression is a right that has two dimensions an individual dimension consisting of the right of each person to express her own thoughts ideas and information and a collective or social dimension consisting of societyrsquos right to obtain and receive any information to know the thoughts ideas and information of others and to be well-informedrdquo 11 Paraacutegrafo 176 da Segunda Ediccedilatildeo das Diretrizes da OSCE Detalhando por exemplo a obrigaccedilatildeo de estabelecer procedimentos de descontaminaccedilatildeo de produtos quiacutemicos irritantes utilizados em
11
A Corte Europeia de Direitos Humanos inclusive jaacute adotou posicionamentos
importantes sobre o tema como a presunccedilatildeo em favor do caraacuteter paciacutefico de todas as
manifestaccedilotildees12 a legitimidade das manifestaccedilotildees de uso do espaccedilo puacuteblico ainda que
causem um certo grau de perturbaccedilatildeo na vida cotidiana13 a necessidade de avaliar o
comportamento do indiviacuteduo separadamente do da multidatildeo14 e o ocircnus da prova de
manifestantes com intenccedilotildees ou accedilotildees violentas que recai sobre as autoridades15
Com o que seraacute esmiuccedilado a seguir este mm Juiacutezo teraacute condiccedilotildees de
observar que o Estado de Satildeo Paulo em sua competecircncia de regulamentar e
controlar a atividade de sua poliacutecia militar aleacutem de desrespeitar a proacutepria
Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil viola absolutamente TODAS AS
NORMAS INTERNACIONAIS jaacute estabelecidas para o uso da forccedila policial
5) DO USO DA FORCcedilA PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO NO DIA 13 DE
JUNHO DE 2013
Em 13 de junho de 2013 uma das situaccedilotildees de fato trazidas agrave demanda a Poliacutecia
realizava em Satildeo Paulo uma das mais violentas repressotildees a manifestaccedilotildees desde o fim da
ditadura militar Numa noite de horror coletivo raramente vista milhares de pessoas que
manifestantes a proibiccedilatildeo de utilizar a forccedila contra manifestantes paciacuteficos que satildeo incapazes de dispersar o dever de manter registros detalhados sobre o tipo de forccedila utilizada e a obrigaccedilatildeo de investigar a causa de mortes ou ferimentos entre outros 12 Uma assembleacuteia seraacute considerada paciacutefica enquanto os participantes estiverem paciacuteficos mesmo que os organizadores natildeo cumpram com todos os requisitos legais necessaacuterios para o desenvolvimento da manifestaccedilatildeo Oya Ataman v Turkey no 7455201 ECHR 2006 e Cisse v France no 5134699 sect 37 ECHR 2002 Traduccedilatildeo livre de ldquoAn assembly will be deemed peaceful as long as the participants remain peaceful even if the organizers have not complied with all legal requirements prior to the assemblyrdquo 13 Patyi and Others v Hungary no 552905 sectsect 42-43 ECHR 2008 Balccedilik and Others v Turkey no 2502 sect 52 ECHR 2007 Ashughyan v Armenia no 3326803 sect 90 ECHR 2008 14 ldquouma pessoa natildeo deixa de gozar do direito de reuniatildeo paciacutefica em casos de violecircncia esporaacutedica ou outros atos puniacuteveis cometidos por outras no curso da manifestaccedilatildeo se permanece tranquilo em suas proacuteprias intenccedilotildees ou comportamentosrdquo Ziliberberg v Moldova (dec) no 6182100 ECHR 2004 Traduccedilatildeo livre de ldquoan individual does not cease to enjoy the right to peaceful assembly as a result of sporadic violence or other punishable acts committed by others in the course of the demonstration if the individual in question remains peaceful in his or her own intentions or behaviourrdquo 15 Christian Democratic Peoplersquos Party v Moldova (No 2) no 2519604 sect 23 ECHR 2010
12
participavam de um protesto paciacutefico no centro da cidade se viram cercadas por tropas
policiais em um labirinto violento que atravessou a noite e cujas traacutegicas consequecircncias se
fazem sentir ainda hoje especialmente para os que carregaratildeo sequelas fiacutesicas e emocionais
Esse caso mostra evidente que os procedimentos adotados pela seguranccedila puacuteblica
paulista natildeo respeitaram os protocolos internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila
aleacutem de descumprir tratados e convenccedilotildees internacionais que o Brasil eacute signataacuterio e natildeo
seguir as recomendaccedilotildees das organizaccedilotildees internacionais das quais o Brasil eacute parte
Satildeo numerosos os relatos e evidecircncias de violecircncia fiacutesica contra os manifestantes
em 13 de junho de 2013 inclusive em desfavor de pessoas rendidas deitadas desarmadas e
desprovidas de qualquer acircnimo de resistecircncia Muitas destas pessoas foram espancadas e
atingidas por disparos de balas de borracha
Foram relatados ainda atos de violecircncia contra pessoas que natildeo estavam
participando dos protestos inclusive idosos e crianccedilas16 Foram registradas cenas onde a
Poliacutecia invadiu ateacute mesmo hospitais a fim de localizar pessoas que teriam participado dos
protestos17 Aleacutem disso apoacutes o grande nuacutemero de manifestantes jaacute ter sido dispersado
foram registradas cenas onde a Poliacutecia invadiu estabelecimentos comerciais supostamente
em busca dos manifestantes e agrediu pessoas18 Segundo relatos dos organizadores do
evento mais de 100 pessoas ficaram feridas19 em decorrecircncia da accedilatildeo truculenta da Poliacutecia
naquele dia
16 Ver por exemplo PORTAL DE NOTIacuteCIAS TERRA ldquoBomba de gaacutes lacrimogecircneo atinge carro de um idoso que estava de passagemrdquo viacutedeo publicado no 14 de junho de 2013 13h50 disponiacutevel no link httpterratvterracombrvideosNoticiasBrasilCidades4828-474261Bomba-de-gas-lacrimogeneo-cai-dentro-de-carro-em-protesto-em-SPhtm 17 Ver depoimento no site do Coletivo Antiproibicionista de Satildeo Paulo ldquoPM retira feridos a forccedila de hospital e impede atendimentordquo 14 de junho de 2013 disponiacutevel no link httpcoletivodarorg201306pm-retira-feridos-a-forca-de-hospital-e-impede-atendimento
18Ver por exemplo JORNAL FOLHA DE SAtildeO PAULO ldquoApoacutes confronto casal eacute agredido por PMs na regiatildeo da Paulistardquo 14 de junho de 2013 00h52 disponiacutevel em httpwww1folhauolcombrcotidiano2013061294916-apos-confronto-casal-e-agredido-por-pms-na-regiao-da-paulistashtml 19
Os dados finais sobre o numero de feridos ainda estatildeo sendo organizados pelo MPL e pela Defensoria
Puacuteblica de Satildeo Paulo Para uma estimativa ver infograacutefico JORNAL FOLHA DE SAtildeO PAULO ldquoDos 235
detidos em protesto 231 satildeo liberados apoacutes prestar depoimentordquo 14 de junho 2013 07h25 disponiacutevel
emhttpwww1folhauolcombrcotidiano2013061294960-dos-235-detidos-em-protesto-231-sao-
liberados-apos-prestar-depoimentoshtml
13
Abaixo demonstra-se detalhadamente cada norma dos protocolos internacionais
para a utilizaccedilatildeo da forccedila que foram descumpridas pela Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo
Paulo contribuindo-se para o livre convencimento deste mm Juiacutezo a dar total procedecircncia
agrave presente accedilatildeo civil puacuteblica
i - DA INTERRUPCcedilAtildeO DA REUNIAtildeO PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO
VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS
Um dia que ficaria para a histoacuteria como a maior expressatildeo do exerciacutecio do direito
constitucional de reuniatildeo da liberdade de expressatildeo e de locomoccedilatildeo na verdade tornou-se
a maior expressatildeo da restriccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da proacutepria Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Observa-
se que a justificativa de se liberar o traacutefego de veiacuteculos para garantir a manutenccedilatildeo da
ordem puacuteblica foi a causa que deu iniacutecio agrave accedilatildeo ilegal e truculenta da Poliacutecia Militar do
Estado de Satildeo Paulo (PMESP)
Nota-se das paacuteginas 21 e 22 da exordial que as proacuteprias forccedilas de seguranccedila
tomaram a iniciativa de encerrar o ato que reuniu cerca de 15 mil pessoas que caminhavam
pelas ruas de Satildeo Paulo
Ocorre que aleacutem de ilegal e inconstitucional essa medida ofende diretamente a
Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos (Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica)
incorporada ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 68792
Eacute o que diz a Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos no Marco Juriacutedico
Interamericano Sobre o Direito agrave Liberdade de Expressatildeo20 onde seu paraacutegrafo 82
assevera
20 Apresentado pela Relatoria para a Liberdade de Expressatildeo da Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos 2010 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhexpresiondocspublicacionesMARCO20JURIDICO20INTERAMERICANO20DEL20DERECHO20A20LA20LIBERTAD20DE20EXPRESION20ESP20FINAL20portadadocpdf (acessado em 04062014)
14
ldquoqualquer afetaccedilatildeo da ordem puacuteblica invocada como justificaccedilatildeo para limitar
a liberdade de expressatildeo deve obedecer causas reais e objetivamente
verificaacuteveis que signifiquem uma ameaccedila certa e acreditaacutevel de uma
perturbaccedilatildeo potencialmente grave das condiccedilotildees baacutesicas para o
funcionamento das instituiccedilotildees democraacuteticasrdquo21
Nota-se do conjunto probatoacuterio juntado aos autos que antes da atuaccedilatildeo policial
natildeo houve qualquer risco razoaacutevel de distuacuterbio grave natildeo havendo possibilidade diante da
Convenccedilatildeo Americana de se promover a dispersatildeo da manifestaccedilatildeo simplesmente pela
ocupaccedilatildeo de uma via puacuteblica
Eacute o que diz a continuaccedilatildeo do dispositivo mencionado acima
ldquoEm consequecircncia natildeo eacute suficiente invocar meras conjecturas sobre
eventuais afetaccedilotildees da ordem nem circunstacircncias hipoteacuteticas derivadas
de interpretaccedilotildees das autoridades diante de fatos que natildeo representem
claramente um risco razoaacutevel de distuacuterbios graves Uma interpretaccedilatildeo mais
ampla ou indeterminada abriria um campo inadmissiacutevel agrave arbitrariedade e
restringiria a raiz da liberdade de expressatildeo que forma parte integral da
ordem puacuteblica protegida pela Convenccedilatildeo Americanardquo22
Dentre as pessoas viacutetimas da violecircncia policial do dia 13062013 dez prestaram
relatos agrave requerente sobre o que ocorreu naquela noite em Satildeo Paulo (doc 6) informando
que PMESP perseguiu prendeu agrediu e feriu indiscriminadamente natildeo apenas
manifestantes mas tambeacutem jornalistas e moradores dos bairros por onde a marcha passou
21 Traduccedilatildeo livre de ldquocualquier afectacioacuten del orden puacuteblico invocada como justificacioacuten para limitar la libertad de expresioacuten debe obedecer a causas reales y objetivamente verificables que planteen una amenaza cierta y creiacuteble de una perturbacioacuten potencialmente grave de las condiciones baacutesicas para el funcionamiento de las instituciones democraacuteticasrdquo 22 Traduccedilatildeo livre de ldquo En consecuencia no resulta suficiente invocar meras conjeturas sobre eventuales afectaciones del orden ni circunstancias hipoteacuteticas derivadas de interpretaciones de las autoridades frente a hechos que no planteen claramente un riesgo razonable de disturbios graves (ldquoviolencia anaacuterquicardquo) Una interpretacioacuten maacutes amplia o indeterminada abririacutea un campo inadmisible a la arbitrariedad y restringiriacutea de raiacutez la libertad de expresioacuten que forma parte integral del orden puacuteblico protegido por la Convencioacuten Americanardquo
15
Veja-se o depoimento de uma delas
A manifestaccedilatildeo seguiu pela av Ipiranga ateacute o iniacutecio da rua da Consolaccedilatildeo
onde jaacute havia viaturas policiais acompanhando a multidatildeo Ateacute entatildeo a
movimentaccedilatildeo desses policiais era tranquila como a dos proacuteprios
manifestantes Eles caminhavam com suas faixas bandeiras camisas com
dizeres de protesto gritos enfim uma manifestaccedilatildeo como outra qualquer
Entrando na rua da Consolaccedilatildeo o clima comeccedilou a ficar diferente Em
frente agrave Praccedila Roosevelt havia uma barreira de guardas civis da Guarda
Civil Metropolitana (GCM) Eles se posicionaram com escudos e cassetetes
formando uma barreira humana nas escadarias da Praccedila Roosevelt para que
os manifestantes natildeo ocupassem aquele espaccedilo []
Seguindo ainda nesse trecho da rua da Consolaccedilatildeo a Poliacutecia Militar do
estado de Satildeo Paulo posiciona alguns veiacuteculos duas ou trecircs viaturas (natildeo me
recordo bem) e comeccedila um diaacutelogo (podemos chamar assim) entre alguns
policiais alguns manifestantes e o pessoal da imprensa Posso dizer com
absoluta certeza que eram pouquiacutessimas pessoas nesse diaacutelogo dois ou trecircs
policiais cinco ou seis manifestantes e o resto era da imprensa Eu estava
proacuteximo do local dessa conversa e o pouco que eu consegui ouvir era da
voz de um policial dizendo que os manifestantes natildeo poderiam continuar
naquele trajeto ou seja subir a rua da Consolaccedilatildeo em direccedilatildeo agrave av Paulista
que era o trajeto que aquela manifestaccedilatildeo queria fazer
16
Ao adotar a formaccedilatildeo de confronto e impedir o prosseguimento da manifestaccedilatildeo
paciacutefica a PMESP impediu o exerciacutecio do direito de reuniatildeo e livre expressatildeo de cerca de
15 mil pessoas Natildeo satisfeita ainda iniciou o lanccedilamento de bombas e tiros com municcedilatildeo
de elastocircmero contra as pessoas reunidas ali pacificamente
23
Claramente ao interromper as pessoas ali reunidas que marchavam
pacificamente a PMESP rasgou todas as cartas de direitos que reconhecem a liberdade de
reuniatildeo e de expressatildeo - a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica a Declaraccedilatildeo Universal de Direitos
Humanos e a Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos ndash ferindo tambeacutem os
posicionamentos de organismos internacionais como a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos (CIDH)cedilque sinaliza hipoacuteteses restritas de limitaccedilatildeo do direito de
reuniatildeo no 2ordm Relatoacuterio sobre a Situaccedilatildeo de Defensores e Defensoras de Direitos
Humanos nas Ameacutericas24 (doc 8) Veja-se
ldquo107 Nos uacuteltimos anos alguns paiacuteses tecircm apresentado um aumento no
nuacutemero de accedilotildees penais contra participantes de protestos sociais para a
reivindicaccedilatildeo de direitos utilizando-se de argumentos como a perturbaccedilatildeo
da ordem puacuteblica ou o atentado contra a seguranccedila do Estado Em virtude
da importacircncia que se revestem as manifestaccedilotildees puacuteblicas nos sistemas
democraacuteticos o Estado possui hipoacuteteses restritas para aplicar
limitaccedilotildees nesse sentido mesmo que o direito de reuniatildeo natildeo seja
23 Disponiacutevel em httpimgr7comimages2013061500_13_08_643_filedimensions=780x340 24 Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos 2011 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhdefensoresdocspdfdefensores2011pdf (acessado em 02062014)
17
absoluto ou possa estar sujeito a certos limites essas justificativas
devem ser razoaacuteveis para se assegurar o desenvolvimento paciacutefico das
manifestaccedilotildees e devem reger-se ldquopelos princiacutepios da legalidade da
necessidade e da proporcionalidaderdquo25
A importacircncia destes firmes posicionamentos da CIDH fundamenta-se em sua
proacutepria funccedilatildeo institucional de interpretar e recomendar a melhor aplicaccedilatildeo da
Convenccedilatildeo que claramente reconhece na atividade administrativa do Estado de Satildeo
Paulo a violaccedilatildeo de dois de seus artigos abaixo transcritos
Artigo 13 - Liberdade de pensamento e de expressatildeo
Toda pessoa tem o direito agrave liberdade de pensamento e de expressatildeo Esse
direito inclui a liberdade de procurar receber e difundir informaccedilotildees e ideacuteias
de qualquer natureza sem consideraccedilotildees de fronteiras verbalmente ou por
escrito ou em forma impressa ou artiacutestica ou por qualquer meio de sua
escolha
Artigo 15 - Direito de reuniatildeo
Eacute reconhecido o direito de reuniatildeo paciacutefica e sem armas O exerciacutecio desse
direito soacute pode estar sujeito agraves restriccedilotildees previstas em lei e que se faccedilam
necessaacuterias em uma sociedade democraacutetica ao interesse da seguranccedila
nacional da seguranccedila ou ordem puacuteblicas ou para proteger a sauacutede ou a
moral puacuteblicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas
25 Traduccedilatildeo livre de ldquo107 En los uacuteltimos antildeos se ha presentado una creciente iniciacioacuten de acciones penales en algunos paiacuteses en contra de quienes participan en protestas sociales para la reivindicacioacuten de derechos bajo el argumento de que supuestamente se desarrollariacutean en un marco de perturbacioacuten del orden puacuteblicoo atentariacutean contra la seguridad del Estado En virtud de la importancia que reviste la protesta social en los sistemas democraacuteticos el Estado tiene un marco centildeido para justificar su limitacioacuten en este sentido si bien el derecho de reunioacuten no es absoluto y puede estar sujeto a ciertos liacutemites eacutestos deben ser razonablescon el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las manifestaciones y deben regirse ldquopor los principios de legalidad necesidad y proporcionalidaderdquo
18
Jaacute no acircmbito da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) o Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Poliacuteticos26 exige que os Estados signataacuterios
garantam aos seus cidadatildeos o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de participaccedilatildeo da
conduccedilatildeo de assuntos puacuteblicos sem restriccedilotildees infundadas27
Nessa linha o 8ordm Congresso das Naccedilotildees Unidas sobre a Prevenccedilatildeo do Crime
e o Tratamento dos Delinquentes deu publicidade a um documento formulado para
assistir os Estados membros na tarefa de assegurar e promover a adequada missatildeo dos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo de lei Trata-se dos Princiacutepios Baacutesicos sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da
Lei28 (doc 5) que dentre suas disposiccedilotildees determina que
ldquodevem ser tomados em consideraccedilatildeo e respeitados pelos governos
no acircmbito da legislaccedilatildeo e da praacutetica nacionais e levados ao
conhecimento dos funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei e de
outras pessoas como juiacutezes agentes do Ministeacuterio Puacuteblico
advogados membros do Executivo e do Legislativo bem como do
puacuteblico em geralrdquo
Ao se comprometer com esse documento o Estado Brasileiro compreendido por
Uniatildeo Estados e Municiacutepios natildeo pode deixar de observar suas disposiccedilotildees
Todavia mesmo conhecedor desses paracircmetros o Estado de Satildeo Paulo
por meio da PMESP no dia 13 de junho optou por descumpri-los ao encerrar uma
manifestaccedilatildeo legal e natildeo-violenta
26 Internalizado ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 592 de 6 de julho de 1992 27 Arts 19 21 e 25 28 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)
19
29
A violaccedilatildeo do compromisso internacional estaacute explicitada em seu Princiacutepio 12
que diz que como todos tecircm direito de participar de reuniotildees legiacutetimas e paciacuteficas de acordo com os
princiacutepios expressos na Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional de Direitos
Civis e Poliacuteticos os governos entidades e os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo reconhecer que a forccedila
e as armas de fogo soacute podem ser usadas nos termos dos Princiacutepios 13 e 14
Note-se que tais princiacutepios referem-se a grupos ilegais e violentos o que
claramente natildeo foi o caso das pessoas que estavam nas ruas exercendo seu direito de livre
expressatildeo e reuniatildeo poreacutem ainda que fosse seria inevitaacutevel se observarem os criteacuterios da
proporcionalidade e da estrita necessidade no uso da forccedila policial
Veja-se a transcriccedilatildeo dos Princiacutepios 13 e 14 do protocolo
13 Ao dispersar grupos ilegais mas natildeo-violentos os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo evitar o uso da forccedila ou quando tal natildeo for
possiacutevel deveratildeo restringir tal forccedila ao miacutenimo necessaacuterio
14 Ao dispersar grupos violentos os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute
poderatildeo fazer uso de armas de fogo quando natildeo for possiacutevel usar outros
meios menos perigosos e apenas nos termos minimamente necessaacuterios Os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei natildeo deveratildeo fazer uso de armas de
fogo em tais casos a natildeo ser nas condiccedilotildees previstas no Princiacutepio 9
29 Disponiacutevel em httpwwwvalorcombrsitesdefaultfilesimagecachemedia_library_300_197imagesprotestag_0_8_640_419jpg
20
Ora diante dos fatos eacute impossiacutevel identificar sequer um rastro de observacircncia
deste protocolo pela PMESP seja no dia 13 de junho de 2013 ou nas outras situaccedilotildees
narradas na inicial
Portanto demonstra-se que suposta manutenccedilatildeo da ordem puacuteblica no intuito de
se garantir a circulaccedilatildeo de veiacuteculos natildeo pode do ponto de vista juriacutedico interno e
internacional frustrar o direito de reuniatildeo das pessoas que se encontram em vias puacuteblicas
para exercer seu direito universal agrave liberdade de expressatildeo
ii - DA UTILIZACcedilAtildeO DE ARMAS DE FOGO COM MUNICcedilAtildeO DE ELASTOcircMERO BOMBAS DE
GAacuteS E GRANADAS DE LUZ E SOM PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO
VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS
Os relatos daqueles que participaram da manifestaccedilatildeo (doc 6) sugerem que em
vez de direcionar a marcha num suposto sentido de dispersatildeo os policiais encurralaram
milhares de pessoas num circuito de tiro com balas de borracha saturado com bombas
de gaacutes e granadas de luz e som ao longo de vaacuterias ruas da regiatildeo central Essa taacutetica policial
de encurralamento pode ser observada pelo mapa abaixo o qual explica como se deu o
trajeto realizado pela poliacutecia e manifestantes
21
22
Seacutergio Andrade da Silva de 31 anos eacute um fotoacutegrafo casado e pai de duas
crianccedilas Na noite do protesto ele saiu para trabalhar Faria fotos da marcha para uma
agecircncia de notiacutecias mas acabou horas depois internado no ldquoHospital H Olhosrdquo depois
de ter passado pelo ldquoHospital 9 de Julhordquo onde recebeu doses de morfina para controlar a
dor de duas fraturas na oacuterbita ocular resultante de accedilatildeo da Poliacutecia Militar Sergio levou
cinco pontos dentro do olho esquerdo do qual ficaria definitivamente cego
Transcreve-se abaixo trecho do relato de Sergio que mostra todo o pacircnico que
sentiu no momento da agressatildeo recebida pela PMESP (doc 6)
Fui atingido por uma bala de borracha Tenho quase 180m e a bala me
atingiu exatamente no olho [] A dor foi instantacircnea profunda terriacutevel
Todos os piores adjetivos com que vocecirc puder qualificar a dor eu senti
naquele momento Meu olho inchou rapidamente coloquei a matildeo e minha
paacutelpebra jaacute havia se fechado Muito sangue comeccedilava a cair naquele instante
e pensei lsquofiquei cego Natildeo vou mais conseguir fotografarrsquo Foi a sensaccedilatildeo
que eu tive
Outro relato mostra exatamente o desespero de um cidadatildeo que corre risco de
vida ou de ferimentos graves pela accedilatildeo da proacutepria poliacutecia que supostamente deve
promover a seguranccedila puacuteblica (doc 6)
23
Ali foi o momento mais desesperador mesmo porque natildeo conseguia
respirar achei que ia desmaiar ali comecei a ficar fraca natildeo conseguia correr
mais e fiquei um tempo ali desnorteada com todo aquele gaacutes e continuei
correndohellip Jaacute tinha perdido todo mundo e olhei para os lados estava todo
mundo correndo subindo e natildeo tinha para onde ir a natildeo ser subir a
Augusta Tinha muita gente e natildeo dava para ir raacutepido a gente ficou
encurralado Quando vi estaacutevamos entre uma parede subindo a Augusta
na frente tinha um grupo de policias da Tropa de Choque e atraacutes tambeacutem
Ali foi o momento que fomos emparedados Natildeo tinha o que fazer natildeo
dava para correr muito corriacuteamos lentamentehellip Me senti fuzilada naquele
momento a gente ficou emparedado parecia um fuzilamento no paredatildeo
Foi tudo muito raacutepido e de repente estourou uma bomba na minha frente a
princiacutepio achei que era gaacutes lacrimogecircnio eu senti todo o impacto no meu
corpo mas continuei correndo Natildeo sabia que eu havia me machucado ou
melhor que tinham me machucado naquele momento soacute tinha sentido o
impacto Eu estava com muito medo de levar bala de borracha porque eles
estavam realmente perseguindo Quando virei a direita eu continuei
ouvindo os tiros e as bombas e aquela rua estava completamente parada as
pessoas correndo entre os carros todo mundo desesperado ali E eles
continuaram correndo atraacutes da gente ndash na verdade sequer olhei para traacutes
dava para ouvir e tinha certeza absoluta que seria atingida por uma bala de
borracha Porque eles estavam muito perto perseguindo Consegui correr e
virar a direita de novo onde encontrei um estacionamento grande na Caio
Prado Ali correndo seguindo nessa rua percebi que havia um corte
profundo no meu braccedilo Eu olhei um corte muito profundo eu fiquei
muito assustada Minha reaccedilatildeo foi chorar continuar correndo Foi uma
sensaccedilatildeo de desespero muito grande mesmo Me senti em uma guerra natildeo
tinha para onde correr e com certeza seria atingida por alguma bala de
borracha ou por bombas porque eles continuavam atraacutes Nesse
estacionamento pedi para o rapaz me deixar entrar Ele falou que natildeo podia
me deixar entrar Falei ldquopor favor me deixa entrarrdquo mostrei meu braccedilo ele
se assustou e deixou entrar
24
Esta eacute a lesatildeo de que relato trata
Estes casos revelam o potencial de causar danos irreversiacuteveis que as ldquomuniccedilotildees
menos letaisrdquo como municcedilatildeo de elastocircmero em armas de fogo possuem quando utilizadas
contra oacutergatildeos vitais e a curta distacircncia
O fotoacutegrafo Seacutergio natildeo teria perdido um olho e centenas de pessoas natildeo
teriam sofrido lesotildees e corrido risco de morte se a PMESP tivesse observado
minimamente os paracircmetros internacionais para o uso da forccedila reconhecidos pela
Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas e pela Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos
O Coacutedigo de Conduta Para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo
da Lei30 (doc 4) aprovado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo 34169 de 17
de dezembro de 1979 estabelece criteacuterios para a aplicaccedilatildeo da lei na defesa da ordem
puacuteblica e a forma como essas funccedilotildees satildeo exercidas
30 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)
25
Seu artigo 3ordm dispotildee
Os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute podem empregar a
forccedila quando tal se afigure estritamente necessaacuterio e na medida
exigida para o cumprimento do seu dever
Bastaria a leitura deste artigo para verificar que os agentes de seguranccedila
independente do dever que entendiam estar cumprindo ultrapassaram (e muito) o
estritamente necessaacuterio
Ainda assim esse importante documento internacional vigente desde 1979
possui comentaacuterios interpretativos31 que permitem a melhor aplicaccedilatildeo de seus dispositivos
Veja-se o que diz o comentaacuterio do artigo 3ordm
ldquoComentaacuterio
a) Esta disposiccedilatildeo salienta que o emprego da forccedila por parte dos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deve ser excepcional
Embora admita que estes funcionaacuterios possam estar autorizados a utilizar a
forccedila na medida em que tal seja razoavelmente considerado como
necessaacuterio tendo em conta as circunstacircncias para a prevenccedilatildeo de um crime
ou para deter ou ajudar agrave detenccedilatildeo legal de delinquentes ou de suspeitos
qualquer uso da forccedila fora deste contexto natildeo eacute permitido
b) A lei nacional restringe normalmente o emprego da forccedila pelos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei de acordo com o princiacutepio
da proporcionalidade Deve-se entender que tais princiacutepios nacionais
de proporcionalidade devem ser respeitados na interpretaccedilatildeo desta
disposiccedilatildeo
A presente disposiccedilatildeo natildeo deve ser em nenhum caso interpretada no
sentido da autorizaccedilatildeo do emprego da forccedila em desproporccedilatildeo com o
legiacutetimo objetivo a atingir
c) O emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem
fazer-se todos os esforccedilos no sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de
31 Diretrizes para a efetiva implementaccedilatildeo do Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei Adotado pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU em 1986 por meio da resoluccedilatildeo nordm 198661
26
fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo utilizar-se
armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou
quando de qualquer forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja
suficientes medidas menos extremas para o dominar ou deter Cada vez que
uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as
autoridades competentesrdquo
Observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP tambeacutem natildeo respeitou as disposiccedilotildees dos
Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios
Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (Princiacutepios Baacutesicos) outra normativa no acircmbito
da ONU a qual o Brasil estaacute submetido
32
Eacute escandaloso o descompasso da atuaccedilatildeo policial com o que determina o
paraacutegrafo 5 desse importante documento Veja-se
32 Disponiacutevel em httppontoeletronicomewp-contentuploads20130613jun2013-policial-se-prepara-para-atirar-contra-manifestantes-durante-protesto-contra-o-aumento-da-tarifa-do-transporte-coletivo-realizado-pelas-ruas-da-regiao-central-de-sao-paulo-1371176850700_1920x1080jpg
27
ldquo5 Sempre que o uso legiacutetimo da forccedila e de armas de fogo for inevitaacutevel
os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
(a) Exercer moderaccedilatildeo no uso de tais recursos e agir na proporccedilatildeo da
gravidade da infraccedilatildeo e do objetivo legiacutetimo a ser alcanccedilado
(b) Minimizar danos e ferimentos e respeitar e preservar a vida humana
(c) Assegurar que qualquer indiviacuteduo ferido ou afetado receba assistecircncia e
cuidados meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel
(d) Garantir que os familiares ou amigos iacutentimos da pessoa ferida ou afetada
sejam notificados o mais depressa possiacutevel
Diante dos fatos narrados na inicial eacute possiacutevel se questionar O uso legiacutetimo da
forccedila foi inevitaacutevel Houve infraccedilatildeo grave dos manifestantes para justificar a proporccedilatildeo da
forccedila policial aplicada Houve por parte da PMESP a prestaccedilatildeo de assistecircncia e cuidados
meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel As forccedilas repressivas do Estado garantiram a imediata
notificaccedilatildeo dos feridos
A resposta eacute veementemente negativa para todas essas questotildees
Independentemente dos questionamentos acima tambeacutem natildeo eacute possiacutevel
identificar qual o objetivo legiacutetimo da atuaccedilatildeo da PMESP A proacutepria intenccedilatildeo de dispersatildeo
jaacute ofende o direito agrave reuniatildeo legalmente exercido pela manifestaccedilatildeo puacuteblica presente nos 8
casos trazidos na inicial poreacutem a PMESP foi aleacutem pois contrariou os princiacutepios 13 e 14
dos Princiacutepios Baacutesicos33 ainda que tais manifestaccedilotildees fossem consideradas ilegais e
violentas
Ora estaacute mais do que claro que a utilizaccedilatildeo de armamento de fogo com
municcedilatildeo de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral estariam
absolutamente descartadas se fossem cumpridas as normativas internacionais para
o uso da forccedila
33 A transcriccedilatildeo dos artigos 13 e 14 dos princiacutepios baacutesicos estaacute na paacutegina 16
28
Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais
mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito
internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de
proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade
Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser
sempre a uacuteltima opccedilatildeo
O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias
ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no
sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida
74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo
da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um
contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente
treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo
contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente
quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis
Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente
controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave
forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro
juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo
34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre
Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)
29
iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia
de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma
confiaacutevel36
Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees
da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da
liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX
que ora transcreve-se
Artigo XIX
Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito
inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e
transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente
de fronteiras
Artigo XX
1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas
2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo
Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre
Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem
assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o
relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de
controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto
identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees
36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
30
administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo
das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas
investigaccedilotildees
Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho
de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma
das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de
maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila
de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel
abuso da forccedila
Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas
administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em
manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente
necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de
planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso
abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo
recomendou as seguintes medidas
a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da
forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas
b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees
c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para
verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores
A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao
Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde
partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de
comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela
PMESP no dia 13 de junho de 2014
31
Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que
um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem
de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros
internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em
qualquer outra manifestaccedilatildeo popular
iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO
DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO
Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo
em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de
direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)
ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi
realizada de forma violenta e ilegal
Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem
evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De
acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude
adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia
perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois
A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de
gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a
Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como
pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era
como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e
violecircncia
Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na
direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria
Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos
os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da
Silva)
32
ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um
cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a
ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha
muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais
lanccedilavam bomba por nada para todos os lados
Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as
pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva
[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se
acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas
entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]
quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para
deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos
Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando
com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta
velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo
tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas
pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As
33
pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas
que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair
de laacute
Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o
traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato
mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da
accedilatildeo repressiva
A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava
dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na
Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []
Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente
rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais
comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como
eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para
dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no
chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador
34
Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante
recorrentes
Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um
ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial
mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua
patricinha vagabundarsquo ele me dizia
[]
Vai embora sua prostituta
A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer
seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente
sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral
Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo
Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes
puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz
que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no
35
sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo
utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer
forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou
deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades
competentes
No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de
Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma
de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de
armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal
aviso deve ser feito de forma clara e adequada
Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento
10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente
a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo
suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando
tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave
ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso
Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a
utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo
de armas de fogo
Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a
grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade
policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma
sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma
36
manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos
princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38
Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)
manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de
proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo
com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado
ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever
de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e
menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas
deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme
os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo
A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa
de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila
Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do
Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas
envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para
que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio
ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se
identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza
as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila
outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude
exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
37
[]
A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica
implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto
proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com
proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de
reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O
grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja
considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do
que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de
maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se
encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o
uso da forccedila resulta desproporcionado
Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da
aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute
internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado
internacional de direitos humanos
Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com
documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema
necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas
de seguranccedila
iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE
POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES
Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a
de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de
identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria
responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)
41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15
38
ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo
ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem
os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na
Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo
onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam
muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito
desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada
um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e
depois soltarrdquo
Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume
havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as
normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo
usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento
Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute
tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma
Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por
parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em
particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo
identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de
2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos
gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de
3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se
SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou
nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto
de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os
rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido
possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante
42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319
39
agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da
corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos
A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)
que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o
Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica
informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de
identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou
crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas
pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e
ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento
Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento
feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -
organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo
com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a
manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da
Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois
se espalharam pelo centro
Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se
determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular
Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito
interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a
atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu
Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta
manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial
em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes
policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees
O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo
em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial
40
No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado
de se identificarem previamente como tais no momento de advertir
com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a
forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua
atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees
estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e
adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se
f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de
seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas
ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever
potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim
de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no
terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e
comportamento policial
Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a
identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que
cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e
ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se
g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as
forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de
abusos ou atos de violecircncia
h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou
judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas
operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos
no curso das mesmas
41
Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos
cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013
em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos
A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou
que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem
disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes
em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que
confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns
trechos da mateacuteria
Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes
sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas
delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo
Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo
investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute
abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi
concluiacuteda e nenhum policial foi punido
A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute
os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo
processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1
de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014
Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de
Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum
policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21
policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato
Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e
tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e
ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades
43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)
42
v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS
CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES
Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do
Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa
atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute
de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila
Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em
manifestaccedilotildees futuras
Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute
imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo
temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de
confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo
Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a
negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A
proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da
Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que
Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os
governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar
atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos
especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da
forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a
compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de
persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos
destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados
da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e
procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos
43
Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um
negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se
evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se
e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves
manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes
para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e
protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de
conflito
Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na
Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos
publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72
daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue
72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no
uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a
resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das
multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como
meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45
Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de
Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia
da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se
44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf
44
38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um
verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades
policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da
manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico
Suiacuteccedila e outros paiacuteses47
Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os
documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador
civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco
de conflito social
vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa
de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na
dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila
notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas
O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar
Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre
recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo
Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem
alguns trechos
No comando do choque eu soacute recebi precircmios
47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora
45
Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe
pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de
Satildeo Paulo
ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de
protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo
A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho
quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e
pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo
foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do
centro saqueadas
Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da
Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui
ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou
A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v
Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de
dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute
o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte
ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar
seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito
negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50
Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando
preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa
policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre
expressatildeo
49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)
46
ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees
razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento
paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem
violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da
legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento
de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo
manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma
manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das
pessoasrdquo52
Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho
de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante
da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo
A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava
subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e
um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas
patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de
brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo
tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha
bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa
assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou
brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo
[]
Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos
policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles
ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar
sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E
todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado
52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas
47
do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo
para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo
[]
Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu
encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de
gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba
nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para
os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de
novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me
lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de
Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo
mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da
poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo
estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e
nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo
[]
A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes
Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a
gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem
Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o
pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes
lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila
Roosevelt
[]
O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da
Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava
que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente
ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima
tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali
natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando
bomba em cima da gente
O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da
Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e
intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso
desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a
48
agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de
Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se
ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees
policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso
indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o
membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para
proteger seus companheiros ali presentesrdquo54
Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave
determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve
permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo
administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes
vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A
ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica
do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e
internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo
puacuteblico
Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da
forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a
formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas
53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo
49
Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que
ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e
de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na
elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e
minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e
de armas de fogordquo
Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para
determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila
deveriam seguir Aqui estatildeo elas
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo
da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os
tipos de armas e municcedilotildees permitidas
(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias
apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio
(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos
injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis
(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas
de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas
armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de
armas de fogo
50
(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no
desempenho das suas funccedilotildees
Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila
e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia
da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece
as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila
Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como
aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos
agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento
dessas diretrizes
1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar
nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e
deveraacute considerar primordialmente
a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela
Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na
sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979
b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de
Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados
pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo
198961 de 24 de maio de 1989
c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo
Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o
Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto
a 7 de setembro de 1999
d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis
Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees
Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de
1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991
51
Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade
resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a
necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna
ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial
Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao
Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que
tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria
9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos
disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo
objetivamente
a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas
b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao
ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no
evento
c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo
perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento
d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees
desnecessaacuterias e risco injustificado e
e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente
de seguranccedila puacuteblica
Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do
Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de
Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que
regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees
Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se
natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como
a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de
manifestaccedilotildees e reuniotildees populares
52
Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro
miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos
que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e
sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil
6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE
DIREITOS HUMANOS
O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado
por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica
contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso
internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados
no que tange agrave dignidade humana
De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados
natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a
dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados
podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros
Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos
que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos
internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas
Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo
terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua
responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos
internacionalmente admitidos
55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf
53
Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56
apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute
um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees
como prova para outro procedimento de julgamento internacional do
Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura
ignorada
Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados
no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos
normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo
Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina
se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses
oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o
jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi
distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda
externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados
ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos
constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os
paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o
respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil
continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos
nacionalmente57
Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da
presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o
que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada
56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355
54
7) CONCLUSAtildeO
A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm
Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para
resoluccedilatildeo da presente controveacutersia
Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e
histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma
expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo
se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do
Estado de Satildeo Paulo
Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a
atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa
padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia
O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo
Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos
Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que
expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e
que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente
demanda
55
8) PEDIDO
Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como
amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae
requer-se seu recebimento como memoriais
Termos em que
Pede deferimento
Satildeo Paulo 17 de julho de 2014
Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs
OABSP 262284 OABSP 101663
Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni
OABSP 284930 OABSP 286871
Sheila Santana de Carvalho
OABSP 343588
7
ao lazer o direito agrave cidade a liberdade de expressatildeo e o livre exerciacutecio profissional de
jornalistas
Argumenta-se que o procedimento adotado pela Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo
Paulo em cada uma das 8 situaccedilotildees narradas trouxe danos irreversiacuteveis para as pessoas que
tiveram direitos suprimidos pela atividade repressiva e danos sociais para a coletividade
diante da grave violaccedilatildeo de preceitos fundamentais do Estado Democraacutetico de Direito
A autora requer a condenaccedilatildeo do reacuteu para que expeccedila ato normativo definindo
paracircmetros de atuaccedilatildeo da PMESP em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se
abstenha de impor condiccedilotildees ou limites de tempo e lugar agraves reuniotildees e manifestaccedilotildees
puacuteblicas de portar arma de fogo de utilizar gaacutes lacrimogecircneo e bombas de efeito moral
para dissolver aglomeraccedilotildees antes de comunicar os manifestantes em tempo haacutebil para sua
compreensatildeo e acatamento de postar a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de
Satildeo Paulo em manifestaccedilotildees paciacuteficas e de impedir qualquer cidadatildeo de captar imagem e
som de seus agentes em atuaccedilatildeo para identificar adequadamente todos os policiais atuando
em acompanhamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas para indicar negociador civil e para ser
responsabilizado pelos danos sofridos pela coletividade ou individualmente
Tendo em vista que o tema eacute de extrema relevacircncia a organizaccedilatildeo CONECTAS
DIREITOS HUMANOS que ora se manifesta na qualidade de amicus curiae oferece nesta
oportunidade argumentos em favor da concessatildeo antecipada dos efeitos da tutela
pretendida e do julgamento pela TOTAL PROCEDEcircNCIA da presente Accedilatildeo Civil
Puacuteblica pelas razotildees a seguir expostas
4) PROMOCcedilAtildeO E PROTECcedilAtildeO DOS DIREITOS HUMANOS NO CONTEXTO DE PROTESTOS
SOCIAIS
A ndash INTRODUCcedilAtildeO
Ao longo da histoacuteria protestos e outros meios de participaccedilatildeo social formaram
um elemento essencial de vibrantes sociedades democraacuteticas Embora a palavra ldquoprotestordquo
natildeo apareccedila no texto de tratados internacionais o sistema internacional de proteccedilatildeo dos
8
direitos humanos inegavelmente protege o direito de protestar em reconhecimento aos
direitos de reuniatildeo liberdade de expressatildeo de opiniatildeo e de associaccedilatildeo
Entretanto nos uacuteltimos anos o crescente nuacutemero de manifestaccedilotildees populares
pelo mundo vem se deparando com reaccedilotildees violentas das autoridades do Estado - em
regra os proacuteprios contestados nas manifestaccedilotildees Nesse sentido governos optam por
impor restriccedilotildees ao direito de reuniatildeo natildeo soacute ilegais mas contraacuterias ao proacuteprio conceito de
Estado Democraacutetico
Eacute nesse contexto que a presente demanda se insere e que a CONECTAS DIREITOS
HUMANOS viu-se compelida a se manifestar como amicus curiae para oferecer um breve
panorama dos principais paracircmetros internacionais que regulam o comportamento
da poliacutecia e particularmente o uso da forccedila no contexto de manifestaccedilotildees
populares
B ndash PRINCIPAIS NORMAS INTERNACIONAIS QUE REGULAM O USO DA FORCcedilA PELA
POLIacuteCIA
A niacutevel global existem 2 conjuntos de documentos que tratam especificamente da
regulaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia o Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios
Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei de 19793 (doc 4) com as diretrizes para sua efetiva
implementaccedilatildeo4 e os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei de 19905 (doc 5)
Amplamente tidas como declaraccedilotildees oficiais de direito internacional6 esses
instrumentos satildeo frequentemente mencionados pelos mecanismos regionais de direitos
3 Adotado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo nordm 34169 4 Adotado pelo Resoluccedilatildeo Conselho Social e Econocircmico da ONU nordm 198661 5 Adotado pela Conferecircncia de Crime das Naccedilotildees Unidas 6 Relatoacuterio apresentado na Assembleia Geral em 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on
9
humanos e tecircm sido repetidamente referenciados por vaacuterios oacutergatildeos da ONU7 como
expressatildeo dos princiacutepios da proporcionalidade e da estrita necessidade do uso da forccedila
policial destacando ainda que o uso de potencial forccedila letal deve ser sempre excepcional
A preocupaccedilatildeo da comunidade internacional com a efetividade dos direitos
universais de livre expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo fez com que fosse criada no
acircmbito da ONU a figura do Relator Especial sobre os Direitos de Liberdade de
Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo
Aleacutem disso haacute de ser destacado que em maio de 2011 o Relator Especial da
ONU sobre Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias ou Arbitraacuterias apresentou um
estudo ao Conselho de Direitos Humanos da organizaccedilatildeo concluindo que os sistemas
legais de muitos paiacuteses ainda natildeo aderiram aos padrotildees internacionais miacutenimos
relacionados ao uso da forccedila policial8
61 A princiacutepio disparar indiscriminadamente contra uma multidatildeo natildeo eacute
permitido e soacute pode se voltar ao indiviacuteduo ou grupo que constitui ameaccedila
de morte ou ferimentos graves O uso de armas de fogo natildeo pode ser
justificado apenas porque uma reuniatildeo eacute ilegal que tenha deva ser
dispersada ou para se proteger a propriedade Isso muitas vezes natildeo estaacute
refletido nas leis do paiacutes
62 Nos termos do Coacutedigo de Conduta e dos Princiacutepios Baacutesicos a norma a
respeito do uso intencional de forccedila letal eacute a mesma em todas as
circunstacircncias mesmo em auto-defesa prisatildeo contenccedilatildeo de revolta popular
the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 7 Entre outros Resoluccedilotildees do Conselho de Direitos Humanos observaccedilotildees finais de vaacuterios corpos de tratados como o Comitecirc de Direitos Humanos e o Comitecirc Contra a Tortura aleacutem dos relatos de procedimentos especiais 8 Relatoacuterio do Relator Especial sobre execuccedilotildees extrajudicias sumaacuterias ou arbitraacuterias apresentado agrave Assembleia Geral em 23052011 (AHRC1728) paraacutegrafos 61 e 62 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf
10
ou em quaisquer outras circunstacircncias ou seja somente em proteccedilatildeo da
vida9
No acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos (CIDH) por meio do Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos
Humanos (2009) (doc 7) e do Relatoacuterio sobre a Situaccedilatildeo dos Defensores dos
Direitos Humanos nas Ameacutericas (2012) (doc 8) definiu paracircmetros concretos para
regular o policiamento de protestos que inclui nomeadamente a proibiccedilatildeo do uso de
forccedila letal a necessidade de treinamento adequado para o policiamento durante
manifestaccedilotildees de massa e a exigecircncia de identificaccedilatildeo clara e individual dos policiais
Nota-se que os paracircmetros da CIDH tambeacutem reforccedilam os princiacutepios da
proporcionalidade e da estrita necessidade aleacutem de reconhecer que o direito de protestar eacute
uma forma de expressatildeo coletiva que deve ser garantida10
Natildeo eacute demais destacar que na Europa estaacute vigente um Coacutedigo Europeu de Eacutetica
Policial que conteacutem uma seccedilatildeo inteira dedicada ao policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas
que incluem obrigaccedilotildees processuais e materiais sobre as forccedilas de seguranccedila antes durante
e apoacutes as manifestaccedilotildees acontecerem aleacutem de um foco especial sobre as obrigaccedilotildees da
poliacutecia quando as forccedilas de seguranccedila tomam medidas para dispersar a multidatildeo11
9 Traduccedilatildeo livre de 61 In principle shooting indiscriminately into a crowd is not allowed and may only be targeted at the person or persons constituting the threat of death or serious injury The use of firearms cannot be justified merely because a particular gathering is illegal and has to be dispersed or to protect property This is often not reflected in domestic laws 62 In terms of the Code and the Basic Principles the norm in respect of the intentional use of lethal force is the same under all circumstances whether in self-defence arrest quelling a riot or any other circumstances namely protection of life 10 ldquoComo a jurisprudecircncia do sistema interamericano explicou em numerosas ocasiotildees a liberdade de expressatildeo eacute um direito que tem duas dimensotildees uma dimensatildeo individual que consiste no direito de cada pessoa para expressar seus pensamentos ideias e informaccedilotildees e uma dimensatildeo coletiva ou social que consiste no direito da sociedade de obter e receber todas as informaccedilotildees para saber os pensamentos ideias e informaccedilotildees de outras pessoas para estarem bem informadosrdquo CIDH Escritoacuterio do Relator Especial pela Liberdade de Expressatildeo The inter-American legal framework regarding the right to freedom of expression (OEA SerLVII CIDHRELEINF (2009) par 13 Traduccedilatildeo livre de ldquoAs the case law of the inter-American system has explained on numerous occasions freedom of expression is a right that has two dimensions an individual dimension consisting of the right of each person to express her own thoughts ideas and information and a collective or social dimension consisting of societyrsquos right to obtain and receive any information to know the thoughts ideas and information of others and to be well-informedrdquo 11 Paraacutegrafo 176 da Segunda Ediccedilatildeo das Diretrizes da OSCE Detalhando por exemplo a obrigaccedilatildeo de estabelecer procedimentos de descontaminaccedilatildeo de produtos quiacutemicos irritantes utilizados em
11
A Corte Europeia de Direitos Humanos inclusive jaacute adotou posicionamentos
importantes sobre o tema como a presunccedilatildeo em favor do caraacuteter paciacutefico de todas as
manifestaccedilotildees12 a legitimidade das manifestaccedilotildees de uso do espaccedilo puacuteblico ainda que
causem um certo grau de perturbaccedilatildeo na vida cotidiana13 a necessidade de avaliar o
comportamento do indiviacuteduo separadamente do da multidatildeo14 e o ocircnus da prova de
manifestantes com intenccedilotildees ou accedilotildees violentas que recai sobre as autoridades15
Com o que seraacute esmiuccedilado a seguir este mm Juiacutezo teraacute condiccedilotildees de
observar que o Estado de Satildeo Paulo em sua competecircncia de regulamentar e
controlar a atividade de sua poliacutecia militar aleacutem de desrespeitar a proacutepria
Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil viola absolutamente TODAS AS
NORMAS INTERNACIONAIS jaacute estabelecidas para o uso da forccedila policial
5) DO USO DA FORCcedilA PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO NO DIA 13 DE
JUNHO DE 2013
Em 13 de junho de 2013 uma das situaccedilotildees de fato trazidas agrave demanda a Poliacutecia
realizava em Satildeo Paulo uma das mais violentas repressotildees a manifestaccedilotildees desde o fim da
ditadura militar Numa noite de horror coletivo raramente vista milhares de pessoas que
manifestantes a proibiccedilatildeo de utilizar a forccedila contra manifestantes paciacuteficos que satildeo incapazes de dispersar o dever de manter registros detalhados sobre o tipo de forccedila utilizada e a obrigaccedilatildeo de investigar a causa de mortes ou ferimentos entre outros 12 Uma assembleacuteia seraacute considerada paciacutefica enquanto os participantes estiverem paciacuteficos mesmo que os organizadores natildeo cumpram com todos os requisitos legais necessaacuterios para o desenvolvimento da manifestaccedilatildeo Oya Ataman v Turkey no 7455201 ECHR 2006 e Cisse v France no 5134699 sect 37 ECHR 2002 Traduccedilatildeo livre de ldquoAn assembly will be deemed peaceful as long as the participants remain peaceful even if the organizers have not complied with all legal requirements prior to the assemblyrdquo 13 Patyi and Others v Hungary no 552905 sectsect 42-43 ECHR 2008 Balccedilik and Others v Turkey no 2502 sect 52 ECHR 2007 Ashughyan v Armenia no 3326803 sect 90 ECHR 2008 14 ldquouma pessoa natildeo deixa de gozar do direito de reuniatildeo paciacutefica em casos de violecircncia esporaacutedica ou outros atos puniacuteveis cometidos por outras no curso da manifestaccedilatildeo se permanece tranquilo em suas proacuteprias intenccedilotildees ou comportamentosrdquo Ziliberberg v Moldova (dec) no 6182100 ECHR 2004 Traduccedilatildeo livre de ldquoan individual does not cease to enjoy the right to peaceful assembly as a result of sporadic violence or other punishable acts committed by others in the course of the demonstration if the individual in question remains peaceful in his or her own intentions or behaviourrdquo 15 Christian Democratic Peoplersquos Party v Moldova (No 2) no 2519604 sect 23 ECHR 2010
12
participavam de um protesto paciacutefico no centro da cidade se viram cercadas por tropas
policiais em um labirinto violento que atravessou a noite e cujas traacutegicas consequecircncias se
fazem sentir ainda hoje especialmente para os que carregaratildeo sequelas fiacutesicas e emocionais
Esse caso mostra evidente que os procedimentos adotados pela seguranccedila puacuteblica
paulista natildeo respeitaram os protocolos internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila
aleacutem de descumprir tratados e convenccedilotildees internacionais que o Brasil eacute signataacuterio e natildeo
seguir as recomendaccedilotildees das organizaccedilotildees internacionais das quais o Brasil eacute parte
Satildeo numerosos os relatos e evidecircncias de violecircncia fiacutesica contra os manifestantes
em 13 de junho de 2013 inclusive em desfavor de pessoas rendidas deitadas desarmadas e
desprovidas de qualquer acircnimo de resistecircncia Muitas destas pessoas foram espancadas e
atingidas por disparos de balas de borracha
Foram relatados ainda atos de violecircncia contra pessoas que natildeo estavam
participando dos protestos inclusive idosos e crianccedilas16 Foram registradas cenas onde a
Poliacutecia invadiu ateacute mesmo hospitais a fim de localizar pessoas que teriam participado dos
protestos17 Aleacutem disso apoacutes o grande nuacutemero de manifestantes jaacute ter sido dispersado
foram registradas cenas onde a Poliacutecia invadiu estabelecimentos comerciais supostamente
em busca dos manifestantes e agrediu pessoas18 Segundo relatos dos organizadores do
evento mais de 100 pessoas ficaram feridas19 em decorrecircncia da accedilatildeo truculenta da Poliacutecia
naquele dia
16 Ver por exemplo PORTAL DE NOTIacuteCIAS TERRA ldquoBomba de gaacutes lacrimogecircneo atinge carro de um idoso que estava de passagemrdquo viacutedeo publicado no 14 de junho de 2013 13h50 disponiacutevel no link httpterratvterracombrvideosNoticiasBrasilCidades4828-474261Bomba-de-gas-lacrimogeneo-cai-dentro-de-carro-em-protesto-em-SPhtm 17 Ver depoimento no site do Coletivo Antiproibicionista de Satildeo Paulo ldquoPM retira feridos a forccedila de hospital e impede atendimentordquo 14 de junho de 2013 disponiacutevel no link httpcoletivodarorg201306pm-retira-feridos-a-forca-de-hospital-e-impede-atendimento
18Ver por exemplo JORNAL FOLHA DE SAtildeO PAULO ldquoApoacutes confronto casal eacute agredido por PMs na regiatildeo da Paulistardquo 14 de junho de 2013 00h52 disponiacutevel em httpwww1folhauolcombrcotidiano2013061294916-apos-confronto-casal-e-agredido-por-pms-na-regiao-da-paulistashtml 19
Os dados finais sobre o numero de feridos ainda estatildeo sendo organizados pelo MPL e pela Defensoria
Puacuteblica de Satildeo Paulo Para uma estimativa ver infograacutefico JORNAL FOLHA DE SAtildeO PAULO ldquoDos 235
detidos em protesto 231 satildeo liberados apoacutes prestar depoimentordquo 14 de junho 2013 07h25 disponiacutevel
emhttpwww1folhauolcombrcotidiano2013061294960-dos-235-detidos-em-protesto-231-sao-
liberados-apos-prestar-depoimentoshtml
13
Abaixo demonstra-se detalhadamente cada norma dos protocolos internacionais
para a utilizaccedilatildeo da forccedila que foram descumpridas pela Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo
Paulo contribuindo-se para o livre convencimento deste mm Juiacutezo a dar total procedecircncia
agrave presente accedilatildeo civil puacuteblica
i - DA INTERRUPCcedilAtildeO DA REUNIAtildeO PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO
VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS
Um dia que ficaria para a histoacuteria como a maior expressatildeo do exerciacutecio do direito
constitucional de reuniatildeo da liberdade de expressatildeo e de locomoccedilatildeo na verdade tornou-se
a maior expressatildeo da restriccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da proacutepria Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Observa-
se que a justificativa de se liberar o traacutefego de veiacuteculos para garantir a manutenccedilatildeo da
ordem puacuteblica foi a causa que deu iniacutecio agrave accedilatildeo ilegal e truculenta da Poliacutecia Militar do
Estado de Satildeo Paulo (PMESP)
Nota-se das paacuteginas 21 e 22 da exordial que as proacuteprias forccedilas de seguranccedila
tomaram a iniciativa de encerrar o ato que reuniu cerca de 15 mil pessoas que caminhavam
pelas ruas de Satildeo Paulo
Ocorre que aleacutem de ilegal e inconstitucional essa medida ofende diretamente a
Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos (Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica)
incorporada ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 68792
Eacute o que diz a Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos no Marco Juriacutedico
Interamericano Sobre o Direito agrave Liberdade de Expressatildeo20 onde seu paraacutegrafo 82
assevera
20 Apresentado pela Relatoria para a Liberdade de Expressatildeo da Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos 2010 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhexpresiondocspublicacionesMARCO20JURIDICO20INTERAMERICANO20DEL20DERECHO20A20LA20LIBERTAD20DE20EXPRESION20ESP20FINAL20portadadocpdf (acessado em 04062014)
14
ldquoqualquer afetaccedilatildeo da ordem puacuteblica invocada como justificaccedilatildeo para limitar
a liberdade de expressatildeo deve obedecer causas reais e objetivamente
verificaacuteveis que signifiquem uma ameaccedila certa e acreditaacutevel de uma
perturbaccedilatildeo potencialmente grave das condiccedilotildees baacutesicas para o
funcionamento das instituiccedilotildees democraacuteticasrdquo21
Nota-se do conjunto probatoacuterio juntado aos autos que antes da atuaccedilatildeo policial
natildeo houve qualquer risco razoaacutevel de distuacuterbio grave natildeo havendo possibilidade diante da
Convenccedilatildeo Americana de se promover a dispersatildeo da manifestaccedilatildeo simplesmente pela
ocupaccedilatildeo de uma via puacuteblica
Eacute o que diz a continuaccedilatildeo do dispositivo mencionado acima
ldquoEm consequecircncia natildeo eacute suficiente invocar meras conjecturas sobre
eventuais afetaccedilotildees da ordem nem circunstacircncias hipoteacuteticas derivadas
de interpretaccedilotildees das autoridades diante de fatos que natildeo representem
claramente um risco razoaacutevel de distuacuterbios graves Uma interpretaccedilatildeo mais
ampla ou indeterminada abriria um campo inadmissiacutevel agrave arbitrariedade e
restringiria a raiz da liberdade de expressatildeo que forma parte integral da
ordem puacuteblica protegida pela Convenccedilatildeo Americanardquo22
Dentre as pessoas viacutetimas da violecircncia policial do dia 13062013 dez prestaram
relatos agrave requerente sobre o que ocorreu naquela noite em Satildeo Paulo (doc 6) informando
que PMESP perseguiu prendeu agrediu e feriu indiscriminadamente natildeo apenas
manifestantes mas tambeacutem jornalistas e moradores dos bairros por onde a marcha passou
21 Traduccedilatildeo livre de ldquocualquier afectacioacuten del orden puacuteblico invocada como justificacioacuten para limitar la libertad de expresioacuten debe obedecer a causas reales y objetivamente verificables que planteen una amenaza cierta y creiacuteble de una perturbacioacuten potencialmente grave de las condiciones baacutesicas para el funcionamiento de las instituciones democraacuteticasrdquo 22 Traduccedilatildeo livre de ldquo En consecuencia no resulta suficiente invocar meras conjeturas sobre eventuales afectaciones del orden ni circunstancias hipoteacuteticas derivadas de interpretaciones de las autoridades frente a hechos que no planteen claramente un riesgo razonable de disturbios graves (ldquoviolencia anaacuterquicardquo) Una interpretacioacuten maacutes amplia o indeterminada abririacutea un campo inadmisible a la arbitrariedad y restringiriacutea de raiacutez la libertad de expresioacuten que forma parte integral del orden puacuteblico protegido por la Convencioacuten Americanardquo
15
Veja-se o depoimento de uma delas
A manifestaccedilatildeo seguiu pela av Ipiranga ateacute o iniacutecio da rua da Consolaccedilatildeo
onde jaacute havia viaturas policiais acompanhando a multidatildeo Ateacute entatildeo a
movimentaccedilatildeo desses policiais era tranquila como a dos proacuteprios
manifestantes Eles caminhavam com suas faixas bandeiras camisas com
dizeres de protesto gritos enfim uma manifestaccedilatildeo como outra qualquer
Entrando na rua da Consolaccedilatildeo o clima comeccedilou a ficar diferente Em
frente agrave Praccedila Roosevelt havia uma barreira de guardas civis da Guarda
Civil Metropolitana (GCM) Eles se posicionaram com escudos e cassetetes
formando uma barreira humana nas escadarias da Praccedila Roosevelt para que
os manifestantes natildeo ocupassem aquele espaccedilo []
Seguindo ainda nesse trecho da rua da Consolaccedilatildeo a Poliacutecia Militar do
estado de Satildeo Paulo posiciona alguns veiacuteculos duas ou trecircs viaturas (natildeo me
recordo bem) e comeccedila um diaacutelogo (podemos chamar assim) entre alguns
policiais alguns manifestantes e o pessoal da imprensa Posso dizer com
absoluta certeza que eram pouquiacutessimas pessoas nesse diaacutelogo dois ou trecircs
policiais cinco ou seis manifestantes e o resto era da imprensa Eu estava
proacuteximo do local dessa conversa e o pouco que eu consegui ouvir era da
voz de um policial dizendo que os manifestantes natildeo poderiam continuar
naquele trajeto ou seja subir a rua da Consolaccedilatildeo em direccedilatildeo agrave av Paulista
que era o trajeto que aquela manifestaccedilatildeo queria fazer
16
Ao adotar a formaccedilatildeo de confronto e impedir o prosseguimento da manifestaccedilatildeo
paciacutefica a PMESP impediu o exerciacutecio do direito de reuniatildeo e livre expressatildeo de cerca de
15 mil pessoas Natildeo satisfeita ainda iniciou o lanccedilamento de bombas e tiros com municcedilatildeo
de elastocircmero contra as pessoas reunidas ali pacificamente
23
Claramente ao interromper as pessoas ali reunidas que marchavam
pacificamente a PMESP rasgou todas as cartas de direitos que reconhecem a liberdade de
reuniatildeo e de expressatildeo - a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica a Declaraccedilatildeo Universal de Direitos
Humanos e a Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos ndash ferindo tambeacutem os
posicionamentos de organismos internacionais como a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos (CIDH)cedilque sinaliza hipoacuteteses restritas de limitaccedilatildeo do direito de
reuniatildeo no 2ordm Relatoacuterio sobre a Situaccedilatildeo de Defensores e Defensoras de Direitos
Humanos nas Ameacutericas24 (doc 8) Veja-se
ldquo107 Nos uacuteltimos anos alguns paiacuteses tecircm apresentado um aumento no
nuacutemero de accedilotildees penais contra participantes de protestos sociais para a
reivindicaccedilatildeo de direitos utilizando-se de argumentos como a perturbaccedilatildeo
da ordem puacuteblica ou o atentado contra a seguranccedila do Estado Em virtude
da importacircncia que se revestem as manifestaccedilotildees puacuteblicas nos sistemas
democraacuteticos o Estado possui hipoacuteteses restritas para aplicar
limitaccedilotildees nesse sentido mesmo que o direito de reuniatildeo natildeo seja
23 Disponiacutevel em httpimgr7comimages2013061500_13_08_643_filedimensions=780x340 24 Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos 2011 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhdefensoresdocspdfdefensores2011pdf (acessado em 02062014)
17
absoluto ou possa estar sujeito a certos limites essas justificativas
devem ser razoaacuteveis para se assegurar o desenvolvimento paciacutefico das
manifestaccedilotildees e devem reger-se ldquopelos princiacutepios da legalidade da
necessidade e da proporcionalidaderdquo25
A importacircncia destes firmes posicionamentos da CIDH fundamenta-se em sua
proacutepria funccedilatildeo institucional de interpretar e recomendar a melhor aplicaccedilatildeo da
Convenccedilatildeo que claramente reconhece na atividade administrativa do Estado de Satildeo
Paulo a violaccedilatildeo de dois de seus artigos abaixo transcritos
Artigo 13 - Liberdade de pensamento e de expressatildeo
Toda pessoa tem o direito agrave liberdade de pensamento e de expressatildeo Esse
direito inclui a liberdade de procurar receber e difundir informaccedilotildees e ideacuteias
de qualquer natureza sem consideraccedilotildees de fronteiras verbalmente ou por
escrito ou em forma impressa ou artiacutestica ou por qualquer meio de sua
escolha
Artigo 15 - Direito de reuniatildeo
Eacute reconhecido o direito de reuniatildeo paciacutefica e sem armas O exerciacutecio desse
direito soacute pode estar sujeito agraves restriccedilotildees previstas em lei e que se faccedilam
necessaacuterias em uma sociedade democraacutetica ao interesse da seguranccedila
nacional da seguranccedila ou ordem puacuteblicas ou para proteger a sauacutede ou a
moral puacuteblicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas
25 Traduccedilatildeo livre de ldquo107 En los uacuteltimos antildeos se ha presentado una creciente iniciacioacuten de acciones penales en algunos paiacuteses en contra de quienes participan en protestas sociales para la reivindicacioacuten de derechos bajo el argumento de que supuestamente se desarrollariacutean en un marco de perturbacioacuten del orden puacuteblicoo atentariacutean contra la seguridad del Estado En virtud de la importancia que reviste la protesta social en los sistemas democraacuteticos el Estado tiene un marco centildeido para justificar su limitacioacuten en este sentido si bien el derecho de reunioacuten no es absoluto y puede estar sujeto a ciertos liacutemites eacutestos deben ser razonablescon el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las manifestaciones y deben regirse ldquopor los principios de legalidad necesidad y proporcionalidaderdquo
18
Jaacute no acircmbito da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) o Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Poliacuteticos26 exige que os Estados signataacuterios
garantam aos seus cidadatildeos o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de participaccedilatildeo da
conduccedilatildeo de assuntos puacuteblicos sem restriccedilotildees infundadas27
Nessa linha o 8ordm Congresso das Naccedilotildees Unidas sobre a Prevenccedilatildeo do Crime
e o Tratamento dos Delinquentes deu publicidade a um documento formulado para
assistir os Estados membros na tarefa de assegurar e promover a adequada missatildeo dos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo de lei Trata-se dos Princiacutepios Baacutesicos sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da
Lei28 (doc 5) que dentre suas disposiccedilotildees determina que
ldquodevem ser tomados em consideraccedilatildeo e respeitados pelos governos
no acircmbito da legislaccedilatildeo e da praacutetica nacionais e levados ao
conhecimento dos funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei e de
outras pessoas como juiacutezes agentes do Ministeacuterio Puacuteblico
advogados membros do Executivo e do Legislativo bem como do
puacuteblico em geralrdquo
Ao se comprometer com esse documento o Estado Brasileiro compreendido por
Uniatildeo Estados e Municiacutepios natildeo pode deixar de observar suas disposiccedilotildees
Todavia mesmo conhecedor desses paracircmetros o Estado de Satildeo Paulo
por meio da PMESP no dia 13 de junho optou por descumpri-los ao encerrar uma
manifestaccedilatildeo legal e natildeo-violenta
26 Internalizado ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 592 de 6 de julho de 1992 27 Arts 19 21 e 25 28 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)
19
29
A violaccedilatildeo do compromisso internacional estaacute explicitada em seu Princiacutepio 12
que diz que como todos tecircm direito de participar de reuniotildees legiacutetimas e paciacuteficas de acordo com os
princiacutepios expressos na Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional de Direitos
Civis e Poliacuteticos os governos entidades e os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo reconhecer que a forccedila
e as armas de fogo soacute podem ser usadas nos termos dos Princiacutepios 13 e 14
Note-se que tais princiacutepios referem-se a grupos ilegais e violentos o que
claramente natildeo foi o caso das pessoas que estavam nas ruas exercendo seu direito de livre
expressatildeo e reuniatildeo poreacutem ainda que fosse seria inevitaacutevel se observarem os criteacuterios da
proporcionalidade e da estrita necessidade no uso da forccedila policial
Veja-se a transcriccedilatildeo dos Princiacutepios 13 e 14 do protocolo
13 Ao dispersar grupos ilegais mas natildeo-violentos os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo evitar o uso da forccedila ou quando tal natildeo for
possiacutevel deveratildeo restringir tal forccedila ao miacutenimo necessaacuterio
14 Ao dispersar grupos violentos os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute
poderatildeo fazer uso de armas de fogo quando natildeo for possiacutevel usar outros
meios menos perigosos e apenas nos termos minimamente necessaacuterios Os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei natildeo deveratildeo fazer uso de armas de
fogo em tais casos a natildeo ser nas condiccedilotildees previstas no Princiacutepio 9
29 Disponiacutevel em httpwwwvalorcombrsitesdefaultfilesimagecachemedia_library_300_197imagesprotestag_0_8_640_419jpg
20
Ora diante dos fatos eacute impossiacutevel identificar sequer um rastro de observacircncia
deste protocolo pela PMESP seja no dia 13 de junho de 2013 ou nas outras situaccedilotildees
narradas na inicial
Portanto demonstra-se que suposta manutenccedilatildeo da ordem puacuteblica no intuito de
se garantir a circulaccedilatildeo de veiacuteculos natildeo pode do ponto de vista juriacutedico interno e
internacional frustrar o direito de reuniatildeo das pessoas que se encontram em vias puacuteblicas
para exercer seu direito universal agrave liberdade de expressatildeo
ii - DA UTILIZACcedilAtildeO DE ARMAS DE FOGO COM MUNICcedilAtildeO DE ELASTOcircMERO BOMBAS DE
GAacuteS E GRANADAS DE LUZ E SOM PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO
VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS
Os relatos daqueles que participaram da manifestaccedilatildeo (doc 6) sugerem que em
vez de direcionar a marcha num suposto sentido de dispersatildeo os policiais encurralaram
milhares de pessoas num circuito de tiro com balas de borracha saturado com bombas
de gaacutes e granadas de luz e som ao longo de vaacuterias ruas da regiatildeo central Essa taacutetica policial
de encurralamento pode ser observada pelo mapa abaixo o qual explica como se deu o
trajeto realizado pela poliacutecia e manifestantes
21
22
Seacutergio Andrade da Silva de 31 anos eacute um fotoacutegrafo casado e pai de duas
crianccedilas Na noite do protesto ele saiu para trabalhar Faria fotos da marcha para uma
agecircncia de notiacutecias mas acabou horas depois internado no ldquoHospital H Olhosrdquo depois
de ter passado pelo ldquoHospital 9 de Julhordquo onde recebeu doses de morfina para controlar a
dor de duas fraturas na oacuterbita ocular resultante de accedilatildeo da Poliacutecia Militar Sergio levou
cinco pontos dentro do olho esquerdo do qual ficaria definitivamente cego
Transcreve-se abaixo trecho do relato de Sergio que mostra todo o pacircnico que
sentiu no momento da agressatildeo recebida pela PMESP (doc 6)
Fui atingido por uma bala de borracha Tenho quase 180m e a bala me
atingiu exatamente no olho [] A dor foi instantacircnea profunda terriacutevel
Todos os piores adjetivos com que vocecirc puder qualificar a dor eu senti
naquele momento Meu olho inchou rapidamente coloquei a matildeo e minha
paacutelpebra jaacute havia se fechado Muito sangue comeccedilava a cair naquele instante
e pensei lsquofiquei cego Natildeo vou mais conseguir fotografarrsquo Foi a sensaccedilatildeo
que eu tive
Outro relato mostra exatamente o desespero de um cidadatildeo que corre risco de
vida ou de ferimentos graves pela accedilatildeo da proacutepria poliacutecia que supostamente deve
promover a seguranccedila puacuteblica (doc 6)
23
Ali foi o momento mais desesperador mesmo porque natildeo conseguia
respirar achei que ia desmaiar ali comecei a ficar fraca natildeo conseguia correr
mais e fiquei um tempo ali desnorteada com todo aquele gaacutes e continuei
correndohellip Jaacute tinha perdido todo mundo e olhei para os lados estava todo
mundo correndo subindo e natildeo tinha para onde ir a natildeo ser subir a
Augusta Tinha muita gente e natildeo dava para ir raacutepido a gente ficou
encurralado Quando vi estaacutevamos entre uma parede subindo a Augusta
na frente tinha um grupo de policias da Tropa de Choque e atraacutes tambeacutem
Ali foi o momento que fomos emparedados Natildeo tinha o que fazer natildeo
dava para correr muito corriacuteamos lentamentehellip Me senti fuzilada naquele
momento a gente ficou emparedado parecia um fuzilamento no paredatildeo
Foi tudo muito raacutepido e de repente estourou uma bomba na minha frente a
princiacutepio achei que era gaacutes lacrimogecircnio eu senti todo o impacto no meu
corpo mas continuei correndo Natildeo sabia que eu havia me machucado ou
melhor que tinham me machucado naquele momento soacute tinha sentido o
impacto Eu estava com muito medo de levar bala de borracha porque eles
estavam realmente perseguindo Quando virei a direita eu continuei
ouvindo os tiros e as bombas e aquela rua estava completamente parada as
pessoas correndo entre os carros todo mundo desesperado ali E eles
continuaram correndo atraacutes da gente ndash na verdade sequer olhei para traacutes
dava para ouvir e tinha certeza absoluta que seria atingida por uma bala de
borracha Porque eles estavam muito perto perseguindo Consegui correr e
virar a direita de novo onde encontrei um estacionamento grande na Caio
Prado Ali correndo seguindo nessa rua percebi que havia um corte
profundo no meu braccedilo Eu olhei um corte muito profundo eu fiquei
muito assustada Minha reaccedilatildeo foi chorar continuar correndo Foi uma
sensaccedilatildeo de desespero muito grande mesmo Me senti em uma guerra natildeo
tinha para onde correr e com certeza seria atingida por alguma bala de
borracha ou por bombas porque eles continuavam atraacutes Nesse
estacionamento pedi para o rapaz me deixar entrar Ele falou que natildeo podia
me deixar entrar Falei ldquopor favor me deixa entrarrdquo mostrei meu braccedilo ele
se assustou e deixou entrar
24
Esta eacute a lesatildeo de que relato trata
Estes casos revelam o potencial de causar danos irreversiacuteveis que as ldquomuniccedilotildees
menos letaisrdquo como municcedilatildeo de elastocircmero em armas de fogo possuem quando utilizadas
contra oacutergatildeos vitais e a curta distacircncia
O fotoacutegrafo Seacutergio natildeo teria perdido um olho e centenas de pessoas natildeo
teriam sofrido lesotildees e corrido risco de morte se a PMESP tivesse observado
minimamente os paracircmetros internacionais para o uso da forccedila reconhecidos pela
Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas e pela Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos
O Coacutedigo de Conduta Para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo
da Lei30 (doc 4) aprovado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo 34169 de 17
de dezembro de 1979 estabelece criteacuterios para a aplicaccedilatildeo da lei na defesa da ordem
puacuteblica e a forma como essas funccedilotildees satildeo exercidas
30 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)
25
Seu artigo 3ordm dispotildee
Os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute podem empregar a
forccedila quando tal se afigure estritamente necessaacuterio e na medida
exigida para o cumprimento do seu dever
Bastaria a leitura deste artigo para verificar que os agentes de seguranccedila
independente do dever que entendiam estar cumprindo ultrapassaram (e muito) o
estritamente necessaacuterio
Ainda assim esse importante documento internacional vigente desde 1979
possui comentaacuterios interpretativos31 que permitem a melhor aplicaccedilatildeo de seus dispositivos
Veja-se o que diz o comentaacuterio do artigo 3ordm
ldquoComentaacuterio
a) Esta disposiccedilatildeo salienta que o emprego da forccedila por parte dos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deve ser excepcional
Embora admita que estes funcionaacuterios possam estar autorizados a utilizar a
forccedila na medida em que tal seja razoavelmente considerado como
necessaacuterio tendo em conta as circunstacircncias para a prevenccedilatildeo de um crime
ou para deter ou ajudar agrave detenccedilatildeo legal de delinquentes ou de suspeitos
qualquer uso da forccedila fora deste contexto natildeo eacute permitido
b) A lei nacional restringe normalmente o emprego da forccedila pelos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei de acordo com o princiacutepio
da proporcionalidade Deve-se entender que tais princiacutepios nacionais
de proporcionalidade devem ser respeitados na interpretaccedilatildeo desta
disposiccedilatildeo
A presente disposiccedilatildeo natildeo deve ser em nenhum caso interpretada no
sentido da autorizaccedilatildeo do emprego da forccedila em desproporccedilatildeo com o
legiacutetimo objetivo a atingir
c) O emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem
fazer-se todos os esforccedilos no sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de
31 Diretrizes para a efetiva implementaccedilatildeo do Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei Adotado pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU em 1986 por meio da resoluccedilatildeo nordm 198661
26
fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo utilizar-se
armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou
quando de qualquer forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja
suficientes medidas menos extremas para o dominar ou deter Cada vez que
uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as
autoridades competentesrdquo
Observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP tambeacutem natildeo respeitou as disposiccedilotildees dos
Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios
Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (Princiacutepios Baacutesicos) outra normativa no acircmbito
da ONU a qual o Brasil estaacute submetido
32
Eacute escandaloso o descompasso da atuaccedilatildeo policial com o que determina o
paraacutegrafo 5 desse importante documento Veja-se
32 Disponiacutevel em httppontoeletronicomewp-contentuploads20130613jun2013-policial-se-prepara-para-atirar-contra-manifestantes-durante-protesto-contra-o-aumento-da-tarifa-do-transporte-coletivo-realizado-pelas-ruas-da-regiao-central-de-sao-paulo-1371176850700_1920x1080jpg
27
ldquo5 Sempre que o uso legiacutetimo da forccedila e de armas de fogo for inevitaacutevel
os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
(a) Exercer moderaccedilatildeo no uso de tais recursos e agir na proporccedilatildeo da
gravidade da infraccedilatildeo e do objetivo legiacutetimo a ser alcanccedilado
(b) Minimizar danos e ferimentos e respeitar e preservar a vida humana
(c) Assegurar que qualquer indiviacuteduo ferido ou afetado receba assistecircncia e
cuidados meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel
(d) Garantir que os familiares ou amigos iacutentimos da pessoa ferida ou afetada
sejam notificados o mais depressa possiacutevel
Diante dos fatos narrados na inicial eacute possiacutevel se questionar O uso legiacutetimo da
forccedila foi inevitaacutevel Houve infraccedilatildeo grave dos manifestantes para justificar a proporccedilatildeo da
forccedila policial aplicada Houve por parte da PMESP a prestaccedilatildeo de assistecircncia e cuidados
meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel As forccedilas repressivas do Estado garantiram a imediata
notificaccedilatildeo dos feridos
A resposta eacute veementemente negativa para todas essas questotildees
Independentemente dos questionamentos acima tambeacutem natildeo eacute possiacutevel
identificar qual o objetivo legiacutetimo da atuaccedilatildeo da PMESP A proacutepria intenccedilatildeo de dispersatildeo
jaacute ofende o direito agrave reuniatildeo legalmente exercido pela manifestaccedilatildeo puacuteblica presente nos 8
casos trazidos na inicial poreacutem a PMESP foi aleacutem pois contrariou os princiacutepios 13 e 14
dos Princiacutepios Baacutesicos33 ainda que tais manifestaccedilotildees fossem consideradas ilegais e
violentas
Ora estaacute mais do que claro que a utilizaccedilatildeo de armamento de fogo com
municcedilatildeo de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral estariam
absolutamente descartadas se fossem cumpridas as normativas internacionais para
o uso da forccedila
33 A transcriccedilatildeo dos artigos 13 e 14 dos princiacutepios baacutesicos estaacute na paacutegina 16
28
Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais
mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito
internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de
proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade
Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser
sempre a uacuteltima opccedilatildeo
O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias
ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no
sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida
74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo
da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um
contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente
treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo
contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente
quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis
Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente
controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave
forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro
juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo
34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre
Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)
29
iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia
de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma
confiaacutevel36
Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees
da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da
liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX
que ora transcreve-se
Artigo XIX
Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito
inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e
transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente
de fronteiras
Artigo XX
1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas
2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo
Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre
Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem
assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o
relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de
controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto
identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees
36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
30
administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo
das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas
investigaccedilotildees
Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho
de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma
das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de
maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila
de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel
abuso da forccedila
Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas
administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em
manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente
necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de
planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso
abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo
recomendou as seguintes medidas
a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da
forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas
b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees
c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para
verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores
A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao
Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde
partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de
comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela
PMESP no dia 13 de junho de 2014
31
Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que
um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem
de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros
internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em
qualquer outra manifestaccedilatildeo popular
iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO
DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO
Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo
em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de
direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)
ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi
realizada de forma violenta e ilegal
Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem
evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De
acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude
adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia
perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois
A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de
gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a
Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como
pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era
como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e
violecircncia
Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na
direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria
Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos
os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da
Silva)
32
ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um
cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a
ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha
muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais
lanccedilavam bomba por nada para todos os lados
Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as
pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva
[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se
acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas
entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]
quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para
deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos
Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando
com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta
velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo
tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas
pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As
33
pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas
que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair
de laacute
Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o
traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato
mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da
accedilatildeo repressiva
A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava
dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na
Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []
Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente
rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais
comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como
eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para
dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no
chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador
34
Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante
recorrentes
Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um
ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial
mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua
patricinha vagabundarsquo ele me dizia
[]
Vai embora sua prostituta
A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer
seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente
sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral
Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo
Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes
puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz
que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no
35
sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo
utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer
forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou
deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades
competentes
No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de
Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma
de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de
armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal
aviso deve ser feito de forma clara e adequada
Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento
10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente
a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo
suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando
tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave
ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso
Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a
utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo
de armas de fogo
Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a
grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade
policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma
sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma
36
manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos
princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38
Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)
manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de
proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo
com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado
ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever
de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e
menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas
deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme
os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo
A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa
de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila
Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do
Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas
envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para
que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio
ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se
identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza
as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila
outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude
exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
37
[]
A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica
implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto
proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com
proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de
reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O
grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja
considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do
que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de
maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se
encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o
uso da forccedila resulta desproporcionado
Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da
aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute
internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado
internacional de direitos humanos
Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com
documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema
necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas
de seguranccedila
iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE
POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES
Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a
de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de
identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria
responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)
41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15
38
ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo
ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem
os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na
Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo
onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam
muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito
desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada
um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e
depois soltarrdquo
Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume
havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as
normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo
usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento
Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute
tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma
Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por
parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em
particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo
identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de
2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos
gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de
3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se
SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou
nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto
de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os
rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido
possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante
42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319
39
agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da
corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos
A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)
que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o
Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica
informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de
identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou
crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas
pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e
ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento
Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento
feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -
organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo
com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a
manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da
Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois
se espalharam pelo centro
Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se
determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular
Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito
interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a
atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu
Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta
manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial
em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes
policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees
O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo
em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial
40
No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado
de se identificarem previamente como tais no momento de advertir
com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a
forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua
atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees
estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e
adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se
f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de
seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas
ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever
potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim
de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no
terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e
comportamento policial
Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a
identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que
cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e
ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se
g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as
forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de
abusos ou atos de violecircncia
h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou
judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas
operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos
no curso das mesmas
41
Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos
cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013
em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos
A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou
que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem
disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes
em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que
confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns
trechos da mateacuteria
Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes
sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas
delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo
Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo
investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute
abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi
concluiacuteda e nenhum policial foi punido
A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute
os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo
processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1
de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014
Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de
Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum
policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21
policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato
Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e
tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e
ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades
43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)
42
v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS
CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES
Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do
Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa
atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute
de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila
Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em
manifestaccedilotildees futuras
Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute
imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo
temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de
confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo
Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a
negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A
proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da
Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que
Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os
governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar
atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos
especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da
forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a
compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de
persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos
destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados
da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e
procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos
43
Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um
negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se
evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se
e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves
manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes
para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e
protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de
conflito
Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na
Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos
publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72
daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue
72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no
uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a
resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das
multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como
meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45
Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de
Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia
da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se
44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf
44
38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um
verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades
policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da
manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico
Suiacuteccedila e outros paiacuteses47
Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os
documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador
civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco
de conflito social
vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa
de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na
dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila
notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas
O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar
Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre
recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo
Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem
alguns trechos
No comando do choque eu soacute recebi precircmios
47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora
45
Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe
pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de
Satildeo Paulo
ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de
protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo
A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho
quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e
pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo
foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do
centro saqueadas
Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da
Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui
ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou
A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v
Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de
dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute
o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte
ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar
seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito
negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50
Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando
preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa
policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre
expressatildeo
49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)
46
ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees
razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento
paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem
violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da
legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento
de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo
manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma
manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das
pessoasrdquo52
Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho
de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante
da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo
A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava
subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e
um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas
patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de
brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo
tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha
bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa
assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou
brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo
[]
Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos
policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles
ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar
sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E
todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado
52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas
47
do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo
para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo
[]
Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu
encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de
gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba
nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para
os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de
novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me
lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de
Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo
mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da
poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo
estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e
nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo
[]
A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes
Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a
gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem
Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o
pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes
lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila
Roosevelt
[]
O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da
Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava
que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente
ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima
tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali
natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando
bomba em cima da gente
O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da
Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e
intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso
desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a
48
agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de
Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se
ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees
policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso
indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o
membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para
proteger seus companheiros ali presentesrdquo54
Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave
determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve
permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo
administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes
vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A
ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica
do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e
internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo
puacuteblico
Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da
forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a
formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas
53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo
49
Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que
ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e
de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na
elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e
minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e
de armas de fogordquo
Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para
determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila
deveriam seguir Aqui estatildeo elas
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo
da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os
tipos de armas e municcedilotildees permitidas
(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias
apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio
(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos
injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis
(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas
de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas
armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de
armas de fogo
50
(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no
desempenho das suas funccedilotildees
Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila
e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia
da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece
as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila
Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como
aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos
agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento
dessas diretrizes
1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar
nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e
deveraacute considerar primordialmente
a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela
Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na
sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979
b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de
Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados
pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo
198961 de 24 de maio de 1989
c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo
Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o
Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto
a 7 de setembro de 1999
d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis
Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees
Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de
1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991
51
Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade
resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a
necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna
ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial
Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao
Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que
tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria
9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos
disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo
objetivamente
a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas
b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao
ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no
evento
c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo
perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento
d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees
desnecessaacuterias e risco injustificado e
e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente
de seguranccedila puacuteblica
Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do
Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de
Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que
regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees
Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se
natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como
a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de
manifestaccedilotildees e reuniotildees populares
52
Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro
miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos
que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e
sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil
6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE
DIREITOS HUMANOS
O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado
por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica
contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso
internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados
no que tange agrave dignidade humana
De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados
natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a
dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados
podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros
Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos
que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos
internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas
Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo
terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua
responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos
internacionalmente admitidos
55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf
53
Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56
apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute
um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees
como prova para outro procedimento de julgamento internacional do
Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura
ignorada
Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados
no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos
normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo
Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina
se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses
oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o
jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi
distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda
externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados
ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos
constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os
paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o
respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil
continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos
nacionalmente57
Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da
presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o
que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada
56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355
54
7) CONCLUSAtildeO
A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm
Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para
resoluccedilatildeo da presente controveacutersia
Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e
histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma
expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo
se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do
Estado de Satildeo Paulo
Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a
atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa
padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia
O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo
Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos
Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que
expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e
que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente
demanda
55
8) PEDIDO
Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como
amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae
requer-se seu recebimento como memoriais
Termos em que
Pede deferimento
Satildeo Paulo 17 de julho de 2014
Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs
OABSP 262284 OABSP 101663
Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni
OABSP 284930 OABSP 286871
Sheila Santana de Carvalho
OABSP 343588
8
direitos humanos inegavelmente protege o direito de protestar em reconhecimento aos
direitos de reuniatildeo liberdade de expressatildeo de opiniatildeo e de associaccedilatildeo
Entretanto nos uacuteltimos anos o crescente nuacutemero de manifestaccedilotildees populares
pelo mundo vem se deparando com reaccedilotildees violentas das autoridades do Estado - em
regra os proacuteprios contestados nas manifestaccedilotildees Nesse sentido governos optam por
impor restriccedilotildees ao direito de reuniatildeo natildeo soacute ilegais mas contraacuterias ao proacuteprio conceito de
Estado Democraacutetico
Eacute nesse contexto que a presente demanda se insere e que a CONECTAS DIREITOS
HUMANOS viu-se compelida a se manifestar como amicus curiae para oferecer um breve
panorama dos principais paracircmetros internacionais que regulam o comportamento
da poliacutecia e particularmente o uso da forccedila no contexto de manifestaccedilotildees
populares
B ndash PRINCIPAIS NORMAS INTERNACIONAIS QUE REGULAM O USO DA FORCcedilA PELA
POLIacuteCIA
A niacutevel global existem 2 conjuntos de documentos que tratam especificamente da
regulaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia o Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios
Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei de 19793 (doc 4) com as diretrizes para sua efetiva
implementaccedilatildeo4 e os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei de 19905 (doc 5)
Amplamente tidas como declaraccedilotildees oficiais de direito internacional6 esses
instrumentos satildeo frequentemente mencionados pelos mecanismos regionais de direitos
3 Adotado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo nordm 34169 4 Adotado pelo Resoluccedilatildeo Conselho Social e Econocircmico da ONU nordm 198661 5 Adotado pela Conferecircncia de Crime das Naccedilotildees Unidas 6 Relatoacuterio apresentado na Assembleia Geral em 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on
9
humanos e tecircm sido repetidamente referenciados por vaacuterios oacutergatildeos da ONU7 como
expressatildeo dos princiacutepios da proporcionalidade e da estrita necessidade do uso da forccedila
policial destacando ainda que o uso de potencial forccedila letal deve ser sempre excepcional
A preocupaccedilatildeo da comunidade internacional com a efetividade dos direitos
universais de livre expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo fez com que fosse criada no
acircmbito da ONU a figura do Relator Especial sobre os Direitos de Liberdade de
Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo
Aleacutem disso haacute de ser destacado que em maio de 2011 o Relator Especial da
ONU sobre Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias ou Arbitraacuterias apresentou um
estudo ao Conselho de Direitos Humanos da organizaccedilatildeo concluindo que os sistemas
legais de muitos paiacuteses ainda natildeo aderiram aos padrotildees internacionais miacutenimos
relacionados ao uso da forccedila policial8
61 A princiacutepio disparar indiscriminadamente contra uma multidatildeo natildeo eacute
permitido e soacute pode se voltar ao indiviacuteduo ou grupo que constitui ameaccedila
de morte ou ferimentos graves O uso de armas de fogo natildeo pode ser
justificado apenas porque uma reuniatildeo eacute ilegal que tenha deva ser
dispersada ou para se proteger a propriedade Isso muitas vezes natildeo estaacute
refletido nas leis do paiacutes
62 Nos termos do Coacutedigo de Conduta e dos Princiacutepios Baacutesicos a norma a
respeito do uso intencional de forccedila letal eacute a mesma em todas as
circunstacircncias mesmo em auto-defesa prisatildeo contenccedilatildeo de revolta popular
the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 7 Entre outros Resoluccedilotildees do Conselho de Direitos Humanos observaccedilotildees finais de vaacuterios corpos de tratados como o Comitecirc de Direitos Humanos e o Comitecirc Contra a Tortura aleacutem dos relatos de procedimentos especiais 8 Relatoacuterio do Relator Especial sobre execuccedilotildees extrajudicias sumaacuterias ou arbitraacuterias apresentado agrave Assembleia Geral em 23052011 (AHRC1728) paraacutegrafos 61 e 62 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf
10
ou em quaisquer outras circunstacircncias ou seja somente em proteccedilatildeo da
vida9
No acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos (CIDH) por meio do Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos
Humanos (2009) (doc 7) e do Relatoacuterio sobre a Situaccedilatildeo dos Defensores dos
Direitos Humanos nas Ameacutericas (2012) (doc 8) definiu paracircmetros concretos para
regular o policiamento de protestos que inclui nomeadamente a proibiccedilatildeo do uso de
forccedila letal a necessidade de treinamento adequado para o policiamento durante
manifestaccedilotildees de massa e a exigecircncia de identificaccedilatildeo clara e individual dos policiais
Nota-se que os paracircmetros da CIDH tambeacutem reforccedilam os princiacutepios da
proporcionalidade e da estrita necessidade aleacutem de reconhecer que o direito de protestar eacute
uma forma de expressatildeo coletiva que deve ser garantida10
Natildeo eacute demais destacar que na Europa estaacute vigente um Coacutedigo Europeu de Eacutetica
Policial que conteacutem uma seccedilatildeo inteira dedicada ao policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas
que incluem obrigaccedilotildees processuais e materiais sobre as forccedilas de seguranccedila antes durante
e apoacutes as manifestaccedilotildees acontecerem aleacutem de um foco especial sobre as obrigaccedilotildees da
poliacutecia quando as forccedilas de seguranccedila tomam medidas para dispersar a multidatildeo11
9 Traduccedilatildeo livre de 61 In principle shooting indiscriminately into a crowd is not allowed and may only be targeted at the person or persons constituting the threat of death or serious injury The use of firearms cannot be justified merely because a particular gathering is illegal and has to be dispersed or to protect property This is often not reflected in domestic laws 62 In terms of the Code and the Basic Principles the norm in respect of the intentional use of lethal force is the same under all circumstances whether in self-defence arrest quelling a riot or any other circumstances namely protection of life 10 ldquoComo a jurisprudecircncia do sistema interamericano explicou em numerosas ocasiotildees a liberdade de expressatildeo eacute um direito que tem duas dimensotildees uma dimensatildeo individual que consiste no direito de cada pessoa para expressar seus pensamentos ideias e informaccedilotildees e uma dimensatildeo coletiva ou social que consiste no direito da sociedade de obter e receber todas as informaccedilotildees para saber os pensamentos ideias e informaccedilotildees de outras pessoas para estarem bem informadosrdquo CIDH Escritoacuterio do Relator Especial pela Liberdade de Expressatildeo The inter-American legal framework regarding the right to freedom of expression (OEA SerLVII CIDHRELEINF (2009) par 13 Traduccedilatildeo livre de ldquoAs the case law of the inter-American system has explained on numerous occasions freedom of expression is a right that has two dimensions an individual dimension consisting of the right of each person to express her own thoughts ideas and information and a collective or social dimension consisting of societyrsquos right to obtain and receive any information to know the thoughts ideas and information of others and to be well-informedrdquo 11 Paraacutegrafo 176 da Segunda Ediccedilatildeo das Diretrizes da OSCE Detalhando por exemplo a obrigaccedilatildeo de estabelecer procedimentos de descontaminaccedilatildeo de produtos quiacutemicos irritantes utilizados em
11
A Corte Europeia de Direitos Humanos inclusive jaacute adotou posicionamentos
importantes sobre o tema como a presunccedilatildeo em favor do caraacuteter paciacutefico de todas as
manifestaccedilotildees12 a legitimidade das manifestaccedilotildees de uso do espaccedilo puacuteblico ainda que
causem um certo grau de perturbaccedilatildeo na vida cotidiana13 a necessidade de avaliar o
comportamento do indiviacuteduo separadamente do da multidatildeo14 e o ocircnus da prova de
manifestantes com intenccedilotildees ou accedilotildees violentas que recai sobre as autoridades15
Com o que seraacute esmiuccedilado a seguir este mm Juiacutezo teraacute condiccedilotildees de
observar que o Estado de Satildeo Paulo em sua competecircncia de regulamentar e
controlar a atividade de sua poliacutecia militar aleacutem de desrespeitar a proacutepria
Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil viola absolutamente TODAS AS
NORMAS INTERNACIONAIS jaacute estabelecidas para o uso da forccedila policial
5) DO USO DA FORCcedilA PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO NO DIA 13 DE
JUNHO DE 2013
Em 13 de junho de 2013 uma das situaccedilotildees de fato trazidas agrave demanda a Poliacutecia
realizava em Satildeo Paulo uma das mais violentas repressotildees a manifestaccedilotildees desde o fim da
ditadura militar Numa noite de horror coletivo raramente vista milhares de pessoas que
manifestantes a proibiccedilatildeo de utilizar a forccedila contra manifestantes paciacuteficos que satildeo incapazes de dispersar o dever de manter registros detalhados sobre o tipo de forccedila utilizada e a obrigaccedilatildeo de investigar a causa de mortes ou ferimentos entre outros 12 Uma assembleacuteia seraacute considerada paciacutefica enquanto os participantes estiverem paciacuteficos mesmo que os organizadores natildeo cumpram com todos os requisitos legais necessaacuterios para o desenvolvimento da manifestaccedilatildeo Oya Ataman v Turkey no 7455201 ECHR 2006 e Cisse v France no 5134699 sect 37 ECHR 2002 Traduccedilatildeo livre de ldquoAn assembly will be deemed peaceful as long as the participants remain peaceful even if the organizers have not complied with all legal requirements prior to the assemblyrdquo 13 Patyi and Others v Hungary no 552905 sectsect 42-43 ECHR 2008 Balccedilik and Others v Turkey no 2502 sect 52 ECHR 2007 Ashughyan v Armenia no 3326803 sect 90 ECHR 2008 14 ldquouma pessoa natildeo deixa de gozar do direito de reuniatildeo paciacutefica em casos de violecircncia esporaacutedica ou outros atos puniacuteveis cometidos por outras no curso da manifestaccedilatildeo se permanece tranquilo em suas proacuteprias intenccedilotildees ou comportamentosrdquo Ziliberberg v Moldova (dec) no 6182100 ECHR 2004 Traduccedilatildeo livre de ldquoan individual does not cease to enjoy the right to peaceful assembly as a result of sporadic violence or other punishable acts committed by others in the course of the demonstration if the individual in question remains peaceful in his or her own intentions or behaviourrdquo 15 Christian Democratic Peoplersquos Party v Moldova (No 2) no 2519604 sect 23 ECHR 2010
12
participavam de um protesto paciacutefico no centro da cidade se viram cercadas por tropas
policiais em um labirinto violento que atravessou a noite e cujas traacutegicas consequecircncias se
fazem sentir ainda hoje especialmente para os que carregaratildeo sequelas fiacutesicas e emocionais
Esse caso mostra evidente que os procedimentos adotados pela seguranccedila puacuteblica
paulista natildeo respeitaram os protocolos internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila
aleacutem de descumprir tratados e convenccedilotildees internacionais que o Brasil eacute signataacuterio e natildeo
seguir as recomendaccedilotildees das organizaccedilotildees internacionais das quais o Brasil eacute parte
Satildeo numerosos os relatos e evidecircncias de violecircncia fiacutesica contra os manifestantes
em 13 de junho de 2013 inclusive em desfavor de pessoas rendidas deitadas desarmadas e
desprovidas de qualquer acircnimo de resistecircncia Muitas destas pessoas foram espancadas e
atingidas por disparos de balas de borracha
Foram relatados ainda atos de violecircncia contra pessoas que natildeo estavam
participando dos protestos inclusive idosos e crianccedilas16 Foram registradas cenas onde a
Poliacutecia invadiu ateacute mesmo hospitais a fim de localizar pessoas que teriam participado dos
protestos17 Aleacutem disso apoacutes o grande nuacutemero de manifestantes jaacute ter sido dispersado
foram registradas cenas onde a Poliacutecia invadiu estabelecimentos comerciais supostamente
em busca dos manifestantes e agrediu pessoas18 Segundo relatos dos organizadores do
evento mais de 100 pessoas ficaram feridas19 em decorrecircncia da accedilatildeo truculenta da Poliacutecia
naquele dia
16 Ver por exemplo PORTAL DE NOTIacuteCIAS TERRA ldquoBomba de gaacutes lacrimogecircneo atinge carro de um idoso que estava de passagemrdquo viacutedeo publicado no 14 de junho de 2013 13h50 disponiacutevel no link httpterratvterracombrvideosNoticiasBrasilCidades4828-474261Bomba-de-gas-lacrimogeneo-cai-dentro-de-carro-em-protesto-em-SPhtm 17 Ver depoimento no site do Coletivo Antiproibicionista de Satildeo Paulo ldquoPM retira feridos a forccedila de hospital e impede atendimentordquo 14 de junho de 2013 disponiacutevel no link httpcoletivodarorg201306pm-retira-feridos-a-forca-de-hospital-e-impede-atendimento
18Ver por exemplo JORNAL FOLHA DE SAtildeO PAULO ldquoApoacutes confronto casal eacute agredido por PMs na regiatildeo da Paulistardquo 14 de junho de 2013 00h52 disponiacutevel em httpwww1folhauolcombrcotidiano2013061294916-apos-confronto-casal-e-agredido-por-pms-na-regiao-da-paulistashtml 19
Os dados finais sobre o numero de feridos ainda estatildeo sendo organizados pelo MPL e pela Defensoria
Puacuteblica de Satildeo Paulo Para uma estimativa ver infograacutefico JORNAL FOLHA DE SAtildeO PAULO ldquoDos 235
detidos em protesto 231 satildeo liberados apoacutes prestar depoimentordquo 14 de junho 2013 07h25 disponiacutevel
emhttpwww1folhauolcombrcotidiano2013061294960-dos-235-detidos-em-protesto-231-sao-
liberados-apos-prestar-depoimentoshtml
13
Abaixo demonstra-se detalhadamente cada norma dos protocolos internacionais
para a utilizaccedilatildeo da forccedila que foram descumpridas pela Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo
Paulo contribuindo-se para o livre convencimento deste mm Juiacutezo a dar total procedecircncia
agrave presente accedilatildeo civil puacuteblica
i - DA INTERRUPCcedilAtildeO DA REUNIAtildeO PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO
VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS
Um dia que ficaria para a histoacuteria como a maior expressatildeo do exerciacutecio do direito
constitucional de reuniatildeo da liberdade de expressatildeo e de locomoccedilatildeo na verdade tornou-se
a maior expressatildeo da restriccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da proacutepria Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Observa-
se que a justificativa de se liberar o traacutefego de veiacuteculos para garantir a manutenccedilatildeo da
ordem puacuteblica foi a causa que deu iniacutecio agrave accedilatildeo ilegal e truculenta da Poliacutecia Militar do
Estado de Satildeo Paulo (PMESP)
Nota-se das paacuteginas 21 e 22 da exordial que as proacuteprias forccedilas de seguranccedila
tomaram a iniciativa de encerrar o ato que reuniu cerca de 15 mil pessoas que caminhavam
pelas ruas de Satildeo Paulo
Ocorre que aleacutem de ilegal e inconstitucional essa medida ofende diretamente a
Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos (Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica)
incorporada ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 68792
Eacute o que diz a Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos no Marco Juriacutedico
Interamericano Sobre o Direito agrave Liberdade de Expressatildeo20 onde seu paraacutegrafo 82
assevera
20 Apresentado pela Relatoria para a Liberdade de Expressatildeo da Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos 2010 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhexpresiondocspublicacionesMARCO20JURIDICO20INTERAMERICANO20DEL20DERECHO20A20LA20LIBERTAD20DE20EXPRESION20ESP20FINAL20portadadocpdf (acessado em 04062014)
14
ldquoqualquer afetaccedilatildeo da ordem puacuteblica invocada como justificaccedilatildeo para limitar
a liberdade de expressatildeo deve obedecer causas reais e objetivamente
verificaacuteveis que signifiquem uma ameaccedila certa e acreditaacutevel de uma
perturbaccedilatildeo potencialmente grave das condiccedilotildees baacutesicas para o
funcionamento das instituiccedilotildees democraacuteticasrdquo21
Nota-se do conjunto probatoacuterio juntado aos autos que antes da atuaccedilatildeo policial
natildeo houve qualquer risco razoaacutevel de distuacuterbio grave natildeo havendo possibilidade diante da
Convenccedilatildeo Americana de se promover a dispersatildeo da manifestaccedilatildeo simplesmente pela
ocupaccedilatildeo de uma via puacuteblica
Eacute o que diz a continuaccedilatildeo do dispositivo mencionado acima
ldquoEm consequecircncia natildeo eacute suficiente invocar meras conjecturas sobre
eventuais afetaccedilotildees da ordem nem circunstacircncias hipoteacuteticas derivadas
de interpretaccedilotildees das autoridades diante de fatos que natildeo representem
claramente um risco razoaacutevel de distuacuterbios graves Uma interpretaccedilatildeo mais
ampla ou indeterminada abriria um campo inadmissiacutevel agrave arbitrariedade e
restringiria a raiz da liberdade de expressatildeo que forma parte integral da
ordem puacuteblica protegida pela Convenccedilatildeo Americanardquo22
Dentre as pessoas viacutetimas da violecircncia policial do dia 13062013 dez prestaram
relatos agrave requerente sobre o que ocorreu naquela noite em Satildeo Paulo (doc 6) informando
que PMESP perseguiu prendeu agrediu e feriu indiscriminadamente natildeo apenas
manifestantes mas tambeacutem jornalistas e moradores dos bairros por onde a marcha passou
21 Traduccedilatildeo livre de ldquocualquier afectacioacuten del orden puacuteblico invocada como justificacioacuten para limitar la libertad de expresioacuten debe obedecer a causas reales y objetivamente verificables que planteen una amenaza cierta y creiacuteble de una perturbacioacuten potencialmente grave de las condiciones baacutesicas para el funcionamiento de las instituciones democraacuteticasrdquo 22 Traduccedilatildeo livre de ldquo En consecuencia no resulta suficiente invocar meras conjeturas sobre eventuales afectaciones del orden ni circunstancias hipoteacuteticas derivadas de interpretaciones de las autoridades frente a hechos que no planteen claramente un riesgo razonable de disturbios graves (ldquoviolencia anaacuterquicardquo) Una interpretacioacuten maacutes amplia o indeterminada abririacutea un campo inadmisible a la arbitrariedad y restringiriacutea de raiacutez la libertad de expresioacuten que forma parte integral del orden puacuteblico protegido por la Convencioacuten Americanardquo
15
Veja-se o depoimento de uma delas
A manifestaccedilatildeo seguiu pela av Ipiranga ateacute o iniacutecio da rua da Consolaccedilatildeo
onde jaacute havia viaturas policiais acompanhando a multidatildeo Ateacute entatildeo a
movimentaccedilatildeo desses policiais era tranquila como a dos proacuteprios
manifestantes Eles caminhavam com suas faixas bandeiras camisas com
dizeres de protesto gritos enfim uma manifestaccedilatildeo como outra qualquer
Entrando na rua da Consolaccedilatildeo o clima comeccedilou a ficar diferente Em
frente agrave Praccedila Roosevelt havia uma barreira de guardas civis da Guarda
Civil Metropolitana (GCM) Eles se posicionaram com escudos e cassetetes
formando uma barreira humana nas escadarias da Praccedila Roosevelt para que
os manifestantes natildeo ocupassem aquele espaccedilo []
Seguindo ainda nesse trecho da rua da Consolaccedilatildeo a Poliacutecia Militar do
estado de Satildeo Paulo posiciona alguns veiacuteculos duas ou trecircs viaturas (natildeo me
recordo bem) e comeccedila um diaacutelogo (podemos chamar assim) entre alguns
policiais alguns manifestantes e o pessoal da imprensa Posso dizer com
absoluta certeza que eram pouquiacutessimas pessoas nesse diaacutelogo dois ou trecircs
policiais cinco ou seis manifestantes e o resto era da imprensa Eu estava
proacuteximo do local dessa conversa e o pouco que eu consegui ouvir era da
voz de um policial dizendo que os manifestantes natildeo poderiam continuar
naquele trajeto ou seja subir a rua da Consolaccedilatildeo em direccedilatildeo agrave av Paulista
que era o trajeto que aquela manifestaccedilatildeo queria fazer
16
Ao adotar a formaccedilatildeo de confronto e impedir o prosseguimento da manifestaccedilatildeo
paciacutefica a PMESP impediu o exerciacutecio do direito de reuniatildeo e livre expressatildeo de cerca de
15 mil pessoas Natildeo satisfeita ainda iniciou o lanccedilamento de bombas e tiros com municcedilatildeo
de elastocircmero contra as pessoas reunidas ali pacificamente
23
Claramente ao interromper as pessoas ali reunidas que marchavam
pacificamente a PMESP rasgou todas as cartas de direitos que reconhecem a liberdade de
reuniatildeo e de expressatildeo - a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica a Declaraccedilatildeo Universal de Direitos
Humanos e a Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos ndash ferindo tambeacutem os
posicionamentos de organismos internacionais como a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos (CIDH)cedilque sinaliza hipoacuteteses restritas de limitaccedilatildeo do direito de
reuniatildeo no 2ordm Relatoacuterio sobre a Situaccedilatildeo de Defensores e Defensoras de Direitos
Humanos nas Ameacutericas24 (doc 8) Veja-se
ldquo107 Nos uacuteltimos anos alguns paiacuteses tecircm apresentado um aumento no
nuacutemero de accedilotildees penais contra participantes de protestos sociais para a
reivindicaccedilatildeo de direitos utilizando-se de argumentos como a perturbaccedilatildeo
da ordem puacuteblica ou o atentado contra a seguranccedila do Estado Em virtude
da importacircncia que se revestem as manifestaccedilotildees puacuteblicas nos sistemas
democraacuteticos o Estado possui hipoacuteteses restritas para aplicar
limitaccedilotildees nesse sentido mesmo que o direito de reuniatildeo natildeo seja
23 Disponiacutevel em httpimgr7comimages2013061500_13_08_643_filedimensions=780x340 24 Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos 2011 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhdefensoresdocspdfdefensores2011pdf (acessado em 02062014)
17
absoluto ou possa estar sujeito a certos limites essas justificativas
devem ser razoaacuteveis para se assegurar o desenvolvimento paciacutefico das
manifestaccedilotildees e devem reger-se ldquopelos princiacutepios da legalidade da
necessidade e da proporcionalidaderdquo25
A importacircncia destes firmes posicionamentos da CIDH fundamenta-se em sua
proacutepria funccedilatildeo institucional de interpretar e recomendar a melhor aplicaccedilatildeo da
Convenccedilatildeo que claramente reconhece na atividade administrativa do Estado de Satildeo
Paulo a violaccedilatildeo de dois de seus artigos abaixo transcritos
Artigo 13 - Liberdade de pensamento e de expressatildeo
Toda pessoa tem o direito agrave liberdade de pensamento e de expressatildeo Esse
direito inclui a liberdade de procurar receber e difundir informaccedilotildees e ideacuteias
de qualquer natureza sem consideraccedilotildees de fronteiras verbalmente ou por
escrito ou em forma impressa ou artiacutestica ou por qualquer meio de sua
escolha
Artigo 15 - Direito de reuniatildeo
Eacute reconhecido o direito de reuniatildeo paciacutefica e sem armas O exerciacutecio desse
direito soacute pode estar sujeito agraves restriccedilotildees previstas em lei e que se faccedilam
necessaacuterias em uma sociedade democraacutetica ao interesse da seguranccedila
nacional da seguranccedila ou ordem puacuteblicas ou para proteger a sauacutede ou a
moral puacuteblicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas
25 Traduccedilatildeo livre de ldquo107 En los uacuteltimos antildeos se ha presentado una creciente iniciacioacuten de acciones penales en algunos paiacuteses en contra de quienes participan en protestas sociales para la reivindicacioacuten de derechos bajo el argumento de que supuestamente se desarrollariacutean en un marco de perturbacioacuten del orden puacuteblicoo atentariacutean contra la seguridad del Estado En virtud de la importancia que reviste la protesta social en los sistemas democraacuteticos el Estado tiene un marco centildeido para justificar su limitacioacuten en este sentido si bien el derecho de reunioacuten no es absoluto y puede estar sujeto a ciertos liacutemites eacutestos deben ser razonablescon el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las manifestaciones y deben regirse ldquopor los principios de legalidad necesidad y proporcionalidaderdquo
18
Jaacute no acircmbito da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) o Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Poliacuteticos26 exige que os Estados signataacuterios
garantam aos seus cidadatildeos o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de participaccedilatildeo da
conduccedilatildeo de assuntos puacuteblicos sem restriccedilotildees infundadas27
Nessa linha o 8ordm Congresso das Naccedilotildees Unidas sobre a Prevenccedilatildeo do Crime
e o Tratamento dos Delinquentes deu publicidade a um documento formulado para
assistir os Estados membros na tarefa de assegurar e promover a adequada missatildeo dos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo de lei Trata-se dos Princiacutepios Baacutesicos sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da
Lei28 (doc 5) que dentre suas disposiccedilotildees determina que
ldquodevem ser tomados em consideraccedilatildeo e respeitados pelos governos
no acircmbito da legislaccedilatildeo e da praacutetica nacionais e levados ao
conhecimento dos funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei e de
outras pessoas como juiacutezes agentes do Ministeacuterio Puacuteblico
advogados membros do Executivo e do Legislativo bem como do
puacuteblico em geralrdquo
Ao se comprometer com esse documento o Estado Brasileiro compreendido por
Uniatildeo Estados e Municiacutepios natildeo pode deixar de observar suas disposiccedilotildees
Todavia mesmo conhecedor desses paracircmetros o Estado de Satildeo Paulo
por meio da PMESP no dia 13 de junho optou por descumpri-los ao encerrar uma
manifestaccedilatildeo legal e natildeo-violenta
26 Internalizado ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 592 de 6 de julho de 1992 27 Arts 19 21 e 25 28 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)
19
29
A violaccedilatildeo do compromisso internacional estaacute explicitada em seu Princiacutepio 12
que diz que como todos tecircm direito de participar de reuniotildees legiacutetimas e paciacuteficas de acordo com os
princiacutepios expressos na Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional de Direitos
Civis e Poliacuteticos os governos entidades e os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo reconhecer que a forccedila
e as armas de fogo soacute podem ser usadas nos termos dos Princiacutepios 13 e 14
Note-se que tais princiacutepios referem-se a grupos ilegais e violentos o que
claramente natildeo foi o caso das pessoas que estavam nas ruas exercendo seu direito de livre
expressatildeo e reuniatildeo poreacutem ainda que fosse seria inevitaacutevel se observarem os criteacuterios da
proporcionalidade e da estrita necessidade no uso da forccedila policial
Veja-se a transcriccedilatildeo dos Princiacutepios 13 e 14 do protocolo
13 Ao dispersar grupos ilegais mas natildeo-violentos os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo evitar o uso da forccedila ou quando tal natildeo for
possiacutevel deveratildeo restringir tal forccedila ao miacutenimo necessaacuterio
14 Ao dispersar grupos violentos os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute
poderatildeo fazer uso de armas de fogo quando natildeo for possiacutevel usar outros
meios menos perigosos e apenas nos termos minimamente necessaacuterios Os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei natildeo deveratildeo fazer uso de armas de
fogo em tais casos a natildeo ser nas condiccedilotildees previstas no Princiacutepio 9
29 Disponiacutevel em httpwwwvalorcombrsitesdefaultfilesimagecachemedia_library_300_197imagesprotestag_0_8_640_419jpg
20
Ora diante dos fatos eacute impossiacutevel identificar sequer um rastro de observacircncia
deste protocolo pela PMESP seja no dia 13 de junho de 2013 ou nas outras situaccedilotildees
narradas na inicial
Portanto demonstra-se que suposta manutenccedilatildeo da ordem puacuteblica no intuito de
se garantir a circulaccedilatildeo de veiacuteculos natildeo pode do ponto de vista juriacutedico interno e
internacional frustrar o direito de reuniatildeo das pessoas que se encontram em vias puacuteblicas
para exercer seu direito universal agrave liberdade de expressatildeo
ii - DA UTILIZACcedilAtildeO DE ARMAS DE FOGO COM MUNICcedilAtildeO DE ELASTOcircMERO BOMBAS DE
GAacuteS E GRANADAS DE LUZ E SOM PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO
VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS
Os relatos daqueles que participaram da manifestaccedilatildeo (doc 6) sugerem que em
vez de direcionar a marcha num suposto sentido de dispersatildeo os policiais encurralaram
milhares de pessoas num circuito de tiro com balas de borracha saturado com bombas
de gaacutes e granadas de luz e som ao longo de vaacuterias ruas da regiatildeo central Essa taacutetica policial
de encurralamento pode ser observada pelo mapa abaixo o qual explica como se deu o
trajeto realizado pela poliacutecia e manifestantes
21
22
Seacutergio Andrade da Silva de 31 anos eacute um fotoacutegrafo casado e pai de duas
crianccedilas Na noite do protesto ele saiu para trabalhar Faria fotos da marcha para uma
agecircncia de notiacutecias mas acabou horas depois internado no ldquoHospital H Olhosrdquo depois
de ter passado pelo ldquoHospital 9 de Julhordquo onde recebeu doses de morfina para controlar a
dor de duas fraturas na oacuterbita ocular resultante de accedilatildeo da Poliacutecia Militar Sergio levou
cinco pontos dentro do olho esquerdo do qual ficaria definitivamente cego
Transcreve-se abaixo trecho do relato de Sergio que mostra todo o pacircnico que
sentiu no momento da agressatildeo recebida pela PMESP (doc 6)
Fui atingido por uma bala de borracha Tenho quase 180m e a bala me
atingiu exatamente no olho [] A dor foi instantacircnea profunda terriacutevel
Todos os piores adjetivos com que vocecirc puder qualificar a dor eu senti
naquele momento Meu olho inchou rapidamente coloquei a matildeo e minha
paacutelpebra jaacute havia se fechado Muito sangue comeccedilava a cair naquele instante
e pensei lsquofiquei cego Natildeo vou mais conseguir fotografarrsquo Foi a sensaccedilatildeo
que eu tive
Outro relato mostra exatamente o desespero de um cidadatildeo que corre risco de
vida ou de ferimentos graves pela accedilatildeo da proacutepria poliacutecia que supostamente deve
promover a seguranccedila puacuteblica (doc 6)
23
Ali foi o momento mais desesperador mesmo porque natildeo conseguia
respirar achei que ia desmaiar ali comecei a ficar fraca natildeo conseguia correr
mais e fiquei um tempo ali desnorteada com todo aquele gaacutes e continuei
correndohellip Jaacute tinha perdido todo mundo e olhei para os lados estava todo
mundo correndo subindo e natildeo tinha para onde ir a natildeo ser subir a
Augusta Tinha muita gente e natildeo dava para ir raacutepido a gente ficou
encurralado Quando vi estaacutevamos entre uma parede subindo a Augusta
na frente tinha um grupo de policias da Tropa de Choque e atraacutes tambeacutem
Ali foi o momento que fomos emparedados Natildeo tinha o que fazer natildeo
dava para correr muito corriacuteamos lentamentehellip Me senti fuzilada naquele
momento a gente ficou emparedado parecia um fuzilamento no paredatildeo
Foi tudo muito raacutepido e de repente estourou uma bomba na minha frente a
princiacutepio achei que era gaacutes lacrimogecircnio eu senti todo o impacto no meu
corpo mas continuei correndo Natildeo sabia que eu havia me machucado ou
melhor que tinham me machucado naquele momento soacute tinha sentido o
impacto Eu estava com muito medo de levar bala de borracha porque eles
estavam realmente perseguindo Quando virei a direita eu continuei
ouvindo os tiros e as bombas e aquela rua estava completamente parada as
pessoas correndo entre os carros todo mundo desesperado ali E eles
continuaram correndo atraacutes da gente ndash na verdade sequer olhei para traacutes
dava para ouvir e tinha certeza absoluta que seria atingida por uma bala de
borracha Porque eles estavam muito perto perseguindo Consegui correr e
virar a direita de novo onde encontrei um estacionamento grande na Caio
Prado Ali correndo seguindo nessa rua percebi que havia um corte
profundo no meu braccedilo Eu olhei um corte muito profundo eu fiquei
muito assustada Minha reaccedilatildeo foi chorar continuar correndo Foi uma
sensaccedilatildeo de desespero muito grande mesmo Me senti em uma guerra natildeo
tinha para onde correr e com certeza seria atingida por alguma bala de
borracha ou por bombas porque eles continuavam atraacutes Nesse
estacionamento pedi para o rapaz me deixar entrar Ele falou que natildeo podia
me deixar entrar Falei ldquopor favor me deixa entrarrdquo mostrei meu braccedilo ele
se assustou e deixou entrar
24
Esta eacute a lesatildeo de que relato trata
Estes casos revelam o potencial de causar danos irreversiacuteveis que as ldquomuniccedilotildees
menos letaisrdquo como municcedilatildeo de elastocircmero em armas de fogo possuem quando utilizadas
contra oacutergatildeos vitais e a curta distacircncia
O fotoacutegrafo Seacutergio natildeo teria perdido um olho e centenas de pessoas natildeo
teriam sofrido lesotildees e corrido risco de morte se a PMESP tivesse observado
minimamente os paracircmetros internacionais para o uso da forccedila reconhecidos pela
Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas e pela Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos
O Coacutedigo de Conduta Para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo
da Lei30 (doc 4) aprovado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo 34169 de 17
de dezembro de 1979 estabelece criteacuterios para a aplicaccedilatildeo da lei na defesa da ordem
puacuteblica e a forma como essas funccedilotildees satildeo exercidas
30 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)
25
Seu artigo 3ordm dispotildee
Os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute podem empregar a
forccedila quando tal se afigure estritamente necessaacuterio e na medida
exigida para o cumprimento do seu dever
Bastaria a leitura deste artigo para verificar que os agentes de seguranccedila
independente do dever que entendiam estar cumprindo ultrapassaram (e muito) o
estritamente necessaacuterio
Ainda assim esse importante documento internacional vigente desde 1979
possui comentaacuterios interpretativos31 que permitem a melhor aplicaccedilatildeo de seus dispositivos
Veja-se o que diz o comentaacuterio do artigo 3ordm
ldquoComentaacuterio
a) Esta disposiccedilatildeo salienta que o emprego da forccedila por parte dos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deve ser excepcional
Embora admita que estes funcionaacuterios possam estar autorizados a utilizar a
forccedila na medida em que tal seja razoavelmente considerado como
necessaacuterio tendo em conta as circunstacircncias para a prevenccedilatildeo de um crime
ou para deter ou ajudar agrave detenccedilatildeo legal de delinquentes ou de suspeitos
qualquer uso da forccedila fora deste contexto natildeo eacute permitido
b) A lei nacional restringe normalmente o emprego da forccedila pelos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei de acordo com o princiacutepio
da proporcionalidade Deve-se entender que tais princiacutepios nacionais
de proporcionalidade devem ser respeitados na interpretaccedilatildeo desta
disposiccedilatildeo
A presente disposiccedilatildeo natildeo deve ser em nenhum caso interpretada no
sentido da autorizaccedilatildeo do emprego da forccedila em desproporccedilatildeo com o
legiacutetimo objetivo a atingir
c) O emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem
fazer-se todos os esforccedilos no sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de
31 Diretrizes para a efetiva implementaccedilatildeo do Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei Adotado pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU em 1986 por meio da resoluccedilatildeo nordm 198661
26
fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo utilizar-se
armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou
quando de qualquer forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja
suficientes medidas menos extremas para o dominar ou deter Cada vez que
uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as
autoridades competentesrdquo
Observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP tambeacutem natildeo respeitou as disposiccedilotildees dos
Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios
Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (Princiacutepios Baacutesicos) outra normativa no acircmbito
da ONU a qual o Brasil estaacute submetido
32
Eacute escandaloso o descompasso da atuaccedilatildeo policial com o que determina o
paraacutegrafo 5 desse importante documento Veja-se
32 Disponiacutevel em httppontoeletronicomewp-contentuploads20130613jun2013-policial-se-prepara-para-atirar-contra-manifestantes-durante-protesto-contra-o-aumento-da-tarifa-do-transporte-coletivo-realizado-pelas-ruas-da-regiao-central-de-sao-paulo-1371176850700_1920x1080jpg
27
ldquo5 Sempre que o uso legiacutetimo da forccedila e de armas de fogo for inevitaacutevel
os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
(a) Exercer moderaccedilatildeo no uso de tais recursos e agir na proporccedilatildeo da
gravidade da infraccedilatildeo e do objetivo legiacutetimo a ser alcanccedilado
(b) Minimizar danos e ferimentos e respeitar e preservar a vida humana
(c) Assegurar que qualquer indiviacuteduo ferido ou afetado receba assistecircncia e
cuidados meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel
(d) Garantir que os familiares ou amigos iacutentimos da pessoa ferida ou afetada
sejam notificados o mais depressa possiacutevel
Diante dos fatos narrados na inicial eacute possiacutevel se questionar O uso legiacutetimo da
forccedila foi inevitaacutevel Houve infraccedilatildeo grave dos manifestantes para justificar a proporccedilatildeo da
forccedila policial aplicada Houve por parte da PMESP a prestaccedilatildeo de assistecircncia e cuidados
meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel As forccedilas repressivas do Estado garantiram a imediata
notificaccedilatildeo dos feridos
A resposta eacute veementemente negativa para todas essas questotildees
Independentemente dos questionamentos acima tambeacutem natildeo eacute possiacutevel
identificar qual o objetivo legiacutetimo da atuaccedilatildeo da PMESP A proacutepria intenccedilatildeo de dispersatildeo
jaacute ofende o direito agrave reuniatildeo legalmente exercido pela manifestaccedilatildeo puacuteblica presente nos 8
casos trazidos na inicial poreacutem a PMESP foi aleacutem pois contrariou os princiacutepios 13 e 14
dos Princiacutepios Baacutesicos33 ainda que tais manifestaccedilotildees fossem consideradas ilegais e
violentas
Ora estaacute mais do que claro que a utilizaccedilatildeo de armamento de fogo com
municcedilatildeo de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral estariam
absolutamente descartadas se fossem cumpridas as normativas internacionais para
o uso da forccedila
33 A transcriccedilatildeo dos artigos 13 e 14 dos princiacutepios baacutesicos estaacute na paacutegina 16
28
Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais
mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito
internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de
proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade
Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser
sempre a uacuteltima opccedilatildeo
O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias
ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no
sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida
74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo
da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um
contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente
treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo
contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente
quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis
Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente
controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave
forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro
juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo
34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre
Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)
29
iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia
de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma
confiaacutevel36
Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees
da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da
liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX
que ora transcreve-se
Artigo XIX
Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito
inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e
transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente
de fronteiras
Artigo XX
1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas
2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo
Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre
Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem
assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o
relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de
controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto
identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees
36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
30
administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo
das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas
investigaccedilotildees
Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho
de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma
das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de
maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila
de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel
abuso da forccedila
Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas
administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em
manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente
necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de
planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso
abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo
recomendou as seguintes medidas
a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da
forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas
b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees
c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para
verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores
A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao
Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde
partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de
comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela
PMESP no dia 13 de junho de 2014
31
Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que
um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem
de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros
internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em
qualquer outra manifestaccedilatildeo popular
iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO
DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO
Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo
em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de
direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)
ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi
realizada de forma violenta e ilegal
Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem
evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De
acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude
adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia
perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois
A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de
gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a
Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como
pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era
como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e
violecircncia
Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na
direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria
Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos
os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da
Silva)
32
ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um
cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a
ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha
muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais
lanccedilavam bomba por nada para todos os lados
Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as
pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva
[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se
acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas
entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]
quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para
deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos
Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando
com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta
velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo
tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas
pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As
33
pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas
que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair
de laacute
Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o
traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato
mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da
accedilatildeo repressiva
A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava
dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na
Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []
Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente
rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais
comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como
eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para
dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no
chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador
34
Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante
recorrentes
Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um
ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial
mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua
patricinha vagabundarsquo ele me dizia
[]
Vai embora sua prostituta
A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer
seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente
sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral
Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo
Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes
puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz
que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no
35
sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo
utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer
forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou
deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades
competentes
No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de
Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma
de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de
armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal
aviso deve ser feito de forma clara e adequada
Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento
10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente
a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo
suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando
tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave
ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso
Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a
utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo
de armas de fogo
Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a
grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade
policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma
sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma
36
manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos
princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38
Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)
manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de
proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo
com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado
ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever
de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e
menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas
deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme
os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo
A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa
de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila
Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do
Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas
envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para
que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio
ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se
identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza
as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila
outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude
exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
37
[]
A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica
implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto
proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com
proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de
reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O
grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja
considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do
que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de
maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se
encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o
uso da forccedila resulta desproporcionado
Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da
aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute
internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado
internacional de direitos humanos
Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com
documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema
necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas
de seguranccedila
iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE
POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES
Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a
de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de
identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria
responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)
41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15
38
ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo
ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem
os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na
Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo
onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam
muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito
desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada
um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e
depois soltarrdquo
Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume
havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as
normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo
usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento
Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute
tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma
Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por
parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em
particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo
identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de
2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos
gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de
3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se
SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou
nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto
de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os
rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido
possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante
42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319
39
agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da
corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos
A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)
que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o
Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica
informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de
identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou
crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas
pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e
ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento
Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento
feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -
organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo
com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a
manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da
Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois
se espalharam pelo centro
Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se
determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular
Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito
interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a
atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu
Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta
manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial
em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes
policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees
O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo
em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial
40
No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado
de se identificarem previamente como tais no momento de advertir
com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a
forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua
atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees
estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e
adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se
f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de
seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas
ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever
potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim
de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no
terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e
comportamento policial
Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a
identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que
cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e
ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se
g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as
forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de
abusos ou atos de violecircncia
h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou
judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas
operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos
no curso das mesmas
41
Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos
cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013
em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos
A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou
que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem
disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes
em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que
confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns
trechos da mateacuteria
Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes
sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas
delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo
Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo
investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute
abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi
concluiacuteda e nenhum policial foi punido
A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute
os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo
processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1
de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014
Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de
Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum
policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21
policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato
Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e
tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e
ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades
43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)
42
v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS
CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES
Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do
Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa
atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute
de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila
Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em
manifestaccedilotildees futuras
Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute
imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo
temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de
confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo
Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a
negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A
proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da
Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que
Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os
governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar
atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos
especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da
forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a
compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de
persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos
destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados
da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e
procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos
43
Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um
negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se
evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se
e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves
manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes
para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e
protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de
conflito
Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na
Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos
publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72
daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue
72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no
uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a
resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das
multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como
meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45
Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de
Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia
da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se
44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf
44
38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um
verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades
policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da
manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico
Suiacuteccedila e outros paiacuteses47
Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os
documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador
civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco
de conflito social
vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa
de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na
dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila
notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas
O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar
Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre
recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo
Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem
alguns trechos
No comando do choque eu soacute recebi precircmios
47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora
45
Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe
pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de
Satildeo Paulo
ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de
protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo
A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho
quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e
pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo
foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do
centro saqueadas
Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da
Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui
ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou
A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v
Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de
dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute
o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte
ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar
seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito
negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50
Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando
preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa
policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre
expressatildeo
49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)
46
ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees
razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento
paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem
violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da
legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento
de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo
manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma
manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das
pessoasrdquo52
Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho
de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante
da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo
A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava
subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e
um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas
patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de
brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo
tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha
bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa
assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou
brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo
[]
Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos
policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles
ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar
sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E
todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado
52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas
47
do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo
para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo
[]
Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu
encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de
gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba
nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para
os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de
novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me
lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de
Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo
mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da
poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo
estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e
nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo
[]
A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes
Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a
gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem
Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o
pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes
lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila
Roosevelt
[]
O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da
Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava
que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente
ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima
tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali
natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando
bomba em cima da gente
O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da
Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e
intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso
desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a
48
agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de
Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se
ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees
policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso
indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o
membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para
proteger seus companheiros ali presentesrdquo54
Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave
determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve
permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo
administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes
vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A
ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica
do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e
internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo
puacuteblico
Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da
forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a
formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas
53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo
49
Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que
ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e
de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na
elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e
minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e
de armas de fogordquo
Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para
determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila
deveriam seguir Aqui estatildeo elas
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo
da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os
tipos de armas e municcedilotildees permitidas
(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias
apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio
(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos
injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis
(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas
de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas
armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de
armas de fogo
50
(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no
desempenho das suas funccedilotildees
Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila
e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia
da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece
as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila
Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como
aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos
agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento
dessas diretrizes
1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar
nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e
deveraacute considerar primordialmente
a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela
Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na
sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979
b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de
Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados
pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo
198961 de 24 de maio de 1989
c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo
Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o
Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto
a 7 de setembro de 1999
d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis
Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees
Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de
1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991
51
Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade
resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a
necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna
ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial
Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao
Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que
tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria
9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos
disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo
objetivamente
a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas
b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao
ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no
evento
c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo
perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento
d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees
desnecessaacuterias e risco injustificado e
e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente
de seguranccedila puacuteblica
Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do
Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de
Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que
regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees
Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se
natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como
a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de
manifestaccedilotildees e reuniotildees populares
52
Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro
miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos
que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e
sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil
6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE
DIREITOS HUMANOS
O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado
por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica
contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso
internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados
no que tange agrave dignidade humana
De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados
natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a
dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados
podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros
Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos
que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos
internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas
Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo
terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua
responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos
internacionalmente admitidos
55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf
53
Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56
apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute
um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees
como prova para outro procedimento de julgamento internacional do
Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura
ignorada
Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados
no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos
normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo
Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina
se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses
oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o
jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi
distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda
externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados
ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos
constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os
paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o
respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil
continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos
nacionalmente57
Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da
presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o
que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada
56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355
54
7) CONCLUSAtildeO
A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm
Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para
resoluccedilatildeo da presente controveacutersia
Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e
histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma
expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo
se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do
Estado de Satildeo Paulo
Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a
atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa
padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia
O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo
Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos
Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que
expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e
que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente
demanda
55
8) PEDIDO
Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como
amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae
requer-se seu recebimento como memoriais
Termos em que
Pede deferimento
Satildeo Paulo 17 de julho de 2014
Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs
OABSP 262284 OABSP 101663
Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni
OABSP 284930 OABSP 286871
Sheila Santana de Carvalho
OABSP 343588
9
humanos e tecircm sido repetidamente referenciados por vaacuterios oacutergatildeos da ONU7 como
expressatildeo dos princiacutepios da proporcionalidade e da estrita necessidade do uso da forccedila
policial destacando ainda que o uso de potencial forccedila letal deve ser sempre excepcional
A preocupaccedilatildeo da comunidade internacional com a efetividade dos direitos
universais de livre expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo fez com que fosse criada no
acircmbito da ONU a figura do Relator Especial sobre os Direitos de Liberdade de
Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo
Aleacutem disso haacute de ser destacado que em maio de 2011 o Relator Especial da
ONU sobre Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias ou Arbitraacuterias apresentou um
estudo ao Conselho de Direitos Humanos da organizaccedilatildeo concluindo que os sistemas
legais de muitos paiacuteses ainda natildeo aderiram aos padrotildees internacionais miacutenimos
relacionados ao uso da forccedila policial8
61 A princiacutepio disparar indiscriminadamente contra uma multidatildeo natildeo eacute
permitido e soacute pode se voltar ao indiviacuteduo ou grupo que constitui ameaccedila
de morte ou ferimentos graves O uso de armas de fogo natildeo pode ser
justificado apenas porque uma reuniatildeo eacute ilegal que tenha deva ser
dispersada ou para se proteger a propriedade Isso muitas vezes natildeo estaacute
refletido nas leis do paiacutes
62 Nos termos do Coacutedigo de Conduta e dos Princiacutepios Baacutesicos a norma a
respeito do uso intencional de forccedila letal eacute a mesma em todas as
circunstacircncias mesmo em auto-defesa prisatildeo contenccedilatildeo de revolta popular
the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 7 Entre outros Resoluccedilotildees do Conselho de Direitos Humanos observaccedilotildees finais de vaacuterios corpos de tratados como o Comitecirc de Direitos Humanos e o Comitecirc Contra a Tortura aleacutem dos relatos de procedimentos especiais 8 Relatoacuterio do Relator Especial sobre execuccedilotildees extrajudicias sumaacuterias ou arbitraacuterias apresentado agrave Assembleia Geral em 23052011 (AHRC1728) paraacutegrafos 61 e 62 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf
10
ou em quaisquer outras circunstacircncias ou seja somente em proteccedilatildeo da
vida9
No acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos (CIDH) por meio do Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos
Humanos (2009) (doc 7) e do Relatoacuterio sobre a Situaccedilatildeo dos Defensores dos
Direitos Humanos nas Ameacutericas (2012) (doc 8) definiu paracircmetros concretos para
regular o policiamento de protestos que inclui nomeadamente a proibiccedilatildeo do uso de
forccedila letal a necessidade de treinamento adequado para o policiamento durante
manifestaccedilotildees de massa e a exigecircncia de identificaccedilatildeo clara e individual dos policiais
Nota-se que os paracircmetros da CIDH tambeacutem reforccedilam os princiacutepios da
proporcionalidade e da estrita necessidade aleacutem de reconhecer que o direito de protestar eacute
uma forma de expressatildeo coletiva que deve ser garantida10
Natildeo eacute demais destacar que na Europa estaacute vigente um Coacutedigo Europeu de Eacutetica
Policial que conteacutem uma seccedilatildeo inteira dedicada ao policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas
que incluem obrigaccedilotildees processuais e materiais sobre as forccedilas de seguranccedila antes durante
e apoacutes as manifestaccedilotildees acontecerem aleacutem de um foco especial sobre as obrigaccedilotildees da
poliacutecia quando as forccedilas de seguranccedila tomam medidas para dispersar a multidatildeo11
9 Traduccedilatildeo livre de 61 In principle shooting indiscriminately into a crowd is not allowed and may only be targeted at the person or persons constituting the threat of death or serious injury The use of firearms cannot be justified merely because a particular gathering is illegal and has to be dispersed or to protect property This is often not reflected in domestic laws 62 In terms of the Code and the Basic Principles the norm in respect of the intentional use of lethal force is the same under all circumstances whether in self-defence arrest quelling a riot or any other circumstances namely protection of life 10 ldquoComo a jurisprudecircncia do sistema interamericano explicou em numerosas ocasiotildees a liberdade de expressatildeo eacute um direito que tem duas dimensotildees uma dimensatildeo individual que consiste no direito de cada pessoa para expressar seus pensamentos ideias e informaccedilotildees e uma dimensatildeo coletiva ou social que consiste no direito da sociedade de obter e receber todas as informaccedilotildees para saber os pensamentos ideias e informaccedilotildees de outras pessoas para estarem bem informadosrdquo CIDH Escritoacuterio do Relator Especial pela Liberdade de Expressatildeo The inter-American legal framework regarding the right to freedom of expression (OEA SerLVII CIDHRELEINF (2009) par 13 Traduccedilatildeo livre de ldquoAs the case law of the inter-American system has explained on numerous occasions freedom of expression is a right that has two dimensions an individual dimension consisting of the right of each person to express her own thoughts ideas and information and a collective or social dimension consisting of societyrsquos right to obtain and receive any information to know the thoughts ideas and information of others and to be well-informedrdquo 11 Paraacutegrafo 176 da Segunda Ediccedilatildeo das Diretrizes da OSCE Detalhando por exemplo a obrigaccedilatildeo de estabelecer procedimentos de descontaminaccedilatildeo de produtos quiacutemicos irritantes utilizados em
11
A Corte Europeia de Direitos Humanos inclusive jaacute adotou posicionamentos
importantes sobre o tema como a presunccedilatildeo em favor do caraacuteter paciacutefico de todas as
manifestaccedilotildees12 a legitimidade das manifestaccedilotildees de uso do espaccedilo puacuteblico ainda que
causem um certo grau de perturbaccedilatildeo na vida cotidiana13 a necessidade de avaliar o
comportamento do indiviacuteduo separadamente do da multidatildeo14 e o ocircnus da prova de
manifestantes com intenccedilotildees ou accedilotildees violentas que recai sobre as autoridades15
Com o que seraacute esmiuccedilado a seguir este mm Juiacutezo teraacute condiccedilotildees de
observar que o Estado de Satildeo Paulo em sua competecircncia de regulamentar e
controlar a atividade de sua poliacutecia militar aleacutem de desrespeitar a proacutepria
Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil viola absolutamente TODAS AS
NORMAS INTERNACIONAIS jaacute estabelecidas para o uso da forccedila policial
5) DO USO DA FORCcedilA PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO NO DIA 13 DE
JUNHO DE 2013
Em 13 de junho de 2013 uma das situaccedilotildees de fato trazidas agrave demanda a Poliacutecia
realizava em Satildeo Paulo uma das mais violentas repressotildees a manifestaccedilotildees desde o fim da
ditadura militar Numa noite de horror coletivo raramente vista milhares de pessoas que
manifestantes a proibiccedilatildeo de utilizar a forccedila contra manifestantes paciacuteficos que satildeo incapazes de dispersar o dever de manter registros detalhados sobre o tipo de forccedila utilizada e a obrigaccedilatildeo de investigar a causa de mortes ou ferimentos entre outros 12 Uma assembleacuteia seraacute considerada paciacutefica enquanto os participantes estiverem paciacuteficos mesmo que os organizadores natildeo cumpram com todos os requisitos legais necessaacuterios para o desenvolvimento da manifestaccedilatildeo Oya Ataman v Turkey no 7455201 ECHR 2006 e Cisse v France no 5134699 sect 37 ECHR 2002 Traduccedilatildeo livre de ldquoAn assembly will be deemed peaceful as long as the participants remain peaceful even if the organizers have not complied with all legal requirements prior to the assemblyrdquo 13 Patyi and Others v Hungary no 552905 sectsect 42-43 ECHR 2008 Balccedilik and Others v Turkey no 2502 sect 52 ECHR 2007 Ashughyan v Armenia no 3326803 sect 90 ECHR 2008 14 ldquouma pessoa natildeo deixa de gozar do direito de reuniatildeo paciacutefica em casos de violecircncia esporaacutedica ou outros atos puniacuteveis cometidos por outras no curso da manifestaccedilatildeo se permanece tranquilo em suas proacuteprias intenccedilotildees ou comportamentosrdquo Ziliberberg v Moldova (dec) no 6182100 ECHR 2004 Traduccedilatildeo livre de ldquoan individual does not cease to enjoy the right to peaceful assembly as a result of sporadic violence or other punishable acts committed by others in the course of the demonstration if the individual in question remains peaceful in his or her own intentions or behaviourrdquo 15 Christian Democratic Peoplersquos Party v Moldova (No 2) no 2519604 sect 23 ECHR 2010
12
participavam de um protesto paciacutefico no centro da cidade se viram cercadas por tropas
policiais em um labirinto violento que atravessou a noite e cujas traacutegicas consequecircncias se
fazem sentir ainda hoje especialmente para os que carregaratildeo sequelas fiacutesicas e emocionais
Esse caso mostra evidente que os procedimentos adotados pela seguranccedila puacuteblica
paulista natildeo respeitaram os protocolos internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila
aleacutem de descumprir tratados e convenccedilotildees internacionais que o Brasil eacute signataacuterio e natildeo
seguir as recomendaccedilotildees das organizaccedilotildees internacionais das quais o Brasil eacute parte
Satildeo numerosos os relatos e evidecircncias de violecircncia fiacutesica contra os manifestantes
em 13 de junho de 2013 inclusive em desfavor de pessoas rendidas deitadas desarmadas e
desprovidas de qualquer acircnimo de resistecircncia Muitas destas pessoas foram espancadas e
atingidas por disparos de balas de borracha
Foram relatados ainda atos de violecircncia contra pessoas que natildeo estavam
participando dos protestos inclusive idosos e crianccedilas16 Foram registradas cenas onde a
Poliacutecia invadiu ateacute mesmo hospitais a fim de localizar pessoas que teriam participado dos
protestos17 Aleacutem disso apoacutes o grande nuacutemero de manifestantes jaacute ter sido dispersado
foram registradas cenas onde a Poliacutecia invadiu estabelecimentos comerciais supostamente
em busca dos manifestantes e agrediu pessoas18 Segundo relatos dos organizadores do
evento mais de 100 pessoas ficaram feridas19 em decorrecircncia da accedilatildeo truculenta da Poliacutecia
naquele dia
16 Ver por exemplo PORTAL DE NOTIacuteCIAS TERRA ldquoBomba de gaacutes lacrimogecircneo atinge carro de um idoso que estava de passagemrdquo viacutedeo publicado no 14 de junho de 2013 13h50 disponiacutevel no link httpterratvterracombrvideosNoticiasBrasilCidades4828-474261Bomba-de-gas-lacrimogeneo-cai-dentro-de-carro-em-protesto-em-SPhtm 17 Ver depoimento no site do Coletivo Antiproibicionista de Satildeo Paulo ldquoPM retira feridos a forccedila de hospital e impede atendimentordquo 14 de junho de 2013 disponiacutevel no link httpcoletivodarorg201306pm-retira-feridos-a-forca-de-hospital-e-impede-atendimento
18Ver por exemplo JORNAL FOLHA DE SAtildeO PAULO ldquoApoacutes confronto casal eacute agredido por PMs na regiatildeo da Paulistardquo 14 de junho de 2013 00h52 disponiacutevel em httpwww1folhauolcombrcotidiano2013061294916-apos-confronto-casal-e-agredido-por-pms-na-regiao-da-paulistashtml 19
Os dados finais sobre o numero de feridos ainda estatildeo sendo organizados pelo MPL e pela Defensoria
Puacuteblica de Satildeo Paulo Para uma estimativa ver infograacutefico JORNAL FOLHA DE SAtildeO PAULO ldquoDos 235
detidos em protesto 231 satildeo liberados apoacutes prestar depoimentordquo 14 de junho 2013 07h25 disponiacutevel
emhttpwww1folhauolcombrcotidiano2013061294960-dos-235-detidos-em-protesto-231-sao-
liberados-apos-prestar-depoimentoshtml
13
Abaixo demonstra-se detalhadamente cada norma dos protocolos internacionais
para a utilizaccedilatildeo da forccedila que foram descumpridas pela Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo
Paulo contribuindo-se para o livre convencimento deste mm Juiacutezo a dar total procedecircncia
agrave presente accedilatildeo civil puacuteblica
i - DA INTERRUPCcedilAtildeO DA REUNIAtildeO PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO
VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS
Um dia que ficaria para a histoacuteria como a maior expressatildeo do exerciacutecio do direito
constitucional de reuniatildeo da liberdade de expressatildeo e de locomoccedilatildeo na verdade tornou-se
a maior expressatildeo da restriccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da proacutepria Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Observa-
se que a justificativa de se liberar o traacutefego de veiacuteculos para garantir a manutenccedilatildeo da
ordem puacuteblica foi a causa que deu iniacutecio agrave accedilatildeo ilegal e truculenta da Poliacutecia Militar do
Estado de Satildeo Paulo (PMESP)
Nota-se das paacuteginas 21 e 22 da exordial que as proacuteprias forccedilas de seguranccedila
tomaram a iniciativa de encerrar o ato que reuniu cerca de 15 mil pessoas que caminhavam
pelas ruas de Satildeo Paulo
Ocorre que aleacutem de ilegal e inconstitucional essa medida ofende diretamente a
Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos (Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica)
incorporada ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 68792
Eacute o que diz a Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos no Marco Juriacutedico
Interamericano Sobre o Direito agrave Liberdade de Expressatildeo20 onde seu paraacutegrafo 82
assevera
20 Apresentado pela Relatoria para a Liberdade de Expressatildeo da Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos 2010 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhexpresiondocspublicacionesMARCO20JURIDICO20INTERAMERICANO20DEL20DERECHO20A20LA20LIBERTAD20DE20EXPRESION20ESP20FINAL20portadadocpdf (acessado em 04062014)
14
ldquoqualquer afetaccedilatildeo da ordem puacuteblica invocada como justificaccedilatildeo para limitar
a liberdade de expressatildeo deve obedecer causas reais e objetivamente
verificaacuteveis que signifiquem uma ameaccedila certa e acreditaacutevel de uma
perturbaccedilatildeo potencialmente grave das condiccedilotildees baacutesicas para o
funcionamento das instituiccedilotildees democraacuteticasrdquo21
Nota-se do conjunto probatoacuterio juntado aos autos que antes da atuaccedilatildeo policial
natildeo houve qualquer risco razoaacutevel de distuacuterbio grave natildeo havendo possibilidade diante da
Convenccedilatildeo Americana de se promover a dispersatildeo da manifestaccedilatildeo simplesmente pela
ocupaccedilatildeo de uma via puacuteblica
Eacute o que diz a continuaccedilatildeo do dispositivo mencionado acima
ldquoEm consequecircncia natildeo eacute suficiente invocar meras conjecturas sobre
eventuais afetaccedilotildees da ordem nem circunstacircncias hipoteacuteticas derivadas
de interpretaccedilotildees das autoridades diante de fatos que natildeo representem
claramente um risco razoaacutevel de distuacuterbios graves Uma interpretaccedilatildeo mais
ampla ou indeterminada abriria um campo inadmissiacutevel agrave arbitrariedade e
restringiria a raiz da liberdade de expressatildeo que forma parte integral da
ordem puacuteblica protegida pela Convenccedilatildeo Americanardquo22
Dentre as pessoas viacutetimas da violecircncia policial do dia 13062013 dez prestaram
relatos agrave requerente sobre o que ocorreu naquela noite em Satildeo Paulo (doc 6) informando
que PMESP perseguiu prendeu agrediu e feriu indiscriminadamente natildeo apenas
manifestantes mas tambeacutem jornalistas e moradores dos bairros por onde a marcha passou
21 Traduccedilatildeo livre de ldquocualquier afectacioacuten del orden puacuteblico invocada como justificacioacuten para limitar la libertad de expresioacuten debe obedecer a causas reales y objetivamente verificables que planteen una amenaza cierta y creiacuteble de una perturbacioacuten potencialmente grave de las condiciones baacutesicas para el funcionamiento de las instituciones democraacuteticasrdquo 22 Traduccedilatildeo livre de ldquo En consecuencia no resulta suficiente invocar meras conjeturas sobre eventuales afectaciones del orden ni circunstancias hipoteacuteticas derivadas de interpretaciones de las autoridades frente a hechos que no planteen claramente un riesgo razonable de disturbios graves (ldquoviolencia anaacuterquicardquo) Una interpretacioacuten maacutes amplia o indeterminada abririacutea un campo inadmisible a la arbitrariedad y restringiriacutea de raiacutez la libertad de expresioacuten que forma parte integral del orden puacuteblico protegido por la Convencioacuten Americanardquo
15
Veja-se o depoimento de uma delas
A manifestaccedilatildeo seguiu pela av Ipiranga ateacute o iniacutecio da rua da Consolaccedilatildeo
onde jaacute havia viaturas policiais acompanhando a multidatildeo Ateacute entatildeo a
movimentaccedilatildeo desses policiais era tranquila como a dos proacuteprios
manifestantes Eles caminhavam com suas faixas bandeiras camisas com
dizeres de protesto gritos enfim uma manifestaccedilatildeo como outra qualquer
Entrando na rua da Consolaccedilatildeo o clima comeccedilou a ficar diferente Em
frente agrave Praccedila Roosevelt havia uma barreira de guardas civis da Guarda
Civil Metropolitana (GCM) Eles se posicionaram com escudos e cassetetes
formando uma barreira humana nas escadarias da Praccedila Roosevelt para que
os manifestantes natildeo ocupassem aquele espaccedilo []
Seguindo ainda nesse trecho da rua da Consolaccedilatildeo a Poliacutecia Militar do
estado de Satildeo Paulo posiciona alguns veiacuteculos duas ou trecircs viaturas (natildeo me
recordo bem) e comeccedila um diaacutelogo (podemos chamar assim) entre alguns
policiais alguns manifestantes e o pessoal da imprensa Posso dizer com
absoluta certeza que eram pouquiacutessimas pessoas nesse diaacutelogo dois ou trecircs
policiais cinco ou seis manifestantes e o resto era da imprensa Eu estava
proacuteximo do local dessa conversa e o pouco que eu consegui ouvir era da
voz de um policial dizendo que os manifestantes natildeo poderiam continuar
naquele trajeto ou seja subir a rua da Consolaccedilatildeo em direccedilatildeo agrave av Paulista
que era o trajeto que aquela manifestaccedilatildeo queria fazer
16
Ao adotar a formaccedilatildeo de confronto e impedir o prosseguimento da manifestaccedilatildeo
paciacutefica a PMESP impediu o exerciacutecio do direito de reuniatildeo e livre expressatildeo de cerca de
15 mil pessoas Natildeo satisfeita ainda iniciou o lanccedilamento de bombas e tiros com municcedilatildeo
de elastocircmero contra as pessoas reunidas ali pacificamente
23
Claramente ao interromper as pessoas ali reunidas que marchavam
pacificamente a PMESP rasgou todas as cartas de direitos que reconhecem a liberdade de
reuniatildeo e de expressatildeo - a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica a Declaraccedilatildeo Universal de Direitos
Humanos e a Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos ndash ferindo tambeacutem os
posicionamentos de organismos internacionais como a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos (CIDH)cedilque sinaliza hipoacuteteses restritas de limitaccedilatildeo do direito de
reuniatildeo no 2ordm Relatoacuterio sobre a Situaccedilatildeo de Defensores e Defensoras de Direitos
Humanos nas Ameacutericas24 (doc 8) Veja-se
ldquo107 Nos uacuteltimos anos alguns paiacuteses tecircm apresentado um aumento no
nuacutemero de accedilotildees penais contra participantes de protestos sociais para a
reivindicaccedilatildeo de direitos utilizando-se de argumentos como a perturbaccedilatildeo
da ordem puacuteblica ou o atentado contra a seguranccedila do Estado Em virtude
da importacircncia que se revestem as manifestaccedilotildees puacuteblicas nos sistemas
democraacuteticos o Estado possui hipoacuteteses restritas para aplicar
limitaccedilotildees nesse sentido mesmo que o direito de reuniatildeo natildeo seja
23 Disponiacutevel em httpimgr7comimages2013061500_13_08_643_filedimensions=780x340 24 Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos 2011 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhdefensoresdocspdfdefensores2011pdf (acessado em 02062014)
17
absoluto ou possa estar sujeito a certos limites essas justificativas
devem ser razoaacuteveis para se assegurar o desenvolvimento paciacutefico das
manifestaccedilotildees e devem reger-se ldquopelos princiacutepios da legalidade da
necessidade e da proporcionalidaderdquo25
A importacircncia destes firmes posicionamentos da CIDH fundamenta-se em sua
proacutepria funccedilatildeo institucional de interpretar e recomendar a melhor aplicaccedilatildeo da
Convenccedilatildeo que claramente reconhece na atividade administrativa do Estado de Satildeo
Paulo a violaccedilatildeo de dois de seus artigos abaixo transcritos
Artigo 13 - Liberdade de pensamento e de expressatildeo
Toda pessoa tem o direito agrave liberdade de pensamento e de expressatildeo Esse
direito inclui a liberdade de procurar receber e difundir informaccedilotildees e ideacuteias
de qualquer natureza sem consideraccedilotildees de fronteiras verbalmente ou por
escrito ou em forma impressa ou artiacutestica ou por qualquer meio de sua
escolha
Artigo 15 - Direito de reuniatildeo
Eacute reconhecido o direito de reuniatildeo paciacutefica e sem armas O exerciacutecio desse
direito soacute pode estar sujeito agraves restriccedilotildees previstas em lei e que se faccedilam
necessaacuterias em uma sociedade democraacutetica ao interesse da seguranccedila
nacional da seguranccedila ou ordem puacuteblicas ou para proteger a sauacutede ou a
moral puacuteblicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas
25 Traduccedilatildeo livre de ldquo107 En los uacuteltimos antildeos se ha presentado una creciente iniciacioacuten de acciones penales en algunos paiacuteses en contra de quienes participan en protestas sociales para la reivindicacioacuten de derechos bajo el argumento de que supuestamente se desarrollariacutean en un marco de perturbacioacuten del orden puacuteblicoo atentariacutean contra la seguridad del Estado En virtud de la importancia que reviste la protesta social en los sistemas democraacuteticos el Estado tiene un marco centildeido para justificar su limitacioacuten en este sentido si bien el derecho de reunioacuten no es absoluto y puede estar sujeto a ciertos liacutemites eacutestos deben ser razonablescon el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las manifestaciones y deben regirse ldquopor los principios de legalidad necesidad y proporcionalidaderdquo
18
Jaacute no acircmbito da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) o Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Poliacuteticos26 exige que os Estados signataacuterios
garantam aos seus cidadatildeos o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de participaccedilatildeo da
conduccedilatildeo de assuntos puacuteblicos sem restriccedilotildees infundadas27
Nessa linha o 8ordm Congresso das Naccedilotildees Unidas sobre a Prevenccedilatildeo do Crime
e o Tratamento dos Delinquentes deu publicidade a um documento formulado para
assistir os Estados membros na tarefa de assegurar e promover a adequada missatildeo dos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo de lei Trata-se dos Princiacutepios Baacutesicos sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da
Lei28 (doc 5) que dentre suas disposiccedilotildees determina que
ldquodevem ser tomados em consideraccedilatildeo e respeitados pelos governos
no acircmbito da legislaccedilatildeo e da praacutetica nacionais e levados ao
conhecimento dos funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei e de
outras pessoas como juiacutezes agentes do Ministeacuterio Puacuteblico
advogados membros do Executivo e do Legislativo bem como do
puacuteblico em geralrdquo
Ao se comprometer com esse documento o Estado Brasileiro compreendido por
Uniatildeo Estados e Municiacutepios natildeo pode deixar de observar suas disposiccedilotildees
Todavia mesmo conhecedor desses paracircmetros o Estado de Satildeo Paulo
por meio da PMESP no dia 13 de junho optou por descumpri-los ao encerrar uma
manifestaccedilatildeo legal e natildeo-violenta
26 Internalizado ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 592 de 6 de julho de 1992 27 Arts 19 21 e 25 28 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)
19
29
A violaccedilatildeo do compromisso internacional estaacute explicitada em seu Princiacutepio 12
que diz que como todos tecircm direito de participar de reuniotildees legiacutetimas e paciacuteficas de acordo com os
princiacutepios expressos na Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional de Direitos
Civis e Poliacuteticos os governos entidades e os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo reconhecer que a forccedila
e as armas de fogo soacute podem ser usadas nos termos dos Princiacutepios 13 e 14
Note-se que tais princiacutepios referem-se a grupos ilegais e violentos o que
claramente natildeo foi o caso das pessoas que estavam nas ruas exercendo seu direito de livre
expressatildeo e reuniatildeo poreacutem ainda que fosse seria inevitaacutevel se observarem os criteacuterios da
proporcionalidade e da estrita necessidade no uso da forccedila policial
Veja-se a transcriccedilatildeo dos Princiacutepios 13 e 14 do protocolo
13 Ao dispersar grupos ilegais mas natildeo-violentos os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo evitar o uso da forccedila ou quando tal natildeo for
possiacutevel deveratildeo restringir tal forccedila ao miacutenimo necessaacuterio
14 Ao dispersar grupos violentos os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute
poderatildeo fazer uso de armas de fogo quando natildeo for possiacutevel usar outros
meios menos perigosos e apenas nos termos minimamente necessaacuterios Os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei natildeo deveratildeo fazer uso de armas de
fogo em tais casos a natildeo ser nas condiccedilotildees previstas no Princiacutepio 9
29 Disponiacutevel em httpwwwvalorcombrsitesdefaultfilesimagecachemedia_library_300_197imagesprotestag_0_8_640_419jpg
20
Ora diante dos fatos eacute impossiacutevel identificar sequer um rastro de observacircncia
deste protocolo pela PMESP seja no dia 13 de junho de 2013 ou nas outras situaccedilotildees
narradas na inicial
Portanto demonstra-se que suposta manutenccedilatildeo da ordem puacuteblica no intuito de
se garantir a circulaccedilatildeo de veiacuteculos natildeo pode do ponto de vista juriacutedico interno e
internacional frustrar o direito de reuniatildeo das pessoas que se encontram em vias puacuteblicas
para exercer seu direito universal agrave liberdade de expressatildeo
ii - DA UTILIZACcedilAtildeO DE ARMAS DE FOGO COM MUNICcedilAtildeO DE ELASTOcircMERO BOMBAS DE
GAacuteS E GRANADAS DE LUZ E SOM PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO
VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS
Os relatos daqueles que participaram da manifestaccedilatildeo (doc 6) sugerem que em
vez de direcionar a marcha num suposto sentido de dispersatildeo os policiais encurralaram
milhares de pessoas num circuito de tiro com balas de borracha saturado com bombas
de gaacutes e granadas de luz e som ao longo de vaacuterias ruas da regiatildeo central Essa taacutetica policial
de encurralamento pode ser observada pelo mapa abaixo o qual explica como se deu o
trajeto realizado pela poliacutecia e manifestantes
21
22
Seacutergio Andrade da Silva de 31 anos eacute um fotoacutegrafo casado e pai de duas
crianccedilas Na noite do protesto ele saiu para trabalhar Faria fotos da marcha para uma
agecircncia de notiacutecias mas acabou horas depois internado no ldquoHospital H Olhosrdquo depois
de ter passado pelo ldquoHospital 9 de Julhordquo onde recebeu doses de morfina para controlar a
dor de duas fraturas na oacuterbita ocular resultante de accedilatildeo da Poliacutecia Militar Sergio levou
cinco pontos dentro do olho esquerdo do qual ficaria definitivamente cego
Transcreve-se abaixo trecho do relato de Sergio que mostra todo o pacircnico que
sentiu no momento da agressatildeo recebida pela PMESP (doc 6)
Fui atingido por uma bala de borracha Tenho quase 180m e a bala me
atingiu exatamente no olho [] A dor foi instantacircnea profunda terriacutevel
Todos os piores adjetivos com que vocecirc puder qualificar a dor eu senti
naquele momento Meu olho inchou rapidamente coloquei a matildeo e minha
paacutelpebra jaacute havia se fechado Muito sangue comeccedilava a cair naquele instante
e pensei lsquofiquei cego Natildeo vou mais conseguir fotografarrsquo Foi a sensaccedilatildeo
que eu tive
Outro relato mostra exatamente o desespero de um cidadatildeo que corre risco de
vida ou de ferimentos graves pela accedilatildeo da proacutepria poliacutecia que supostamente deve
promover a seguranccedila puacuteblica (doc 6)
23
Ali foi o momento mais desesperador mesmo porque natildeo conseguia
respirar achei que ia desmaiar ali comecei a ficar fraca natildeo conseguia correr
mais e fiquei um tempo ali desnorteada com todo aquele gaacutes e continuei
correndohellip Jaacute tinha perdido todo mundo e olhei para os lados estava todo
mundo correndo subindo e natildeo tinha para onde ir a natildeo ser subir a
Augusta Tinha muita gente e natildeo dava para ir raacutepido a gente ficou
encurralado Quando vi estaacutevamos entre uma parede subindo a Augusta
na frente tinha um grupo de policias da Tropa de Choque e atraacutes tambeacutem
Ali foi o momento que fomos emparedados Natildeo tinha o que fazer natildeo
dava para correr muito corriacuteamos lentamentehellip Me senti fuzilada naquele
momento a gente ficou emparedado parecia um fuzilamento no paredatildeo
Foi tudo muito raacutepido e de repente estourou uma bomba na minha frente a
princiacutepio achei que era gaacutes lacrimogecircnio eu senti todo o impacto no meu
corpo mas continuei correndo Natildeo sabia que eu havia me machucado ou
melhor que tinham me machucado naquele momento soacute tinha sentido o
impacto Eu estava com muito medo de levar bala de borracha porque eles
estavam realmente perseguindo Quando virei a direita eu continuei
ouvindo os tiros e as bombas e aquela rua estava completamente parada as
pessoas correndo entre os carros todo mundo desesperado ali E eles
continuaram correndo atraacutes da gente ndash na verdade sequer olhei para traacutes
dava para ouvir e tinha certeza absoluta que seria atingida por uma bala de
borracha Porque eles estavam muito perto perseguindo Consegui correr e
virar a direita de novo onde encontrei um estacionamento grande na Caio
Prado Ali correndo seguindo nessa rua percebi que havia um corte
profundo no meu braccedilo Eu olhei um corte muito profundo eu fiquei
muito assustada Minha reaccedilatildeo foi chorar continuar correndo Foi uma
sensaccedilatildeo de desespero muito grande mesmo Me senti em uma guerra natildeo
tinha para onde correr e com certeza seria atingida por alguma bala de
borracha ou por bombas porque eles continuavam atraacutes Nesse
estacionamento pedi para o rapaz me deixar entrar Ele falou que natildeo podia
me deixar entrar Falei ldquopor favor me deixa entrarrdquo mostrei meu braccedilo ele
se assustou e deixou entrar
24
Esta eacute a lesatildeo de que relato trata
Estes casos revelam o potencial de causar danos irreversiacuteveis que as ldquomuniccedilotildees
menos letaisrdquo como municcedilatildeo de elastocircmero em armas de fogo possuem quando utilizadas
contra oacutergatildeos vitais e a curta distacircncia
O fotoacutegrafo Seacutergio natildeo teria perdido um olho e centenas de pessoas natildeo
teriam sofrido lesotildees e corrido risco de morte se a PMESP tivesse observado
minimamente os paracircmetros internacionais para o uso da forccedila reconhecidos pela
Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas e pela Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos
O Coacutedigo de Conduta Para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo
da Lei30 (doc 4) aprovado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo 34169 de 17
de dezembro de 1979 estabelece criteacuterios para a aplicaccedilatildeo da lei na defesa da ordem
puacuteblica e a forma como essas funccedilotildees satildeo exercidas
30 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)
25
Seu artigo 3ordm dispotildee
Os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute podem empregar a
forccedila quando tal se afigure estritamente necessaacuterio e na medida
exigida para o cumprimento do seu dever
Bastaria a leitura deste artigo para verificar que os agentes de seguranccedila
independente do dever que entendiam estar cumprindo ultrapassaram (e muito) o
estritamente necessaacuterio
Ainda assim esse importante documento internacional vigente desde 1979
possui comentaacuterios interpretativos31 que permitem a melhor aplicaccedilatildeo de seus dispositivos
Veja-se o que diz o comentaacuterio do artigo 3ordm
ldquoComentaacuterio
a) Esta disposiccedilatildeo salienta que o emprego da forccedila por parte dos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deve ser excepcional
Embora admita que estes funcionaacuterios possam estar autorizados a utilizar a
forccedila na medida em que tal seja razoavelmente considerado como
necessaacuterio tendo em conta as circunstacircncias para a prevenccedilatildeo de um crime
ou para deter ou ajudar agrave detenccedilatildeo legal de delinquentes ou de suspeitos
qualquer uso da forccedila fora deste contexto natildeo eacute permitido
b) A lei nacional restringe normalmente o emprego da forccedila pelos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei de acordo com o princiacutepio
da proporcionalidade Deve-se entender que tais princiacutepios nacionais
de proporcionalidade devem ser respeitados na interpretaccedilatildeo desta
disposiccedilatildeo
A presente disposiccedilatildeo natildeo deve ser em nenhum caso interpretada no
sentido da autorizaccedilatildeo do emprego da forccedila em desproporccedilatildeo com o
legiacutetimo objetivo a atingir
c) O emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem
fazer-se todos os esforccedilos no sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de
31 Diretrizes para a efetiva implementaccedilatildeo do Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei Adotado pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU em 1986 por meio da resoluccedilatildeo nordm 198661
26
fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo utilizar-se
armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou
quando de qualquer forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja
suficientes medidas menos extremas para o dominar ou deter Cada vez que
uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as
autoridades competentesrdquo
Observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP tambeacutem natildeo respeitou as disposiccedilotildees dos
Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios
Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (Princiacutepios Baacutesicos) outra normativa no acircmbito
da ONU a qual o Brasil estaacute submetido
32
Eacute escandaloso o descompasso da atuaccedilatildeo policial com o que determina o
paraacutegrafo 5 desse importante documento Veja-se
32 Disponiacutevel em httppontoeletronicomewp-contentuploads20130613jun2013-policial-se-prepara-para-atirar-contra-manifestantes-durante-protesto-contra-o-aumento-da-tarifa-do-transporte-coletivo-realizado-pelas-ruas-da-regiao-central-de-sao-paulo-1371176850700_1920x1080jpg
27
ldquo5 Sempre que o uso legiacutetimo da forccedila e de armas de fogo for inevitaacutevel
os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
(a) Exercer moderaccedilatildeo no uso de tais recursos e agir na proporccedilatildeo da
gravidade da infraccedilatildeo e do objetivo legiacutetimo a ser alcanccedilado
(b) Minimizar danos e ferimentos e respeitar e preservar a vida humana
(c) Assegurar que qualquer indiviacuteduo ferido ou afetado receba assistecircncia e
cuidados meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel
(d) Garantir que os familiares ou amigos iacutentimos da pessoa ferida ou afetada
sejam notificados o mais depressa possiacutevel
Diante dos fatos narrados na inicial eacute possiacutevel se questionar O uso legiacutetimo da
forccedila foi inevitaacutevel Houve infraccedilatildeo grave dos manifestantes para justificar a proporccedilatildeo da
forccedila policial aplicada Houve por parte da PMESP a prestaccedilatildeo de assistecircncia e cuidados
meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel As forccedilas repressivas do Estado garantiram a imediata
notificaccedilatildeo dos feridos
A resposta eacute veementemente negativa para todas essas questotildees
Independentemente dos questionamentos acima tambeacutem natildeo eacute possiacutevel
identificar qual o objetivo legiacutetimo da atuaccedilatildeo da PMESP A proacutepria intenccedilatildeo de dispersatildeo
jaacute ofende o direito agrave reuniatildeo legalmente exercido pela manifestaccedilatildeo puacuteblica presente nos 8
casos trazidos na inicial poreacutem a PMESP foi aleacutem pois contrariou os princiacutepios 13 e 14
dos Princiacutepios Baacutesicos33 ainda que tais manifestaccedilotildees fossem consideradas ilegais e
violentas
Ora estaacute mais do que claro que a utilizaccedilatildeo de armamento de fogo com
municcedilatildeo de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral estariam
absolutamente descartadas se fossem cumpridas as normativas internacionais para
o uso da forccedila
33 A transcriccedilatildeo dos artigos 13 e 14 dos princiacutepios baacutesicos estaacute na paacutegina 16
28
Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais
mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito
internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de
proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade
Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser
sempre a uacuteltima opccedilatildeo
O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias
ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no
sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida
74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo
da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um
contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente
treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo
contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente
quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis
Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente
controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave
forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro
juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo
34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre
Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)
29
iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia
de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma
confiaacutevel36
Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees
da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da
liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX
que ora transcreve-se
Artigo XIX
Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito
inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e
transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente
de fronteiras
Artigo XX
1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas
2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo
Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre
Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem
assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o
relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de
controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto
identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees
36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
30
administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo
das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas
investigaccedilotildees
Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho
de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma
das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de
maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila
de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel
abuso da forccedila
Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas
administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em
manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente
necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de
planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso
abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo
recomendou as seguintes medidas
a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da
forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas
b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees
c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para
verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores
A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao
Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde
partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de
comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela
PMESP no dia 13 de junho de 2014
31
Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que
um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem
de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros
internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em
qualquer outra manifestaccedilatildeo popular
iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO
DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO
Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo
em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de
direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)
ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi
realizada de forma violenta e ilegal
Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem
evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De
acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude
adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia
perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois
A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de
gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a
Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como
pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era
como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e
violecircncia
Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na
direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria
Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos
os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da
Silva)
32
ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um
cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a
ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha
muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais
lanccedilavam bomba por nada para todos os lados
Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as
pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva
[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se
acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas
entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]
quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para
deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos
Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando
com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta
velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo
tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas
pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As
33
pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas
que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair
de laacute
Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o
traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato
mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da
accedilatildeo repressiva
A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava
dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na
Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []
Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente
rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais
comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como
eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para
dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no
chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador
34
Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante
recorrentes
Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um
ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial
mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua
patricinha vagabundarsquo ele me dizia
[]
Vai embora sua prostituta
A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer
seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente
sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral
Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo
Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes
puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz
que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no
35
sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo
utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer
forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou
deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades
competentes
No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de
Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma
de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de
armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal
aviso deve ser feito de forma clara e adequada
Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento
10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente
a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo
suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando
tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave
ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso
Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a
utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo
de armas de fogo
Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a
grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade
policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma
sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma
36
manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos
princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38
Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)
manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de
proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo
com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado
ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever
de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e
menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas
deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme
os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo
A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa
de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila
Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do
Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas
envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para
que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio
ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se
identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza
as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila
outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude
exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
37
[]
A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica
implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto
proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com
proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de
reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O
grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja
considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do
que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de
maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se
encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o
uso da forccedila resulta desproporcionado
Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da
aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute
internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado
internacional de direitos humanos
Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com
documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema
necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas
de seguranccedila
iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE
POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES
Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a
de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de
identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria
responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)
41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15
38
ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo
ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem
os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na
Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo
onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam
muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito
desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada
um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e
depois soltarrdquo
Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume
havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as
normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo
usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento
Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute
tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma
Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por
parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em
particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo
identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de
2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos
gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de
3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se
SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou
nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto
de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os
rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido
possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante
42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319
39
agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da
corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos
A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)
que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o
Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica
informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de
identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou
crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas
pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e
ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento
Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento
feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -
organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo
com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a
manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da
Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois
se espalharam pelo centro
Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se
determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular
Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito
interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a
atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu
Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta
manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial
em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes
policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees
O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo
em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial
40
No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado
de se identificarem previamente como tais no momento de advertir
com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a
forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua
atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees
estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e
adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se
f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de
seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas
ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever
potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim
de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no
terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e
comportamento policial
Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a
identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que
cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e
ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se
g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as
forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de
abusos ou atos de violecircncia
h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou
judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas
operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos
no curso das mesmas
41
Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos
cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013
em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos
A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou
que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem
disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes
em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que
confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns
trechos da mateacuteria
Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes
sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas
delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo
Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo
investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute
abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi
concluiacuteda e nenhum policial foi punido
A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute
os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo
processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1
de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014
Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de
Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum
policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21
policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato
Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e
tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e
ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades
43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)
42
v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS
CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES
Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do
Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa
atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute
de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila
Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em
manifestaccedilotildees futuras
Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute
imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo
temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de
confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo
Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a
negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A
proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da
Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que
Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os
governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar
atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos
especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da
forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a
compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de
persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos
destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados
da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e
procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos
43
Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um
negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se
evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se
e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves
manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes
para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e
protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de
conflito
Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na
Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos
publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72
daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue
72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no
uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a
resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das
multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como
meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45
Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de
Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia
da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se
44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf
44
38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um
verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades
policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da
manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico
Suiacuteccedila e outros paiacuteses47
Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os
documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador
civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco
de conflito social
vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa
de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na
dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila
notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas
O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar
Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre
recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo
Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem
alguns trechos
No comando do choque eu soacute recebi precircmios
47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora
45
Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe
pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de
Satildeo Paulo
ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de
protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo
A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho
quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e
pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo
foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do
centro saqueadas
Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da
Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui
ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou
A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v
Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de
dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute
o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte
ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar
seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito
negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50
Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando
preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa
policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre
expressatildeo
49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)
46
ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees
razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento
paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem
violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da
legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento
de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo
manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma
manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das
pessoasrdquo52
Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho
de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante
da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo
A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava
subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e
um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas
patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de
brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo
tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha
bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa
assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou
brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo
[]
Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos
policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles
ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar
sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E
todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado
52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas
47
do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo
para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo
[]
Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu
encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de
gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba
nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para
os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de
novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me
lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de
Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo
mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da
poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo
estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e
nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo
[]
A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes
Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a
gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem
Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o
pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes
lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila
Roosevelt
[]
O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da
Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava
que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente
ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima
tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali
natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando
bomba em cima da gente
O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da
Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e
intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso
desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a
48
agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de
Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se
ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees
policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso
indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o
membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para
proteger seus companheiros ali presentesrdquo54
Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave
determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve
permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo
administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes
vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A
ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica
do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e
internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo
puacuteblico
Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da
forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a
formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas
53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo
49
Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que
ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e
de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na
elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e
minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e
de armas de fogordquo
Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para
determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila
deveriam seguir Aqui estatildeo elas
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo
da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os
tipos de armas e municcedilotildees permitidas
(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias
apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio
(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos
injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis
(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas
de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas
armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de
armas de fogo
50
(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no
desempenho das suas funccedilotildees
Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila
e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia
da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece
as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila
Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como
aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos
agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento
dessas diretrizes
1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar
nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e
deveraacute considerar primordialmente
a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela
Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na
sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979
b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de
Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados
pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo
198961 de 24 de maio de 1989
c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo
Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o
Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto
a 7 de setembro de 1999
d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis
Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees
Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de
1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991
51
Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade
resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a
necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna
ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial
Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao
Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que
tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria
9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos
disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo
objetivamente
a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas
b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao
ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no
evento
c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo
perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento
d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees
desnecessaacuterias e risco injustificado e
e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente
de seguranccedila puacuteblica
Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do
Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de
Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que
regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees
Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se
natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como
a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de
manifestaccedilotildees e reuniotildees populares
52
Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro
miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos
que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e
sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil
6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE
DIREITOS HUMANOS
O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado
por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica
contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso
internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados
no que tange agrave dignidade humana
De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados
natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a
dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados
podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros
Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos
que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos
internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas
Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo
terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua
responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos
internacionalmente admitidos
55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf
53
Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56
apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute
um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees
como prova para outro procedimento de julgamento internacional do
Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura
ignorada
Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados
no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos
normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo
Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina
se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses
oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o
jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi
distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda
externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados
ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos
constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os
paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o
respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil
continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos
nacionalmente57
Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da
presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o
que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada
56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355
54
7) CONCLUSAtildeO
A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm
Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para
resoluccedilatildeo da presente controveacutersia
Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e
histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma
expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo
se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do
Estado de Satildeo Paulo
Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a
atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa
padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia
O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo
Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos
Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que
expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e
que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente
demanda
55
8) PEDIDO
Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como
amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae
requer-se seu recebimento como memoriais
Termos em que
Pede deferimento
Satildeo Paulo 17 de julho de 2014
Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs
OABSP 262284 OABSP 101663
Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni
OABSP 284930 OABSP 286871
Sheila Santana de Carvalho
OABSP 343588
10
ou em quaisquer outras circunstacircncias ou seja somente em proteccedilatildeo da
vida9
No acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos (CIDH) por meio do Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos
Humanos (2009) (doc 7) e do Relatoacuterio sobre a Situaccedilatildeo dos Defensores dos
Direitos Humanos nas Ameacutericas (2012) (doc 8) definiu paracircmetros concretos para
regular o policiamento de protestos que inclui nomeadamente a proibiccedilatildeo do uso de
forccedila letal a necessidade de treinamento adequado para o policiamento durante
manifestaccedilotildees de massa e a exigecircncia de identificaccedilatildeo clara e individual dos policiais
Nota-se que os paracircmetros da CIDH tambeacutem reforccedilam os princiacutepios da
proporcionalidade e da estrita necessidade aleacutem de reconhecer que o direito de protestar eacute
uma forma de expressatildeo coletiva que deve ser garantida10
Natildeo eacute demais destacar que na Europa estaacute vigente um Coacutedigo Europeu de Eacutetica
Policial que conteacutem uma seccedilatildeo inteira dedicada ao policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas
que incluem obrigaccedilotildees processuais e materiais sobre as forccedilas de seguranccedila antes durante
e apoacutes as manifestaccedilotildees acontecerem aleacutem de um foco especial sobre as obrigaccedilotildees da
poliacutecia quando as forccedilas de seguranccedila tomam medidas para dispersar a multidatildeo11
9 Traduccedilatildeo livre de 61 In principle shooting indiscriminately into a crowd is not allowed and may only be targeted at the person or persons constituting the threat of death or serious injury The use of firearms cannot be justified merely because a particular gathering is illegal and has to be dispersed or to protect property This is often not reflected in domestic laws 62 In terms of the Code and the Basic Principles the norm in respect of the intentional use of lethal force is the same under all circumstances whether in self-defence arrest quelling a riot or any other circumstances namely protection of life 10 ldquoComo a jurisprudecircncia do sistema interamericano explicou em numerosas ocasiotildees a liberdade de expressatildeo eacute um direito que tem duas dimensotildees uma dimensatildeo individual que consiste no direito de cada pessoa para expressar seus pensamentos ideias e informaccedilotildees e uma dimensatildeo coletiva ou social que consiste no direito da sociedade de obter e receber todas as informaccedilotildees para saber os pensamentos ideias e informaccedilotildees de outras pessoas para estarem bem informadosrdquo CIDH Escritoacuterio do Relator Especial pela Liberdade de Expressatildeo The inter-American legal framework regarding the right to freedom of expression (OEA SerLVII CIDHRELEINF (2009) par 13 Traduccedilatildeo livre de ldquoAs the case law of the inter-American system has explained on numerous occasions freedom of expression is a right that has two dimensions an individual dimension consisting of the right of each person to express her own thoughts ideas and information and a collective or social dimension consisting of societyrsquos right to obtain and receive any information to know the thoughts ideas and information of others and to be well-informedrdquo 11 Paraacutegrafo 176 da Segunda Ediccedilatildeo das Diretrizes da OSCE Detalhando por exemplo a obrigaccedilatildeo de estabelecer procedimentos de descontaminaccedilatildeo de produtos quiacutemicos irritantes utilizados em
11
A Corte Europeia de Direitos Humanos inclusive jaacute adotou posicionamentos
importantes sobre o tema como a presunccedilatildeo em favor do caraacuteter paciacutefico de todas as
manifestaccedilotildees12 a legitimidade das manifestaccedilotildees de uso do espaccedilo puacuteblico ainda que
causem um certo grau de perturbaccedilatildeo na vida cotidiana13 a necessidade de avaliar o
comportamento do indiviacuteduo separadamente do da multidatildeo14 e o ocircnus da prova de
manifestantes com intenccedilotildees ou accedilotildees violentas que recai sobre as autoridades15
Com o que seraacute esmiuccedilado a seguir este mm Juiacutezo teraacute condiccedilotildees de
observar que o Estado de Satildeo Paulo em sua competecircncia de regulamentar e
controlar a atividade de sua poliacutecia militar aleacutem de desrespeitar a proacutepria
Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil viola absolutamente TODAS AS
NORMAS INTERNACIONAIS jaacute estabelecidas para o uso da forccedila policial
5) DO USO DA FORCcedilA PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO NO DIA 13 DE
JUNHO DE 2013
Em 13 de junho de 2013 uma das situaccedilotildees de fato trazidas agrave demanda a Poliacutecia
realizava em Satildeo Paulo uma das mais violentas repressotildees a manifestaccedilotildees desde o fim da
ditadura militar Numa noite de horror coletivo raramente vista milhares de pessoas que
manifestantes a proibiccedilatildeo de utilizar a forccedila contra manifestantes paciacuteficos que satildeo incapazes de dispersar o dever de manter registros detalhados sobre o tipo de forccedila utilizada e a obrigaccedilatildeo de investigar a causa de mortes ou ferimentos entre outros 12 Uma assembleacuteia seraacute considerada paciacutefica enquanto os participantes estiverem paciacuteficos mesmo que os organizadores natildeo cumpram com todos os requisitos legais necessaacuterios para o desenvolvimento da manifestaccedilatildeo Oya Ataman v Turkey no 7455201 ECHR 2006 e Cisse v France no 5134699 sect 37 ECHR 2002 Traduccedilatildeo livre de ldquoAn assembly will be deemed peaceful as long as the participants remain peaceful even if the organizers have not complied with all legal requirements prior to the assemblyrdquo 13 Patyi and Others v Hungary no 552905 sectsect 42-43 ECHR 2008 Balccedilik and Others v Turkey no 2502 sect 52 ECHR 2007 Ashughyan v Armenia no 3326803 sect 90 ECHR 2008 14 ldquouma pessoa natildeo deixa de gozar do direito de reuniatildeo paciacutefica em casos de violecircncia esporaacutedica ou outros atos puniacuteveis cometidos por outras no curso da manifestaccedilatildeo se permanece tranquilo em suas proacuteprias intenccedilotildees ou comportamentosrdquo Ziliberberg v Moldova (dec) no 6182100 ECHR 2004 Traduccedilatildeo livre de ldquoan individual does not cease to enjoy the right to peaceful assembly as a result of sporadic violence or other punishable acts committed by others in the course of the demonstration if the individual in question remains peaceful in his or her own intentions or behaviourrdquo 15 Christian Democratic Peoplersquos Party v Moldova (No 2) no 2519604 sect 23 ECHR 2010
12
participavam de um protesto paciacutefico no centro da cidade se viram cercadas por tropas
policiais em um labirinto violento que atravessou a noite e cujas traacutegicas consequecircncias se
fazem sentir ainda hoje especialmente para os que carregaratildeo sequelas fiacutesicas e emocionais
Esse caso mostra evidente que os procedimentos adotados pela seguranccedila puacuteblica
paulista natildeo respeitaram os protocolos internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila
aleacutem de descumprir tratados e convenccedilotildees internacionais que o Brasil eacute signataacuterio e natildeo
seguir as recomendaccedilotildees das organizaccedilotildees internacionais das quais o Brasil eacute parte
Satildeo numerosos os relatos e evidecircncias de violecircncia fiacutesica contra os manifestantes
em 13 de junho de 2013 inclusive em desfavor de pessoas rendidas deitadas desarmadas e
desprovidas de qualquer acircnimo de resistecircncia Muitas destas pessoas foram espancadas e
atingidas por disparos de balas de borracha
Foram relatados ainda atos de violecircncia contra pessoas que natildeo estavam
participando dos protestos inclusive idosos e crianccedilas16 Foram registradas cenas onde a
Poliacutecia invadiu ateacute mesmo hospitais a fim de localizar pessoas que teriam participado dos
protestos17 Aleacutem disso apoacutes o grande nuacutemero de manifestantes jaacute ter sido dispersado
foram registradas cenas onde a Poliacutecia invadiu estabelecimentos comerciais supostamente
em busca dos manifestantes e agrediu pessoas18 Segundo relatos dos organizadores do
evento mais de 100 pessoas ficaram feridas19 em decorrecircncia da accedilatildeo truculenta da Poliacutecia
naquele dia
16 Ver por exemplo PORTAL DE NOTIacuteCIAS TERRA ldquoBomba de gaacutes lacrimogecircneo atinge carro de um idoso que estava de passagemrdquo viacutedeo publicado no 14 de junho de 2013 13h50 disponiacutevel no link httpterratvterracombrvideosNoticiasBrasilCidades4828-474261Bomba-de-gas-lacrimogeneo-cai-dentro-de-carro-em-protesto-em-SPhtm 17 Ver depoimento no site do Coletivo Antiproibicionista de Satildeo Paulo ldquoPM retira feridos a forccedila de hospital e impede atendimentordquo 14 de junho de 2013 disponiacutevel no link httpcoletivodarorg201306pm-retira-feridos-a-forca-de-hospital-e-impede-atendimento
18Ver por exemplo JORNAL FOLHA DE SAtildeO PAULO ldquoApoacutes confronto casal eacute agredido por PMs na regiatildeo da Paulistardquo 14 de junho de 2013 00h52 disponiacutevel em httpwww1folhauolcombrcotidiano2013061294916-apos-confronto-casal-e-agredido-por-pms-na-regiao-da-paulistashtml 19
Os dados finais sobre o numero de feridos ainda estatildeo sendo organizados pelo MPL e pela Defensoria
Puacuteblica de Satildeo Paulo Para uma estimativa ver infograacutefico JORNAL FOLHA DE SAtildeO PAULO ldquoDos 235
detidos em protesto 231 satildeo liberados apoacutes prestar depoimentordquo 14 de junho 2013 07h25 disponiacutevel
emhttpwww1folhauolcombrcotidiano2013061294960-dos-235-detidos-em-protesto-231-sao-
liberados-apos-prestar-depoimentoshtml
13
Abaixo demonstra-se detalhadamente cada norma dos protocolos internacionais
para a utilizaccedilatildeo da forccedila que foram descumpridas pela Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo
Paulo contribuindo-se para o livre convencimento deste mm Juiacutezo a dar total procedecircncia
agrave presente accedilatildeo civil puacuteblica
i - DA INTERRUPCcedilAtildeO DA REUNIAtildeO PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO
VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS
Um dia que ficaria para a histoacuteria como a maior expressatildeo do exerciacutecio do direito
constitucional de reuniatildeo da liberdade de expressatildeo e de locomoccedilatildeo na verdade tornou-se
a maior expressatildeo da restriccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da proacutepria Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Observa-
se que a justificativa de se liberar o traacutefego de veiacuteculos para garantir a manutenccedilatildeo da
ordem puacuteblica foi a causa que deu iniacutecio agrave accedilatildeo ilegal e truculenta da Poliacutecia Militar do
Estado de Satildeo Paulo (PMESP)
Nota-se das paacuteginas 21 e 22 da exordial que as proacuteprias forccedilas de seguranccedila
tomaram a iniciativa de encerrar o ato que reuniu cerca de 15 mil pessoas que caminhavam
pelas ruas de Satildeo Paulo
Ocorre que aleacutem de ilegal e inconstitucional essa medida ofende diretamente a
Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos (Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica)
incorporada ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 68792
Eacute o que diz a Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos no Marco Juriacutedico
Interamericano Sobre o Direito agrave Liberdade de Expressatildeo20 onde seu paraacutegrafo 82
assevera
20 Apresentado pela Relatoria para a Liberdade de Expressatildeo da Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos 2010 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhexpresiondocspublicacionesMARCO20JURIDICO20INTERAMERICANO20DEL20DERECHO20A20LA20LIBERTAD20DE20EXPRESION20ESP20FINAL20portadadocpdf (acessado em 04062014)
14
ldquoqualquer afetaccedilatildeo da ordem puacuteblica invocada como justificaccedilatildeo para limitar
a liberdade de expressatildeo deve obedecer causas reais e objetivamente
verificaacuteveis que signifiquem uma ameaccedila certa e acreditaacutevel de uma
perturbaccedilatildeo potencialmente grave das condiccedilotildees baacutesicas para o
funcionamento das instituiccedilotildees democraacuteticasrdquo21
Nota-se do conjunto probatoacuterio juntado aos autos que antes da atuaccedilatildeo policial
natildeo houve qualquer risco razoaacutevel de distuacuterbio grave natildeo havendo possibilidade diante da
Convenccedilatildeo Americana de se promover a dispersatildeo da manifestaccedilatildeo simplesmente pela
ocupaccedilatildeo de uma via puacuteblica
Eacute o que diz a continuaccedilatildeo do dispositivo mencionado acima
ldquoEm consequecircncia natildeo eacute suficiente invocar meras conjecturas sobre
eventuais afetaccedilotildees da ordem nem circunstacircncias hipoteacuteticas derivadas
de interpretaccedilotildees das autoridades diante de fatos que natildeo representem
claramente um risco razoaacutevel de distuacuterbios graves Uma interpretaccedilatildeo mais
ampla ou indeterminada abriria um campo inadmissiacutevel agrave arbitrariedade e
restringiria a raiz da liberdade de expressatildeo que forma parte integral da
ordem puacuteblica protegida pela Convenccedilatildeo Americanardquo22
Dentre as pessoas viacutetimas da violecircncia policial do dia 13062013 dez prestaram
relatos agrave requerente sobre o que ocorreu naquela noite em Satildeo Paulo (doc 6) informando
que PMESP perseguiu prendeu agrediu e feriu indiscriminadamente natildeo apenas
manifestantes mas tambeacutem jornalistas e moradores dos bairros por onde a marcha passou
21 Traduccedilatildeo livre de ldquocualquier afectacioacuten del orden puacuteblico invocada como justificacioacuten para limitar la libertad de expresioacuten debe obedecer a causas reales y objetivamente verificables que planteen una amenaza cierta y creiacuteble de una perturbacioacuten potencialmente grave de las condiciones baacutesicas para el funcionamiento de las instituciones democraacuteticasrdquo 22 Traduccedilatildeo livre de ldquo En consecuencia no resulta suficiente invocar meras conjeturas sobre eventuales afectaciones del orden ni circunstancias hipoteacuteticas derivadas de interpretaciones de las autoridades frente a hechos que no planteen claramente un riesgo razonable de disturbios graves (ldquoviolencia anaacuterquicardquo) Una interpretacioacuten maacutes amplia o indeterminada abririacutea un campo inadmisible a la arbitrariedad y restringiriacutea de raiacutez la libertad de expresioacuten que forma parte integral del orden puacuteblico protegido por la Convencioacuten Americanardquo
15
Veja-se o depoimento de uma delas
A manifestaccedilatildeo seguiu pela av Ipiranga ateacute o iniacutecio da rua da Consolaccedilatildeo
onde jaacute havia viaturas policiais acompanhando a multidatildeo Ateacute entatildeo a
movimentaccedilatildeo desses policiais era tranquila como a dos proacuteprios
manifestantes Eles caminhavam com suas faixas bandeiras camisas com
dizeres de protesto gritos enfim uma manifestaccedilatildeo como outra qualquer
Entrando na rua da Consolaccedilatildeo o clima comeccedilou a ficar diferente Em
frente agrave Praccedila Roosevelt havia uma barreira de guardas civis da Guarda
Civil Metropolitana (GCM) Eles se posicionaram com escudos e cassetetes
formando uma barreira humana nas escadarias da Praccedila Roosevelt para que
os manifestantes natildeo ocupassem aquele espaccedilo []
Seguindo ainda nesse trecho da rua da Consolaccedilatildeo a Poliacutecia Militar do
estado de Satildeo Paulo posiciona alguns veiacuteculos duas ou trecircs viaturas (natildeo me
recordo bem) e comeccedila um diaacutelogo (podemos chamar assim) entre alguns
policiais alguns manifestantes e o pessoal da imprensa Posso dizer com
absoluta certeza que eram pouquiacutessimas pessoas nesse diaacutelogo dois ou trecircs
policiais cinco ou seis manifestantes e o resto era da imprensa Eu estava
proacuteximo do local dessa conversa e o pouco que eu consegui ouvir era da
voz de um policial dizendo que os manifestantes natildeo poderiam continuar
naquele trajeto ou seja subir a rua da Consolaccedilatildeo em direccedilatildeo agrave av Paulista
que era o trajeto que aquela manifestaccedilatildeo queria fazer
16
Ao adotar a formaccedilatildeo de confronto e impedir o prosseguimento da manifestaccedilatildeo
paciacutefica a PMESP impediu o exerciacutecio do direito de reuniatildeo e livre expressatildeo de cerca de
15 mil pessoas Natildeo satisfeita ainda iniciou o lanccedilamento de bombas e tiros com municcedilatildeo
de elastocircmero contra as pessoas reunidas ali pacificamente
23
Claramente ao interromper as pessoas ali reunidas que marchavam
pacificamente a PMESP rasgou todas as cartas de direitos que reconhecem a liberdade de
reuniatildeo e de expressatildeo - a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica a Declaraccedilatildeo Universal de Direitos
Humanos e a Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos ndash ferindo tambeacutem os
posicionamentos de organismos internacionais como a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos (CIDH)cedilque sinaliza hipoacuteteses restritas de limitaccedilatildeo do direito de
reuniatildeo no 2ordm Relatoacuterio sobre a Situaccedilatildeo de Defensores e Defensoras de Direitos
Humanos nas Ameacutericas24 (doc 8) Veja-se
ldquo107 Nos uacuteltimos anos alguns paiacuteses tecircm apresentado um aumento no
nuacutemero de accedilotildees penais contra participantes de protestos sociais para a
reivindicaccedilatildeo de direitos utilizando-se de argumentos como a perturbaccedilatildeo
da ordem puacuteblica ou o atentado contra a seguranccedila do Estado Em virtude
da importacircncia que se revestem as manifestaccedilotildees puacuteblicas nos sistemas
democraacuteticos o Estado possui hipoacuteteses restritas para aplicar
limitaccedilotildees nesse sentido mesmo que o direito de reuniatildeo natildeo seja
23 Disponiacutevel em httpimgr7comimages2013061500_13_08_643_filedimensions=780x340 24 Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos 2011 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhdefensoresdocspdfdefensores2011pdf (acessado em 02062014)
17
absoluto ou possa estar sujeito a certos limites essas justificativas
devem ser razoaacuteveis para se assegurar o desenvolvimento paciacutefico das
manifestaccedilotildees e devem reger-se ldquopelos princiacutepios da legalidade da
necessidade e da proporcionalidaderdquo25
A importacircncia destes firmes posicionamentos da CIDH fundamenta-se em sua
proacutepria funccedilatildeo institucional de interpretar e recomendar a melhor aplicaccedilatildeo da
Convenccedilatildeo que claramente reconhece na atividade administrativa do Estado de Satildeo
Paulo a violaccedilatildeo de dois de seus artigos abaixo transcritos
Artigo 13 - Liberdade de pensamento e de expressatildeo
Toda pessoa tem o direito agrave liberdade de pensamento e de expressatildeo Esse
direito inclui a liberdade de procurar receber e difundir informaccedilotildees e ideacuteias
de qualquer natureza sem consideraccedilotildees de fronteiras verbalmente ou por
escrito ou em forma impressa ou artiacutestica ou por qualquer meio de sua
escolha
Artigo 15 - Direito de reuniatildeo
Eacute reconhecido o direito de reuniatildeo paciacutefica e sem armas O exerciacutecio desse
direito soacute pode estar sujeito agraves restriccedilotildees previstas em lei e que se faccedilam
necessaacuterias em uma sociedade democraacutetica ao interesse da seguranccedila
nacional da seguranccedila ou ordem puacuteblicas ou para proteger a sauacutede ou a
moral puacuteblicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas
25 Traduccedilatildeo livre de ldquo107 En los uacuteltimos antildeos se ha presentado una creciente iniciacioacuten de acciones penales en algunos paiacuteses en contra de quienes participan en protestas sociales para la reivindicacioacuten de derechos bajo el argumento de que supuestamente se desarrollariacutean en un marco de perturbacioacuten del orden puacuteblicoo atentariacutean contra la seguridad del Estado En virtud de la importancia que reviste la protesta social en los sistemas democraacuteticos el Estado tiene un marco centildeido para justificar su limitacioacuten en este sentido si bien el derecho de reunioacuten no es absoluto y puede estar sujeto a ciertos liacutemites eacutestos deben ser razonablescon el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las manifestaciones y deben regirse ldquopor los principios de legalidad necesidad y proporcionalidaderdquo
18
Jaacute no acircmbito da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) o Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Poliacuteticos26 exige que os Estados signataacuterios
garantam aos seus cidadatildeos o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de participaccedilatildeo da
conduccedilatildeo de assuntos puacuteblicos sem restriccedilotildees infundadas27
Nessa linha o 8ordm Congresso das Naccedilotildees Unidas sobre a Prevenccedilatildeo do Crime
e o Tratamento dos Delinquentes deu publicidade a um documento formulado para
assistir os Estados membros na tarefa de assegurar e promover a adequada missatildeo dos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo de lei Trata-se dos Princiacutepios Baacutesicos sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da
Lei28 (doc 5) que dentre suas disposiccedilotildees determina que
ldquodevem ser tomados em consideraccedilatildeo e respeitados pelos governos
no acircmbito da legislaccedilatildeo e da praacutetica nacionais e levados ao
conhecimento dos funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei e de
outras pessoas como juiacutezes agentes do Ministeacuterio Puacuteblico
advogados membros do Executivo e do Legislativo bem como do
puacuteblico em geralrdquo
Ao se comprometer com esse documento o Estado Brasileiro compreendido por
Uniatildeo Estados e Municiacutepios natildeo pode deixar de observar suas disposiccedilotildees
Todavia mesmo conhecedor desses paracircmetros o Estado de Satildeo Paulo
por meio da PMESP no dia 13 de junho optou por descumpri-los ao encerrar uma
manifestaccedilatildeo legal e natildeo-violenta
26 Internalizado ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 592 de 6 de julho de 1992 27 Arts 19 21 e 25 28 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)
19
29
A violaccedilatildeo do compromisso internacional estaacute explicitada em seu Princiacutepio 12
que diz que como todos tecircm direito de participar de reuniotildees legiacutetimas e paciacuteficas de acordo com os
princiacutepios expressos na Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional de Direitos
Civis e Poliacuteticos os governos entidades e os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo reconhecer que a forccedila
e as armas de fogo soacute podem ser usadas nos termos dos Princiacutepios 13 e 14
Note-se que tais princiacutepios referem-se a grupos ilegais e violentos o que
claramente natildeo foi o caso das pessoas que estavam nas ruas exercendo seu direito de livre
expressatildeo e reuniatildeo poreacutem ainda que fosse seria inevitaacutevel se observarem os criteacuterios da
proporcionalidade e da estrita necessidade no uso da forccedila policial
Veja-se a transcriccedilatildeo dos Princiacutepios 13 e 14 do protocolo
13 Ao dispersar grupos ilegais mas natildeo-violentos os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo evitar o uso da forccedila ou quando tal natildeo for
possiacutevel deveratildeo restringir tal forccedila ao miacutenimo necessaacuterio
14 Ao dispersar grupos violentos os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute
poderatildeo fazer uso de armas de fogo quando natildeo for possiacutevel usar outros
meios menos perigosos e apenas nos termos minimamente necessaacuterios Os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei natildeo deveratildeo fazer uso de armas de
fogo em tais casos a natildeo ser nas condiccedilotildees previstas no Princiacutepio 9
29 Disponiacutevel em httpwwwvalorcombrsitesdefaultfilesimagecachemedia_library_300_197imagesprotestag_0_8_640_419jpg
20
Ora diante dos fatos eacute impossiacutevel identificar sequer um rastro de observacircncia
deste protocolo pela PMESP seja no dia 13 de junho de 2013 ou nas outras situaccedilotildees
narradas na inicial
Portanto demonstra-se que suposta manutenccedilatildeo da ordem puacuteblica no intuito de
se garantir a circulaccedilatildeo de veiacuteculos natildeo pode do ponto de vista juriacutedico interno e
internacional frustrar o direito de reuniatildeo das pessoas que se encontram em vias puacuteblicas
para exercer seu direito universal agrave liberdade de expressatildeo
ii - DA UTILIZACcedilAtildeO DE ARMAS DE FOGO COM MUNICcedilAtildeO DE ELASTOcircMERO BOMBAS DE
GAacuteS E GRANADAS DE LUZ E SOM PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO
VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS
Os relatos daqueles que participaram da manifestaccedilatildeo (doc 6) sugerem que em
vez de direcionar a marcha num suposto sentido de dispersatildeo os policiais encurralaram
milhares de pessoas num circuito de tiro com balas de borracha saturado com bombas
de gaacutes e granadas de luz e som ao longo de vaacuterias ruas da regiatildeo central Essa taacutetica policial
de encurralamento pode ser observada pelo mapa abaixo o qual explica como se deu o
trajeto realizado pela poliacutecia e manifestantes
21
22
Seacutergio Andrade da Silva de 31 anos eacute um fotoacutegrafo casado e pai de duas
crianccedilas Na noite do protesto ele saiu para trabalhar Faria fotos da marcha para uma
agecircncia de notiacutecias mas acabou horas depois internado no ldquoHospital H Olhosrdquo depois
de ter passado pelo ldquoHospital 9 de Julhordquo onde recebeu doses de morfina para controlar a
dor de duas fraturas na oacuterbita ocular resultante de accedilatildeo da Poliacutecia Militar Sergio levou
cinco pontos dentro do olho esquerdo do qual ficaria definitivamente cego
Transcreve-se abaixo trecho do relato de Sergio que mostra todo o pacircnico que
sentiu no momento da agressatildeo recebida pela PMESP (doc 6)
Fui atingido por uma bala de borracha Tenho quase 180m e a bala me
atingiu exatamente no olho [] A dor foi instantacircnea profunda terriacutevel
Todos os piores adjetivos com que vocecirc puder qualificar a dor eu senti
naquele momento Meu olho inchou rapidamente coloquei a matildeo e minha
paacutelpebra jaacute havia se fechado Muito sangue comeccedilava a cair naquele instante
e pensei lsquofiquei cego Natildeo vou mais conseguir fotografarrsquo Foi a sensaccedilatildeo
que eu tive
Outro relato mostra exatamente o desespero de um cidadatildeo que corre risco de
vida ou de ferimentos graves pela accedilatildeo da proacutepria poliacutecia que supostamente deve
promover a seguranccedila puacuteblica (doc 6)
23
Ali foi o momento mais desesperador mesmo porque natildeo conseguia
respirar achei que ia desmaiar ali comecei a ficar fraca natildeo conseguia correr
mais e fiquei um tempo ali desnorteada com todo aquele gaacutes e continuei
correndohellip Jaacute tinha perdido todo mundo e olhei para os lados estava todo
mundo correndo subindo e natildeo tinha para onde ir a natildeo ser subir a
Augusta Tinha muita gente e natildeo dava para ir raacutepido a gente ficou
encurralado Quando vi estaacutevamos entre uma parede subindo a Augusta
na frente tinha um grupo de policias da Tropa de Choque e atraacutes tambeacutem
Ali foi o momento que fomos emparedados Natildeo tinha o que fazer natildeo
dava para correr muito corriacuteamos lentamentehellip Me senti fuzilada naquele
momento a gente ficou emparedado parecia um fuzilamento no paredatildeo
Foi tudo muito raacutepido e de repente estourou uma bomba na minha frente a
princiacutepio achei que era gaacutes lacrimogecircnio eu senti todo o impacto no meu
corpo mas continuei correndo Natildeo sabia que eu havia me machucado ou
melhor que tinham me machucado naquele momento soacute tinha sentido o
impacto Eu estava com muito medo de levar bala de borracha porque eles
estavam realmente perseguindo Quando virei a direita eu continuei
ouvindo os tiros e as bombas e aquela rua estava completamente parada as
pessoas correndo entre os carros todo mundo desesperado ali E eles
continuaram correndo atraacutes da gente ndash na verdade sequer olhei para traacutes
dava para ouvir e tinha certeza absoluta que seria atingida por uma bala de
borracha Porque eles estavam muito perto perseguindo Consegui correr e
virar a direita de novo onde encontrei um estacionamento grande na Caio
Prado Ali correndo seguindo nessa rua percebi que havia um corte
profundo no meu braccedilo Eu olhei um corte muito profundo eu fiquei
muito assustada Minha reaccedilatildeo foi chorar continuar correndo Foi uma
sensaccedilatildeo de desespero muito grande mesmo Me senti em uma guerra natildeo
tinha para onde correr e com certeza seria atingida por alguma bala de
borracha ou por bombas porque eles continuavam atraacutes Nesse
estacionamento pedi para o rapaz me deixar entrar Ele falou que natildeo podia
me deixar entrar Falei ldquopor favor me deixa entrarrdquo mostrei meu braccedilo ele
se assustou e deixou entrar
24
Esta eacute a lesatildeo de que relato trata
Estes casos revelam o potencial de causar danos irreversiacuteveis que as ldquomuniccedilotildees
menos letaisrdquo como municcedilatildeo de elastocircmero em armas de fogo possuem quando utilizadas
contra oacutergatildeos vitais e a curta distacircncia
O fotoacutegrafo Seacutergio natildeo teria perdido um olho e centenas de pessoas natildeo
teriam sofrido lesotildees e corrido risco de morte se a PMESP tivesse observado
minimamente os paracircmetros internacionais para o uso da forccedila reconhecidos pela
Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas e pela Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos
O Coacutedigo de Conduta Para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo
da Lei30 (doc 4) aprovado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo 34169 de 17
de dezembro de 1979 estabelece criteacuterios para a aplicaccedilatildeo da lei na defesa da ordem
puacuteblica e a forma como essas funccedilotildees satildeo exercidas
30 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)
25
Seu artigo 3ordm dispotildee
Os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute podem empregar a
forccedila quando tal se afigure estritamente necessaacuterio e na medida
exigida para o cumprimento do seu dever
Bastaria a leitura deste artigo para verificar que os agentes de seguranccedila
independente do dever que entendiam estar cumprindo ultrapassaram (e muito) o
estritamente necessaacuterio
Ainda assim esse importante documento internacional vigente desde 1979
possui comentaacuterios interpretativos31 que permitem a melhor aplicaccedilatildeo de seus dispositivos
Veja-se o que diz o comentaacuterio do artigo 3ordm
ldquoComentaacuterio
a) Esta disposiccedilatildeo salienta que o emprego da forccedila por parte dos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deve ser excepcional
Embora admita que estes funcionaacuterios possam estar autorizados a utilizar a
forccedila na medida em que tal seja razoavelmente considerado como
necessaacuterio tendo em conta as circunstacircncias para a prevenccedilatildeo de um crime
ou para deter ou ajudar agrave detenccedilatildeo legal de delinquentes ou de suspeitos
qualquer uso da forccedila fora deste contexto natildeo eacute permitido
b) A lei nacional restringe normalmente o emprego da forccedila pelos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei de acordo com o princiacutepio
da proporcionalidade Deve-se entender que tais princiacutepios nacionais
de proporcionalidade devem ser respeitados na interpretaccedilatildeo desta
disposiccedilatildeo
A presente disposiccedilatildeo natildeo deve ser em nenhum caso interpretada no
sentido da autorizaccedilatildeo do emprego da forccedila em desproporccedilatildeo com o
legiacutetimo objetivo a atingir
c) O emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem
fazer-se todos os esforccedilos no sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de
31 Diretrizes para a efetiva implementaccedilatildeo do Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei Adotado pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU em 1986 por meio da resoluccedilatildeo nordm 198661
26
fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo utilizar-se
armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou
quando de qualquer forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja
suficientes medidas menos extremas para o dominar ou deter Cada vez que
uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as
autoridades competentesrdquo
Observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP tambeacutem natildeo respeitou as disposiccedilotildees dos
Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios
Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (Princiacutepios Baacutesicos) outra normativa no acircmbito
da ONU a qual o Brasil estaacute submetido
32
Eacute escandaloso o descompasso da atuaccedilatildeo policial com o que determina o
paraacutegrafo 5 desse importante documento Veja-se
32 Disponiacutevel em httppontoeletronicomewp-contentuploads20130613jun2013-policial-se-prepara-para-atirar-contra-manifestantes-durante-protesto-contra-o-aumento-da-tarifa-do-transporte-coletivo-realizado-pelas-ruas-da-regiao-central-de-sao-paulo-1371176850700_1920x1080jpg
27
ldquo5 Sempre que o uso legiacutetimo da forccedila e de armas de fogo for inevitaacutevel
os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
(a) Exercer moderaccedilatildeo no uso de tais recursos e agir na proporccedilatildeo da
gravidade da infraccedilatildeo e do objetivo legiacutetimo a ser alcanccedilado
(b) Minimizar danos e ferimentos e respeitar e preservar a vida humana
(c) Assegurar que qualquer indiviacuteduo ferido ou afetado receba assistecircncia e
cuidados meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel
(d) Garantir que os familiares ou amigos iacutentimos da pessoa ferida ou afetada
sejam notificados o mais depressa possiacutevel
Diante dos fatos narrados na inicial eacute possiacutevel se questionar O uso legiacutetimo da
forccedila foi inevitaacutevel Houve infraccedilatildeo grave dos manifestantes para justificar a proporccedilatildeo da
forccedila policial aplicada Houve por parte da PMESP a prestaccedilatildeo de assistecircncia e cuidados
meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel As forccedilas repressivas do Estado garantiram a imediata
notificaccedilatildeo dos feridos
A resposta eacute veementemente negativa para todas essas questotildees
Independentemente dos questionamentos acima tambeacutem natildeo eacute possiacutevel
identificar qual o objetivo legiacutetimo da atuaccedilatildeo da PMESP A proacutepria intenccedilatildeo de dispersatildeo
jaacute ofende o direito agrave reuniatildeo legalmente exercido pela manifestaccedilatildeo puacuteblica presente nos 8
casos trazidos na inicial poreacutem a PMESP foi aleacutem pois contrariou os princiacutepios 13 e 14
dos Princiacutepios Baacutesicos33 ainda que tais manifestaccedilotildees fossem consideradas ilegais e
violentas
Ora estaacute mais do que claro que a utilizaccedilatildeo de armamento de fogo com
municcedilatildeo de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral estariam
absolutamente descartadas se fossem cumpridas as normativas internacionais para
o uso da forccedila
33 A transcriccedilatildeo dos artigos 13 e 14 dos princiacutepios baacutesicos estaacute na paacutegina 16
28
Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais
mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito
internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de
proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade
Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser
sempre a uacuteltima opccedilatildeo
O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias
ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no
sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida
74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo
da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um
contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente
treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo
contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente
quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis
Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente
controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave
forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro
juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo
34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre
Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)
29
iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia
de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma
confiaacutevel36
Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees
da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da
liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX
que ora transcreve-se
Artigo XIX
Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito
inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e
transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente
de fronteiras
Artigo XX
1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas
2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo
Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre
Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem
assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o
relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de
controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto
identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees
36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
30
administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo
das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas
investigaccedilotildees
Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho
de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma
das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de
maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila
de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel
abuso da forccedila
Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas
administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em
manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente
necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de
planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso
abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo
recomendou as seguintes medidas
a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da
forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas
b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees
c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para
verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores
A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao
Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde
partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de
comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela
PMESP no dia 13 de junho de 2014
31
Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que
um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem
de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros
internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em
qualquer outra manifestaccedilatildeo popular
iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO
DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO
Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo
em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de
direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)
ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi
realizada de forma violenta e ilegal
Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem
evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De
acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude
adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia
perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois
A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de
gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a
Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como
pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era
como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e
violecircncia
Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na
direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria
Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos
os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da
Silva)
32
ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um
cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a
ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha
muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais
lanccedilavam bomba por nada para todos os lados
Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as
pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva
[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se
acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas
entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]
quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para
deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos
Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando
com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta
velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo
tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas
pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As
33
pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas
que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair
de laacute
Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o
traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato
mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da
accedilatildeo repressiva
A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava
dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na
Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []
Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente
rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais
comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como
eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para
dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no
chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador
34
Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante
recorrentes
Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um
ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial
mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua
patricinha vagabundarsquo ele me dizia
[]
Vai embora sua prostituta
A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer
seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente
sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral
Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo
Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes
puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz
que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no
35
sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo
utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer
forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou
deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades
competentes
No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de
Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma
de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de
armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal
aviso deve ser feito de forma clara e adequada
Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento
10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente
a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo
suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando
tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave
ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso
Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a
utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo
de armas de fogo
Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a
grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade
policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma
sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma
36
manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos
princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38
Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)
manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de
proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo
com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado
ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever
de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e
menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas
deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme
os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo
A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa
de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila
Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do
Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas
envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para
que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio
ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se
identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza
as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila
outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude
exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
37
[]
A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica
implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto
proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com
proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de
reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O
grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja
considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do
que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de
maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se
encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o
uso da forccedila resulta desproporcionado
Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da
aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute
internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado
internacional de direitos humanos
Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com
documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema
necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas
de seguranccedila
iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE
POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES
Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a
de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de
identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria
responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)
41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15
38
ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo
ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem
os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na
Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo
onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam
muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito
desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada
um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e
depois soltarrdquo
Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume
havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as
normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo
usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento
Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute
tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma
Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por
parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em
particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo
identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de
2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos
gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de
3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se
SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou
nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto
de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os
rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido
possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante
42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319
39
agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da
corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos
A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)
que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o
Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica
informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de
identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou
crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas
pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e
ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento
Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento
feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -
organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo
com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a
manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da
Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois
se espalharam pelo centro
Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se
determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular
Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito
interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a
atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu
Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta
manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial
em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes
policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees
O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo
em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial
40
No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado
de se identificarem previamente como tais no momento de advertir
com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a
forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua
atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees
estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e
adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se
f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de
seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas
ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever
potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim
de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no
terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e
comportamento policial
Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a
identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que
cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e
ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se
g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as
forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de
abusos ou atos de violecircncia
h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou
judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas
operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos
no curso das mesmas
41
Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos
cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013
em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos
A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou
que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem
disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes
em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que
confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns
trechos da mateacuteria
Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes
sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas
delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo
Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo
investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute
abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi
concluiacuteda e nenhum policial foi punido
A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute
os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo
processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1
de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014
Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de
Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum
policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21
policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato
Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e
tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e
ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades
43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)
42
v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS
CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES
Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do
Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa
atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute
de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila
Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em
manifestaccedilotildees futuras
Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute
imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo
temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de
confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo
Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a
negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A
proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da
Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que
Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os
governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar
atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos
especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da
forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a
compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de
persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos
destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados
da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e
procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos
43
Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um
negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se
evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se
e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves
manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes
para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e
protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de
conflito
Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na
Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos
publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72
daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue
72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no
uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a
resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das
multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como
meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45
Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de
Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia
da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se
44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf
44
38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um
verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades
policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da
manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico
Suiacuteccedila e outros paiacuteses47
Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os
documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador
civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco
de conflito social
vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa
de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na
dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila
notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas
O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar
Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre
recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo
Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem
alguns trechos
No comando do choque eu soacute recebi precircmios
47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora
45
Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe
pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de
Satildeo Paulo
ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de
protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo
A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho
quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e
pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo
foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do
centro saqueadas
Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da
Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui
ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou
A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v
Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de
dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute
o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte
ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar
seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito
negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50
Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando
preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa
policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre
expressatildeo
49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)
46
ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees
razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento
paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem
violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da
legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento
de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo
manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma
manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das
pessoasrdquo52
Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho
de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante
da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo
A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava
subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e
um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas
patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de
brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo
tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha
bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa
assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou
brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo
[]
Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos
policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles
ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar
sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E
todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado
52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas
47
do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo
para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo
[]
Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu
encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de
gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba
nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para
os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de
novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me
lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de
Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo
mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da
poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo
estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e
nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo
[]
A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes
Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a
gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem
Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o
pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes
lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila
Roosevelt
[]
O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da
Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava
que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente
ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima
tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali
natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando
bomba em cima da gente
O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da
Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e
intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso
desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a
48
agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de
Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se
ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees
policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso
indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o
membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para
proteger seus companheiros ali presentesrdquo54
Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave
determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve
permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo
administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes
vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A
ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica
do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e
internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo
puacuteblico
Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da
forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a
formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas
53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo
49
Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que
ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e
de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na
elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e
minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e
de armas de fogordquo
Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para
determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila
deveriam seguir Aqui estatildeo elas
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo
da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os
tipos de armas e municcedilotildees permitidas
(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias
apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio
(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos
injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis
(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas
de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas
armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de
armas de fogo
50
(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no
desempenho das suas funccedilotildees
Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila
e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia
da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece
as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila
Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como
aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos
agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento
dessas diretrizes
1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar
nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e
deveraacute considerar primordialmente
a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela
Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na
sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979
b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de
Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados
pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo
198961 de 24 de maio de 1989
c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo
Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o
Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto
a 7 de setembro de 1999
d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis
Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees
Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de
1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991
51
Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade
resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a
necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna
ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial
Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao
Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que
tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria
9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos
disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo
objetivamente
a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas
b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao
ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no
evento
c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo
perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento
d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees
desnecessaacuterias e risco injustificado e
e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente
de seguranccedila puacuteblica
Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do
Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de
Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que
regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees
Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se
natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como
a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de
manifestaccedilotildees e reuniotildees populares
52
Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro
miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos
que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e
sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil
6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE
DIREITOS HUMANOS
O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado
por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica
contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso
internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados
no que tange agrave dignidade humana
De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados
natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a
dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados
podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros
Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos
que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos
internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas
Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo
terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua
responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos
internacionalmente admitidos
55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf
53
Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56
apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute
um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees
como prova para outro procedimento de julgamento internacional do
Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura
ignorada
Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados
no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos
normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo
Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina
se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses
oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o
jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi
distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda
externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados
ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos
constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os
paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o
respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil
continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos
nacionalmente57
Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da
presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o
que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada
56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355
54
7) CONCLUSAtildeO
A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm
Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para
resoluccedilatildeo da presente controveacutersia
Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e
histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma
expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo
se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do
Estado de Satildeo Paulo
Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a
atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa
padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia
O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo
Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos
Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que
expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e
que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente
demanda
55
8) PEDIDO
Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como
amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae
requer-se seu recebimento como memoriais
Termos em que
Pede deferimento
Satildeo Paulo 17 de julho de 2014
Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs
OABSP 262284 OABSP 101663
Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni
OABSP 284930 OABSP 286871
Sheila Santana de Carvalho
OABSP 343588
11
A Corte Europeia de Direitos Humanos inclusive jaacute adotou posicionamentos
importantes sobre o tema como a presunccedilatildeo em favor do caraacuteter paciacutefico de todas as
manifestaccedilotildees12 a legitimidade das manifestaccedilotildees de uso do espaccedilo puacuteblico ainda que
causem um certo grau de perturbaccedilatildeo na vida cotidiana13 a necessidade de avaliar o
comportamento do indiviacuteduo separadamente do da multidatildeo14 e o ocircnus da prova de
manifestantes com intenccedilotildees ou accedilotildees violentas que recai sobre as autoridades15
Com o que seraacute esmiuccedilado a seguir este mm Juiacutezo teraacute condiccedilotildees de
observar que o Estado de Satildeo Paulo em sua competecircncia de regulamentar e
controlar a atividade de sua poliacutecia militar aleacutem de desrespeitar a proacutepria
Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Federativa do Brasil viola absolutamente TODAS AS
NORMAS INTERNACIONAIS jaacute estabelecidas para o uso da forccedila policial
5) DO USO DA FORCcedilA PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO NO DIA 13 DE
JUNHO DE 2013
Em 13 de junho de 2013 uma das situaccedilotildees de fato trazidas agrave demanda a Poliacutecia
realizava em Satildeo Paulo uma das mais violentas repressotildees a manifestaccedilotildees desde o fim da
ditadura militar Numa noite de horror coletivo raramente vista milhares de pessoas que
manifestantes a proibiccedilatildeo de utilizar a forccedila contra manifestantes paciacuteficos que satildeo incapazes de dispersar o dever de manter registros detalhados sobre o tipo de forccedila utilizada e a obrigaccedilatildeo de investigar a causa de mortes ou ferimentos entre outros 12 Uma assembleacuteia seraacute considerada paciacutefica enquanto os participantes estiverem paciacuteficos mesmo que os organizadores natildeo cumpram com todos os requisitos legais necessaacuterios para o desenvolvimento da manifestaccedilatildeo Oya Ataman v Turkey no 7455201 ECHR 2006 e Cisse v France no 5134699 sect 37 ECHR 2002 Traduccedilatildeo livre de ldquoAn assembly will be deemed peaceful as long as the participants remain peaceful even if the organizers have not complied with all legal requirements prior to the assemblyrdquo 13 Patyi and Others v Hungary no 552905 sectsect 42-43 ECHR 2008 Balccedilik and Others v Turkey no 2502 sect 52 ECHR 2007 Ashughyan v Armenia no 3326803 sect 90 ECHR 2008 14 ldquouma pessoa natildeo deixa de gozar do direito de reuniatildeo paciacutefica em casos de violecircncia esporaacutedica ou outros atos puniacuteveis cometidos por outras no curso da manifestaccedilatildeo se permanece tranquilo em suas proacuteprias intenccedilotildees ou comportamentosrdquo Ziliberberg v Moldova (dec) no 6182100 ECHR 2004 Traduccedilatildeo livre de ldquoan individual does not cease to enjoy the right to peaceful assembly as a result of sporadic violence or other punishable acts committed by others in the course of the demonstration if the individual in question remains peaceful in his or her own intentions or behaviourrdquo 15 Christian Democratic Peoplersquos Party v Moldova (No 2) no 2519604 sect 23 ECHR 2010
12
participavam de um protesto paciacutefico no centro da cidade se viram cercadas por tropas
policiais em um labirinto violento que atravessou a noite e cujas traacutegicas consequecircncias se
fazem sentir ainda hoje especialmente para os que carregaratildeo sequelas fiacutesicas e emocionais
Esse caso mostra evidente que os procedimentos adotados pela seguranccedila puacuteblica
paulista natildeo respeitaram os protocolos internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila
aleacutem de descumprir tratados e convenccedilotildees internacionais que o Brasil eacute signataacuterio e natildeo
seguir as recomendaccedilotildees das organizaccedilotildees internacionais das quais o Brasil eacute parte
Satildeo numerosos os relatos e evidecircncias de violecircncia fiacutesica contra os manifestantes
em 13 de junho de 2013 inclusive em desfavor de pessoas rendidas deitadas desarmadas e
desprovidas de qualquer acircnimo de resistecircncia Muitas destas pessoas foram espancadas e
atingidas por disparos de balas de borracha
Foram relatados ainda atos de violecircncia contra pessoas que natildeo estavam
participando dos protestos inclusive idosos e crianccedilas16 Foram registradas cenas onde a
Poliacutecia invadiu ateacute mesmo hospitais a fim de localizar pessoas que teriam participado dos
protestos17 Aleacutem disso apoacutes o grande nuacutemero de manifestantes jaacute ter sido dispersado
foram registradas cenas onde a Poliacutecia invadiu estabelecimentos comerciais supostamente
em busca dos manifestantes e agrediu pessoas18 Segundo relatos dos organizadores do
evento mais de 100 pessoas ficaram feridas19 em decorrecircncia da accedilatildeo truculenta da Poliacutecia
naquele dia
16 Ver por exemplo PORTAL DE NOTIacuteCIAS TERRA ldquoBomba de gaacutes lacrimogecircneo atinge carro de um idoso que estava de passagemrdquo viacutedeo publicado no 14 de junho de 2013 13h50 disponiacutevel no link httpterratvterracombrvideosNoticiasBrasilCidades4828-474261Bomba-de-gas-lacrimogeneo-cai-dentro-de-carro-em-protesto-em-SPhtm 17 Ver depoimento no site do Coletivo Antiproibicionista de Satildeo Paulo ldquoPM retira feridos a forccedila de hospital e impede atendimentordquo 14 de junho de 2013 disponiacutevel no link httpcoletivodarorg201306pm-retira-feridos-a-forca-de-hospital-e-impede-atendimento
18Ver por exemplo JORNAL FOLHA DE SAtildeO PAULO ldquoApoacutes confronto casal eacute agredido por PMs na regiatildeo da Paulistardquo 14 de junho de 2013 00h52 disponiacutevel em httpwww1folhauolcombrcotidiano2013061294916-apos-confronto-casal-e-agredido-por-pms-na-regiao-da-paulistashtml 19
Os dados finais sobre o numero de feridos ainda estatildeo sendo organizados pelo MPL e pela Defensoria
Puacuteblica de Satildeo Paulo Para uma estimativa ver infograacutefico JORNAL FOLHA DE SAtildeO PAULO ldquoDos 235
detidos em protesto 231 satildeo liberados apoacutes prestar depoimentordquo 14 de junho 2013 07h25 disponiacutevel
emhttpwww1folhauolcombrcotidiano2013061294960-dos-235-detidos-em-protesto-231-sao-
liberados-apos-prestar-depoimentoshtml
13
Abaixo demonstra-se detalhadamente cada norma dos protocolos internacionais
para a utilizaccedilatildeo da forccedila que foram descumpridas pela Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo
Paulo contribuindo-se para o livre convencimento deste mm Juiacutezo a dar total procedecircncia
agrave presente accedilatildeo civil puacuteblica
i - DA INTERRUPCcedilAtildeO DA REUNIAtildeO PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO
VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS
Um dia que ficaria para a histoacuteria como a maior expressatildeo do exerciacutecio do direito
constitucional de reuniatildeo da liberdade de expressatildeo e de locomoccedilatildeo na verdade tornou-se
a maior expressatildeo da restriccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da proacutepria Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Observa-
se que a justificativa de se liberar o traacutefego de veiacuteculos para garantir a manutenccedilatildeo da
ordem puacuteblica foi a causa que deu iniacutecio agrave accedilatildeo ilegal e truculenta da Poliacutecia Militar do
Estado de Satildeo Paulo (PMESP)
Nota-se das paacuteginas 21 e 22 da exordial que as proacuteprias forccedilas de seguranccedila
tomaram a iniciativa de encerrar o ato que reuniu cerca de 15 mil pessoas que caminhavam
pelas ruas de Satildeo Paulo
Ocorre que aleacutem de ilegal e inconstitucional essa medida ofende diretamente a
Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos (Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica)
incorporada ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 68792
Eacute o que diz a Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos no Marco Juriacutedico
Interamericano Sobre o Direito agrave Liberdade de Expressatildeo20 onde seu paraacutegrafo 82
assevera
20 Apresentado pela Relatoria para a Liberdade de Expressatildeo da Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos 2010 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhexpresiondocspublicacionesMARCO20JURIDICO20INTERAMERICANO20DEL20DERECHO20A20LA20LIBERTAD20DE20EXPRESION20ESP20FINAL20portadadocpdf (acessado em 04062014)
14
ldquoqualquer afetaccedilatildeo da ordem puacuteblica invocada como justificaccedilatildeo para limitar
a liberdade de expressatildeo deve obedecer causas reais e objetivamente
verificaacuteveis que signifiquem uma ameaccedila certa e acreditaacutevel de uma
perturbaccedilatildeo potencialmente grave das condiccedilotildees baacutesicas para o
funcionamento das instituiccedilotildees democraacuteticasrdquo21
Nota-se do conjunto probatoacuterio juntado aos autos que antes da atuaccedilatildeo policial
natildeo houve qualquer risco razoaacutevel de distuacuterbio grave natildeo havendo possibilidade diante da
Convenccedilatildeo Americana de se promover a dispersatildeo da manifestaccedilatildeo simplesmente pela
ocupaccedilatildeo de uma via puacuteblica
Eacute o que diz a continuaccedilatildeo do dispositivo mencionado acima
ldquoEm consequecircncia natildeo eacute suficiente invocar meras conjecturas sobre
eventuais afetaccedilotildees da ordem nem circunstacircncias hipoteacuteticas derivadas
de interpretaccedilotildees das autoridades diante de fatos que natildeo representem
claramente um risco razoaacutevel de distuacuterbios graves Uma interpretaccedilatildeo mais
ampla ou indeterminada abriria um campo inadmissiacutevel agrave arbitrariedade e
restringiria a raiz da liberdade de expressatildeo que forma parte integral da
ordem puacuteblica protegida pela Convenccedilatildeo Americanardquo22
Dentre as pessoas viacutetimas da violecircncia policial do dia 13062013 dez prestaram
relatos agrave requerente sobre o que ocorreu naquela noite em Satildeo Paulo (doc 6) informando
que PMESP perseguiu prendeu agrediu e feriu indiscriminadamente natildeo apenas
manifestantes mas tambeacutem jornalistas e moradores dos bairros por onde a marcha passou
21 Traduccedilatildeo livre de ldquocualquier afectacioacuten del orden puacuteblico invocada como justificacioacuten para limitar la libertad de expresioacuten debe obedecer a causas reales y objetivamente verificables que planteen una amenaza cierta y creiacuteble de una perturbacioacuten potencialmente grave de las condiciones baacutesicas para el funcionamiento de las instituciones democraacuteticasrdquo 22 Traduccedilatildeo livre de ldquo En consecuencia no resulta suficiente invocar meras conjeturas sobre eventuales afectaciones del orden ni circunstancias hipoteacuteticas derivadas de interpretaciones de las autoridades frente a hechos que no planteen claramente un riesgo razonable de disturbios graves (ldquoviolencia anaacuterquicardquo) Una interpretacioacuten maacutes amplia o indeterminada abririacutea un campo inadmisible a la arbitrariedad y restringiriacutea de raiacutez la libertad de expresioacuten que forma parte integral del orden puacuteblico protegido por la Convencioacuten Americanardquo
15
Veja-se o depoimento de uma delas
A manifestaccedilatildeo seguiu pela av Ipiranga ateacute o iniacutecio da rua da Consolaccedilatildeo
onde jaacute havia viaturas policiais acompanhando a multidatildeo Ateacute entatildeo a
movimentaccedilatildeo desses policiais era tranquila como a dos proacuteprios
manifestantes Eles caminhavam com suas faixas bandeiras camisas com
dizeres de protesto gritos enfim uma manifestaccedilatildeo como outra qualquer
Entrando na rua da Consolaccedilatildeo o clima comeccedilou a ficar diferente Em
frente agrave Praccedila Roosevelt havia uma barreira de guardas civis da Guarda
Civil Metropolitana (GCM) Eles se posicionaram com escudos e cassetetes
formando uma barreira humana nas escadarias da Praccedila Roosevelt para que
os manifestantes natildeo ocupassem aquele espaccedilo []
Seguindo ainda nesse trecho da rua da Consolaccedilatildeo a Poliacutecia Militar do
estado de Satildeo Paulo posiciona alguns veiacuteculos duas ou trecircs viaturas (natildeo me
recordo bem) e comeccedila um diaacutelogo (podemos chamar assim) entre alguns
policiais alguns manifestantes e o pessoal da imprensa Posso dizer com
absoluta certeza que eram pouquiacutessimas pessoas nesse diaacutelogo dois ou trecircs
policiais cinco ou seis manifestantes e o resto era da imprensa Eu estava
proacuteximo do local dessa conversa e o pouco que eu consegui ouvir era da
voz de um policial dizendo que os manifestantes natildeo poderiam continuar
naquele trajeto ou seja subir a rua da Consolaccedilatildeo em direccedilatildeo agrave av Paulista
que era o trajeto que aquela manifestaccedilatildeo queria fazer
16
Ao adotar a formaccedilatildeo de confronto e impedir o prosseguimento da manifestaccedilatildeo
paciacutefica a PMESP impediu o exerciacutecio do direito de reuniatildeo e livre expressatildeo de cerca de
15 mil pessoas Natildeo satisfeita ainda iniciou o lanccedilamento de bombas e tiros com municcedilatildeo
de elastocircmero contra as pessoas reunidas ali pacificamente
23
Claramente ao interromper as pessoas ali reunidas que marchavam
pacificamente a PMESP rasgou todas as cartas de direitos que reconhecem a liberdade de
reuniatildeo e de expressatildeo - a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica a Declaraccedilatildeo Universal de Direitos
Humanos e a Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos ndash ferindo tambeacutem os
posicionamentos de organismos internacionais como a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos (CIDH)cedilque sinaliza hipoacuteteses restritas de limitaccedilatildeo do direito de
reuniatildeo no 2ordm Relatoacuterio sobre a Situaccedilatildeo de Defensores e Defensoras de Direitos
Humanos nas Ameacutericas24 (doc 8) Veja-se
ldquo107 Nos uacuteltimos anos alguns paiacuteses tecircm apresentado um aumento no
nuacutemero de accedilotildees penais contra participantes de protestos sociais para a
reivindicaccedilatildeo de direitos utilizando-se de argumentos como a perturbaccedilatildeo
da ordem puacuteblica ou o atentado contra a seguranccedila do Estado Em virtude
da importacircncia que se revestem as manifestaccedilotildees puacuteblicas nos sistemas
democraacuteticos o Estado possui hipoacuteteses restritas para aplicar
limitaccedilotildees nesse sentido mesmo que o direito de reuniatildeo natildeo seja
23 Disponiacutevel em httpimgr7comimages2013061500_13_08_643_filedimensions=780x340 24 Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos 2011 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhdefensoresdocspdfdefensores2011pdf (acessado em 02062014)
17
absoluto ou possa estar sujeito a certos limites essas justificativas
devem ser razoaacuteveis para se assegurar o desenvolvimento paciacutefico das
manifestaccedilotildees e devem reger-se ldquopelos princiacutepios da legalidade da
necessidade e da proporcionalidaderdquo25
A importacircncia destes firmes posicionamentos da CIDH fundamenta-se em sua
proacutepria funccedilatildeo institucional de interpretar e recomendar a melhor aplicaccedilatildeo da
Convenccedilatildeo que claramente reconhece na atividade administrativa do Estado de Satildeo
Paulo a violaccedilatildeo de dois de seus artigos abaixo transcritos
Artigo 13 - Liberdade de pensamento e de expressatildeo
Toda pessoa tem o direito agrave liberdade de pensamento e de expressatildeo Esse
direito inclui a liberdade de procurar receber e difundir informaccedilotildees e ideacuteias
de qualquer natureza sem consideraccedilotildees de fronteiras verbalmente ou por
escrito ou em forma impressa ou artiacutestica ou por qualquer meio de sua
escolha
Artigo 15 - Direito de reuniatildeo
Eacute reconhecido o direito de reuniatildeo paciacutefica e sem armas O exerciacutecio desse
direito soacute pode estar sujeito agraves restriccedilotildees previstas em lei e que se faccedilam
necessaacuterias em uma sociedade democraacutetica ao interesse da seguranccedila
nacional da seguranccedila ou ordem puacuteblicas ou para proteger a sauacutede ou a
moral puacuteblicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas
25 Traduccedilatildeo livre de ldquo107 En los uacuteltimos antildeos se ha presentado una creciente iniciacioacuten de acciones penales en algunos paiacuteses en contra de quienes participan en protestas sociales para la reivindicacioacuten de derechos bajo el argumento de que supuestamente se desarrollariacutean en un marco de perturbacioacuten del orden puacuteblicoo atentariacutean contra la seguridad del Estado En virtud de la importancia que reviste la protesta social en los sistemas democraacuteticos el Estado tiene un marco centildeido para justificar su limitacioacuten en este sentido si bien el derecho de reunioacuten no es absoluto y puede estar sujeto a ciertos liacutemites eacutestos deben ser razonablescon el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las manifestaciones y deben regirse ldquopor los principios de legalidad necesidad y proporcionalidaderdquo
18
Jaacute no acircmbito da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) o Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Poliacuteticos26 exige que os Estados signataacuterios
garantam aos seus cidadatildeos o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de participaccedilatildeo da
conduccedilatildeo de assuntos puacuteblicos sem restriccedilotildees infundadas27
Nessa linha o 8ordm Congresso das Naccedilotildees Unidas sobre a Prevenccedilatildeo do Crime
e o Tratamento dos Delinquentes deu publicidade a um documento formulado para
assistir os Estados membros na tarefa de assegurar e promover a adequada missatildeo dos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo de lei Trata-se dos Princiacutepios Baacutesicos sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da
Lei28 (doc 5) que dentre suas disposiccedilotildees determina que
ldquodevem ser tomados em consideraccedilatildeo e respeitados pelos governos
no acircmbito da legislaccedilatildeo e da praacutetica nacionais e levados ao
conhecimento dos funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei e de
outras pessoas como juiacutezes agentes do Ministeacuterio Puacuteblico
advogados membros do Executivo e do Legislativo bem como do
puacuteblico em geralrdquo
Ao se comprometer com esse documento o Estado Brasileiro compreendido por
Uniatildeo Estados e Municiacutepios natildeo pode deixar de observar suas disposiccedilotildees
Todavia mesmo conhecedor desses paracircmetros o Estado de Satildeo Paulo
por meio da PMESP no dia 13 de junho optou por descumpri-los ao encerrar uma
manifestaccedilatildeo legal e natildeo-violenta
26 Internalizado ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 592 de 6 de julho de 1992 27 Arts 19 21 e 25 28 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)
19
29
A violaccedilatildeo do compromisso internacional estaacute explicitada em seu Princiacutepio 12
que diz que como todos tecircm direito de participar de reuniotildees legiacutetimas e paciacuteficas de acordo com os
princiacutepios expressos na Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional de Direitos
Civis e Poliacuteticos os governos entidades e os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo reconhecer que a forccedila
e as armas de fogo soacute podem ser usadas nos termos dos Princiacutepios 13 e 14
Note-se que tais princiacutepios referem-se a grupos ilegais e violentos o que
claramente natildeo foi o caso das pessoas que estavam nas ruas exercendo seu direito de livre
expressatildeo e reuniatildeo poreacutem ainda que fosse seria inevitaacutevel se observarem os criteacuterios da
proporcionalidade e da estrita necessidade no uso da forccedila policial
Veja-se a transcriccedilatildeo dos Princiacutepios 13 e 14 do protocolo
13 Ao dispersar grupos ilegais mas natildeo-violentos os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo evitar o uso da forccedila ou quando tal natildeo for
possiacutevel deveratildeo restringir tal forccedila ao miacutenimo necessaacuterio
14 Ao dispersar grupos violentos os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute
poderatildeo fazer uso de armas de fogo quando natildeo for possiacutevel usar outros
meios menos perigosos e apenas nos termos minimamente necessaacuterios Os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei natildeo deveratildeo fazer uso de armas de
fogo em tais casos a natildeo ser nas condiccedilotildees previstas no Princiacutepio 9
29 Disponiacutevel em httpwwwvalorcombrsitesdefaultfilesimagecachemedia_library_300_197imagesprotestag_0_8_640_419jpg
20
Ora diante dos fatos eacute impossiacutevel identificar sequer um rastro de observacircncia
deste protocolo pela PMESP seja no dia 13 de junho de 2013 ou nas outras situaccedilotildees
narradas na inicial
Portanto demonstra-se que suposta manutenccedilatildeo da ordem puacuteblica no intuito de
se garantir a circulaccedilatildeo de veiacuteculos natildeo pode do ponto de vista juriacutedico interno e
internacional frustrar o direito de reuniatildeo das pessoas que se encontram em vias puacuteblicas
para exercer seu direito universal agrave liberdade de expressatildeo
ii - DA UTILIZACcedilAtildeO DE ARMAS DE FOGO COM MUNICcedilAtildeO DE ELASTOcircMERO BOMBAS DE
GAacuteS E GRANADAS DE LUZ E SOM PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO
VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS
Os relatos daqueles que participaram da manifestaccedilatildeo (doc 6) sugerem que em
vez de direcionar a marcha num suposto sentido de dispersatildeo os policiais encurralaram
milhares de pessoas num circuito de tiro com balas de borracha saturado com bombas
de gaacutes e granadas de luz e som ao longo de vaacuterias ruas da regiatildeo central Essa taacutetica policial
de encurralamento pode ser observada pelo mapa abaixo o qual explica como se deu o
trajeto realizado pela poliacutecia e manifestantes
21
22
Seacutergio Andrade da Silva de 31 anos eacute um fotoacutegrafo casado e pai de duas
crianccedilas Na noite do protesto ele saiu para trabalhar Faria fotos da marcha para uma
agecircncia de notiacutecias mas acabou horas depois internado no ldquoHospital H Olhosrdquo depois
de ter passado pelo ldquoHospital 9 de Julhordquo onde recebeu doses de morfina para controlar a
dor de duas fraturas na oacuterbita ocular resultante de accedilatildeo da Poliacutecia Militar Sergio levou
cinco pontos dentro do olho esquerdo do qual ficaria definitivamente cego
Transcreve-se abaixo trecho do relato de Sergio que mostra todo o pacircnico que
sentiu no momento da agressatildeo recebida pela PMESP (doc 6)
Fui atingido por uma bala de borracha Tenho quase 180m e a bala me
atingiu exatamente no olho [] A dor foi instantacircnea profunda terriacutevel
Todos os piores adjetivos com que vocecirc puder qualificar a dor eu senti
naquele momento Meu olho inchou rapidamente coloquei a matildeo e minha
paacutelpebra jaacute havia se fechado Muito sangue comeccedilava a cair naquele instante
e pensei lsquofiquei cego Natildeo vou mais conseguir fotografarrsquo Foi a sensaccedilatildeo
que eu tive
Outro relato mostra exatamente o desespero de um cidadatildeo que corre risco de
vida ou de ferimentos graves pela accedilatildeo da proacutepria poliacutecia que supostamente deve
promover a seguranccedila puacuteblica (doc 6)
23
Ali foi o momento mais desesperador mesmo porque natildeo conseguia
respirar achei que ia desmaiar ali comecei a ficar fraca natildeo conseguia correr
mais e fiquei um tempo ali desnorteada com todo aquele gaacutes e continuei
correndohellip Jaacute tinha perdido todo mundo e olhei para os lados estava todo
mundo correndo subindo e natildeo tinha para onde ir a natildeo ser subir a
Augusta Tinha muita gente e natildeo dava para ir raacutepido a gente ficou
encurralado Quando vi estaacutevamos entre uma parede subindo a Augusta
na frente tinha um grupo de policias da Tropa de Choque e atraacutes tambeacutem
Ali foi o momento que fomos emparedados Natildeo tinha o que fazer natildeo
dava para correr muito corriacuteamos lentamentehellip Me senti fuzilada naquele
momento a gente ficou emparedado parecia um fuzilamento no paredatildeo
Foi tudo muito raacutepido e de repente estourou uma bomba na minha frente a
princiacutepio achei que era gaacutes lacrimogecircnio eu senti todo o impacto no meu
corpo mas continuei correndo Natildeo sabia que eu havia me machucado ou
melhor que tinham me machucado naquele momento soacute tinha sentido o
impacto Eu estava com muito medo de levar bala de borracha porque eles
estavam realmente perseguindo Quando virei a direita eu continuei
ouvindo os tiros e as bombas e aquela rua estava completamente parada as
pessoas correndo entre os carros todo mundo desesperado ali E eles
continuaram correndo atraacutes da gente ndash na verdade sequer olhei para traacutes
dava para ouvir e tinha certeza absoluta que seria atingida por uma bala de
borracha Porque eles estavam muito perto perseguindo Consegui correr e
virar a direita de novo onde encontrei um estacionamento grande na Caio
Prado Ali correndo seguindo nessa rua percebi que havia um corte
profundo no meu braccedilo Eu olhei um corte muito profundo eu fiquei
muito assustada Minha reaccedilatildeo foi chorar continuar correndo Foi uma
sensaccedilatildeo de desespero muito grande mesmo Me senti em uma guerra natildeo
tinha para onde correr e com certeza seria atingida por alguma bala de
borracha ou por bombas porque eles continuavam atraacutes Nesse
estacionamento pedi para o rapaz me deixar entrar Ele falou que natildeo podia
me deixar entrar Falei ldquopor favor me deixa entrarrdquo mostrei meu braccedilo ele
se assustou e deixou entrar
24
Esta eacute a lesatildeo de que relato trata
Estes casos revelam o potencial de causar danos irreversiacuteveis que as ldquomuniccedilotildees
menos letaisrdquo como municcedilatildeo de elastocircmero em armas de fogo possuem quando utilizadas
contra oacutergatildeos vitais e a curta distacircncia
O fotoacutegrafo Seacutergio natildeo teria perdido um olho e centenas de pessoas natildeo
teriam sofrido lesotildees e corrido risco de morte se a PMESP tivesse observado
minimamente os paracircmetros internacionais para o uso da forccedila reconhecidos pela
Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas e pela Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos
O Coacutedigo de Conduta Para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo
da Lei30 (doc 4) aprovado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo 34169 de 17
de dezembro de 1979 estabelece criteacuterios para a aplicaccedilatildeo da lei na defesa da ordem
puacuteblica e a forma como essas funccedilotildees satildeo exercidas
30 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)
25
Seu artigo 3ordm dispotildee
Os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute podem empregar a
forccedila quando tal se afigure estritamente necessaacuterio e na medida
exigida para o cumprimento do seu dever
Bastaria a leitura deste artigo para verificar que os agentes de seguranccedila
independente do dever que entendiam estar cumprindo ultrapassaram (e muito) o
estritamente necessaacuterio
Ainda assim esse importante documento internacional vigente desde 1979
possui comentaacuterios interpretativos31 que permitem a melhor aplicaccedilatildeo de seus dispositivos
Veja-se o que diz o comentaacuterio do artigo 3ordm
ldquoComentaacuterio
a) Esta disposiccedilatildeo salienta que o emprego da forccedila por parte dos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deve ser excepcional
Embora admita que estes funcionaacuterios possam estar autorizados a utilizar a
forccedila na medida em que tal seja razoavelmente considerado como
necessaacuterio tendo em conta as circunstacircncias para a prevenccedilatildeo de um crime
ou para deter ou ajudar agrave detenccedilatildeo legal de delinquentes ou de suspeitos
qualquer uso da forccedila fora deste contexto natildeo eacute permitido
b) A lei nacional restringe normalmente o emprego da forccedila pelos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei de acordo com o princiacutepio
da proporcionalidade Deve-se entender que tais princiacutepios nacionais
de proporcionalidade devem ser respeitados na interpretaccedilatildeo desta
disposiccedilatildeo
A presente disposiccedilatildeo natildeo deve ser em nenhum caso interpretada no
sentido da autorizaccedilatildeo do emprego da forccedila em desproporccedilatildeo com o
legiacutetimo objetivo a atingir
c) O emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem
fazer-se todos os esforccedilos no sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de
31 Diretrizes para a efetiva implementaccedilatildeo do Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei Adotado pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU em 1986 por meio da resoluccedilatildeo nordm 198661
26
fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo utilizar-se
armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou
quando de qualquer forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja
suficientes medidas menos extremas para o dominar ou deter Cada vez que
uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as
autoridades competentesrdquo
Observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP tambeacutem natildeo respeitou as disposiccedilotildees dos
Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios
Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (Princiacutepios Baacutesicos) outra normativa no acircmbito
da ONU a qual o Brasil estaacute submetido
32
Eacute escandaloso o descompasso da atuaccedilatildeo policial com o que determina o
paraacutegrafo 5 desse importante documento Veja-se
32 Disponiacutevel em httppontoeletronicomewp-contentuploads20130613jun2013-policial-se-prepara-para-atirar-contra-manifestantes-durante-protesto-contra-o-aumento-da-tarifa-do-transporte-coletivo-realizado-pelas-ruas-da-regiao-central-de-sao-paulo-1371176850700_1920x1080jpg
27
ldquo5 Sempre que o uso legiacutetimo da forccedila e de armas de fogo for inevitaacutevel
os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
(a) Exercer moderaccedilatildeo no uso de tais recursos e agir na proporccedilatildeo da
gravidade da infraccedilatildeo e do objetivo legiacutetimo a ser alcanccedilado
(b) Minimizar danos e ferimentos e respeitar e preservar a vida humana
(c) Assegurar que qualquer indiviacuteduo ferido ou afetado receba assistecircncia e
cuidados meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel
(d) Garantir que os familiares ou amigos iacutentimos da pessoa ferida ou afetada
sejam notificados o mais depressa possiacutevel
Diante dos fatos narrados na inicial eacute possiacutevel se questionar O uso legiacutetimo da
forccedila foi inevitaacutevel Houve infraccedilatildeo grave dos manifestantes para justificar a proporccedilatildeo da
forccedila policial aplicada Houve por parte da PMESP a prestaccedilatildeo de assistecircncia e cuidados
meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel As forccedilas repressivas do Estado garantiram a imediata
notificaccedilatildeo dos feridos
A resposta eacute veementemente negativa para todas essas questotildees
Independentemente dos questionamentos acima tambeacutem natildeo eacute possiacutevel
identificar qual o objetivo legiacutetimo da atuaccedilatildeo da PMESP A proacutepria intenccedilatildeo de dispersatildeo
jaacute ofende o direito agrave reuniatildeo legalmente exercido pela manifestaccedilatildeo puacuteblica presente nos 8
casos trazidos na inicial poreacutem a PMESP foi aleacutem pois contrariou os princiacutepios 13 e 14
dos Princiacutepios Baacutesicos33 ainda que tais manifestaccedilotildees fossem consideradas ilegais e
violentas
Ora estaacute mais do que claro que a utilizaccedilatildeo de armamento de fogo com
municcedilatildeo de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral estariam
absolutamente descartadas se fossem cumpridas as normativas internacionais para
o uso da forccedila
33 A transcriccedilatildeo dos artigos 13 e 14 dos princiacutepios baacutesicos estaacute na paacutegina 16
28
Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais
mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito
internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de
proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade
Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser
sempre a uacuteltima opccedilatildeo
O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias
ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no
sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida
74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo
da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um
contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente
treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo
contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente
quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis
Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente
controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave
forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro
juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo
34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre
Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)
29
iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia
de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma
confiaacutevel36
Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees
da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da
liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX
que ora transcreve-se
Artigo XIX
Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito
inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e
transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente
de fronteiras
Artigo XX
1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas
2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo
Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre
Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem
assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o
relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de
controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto
identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees
36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
30
administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo
das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas
investigaccedilotildees
Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho
de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma
das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de
maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila
de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel
abuso da forccedila
Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas
administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em
manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente
necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de
planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso
abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo
recomendou as seguintes medidas
a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da
forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas
b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees
c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para
verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores
A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao
Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde
partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de
comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela
PMESP no dia 13 de junho de 2014
31
Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que
um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem
de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros
internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em
qualquer outra manifestaccedilatildeo popular
iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO
DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO
Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo
em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de
direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)
ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi
realizada de forma violenta e ilegal
Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem
evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De
acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude
adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia
perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois
A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de
gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a
Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como
pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era
como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e
violecircncia
Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na
direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria
Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos
os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da
Silva)
32
ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um
cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a
ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha
muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais
lanccedilavam bomba por nada para todos os lados
Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as
pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva
[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se
acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas
entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]
quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para
deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos
Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando
com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta
velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo
tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas
pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As
33
pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas
que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair
de laacute
Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o
traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato
mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da
accedilatildeo repressiva
A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava
dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na
Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []
Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente
rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais
comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como
eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para
dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no
chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador
34
Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante
recorrentes
Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um
ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial
mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua
patricinha vagabundarsquo ele me dizia
[]
Vai embora sua prostituta
A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer
seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente
sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral
Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo
Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes
puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz
que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no
35
sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo
utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer
forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou
deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades
competentes
No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de
Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma
de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de
armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal
aviso deve ser feito de forma clara e adequada
Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento
10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente
a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo
suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando
tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave
ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso
Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a
utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo
de armas de fogo
Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a
grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade
policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma
sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma
36
manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos
princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38
Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)
manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de
proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo
com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado
ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever
de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e
menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas
deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme
os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo
A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa
de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila
Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do
Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas
envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para
que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio
ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se
identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza
as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila
outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude
exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
37
[]
A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica
implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto
proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com
proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de
reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O
grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja
considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do
que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de
maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se
encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o
uso da forccedila resulta desproporcionado
Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da
aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute
internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado
internacional de direitos humanos
Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com
documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema
necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas
de seguranccedila
iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE
POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES
Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a
de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de
identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria
responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)
41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15
38
ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo
ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem
os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na
Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo
onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam
muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito
desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada
um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e
depois soltarrdquo
Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume
havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as
normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo
usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento
Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute
tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma
Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por
parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em
particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo
identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de
2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos
gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de
3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se
SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou
nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto
de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os
rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido
possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante
42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319
39
agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da
corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos
A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)
que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o
Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica
informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de
identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou
crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas
pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e
ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento
Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento
feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -
organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo
com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a
manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da
Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois
se espalharam pelo centro
Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se
determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular
Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito
interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a
atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu
Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta
manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial
em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes
policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees
O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo
em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial
40
No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado
de se identificarem previamente como tais no momento de advertir
com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a
forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua
atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees
estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e
adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se
f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de
seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas
ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever
potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim
de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no
terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e
comportamento policial
Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a
identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que
cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e
ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se
g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as
forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de
abusos ou atos de violecircncia
h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou
judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas
operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos
no curso das mesmas
41
Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos
cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013
em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos
A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou
que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem
disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes
em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que
confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns
trechos da mateacuteria
Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes
sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas
delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo
Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo
investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute
abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi
concluiacuteda e nenhum policial foi punido
A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute
os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo
processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1
de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014
Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de
Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum
policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21
policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato
Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e
tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e
ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades
43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)
42
v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS
CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES
Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do
Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa
atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute
de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila
Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em
manifestaccedilotildees futuras
Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute
imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo
temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de
confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo
Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a
negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A
proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da
Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que
Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os
governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar
atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos
especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da
forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a
compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de
persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos
destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados
da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e
procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos
43
Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um
negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se
evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se
e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves
manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes
para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e
protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de
conflito
Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na
Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos
publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72
daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue
72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no
uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a
resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das
multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como
meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45
Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de
Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia
da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se
44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf
44
38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um
verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades
policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da
manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico
Suiacuteccedila e outros paiacuteses47
Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os
documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador
civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco
de conflito social
vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa
de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na
dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila
notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas
O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar
Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre
recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo
Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem
alguns trechos
No comando do choque eu soacute recebi precircmios
47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora
45
Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe
pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de
Satildeo Paulo
ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de
protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo
A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho
quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e
pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo
foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do
centro saqueadas
Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da
Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui
ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou
A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v
Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de
dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute
o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte
ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar
seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito
negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50
Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando
preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa
policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre
expressatildeo
49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)
46
ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees
razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento
paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem
violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da
legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento
de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo
manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma
manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das
pessoasrdquo52
Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho
de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante
da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo
A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava
subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e
um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas
patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de
brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo
tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha
bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa
assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou
brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo
[]
Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos
policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles
ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar
sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E
todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado
52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas
47
do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo
para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo
[]
Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu
encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de
gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba
nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para
os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de
novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me
lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de
Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo
mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da
poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo
estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e
nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo
[]
A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes
Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a
gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem
Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o
pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes
lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila
Roosevelt
[]
O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da
Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava
que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente
ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima
tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali
natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando
bomba em cima da gente
O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da
Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e
intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso
desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a
48
agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de
Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se
ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees
policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso
indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o
membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para
proteger seus companheiros ali presentesrdquo54
Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave
determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve
permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo
administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes
vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A
ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica
do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e
internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo
puacuteblico
Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da
forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a
formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas
53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo
49
Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que
ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e
de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na
elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e
minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e
de armas de fogordquo
Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para
determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila
deveriam seguir Aqui estatildeo elas
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo
da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os
tipos de armas e municcedilotildees permitidas
(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias
apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio
(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos
injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis
(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas
de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas
armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de
armas de fogo
50
(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no
desempenho das suas funccedilotildees
Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila
e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia
da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece
as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila
Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como
aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos
agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento
dessas diretrizes
1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar
nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e
deveraacute considerar primordialmente
a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela
Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na
sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979
b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de
Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados
pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo
198961 de 24 de maio de 1989
c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo
Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o
Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto
a 7 de setembro de 1999
d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis
Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees
Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de
1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991
51
Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade
resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a
necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna
ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial
Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao
Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que
tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria
9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos
disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo
objetivamente
a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas
b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao
ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no
evento
c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo
perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento
d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees
desnecessaacuterias e risco injustificado e
e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente
de seguranccedila puacuteblica
Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do
Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de
Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que
regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees
Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se
natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como
a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de
manifestaccedilotildees e reuniotildees populares
52
Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro
miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos
que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e
sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil
6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE
DIREITOS HUMANOS
O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado
por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica
contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso
internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados
no que tange agrave dignidade humana
De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados
natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a
dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados
podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros
Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos
que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos
internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas
Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo
terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua
responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos
internacionalmente admitidos
55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf
53
Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56
apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute
um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees
como prova para outro procedimento de julgamento internacional do
Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura
ignorada
Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados
no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos
normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo
Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina
se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses
oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o
jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi
distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda
externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados
ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos
constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os
paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o
respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil
continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos
nacionalmente57
Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da
presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o
que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada
56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355
54
7) CONCLUSAtildeO
A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm
Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para
resoluccedilatildeo da presente controveacutersia
Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e
histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma
expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo
se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do
Estado de Satildeo Paulo
Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a
atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa
padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia
O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo
Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos
Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que
expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e
que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente
demanda
55
8) PEDIDO
Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como
amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae
requer-se seu recebimento como memoriais
Termos em que
Pede deferimento
Satildeo Paulo 17 de julho de 2014
Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs
OABSP 262284 OABSP 101663
Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni
OABSP 284930 OABSP 286871
Sheila Santana de Carvalho
OABSP 343588
12
participavam de um protesto paciacutefico no centro da cidade se viram cercadas por tropas
policiais em um labirinto violento que atravessou a noite e cujas traacutegicas consequecircncias se
fazem sentir ainda hoje especialmente para os que carregaratildeo sequelas fiacutesicas e emocionais
Esse caso mostra evidente que os procedimentos adotados pela seguranccedila puacuteblica
paulista natildeo respeitaram os protocolos internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila
aleacutem de descumprir tratados e convenccedilotildees internacionais que o Brasil eacute signataacuterio e natildeo
seguir as recomendaccedilotildees das organizaccedilotildees internacionais das quais o Brasil eacute parte
Satildeo numerosos os relatos e evidecircncias de violecircncia fiacutesica contra os manifestantes
em 13 de junho de 2013 inclusive em desfavor de pessoas rendidas deitadas desarmadas e
desprovidas de qualquer acircnimo de resistecircncia Muitas destas pessoas foram espancadas e
atingidas por disparos de balas de borracha
Foram relatados ainda atos de violecircncia contra pessoas que natildeo estavam
participando dos protestos inclusive idosos e crianccedilas16 Foram registradas cenas onde a
Poliacutecia invadiu ateacute mesmo hospitais a fim de localizar pessoas que teriam participado dos
protestos17 Aleacutem disso apoacutes o grande nuacutemero de manifestantes jaacute ter sido dispersado
foram registradas cenas onde a Poliacutecia invadiu estabelecimentos comerciais supostamente
em busca dos manifestantes e agrediu pessoas18 Segundo relatos dos organizadores do
evento mais de 100 pessoas ficaram feridas19 em decorrecircncia da accedilatildeo truculenta da Poliacutecia
naquele dia
16 Ver por exemplo PORTAL DE NOTIacuteCIAS TERRA ldquoBomba de gaacutes lacrimogecircneo atinge carro de um idoso que estava de passagemrdquo viacutedeo publicado no 14 de junho de 2013 13h50 disponiacutevel no link httpterratvterracombrvideosNoticiasBrasilCidades4828-474261Bomba-de-gas-lacrimogeneo-cai-dentro-de-carro-em-protesto-em-SPhtm 17 Ver depoimento no site do Coletivo Antiproibicionista de Satildeo Paulo ldquoPM retira feridos a forccedila de hospital e impede atendimentordquo 14 de junho de 2013 disponiacutevel no link httpcoletivodarorg201306pm-retira-feridos-a-forca-de-hospital-e-impede-atendimento
18Ver por exemplo JORNAL FOLHA DE SAtildeO PAULO ldquoApoacutes confronto casal eacute agredido por PMs na regiatildeo da Paulistardquo 14 de junho de 2013 00h52 disponiacutevel em httpwww1folhauolcombrcotidiano2013061294916-apos-confronto-casal-e-agredido-por-pms-na-regiao-da-paulistashtml 19
Os dados finais sobre o numero de feridos ainda estatildeo sendo organizados pelo MPL e pela Defensoria
Puacuteblica de Satildeo Paulo Para uma estimativa ver infograacutefico JORNAL FOLHA DE SAtildeO PAULO ldquoDos 235
detidos em protesto 231 satildeo liberados apoacutes prestar depoimentordquo 14 de junho 2013 07h25 disponiacutevel
emhttpwww1folhauolcombrcotidiano2013061294960-dos-235-detidos-em-protesto-231-sao-
liberados-apos-prestar-depoimentoshtml
13
Abaixo demonstra-se detalhadamente cada norma dos protocolos internacionais
para a utilizaccedilatildeo da forccedila que foram descumpridas pela Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo
Paulo contribuindo-se para o livre convencimento deste mm Juiacutezo a dar total procedecircncia
agrave presente accedilatildeo civil puacuteblica
i - DA INTERRUPCcedilAtildeO DA REUNIAtildeO PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO
VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS
Um dia que ficaria para a histoacuteria como a maior expressatildeo do exerciacutecio do direito
constitucional de reuniatildeo da liberdade de expressatildeo e de locomoccedilatildeo na verdade tornou-se
a maior expressatildeo da restriccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da proacutepria Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Observa-
se que a justificativa de se liberar o traacutefego de veiacuteculos para garantir a manutenccedilatildeo da
ordem puacuteblica foi a causa que deu iniacutecio agrave accedilatildeo ilegal e truculenta da Poliacutecia Militar do
Estado de Satildeo Paulo (PMESP)
Nota-se das paacuteginas 21 e 22 da exordial que as proacuteprias forccedilas de seguranccedila
tomaram a iniciativa de encerrar o ato que reuniu cerca de 15 mil pessoas que caminhavam
pelas ruas de Satildeo Paulo
Ocorre que aleacutem de ilegal e inconstitucional essa medida ofende diretamente a
Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos (Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica)
incorporada ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 68792
Eacute o que diz a Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos no Marco Juriacutedico
Interamericano Sobre o Direito agrave Liberdade de Expressatildeo20 onde seu paraacutegrafo 82
assevera
20 Apresentado pela Relatoria para a Liberdade de Expressatildeo da Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos 2010 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhexpresiondocspublicacionesMARCO20JURIDICO20INTERAMERICANO20DEL20DERECHO20A20LA20LIBERTAD20DE20EXPRESION20ESP20FINAL20portadadocpdf (acessado em 04062014)
14
ldquoqualquer afetaccedilatildeo da ordem puacuteblica invocada como justificaccedilatildeo para limitar
a liberdade de expressatildeo deve obedecer causas reais e objetivamente
verificaacuteveis que signifiquem uma ameaccedila certa e acreditaacutevel de uma
perturbaccedilatildeo potencialmente grave das condiccedilotildees baacutesicas para o
funcionamento das instituiccedilotildees democraacuteticasrdquo21
Nota-se do conjunto probatoacuterio juntado aos autos que antes da atuaccedilatildeo policial
natildeo houve qualquer risco razoaacutevel de distuacuterbio grave natildeo havendo possibilidade diante da
Convenccedilatildeo Americana de se promover a dispersatildeo da manifestaccedilatildeo simplesmente pela
ocupaccedilatildeo de uma via puacuteblica
Eacute o que diz a continuaccedilatildeo do dispositivo mencionado acima
ldquoEm consequecircncia natildeo eacute suficiente invocar meras conjecturas sobre
eventuais afetaccedilotildees da ordem nem circunstacircncias hipoteacuteticas derivadas
de interpretaccedilotildees das autoridades diante de fatos que natildeo representem
claramente um risco razoaacutevel de distuacuterbios graves Uma interpretaccedilatildeo mais
ampla ou indeterminada abriria um campo inadmissiacutevel agrave arbitrariedade e
restringiria a raiz da liberdade de expressatildeo que forma parte integral da
ordem puacuteblica protegida pela Convenccedilatildeo Americanardquo22
Dentre as pessoas viacutetimas da violecircncia policial do dia 13062013 dez prestaram
relatos agrave requerente sobre o que ocorreu naquela noite em Satildeo Paulo (doc 6) informando
que PMESP perseguiu prendeu agrediu e feriu indiscriminadamente natildeo apenas
manifestantes mas tambeacutem jornalistas e moradores dos bairros por onde a marcha passou
21 Traduccedilatildeo livre de ldquocualquier afectacioacuten del orden puacuteblico invocada como justificacioacuten para limitar la libertad de expresioacuten debe obedecer a causas reales y objetivamente verificables que planteen una amenaza cierta y creiacuteble de una perturbacioacuten potencialmente grave de las condiciones baacutesicas para el funcionamiento de las instituciones democraacuteticasrdquo 22 Traduccedilatildeo livre de ldquo En consecuencia no resulta suficiente invocar meras conjeturas sobre eventuales afectaciones del orden ni circunstancias hipoteacuteticas derivadas de interpretaciones de las autoridades frente a hechos que no planteen claramente un riesgo razonable de disturbios graves (ldquoviolencia anaacuterquicardquo) Una interpretacioacuten maacutes amplia o indeterminada abririacutea un campo inadmisible a la arbitrariedad y restringiriacutea de raiacutez la libertad de expresioacuten que forma parte integral del orden puacuteblico protegido por la Convencioacuten Americanardquo
15
Veja-se o depoimento de uma delas
A manifestaccedilatildeo seguiu pela av Ipiranga ateacute o iniacutecio da rua da Consolaccedilatildeo
onde jaacute havia viaturas policiais acompanhando a multidatildeo Ateacute entatildeo a
movimentaccedilatildeo desses policiais era tranquila como a dos proacuteprios
manifestantes Eles caminhavam com suas faixas bandeiras camisas com
dizeres de protesto gritos enfim uma manifestaccedilatildeo como outra qualquer
Entrando na rua da Consolaccedilatildeo o clima comeccedilou a ficar diferente Em
frente agrave Praccedila Roosevelt havia uma barreira de guardas civis da Guarda
Civil Metropolitana (GCM) Eles se posicionaram com escudos e cassetetes
formando uma barreira humana nas escadarias da Praccedila Roosevelt para que
os manifestantes natildeo ocupassem aquele espaccedilo []
Seguindo ainda nesse trecho da rua da Consolaccedilatildeo a Poliacutecia Militar do
estado de Satildeo Paulo posiciona alguns veiacuteculos duas ou trecircs viaturas (natildeo me
recordo bem) e comeccedila um diaacutelogo (podemos chamar assim) entre alguns
policiais alguns manifestantes e o pessoal da imprensa Posso dizer com
absoluta certeza que eram pouquiacutessimas pessoas nesse diaacutelogo dois ou trecircs
policiais cinco ou seis manifestantes e o resto era da imprensa Eu estava
proacuteximo do local dessa conversa e o pouco que eu consegui ouvir era da
voz de um policial dizendo que os manifestantes natildeo poderiam continuar
naquele trajeto ou seja subir a rua da Consolaccedilatildeo em direccedilatildeo agrave av Paulista
que era o trajeto que aquela manifestaccedilatildeo queria fazer
16
Ao adotar a formaccedilatildeo de confronto e impedir o prosseguimento da manifestaccedilatildeo
paciacutefica a PMESP impediu o exerciacutecio do direito de reuniatildeo e livre expressatildeo de cerca de
15 mil pessoas Natildeo satisfeita ainda iniciou o lanccedilamento de bombas e tiros com municcedilatildeo
de elastocircmero contra as pessoas reunidas ali pacificamente
23
Claramente ao interromper as pessoas ali reunidas que marchavam
pacificamente a PMESP rasgou todas as cartas de direitos que reconhecem a liberdade de
reuniatildeo e de expressatildeo - a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica a Declaraccedilatildeo Universal de Direitos
Humanos e a Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos ndash ferindo tambeacutem os
posicionamentos de organismos internacionais como a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos (CIDH)cedilque sinaliza hipoacuteteses restritas de limitaccedilatildeo do direito de
reuniatildeo no 2ordm Relatoacuterio sobre a Situaccedilatildeo de Defensores e Defensoras de Direitos
Humanos nas Ameacutericas24 (doc 8) Veja-se
ldquo107 Nos uacuteltimos anos alguns paiacuteses tecircm apresentado um aumento no
nuacutemero de accedilotildees penais contra participantes de protestos sociais para a
reivindicaccedilatildeo de direitos utilizando-se de argumentos como a perturbaccedilatildeo
da ordem puacuteblica ou o atentado contra a seguranccedila do Estado Em virtude
da importacircncia que se revestem as manifestaccedilotildees puacuteblicas nos sistemas
democraacuteticos o Estado possui hipoacuteteses restritas para aplicar
limitaccedilotildees nesse sentido mesmo que o direito de reuniatildeo natildeo seja
23 Disponiacutevel em httpimgr7comimages2013061500_13_08_643_filedimensions=780x340 24 Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos 2011 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhdefensoresdocspdfdefensores2011pdf (acessado em 02062014)
17
absoluto ou possa estar sujeito a certos limites essas justificativas
devem ser razoaacuteveis para se assegurar o desenvolvimento paciacutefico das
manifestaccedilotildees e devem reger-se ldquopelos princiacutepios da legalidade da
necessidade e da proporcionalidaderdquo25
A importacircncia destes firmes posicionamentos da CIDH fundamenta-se em sua
proacutepria funccedilatildeo institucional de interpretar e recomendar a melhor aplicaccedilatildeo da
Convenccedilatildeo que claramente reconhece na atividade administrativa do Estado de Satildeo
Paulo a violaccedilatildeo de dois de seus artigos abaixo transcritos
Artigo 13 - Liberdade de pensamento e de expressatildeo
Toda pessoa tem o direito agrave liberdade de pensamento e de expressatildeo Esse
direito inclui a liberdade de procurar receber e difundir informaccedilotildees e ideacuteias
de qualquer natureza sem consideraccedilotildees de fronteiras verbalmente ou por
escrito ou em forma impressa ou artiacutestica ou por qualquer meio de sua
escolha
Artigo 15 - Direito de reuniatildeo
Eacute reconhecido o direito de reuniatildeo paciacutefica e sem armas O exerciacutecio desse
direito soacute pode estar sujeito agraves restriccedilotildees previstas em lei e que se faccedilam
necessaacuterias em uma sociedade democraacutetica ao interesse da seguranccedila
nacional da seguranccedila ou ordem puacuteblicas ou para proteger a sauacutede ou a
moral puacuteblicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas
25 Traduccedilatildeo livre de ldquo107 En los uacuteltimos antildeos se ha presentado una creciente iniciacioacuten de acciones penales en algunos paiacuteses en contra de quienes participan en protestas sociales para la reivindicacioacuten de derechos bajo el argumento de que supuestamente se desarrollariacutean en un marco de perturbacioacuten del orden puacuteblicoo atentariacutean contra la seguridad del Estado En virtud de la importancia que reviste la protesta social en los sistemas democraacuteticos el Estado tiene un marco centildeido para justificar su limitacioacuten en este sentido si bien el derecho de reunioacuten no es absoluto y puede estar sujeto a ciertos liacutemites eacutestos deben ser razonablescon el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las manifestaciones y deben regirse ldquopor los principios de legalidad necesidad y proporcionalidaderdquo
18
Jaacute no acircmbito da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) o Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Poliacuteticos26 exige que os Estados signataacuterios
garantam aos seus cidadatildeos o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de participaccedilatildeo da
conduccedilatildeo de assuntos puacuteblicos sem restriccedilotildees infundadas27
Nessa linha o 8ordm Congresso das Naccedilotildees Unidas sobre a Prevenccedilatildeo do Crime
e o Tratamento dos Delinquentes deu publicidade a um documento formulado para
assistir os Estados membros na tarefa de assegurar e promover a adequada missatildeo dos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo de lei Trata-se dos Princiacutepios Baacutesicos sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da
Lei28 (doc 5) que dentre suas disposiccedilotildees determina que
ldquodevem ser tomados em consideraccedilatildeo e respeitados pelos governos
no acircmbito da legislaccedilatildeo e da praacutetica nacionais e levados ao
conhecimento dos funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei e de
outras pessoas como juiacutezes agentes do Ministeacuterio Puacuteblico
advogados membros do Executivo e do Legislativo bem como do
puacuteblico em geralrdquo
Ao se comprometer com esse documento o Estado Brasileiro compreendido por
Uniatildeo Estados e Municiacutepios natildeo pode deixar de observar suas disposiccedilotildees
Todavia mesmo conhecedor desses paracircmetros o Estado de Satildeo Paulo
por meio da PMESP no dia 13 de junho optou por descumpri-los ao encerrar uma
manifestaccedilatildeo legal e natildeo-violenta
26 Internalizado ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 592 de 6 de julho de 1992 27 Arts 19 21 e 25 28 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)
19
29
A violaccedilatildeo do compromisso internacional estaacute explicitada em seu Princiacutepio 12
que diz que como todos tecircm direito de participar de reuniotildees legiacutetimas e paciacuteficas de acordo com os
princiacutepios expressos na Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional de Direitos
Civis e Poliacuteticos os governos entidades e os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo reconhecer que a forccedila
e as armas de fogo soacute podem ser usadas nos termos dos Princiacutepios 13 e 14
Note-se que tais princiacutepios referem-se a grupos ilegais e violentos o que
claramente natildeo foi o caso das pessoas que estavam nas ruas exercendo seu direito de livre
expressatildeo e reuniatildeo poreacutem ainda que fosse seria inevitaacutevel se observarem os criteacuterios da
proporcionalidade e da estrita necessidade no uso da forccedila policial
Veja-se a transcriccedilatildeo dos Princiacutepios 13 e 14 do protocolo
13 Ao dispersar grupos ilegais mas natildeo-violentos os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo evitar o uso da forccedila ou quando tal natildeo for
possiacutevel deveratildeo restringir tal forccedila ao miacutenimo necessaacuterio
14 Ao dispersar grupos violentos os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute
poderatildeo fazer uso de armas de fogo quando natildeo for possiacutevel usar outros
meios menos perigosos e apenas nos termos minimamente necessaacuterios Os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei natildeo deveratildeo fazer uso de armas de
fogo em tais casos a natildeo ser nas condiccedilotildees previstas no Princiacutepio 9
29 Disponiacutevel em httpwwwvalorcombrsitesdefaultfilesimagecachemedia_library_300_197imagesprotestag_0_8_640_419jpg
20
Ora diante dos fatos eacute impossiacutevel identificar sequer um rastro de observacircncia
deste protocolo pela PMESP seja no dia 13 de junho de 2013 ou nas outras situaccedilotildees
narradas na inicial
Portanto demonstra-se que suposta manutenccedilatildeo da ordem puacuteblica no intuito de
se garantir a circulaccedilatildeo de veiacuteculos natildeo pode do ponto de vista juriacutedico interno e
internacional frustrar o direito de reuniatildeo das pessoas que se encontram em vias puacuteblicas
para exercer seu direito universal agrave liberdade de expressatildeo
ii - DA UTILIZACcedilAtildeO DE ARMAS DE FOGO COM MUNICcedilAtildeO DE ELASTOcircMERO BOMBAS DE
GAacuteS E GRANADAS DE LUZ E SOM PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO
VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS
Os relatos daqueles que participaram da manifestaccedilatildeo (doc 6) sugerem que em
vez de direcionar a marcha num suposto sentido de dispersatildeo os policiais encurralaram
milhares de pessoas num circuito de tiro com balas de borracha saturado com bombas
de gaacutes e granadas de luz e som ao longo de vaacuterias ruas da regiatildeo central Essa taacutetica policial
de encurralamento pode ser observada pelo mapa abaixo o qual explica como se deu o
trajeto realizado pela poliacutecia e manifestantes
21
22
Seacutergio Andrade da Silva de 31 anos eacute um fotoacutegrafo casado e pai de duas
crianccedilas Na noite do protesto ele saiu para trabalhar Faria fotos da marcha para uma
agecircncia de notiacutecias mas acabou horas depois internado no ldquoHospital H Olhosrdquo depois
de ter passado pelo ldquoHospital 9 de Julhordquo onde recebeu doses de morfina para controlar a
dor de duas fraturas na oacuterbita ocular resultante de accedilatildeo da Poliacutecia Militar Sergio levou
cinco pontos dentro do olho esquerdo do qual ficaria definitivamente cego
Transcreve-se abaixo trecho do relato de Sergio que mostra todo o pacircnico que
sentiu no momento da agressatildeo recebida pela PMESP (doc 6)
Fui atingido por uma bala de borracha Tenho quase 180m e a bala me
atingiu exatamente no olho [] A dor foi instantacircnea profunda terriacutevel
Todos os piores adjetivos com que vocecirc puder qualificar a dor eu senti
naquele momento Meu olho inchou rapidamente coloquei a matildeo e minha
paacutelpebra jaacute havia se fechado Muito sangue comeccedilava a cair naquele instante
e pensei lsquofiquei cego Natildeo vou mais conseguir fotografarrsquo Foi a sensaccedilatildeo
que eu tive
Outro relato mostra exatamente o desespero de um cidadatildeo que corre risco de
vida ou de ferimentos graves pela accedilatildeo da proacutepria poliacutecia que supostamente deve
promover a seguranccedila puacuteblica (doc 6)
23
Ali foi o momento mais desesperador mesmo porque natildeo conseguia
respirar achei que ia desmaiar ali comecei a ficar fraca natildeo conseguia correr
mais e fiquei um tempo ali desnorteada com todo aquele gaacutes e continuei
correndohellip Jaacute tinha perdido todo mundo e olhei para os lados estava todo
mundo correndo subindo e natildeo tinha para onde ir a natildeo ser subir a
Augusta Tinha muita gente e natildeo dava para ir raacutepido a gente ficou
encurralado Quando vi estaacutevamos entre uma parede subindo a Augusta
na frente tinha um grupo de policias da Tropa de Choque e atraacutes tambeacutem
Ali foi o momento que fomos emparedados Natildeo tinha o que fazer natildeo
dava para correr muito corriacuteamos lentamentehellip Me senti fuzilada naquele
momento a gente ficou emparedado parecia um fuzilamento no paredatildeo
Foi tudo muito raacutepido e de repente estourou uma bomba na minha frente a
princiacutepio achei que era gaacutes lacrimogecircnio eu senti todo o impacto no meu
corpo mas continuei correndo Natildeo sabia que eu havia me machucado ou
melhor que tinham me machucado naquele momento soacute tinha sentido o
impacto Eu estava com muito medo de levar bala de borracha porque eles
estavam realmente perseguindo Quando virei a direita eu continuei
ouvindo os tiros e as bombas e aquela rua estava completamente parada as
pessoas correndo entre os carros todo mundo desesperado ali E eles
continuaram correndo atraacutes da gente ndash na verdade sequer olhei para traacutes
dava para ouvir e tinha certeza absoluta que seria atingida por uma bala de
borracha Porque eles estavam muito perto perseguindo Consegui correr e
virar a direita de novo onde encontrei um estacionamento grande na Caio
Prado Ali correndo seguindo nessa rua percebi que havia um corte
profundo no meu braccedilo Eu olhei um corte muito profundo eu fiquei
muito assustada Minha reaccedilatildeo foi chorar continuar correndo Foi uma
sensaccedilatildeo de desespero muito grande mesmo Me senti em uma guerra natildeo
tinha para onde correr e com certeza seria atingida por alguma bala de
borracha ou por bombas porque eles continuavam atraacutes Nesse
estacionamento pedi para o rapaz me deixar entrar Ele falou que natildeo podia
me deixar entrar Falei ldquopor favor me deixa entrarrdquo mostrei meu braccedilo ele
se assustou e deixou entrar
24
Esta eacute a lesatildeo de que relato trata
Estes casos revelam o potencial de causar danos irreversiacuteveis que as ldquomuniccedilotildees
menos letaisrdquo como municcedilatildeo de elastocircmero em armas de fogo possuem quando utilizadas
contra oacutergatildeos vitais e a curta distacircncia
O fotoacutegrafo Seacutergio natildeo teria perdido um olho e centenas de pessoas natildeo
teriam sofrido lesotildees e corrido risco de morte se a PMESP tivesse observado
minimamente os paracircmetros internacionais para o uso da forccedila reconhecidos pela
Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas e pela Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos
O Coacutedigo de Conduta Para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo
da Lei30 (doc 4) aprovado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo 34169 de 17
de dezembro de 1979 estabelece criteacuterios para a aplicaccedilatildeo da lei na defesa da ordem
puacuteblica e a forma como essas funccedilotildees satildeo exercidas
30 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)
25
Seu artigo 3ordm dispotildee
Os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute podem empregar a
forccedila quando tal se afigure estritamente necessaacuterio e na medida
exigida para o cumprimento do seu dever
Bastaria a leitura deste artigo para verificar que os agentes de seguranccedila
independente do dever que entendiam estar cumprindo ultrapassaram (e muito) o
estritamente necessaacuterio
Ainda assim esse importante documento internacional vigente desde 1979
possui comentaacuterios interpretativos31 que permitem a melhor aplicaccedilatildeo de seus dispositivos
Veja-se o que diz o comentaacuterio do artigo 3ordm
ldquoComentaacuterio
a) Esta disposiccedilatildeo salienta que o emprego da forccedila por parte dos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deve ser excepcional
Embora admita que estes funcionaacuterios possam estar autorizados a utilizar a
forccedila na medida em que tal seja razoavelmente considerado como
necessaacuterio tendo em conta as circunstacircncias para a prevenccedilatildeo de um crime
ou para deter ou ajudar agrave detenccedilatildeo legal de delinquentes ou de suspeitos
qualquer uso da forccedila fora deste contexto natildeo eacute permitido
b) A lei nacional restringe normalmente o emprego da forccedila pelos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei de acordo com o princiacutepio
da proporcionalidade Deve-se entender que tais princiacutepios nacionais
de proporcionalidade devem ser respeitados na interpretaccedilatildeo desta
disposiccedilatildeo
A presente disposiccedilatildeo natildeo deve ser em nenhum caso interpretada no
sentido da autorizaccedilatildeo do emprego da forccedila em desproporccedilatildeo com o
legiacutetimo objetivo a atingir
c) O emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem
fazer-se todos os esforccedilos no sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de
31 Diretrizes para a efetiva implementaccedilatildeo do Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei Adotado pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU em 1986 por meio da resoluccedilatildeo nordm 198661
26
fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo utilizar-se
armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou
quando de qualquer forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja
suficientes medidas menos extremas para o dominar ou deter Cada vez que
uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as
autoridades competentesrdquo
Observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP tambeacutem natildeo respeitou as disposiccedilotildees dos
Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios
Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (Princiacutepios Baacutesicos) outra normativa no acircmbito
da ONU a qual o Brasil estaacute submetido
32
Eacute escandaloso o descompasso da atuaccedilatildeo policial com o que determina o
paraacutegrafo 5 desse importante documento Veja-se
32 Disponiacutevel em httppontoeletronicomewp-contentuploads20130613jun2013-policial-se-prepara-para-atirar-contra-manifestantes-durante-protesto-contra-o-aumento-da-tarifa-do-transporte-coletivo-realizado-pelas-ruas-da-regiao-central-de-sao-paulo-1371176850700_1920x1080jpg
27
ldquo5 Sempre que o uso legiacutetimo da forccedila e de armas de fogo for inevitaacutevel
os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
(a) Exercer moderaccedilatildeo no uso de tais recursos e agir na proporccedilatildeo da
gravidade da infraccedilatildeo e do objetivo legiacutetimo a ser alcanccedilado
(b) Minimizar danos e ferimentos e respeitar e preservar a vida humana
(c) Assegurar que qualquer indiviacuteduo ferido ou afetado receba assistecircncia e
cuidados meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel
(d) Garantir que os familiares ou amigos iacutentimos da pessoa ferida ou afetada
sejam notificados o mais depressa possiacutevel
Diante dos fatos narrados na inicial eacute possiacutevel se questionar O uso legiacutetimo da
forccedila foi inevitaacutevel Houve infraccedilatildeo grave dos manifestantes para justificar a proporccedilatildeo da
forccedila policial aplicada Houve por parte da PMESP a prestaccedilatildeo de assistecircncia e cuidados
meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel As forccedilas repressivas do Estado garantiram a imediata
notificaccedilatildeo dos feridos
A resposta eacute veementemente negativa para todas essas questotildees
Independentemente dos questionamentos acima tambeacutem natildeo eacute possiacutevel
identificar qual o objetivo legiacutetimo da atuaccedilatildeo da PMESP A proacutepria intenccedilatildeo de dispersatildeo
jaacute ofende o direito agrave reuniatildeo legalmente exercido pela manifestaccedilatildeo puacuteblica presente nos 8
casos trazidos na inicial poreacutem a PMESP foi aleacutem pois contrariou os princiacutepios 13 e 14
dos Princiacutepios Baacutesicos33 ainda que tais manifestaccedilotildees fossem consideradas ilegais e
violentas
Ora estaacute mais do que claro que a utilizaccedilatildeo de armamento de fogo com
municcedilatildeo de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral estariam
absolutamente descartadas se fossem cumpridas as normativas internacionais para
o uso da forccedila
33 A transcriccedilatildeo dos artigos 13 e 14 dos princiacutepios baacutesicos estaacute na paacutegina 16
28
Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais
mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito
internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de
proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade
Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser
sempre a uacuteltima opccedilatildeo
O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias
ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no
sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida
74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo
da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um
contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente
treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo
contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente
quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis
Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente
controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave
forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro
juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo
34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre
Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)
29
iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia
de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma
confiaacutevel36
Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees
da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da
liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX
que ora transcreve-se
Artigo XIX
Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito
inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e
transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente
de fronteiras
Artigo XX
1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas
2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo
Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre
Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem
assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o
relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de
controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto
identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees
36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
30
administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo
das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas
investigaccedilotildees
Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho
de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma
das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de
maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila
de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel
abuso da forccedila
Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas
administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em
manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente
necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de
planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso
abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo
recomendou as seguintes medidas
a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da
forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas
b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees
c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para
verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores
A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao
Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde
partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de
comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela
PMESP no dia 13 de junho de 2014
31
Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que
um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem
de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros
internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em
qualquer outra manifestaccedilatildeo popular
iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO
DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO
Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo
em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de
direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)
ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi
realizada de forma violenta e ilegal
Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem
evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De
acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude
adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia
perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois
A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de
gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a
Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como
pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era
como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e
violecircncia
Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na
direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria
Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos
os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da
Silva)
32
ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um
cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a
ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha
muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais
lanccedilavam bomba por nada para todos os lados
Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as
pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva
[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se
acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas
entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]
quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para
deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos
Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando
com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta
velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo
tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas
pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As
33
pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas
que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair
de laacute
Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o
traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato
mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da
accedilatildeo repressiva
A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava
dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na
Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []
Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente
rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais
comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como
eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para
dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no
chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador
34
Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante
recorrentes
Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um
ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial
mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua
patricinha vagabundarsquo ele me dizia
[]
Vai embora sua prostituta
A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer
seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente
sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral
Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo
Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes
puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz
que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no
35
sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo
utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer
forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou
deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades
competentes
No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de
Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma
de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de
armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal
aviso deve ser feito de forma clara e adequada
Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento
10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente
a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo
suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando
tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave
ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso
Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a
utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo
de armas de fogo
Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a
grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade
policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma
sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma
36
manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos
princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38
Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)
manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de
proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo
com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado
ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever
de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e
menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas
deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme
os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo
A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa
de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila
Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do
Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas
envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para
que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio
ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se
identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza
as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila
outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude
exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
37
[]
A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica
implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto
proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com
proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de
reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O
grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja
considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do
que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de
maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se
encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o
uso da forccedila resulta desproporcionado
Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da
aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute
internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado
internacional de direitos humanos
Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com
documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema
necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas
de seguranccedila
iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE
POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES
Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a
de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de
identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria
responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)
41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15
38
ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo
ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem
os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na
Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo
onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam
muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito
desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada
um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e
depois soltarrdquo
Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume
havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as
normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo
usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento
Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute
tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma
Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por
parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em
particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo
identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de
2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos
gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de
3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se
SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou
nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto
de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os
rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido
possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante
42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319
39
agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da
corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos
A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)
que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o
Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica
informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de
identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou
crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas
pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e
ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento
Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento
feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -
organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo
com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a
manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da
Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois
se espalharam pelo centro
Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se
determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular
Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito
interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a
atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu
Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta
manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial
em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes
policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees
O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo
em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial
40
No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado
de se identificarem previamente como tais no momento de advertir
com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a
forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua
atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees
estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e
adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se
f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de
seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas
ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever
potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim
de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no
terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e
comportamento policial
Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a
identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que
cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e
ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se
g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as
forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de
abusos ou atos de violecircncia
h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou
judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas
operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos
no curso das mesmas
41
Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos
cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013
em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos
A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou
que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem
disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes
em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que
confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns
trechos da mateacuteria
Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes
sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas
delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo
Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo
investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute
abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi
concluiacuteda e nenhum policial foi punido
A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute
os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo
processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1
de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014
Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de
Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum
policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21
policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato
Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e
tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e
ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades
43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)
42
v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS
CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES
Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do
Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa
atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute
de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila
Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em
manifestaccedilotildees futuras
Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute
imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo
temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de
confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo
Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a
negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A
proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da
Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que
Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os
governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar
atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos
especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da
forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a
compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de
persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos
destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados
da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e
procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos
43
Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um
negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se
evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se
e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves
manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes
para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e
protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de
conflito
Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na
Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos
publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72
daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue
72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no
uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a
resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das
multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como
meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45
Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de
Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia
da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se
44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf
44
38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um
verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades
policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da
manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico
Suiacuteccedila e outros paiacuteses47
Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os
documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador
civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco
de conflito social
vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa
de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na
dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila
notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas
O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar
Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre
recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo
Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem
alguns trechos
No comando do choque eu soacute recebi precircmios
47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora
45
Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe
pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de
Satildeo Paulo
ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de
protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo
A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho
quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e
pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo
foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do
centro saqueadas
Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da
Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui
ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou
A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v
Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de
dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute
o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte
ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar
seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito
negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50
Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando
preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa
policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre
expressatildeo
49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)
46
ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees
razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento
paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem
violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da
legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento
de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo
manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma
manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das
pessoasrdquo52
Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho
de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante
da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo
A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava
subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e
um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas
patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de
brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo
tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha
bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa
assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou
brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo
[]
Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos
policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles
ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar
sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E
todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado
52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas
47
do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo
para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo
[]
Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu
encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de
gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba
nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para
os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de
novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me
lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de
Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo
mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da
poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo
estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e
nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo
[]
A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes
Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a
gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem
Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o
pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes
lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila
Roosevelt
[]
O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da
Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava
que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente
ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima
tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali
natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando
bomba em cima da gente
O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da
Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e
intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso
desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a
48
agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de
Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se
ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees
policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso
indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o
membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para
proteger seus companheiros ali presentesrdquo54
Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave
determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve
permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo
administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes
vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A
ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica
do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e
internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo
puacuteblico
Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da
forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a
formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas
53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo
49
Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que
ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e
de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na
elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e
minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e
de armas de fogordquo
Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para
determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila
deveriam seguir Aqui estatildeo elas
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo
da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os
tipos de armas e municcedilotildees permitidas
(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias
apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio
(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos
injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis
(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas
de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas
armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de
armas de fogo
50
(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no
desempenho das suas funccedilotildees
Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila
e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia
da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece
as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila
Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como
aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos
agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento
dessas diretrizes
1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar
nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e
deveraacute considerar primordialmente
a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela
Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na
sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979
b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de
Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados
pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo
198961 de 24 de maio de 1989
c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo
Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o
Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto
a 7 de setembro de 1999
d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis
Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees
Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de
1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991
51
Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade
resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a
necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna
ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial
Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao
Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que
tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria
9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos
disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo
objetivamente
a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas
b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao
ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no
evento
c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo
perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento
d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees
desnecessaacuterias e risco injustificado e
e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente
de seguranccedila puacuteblica
Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do
Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de
Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que
regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees
Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se
natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como
a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de
manifestaccedilotildees e reuniotildees populares
52
Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro
miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos
que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e
sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil
6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE
DIREITOS HUMANOS
O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado
por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica
contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso
internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados
no que tange agrave dignidade humana
De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados
natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a
dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados
podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros
Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos
que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos
internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas
Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo
terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua
responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos
internacionalmente admitidos
55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf
53
Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56
apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute
um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees
como prova para outro procedimento de julgamento internacional do
Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura
ignorada
Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados
no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos
normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo
Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina
se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses
oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o
jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi
distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda
externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados
ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos
constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os
paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o
respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil
continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos
nacionalmente57
Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da
presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o
que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada
56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355
54
7) CONCLUSAtildeO
A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm
Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para
resoluccedilatildeo da presente controveacutersia
Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e
histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma
expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo
se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do
Estado de Satildeo Paulo
Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a
atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa
padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia
O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo
Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos
Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que
expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e
que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente
demanda
55
8) PEDIDO
Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como
amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae
requer-se seu recebimento como memoriais
Termos em que
Pede deferimento
Satildeo Paulo 17 de julho de 2014
Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs
OABSP 262284 OABSP 101663
Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni
OABSP 284930 OABSP 286871
Sheila Santana de Carvalho
OABSP 343588
13
Abaixo demonstra-se detalhadamente cada norma dos protocolos internacionais
para a utilizaccedilatildeo da forccedila que foram descumpridas pela Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo
Paulo contribuindo-se para o livre convencimento deste mm Juiacutezo a dar total procedecircncia
agrave presente accedilatildeo civil puacuteblica
i - DA INTERRUPCcedilAtildeO DA REUNIAtildeO PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO
VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS
Um dia que ficaria para a histoacuteria como a maior expressatildeo do exerciacutecio do direito
constitucional de reuniatildeo da liberdade de expressatildeo e de locomoccedilatildeo na verdade tornou-se
a maior expressatildeo da restriccedilatildeo da aplicaccedilatildeo da proacutepria Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica Observa-
se que a justificativa de se liberar o traacutefego de veiacuteculos para garantir a manutenccedilatildeo da
ordem puacuteblica foi a causa que deu iniacutecio agrave accedilatildeo ilegal e truculenta da Poliacutecia Militar do
Estado de Satildeo Paulo (PMESP)
Nota-se das paacuteginas 21 e 22 da exordial que as proacuteprias forccedilas de seguranccedila
tomaram a iniciativa de encerrar o ato que reuniu cerca de 15 mil pessoas que caminhavam
pelas ruas de Satildeo Paulo
Ocorre que aleacutem de ilegal e inconstitucional essa medida ofende diretamente a
Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos (Pacto de Satildeo Joseacute da Costa Rica)
incorporada ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 68792
Eacute o que diz a Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos no Marco Juriacutedico
Interamericano Sobre o Direito agrave Liberdade de Expressatildeo20 onde seu paraacutegrafo 82
assevera
20 Apresentado pela Relatoria para a Liberdade de Expressatildeo da Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos 2010 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhexpresiondocspublicacionesMARCO20JURIDICO20INTERAMERICANO20DEL20DERECHO20A20LA20LIBERTAD20DE20EXPRESION20ESP20FINAL20portadadocpdf (acessado em 04062014)
14
ldquoqualquer afetaccedilatildeo da ordem puacuteblica invocada como justificaccedilatildeo para limitar
a liberdade de expressatildeo deve obedecer causas reais e objetivamente
verificaacuteveis que signifiquem uma ameaccedila certa e acreditaacutevel de uma
perturbaccedilatildeo potencialmente grave das condiccedilotildees baacutesicas para o
funcionamento das instituiccedilotildees democraacuteticasrdquo21
Nota-se do conjunto probatoacuterio juntado aos autos que antes da atuaccedilatildeo policial
natildeo houve qualquer risco razoaacutevel de distuacuterbio grave natildeo havendo possibilidade diante da
Convenccedilatildeo Americana de se promover a dispersatildeo da manifestaccedilatildeo simplesmente pela
ocupaccedilatildeo de uma via puacuteblica
Eacute o que diz a continuaccedilatildeo do dispositivo mencionado acima
ldquoEm consequecircncia natildeo eacute suficiente invocar meras conjecturas sobre
eventuais afetaccedilotildees da ordem nem circunstacircncias hipoteacuteticas derivadas
de interpretaccedilotildees das autoridades diante de fatos que natildeo representem
claramente um risco razoaacutevel de distuacuterbios graves Uma interpretaccedilatildeo mais
ampla ou indeterminada abriria um campo inadmissiacutevel agrave arbitrariedade e
restringiria a raiz da liberdade de expressatildeo que forma parte integral da
ordem puacuteblica protegida pela Convenccedilatildeo Americanardquo22
Dentre as pessoas viacutetimas da violecircncia policial do dia 13062013 dez prestaram
relatos agrave requerente sobre o que ocorreu naquela noite em Satildeo Paulo (doc 6) informando
que PMESP perseguiu prendeu agrediu e feriu indiscriminadamente natildeo apenas
manifestantes mas tambeacutem jornalistas e moradores dos bairros por onde a marcha passou
21 Traduccedilatildeo livre de ldquocualquier afectacioacuten del orden puacuteblico invocada como justificacioacuten para limitar la libertad de expresioacuten debe obedecer a causas reales y objetivamente verificables que planteen una amenaza cierta y creiacuteble de una perturbacioacuten potencialmente grave de las condiciones baacutesicas para el funcionamiento de las instituciones democraacuteticasrdquo 22 Traduccedilatildeo livre de ldquo En consecuencia no resulta suficiente invocar meras conjeturas sobre eventuales afectaciones del orden ni circunstancias hipoteacuteticas derivadas de interpretaciones de las autoridades frente a hechos que no planteen claramente un riesgo razonable de disturbios graves (ldquoviolencia anaacuterquicardquo) Una interpretacioacuten maacutes amplia o indeterminada abririacutea un campo inadmisible a la arbitrariedad y restringiriacutea de raiacutez la libertad de expresioacuten que forma parte integral del orden puacuteblico protegido por la Convencioacuten Americanardquo
15
Veja-se o depoimento de uma delas
A manifestaccedilatildeo seguiu pela av Ipiranga ateacute o iniacutecio da rua da Consolaccedilatildeo
onde jaacute havia viaturas policiais acompanhando a multidatildeo Ateacute entatildeo a
movimentaccedilatildeo desses policiais era tranquila como a dos proacuteprios
manifestantes Eles caminhavam com suas faixas bandeiras camisas com
dizeres de protesto gritos enfim uma manifestaccedilatildeo como outra qualquer
Entrando na rua da Consolaccedilatildeo o clima comeccedilou a ficar diferente Em
frente agrave Praccedila Roosevelt havia uma barreira de guardas civis da Guarda
Civil Metropolitana (GCM) Eles se posicionaram com escudos e cassetetes
formando uma barreira humana nas escadarias da Praccedila Roosevelt para que
os manifestantes natildeo ocupassem aquele espaccedilo []
Seguindo ainda nesse trecho da rua da Consolaccedilatildeo a Poliacutecia Militar do
estado de Satildeo Paulo posiciona alguns veiacuteculos duas ou trecircs viaturas (natildeo me
recordo bem) e comeccedila um diaacutelogo (podemos chamar assim) entre alguns
policiais alguns manifestantes e o pessoal da imprensa Posso dizer com
absoluta certeza que eram pouquiacutessimas pessoas nesse diaacutelogo dois ou trecircs
policiais cinco ou seis manifestantes e o resto era da imprensa Eu estava
proacuteximo do local dessa conversa e o pouco que eu consegui ouvir era da
voz de um policial dizendo que os manifestantes natildeo poderiam continuar
naquele trajeto ou seja subir a rua da Consolaccedilatildeo em direccedilatildeo agrave av Paulista
que era o trajeto que aquela manifestaccedilatildeo queria fazer
16
Ao adotar a formaccedilatildeo de confronto e impedir o prosseguimento da manifestaccedilatildeo
paciacutefica a PMESP impediu o exerciacutecio do direito de reuniatildeo e livre expressatildeo de cerca de
15 mil pessoas Natildeo satisfeita ainda iniciou o lanccedilamento de bombas e tiros com municcedilatildeo
de elastocircmero contra as pessoas reunidas ali pacificamente
23
Claramente ao interromper as pessoas ali reunidas que marchavam
pacificamente a PMESP rasgou todas as cartas de direitos que reconhecem a liberdade de
reuniatildeo e de expressatildeo - a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica a Declaraccedilatildeo Universal de Direitos
Humanos e a Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos ndash ferindo tambeacutem os
posicionamentos de organismos internacionais como a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos (CIDH)cedilque sinaliza hipoacuteteses restritas de limitaccedilatildeo do direito de
reuniatildeo no 2ordm Relatoacuterio sobre a Situaccedilatildeo de Defensores e Defensoras de Direitos
Humanos nas Ameacutericas24 (doc 8) Veja-se
ldquo107 Nos uacuteltimos anos alguns paiacuteses tecircm apresentado um aumento no
nuacutemero de accedilotildees penais contra participantes de protestos sociais para a
reivindicaccedilatildeo de direitos utilizando-se de argumentos como a perturbaccedilatildeo
da ordem puacuteblica ou o atentado contra a seguranccedila do Estado Em virtude
da importacircncia que se revestem as manifestaccedilotildees puacuteblicas nos sistemas
democraacuteticos o Estado possui hipoacuteteses restritas para aplicar
limitaccedilotildees nesse sentido mesmo que o direito de reuniatildeo natildeo seja
23 Disponiacutevel em httpimgr7comimages2013061500_13_08_643_filedimensions=780x340 24 Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos 2011 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhdefensoresdocspdfdefensores2011pdf (acessado em 02062014)
17
absoluto ou possa estar sujeito a certos limites essas justificativas
devem ser razoaacuteveis para se assegurar o desenvolvimento paciacutefico das
manifestaccedilotildees e devem reger-se ldquopelos princiacutepios da legalidade da
necessidade e da proporcionalidaderdquo25
A importacircncia destes firmes posicionamentos da CIDH fundamenta-se em sua
proacutepria funccedilatildeo institucional de interpretar e recomendar a melhor aplicaccedilatildeo da
Convenccedilatildeo que claramente reconhece na atividade administrativa do Estado de Satildeo
Paulo a violaccedilatildeo de dois de seus artigos abaixo transcritos
Artigo 13 - Liberdade de pensamento e de expressatildeo
Toda pessoa tem o direito agrave liberdade de pensamento e de expressatildeo Esse
direito inclui a liberdade de procurar receber e difundir informaccedilotildees e ideacuteias
de qualquer natureza sem consideraccedilotildees de fronteiras verbalmente ou por
escrito ou em forma impressa ou artiacutestica ou por qualquer meio de sua
escolha
Artigo 15 - Direito de reuniatildeo
Eacute reconhecido o direito de reuniatildeo paciacutefica e sem armas O exerciacutecio desse
direito soacute pode estar sujeito agraves restriccedilotildees previstas em lei e que se faccedilam
necessaacuterias em uma sociedade democraacutetica ao interesse da seguranccedila
nacional da seguranccedila ou ordem puacuteblicas ou para proteger a sauacutede ou a
moral puacuteblicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas
25 Traduccedilatildeo livre de ldquo107 En los uacuteltimos antildeos se ha presentado una creciente iniciacioacuten de acciones penales en algunos paiacuteses en contra de quienes participan en protestas sociales para la reivindicacioacuten de derechos bajo el argumento de que supuestamente se desarrollariacutean en un marco de perturbacioacuten del orden puacuteblicoo atentariacutean contra la seguridad del Estado En virtud de la importancia que reviste la protesta social en los sistemas democraacuteticos el Estado tiene un marco centildeido para justificar su limitacioacuten en este sentido si bien el derecho de reunioacuten no es absoluto y puede estar sujeto a ciertos liacutemites eacutestos deben ser razonablescon el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las manifestaciones y deben regirse ldquopor los principios de legalidad necesidad y proporcionalidaderdquo
18
Jaacute no acircmbito da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) o Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Poliacuteticos26 exige que os Estados signataacuterios
garantam aos seus cidadatildeos o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de participaccedilatildeo da
conduccedilatildeo de assuntos puacuteblicos sem restriccedilotildees infundadas27
Nessa linha o 8ordm Congresso das Naccedilotildees Unidas sobre a Prevenccedilatildeo do Crime
e o Tratamento dos Delinquentes deu publicidade a um documento formulado para
assistir os Estados membros na tarefa de assegurar e promover a adequada missatildeo dos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo de lei Trata-se dos Princiacutepios Baacutesicos sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da
Lei28 (doc 5) que dentre suas disposiccedilotildees determina que
ldquodevem ser tomados em consideraccedilatildeo e respeitados pelos governos
no acircmbito da legislaccedilatildeo e da praacutetica nacionais e levados ao
conhecimento dos funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei e de
outras pessoas como juiacutezes agentes do Ministeacuterio Puacuteblico
advogados membros do Executivo e do Legislativo bem como do
puacuteblico em geralrdquo
Ao se comprometer com esse documento o Estado Brasileiro compreendido por
Uniatildeo Estados e Municiacutepios natildeo pode deixar de observar suas disposiccedilotildees
Todavia mesmo conhecedor desses paracircmetros o Estado de Satildeo Paulo
por meio da PMESP no dia 13 de junho optou por descumpri-los ao encerrar uma
manifestaccedilatildeo legal e natildeo-violenta
26 Internalizado ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 592 de 6 de julho de 1992 27 Arts 19 21 e 25 28 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)
19
29
A violaccedilatildeo do compromisso internacional estaacute explicitada em seu Princiacutepio 12
que diz que como todos tecircm direito de participar de reuniotildees legiacutetimas e paciacuteficas de acordo com os
princiacutepios expressos na Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional de Direitos
Civis e Poliacuteticos os governos entidades e os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo reconhecer que a forccedila
e as armas de fogo soacute podem ser usadas nos termos dos Princiacutepios 13 e 14
Note-se que tais princiacutepios referem-se a grupos ilegais e violentos o que
claramente natildeo foi o caso das pessoas que estavam nas ruas exercendo seu direito de livre
expressatildeo e reuniatildeo poreacutem ainda que fosse seria inevitaacutevel se observarem os criteacuterios da
proporcionalidade e da estrita necessidade no uso da forccedila policial
Veja-se a transcriccedilatildeo dos Princiacutepios 13 e 14 do protocolo
13 Ao dispersar grupos ilegais mas natildeo-violentos os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo evitar o uso da forccedila ou quando tal natildeo for
possiacutevel deveratildeo restringir tal forccedila ao miacutenimo necessaacuterio
14 Ao dispersar grupos violentos os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute
poderatildeo fazer uso de armas de fogo quando natildeo for possiacutevel usar outros
meios menos perigosos e apenas nos termos minimamente necessaacuterios Os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei natildeo deveratildeo fazer uso de armas de
fogo em tais casos a natildeo ser nas condiccedilotildees previstas no Princiacutepio 9
29 Disponiacutevel em httpwwwvalorcombrsitesdefaultfilesimagecachemedia_library_300_197imagesprotestag_0_8_640_419jpg
20
Ora diante dos fatos eacute impossiacutevel identificar sequer um rastro de observacircncia
deste protocolo pela PMESP seja no dia 13 de junho de 2013 ou nas outras situaccedilotildees
narradas na inicial
Portanto demonstra-se que suposta manutenccedilatildeo da ordem puacuteblica no intuito de
se garantir a circulaccedilatildeo de veiacuteculos natildeo pode do ponto de vista juriacutedico interno e
internacional frustrar o direito de reuniatildeo das pessoas que se encontram em vias puacuteblicas
para exercer seu direito universal agrave liberdade de expressatildeo
ii - DA UTILIZACcedilAtildeO DE ARMAS DE FOGO COM MUNICcedilAtildeO DE ELASTOcircMERO BOMBAS DE
GAacuteS E GRANADAS DE LUZ E SOM PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO
VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS
Os relatos daqueles que participaram da manifestaccedilatildeo (doc 6) sugerem que em
vez de direcionar a marcha num suposto sentido de dispersatildeo os policiais encurralaram
milhares de pessoas num circuito de tiro com balas de borracha saturado com bombas
de gaacutes e granadas de luz e som ao longo de vaacuterias ruas da regiatildeo central Essa taacutetica policial
de encurralamento pode ser observada pelo mapa abaixo o qual explica como se deu o
trajeto realizado pela poliacutecia e manifestantes
21
22
Seacutergio Andrade da Silva de 31 anos eacute um fotoacutegrafo casado e pai de duas
crianccedilas Na noite do protesto ele saiu para trabalhar Faria fotos da marcha para uma
agecircncia de notiacutecias mas acabou horas depois internado no ldquoHospital H Olhosrdquo depois
de ter passado pelo ldquoHospital 9 de Julhordquo onde recebeu doses de morfina para controlar a
dor de duas fraturas na oacuterbita ocular resultante de accedilatildeo da Poliacutecia Militar Sergio levou
cinco pontos dentro do olho esquerdo do qual ficaria definitivamente cego
Transcreve-se abaixo trecho do relato de Sergio que mostra todo o pacircnico que
sentiu no momento da agressatildeo recebida pela PMESP (doc 6)
Fui atingido por uma bala de borracha Tenho quase 180m e a bala me
atingiu exatamente no olho [] A dor foi instantacircnea profunda terriacutevel
Todos os piores adjetivos com que vocecirc puder qualificar a dor eu senti
naquele momento Meu olho inchou rapidamente coloquei a matildeo e minha
paacutelpebra jaacute havia se fechado Muito sangue comeccedilava a cair naquele instante
e pensei lsquofiquei cego Natildeo vou mais conseguir fotografarrsquo Foi a sensaccedilatildeo
que eu tive
Outro relato mostra exatamente o desespero de um cidadatildeo que corre risco de
vida ou de ferimentos graves pela accedilatildeo da proacutepria poliacutecia que supostamente deve
promover a seguranccedila puacuteblica (doc 6)
23
Ali foi o momento mais desesperador mesmo porque natildeo conseguia
respirar achei que ia desmaiar ali comecei a ficar fraca natildeo conseguia correr
mais e fiquei um tempo ali desnorteada com todo aquele gaacutes e continuei
correndohellip Jaacute tinha perdido todo mundo e olhei para os lados estava todo
mundo correndo subindo e natildeo tinha para onde ir a natildeo ser subir a
Augusta Tinha muita gente e natildeo dava para ir raacutepido a gente ficou
encurralado Quando vi estaacutevamos entre uma parede subindo a Augusta
na frente tinha um grupo de policias da Tropa de Choque e atraacutes tambeacutem
Ali foi o momento que fomos emparedados Natildeo tinha o que fazer natildeo
dava para correr muito corriacuteamos lentamentehellip Me senti fuzilada naquele
momento a gente ficou emparedado parecia um fuzilamento no paredatildeo
Foi tudo muito raacutepido e de repente estourou uma bomba na minha frente a
princiacutepio achei que era gaacutes lacrimogecircnio eu senti todo o impacto no meu
corpo mas continuei correndo Natildeo sabia que eu havia me machucado ou
melhor que tinham me machucado naquele momento soacute tinha sentido o
impacto Eu estava com muito medo de levar bala de borracha porque eles
estavam realmente perseguindo Quando virei a direita eu continuei
ouvindo os tiros e as bombas e aquela rua estava completamente parada as
pessoas correndo entre os carros todo mundo desesperado ali E eles
continuaram correndo atraacutes da gente ndash na verdade sequer olhei para traacutes
dava para ouvir e tinha certeza absoluta que seria atingida por uma bala de
borracha Porque eles estavam muito perto perseguindo Consegui correr e
virar a direita de novo onde encontrei um estacionamento grande na Caio
Prado Ali correndo seguindo nessa rua percebi que havia um corte
profundo no meu braccedilo Eu olhei um corte muito profundo eu fiquei
muito assustada Minha reaccedilatildeo foi chorar continuar correndo Foi uma
sensaccedilatildeo de desespero muito grande mesmo Me senti em uma guerra natildeo
tinha para onde correr e com certeza seria atingida por alguma bala de
borracha ou por bombas porque eles continuavam atraacutes Nesse
estacionamento pedi para o rapaz me deixar entrar Ele falou que natildeo podia
me deixar entrar Falei ldquopor favor me deixa entrarrdquo mostrei meu braccedilo ele
se assustou e deixou entrar
24
Esta eacute a lesatildeo de que relato trata
Estes casos revelam o potencial de causar danos irreversiacuteveis que as ldquomuniccedilotildees
menos letaisrdquo como municcedilatildeo de elastocircmero em armas de fogo possuem quando utilizadas
contra oacutergatildeos vitais e a curta distacircncia
O fotoacutegrafo Seacutergio natildeo teria perdido um olho e centenas de pessoas natildeo
teriam sofrido lesotildees e corrido risco de morte se a PMESP tivesse observado
minimamente os paracircmetros internacionais para o uso da forccedila reconhecidos pela
Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas e pela Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos
O Coacutedigo de Conduta Para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo
da Lei30 (doc 4) aprovado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo 34169 de 17
de dezembro de 1979 estabelece criteacuterios para a aplicaccedilatildeo da lei na defesa da ordem
puacuteblica e a forma como essas funccedilotildees satildeo exercidas
30 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)
25
Seu artigo 3ordm dispotildee
Os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute podem empregar a
forccedila quando tal se afigure estritamente necessaacuterio e na medida
exigida para o cumprimento do seu dever
Bastaria a leitura deste artigo para verificar que os agentes de seguranccedila
independente do dever que entendiam estar cumprindo ultrapassaram (e muito) o
estritamente necessaacuterio
Ainda assim esse importante documento internacional vigente desde 1979
possui comentaacuterios interpretativos31 que permitem a melhor aplicaccedilatildeo de seus dispositivos
Veja-se o que diz o comentaacuterio do artigo 3ordm
ldquoComentaacuterio
a) Esta disposiccedilatildeo salienta que o emprego da forccedila por parte dos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deve ser excepcional
Embora admita que estes funcionaacuterios possam estar autorizados a utilizar a
forccedila na medida em que tal seja razoavelmente considerado como
necessaacuterio tendo em conta as circunstacircncias para a prevenccedilatildeo de um crime
ou para deter ou ajudar agrave detenccedilatildeo legal de delinquentes ou de suspeitos
qualquer uso da forccedila fora deste contexto natildeo eacute permitido
b) A lei nacional restringe normalmente o emprego da forccedila pelos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei de acordo com o princiacutepio
da proporcionalidade Deve-se entender que tais princiacutepios nacionais
de proporcionalidade devem ser respeitados na interpretaccedilatildeo desta
disposiccedilatildeo
A presente disposiccedilatildeo natildeo deve ser em nenhum caso interpretada no
sentido da autorizaccedilatildeo do emprego da forccedila em desproporccedilatildeo com o
legiacutetimo objetivo a atingir
c) O emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem
fazer-se todos os esforccedilos no sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de
31 Diretrizes para a efetiva implementaccedilatildeo do Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei Adotado pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU em 1986 por meio da resoluccedilatildeo nordm 198661
26
fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo utilizar-se
armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou
quando de qualquer forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja
suficientes medidas menos extremas para o dominar ou deter Cada vez que
uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as
autoridades competentesrdquo
Observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP tambeacutem natildeo respeitou as disposiccedilotildees dos
Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios
Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (Princiacutepios Baacutesicos) outra normativa no acircmbito
da ONU a qual o Brasil estaacute submetido
32
Eacute escandaloso o descompasso da atuaccedilatildeo policial com o que determina o
paraacutegrafo 5 desse importante documento Veja-se
32 Disponiacutevel em httppontoeletronicomewp-contentuploads20130613jun2013-policial-se-prepara-para-atirar-contra-manifestantes-durante-protesto-contra-o-aumento-da-tarifa-do-transporte-coletivo-realizado-pelas-ruas-da-regiao-central-de-sao-paulo-1371176850700_1920x1080jpg
27
ldquo5 Sempre que o uso legiacutetimo da forccedila e de armas de fogo for inevitaacutevel
os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
(a) Exercer moderaccedilatildeo no uso de tais recursos e agir na proporccedilatildeo da
gravidade da infraccedilatildeo e do objetivo legiacutetimo a ser alcanccedilado
(b) Minimizar danos e ferimentos e respeitar e preservar a vida humana
(c) Assegurar que qualquer indiviacuteduo ferido ou afetado receba assistecircncia e
cuidados meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel
(d) Garantir que os familiares ou amigos iacutentimos da pessoa ferida ou afetada
sejam notificados o mais depressa possiacutevel
Diante dos fatos narrados na inicial eacute possiacutevel se questionar O uso legiacutetimo da
forccedila foi inevitaacutevel Houve infraccedilatildeo grave dos manifestantes para justificar a proporccedilatildeo da
forccedila policial aplicada Houve por parte da PMESP a prestaccedilatildeo de assistecircncia e cuidados
meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel As forccedilas repressivas do Estado garantiram a imediata
notificaccedilatildeo dos feridos
A resposta eacute veementemente negativa para todas essas questotildees
Independentemente dos questionamentos acima tambeacutem natildeo eacute possiacutevel
identificar qual o objetivo legiacutetimo da atuaccedilatildeo da PMESP A proacutepria intenccedilatildeo de dispersatildeo
jaacute ofende o direito agrave reuniatildeo legalmente exercido pela manifestaccedilatildeo puacuteblica presente nos 8
casos trazidos na inicial poreacutem a PMESP foi aleacutem pois contrariou os princiacutepios 13 e 14
dos Princiacutepios Baacutesicos33 ainda que tais manifestaccedilotildees fossem consideradas ilegais e
violentas
Ora estaacute mais do que claro que a utilizaccedilatildeo de armamento de fogo com
municcedilatildeo de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral estariam
absolutamente descartadas se fossem cumpridas as normativas internacionais para
o uso da forccedila
33 A transcriccedilatildeo dos artigos 13 e 14 dos princiacutepios baacutesicos estaacute na paacutegina 16
28
Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais
mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito
internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de
proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade
Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser
sempre a uacuteltima opccedilatildeo
O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias
ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no
sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida
74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo
da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um
contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente
treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo
contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente
quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis
Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente
controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave
forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro
juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo
34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre
Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)
29
iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia
de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma
confiaacutevel36
Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees
da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da
liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX
que ora transcreve-se
Artigo XIX
Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito
inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e
transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente
de fronteiras
Artigo XX
1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas
2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo
Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre
Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem
assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o
relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de
controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto
identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees
36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
30
administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo
das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas
investigaccedilotildees
Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho
de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma
das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de
maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila
de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel
abuso da forccedila
Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas
administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em
manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente
necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de
planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso
abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo
recomendou as seguintes medidas
a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da
forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas
b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees
c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para
verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores
A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao
Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde
partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de
comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela
PMESP no dia 13 de junho de 2014
31
Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que
um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem
de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros
internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em
qualquer outra manifestaccedilatildeo popular
iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO
DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO
Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo
em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de
direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)
ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi
realizada de forma violenta e ilegal
Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem
evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De
acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude
adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia
perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois
A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de
gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a
Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como
pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era
como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e
violecircncia
Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na
direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria
Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos
os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da
Silva)
32
ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um
cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a
ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha
muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais
lanccedilavam bomba por nada para todos os lados
Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as
pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva
[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se
acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas
entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]
quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para
deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos
Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando
com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta
velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo
tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas
pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As
33
pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas
que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair
de laacute
Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o
traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato
mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da
accedilatildeo repressiva
A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava
dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na
Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []
Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente
rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais
comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como
eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para
dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no
chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador
34
Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante
recorrentes
Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um
ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial
mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua
patricinha vagabundarsquo ele me dizia
[]
Vai embora sua prostituta
A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer
seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente
sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral
Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo
Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes
puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz
que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no
35
sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo
utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer
forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou
deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades
competentes
No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de
Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma
de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de
armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal
aviso deve ser feito de forma clara e adequada
Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento
10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente
a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo
suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando
tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave
ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso
Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a
utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo
de armas de fogo
Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a
grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade
policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma
sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma
36
manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos
princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38
Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)
manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de
proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo
com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado
ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever
de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e
menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas
deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme
os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo
A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa
de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila
Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do
Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas
envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para
que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio
ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se
identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza
as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila
outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude
exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
37
[]
A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica
implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto
proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com
proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de
reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O
grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja
considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do
que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de
maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se
encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o
uso da forccedila resulta desproporcionado
Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da
aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute
internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado
internacional de direitos humanos
Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com
documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema
necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas
de seguranccedila
iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE
POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES
Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a
de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de
identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria
responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)
41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15
38
ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo
ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem
os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na
Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo
onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam
muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito
desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada
um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e
depois soltarrdquo
Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume
havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as
normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo
usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento
Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute
tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma
Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por
parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em
particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo
identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de
2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos
gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de
3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se
SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou
nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto
de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os
rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido
possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante
42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319
39
agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da
corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos
A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)
que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o
Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica
informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de
identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou
crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas
pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e
ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento
Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento
feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -
organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo
com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a
manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da
Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois
se espalharam pelo centro
Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se
determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular
Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito
interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a
atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu
Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta
manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial
em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes
policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees
O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo
em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial
40
No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado
de se identificarem previamente como tais no momento de advertir
com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a
forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua
atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees
estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e
adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se
f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de
seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas
ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever
potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim
de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no
terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e
comportamento policial
Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a
identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que
cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e
ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se
g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as
forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de
abusos ou atos de violecircncia
h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou
judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas
operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos
no curso das mesmas
41
Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos
cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013
em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos
A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou
que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem
disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes
em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que
confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns
trechos da mateacuteria
Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes
sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas
delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo
Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo
investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute
abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi
concluiacuteda e nenhum policial foi punido
A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute
os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo
processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1
de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014
Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de
Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum
policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21
policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato
Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e
tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e
ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades
43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)
42
v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS
CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES
Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do
Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa
atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute
de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila
Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em
manifestaccedilotildees futuras
Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute
imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo
temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de
confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo
Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a
negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A
proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da
Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que
Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os
governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar
atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos
especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da
forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a
compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de
persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos
destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados
da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e
procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos
43
Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um
negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se
evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se
e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves
manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes
para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e
protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de
conflito
Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na
Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos
publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72
daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue
72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no
uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a
resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das
multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como
meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45
Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de
Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia
da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se
44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf
44
38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um
verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades
policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da
manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico
Suiacuteccedila e outros paiacuteses47
Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os
documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador
civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco
de conflito social
vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa
de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na
dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila
notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas
O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar
Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre
recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo
Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem
alguns trechos
No comando do choque eu soacute recebi precircmios
47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora
45
Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe
pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de
Satildeo Paulo
ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de
protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo
A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho
quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e
pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo
foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do
centro saqueadas
Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da
Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui
ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou
A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v
Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de
dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute
o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte
ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar
seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito
negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50
Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando
preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa
policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre
expressatildeo
49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)
46
ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees
razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento
paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem
violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da
legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento
de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo
manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma
manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das
pessoasrdquo52
Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho
de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante
da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo
A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava
subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e
um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas
patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de
brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo
tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha
bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa
assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou
brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo
[]
Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos
policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles
ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar
sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E
todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado
52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas
47
do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo
para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo
[]
Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu
encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de
gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba
nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para
os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de
novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me
lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de
Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo
mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da
poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo
estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e
nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo
[]
A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes
Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a
gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem
Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o
pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes
lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila
Roosevelt
[]
O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da
Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava
que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente
ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima
tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali
natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando
bomba em cima da gente
O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da
Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e
intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso
desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a
48
agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de
Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se
ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees
policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso
indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o
membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para
proteger seus companheiros ali presentesrdquo54
Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave
determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve
permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo
administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes
vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A
ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica
do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e
internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo
puacuteblico
Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da
forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a
formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas
53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo
49
Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que
ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e
de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na
elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e
minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e
de armas de fogordquo
Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para
determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila
deveriam seguir Aqui estatildeo elas
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo
da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os
tipos de armas e municcedilotildees permitidas
(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias
apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio
(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos
injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis
(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas
de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas
armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de
armas de fogo
50
(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no
desempenho das suas funccedilotildees
Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila
e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia
da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece
as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila
Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como
aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos
agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento
dessas diretrizes
1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar
nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e
deveraacute considerar primordialmente
a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela
Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na
sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979
b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de
Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados
pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo
198961 de 24 de maio de 1989
c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo
Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o
Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto
a 7 de setembro de 1999
d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis
Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees
Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de
1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991
51
Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade
resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a
necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna
ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial
Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao
Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que
tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria
9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos
disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo
objetivamente
a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas
b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao
ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no
evento
c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo
perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento
d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees
desnecessaacuterias e risco injustificado e
e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente
de seguranccedila puacuteblica
Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do
Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de
Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que
regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees
Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se
natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como
a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de
manifestaccedilotildees e reuniotildees populares
52
Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro
miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos
que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e
sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil
6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE
DIREITOS HUMANOS
O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado
por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica
contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso
internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados
no que tange agrave dignidade humana
De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados
natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a
dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados
podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros
Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos
que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos
internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas
Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo
terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua
responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos
internacionalmente admitidos
55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf
53
Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56
apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute
um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees
como prova para outro procedimento de julgamento internacional do
Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura
ignorada
Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados
no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos
normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo
Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina
se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses
oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o
jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi
distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda
externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados
ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos
constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os
paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o
respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil
continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos
nacionalmente57
Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da
presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o
que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada
56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355
54
7) CONCLUSAtildeO
A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm
Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para
resoluccedilatildeo da presente controveacutersia
Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e
histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma
expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo
se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do
Estado de Satildeo Paulo
Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a
atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa
padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia
O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo
Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos
Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que
expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e
que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente
demanda
55
8) PEDIDO
Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como
amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae
requer-se seu recebimento como memoriais
Termos em que
Pede deferimento
Satildeo Paulo 17 de julho de 2014
Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs
OABSP 262284 OABSP 101663
Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni
OABSP 284930 OABSP 286871
Sheila Santana de Carvalho
OABSP 343588
14
ldquoqualquer afetaccedilatildeo da ordem puacuteblica invocada como justificaccedilatildeo para limitar
a liberdade de expressatildeo deve obedecer causas reais e objetivamente
verificaacuteveis que signifiquem uma ameaccedila certa e acreditaacutevel de uma
perturbaccedilatildeo potencialmente grave das condiccedilotildees baacutesicas para o
funcionamento das instituiccedilotildees democraacuteticasrdquo21
Nota-se do conjunto probatoacuterio juntado aos autos que antes da atuaccedilatildeo policial
natildeo houve qualquer risco razoaacutevel de distuacuterbio grave natildeo havendo possibilidade diante da
Convenccedilatildeo Americana de se promover a dispersatildeo da manifestaccedilatildeo simplesmente pela
ocupaccedilatildeo de uma via puacuteblica
Eacute o que diz a continuaccedilatildeo do dispositivo mencionado acima
ldquoEm consequecircncia natildeo eacute suficiente invocar meras conjecturas sobre
eventuais afetaccedilotildees da ordem nem circunstacircncias hipoteacuteticas derivadas
de interpretaccedilotildees das autoridades diante de fatos que natildeo representem
claramente um risco razoaacutevel de distuacuterbios graves Uma interpretaccedilatildeo mais
ampla ou indeterminada abriria um campo inadmissiacutevel agrave arbitrariedade e
restringiria a raiz da liberdade de expressatildeo que forma parte integral da
ordem puacuteblica protegida pela Convenccedilatildeo Americanardquo22
Dentre as pessoas viacutetimas da violecircncia policial do dia 13062013 dez prestaram
relatos agrave requerente sobre o que ocorreu naquela noite em Satildeo Paulo (doc 6) informando
que PMESP perseguiu prendeu agrediu e feriu indiscriminadamente natildeo apenas
manifestantes mas tambeacutem jornalistas e moradores dos bairros por onde a marcha passou
21 Traduccedilatildeo livre de ldquocualquier afectacioacuten del orden puacuteblico invocada como justificacioacuten para limitar la libertad de expresioacuten debe obedecer a causas reales y objetivamente verificables que planteen una amenaza cierta y creiacuteble de una perturbacioacuten potencialmente grave de las condiciones baacutesicas para el funcionamiento de las instituciones democraacuteticasrdquo 22 Traduccedilatildeo livre de ldquo En consecuencia no resulta suficiente invocar meras conjeturas sobre eventuales afectaciones del orden ni circunstancias hipoteacuteticas derivadas de interpretaciones de las autoridades frente a hechos que no planteen claramente un riesgo razonable de disturbios graves (ldquoviolencia anaacuterquicardquo) Una interpretacioacuten maacutes amplia o indeterminada abririacutea un campo inadmisible a la arbitrariedad y restringiriacutea de raiacutez la libertad de expresioacuten que forma parte integral del orden puacuteblico protegido por la Convencioacuten Americanardquo
15
Veja-se o depoimento de uma delas
A manifestaccedilatildeo seguiu pela av Ipiranga ateacute o iniacutecio da rua da Consolaccedilatildeo
onde jaacute havia viaturas policiais acompanhando a multidatildeo Ateacute entatildeo a
movimentaccedilatildeo desses policiais era tranquila como a dos proacuteprios
manifestantes Eles caminhavam com suas faixas bandeiras camisas com
dizeres de protesto gritos enfim uma manifestaccedilatildeo como outra qualquer
Entrando na rua da Consolaccedilatildeo o clima comeccedilou a ficar diferente Em
frente agrave Praccedila Roosevelt havia uma barreira de guardas civis da Guarda
Civil Metropolitana (GCM) Eles se posicionaram com escudos e cassetetes
formando uma barreira humana nas escadarias da Praccedila Roosevelt para que
os manifestantes natildeo ocupassem aquele espaccedilo []
Seguindo ainda nesse trecho da rua da Consolaccedilatildeo a Poliacutecia Militar do
estado de Satildeo Paulo posiciona alguns veiacuteculos duas ou trecircs viaturas (natildeo me
recordo bem) e comeccedila um diaacutelogo (podemos chamar assim) entre alguns
policiais alguns manifestantes e o pessoal da imprensa Posso dizer com
absoluta certeza que eram pouquiacutessimas pessoas nesse diaacutelogo dois ou trecircs
policiais cinco ou seis manifestantes e o resto era da imprensa Eu estava
proacuteximo do local dessa conversa e o pouco que eu consegui ouvir era da
voz de um policial dizendo que os manifestantes natildeo poderiam continuar
naquele trajeto ou seja subir a rua da Consolaccedilatildeo em direccedilatildeo agrave av Paulista
que era o trajeto que aquela manifestaccedilatildeo queria fazer
16
Ao adotar a formaccedilatildeo de confronto e impedir o prosseguimento da manifestaccedilatildeo
paciacutefica a PMESP impediu o exerciacutecio do direito de reuniatildeo e livre expressatildeo de cerca de
15 mil pessoas Natildeo satisfeita ainda iniciou o lanccedilamento de bombas e tiros com municcedilatildeo
de elastocircmero contra as pessoas reunidas ali pacificamente
23
Claramente ao interromper as pessoas ali reunidas que marchavam
pacificamente a PMESP rasgou todas as cartas de direitos que reconhecem a liberdade de
reuniatildeo e de expressatildeo - a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica a Declaraccedilatildeo Universal de Direitos
Humanos e a Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos ndash ferindo tambeacutem os
posicionamentos de organismos internacionais como a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos (CIDH)cedilque sinaliza hipoacuteteses restritas de limitaccedilatildeo do direito de
reuniatildeo no 2ordm Relatoacuterio sobre a Situaccedilatildeo de Defensores e Defensoras de Direitos
Humanos nas Ameacutericas24 (doc 8) Veja-se
ldquo107 Nos uacuteltimos anos alguns paiacuteses tecircm apresentado um aumento no
nuacutemero de accedilotildees penais contra participantes de protestos sociais para a
reivindicaccedilatildeo de direitos utilizando-se de argumentos como a perturbaccedilatildeo
da ordem puacuteblica ou o atentado contra a seguranccedila do Estado Em virtude
da importacircncia que se revestem as manifestaccedilotildees puacuteblicas nos sistemas
democraacuteticos o Estado possui hipoacuteteses restritas para aplicar
limitaccedilotildees nesse sentido mesmo que o direito de reuniatildeo natildeo seja
23 Disponiacutevel em httpimgr7comimages2013061500_13_08_643_filedimensions=780x340 24 Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos 2011 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhdefensoresdocspdfdefensores2011pdf (acessado em 02062014)
17
absoluto ou possa estar sujeito a certos limites essas justificativas
devem ser razoaacuteveis para se assegurar o desenvolvimento paciacutefico das
manifestaccedilotildees e devem reger-se ldquopelos princiacutepios da legalidade da
necessidade e da proporcionalidaderdquo25
A importacircncia destes firmes posicionamentos da CIDH fundamenta-se em sua
proacutepria funccedilatildeo institucional de interpretar e recomendar a melhor aplicaccedilatildeo da
Convenccedilatildeo que claramente reconhece na atividade administrativa do Estado de Satildeo
Paulo a violaccedilatildeo de dois de seus artigos abaixo transcritos
Artigo 13 - Liberdade de pensamento e de expressatildeo
Toda pessoa tem o direito agrave liberdade de pensamento e de expressatildeo Esse
direito inclui a liberdade de procurar receber e difundir informaccedilotildees e ideacuteias
de qualquer natureza sem consideraccedilotildees de fronteiras verbalmente ou por
escrito ou em forma impressa ou artiacutestica ou por qualquer meio de sua
escolha
Artigo 15 - Direito de reuniatildeo
Eacute reconhecido o direito de reuniatildeo paciacutefica e sem armas O exerciacutecio desse
direito soacute pode estar sujeito agraves restriccedilotildees previstas em lei e que se faccedilam
necessaacuterias em uma sociedade democraacutetica ao interesse da seguranccedila
nacional da seguranccedila ou ordem puacuteblicas ou para proteger a sauacutede ou a
moral puacuteblicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas
25 Traduccedilatildeo livre de ldquo107 En los uacuteltimos antildeos se ha presentado una creciente iniciacioacuten de acciones penales en algunos paiacuteses en contra de quienes participan en protestas sociales para la reivindicacioacuten de derechos bajo el argumento de que supuestamente se desarrollariacutean en un marco de perturbacioacuten del orden puacuteblicoo atentariacutean contra la seguridad del Estado En virtud de la importancia que reviste la protesta social en los sistemas democraacuteticos el Estado tiene un marco centildeido para justificar su limitacioacuten en este sentido si bien el derecho de reunioacuten no es absoluto y puede estar sujeto a ciertos liacutemites eacutestos deben ser razonablescon el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las manifestaciones y deben regirse ldquopor los principios de legalidad necesidad y proporcionalidaderdquo
18
Jaacute no acircmbito da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) o Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Poliacuteticos26 exige que os Estados signataacuterios
garantam aos seus cidadatildeos o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de participaccedilatildeo da
conduccedilatildeo de assuntos puacuteblicos sem restriccedilotildees infundadas27
Nessa linha o 8ordm Congresso das Naccedilotildees Unidas sobre a Prevenccedilatildeo do Crime
e o Tratamento dos Delinquentes deu publicidade a um documento formulado para
assistir os Estados membros na tarefa de assegurar e promover a adequada missatildeo dos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo de lei Trata-se dos Princiacutepios Baacutesicos sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da
Lei28 (doc 5) que dentre suas disposiccedilotildees determina que
ldquodevem ser tomados em consideraccedilatildeo e respeitados pelos governos
no acircmbito da legislaccedilatildeo e da praacutetica nacionais e levados ao
conhecimento dos funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei e de
outras pessoas como juiacutezes agentes do Ministeacuterio Puacuteblico
advogados membros do Executivo e do Legislativo bem como do
puacuteblico em geralrdquo
Ao se comprometer com esse documento o Estado Brasileiro compreendido por
Uniatildeo Estados e Municiacutepios natildeo pode deixar de observar suas disposiccedilotildees
Todavia mesmo conhecedor desses paracircmetros o Estado de Satildeo Paulo
por meio da PMESP no dia 13 de junho optou por descumpri-los ao encerrar uma
manifestaccedilatildeo legal e natildeo-violenta
26 Internalizado ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 592 de 6 de julho de 1992 27 Arts 19 21 e 25 28 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)
19
29
A violaccedilatildeo do compromisso internacional estaacute explicitada em seu Princiacutepio 12
que diz que como todos tecircm direito de participar de reuniotildees legiacutetimas e paciacuteficas de acordo com os
princiacutepios expressos na Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional de Direitos
Civis e Poliacuteticos os governos entidades e os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo reconhecer que a forccedila
e as armas de fogo soacute podem ser usadas nos termos dos Princiacutepios 13 e 14
Note-se que tais princiacutepios referem-se a grupos ilegais e violentos o que
claramente natildeo foi o caso das pessoas que estavam nas ruas exercendo seu direito de livre
expressatildeo e reuniatildeo poreacutem ainda que fosse seria inevitaacutevel se observarem os criteacuterios da
proporcionalidade e da estrita necessidade no uso da forccedila policial
Veja-se a transcriccedilatildeo dos Princiacutepios 13 e 14 do protocolo
13 Ao dispersar grupos ilegais mas natildeo-violentos os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo evitar o uso da forccedila ou quando tal natildeo for
possiacutevel deveratildeo restringir tal forccedila ao miacutenimo necessaacuterio
14 Ao dispersar grupos violentos os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute
poderatildeo fazer uso de armas de fogo quando natildeo for possiacutevel usar outros
meios menos perigosos e apenas nos termos minimamente necessaacuterios Os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei natildeo deveratildeo fazer uso de armas de
fogo em tais casos a natildeo ser nas condiccedilotildees previstas no Princiacutepio 9
29 Disponiacutevel em httpwwwvalorcombrsitesdefaultfilesimagecachemedia_library_300_197imagesprotestag_0_8_640_419jpg
20
Ora diante dos fatos eacute impossiacutevel identificar sequer um rastro de observacircncia
deste protocolo pela PMESP seja no dia 13 de junho de 2013 ou nas outras situaccedilotildees
narradas na inicial
Portanto demonstra-se que suposta manutenccedilatildeo da ordem puacuteblica no intuito de
se garantir a circulaccedilatildeo de veiacuteculos natildeo pode do ponto de vista juriacutedico interno e
internacional frustrar o direito de reuniatildeo das pessoas que se encontram em vias puacuteblicas
para exercer seu direito universal agrave liberdade de expressatildeo
ii - DA UTILIZACcedilAtildeO DE ARMAS DE FOGO COM MUNICcedilAtildeO DE ELASTOcircMERO BOMBAS DE
GAacuteS E GRANADAS DE LUZ E SOM PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO
VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS
Os relatos daqueles que participaram da manifestaccedilatildeo (doc 6) sugerem que em
vez de direcionar a marcha num suposto sentido de dispersatildeo os policiais encurralaram
milhares de pessoas num circuito de tiro com balas de borracha saturado com bombas
de gaacutes e granadas de luz e som ao longo de vaacuterias ruas da regiatildeo central Essa taacutetica policial
de encurralamento pode ser observada pelo mapa abaixo o qual explica como se deu o
trajeto realizado pela poliacutecia e manifestantes
21
22
Seacutergio Andrade da Silva de 31 anos eacute um fotoacutegrafo casado e pai de duas
crianccedilas Na noite do protesto ele saiu para trabalhar Faria fotos da marcha para uma
agecircncia de notiacutecias mas acabou horas depois internado no ldquoHospital H Olhosrdquo depois
de ter passado pelo ldquoHospital 9 de Julhordquo onde recebeu doses de morfina para controlar a
dor de duas fraturas na oacuterbita ocular resultante de accedilatildeo da Poliacutecia Militar Sergio levou
cinco pontos dentro do olho esquerdo do qual ficaria definitivamente cego
Transcreve-se abaixo trecho do relato de Sergio que mostra todo o pacircnico que
sentiu no momento da agressatildeo recebida pela PMESP (doc 6)
Fui atingido por uma bala de borracha Tenho quase 180m e a bala me
atingiu exatamente no olho [] A dor foi instantacircnea profunda terriacutevel
Todos os piores adjetivos com que vocecirc puder qualificar a dor eu senti
naquele momento Meu olho inchou rapidamente coloquei a matildeo e minha
paacutelpebra jaacute havia se fechado Muito sangue comeccedilava a cair naquele instante
e pensei lsquofiquei cego Natildeo vou mais conseguir fotografarrsquo Foi a sensaccedilatildeo
que eu tive
Outro relato mostra exatamente o desespero de um cidadatildeo que corre risco de
vida ou de ferimentos graves pela accedilatildeo da proacutepria poliacutecia que supostamente deve
promover a seguranccedila puacuteblica (doc 6)
23
Ali foi o momento mais desesperador mesmo porque natildeo conseguia
respirar achei que ia desmaiar ali comecei a ficar fraca natildeo conseguia correr
mais e fiquei um tempo ali desnorteada com todo aquele gaacutes e continuei
correndohellip Jaacute tinha perdido todo mundo e olhei para os lados estava todo
mundo correndo subindo e natildeo tinha para onde ir a natildeo ser subir a
Augusta Tinha muita gente e natildeo dava para ir raacutepido a gente ficou
encurralado Quando vi estaacutevamos entre uma parede subindo a Augusta
na frente tinha um grupo de policias da Tropa de Choque e atraacutes tambeacutem
Ali foi o momento que fomos emparedados Natildeo tinha o que fazer natildeo
dava para correr muito corriacuteamos lentamentehellip Me senti fuzilada naquele
momento a gente ficou emparedado parecia um fuzilamento no paredatildeo
Foi tudo muito raacutepido e de repente estourou uma bomba na minha frente a
princiacutepio achei que era gaacutes lacrimogecircnio eu senti todo o impacto no meu
corpo mas continuei correndo Natildeo sabia que eu havia me machucado ou
melhor que tinham me machucado naquele momento soacute tinha sentido o
impacto Eu estava com muito medo de levar bala de borracha porque eles
estavam realmente perseguindo Quando virei a direita eu continuei
ouvindo os tiros e as bombas e aquela rua estava completamente parada as
pessoas correndo entre os carros todo mundo desesperado ali E eles
continuaram correndo atraacutes da gente ndash na verdade sequer olhei para traacutes
dava para ouvir e tinha certeza absoluta que seria atingida por uma bala de
borracha Porque eles estavam muito perto perseguindo Consegui correr e
virar a direita de novo onde encontrei um estacionamento grande na Caio
Prado Ali correndo seguindo nessa rua percebi que havia um corte
profundo no meu braccedilo Eu olhei um corte muito profundo eu fiquei
muito assustada Minha reaccedilatildeo foi chorar continuar correndo Foi uma
sensaccedilatildeo de desespero muito grande mesmo Me senti em uma guerra natildeo
tinha para onde correr e com certeza seria atingida por alguma bala de
borracha ou por bombas porque eles continuavam atraacutes Nesse
estacionamento pedi para o rapaz me deixar entrar Ele falou que natildeo podia
me deixar entrar Falei ldquopor favor me deixa entrarrdquo mostrei meu braccedilo ele
se assustou e deixou entrar
24
Esta eacute a lesatildeo de que relato trata
Estes casos revelam o potencial de causar danos irreversiacuteveis que as ldquomuniccedilotildees
menos letaisrdquo como municcedilatildeo de elastocircmero em armas de fogo possuem quando utilizadas
contra oacutergatildeos vitais e a curta distacircncia
O fotoacutegrafo Seacutergio natildeo teria perdido um olho e centenas de pessoas natildeo
teriam sofrido lesotildees e corrido risco de morte se a PMESP tivesse observado
minimamente os paracircmetros internacionais para o uso da forccedila reconhecidos pela
Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas e pela Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos
O Coacutedigo de Conduta Para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo
da Lei30 (doc 4) aprovado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo 34169 de 17
de dezembro de 1979 estabelece criteacuterios para a aplicaccedilatildeo da lei na defesa da ordem
puacuteblica e a forma como essas funccedilotildees satildeo exercidas
30 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)
25
Seu artigo 3ordm dispotildee
Os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute podem empregar a
forccedila quando tal se afigure estritamente necessaacuterio e na medida
exigida para o cumprimento do seu dever
Bastaria a leitura deste artigo para verificar que os agentes de seguranccedila
independente do dever que entendiam estar cumprindo ultrapassaram (e muito) o
estritamente necessaacuterio
Ainda assim esse importante documento internacional vigente desde 1979
possui comentaacuterios interpretativos31 que permitem a melhor aplicaccedilatildeo de seus dispositivos
Veja-se o que diz o comentaacuterio do artigo 3ordm
ldquoComentaacuterio
a) Esta disposiccedilatildeo salienta que o emprego da forccedila por parte dos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deve ser excepcional
Embora admita que estes funcionaacuterios possam estar autorizados a utilizar a
forccedila na medida em que tal seja razoavelmente considerado como
necessaacuterio tendo em conta as circunstacircncias para a prevenccedilatildeo de um crime
ou para deter ou ajudar agrave detenccedilatildeo legal de delinquentes ou de suspeitos
qualquer uso da forccedila fora deste contexto natildeo eacute permitido
b) A lei nacional restringe normalmente o emprego da forccedila pelos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei de acordo com o princiacutepio
da proporcionalidade Deve-se entender que tais princiacutepios nacionais
de proporcionalidade devem ser respeitados na interpretaccedilatildeo desta
disposiccedilatildeo
A presente disposiccedilatildeo natildeo deve ser em nenhum caso interpretada no
sentido da autorizaccedilatildeo do emprego da forccedila em desproporccedilatildeo com o
legiacutetimo objetivo a atingir
c) O emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem
fazer-se todos os esforccedilos no sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de
31 Diretrizes para a efetiva implementaccedilatildeo do Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei Adotado pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU em 1986 por meio da resoluccedilatildeo nordm 198661
26
fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo utilizar-se
armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou
quando de qualquer forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja
suficientes medidas menos extremas para o dominar ou deter Cada vez que
uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as
autoridades competentesrdquo
Observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP tambeacutem natildeo respeitou as disposiccedilotildees dos
Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios
Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (Princiacutepios Baacutesicos) outra normativa no acircmbito
da ONU a qual o Brasil estaacute submetido
32
Eacute escandaloso o descompasso da atuaccedilatildeo policial com o que determina o
paraacutegrafo 5 desse importante documento Veja-se
32 Disponiacutevel em httppontoeletronicomewp-contentuploads20130613jun2013-policial-se-prepara-para-atirar-contra-manifestantes-durante-protesto-contra-o-aumento-da-tarifa-do-transporte-coletivo-realizado-pelas-ruas-da-regiao-central-de-sao-paulo-1371176850700_1920x1080jpg
27
ldquo5 Sempre que o uso legiacutetimo da forccedila e de armas de fogo for inevitaacutevel
os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
(a) Exercer moderaccedilatildeo no uso de tais recursos e agir na proporccedilatildeo da
gravidade da infraccedilatildeo e do objetivo legiacutetimo a ser alcanccedilado
(b) Minimizar danos e ferimentos e respeitar e preservar a vida humana
(c) Assegurar que qualquer indiviacuteduo ferido ou afetado receba assistecircncia e
cuidados meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel
(d) Garantir que os familiares ou amigos iacutentimos da pessoa ferida ou afetada
sejam notificados o mais depressa possiacutevel
Diante dos fatos narrados na inicial eacute possiacutevel se questionar O uso legiacutetimo da
forccedila foi inevitaacutevel Houve infraccedilatildeo grave dos manifestantes para justificar a proporccedilatildeo da
forccedila policial aplicada Houve por parte da PMESP a prestaccedilatildeo de assistecircncia e cuidados
meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel As forccedilas repressivas do Estado garantiram a imediata
notificaccedilatildeo dos feridos
A resposta eacute veementemente negativa para todas essas questotildees
Independentemente dos questionamentos acima tambeacutem natildeo eacute possiacutevel
identificar qual o objetivo legiacutetimo da atuaccedilatildeo da PMESP A proacutepria intenccedilatildeo de dispersatildeo
jaacute ofende o direito agrave reuniatildeo legalmente exercido pela manifestaccedilatildeo puacuteblica presente nos 8
casos trazidos na inicial poreacutem a PMESP foi aleacutem pois contrariou os princiacutepios 13 e 14
dos Princiacutepios Baacutesicos33 ainda que tais manifestaccedilotildees fossem consideradas ilegais e
violentas
Ora estaacute mais do que claro que a utilizaccedilatildeo de armamento de fogo com
municcedilatildeo de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral estariam
absolutamente descartadas se fossem cumpridas as normativas internacionais para
o uso da forccedila
33 A transcriccedilatildeo dos artigos 13 e 14 dos princiacutepios baacutesicos estaacute na paacutegina 16
28
Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais
mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito
internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de
proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade
Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser
sempre a uacuteltima opccedilatildeo
O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias
ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no
sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida
74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo
da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um
contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente
treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo
contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente
quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis
Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente
controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave
forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro
juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo
34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre
Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)
29
iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia
de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma
confiaacutevel36
Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees
da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da
liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX
que ora transcreve-se
Artigo XIX
Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito
inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e
transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente
de fronteiras
Artigo XX
1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas
2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo
Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre
Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem
assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o
relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de
controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto
identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees
36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
30
administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo
das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas
investigaccedilotildees
Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho
de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma
das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de
maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila
de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel
abuso da forccedila
Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas
administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em
manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente
necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de
planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso
abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo
recomendou as seguintes medidas
a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da
forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas
b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees
c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para
verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores
A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao
Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde
partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de
comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela
PMESP no dia 13 de junho de 2014
31
Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que
um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem
de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros
internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em
qualquer outra manifestaccedilatildeo popular
iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO
DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO
Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo
em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de
direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)
ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi
realizada de forma violenta e ilegal
Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem
evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De
acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude
adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia
perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois
A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de
gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a
Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como
pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era
como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e
violecircncia
Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na
direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria
Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos
os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da
Silva)
32
ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um
cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a
ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha
muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais
lanccedilavam bomba por nada para todos os lados
Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as
pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva
[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se
acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas
entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]
quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para
deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos
Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando
com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta
velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo
tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas
pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As
33
pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas
que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair
de laacute
Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o
traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato
mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da
accedilatildeo repressiva
A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava
dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na
Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []
Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente
rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais
comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como
eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para
dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no
chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador
34
Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante
recorrentes
Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um
ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial
mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua
patricinha vagabundarsquo ele me dizia
[]
Vai embora sua prostituta
A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer
seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente
sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral
Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo
Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes
puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz
que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no
35
sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo
utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer
forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou
deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades
competentes
No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de
Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma
de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de
armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal
aviso deve ser feito de forma clara e adequada
Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento
10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente
a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo
suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando
tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave
ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso
Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a
utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo
de armas de fogo
Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a
grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade
policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma
sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma
36
manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos
princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38
Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)
manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de
proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo
com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado
ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever
de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e
menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas
deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme
os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo
A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa
de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila
Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do
Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas
envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para
que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio
ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se
identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza
as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila
outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude
exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
37
[]
A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica
implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto
proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com
proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de
reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O
grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja
considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do
que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de
maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se
encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o
uso da forccedila resulta desproporcionado
Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da
aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute
internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado
internacional de direitos humanos
Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com
documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema
necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas
de seguranccedila
iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE
POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES
Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a
de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de
identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria
responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)
41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15
38
ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo
ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem
os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na
Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo
onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam
muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito
desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada
um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e
depois soltarrdquo
Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume
havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as
normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo
usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento
Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute
tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma
Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por
parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em
particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo
identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de
2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos
gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de
3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se
SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou
nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto
de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os
rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido
possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante
42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319
39
agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da
corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos
A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)
que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o
Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica
informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de
identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou
crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas
pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e
ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento
Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento
feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -
organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo
com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a
manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da
Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois
se espalharam pelo centro
Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se
determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular
Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito
interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a
atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu
Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta
manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial
em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes
policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees
O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo
em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial
40
No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado
de se identificarem previamente como tais no momento de advertir
com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a
forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua
atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees
estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e
adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se
f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de
seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas
ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever
potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim
de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no
terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e
comportamento policial
Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a
identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que
cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e
ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se
g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as
forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de
abusos ou atos de violecircncia
h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou
judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas
operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos
no curso das mesmas
41
Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos
cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013
em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos
A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou
que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem
disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes
em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que
confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns
trechos da mateacuteria
Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes
sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas
delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo
Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo
investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute
abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi
concluiacuteda e nenhum policial foi punido
A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute
os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo
processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1
de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014
Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de
Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum
policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21
policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato
Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e
tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e
ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades
43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)
42
v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS
CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES
Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do
Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa
atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute
de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila
Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em
manifestaccedilotildees futuras
Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute
imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo
temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de
confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo
Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a
negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A
proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da
Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que
Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os
governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar
atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos
especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da
forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a
compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de
persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos
destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados
da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e
procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos
43
Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um
negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se
evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se
e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves
manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes
para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e
protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de
conflito
Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na
Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos
publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72
daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue
72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no
uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a
resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das
multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como
meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45
Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de
Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia
da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se
44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf
44
38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um
verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades
policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da
manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico
Suiacuteccedila e outros paiacuteses47
Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os
documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador
civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco
de conflito social
vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa
de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na
dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila
notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas
O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar
Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre
recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo
Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem
alguns trechos
No comando do choque eu soacute recebi precircmios
47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora
45
Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe
pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de
Satildeo Paulo
ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de
protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo
A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho
quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e
pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo
foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do
centro saqueadas
Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da
Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui
ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou
A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v
Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de
dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute
o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte
ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar
seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito
negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50
Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando
preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa
policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre
expressatildeo
49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)
46
ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees
razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento
paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem
violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da
legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento
de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo
manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma
manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das
pessoasrdquo52
Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho
de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante
da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo
A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava
subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e
um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas
patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de
brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo
tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha
bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa
assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou
brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo
[]
Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos
policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles
ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar
sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E
todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado
52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas
47
do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo
para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo
[]
Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu
encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de
gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba
nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para
os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de
novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me
lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de
Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo
mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da
poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo
estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e
nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo
[]
A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes
Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a
gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem
Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o
pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes
lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila
Roosevelt
[]
O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da
Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava
que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente
ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima
tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali
natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando
bomba em cima da gente
O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da
Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e
intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso
desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a
48
agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de
Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se
ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees
policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso
indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o
membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para
proteger seus companheiros ali presentesrdquo54
Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave
determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve
permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo
administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes
vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A
ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica
do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e
internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo
puacuteblico
Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da
forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a
formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas
53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo
49
Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que
ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e
de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na
elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e
minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e
de armas de fogordquo
Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para
determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila
deveriam seguir Aqui estatildeo elas
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo
da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os
tipos de armas e municcedilotildees permitidas
(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias
apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio
(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos
injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis
(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas
de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas
armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de
armas de fogo
50
(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no
desempenho das suas funccedilotildees
Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila
e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia
da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece
as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila
Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como
aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos
agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento
dessas diretrizes
1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar
nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e
deveraacute considerar primordialmente
a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela
Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na
sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979
b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de
Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados
pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo
198961 de 24 de maio de 1989
c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo
Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o
Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto
a 7 de setembro de 1999
d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis
Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees
Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de
1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991
51
Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade
resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a
necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna
ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial
Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao
Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que
tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria
9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos
disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo
objetivamente
a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas
b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao
ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no
evento
c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo
perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento
d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees
desnecessaacuterias e risco injustificado e
e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente
de seguranccedila puacuteblica
Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do
Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de
Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que
regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees
Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se
natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como
a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de
manifestaccedilotildees e reuniotildees populares
52
Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro
miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos
que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e
sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil
6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE
DIREITOS HUMANOS
O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado
por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica
contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso
internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados
no que tange agrave dignidade humana
De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados
natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a
dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados
podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros
Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos
que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos
internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas
Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo
terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua
responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos
internacionalmente admitidos
55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf
53
Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56
apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute
um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees
como prova para outro procedimento de julgamento internacional do
Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura
ignorada
Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados
no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos
normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo
Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina
se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses
oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o
jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi
distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda
externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados
ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos
constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os
paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o
respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil
continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos
nacionalmente57
Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da
presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o
que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada
56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355
54
7) CONCLUSAtildeO
A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm
Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para
resoluccedilatildeo da presente controveacutersia
Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e
histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma
expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo
se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do
Estado de Satildeo Paulo
Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a
atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa
padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia
O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo
Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos
Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que
expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e
que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente
demanda
55
8) PEDIDO
Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como
amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae
requer-se seu recebimento como memoriais
Termos em que
Pede deferimento
Satildeo Paulo 17 de julho de 2014
Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs
OABSP 262284 OABSP 101663
Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni
OABSP 284930 OABSP 286871
Sheila Santana de Carvalho
OABSP 343588
15
Veja-se o depoimento de uma delas
A manifestaccedilatildeo seguiu pela av Ipiranga ateacute o iniacutecio da rua da Consolaccedilatildeo
onde jaacute havia viaturas policiais acompanhando a multidatildeo Ateacute entatildeo a
movimentaccedilatildeo desses policiais era tranquila como a dos proacuteprios
manifestantes Eles caminhavam com suas faixas bandeiras camisas com
dizeres de protesto gritos enfim uma manifestaccedilatildeo como outra qualquer
Entrando na rua da Consolaccedilatildeo o clima comeccedilou a ficar diferente Em
frente agrave Praccedila Roosevelt havia uma barreira de guardas civis da Guarda
Civil Metropolitana (GCM) Eles se posicionaram com escudos e cassetetes
formando uma barreira humana nas escadarias da Praccedila Roosevelt para que
os manifestantes natildeo ocupassem aquele espaccedilo []
Seguindo ainda nesse trecho da rua da Consolaccedilatildeo a Poliacutecia Militar do
estado de Satildeo Paulo posiciona alguns veiacuteculos duas ou trecircs viaturas (natildeo me
recordo bem) e comeccedila um diaacutelogo (podemos chamar assim) entre alguns
policiais alguns manifestantes e o pessoal da imprensa Posso dizer com
absoluta certeza que eram pouquiacutessimas pessoas nesse diaacutelogo dois ou trecircs
policiais cinco ou seis manifestantes e o resto era da imprensa Eu estava
proacuteximo do local dessa conversa e o pouco que eu consegui ouvir era da
voz de um policial dizendo que os manifestantes natildeo poderiam continuar
naquele trajeto ou seja subir a rua da Consolaccedilatildeo em direccedilatildeo agrave av Paulista
que era o trajeto que aquela manifestaccedilatildeo queria fazer
16
Ao adotar a formaccedilatildeo de confronto e impedir o prosseguimento da manifestaccedilatildeo
paciacutefica a PMESP impediu o exerciacutecio do direito de reuniatildeo e livre expressatildeo de cerca de
15 mil pessoas Natildeo satisfeita ainda iniciou o lanccedilamento de bombas e tiros com municcedilatildeo
de elastocircmero contra as pessoas reunidas ali pacificamente
23
Claramente ao interromper as pessoas ali reunidas que marchavam
pacificamente a PMESP rasgou todas as cartas de direitos que reconhecem a liberdade de
reuniatildeo e de expressatildeo - a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica a Declaraccedilatildeo Universal de Direitos
Humanos e a Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos ndash ferindo tambeacutem os
posicionamentos de organismos internacionais como a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos (CIDH)cedilque sinaliza hipoacuteteses restritas de limitaccedilatildeo do direito de
reuniatildeo no 2ordm Relatoacuterio sobre a Situaccedilatildeo de Defensores e Defensoras de Direitos
Humanos nas Ameacutericas24 (doc 8) Veja-se
ldquo107 Nos uacuteltimos anos alguns paiacuteses tecircm apresentado um aumento no
nuacutemero de accedilotildees penais contra participantes de protestos sociais para a
reivindicaccedilatildeo de direitos utilizando-se de argumentos como a perturbaccedilatildeo
da ordem puacuteblica ou o atentado contra a seguranccedila do Estado Em virtude
da importacircncia que se revestem as manifestaccedilotildees puacuteblicas nos sistemas
democraacuteticos o Estado possui hipoacuteteses restritas para aplicar
limitaccedilotildees nesse sentido mesmo que o direito de reuniatildeo natildeo seja
23 Disponiacutevel em httpimgr7comimages2013061500_13_08_643_filedimensions=780x340 24 Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos 2011 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhdefensoresdocspdfdefensores2011pdf (acessado em 02062014)
17
absoluto ou possa estar sujeito a certos limites essas justificativas
devem ser razoaacuteveis para se assegurar o desenvolvimento paciacutefico das
manifestaccedilotildees e devem reger-se ldquopelos princiacutepios da legalidade da
necessidade e da proporcionalidaderdquo25
A importacircncia destes firmes posicionamentos da CIDH fundamenta-se em sua
proacutepria funccedilatildeo institucional de interpretar e recomendar a melhor aplicaccedilatildeo da
Convenccedilatildeo que claramente reconhece na atividade administrativa do Estado de Satildeo
Paulo a violaccedilatildeo de dois de seus artigos abaixo transcritos
Artigo 13 - Liberdade de pensamento e de expressatildeo
Toda pessoa tem o direito agrave liberdade de pensamento e de expressatildeo Esse
direito inclui a liberdade de procurar receber e difundir informaccedilotildees e ideacuteias
de qualquer natureza sem consideraccedilotildees de fronteiras verbalmente ou por
escrito ou em forma impressa ou artiacutestica ou por qualquer meio de sua
escolha
Artigo 15 - Direito de reuniatildeo
Eacute reconhecido o direito de reuniatildeo paciacutefica e sem armas O exerciacutecio desse
direito soacute pode estar sujeito agraves restriccedilotildees previstas em lei e que se faccedilam
necessaacuterias em uma sociedade democraacutetica ao interesse da seguranccedila
nacional da seguranccedila ou ordem puacuteblicas ou para proteger a sauacutede ou a
moral puacuteblicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas
25 Traduccedilatildeo livre de ldquo107 En los uacuteltimos antildeos se ha presentado una creciente iniciacioacuten de acciones penales en algunos paiacuteses en contra de quienes participan en protestas sociales para la reivindicacioacuten de derechos bajo el argumento de que supuestamente se desarrollariacutean en un marco de perturbacioacuten del orden puacuteblicoo atentariacutean contra la seguridad del Estado En virtud de la importancia que reviste la protesta social en los sistemas democraacuteticos el Estado tiene un marco centildeido para justificar su limitacioacuten en este sentido si bien el derecho de reunioacuten no es absoluto y puede estar sujeto a ciertos liacutemites eacutestos deben ser razonablescon el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las manifestaciones y deben regirse ldquopor los principios de legalidad necesidad y proporcionalidaderdquo
18
Jaacute no acircmbito da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) o Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Poliacuteticos26 exige que os Estados signataacuterios
garantam aos seus cidadatildeos o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de participaccedilatildeo da
conduccedilatildeo de assuntos puacuteblicos sem restriccedilotildees infundadas27
Nessa linha o 8ordm Congresso das Naccedilotildees Unidas sobre a Prevenccedilatildeo do Crime
e o Tratamento dos Delinquentes deu publicidade a um documento formulado para
assistir os Estados membros na tarefa de assegurar e promover a adequada missatildeo dos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo de lei Trata-se dos Princiacutepios Baacutesicos sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da
Lei28 (doc 5) que dentre suas disposiccedilotildees determina que
ldquodevem ser tomados em consideraccedilatildeo e respeitados pelos governos
no acircmbito da legislaccedilatildeo e da praacutetica nacionais e levados ao
conhecimento dos funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei e de
outras pessoas como juiacutezes agentes do Ministeacuterio Puacuteblico
advogados membros do Executivo e do Legislativo bem como do
puacuteblico em geralrdquo
Ao se comprometer com esse documento o Estado Brasileiro compreendido por
Uniatildeo Estados e Municiacutepios natildeo pode deixar de observar suas disposiccedilotildees
Todavia mesmo conhecedor desses paracircmetros o Estado de Satildeo Paulo
por meio da PMESP no dia 13 de junho optou por descumpri-los ao encerrar uma
manifestaccedilatildeo legal e natildeo-violenta
26 Internalizado ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 592 de 6 de julho de 1992 27 Arts 19 21 e 25 28 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)
19
29
A violaccedilatildeo do compromisso internacional estaacute explicitada em seu Princiacutepio 12
que diz que como todos tecircm direito de participar de reuniotildees legiacutetimas e paciacuteficas de acordo com os
princiacutepios expressos na Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional de Direitos
Civis e Poliacuteticos os governos entidades e os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo reconhecer que a forccedila
e as armas de fogo soacute podem ser usadas nos termos dos Princiacutepios 13 e 14
Note-se que tais princiacutepios referem-se a grupos ilegais e violentos o que
claramente natildeo foi o caso das pessoas que estavam nas ruas exercendo seu direito de livre
expressatildeo e reuniatildeo poreacutem ainda que fosse seria inevitaacutevel se observarem os criteacuterios da
proporcionalidade e da estrita necessidade no uso da forccedila policial
Veja-se a transcriccedilatildeo dos Princiacutepios 13 e 14 do protocolo
13 Ao dispersar grupos ilegais mas natildeo-violentos os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo evitar o uso da forccedila ou quando tal natildeo for
possiacutevel deveratildeo restringir tal forccedila ao miacutenimo necessaacuterio
14 Ao dispersar grupos violentos os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute
poderatildeo fazer uso de armas de fogo quando natildeo for possiacutevel usar outros
meios menos perigosos e apenas nos termos minimamente necessaacuterios Os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei natildeo deveratildeo fazer uso de armas de
fogo em tais casos a natildeo ser nas condiccedilotildees previstas no Princiacutepio 9
29 Disponiacutevel em httpwwwvalorcombrsitesdefaultfilesimagecachemedia_library_300_197imagesprotestag_0_8_640_419jpg
20
Ora diante dos fatos eacute impossiacutevel identificar sequer um rastro de observacircncia
deste protocolo pela PMESP seja no dia 13 de junho de 2013 ou nas outras situaccedilotildees
narradas na inicial
Portanto demonstra-se que suposta manutenccedilatildeo da ordem puacuteblica no intuito de
se garantir a circulaccedilatildeo de veiacuteculos natildeo pode do ponto de vista juriacutedico interno e
internacional frustrar o direito de reuniatildeo das pessoas que se encontram em vias puacuteblicas
para exercer seu direito universal agrave liberdade de expressatildeo
ii - DA UTILIZACcedilAtildeO DE ARMAS DE FOGO COM MUNICcedilAtildeO DE ELASTOcircMERO BOMBAS DE
GAacuteS E GRANADAS DE LUZ E SOM PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO
VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS
Os relatos daqueles que participaram da manifestaccedilatildeo (doc 6) sugerem que em
vez de direcionar a marcha num suposto sentido de dispersatildeo os policiais encurralaram
milhares de pessoas num circuito de tiro com balas de borracha saturado com bombas
de gaacutes e granadas de luz e som ao longo de vaacuterias ruas da regiatildeo central Essa taacutetica policial
de encurralamento pode ser observada pelo mapa abaixo o qual explica como se deu o
trajeto realizado pela poliacutecia e manifestantes
21
22
Seacutergio Andrade da Silva de 31 anos eacute um fotoacutegrafo casado e pai de duas
crianccedilas Na noite do protesto ele saiu para trabalhar Faria fotos da marcha para uma
agecircncia de notiacutecias mas acabou horas depois internado no ldquoHospital H Olhosrdquo depois
de ter passado pelo ldquoHospital 9 de Julhordquo onde recebeu doses de morfina para controlar a
dor de duas fraturas na oacuterbita ocular resultante de accedilatildeo da Poliacutecia Militar Sergio levou
cinco pontos dentro do olho esquerdo do qual ficaria definitivamente cego
Transcreve-se abaixo trecho do relato de Sergio que mostra todo o pacircnico que
sentiu no momento da agressatildeo recebida pela PMESP (doc 6)
Fui atingido por uma bala de borracha Tenho quase 180m e a bala me
atingiu exatamente no olho [] A dor foi instantacircnea profunda terriacutevel
Todos os piores adjetivos com que vocecirc puder qualificar a dor eu senti
naquele momento Meu olho inchou rapidamente coloquei a matildeo e minha
paacutelpebra jaacute havia se fechado Muito sangue comeccedilava a cair naquele instante
e pensei lsquofiquei cego Natildeo vou mais conseguir fotografarrsquo Foi a sensaccedilatildeo
que eu tive
Outro relato mostra exatamente o desespero de um cidadatildeo que corre risco de
vida ou de ferimentos graves pela accedilatildeo da proacutepria poliacutecia que supostamente deve
promover a seguranccedila puacuteblica (doc 6)
23
Ali foi o momento mais desesperador mesmo porque natildeo conseguia
respirar achei que ia desmaiar ali comecei a ficar fraca natildeo conseguia correr
mais e fiquei um tempo ali desnorteada com todo aquele gaacutes e continuei
correndohellip Jaacute tinha perdido todo mundo e olhei para os lados estava todo
mundo correndo subindo e natildeo tinha para onde ir a natildeo ser subir a
Augusta Tinha muita gente e natildeo dava para ir raacutepido a gente ficou
encurralado Quando vi estaacutevamos entre uma parede subindo a Augusta
na frente tinha um grupo de policias da Tropa de Choque e atraacutes tambeacutem
Ali foi o momento que fomos emparedados Natildeo tinha o que fazer natildeo
dava para correr muito corriacuteamos lentamentehellip Me senti fuzilada naquele
momento a gente ficou emparedado parecia um fuzilamento no paredatildeo
Foi tudo muito raacutepido e de repente estourou uma bomba na minha frente a
princiacutepio achei que era gaacutes lacrimogecircnio eu senti todo o impacto no meu
corpo mas continuei correndo Natildeo sabia que eu havia me machucado ou
melhor que tinham me machucado naquele momento soacute tinha sentido o
impacto Eu estava com muito medo de levar bala de borracha porque eles
estavam realmente perseguindo Quando virei a direita eu continuei
ouvindo os tiros e as bombas e aquela rua estava completamente parada as
pessoas correndo entre os carros todo mundo desesperado ali E eles
continuaram correndo atraacutes da gente ndash na verdade sequer olhei para traacutes
dava para ouvir e tinha certeza absoluta que seria atingida por uma bala de
borracha Porque eles estavam muito perto perseguindo Consegui correr e
virar a direita de novo onde encontrei um estacionamento grande na Caio
Prado Ali correndo seguindo nessa rua percebi que havia um corte
profundo no meu braccedilo Eu olhei um corte muito profundo eu fiquei
muito assustada Minha reaccedilatildeo foi chorar continuar correndo Foi uma
sensaccedilatildeo de desespero muito grande mesmo Me senti em uma guerra natildeo
tinha para onde correr e com certeza seria atingida por alguma bala de
borracha ou por bombas porque eles continuavam atraacutes Nesse
estacionamento pedi para o rapaz me deixar entrar Ele falou que natildeo podia
me deixar entrar Falei ldquopor favor me deixa entrarrdquo mostrei meu braccedilo ele
se assustou e deixou entrar
24
Esta eacute a lesatildeo de que relato trata
Estes casos revelam o potencial de causar danos irreversiacuteveis que as ldquomuniccedilotildees
menos letaisrdquo como municcedilatildeo de elastocircmero em armas de fogo possuem quando utilizadas
contra oacutergatildeos vitais e a curta distacircncia
O fotoacutegrafo Seacutergio natildeo teria perdido um olho e centenas de pessoas natildeo
teriam sofrido lesotildees e corrido risco de morte se a PMESP tivesse observado
minimamente os paracircmetros internacionais para o uso da forccedila reconhecidos pela
Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas e pela Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos
O Coacutedigo de Conduta Para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo
da Lei30 (doc 4) aprovado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo 34169 de 17
de dezembro de 1979 estabelece criteacuterios para a aplicaccedilatildeo da lei na defesa da ordem
puacuteblica e a forma como essas funccedilotildees satildeo exercidas
30 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)
25
Seu artigo 3ordm dispotildee
Os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute podem empregar a
forccedila quando tal se afigure estritamente necessaacuterio e na medida
exigida para o cumprimento do seu dever
Bastaria a leitura deste artigo para verificar que os agentes de seguranccedila
independente do dever que entendiam estar cumprindo ultrapassaram (e muito) o
estritamente necessaacuterio
Ainda assim esse importante documento internacional vigente desde 1979
possui comentaacuterios interpretativos31 que permitem a melhor aplicaccedilatildeo de seus dispositivos
Veja-se o que diz o comentaacuterio do artigo 3ordm
ldquoComentaacuterio
a) Esta disposiccedilatildeo salienta que o emprego da forccedila por parte dos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deve ser excepcional
Embora admita que estes funcionaacuterios possam estar autorizados a utilizar a
forccedila na medida em que tal seja razoavelmente considerado como
necessaacuterio tendo em conta as circunstacircncias para a prevenccedilatildeo de um crime
ou para deter ou ajudar agrave detenccedilatildeo legal de delinquentes ou de suspeitos
qualquer uso da forccedila fora deste contexto natildeo eacute permitido
b) A lei nacional restringe normalmente o emprego da forccedila pelos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei de acordo com o princiacutepio
da proporcionalidade Deve-se entender que tais princiacutepios nacionais
de proporcionalidade devem ser respeitados na interpretaccedilatildeo desta
disposiccedilatildeo
A presente disposiccedilatildeo natildeo deve ser em nenhum caso interpretada no
sentido da autorizaccedilatildeo do emprego da forccedila em desproporccedilatildeo com o
legiacutetimo objetivo a atingir
c) O emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem
fazer-se todos os esforccedilos no sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de
31 Diretrizes para a efetiva implementaccedilatildeo do Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei Adotado pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU em 1986 por meio da resoluccedilatildeo nordm 198661
26
fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo utilizar-se
armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou
quando de qualquer forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja
suficientes medidas menos extremas para o dominar ou deter Cada vez que
uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as
autoridades competentesrdquo
Observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP tambeacutem natildeo respeitou as disposiccedilotildees dos
Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios
Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (Princiacutepios Baacutesicos) outra normativa no acircmbito
da ONU a qual o Brasil estaacute submetido
32
Eacute escandaloso o descompasso da atuaccedilatildeo policial com o que determina o
paraacutegrafo 5 desse importante documento Veja-se
32 Disponiacutevel em httppontoeletronicomewp-contentuploads20130613jun2013-policial-se-prepara-para-atirar-contra-manifestantes-durante-protesto-contra-o-aumento-da-tarifa-do-transporte-coletivo-realizado-pelas-ruas-da-regiao-central-de-sao-paulo-1371176850700_1920x1080jpg
27
ldquo5 Sempre que o uso legiacutetimo da forccedila e de armas de fogo for inevitaacutevel
os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
(a) Exercer moderaccedilatildeo no uso de tais recursos e agir na proporccedilatildeo da
gravidade da infraccedilatildeo e do objetivo legiacutetimo a ser alcanccedilado
(b) Minimizar danos e ferimentos e respeitar e preservar a vida humana
(c) Assegurar que qualquer indiviacuteduo ferido ou afetado receba assistecircncia e
cuidados meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel
(d) Garantir que os familiares ou amigos iacutentimos da pessoa ferida ou afetada
sejam notificados o mais depressa possiacutevel
Diante dos fatos narrados na inicial eacute possiacutevel se questionar O uso legiacutetimo da
forccedila foi inevitaacutevel Houve infraccedilatildeo grave dos manifestantes para justificar a proporccedilatildeo da
forccedila policial aplicada Houve por parte da PMESP a prestaccedilatildeo de assistecircncia e cuidados
meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel As forccedilas repressivas do Estado garantiram a imediata
notificaccedilatildeo dos feridos
A resposta eacute veementemente negativa para todas essas questotildees
Independentemente dos questionamentos acima tambeacutem natildeo eacute possiacutevel
identificar qual o objetivo legiacutetimo da atuaccedilatildeo da PMESP A proacutepria intenccedilatildeo de dispersatildeo
jaacute ofende o direito agrave reuniatildeo legalmente exercido pela manifestaccedilatildeo puacuteblica presente nos 8
casos trazidos na inicial poreacutem a PMESP foi aleacutem pois contrariou os princiacutepios 13 e 14
dos Princiacutepios Baacutesicos33 ainda que tais manifestaccedilotildees fossem consideradas ilegais e
violentas
Ora estaacute mais do que claro que a utilizaccedilatildeo de armamento de fogo com
municcedilatildeo de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral estariam
absolutamente descartadas se fossem cumpridas as normativas internacionais para
o uso da forccedila
33 A transcriccedilatildeo dos artigos 13 e 14 dos princiacutepios baacutesicos estaacute na paacutegina 16
28
Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais
mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito
internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de
proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade
Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser
sempre a uacuteltima opccedilatildeo
O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias
ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no
sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida
74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo
da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um
contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente
treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo
contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente
quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis
Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente
controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave
forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro
juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo
34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre
Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)
29
iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia
de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma
confiaacutevel36
Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees
da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da
liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX
que ora transcreve-se
Artigo XIX
Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito
inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e
transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente
de fronteiras
Artigo XX
1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas
2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo
Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre
Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem
assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o
relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de
controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto
identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees
36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
30
administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo
das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas
investigaccedilotildees
Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho
de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma
das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de
maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila
de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel
abuso da forccedila
Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas
administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em
manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente
necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de
planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso
abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo
recomendou as seguintes medidas
a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da
forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas
b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees
c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para
verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores
A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao
Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde
partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de
comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela
PMESP no dia 13 de junho de 2014
31
Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que
um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem
de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros
internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em
qualquer outra manifestaccedilatildeo popular
iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO
DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO
Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo
em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de
direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)
ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi
realizada de forma violenta e ilegal
Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem
evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De
acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude
adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia
perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois
A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de
gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a
Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como
pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era
como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e
violecircncia
Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na
direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria
Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos
os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da
Silva)
32
ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um
cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a
ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha
muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais
lanccedilavam bomba por nada para todos os lados
Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as
pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva
[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se
acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas
entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]
quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para
deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos
Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando
com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta
velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo
tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas
pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As
33
pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas
que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair
de laacute
Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o
traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato
mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da
accedilatildeo repressiva
A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava
dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na
Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []
Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente
rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais
comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como
eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para
dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no
chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador
34
Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante
recorrentes
Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um
ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial
mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua
patricinha vagabundarsquo ele me dizia
[]
Vai embora sua prostituta
A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer
seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente
sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral
Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo
Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes
puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz
que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no
35
sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo
utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer
forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou
deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades
competentes
No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de
Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma
de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de
armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal
aviso deve ser feito de forma clara e adequada
Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento
10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente
a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo
suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando
tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave
ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso
Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a
utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo
de armas de fogo
Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a
grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade
policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma
sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma
36
manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos
princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38
Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)
manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de
proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo
com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado
ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever
de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e
menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas
deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme
os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo
A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa
de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila
Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do
Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas
envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para
que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio
ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se
identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza
as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila
outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude
exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
37
[]
A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica
implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto
proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com
proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de
reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O
grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja
considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do
que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de
maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se
encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o
uso da forccedila resulta desproporcionado
Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da
aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute
internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado
internacional de direitos humanos
Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com
documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema
necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas
de seguranccedila
iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE
POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES
Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a
de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de
identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria
responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)
41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15
38
ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo
ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem
os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na
Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo
onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam
muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito
desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada
um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e
depois soltarrdquo
Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume
havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as
normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo
usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento
Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute
tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma
Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por
parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em
particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo
identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de
2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos
gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de
3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se
SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou
nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto
de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os
rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido
possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante
42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319
39
agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da
corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos
A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)
que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o
Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica
informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de
identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou
crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas
pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e
ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento
Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento
feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -
organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo
com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a
manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da
Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois
se espalharam pelo centro
Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se
determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular
Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito
interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a
atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu
Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta
manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial
em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes
policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees
O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo
em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial
40
No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado
de se identificarem previamente como tais no momento de advertir
com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a
forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua
atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees
estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e
adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se
f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de
seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas
ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever
potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim
de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no
terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e
comportamento policial
Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a
identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que
cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e
ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se
g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as
forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de
abusos ou atos de violecircncia
h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou
judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas
operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos
no curso das mesmas
41
Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos
cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013
em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos
A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou
que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem
disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes
em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que
confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns
trechos da mateacuteria
Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes
sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas
delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo
Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo
investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute
abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi
concluiacuteda e nenhum policial foi punido
A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute
os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo
processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1
de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014
Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de
Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum
policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21
policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato
Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e
tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e
ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades
43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)
42
v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS
CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES
Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do
Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa
atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute
de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila
Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em
manifestaccedilotildees futuras
Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute
imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo
temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de
confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo
Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a
negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A
proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da
Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que
Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os
governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar
atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos
especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da
forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a
compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de
persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos
destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados
da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e
procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos
43
Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um
negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se
evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se
e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves
manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes
para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e
protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de
conflito
Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na
Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos
publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72
daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue
72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no
uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a
resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das
multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como
meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45
Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de
Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia
da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se
44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf
44
38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um
verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades
policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da
manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico
Suiacuteccedila e outros paiacuteses47
Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os
documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador
civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco
de conflito social
vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa
de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na
dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila
notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas
O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar
Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre
recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo
Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem
alguns trechos
No comando do choque eu soacute recebi precircmios
47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora
45
Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe
pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de
Satildeo Paulo
ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de
protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo
A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho
quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e
pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo
foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do
centro saqueadas
Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da
Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui
ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou
A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v
Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de
dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute
o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte
ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar
seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito
negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50
Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando
preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa
policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre
expressatildeo
49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)
46
ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees
razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento
paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem
violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da
legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento
de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo
manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma
manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das
pessoasrdquo52
Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho
de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante
da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo
A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava
subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e
um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas
patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de
brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo
tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha
bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa
assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou
brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo
[]
Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos
policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles
ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar
sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E
todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado
52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas
47
do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo
para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo
[]
Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu
encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de
gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba
nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para
os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de
novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me
lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de
Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo
mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da
poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo
estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e
nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo
[]
A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes
Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a
gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem
Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o
pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes
lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila
Roosevelt
[]
O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da
Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava
que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente
ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima
tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali
natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando
bomba em cima da gente
O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da
Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e
intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso
desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a
48
agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de
Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se
ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees
policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso
indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o
membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para
proteger seus companheiros ali presentesrdquo54
Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave
determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve
permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo
administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes
vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A
ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica
do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e
internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo
puacuteblico
Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da
forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a
formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas
53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo
49
Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que
ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e
de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na
elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e
minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e
de armas de fogordquo
Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para
determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila
deveriam seguir Aqui estatildeo elas
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo
da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os
tipos de armas e municcedilotildees permitidas
(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias
apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio
(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos
injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis
(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas
de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas
armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de
armas de fogo
50
(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no
desempenho das suas funccedilotildees
Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila
e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia
da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece
as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila
Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como
aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos
agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento
dessas diretrizes
1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar
nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e
deveraacute considerar primordialmente
a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela
Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na
sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979
b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de
Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados
pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo
198961 de 24 de maio de 1989
c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo
Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o
Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto
a 7 de setembro de 1999
d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis
Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees
Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de
1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991
51
Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade
resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a
necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna
ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial
Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao
Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que
tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria
9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos
disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo
objetivamente
a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas
b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao
ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no
evento
c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo
perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento
d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees
desnecessaacuterias e risco injustificado e
e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente
de seguranccedila puacuteblica
Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do
Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de
Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que
regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees
Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se
natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como
a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de
manifestaccedilotildees e reuniotildees populares
52
Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro
miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos
que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e
sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil
6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE
DIREITOS HUMANOS
O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado
por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica
contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso
internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados
no que tange agrave dignidade humana
De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados
natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a
dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados
podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros
Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos
que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos
internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas
Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo
terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua
responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos
internacionalmente admitidos
55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf
53
Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56
apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute
um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees
como prova para outro procedimento de julgamento internacional do
Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura
ignorada
Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados
no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos
normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo
Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina
se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses
oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o
jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi
distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda
externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados
ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos
constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os
paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o
respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil
continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos
nacionalmente57
Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da
presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o
que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada
56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355
54
7) CONCLUSAtildeO
A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm
Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para
resoluccedilatildeo da presente controveacutersia
Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e
histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma
expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo
se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do
Estado de Satildeo Paulo
Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a
atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa
padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia
O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo
Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos
Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que
expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e
que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente
demanda
55
8) PEDIDO
Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como
amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae
requer-se seu recebimento como memoriais
Termos em que
Pede deferimento
Satildeo Paulo 17 de julho de 2014
Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs
OABSP 262284 OABSP 101663
Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni
OABSP 284930 OABSP 286871
Sheila Santana de Carvalho
OABSP 343588
16
Ao adotar a formaccedilatildeo de confronto e impedir o prosseguimento da manifestaccedilatildeo
paciacutefica a PMESP impediu o exerciacutecio do direito de reuniatildeo e livre expressatildeo de cerca de
15 mil pessoas Natildeo satisfeita ainda iniciou o lanccedilamento de bombas e tiros com municcedilatildeo
de elastocircmero contra as pessoas reunidas ali pacificamente
23
Claramente ao interromper as pessoas ali reunidas que marchavam
pacificamente a PMESP rasgou todas as cartas de direitos que reconhecem a liberdade de
reuniatildeo e de expressatildeo - a Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica a Declaraccedilatildeo Universal de Direitos
Humanos e a Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos ndash ferindo tambeacutem os
posicionamentos de organismos internacionais como a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos (CIDH)cedilque sinaliza hipoacuteteses restritas de limitaccedilatildeo do direito de
reuniatildeo no 2ordm Relatoacuterio sobre a Situaccedilatildeo de Defensores e Defensoras de Direitos
Humanos nas Ameacutericas24 (doc 8) Veja-se
ldquo107 Nos uacuteltimos anos alguns paiacuteses tecircm apresentado um aumento no
nuacutemero de accedilotildees penais contra participantes de protestos sociais para a
reivindicaccedilatildeo de direitos utilizando-se de argumentos como a perturbaccedilatildeo
da ordem puacuteblica ou o atentado contra a seguranccedila do Estado Em virtude
da importacircncia que se revestem as manifestaccedilotildees puacuteblicas nos sistemas
democraacuteticos o Estado possui hipoacuteteses restritas para aplicar
limitaccedilotildees nesse sentido mesmo que o direito de reuniatildeo natildeo seja
23 Disponiacutevel em httpimgr7comimages2013061500_13_08_643_filedimensions=780x340 24 Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos 2011 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhdefensoresdocspdfdefensores2011pdf (acessado em 02062014)
17
absoluto ou possa estar sujeito a certos limites essas justificativas
devem ser razoaacuteveis para se assegurar o desenvolvimento paciacutefico das
manifestaccedilotildees e devem reger-se ldquopelos princiacutepios da legalidade da
necessidade e da proporcionalidaderdquo25
A importacircncia destes firmes posicionamentos da CIDH fundamenta-se em sua
proacutepria funccedilatildeo institucional de interpretar e recomendar a melhor aplicaccedilatildeo da
Convenccedilatildeo que claramente reconhece na atividade administrativa do Estado de Satildeo
Paulo a violaccedilatildeo de dois de seus artigos abaixo transcritos
Artigo 13 - Liberdade de pensamento e de expressatildeo
Toda pessoa tem o direito agrave liberdade de pensamento e de expressatildeo Esse
direito inclui a liberdade de procurar receber e difundir informaccedilotildees e ideacuteias
de qualquer natureza sem consideraccedilotildees de fronteiras verbalmente ou por
escrito ou em forma impressa ou artiacutestica ou por qualquer meio de sua
escolha
Artigo 15 - Direito de reuniatildeo
Eacute reconhecido o direito de reuniatildeo paciacutefica e sem armas O exerciacutecio desse
direito soacute pode estar sujeito agraves restriccedilotildees previstas em lei e que se faccedilam
necessaacuterias em uma sociedade democraacutetica ao interesse da seguranccedila
nacional da seguranccedila ou ordem puacuteblicas ou para proteger a sauacutede ou a
moral puacuteblicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas
25 Traduccedilatildeo livre de ldquo107 En los uacuteltimos antildeos se ha presentado una creciente iniciacioacuten de acciones penales en algunos paiacuteses en contra de quienes participan en protestas sociales para la reivindicacioacuten de derechos bajo el argumento de que supuestamente se desarrollariacutean en un marco de perturbacioacuten del orden puacuteblicoo atentariacutean contra la seguridad del Estado En virtud de la importancia que reviste la protesta social en los sistemas democraacuteticos el Estado tiene un marco centildeido para justificar su limitacioacuten en este sentido si bien el derecho de reunioacuten no es absoluto y puede estar sujeto a ciertos liacutemites eacutestos deben ser razonablescon el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las manifestaciones y deben regirse ldquopor los principios de legalidad necesidad y proporcionalidaderdquo
18
Jaacute no acircmbito da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) o Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Poliacuteticos26 exige que os Estados signataacuterios
garantam aos seus cidadatildeos o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de participaccedilatildeo da
conduccedilatildeo de assuntos puacuteblicos sem restriccedilotildees infundadas27
Nessa linha o 8ordm Congresso das Naccedilotildees Unidas sobre a Prevenccedilatildeo do Crime
e o Tratamento dos Delinquentes deu publicidade a um documento formulado para
assistir os Estados membros na tarefa de assegurar e promover a adequada missatildeo dos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo de lei Trata-se dos Princiacutepios Baacutesicos sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da
Lei28 (doc 5) que dentre suas disposiccedilotildees determina que
ldquodevem ser tomados em consideraccedilatildeo e respeitados pelos governos
no acircmbito da legislaccedilatildeo e da praacutetica nacionais e levados ao
conhecimento dos funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei e de
outras pessoas como juiacutezes agentes do Ministeacuterio Puacuteblico
advogados membros do Executivo e do Legislativo bem como do
puacuteblico em geralrdquo
Ao se comprometer com esse documento o Estado Brasileiro compreendido por
Uniatildeo Estados e Municiacutepios natildeo pode deixar de observar suas disposiccedilotildees
Todavia mesmo conhecedor desses paracircmetros o Estado de Satildeo Paulo
por meio da PMESP no dia 13 de junho optou por descumpri-los ao encerrar uma
manifestaccedilatildeo legal e natildeo-violenta
26 Internalizado ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 592 de 6 de julho de 1992 27 Arts 19 21 e 25 28 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)
19
29
A violaccedilatildeo do compromisso internacional estaacute explicitada em seu Princiacutepio 12
que diz que como todos tecircm direito de participar de reuniotildees legiacutetimas e paciacuteficas de acordo com os
princiacutepios expressos na Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional de Direitos
Civis e Poliacuteticos os governos entidades e os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo reconhecer que a forccedila
e as armas de fogo soacute podem ser usadas nos termos dos Princiacutepios 13 e 14
Note-se que tais princiacutepios referem-se a grupos ilegais e violentos o que
claramente natildeo foi o caso das pessoas que estavam nas ruas exercendo seu direito de livre
expressatildeo e reuniatildeo poreacutem ainda que fosse seria inevitaacutevel se observarem os criteacuterios da
proporcionalidade e da estrita necessidade no uso da forccedila policial
Veja-se a transcriccedilatildeo dos Princiacutepios 13 e 14 do protocolo
13 Ao dispersar grupos ilegais mas natildeo-violentos os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo evitar o uso da forccedila ou quando tal natildeo for
possiacutevel deveratildeo restringir tal forccedila ao miacutenimo necessaacuterio
14 Ao dispersar grupos violentos os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute
poderatildeo fazer uso de armas de fogo quando natildeo for possiacutevel usar outros
meios menos perigosos e apenas nos termos minimamente necessaacuterios Os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei natildeo deveratildeo fazer uso de armas de
fogo em tais casos a natildeo ser nas condiccedilotildees previstas no Princiacutepio 9
29 Disponiacutevel em httpwwwvalorcombrsitesdefaultfilesimagecachemedia_library_300_197imagesprotestag_0_8_640_419jpg
20
Ora diante dos fatos eacute impossiacutevel identificar sequer um rastro de observacircncia
deste protocolo pela PMESP seja no dia 13 de junho de 2013 ou nas outras situaccedilotildees
narradas na inicial
Portanto demonstra-se que suposta manutenccedilatildeo da ordem puacuteblica no intuito de
se garantir a circulaccedilatildeo de veiacuteculos natildeo pode do ponto de vista juriacutedico interno e
internacional frustrar o direito de reuniatildeo das pessoas que se encontram em vias puacuteblicas
para exercer seu direito universal agrave liberdade de expressatildeo
ii - DA UTILIZACcedilAtildeO DE ARMAS DE FOGO COM MUNICcedilAtildeO DE ELASTOcircMERO BOMBAS DE
GAacuteS E GRANADAS DE LUZ E SOM PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO
VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS
Os relatos daqueles que participaram da manifestaccedilatildeo (doc 6) sugerem que em
vez de direcionar a marcha num suposto sentido de dispersatildeo os policiais encurralaram
milhares de pessoas num circuito de tiro com balas de borracha saturado com bombas
de gaacutes e granadas de luz e som ao longo de vaacuterias ruas da regiatildeo central Essa taacutetica policial
de encurralamento pode ser observada pelo mapa abaixo o qual explica como se deu o
trajeto realizado pela poliacutecia e manifestantes
21
22
Seacutergio Andrade da Silva de 31 anos eacute um fotoacutegrafo casado e pai de duas
crianccedilas Na noite do protesto ele saiu para trabalhar Faria fotos da marcha para uma
agecircncia de notiacutecias mas acabou horas depois internado no ldquoHospital H Olhosrdquo depois
de ter passado pelo ldquoHospital 9 de Julhordquo onde recebeu doses de morfina para controlar a
dor de duas fraturas na oacuterbita ocular resultante de accedilatildeo da Poliacutecia Militar Sergio levou
cinco pontos dentro do olho esquerdo do qual ficaria definitivamente cego
Transcreve-se abaixo trecho do relato de Sergio que mostra todo o pacircnico que
sentiu no momento da agressatildeo recebida pela PMESP (doc 6)
Fui atingido por uma bala de borracha Tenho quase 180m e a bala me
atingiu exatamente no olho [] A dor foi instantacircnea profunda terriacutevel
Todos os piores adjetivos com que vocecirc puder qualificar a dor eu senti
naquele momento Meu olho inchou rapidamente coloquei a matildeo e minha
paacutelpebra jaacute havia se fechado Muito sangue comeccedilava a cair naquele instante
e pensei lsquofiquei cego Natildeo vou mais conseguir fotografarrsquo Foi a sensaccedilatildeo
que eu tive
Outro relato mostra exatamente o desespero de um cidadatildeo que corre risco de
vida ou de ferimentos graves pela accedilatildeo da proacutepria poliacutecia que supostamente deve
promover a seguranccedila puacuteblica (doc 6)
23
Ali foi o momento mais desesperador mesmo porque natildeo conseguia
respirar achei que ia desmaiar ali comecei a ficar fraca natildeo conseguia correr
mais e fiquei um tempo ali desnorteada com todo aquele gaacutes e continuei
correndohellip Jaacute tinha perdido todo mundo e olhei para os lados estava todo
mundo correndo subindo e natildeo tinha para onde ir a natildeo ser subir a
Augusta Tinha muita gente e natildeo dava para ir raacutepido a gente ficou
encurralado Quando vi estaacutevamos entre uma parede subindo a Augusta
na frente tinha um grupo de policias da Tropa de Choque e atraacutes tambeacutem
Ali foi o momento que fomos emparedados Natildeo tinha o que fazer natildeo
dava para correr muito corriacuteamos lentamentehellip Me senti fuzilada naquele
momento a gente ficou emparedado parecia um fuzilamento no paredatildeo
Foi tudo muito raacutepido e de repente estourou uma bomba na minha frente a
princiacutepio achei que era gaacutes lacrimogecircnio eu senti todo o impacto no meu
corpo mas continuei correndo Natildeo sabia que eu havia me machucado ou
melhor que tinham me machucado naquele momento soacute tinha sentido o
impacto Eu estava com muito medo de levar bala de borracha porque eles
estavam realmente perseguindo Quando virei a direita eu continuei
ouvindo os tiros e as bombas e aquela rua estava completamente parada as
pessoas correndo entre os carros todo mundo desesperado ali E eles
continuaram correndo atraacutes da gente ndash na verdade sequer olhei para traacutes
dava para ouvir e tinha certeza absoluta que seria atingida por uma bala de
borracha Porque eles estavam muito perto perseguindo Consegui correr e
virar a direita de novo onde encontrei um estacionamento grande na Caio
Prado Ali correndo seguindo nessa rua percebi que havia um corte
profundo no meu braccedilo Eu olhei um corte muito profundo eu fiquei
muito assustada Minha reaccedilatildeo foi chorar continuar correndo Foi uma
sensaccedilatildeo de desespero muito grande mesmo Me senti em uma guerra natildeo
tinha para onde correr e com certeza seria atingida por alguma bala de
borracha ou por bombas porque eles continuavam atraacutes Nesse
estacionamento pedi para o rapaz me deixar entrar Ele falou que natildeo podia
me deixar entrar Falei ldquopor favor me deixa entrarrdquo mostrei meu braccedilo ele
se assustou e deixou entrar
24
Esta eacute a lesatildeo de que relato trata
Estes casos revelam o potencial de causar danos irreversiacuteveis que as ldquomuniccedilotildees
menos letaisrdquo como municcedilatildeo de elastocircmero em armas de fogo possuem quando utilizadas
contra oacutergatildeos vitais e a curta distacircncia
O fotoacutegrafo Seacutergio natildeo teria perdido um olho e centenas de pessoas natildeo
teriam sofrido lesotildees e corrido risco de morte se a PMESP tivesse observado
minimamente os paracircmetros internacionais para o uso da forccedila reconhecidos pela
Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas e pela Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos
O Coacutedigo de Conduta Para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo
da Lei30 (doc 4) aprovado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo 34169 de 17
de dezembro de 1979 estabelece criteacuterios para a aplicaccedilatildeo da lei na defesa da ordem
puacuteblica e a forma como essas funccedilotildees satildeo exercidas
30 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)
25
Seu artigo 3ordm dispotildee
Os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute podem empregar a
forccedila quando tal se afigure estritamente necessaacuterio e na medida
exigida para o cumprimento do seu dever
Bastaria a leitura deste artigo para verificar que os agentes de seguranccedila
independente do dever que entendiam estar cumprindo ultrapassaram (e muito) o
estritamente necessaacuterio
Ainda assim esse importante documento internacional vigente desde 1979
possui comentaacuterios interpretativos31 que permitem a melhor aplicaccedilatildeo de seus dispositivos
Veja-se o que diz o comentaacuterio do artigo 3ordm
ldquoComentaacuterio
a) Esta disposiccedilatildeo salienta que o emprego da forccedila por parte dos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deve ser excepcional
Embora admita que estes funcionaacuterios possam estar autorizados a utilizar a
forccedila na medida em que tal seja razoavelmente considerado como
necessaacuterio tendo em conta as circunstacircncias para a prevenccedilatildeo de um crime
ou para deter ou ajudar agrave detenccedilatildeo legal de delinquentes ou de suspeitos
qualquer uso da forccedila fora deste contexto natildeo eacute permitido
b) A lei nacional restringe normalmente o emprego da forccedila pelos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei de acordo com o princiacutepio
da proporcionalidade Deve-se entender que tais princiacutepios nacionais
de proporcionalidade devem ser respeitados na interpretaccedilatildeo desta
disposiccedilatildeo
A presente disposiccedilatildeo natildeo deve ser em nenhum caso interpretada no
sentido da autorizaccedilatildeo do emprego da forccedila em desproporccedilatildeo com o
legiacutetimo objetivo a atingir
c) O emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem
fazer-se todos os esforccedilos no sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de
31 Diretrizes para a efetiva implementaccedilatildeo do Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei Adotado pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU em 1986 por meio da resoluccedilatildeo nordm 198661
26
fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo utilizar-se
armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou
quando de qualquer forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja
suficientes medidas menos extremas para o dominar ou deter Cada vez que
uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as
autoridades competentesrdquo
Observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP tambeacutem natildeo respeitou as disposiccedilotildees dos
Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios
Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (Princiacutepios Baacutesicos) outra normativa no acircmbito
da ONU a qual o Brasil estaacute submetido
32
Eacute escandaloso o descompasso da atuaccedilatildeo policial com o que determina o
paraacutegrafo 5 desse importante documento Veja-se
32 Disponiacutevel em httppontoeletronicomewp-contentuploads20130613jun2013-policial-se-prepara-para-atirar-contra-manifestantes-durante-protesto-contra-o-aumento-da-tarifa-do-transporte-coletivo-realizado-pelas-ruas-da-regiao-central-de-sao-paulo-1371176850700_1920x1080jpg
27
ldquo5 Sempre que o uso legiacutetimo da forccedila e de armas de fogo for inevitaacutevel
os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
(a) Exercer moderaccedilatildeo no uso de tais recursos e agir na proporccedilatildeo da
gravidade da infraccedilatildeo e do objetivo legiacutetimo a ser alcanccedilado
(b) Minimizar danos e ferimentos e respeitar e preservar a vida humana
(c) Assegurar que qualquer indiviacuteduo ferido ou afetado receba assistecircncia e
cuidados meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel
(d) Garantir que os familiares ou amigos iacutentimos da pessoa ferida ou afetada
sejam notificados o mais depressa possiacutevel
Diante dos fatos narrados na inicial eacute possiacutevel se questionar O uso legiacutetimo da
forccedila foi inevitaacutevel Houve infraccedilatildeo grave dos manifestantes para justificar a proporccedilatildeo da
forccedila policial aplicada Houve por parte da PMESP a prestaccedilatildeo de assistecircncia e cuidados
meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel As forccedilas repressivas do Estado garantiram a imediata
notificaccedilatildeo dos feridos
A resposta eacute veementemente negativa para todas essas questotildees
Independentemente dos questionamentos acima tambeacutem natildeo eacute possiacutevel
identificar qual o objetivo legiacutetimo da atuaccedilatildeo da PMESP A proacutepria intenccedilatildeo de dispersatildeo
jaacute ofende o direito agrave reuniatildeo legalmente exercido pela manifestaccedilatildeo puacuteblica presente nos 8
casos trazidos na inicial poreacutem a PMESP foi aleacutem pois contrariou os princiacutepios 13 e 14
dos Princiacutepios Baacutesicos33 ainda que tais manifestaccedilotildees fossem consideradas ilegais e
violentas
Ora estaacute mais do que claro que a utilizaccedilatildeo de armamento de fogo com
municcedilatildeo de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral estariam
absolutamente descartadas se fossem cumpridas as normativas internacionais para
o uso da forccedila
33 A transcriccedilatildeo dos artigos 13 e 14 dos princiacutepios baacutesicos estaacute na paacutegina 16
28
Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais
mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito
internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de
proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade
Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser
sempre a uacuteltima opccedilatildeo
O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias
ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no
sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida
74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo
da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um
contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente
treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo
contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente
quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis
Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente
controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave
forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro
juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo
34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre
Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)
29
iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia
de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma
confiaacutevel36
Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees
da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da
liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX
que ora transcreve-se
Artigo XIX
Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito
inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e
transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente
de fronteiras
Artigo XX
1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas
2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo
Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre
Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem
assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o
relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de
controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto
identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees
36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
30
administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo
das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas
investigaccedilotildees
Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho
de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma
das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de
maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila
de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel
abuso da forccedila
Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas
administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em
manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente
necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de
planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso
abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo
recomendou as seguintes medidas
a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da
forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas
b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees
c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para
verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores
A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao
Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde
partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de
comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela
PMESP no dia 13 de junho de 2014
31
Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que
um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem
de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros
internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em
qualquer outra manifestaccedilatildeo popular
iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO
DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO
Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo
em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de
direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)
ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi
realizada de forma violenta e ilegal
Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem
evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De
acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude
adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia
perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois
A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de
gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a
Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como
pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era
como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e
violecircncia
Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na
direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria
Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos
os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da
Silva)
32
ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um
cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a
ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha
muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais
lanccedilavam bomba por nada para todos os lados
Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as
pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva
[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se
acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas
entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]
quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para
deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos
Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando
com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta
velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo
tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas
pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As
33
pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas
que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair
de laacute
Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o
traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato
mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da
accedilatildeo repressiva
A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava
dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na
Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []
Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente
rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais
comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como
eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para
dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no
chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador
34
Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante
recorrentes
Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um
ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial
mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua
patricinha vagabundarsquo ele me dizia
[]
Vai embora sua prostituta
A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer
seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente
sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral
Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo
Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes
puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz
que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no
35
sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo
utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer
forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou
deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades
competentes
No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de
Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma
de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de
armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal
aviso deve ser feito de forma clara e adequada
Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento
10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente
a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo
suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando
tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave
ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso
Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a
utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo
de armas de fogo
Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a
grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade
policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma
sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma
36
manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos
princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38
Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)
manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de
proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo
com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado
ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever
de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e
menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas
deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme
os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo
A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa
de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila
Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do
Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas
envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para
que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio
ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se
identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza
as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila
outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude
exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
37
[]
A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica
implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto
proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com
proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de
reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O
grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja
considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do
que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de
maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se
encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o
uso da forccedila resulta desproporcionado
Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da
aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute
internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado
internacional de direitos humanos
Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com
documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema
necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas
de seguranccedila
iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE
POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES
Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a
de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de
identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria
responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)
41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15
38
ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo
ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem
os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na
Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo
onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam
muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito
desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada
um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e
depois soltarrdquo
Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume
havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as
normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo
usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento
Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute
tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma
Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por
parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em
particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo
identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de
2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos
gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de
3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se
SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou
nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto
de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os
rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido
possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante
42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319
39
agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da
corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos
A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)
que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o
Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica
informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de
identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou
crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas
pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e
ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento
Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento
feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -
organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo
com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a
manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da
Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois
se espalharam pelo centro
Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se
determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular
Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito
interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a
atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu
Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta
manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial
em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes
policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees
O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo
em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial
40
No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado
de se identificarem previamente como tais no momento de advertir
com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a
forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua
atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees
estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e
adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se
f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de
seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas
ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever
potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim
de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no
terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e
comportamento policial
Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a
identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que
cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e
ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se
g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as
forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de
abusos ou atos de violecircncia
h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou
judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas
operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos
no curso das mesmas
41
Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos
cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013
em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos
A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou
que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem
disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes
em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que
confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns
trechos da mateacuteria
Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes
sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas
delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo
Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo
investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute
abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi
concluiacuteda e nenhum policial foi punido
A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute
os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo
processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1
de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014
Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de
Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum
policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21
policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato
Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e
tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e
ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades
43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)
42
v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS
CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES
Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do
Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa
atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute
de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila
Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em
manifestaccedilotildees futuras
Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute
imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo
temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de
confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo
Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a
negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A
proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da
Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que
Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os
governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar
atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos
especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da
forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a
compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de
persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos
destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados
da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e
procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos
43
Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um
negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se
evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se
e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves
manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes
para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e
protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de
conflito
Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na
Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos
publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72
daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue
72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no
uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a
resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das
multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como
meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45
Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de
Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia
da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se
44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf
44
38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um
verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades
policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da
manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico
Suiacuteccedila e outros paiacuteses47
Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os
documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador
civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco
de conflito social
vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa
de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na
dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila
notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas
O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar
Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre
recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo
Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem
alguns trechos
No comando do choque eu soacute recebi precircmios
47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora
45
Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe
pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de
Satildeo Paulo
ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de
protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo
A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho
quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e
pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo
foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do
centro saqueadas
Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da
Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui
ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou
A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v
Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de
dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute
o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte
ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar
seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito
negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50
Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando
preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa
policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre
expressatildeo
49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)
46
ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees
razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento
paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem
violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da
legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento
de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo
manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma
manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das
pessoasrdquo52
Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho
de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante
da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo
A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava
subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e
um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas
patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de
brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo
tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha
bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa
assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou
brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo
[]
Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos
policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles
ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar
sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E
todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado
52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas
47
do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo
para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo
[]
Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu
encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de
gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba
nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para
os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de
novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me
lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de
Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo
mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da
poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo
estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e
nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo
[]
A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes
Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a
gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem
Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o
pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes
lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila
Roosevelt
[]
O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da
Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava
que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente
ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima
tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali
natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando
bomba em cima da gente
O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da
Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e
intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso
desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a
48
agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de
Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se
ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees
policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso
indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o
membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para
proteger seus companheiros ali presentesrdquo54
Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave
determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve
permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo
administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes
vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A
ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica
do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e
internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo
puacuteblico
Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da
forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a
formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas
53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo
49
Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que
ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e
de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na
elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e
minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e
de armas de fogordquo
Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para
determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila
deveriam seguir Aqui estatildeo elas
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo
da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os
tipos de armas e municcedilotildees permitidas
(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias
apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio
(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos
injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis
(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas
de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas
armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de
armas de fogo
50
(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no
desempenho das suas funccedilotildees
Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila
e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia
da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece
as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila
Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como
aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos
agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento
dessas diretrizes
1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar
nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e
deveraacute considerar primordialmente
a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela
Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na
sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979
b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de
Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados
pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo
198961 de 24 de maio de 1989
c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo
Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o
Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto
a 7 de setembro de 1999
d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis
Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees
Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de
1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991
51
Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade
resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a
necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna
ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial
Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao
Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que
tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria
9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos
disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo
objetivamente
a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas
b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao
ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no
evento
c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo
perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento
d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees
desnecessaacuterias e risco injustificado e
e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente
de seguranccedila puacuteblica
Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do
Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de
Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que
regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees
Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se
natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como
a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de
manifestaccedilotildees e reuniotildees populares
52
Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro
miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos
que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e
sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil
6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE
DIREITOS HUMANOS
O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado
por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica
contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso
internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados
no que tange agrave dignidade humana
De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados
natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a
dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados
podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros
Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos
que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos
internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas
Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo
terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua
responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos
internacionalmente admitidos
55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf
53
Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56
apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute
um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees
como prova para outro procedimento de julgamento internacional do
Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura
ignorada
Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados
no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos
normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo
Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina
se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses
oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o
jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi
distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda
externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados
ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos
constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os
paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o
respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil
continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos
nacionalmente57
Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da
presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o
que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada
56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355
54
7) CONCLUSAtildeO
A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm
Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para
resoluccedilatildeo da presente controveacutersia
Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e
histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma
expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo
se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do
Estado de Satildeo Paulo
Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a
atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa
padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia
O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo
Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos
Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que
expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e
que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente
demanda
55
8) PEDIDO
Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como
amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae
requer-se seu recebimento como memoriais
Termos em que
Pede deferimento
Satildeo Paulo 17 de julho de 2014
Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs
OABSP 262284 OABSP 101663
Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni
OABSP 284930 OABSP 286871
Sheila Santana de Carvalho
OABSP 343588
17
absoluto ou possa estar sujeito a certos limites essas justificativas
devem ser razoaacuteveis para se assegurar o desenvolvimento paciacutefico das
manifestaccedilotildees e devem reger-se ldquopelos princiacutepios da legalidade da
necessidade e da proporcionalidaderdquo25
A importacircncia destes firmes posicionamentos da CIDH fundamenta-se em sua
proacutepria funccedilatildeo institucional de interpretar e recomendar a melhor aplicaccedilatildeo da
Convenccedilatildeo que claramente reconhece na atividade administrativa do Estado de Satildeo
Paulo a violaccedilatildeo de dois de seus artigos abaixo transcritos
Artigo 13 - Liberdade de pensamento e de expressatildeo
Toda pessoa tem o direito agrave liberdade de pensamento e de expressatildeo Esse
direito inclui a liberdade de procurar receber e difundir informaccedilotildees e ideacuteias
de qualquer natureza sem consideraccedilotildees de fronteiras verbalmente ou por
escrito ou em forma impressa ou artiacutestica ou por qualquer meio de sua
escolha
Artigo 15 - Direito de reuniatildeo
Eacute reconhecido o direito de reuniatildeo paciacutefica e sem armas O exerciacutecio desse
direito soacute pode estar sujeito agraves restriccedilotildees previstas em lei e que se faccedilam
necessaacuterias em uma sociedade democraacutetica ao interesse da seguranccedila
nacional da seguranccedila ou ordem puacuteblicas ou para proteger a sauacutede ou a
moral puacuteblicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas
25 Traduccedilatildeo livre de ldquo107 En los uacuteltimos antildeos se ha presentado una creciente iniciacioacuten de acciones penales en algunos paiacuteses en contra de quienes participan en protestas sociales para la reivindicacioacuten de derechos bajo el argumento de que supuestamente se desarrollariacutean en un marco de perturbacioacuten del orden puacuteblicoo atentariacutean contra la seguridad del Estado En virtud de la importancia que reviste la protesta social en los sistemas democraacuteticos el Estado tiene un marco centildeido para justificar su limitacioacuten en este sentido si bien el derecho de reunioacuten no es absoluto y puede estar sujeto a ciertos liacutemites eacutestos deben ser razonablescon el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las manifestaciones y deben regirse ldquopor los principios de legalidad necesidad y proporcionalidaderdquo
18
Jaacute no acircmbito da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) o Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Poliacuteticos26 exige que os Estados signataacuterios
garantam aos seus cidadatildeos o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de participaccedilatildeo da
conduccedilatildeo de assuntos puacuteblicos sem restriccedilotildees infundadas27
Nessa linha o 8ordm Congresso das Naccedilotildees Unidas sobre a Prevenccedilatildeo do Crime
e o Tratamento dos Delinquentes deu publicidade a um documento formulado para
assistir os Estados membros na tarefa de assegurar e promover a adequada missatildeo dos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo de lei Trata-se dos Princiacutepios Baacutesicos sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da
Lei28 (doc 5) que dentre suas disposiccedilotildees determina que
ldquodevem ser tomados em consideraccedilatildeo e respeitados pelos governos
no acircmbito da legislaccedilatildeo e da praacutetica nacionais e levados ao
conhecimento dos funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei e de
outras pessoas como juiacutezes agentes do Ministeacuterio Puacuteblico
advogados membros do Executivo e do Legislativo bem como do
puacuteblico em geralrdquo
Ao se comprometer com esse documento o Estado Brasileiro compreendido por
Uniatildeo Estados e Municiacutepios natildeo pode deixar de observar suas disposiccedilotildees
Todavia mesmo conhecedor desses paracircmetros o Estado de Satildeo Paulo
por meio da PMESP no dia 13 de junho optou por descumpri-los ao encerrar uma
manifestaccedilatildeo legal e natildeo-violenta
26 Internalizado ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 592 de 6 de julho de 1992 27 Arts 19 21 e 25 28 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)
19
29
A violaccedilatildeo do compromisso internacional estaacute explicitada em seu Princiacutepio 12
que diz que como todos tecircm direito de participar de reuniotildees legiacutetimas e paciacuteficas de acordo com os
princiacutepios expressos na Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional de Direitos
Civis e Poliacuteticos os governos entidades e os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo reconhecer que a forccedila
e as armas de fogo soacute podem ser usadas nos termos dos Princiacutepios 13 e 14
Note-se que tais princiacutepios referem-se a grupos ilegais e violentos o que
claramente natildeo foi o caso das pessoas que estavam nas ruas exercendo seu direito de livre
expressatildeo e reuniatildeo poreacutem ainda que fosse seria inevitaacutevel se observarem os criteacuterios da
proporcionalidade e da estrita necessidade no uso da forccedila policial
Veja-se a transcriccedilatildeo dos Princiacutepios 13 e 14 do protocolo
13 Ao dispersar grupos ilegais mas natildeo-violentos os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo evitar o uso da forccedila ou quando tal natildeo for
possiacutevel deveratildeo restringir tal forccedila ao miacutenimo necessaacuterio
14 Ao dispersar grupos violentos os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute
poderatildeo fazer uso de armas de fogo quando natildeo for possiacutevel usar outros
meios menos perigosos e apenas nos termos minimamente necessaacuterios Os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei natildeo deveratildeo fazer uso de armas de
fogo em tais casos a natildeo ser nas condiccedilotildees previstas no Princiacutepio 9
29 Disponiacutevel em httpwwwvalorcombrsitesdefaultfilesimagecachemedia_library_300_197imagesprotestag_0_8_640_419jpg
20
Ora diante dos fatos eacute impossiacutevel identificar sequer um rastro de observacircncia
deste protocolo pela PMESP seja no dia 13 de junho de 2013 ou nas outras situaccedilotildees
narradas na inicial
Portanto demonstra-se que suposta manutenccedilatildeo da ordem puacuteblica no intuito de
se garantir a circulaccedilatildeo de veiacuteculos natildeo pode do ponto de vista juriacutedico interno e
internacional frustrar o direito de reuniatildeo das pessoas que se encontram em vias puacuteblicas
para exercer seu direito universal agrave liberdade de expressatildeo
ii - DA UTILIZACcedilAtildeO DE ARMAS DE FOGO COM MUNICcedilAtildeO DE ELASTOcircMERO BOMBAS DE
GAacuteS E GRANADAS DE LUZ E SOM PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO
VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS
Os relatos daqueles que participaram da manifestaccedilatildeo (doc 6) sugerem que em
vez de direcionar a marcha num suposto sentido de dispersatildeo os policiais encurralaram
milhares de pessoas num circuito de tiro com balas de borracha saturado com bombas
de gaacutes e granadas de luz e som ao longo de vaacuterias ruas da regiatildeo central Essa taacutetica policial
de encurralamento pode ser observada pelo mapa abaixo o qual explica como se deu o
trajeto realizado pela poliacutecia e manifestantes
21
22
Seacutergio Andrade da Silva de 31 anos eacute um fotoacutegrafo casado e pai de duas
crianccedilas Na noite do protesto ele saiu para trabalhar Faria fotos da marcha para uma
agecircncia de notiacutecias mas acabou horas depois internado no ldquoHospital H Olhosrdquo depois
de ter passado pelo ldquoHospital 9 de Julhordquo onde recebeu doses de morfina para controlar a
dor de duas fraturas na oacuterbita ocular resultante de accedilatildeo da Poliacutecia Militar Sergio levou
cinco pontos dentro do olho esquerdo do qual ficaria definitivamente cego
Transcreve-se abaixo trecho do relato de Sergio que mostra todo o pacircnico que
sentiu no momento da agressatildeo recebida pela PMESP (doc 6)
Fui atingido por uma bala de borracha Tenho quase 180m e a bala me
atingiu exatamente no olho [] A dor foi instantacircnea profunda terriacutevel
Todos os piores adjetivos com que vocecirc puder qualificar a dor eu senti
naquele momento Meu olho inchou rapidamente coloquei a matildeo e minha
paacutelpebra jaacute havia se fechado Muito sangue comeccedilava a cair naquele instante
e pensei lsquofiquei cego Natildeo vou mais conseguir fotografarrsquo Foi a sensaccedilatildeo
que eu tive
Outro relato mostra exatamente o desespero de um cidadatildeo que corre risco de
vida ou de ferimentos graves pela accedilatildeo da proacutepria poliacutecia que supostamente deve
promover a seguranccedila puacuteblica (doc 6)
23
Ali foi o momento mais desesperador mesmo porque natildeo conseguia
respirar achei que ia desmaiar ali comecei a ficar fraca natildeo conseguia correr
mais e fiquei um tempo ali desnorteada com todo aquele gaacutes e continuei
correndohellip Jaacute tinha perdido todo mundo e olhei para os lados estava todo
mundo correndo subindo e natildeo tinha para onde ir a natildeo ser subir a
Augusta Tinha muita gente e natildeo dava para ir raacutepido a gente ficou
encurralado Quando vi estaacutevamos entre uma parede subindo a Augusta
na frente tinha um grupo de policias da Tropa de Choque e atraacutes tambeacutem
Ali foi o momento que fomos emparedados Natildeo tinha o que fazer natildeo
dava para correr muito corriacuteamos lentamentehellip Me senti fuzilada naquele
momento a gente ficou emparedado parecia um fuzilamento no paredatildeo
Foi tudo muito raacutepido e de repente estourou uma bomba na minha frente a
princiacutepio achei que era gaacutes lacrimogecircnio eu senti todo o impacto no meu
corpo mas continuei correndo Natildeo sabia que eu havia me machucado ou
melhor que tinham me machucado naquele momento soacute tinha sentido o
impacto Eu estava com muito medo de levar bala de borracha porque eles
estavam realmente perseguindo Quando virei a direita eu continuei
ouvindo os tiros e as bombas e aquela rua estava completamente parada as
pessoas correndo entre os carros todo mundo desesperado ali E eles
continuaram correndo atraacutes da gente ndash na verdade sequer olhei para traacutes
dava para ouvir e tinha certeza absoluta que seria atingida por uma bala de
borracha Porque eles estavam muito perto perseguindo Consegui correr e
virar a direita de novo onde encontrei um estacionamento grande na Caio
Prado Ali correndo seguindo nessa rua percebi que havia um corte
profundo no meu braccedilo Eu olhei um corte muito profundo eu fiquei
muito assustada Minha reaccedilatildeo foi chorar continuar correndo Foi uma
sensaccedilatildeo de desespero muito grande mesmo Me senti em uma guerra natildeo
tinha para onde correr e com certeza seria atingida por alguma bala de
borracha ou por bombas porque eles continuavam atraacutes Nesse
estacionamento pedi para o rapaz me deixar entrar Ele falou que natildeo podia
me deixar entrar Falei ldquopor favor me deixa entrarrdquo mostrei meu braccedilo ele
se assustou e deixou entrar
24
Esta eacute a lesatildeo de que relato trata
Estes casos revelam o potencial de causar danos irreversiacuteveis que as ldquomuniccedilotildees
menos letaisrdquo como municcedilatildeo de elastocircmero em armas de fogo possuem quando utilizadas
contra oacutergatildeos vitais e a curta distacircncia
O fotoacutegrafo Seacutergio natildeo teria perdido um olho e centenas de pessoas natildeo
teriam sofrido lesotildees e corrido risco de morte se a PMESP tivesse observado
minimamente os paracircmetros internacionais para o uso da forccedila reconhecidos pela
Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas e pela Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos
O Coacutedigo de Conduta Para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo
da Lei30 (doc 4) aprovado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo 34169 de 17
de dezembro de 1979 estabelece criteacuterios para a aplicaccedilatildeo da lei na defesa da ordem
puacuteblica e a forma como essas funccedilotildees satildeo exercidas
30 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)
25
Seu artigo 3ordm dispotildee
Os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute podem empregar a
forccedila quando tal se afigure estritamente necessaacuterio e na medida
exigida para o cumprimento do seu dever
Bastaria a leitura deste artigo para verificar que os agentes de seguranccedila
independente do dever que entendiam estar cumprindo ultrapassaram (e muito) o
estritamente necessaacuterio
Ainda assim esse importante documento internacional vigente desde 1979
possui comentaacuterios interpretativos31 que permitem a melhor aplicaccedilatildeo de seus dispositivos
Veja-se o que diz o comentaacuterio do artigo 3ordm
ldquoComentaacuterio
a) Esta disposiccedilatildeo salienta que o emprego da forccedila por parte dos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deve ser excepcional
Embora admita que estes funcionaacuterios possam estar autorizados a utilizar a
forccedila na medida em que tal seja razoavelmente considerado como
necessaacuterio tendo em conta as circunstacircncias para a prevenccedilatildeo de um crime
ou para deter ou ajudar agrave detenccedilatildeo legal de delinquentes ou de suspeitos
qualquer uso da forccedila fora deste contexto natildeo eacute permitido
b) A lei nacional restringe normalmente o emprego da forccedila pelos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei de acordo com o princiacutepio
da proporcionalidade Deve-se entender que tais princiacutepios nacionais
de proporcionalidade devem ser respeitados na interpretaccedilatildeo desta
disposiccedilatildeo
A presente disposiccedilatildeo natildeo deve ser em nenhum caso interpretada no
sentido da autorizaccedilatildeo do emprego da forccedila em desproporccedilatildeo com o
legiacutetimo objetivo a atingir
c) O emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem
fazer-se todos os esforccedilos no sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de
31 Diretrizes para a efetiva implementaccedilatildeo do Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei Adotado pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU em 1986 por meio da resoluccedilatildeo nordm 198661
26
fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo utilizar-se
armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou
quando de qualquer forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja
suficientes medidas menos extremas para o dominar ou deter Cada vez que
uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as
autoridades competentesrdquo
Observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP tambeacutem natildeo respeitou as disposiccedilotildees dos
Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios
Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (Princiacutepios Baacutesicos) outra normativa no acircmbito
da ONU a qual o Brasil estaacute submetido
32
Eacute escandaloso o descompasso da atuaccedilatildeo policial com o que determina o
paraacutegrafo 5 desse importante documento Veja-se
32 Disponiacutevel em httppontoeletronicomewp-contentuploads20130613jun2013-policial-se-prepara-para-atirar-contra-manifestantes-durante-protesto-contra-o-aumento-da-tarifa-do-transporte-coletivo-realizado-pelas-ruas-da-regiao-central-de-sao-paulo-1371176850700_1920x1080jpg
27
ldquo5 Sempre que o uso legiacutetimo da forccedila e de armas de fogo for inevitaacutevel
os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
(a) Exercer moderaccedilatildeo no uso de tais recursos e agir na proporccedilatildeo da
gravidade da infraccedilatildeo e do objetivo legiacutetimo a ser alcanccedilado
(b) Minimizar danos e ferimentos e respeitar e preservar a vida humana
(c) Assegurar que qualquer indiviacuteduo ferido ou afetado receba assistecircncia e
cuidados meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel
(d) Garantir que os familiares ou amigos iacutentimos da pessoa ferida ou afetada
sejam notificados o mais depressa possiacutevel
Diante dos fatos narrados na inicial eacute possiacutevel se questionar O uso legiacutetimo da
forccedila foi inevitaacutevel Houve infraccedilatildeo grave dos manifestantes para justificar a proporccedilatildeo da
forccedila policial aplicada Houve por parte da PMESP a prestaccedilatildeo de assistecircncia e cuidados
meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel As forccedilas repressivas do Estado garantiram a imediata
notificaccedilatildeo dos feridos
A resposta eacute veementemente negativa para todas essas questotildees
Independentemente dos questionamentos acima tambeacutem natildeo eacute possiacutevel
identificar qual o objetivo legiacutetimo da atuaccedilatildeo da PMESP A proacutepria intenccedilatildeo de dispersatildeo
jaacute ofende o direito agrave reuniatildeo legalmente exercido pela manifestaccedilatildeo puacuteblica presente nos 8
casos trazidos na inicial poreacutem a PMESP foi aleacutem pois contrariou os princiacutepios 13 e 14
dos Princiacutepios Baacutesicos33 ainda que tais manifestaccedilotildees fossem consideradas ilegais e
violentas
Ora estaacute mais do que claro que a utilizaccedilatildeo de armamento de fogo com
municcedilatildeo de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral estariam
absolutamente descartadas se fossem cumpridas as normativas internacionais para
o uso da forccedila
33 A transcriccedilatildeo dos artigos 13 e 14 dos princiacutepios baacutesicos estaacute na paacutegina 16
28
Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais
mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito
internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de
proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade
Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser
sempre a uacuteltima opccedilatildeo
O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias
ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no
sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida
74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo
da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um
contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente
treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo
contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente
quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis
Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente
controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave
forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro
juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo
34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre
Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)
29
iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia
de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma
confiaacutevel36
Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees
da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da
liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX
que ora transcreve-se
Artigo XIX
Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito
inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e
transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente
de fronteiras
Artigo XX
1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas
2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo
Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre
Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem
assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o
relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de
controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto
identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees
36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
30
administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo
das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas
investigaccedilotildees
Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho
de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma
das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de
maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila
de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel
abuso da forccedila
Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas
administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em
manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente
necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de
planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso
abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo
recomendou as seguintes medidas
a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da
forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas
b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees
c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para
verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores
A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao
Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde
partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de
comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela
PMESP no dia 13 de junho de 2014
31
Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que
um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem
de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros
internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em
qualquer outra manifestaccedilatildeo popular
iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO
DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO
Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo
em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de
direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)
ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi
realizada de forma violenta e ilegal
Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem
evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De
acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude
adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia
perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois
A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de
gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a
Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como
pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era
como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e
violecircncia
Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na
direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria
Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos
os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da
Silva)
32
ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um
cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a
ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha
muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais
lanccedilavam bomba por nada para todos os lados
Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as
pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva
[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se
acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas
entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]
quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para
deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos
Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando
com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta
velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo
tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas
pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As
33
pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas
que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair
de laacute
Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o
traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato
mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da
accedilatildeo repressiva
A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava
dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na
Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []
Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente
rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais
comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como
eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para
dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no
chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador
34
Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante
recorrentes
Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um
ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial
mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua
patricinha vagabundarsquo ele me dizia
[]
Vai embora sua prostituta
A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer
seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente
sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral
Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo
Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes
puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz
que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no
35
sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo
utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer
forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou
deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades
competentes
No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de
Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma
de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de
armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal
aviso deve ser feito de forma clara e adequada
Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento
10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente
a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo
suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando
tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave
ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso
Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a
utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo
de armas de fogo
Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a
grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade
policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma
sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma
36
manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos
princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38
Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)
manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de
proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo
com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado
ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever
de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e
menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas
deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme
os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo
A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa
de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila
Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do
Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas
envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para
que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio
ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se
identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza
as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila
outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude
exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
37
[]
A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica
implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto
proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com
proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de
reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O
grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja
considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do
que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de
maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se
encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o
uso da forccedila resulta desproporcionado
Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da
aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute
internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado
internacional de direitos humanos
Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com
documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema
necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas
de seguranccedila
iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE
POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES
Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a
de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de
identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria
responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)
41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15
38
ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo
ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem
os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na
Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo
onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam
muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito
desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada
um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e
depois soltarrdquo
Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume
havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as
normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo
usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento
Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute
tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma
Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por
parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em
particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo
identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de
2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos
gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de
3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se
SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou
nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto
de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os
rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido
possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante
42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319
39
agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da
corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos
A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)
que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o
Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica
informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de
identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou
crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas
pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e
ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento
Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento
feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -
organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo
com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a
manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da
Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois
se espalharam pelo centro
Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se
determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular
Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito
interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a
atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu
Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta
manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial
em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes
policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees
O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo
em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial
40
No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado
de se identificarem previamente como tais no momento de advertir
com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a
forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua
atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees
estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e
adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se
f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de
seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas
ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever
potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim
de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no
terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e
comportamento policial
Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a
identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que
cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e
ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se
g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as
forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de
abusos ou atos de violecircncia
h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou
judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas
operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos
no curso das mesmas
41
Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos
cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013
em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos
A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou
que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem
disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes
em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que
confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns
trechos da mateacuteria
Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes
sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas
delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo
Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo
investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute
abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi
concluiacuteda e nenhum policial foi punido
A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute
os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo
processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1
de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014
Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de
Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum
policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21
policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato
Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e
tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e
ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades
43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)
42
v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS
CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES
Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do
Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa
atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute
de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila
Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em
manifestaccedilotildees futuras
Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute
imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo
temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de
confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo
Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a
negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A
proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da
Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que
Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os
governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar
atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos
especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da
forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a
compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de
persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos
destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados
da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e
procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos
43
Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um
negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se
evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se
e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves
manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes
para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e
protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de
conflito
Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na
Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos
publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72
daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue
72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no
uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a
resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das
multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como
meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45
Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de
Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia
da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se
44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf
44
38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um
verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades
policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da
manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico
Suiacuteccedila e outros paiacuteses47
Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os
documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador
civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco
de conflito social
vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa
de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na
dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila
notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas
O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar
Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre
recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo
Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem
alguns trechos
No comando do choque eu soacute recebi precircmios
47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora
45
Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe
pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de
Satildeo Paulo
ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de
protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo
A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho
quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e
pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo
foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do
centro saqueadas
Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da
Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui
ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou
A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v
Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de
dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute
o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte
ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar
seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito
negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50
Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando
preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa
policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre
expressatildeo
49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)
46
ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees
razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento
paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem
violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da
legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento
de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo
manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma
manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das
pessoasrdquo52
Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho
de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante
da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo
A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava
subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e
um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas
patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de
brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo
tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha
bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa
assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou
brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo
[]
Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos
policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles
ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar
sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E
todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado
52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas
47
do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo
para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo
[]
Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu
encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de
gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba
nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para
os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de
novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me
lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de
Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo
mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da
poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo
estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e
nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo
[]
A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes
Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a
gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem
Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o
pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes
lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila
Roosevelt
[]
O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da
Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava
que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente
ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima
tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali
natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando
bomba em cima da gente
O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da
Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e
intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso
desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a
48
agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de
Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se
ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees
policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso
indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o
membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para
proteger seus companheiros ali presentesrdquo54
Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave
determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve
permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo
administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes
vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A
ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica
do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e
internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo
puacuteblico
Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da
forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a
formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas
53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo
49
Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que
ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e
de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na
elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e
minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e
de armas de fogordquo
Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para
determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila
deveriam seguir Aqui estatildeo elas
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo
da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os
tipos de armas e municcedilotildees permitidas
(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias
apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio
(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos
injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis
(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas
de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas
armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de
armas de fogo
50
(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no
desempenho das suas funccedilotildees
Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila
e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia
da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece
as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila
Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como
aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos
agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento
dessas diretrizes
1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar
nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e
deveraacute considerar primordialmente
a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela
Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na
sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979
b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de
Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados
pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo
198961 de 24 de maio de 1989
c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo
Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o
Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto
a 7 de setembro de 1999
d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis
Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees
Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de
1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991
51
Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade
resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a
necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna
ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial
Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao
Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que
tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria
9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos
disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo
objetivamente
a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas
b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao
ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no
evento
c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo
perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento
d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees
desnecessaacuterias e risco injustificado e
e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente
de seguranccedila puacuteblica
Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do
Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de
Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que
regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees
Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se
natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como
a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de
manifestaccedilotildees e reuniotildees populares
52
Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro
miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos
que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e
sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil
6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE
DIREITOS HUMANOS
O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado
por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica
contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso
internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados
no que tange agrave dignidade humana
De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados
natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a
dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados
podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros
Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos
que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos
internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas
Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo
terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua
responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos
internacionalmente admitidos
55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf
53
Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56
apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute
um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees
como prova para outro procedimento de julgamento internacional do
Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura
ignorada
Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados
no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos
normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo
Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina
se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses
oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o
jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi
distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda
externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados
ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos
constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os
paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o
respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil
continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos
nacionalmente57
Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da
presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o
que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada
56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355
54
7) CONCLUSAtildeO
A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm
Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para
resoluccedilatildeo da presente controveacutersia
Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e
histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma
expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo
se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do
Estado de Satildeo Paulo
Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a
atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa
padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia
O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo
Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos
Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que
expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e
que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente
demanda
55
8) PEDIDO
Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como
amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae
requer-se seu recebimento como memoriais
Termos em que
Pede deferimento
Satildeo Paulo 17 de julho de 2014
Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs
OABSP 262284 OABSP 101663
Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni
OABSP 284930 OABSP 286871
Sheila Santana de Carvalho
OABSP 343588
18
Jaacute no acircmbito da Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas (ONU) o Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Poliacuteticos26 exige que os Estados signataacuterios
garantam aos seus cidadatildeos o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de participaccedilatildeo da
conduccedilatildeo de assuntos puacuteblicos sem restriccedilotildees infundadas27
Nessa linha o 8ordm Congresso das Naccedilotildees Unidas sobre a Prevenccedilatildeo do Crime
e o Tratamento dos Delinquentes deu publicidade a um documento formulado para
assistir os Estados membros na tarefa de assegurar e promover a adequada missatildeo dos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo de lei Trata-se dos Princiacutepios Baacutesicos sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da
Lei28 (doc 5) que dentre suas disposiccedilotildees determina que
ldquodevem ser tomados em consideraccedilatildeo e respeitados pelos governos
no acircmbito da legislaccedilatildeo e da praacutetica nacionais e levados ao
conhecimento dos funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei e de
outras pessoas como juiacutezes agentes do Ministeacuterio Puacuteblico
advogados membros do Executivo e do Legislativo bem como do
puacuteblico em geralrdquo
Ao se comprometer com esse documento o Estado Brasileiro compreendido por
Uniatildeo Estados e Municiacutepios natildeo pode deixar de observar suas disposiccedilotildees
Todavia mesmo conhecedor desses paracircmetros o Estado de Satildeo Paulo
por meio da PMESP no dia 13 de junho optou por descumpri-los ao encerrar uma
manifestaccedilatildeo legal e natildeo-violenta
26 Internalizado ao ordenamento juriacutedico brasileiro pelo Decreto nordm 592 de 6 de julho de 1992 27 Arts 19 21 e 25 28 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)
19
29
A violaccedilatildeo do compromisso internacional estaacute explicitada em seu Princiacutepio 12
que diz que como todos tecircm direito de participar de reuniotildees legiacutetimas e paciacuteficas de acordo com os
princiacutepios expressos na Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional de Direitos
Civis e Poliacuteticos os governos entidades e os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo reconhecer que a forccedila
e as armas de fogo soacute podem ser usadas nos termos dos Princiacutepios 13 e 14
Note-se que tais princiacutepios referem-se a grupos ilegais e violentos o que
claramente natildeo foi o caso das pessoas que estavam nas ruas exercendo seu direito de livre
expressatildeo e reuniatildeo poreacutem ainda que fosse seria inevitaacutevel se observarem os criteacuterios da
proporcionalidade e da estrita necessidade no uso da forccedila policial
Veja-se a transcriccedilatildeo dos Princiacutepios 13 e 14 do protocolo
13 Ao dispersar grupos ilegais mas natildeo-violentos os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo evitar o uso da forccedila ou quando tal natildeo for
possiacutevel deveratildeo restringir tal forccedila ao miacutenimo necessaacuterio
14 Ao dispersar grupos violentos os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute
poderatildeo fazer uso de armas de fogo quando natildeo for possiacutevel usar outros
meios menos perigosos e apenas nos termos minimamente necessaacuterios Os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei natildeo deveratildeo fazer uso de armas de
fogo em tais casos a natildeo ser nas condiccedilotildees previstas no Princiacutepio 9
29 Disponiacutevel em httpwwwvalorcombrsitesdefaultfilesimagecachemedia_library_300_197imagesprotestag_0_8_640_419jpg
20
Ora diante dos fatos eacute impossiacutevel identificar sequer um rastro de observacircncia
deste protocolo pela PMESP seja no dia 13 de junho de 2013 ou nas outras situaccedilotildees
narradas na inicial
Portanto demonstra-se que suposta manutenccedilatildeo da ordem puacuteblica no intuito de
se garantir a circulaccedilatildeo de veiacuteculos natildeo pode do ponto de vista juriacutedico interno e
internacional frustrar o direito de reuniatildeo das pessoas que se encontram em vias puacuteblicas
para exercer seu direito universal agrave liberdade de expressatildeo
ii - DA UTILIZACcedilAtildeO DE ARMAS DE FOGO COM MUNICcedilAtildeO DE ELASTOcircMERO BOMBAS DE
GAacuteS E GRANADAS DE LUZ E SOM PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO
VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS
Os relatos daqueles que participaram da manifestaccedilatildeo (doc 6) sugerem que em
vez de direcionar a marcha num suposto sentido de dispersatildeo os policiais encurralaram
milhares de pessoas num circuito de tiro com balas de borracha saturado com bombas
de gaacutes e granadas de luz e som ao longo de vaacuterias ruas da regiatildeo central Essa taacutetica policial
de encurralamento pode ser observada pelo mapa abaixo o qual explica como se deu o
trajeto realizado pela poliacutecia e manifestantes
21
22
Seacutergio Andrade da Silva de 31 anos eacute um fotoacutegrafo casado e pai de duas
crianccedilas Na noite do protesto ele saiu para trabalhar Faria fotos da marcha para uma
agecircncia de notiacutecias mas acabou horas depois internado no ldquoHospital H Olhosrdquo depois
de ter passado pelo ldquoHospital 9 de Julhordquo onde recebeu doses de morfina para controlar a
dor de duas fraturas na oacuterbita ocular resultante de accedilatildeo da Poliacutecia Militar Sergio levou
cinco pontos dentro do olho esquerdo do qual ficaria definitivamente cego
Transcreve-se abaixo trecho do relato de Sergio que mostra todo o pacircnico que
sentiu no momento da agressatildeo recebida pela PMESP (doc 6)
Fui atingido por uma bala de borracha Tenho quase 180m e a bala me
atingiu exatamente no olho [] A dor foi instantacircnea profunda terriacutevel
Todos os piores adjetivos com que vocecirc puder qualificar a dor eu senti
naquele momento Meu olho inchou rapidamente coloquei a matildeo e minha
paacutelpebra jaacute havia se fechado Muito sangue comeccedilava a cair naquele instante
e pensei lsquofiquei cego Natildeo vou mais conseguir fotografarrsquo Foi a sensaccedilatildeo
que eu tive
Outro relato mostra exatamente o desespero de um cidadatildeo que corre risco de
vida ou de ferimentos graves pela accedilatildeo da proacutepria poliacutecia que supostamente deve
promover a seguranccedila puacuteblica (doc 6)
23
Ali foi o momento mais desesperador mesmo porque natildeo conseguia
respirar achei que ia desmaiar ali comecei a ficar fraca natildeo conseguia correr
mais e fiquei um tempo ali desnorteada com todo aquele gaacutes e continuei
correndohellip Jaacute tinha perdido todo mundo e olhei para os lados estava todo
mundo correndo subindo e natildeo tinha para onde ir a natildeo ser subir a
Augusta Tinha muita gente e natildeo dava para ir raacutepido a gente ficou
encurralado Quando vi estaacutevamos entre uma parede subindo a Augusta
na frente tinha um grupo de policias da Tropa de Choque e atraacutes tambeacutem
Ali foi o momento que fomos emparedados Natildeo tinha o que fazer natildeo
dava para correr muito corriacuteamos lentamentehellip Me senti fuzilada naquele
momento a gente ficou emparedado parecia um fuzilamento no paredatildeo
Foi tudo muito raacutepido e de repente estourou uma bomba na minha frente a
princiacutepio achei que era gaacutes lacrimogecircnio eu senti todo o impacto no meu
corpo mas continuei correndo Natildeo sabia que eu havia me machucado ou
melhor que tinham me machucado naquele momento soacute tinha sentido o
impacto Eu estava com muito medo de levar bala de borracha porque eles
estavam realmente perseguindo Quando virei a direita eu continuei
ouvindo os tiros e as bombas e aquela rua estava completamente parada as
pessoas correndo entre os carros todo mundo desesperado ali E eles
continuaram correndo atraacutes da gente ndash na verdade sequer olhei para traacutes
dava para ouvir e tinha certeza absoluta que seria atingida por uma bala de
borracha Porque eles estavam muito perto perseguindo Consegui correr e
virar a direita de novo onde encontrei um estacionamento grande na Caio
Prado Ali correndo seguindo nessa rua percebi que havia um corte
profundo no meu braccedilo Eu olhei um corte muito profundo eu fiquei
muito assustada Minha reaccedilatildeo foi chorar continuar correndo Foi uma
sensaccedilatildeo de desespero muito grande mesmo Me senti em uma guerra natildeo
tinha para onde correr e com certeza seria atingida por alguma bala de
borracha ou por bombas porque eles continuavam atraacutes Nesse
estacionamento pedi para o rapaz me deixar entrar Ele falou que natildeo podia
me deixar entrar Falei ldquopor favor me deixa entrarrdquo mostrei meu braccedilo ele
se assustou e deixou entrar
24
Esta eacute a lesatildeo de que relato trata
Estes casos revelam o potencial de causar danos irreversiacuteveis que as ldquomuniccedilotildees
menos letaisrdquo como municcedilatildeo de elastocircmero em armas de fogo possuem quando utilizadas
contra oacutergatildeos vitais e a curta distacircncia
O fotoacutegrafo Seacutergio natildeo teria perdido um olho e centenas de pessoas natildeo
teriam sofrido lesotildees e corrido risco de morte se a PMESP tivesse observado
minimamente os paracircmetros internacionais para o uso da forccedila reconhecidos pela
Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas e pela Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos
O Coacutedigo de Conduta Para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo
da Lei30 (doc 4) aprovado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo 34169 de 17
de dezembro de 1979 estabelece criteacuterios para a aplicaccedilatildeo da lei na defesa da ordem
puacuteblica e a forma como essas funccedilotildees satildeo exercidas
30 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)
25
Seu artigo 3ordm dispotildee
Os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute podem empregar a
forccedila quando tal se afigure estritamente necessaacuterio e na medida
exigida para o cumprimento do seu dever
Bastaria a leitura deste artigo para verificar que os agentes de seguranccedila
independente do dever que entendiam estar cumprindo ultrapassaram (e muito) o
estritamente necessaacuterio
Ainda assim esse importante documento internacional vigente desde 1979
possui comentaacuterios interpretativos31 que permitem a melhor aplicaccedilatildeo de seus dispositivos
Veja-se o que diz o comentaacuterio do artigo 3ordm
ldquoComentaacuterio
a) Esta disposiccedilatildeo salienta que o emprego da forccedila por parte dos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deve ser excepcional
Embora admita que estes funcionaacuterios possam estar autorizados a utilizar a
forccedila na medida em que tal seja razoavelmente considerado como
necessaacuterio tendo em conta as circunstacircncias para a prevenccedilatildeo de um crime
ou para deter ou ajudar agrave detenccedilatildeo legal de delinquentes ou de suspeitos
qualquer uso da forccedila fora deste contexto natildeo eacute permitido
b) A lei nacional restringe normalmente o emprego da forccedila pelos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei de acordo com o princiacutepio
da proporcionalidade Deve-se entender que tais princiacutepios nacionais
de proporcionalidade devem ser respeitados na interpretaccedilatildeo desta
disposiccedilatildeo
A presente disposiccedilatildeo natildeo deve ser em nenhum caso interpretada no
sentido da autorizaccedilatildeo do emprego da forccedila em desproporccedilatildeo com o
legiacutetimo objetivo a atingir
c) O emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem
fazer-se todos os esforccedilos no sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de
31 Diretrizes para a efetiva implementaccedilatildeo do Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei Adotado pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU em 1986 por meio da resoluccedilatildeo nordm 198661
26
fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo utilizar-se
armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou
quando de qualquer forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja
suficientes medidas menos extremas para o dominar ou deter Cada vez que
uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as
autoridades competentesrdquo
Observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP tambeacutem natildeo respeitou as disposiccedilotildees dos
Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios
Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (Princiacutepios Baacutesicos) outra normativa no acircmbito
da ONU a qual o Brasil estaacute submetido
32
Eacute escandaloso o descompasso da atuaccedilatildeo policial com o que determina o
paraacutegrafo 5 desse importante documento Veja-se
32 Disponiacutevel em httppontoeletronicomewp-contentuploads20130613jun2013-policial-se-prepara-para-atirar-contra-manifestantes-durante-protesto-contra-o-aumento-da-tarifa-do-transporte-coletivo-realizado-pelas-ruas-da-regiao-central-de-sao-paulo-1371176850700_1920x1080jpg
27
ldquo5 Sempre que o uso legiacutetimo da forccedila e de armas de fogo for inevitaacutevel
os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
(a) Exercer moderaccedilatildeo no uso de tais recursos e agir na proporccedilatildeo da
gravidade da infraccedilatildeo e do objetivo legiacutetimo a ser alcanccedilado
(b) Minimizar danos e ferimentos e respeitar e preservar a vida humana
(c) Assegurar que qualquer indiviacuteduo ferido ou afetado receba assistecircncia e
cuidados meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel
(d) Garantir que os familiares ou amigos iacutentimos da pessoa ferida ou afetada
sejam notificados o mais depressa possiacutevel
Diante dos fatos narrados na inicial eacute possiacutevel se questionar O uso legiacutetimo da
forccedila foi inevitaacutevel Houve infraccedilatildeo grave dos manifestantes para justificar a proporccedilatildeo da
forccedila policial aplicada Houve por parte da PMESP a prestaccedilatildeo de assistecircncia e cuidados
meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel As forccedilas repressivas do Estado garantiram a imediata
notificaccedilatildeo dos feridos
A resposta eacute veementemente negativa para todas essas questotildees
Independentemente dos questionamentos acima tambeacutem natildeo eacute possiacutevel
identificar qual o objetivo legiacutetimo da atuaccedilatildeo da PMESP A proacutepria intenccedilatildeo de dispersatildeo
jaacute ofende o direito agrave reuniatildeo legalmente exercido pela manifestaccedilatildeo puacuteblica presente nos 8
casos trazidos na inicial poreacutem a PMESP foi aleacutem pois contrariou os princiacutepios 13 e 14
dos Princiacutepios Baacutesicos33 ainda que tais manifestaccedilotildees fossem consideradas ilegais e
violentas
Ora estaacute mais do que claro que a utilizaccedilatildeo de armamento de fogo com
municcedilatildeo de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral estariam
absolutamente descartadas se fossem cumpridas as normativas internacionais para
o uso da forccedila
33 A transcriccedilatildeo dos artigos 13 e 14 dos princiacutepios baacutesicos estaacute na paacutegina 16
28
Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais
mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito
internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de
proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade
Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser
sempre a uacuteltima opccedilatildeo
O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias
ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no
sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida
74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo
da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um
contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente
treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo
contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente
quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis
Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente
controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave
forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro
juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo
34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre
Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)
29
iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia
de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma
confiaacutevel36
Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees
da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da
liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX
que ora transcreve-se
Artigo XIX
Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito
inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e
transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente
de fronteiras
Artigo XX
1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas
2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo
Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre
Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem
assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o
relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de
controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto
identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees
36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
30
administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo
das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas
investigaccedilotildees
Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho
de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma
das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de
maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila
de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel
abuso da forccedila
Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas
administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em
manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente
necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de
planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso
abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo
recomendou as seguintes medidas
a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da
forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas
b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees
c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para
verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores
A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao
Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde
partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de
comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela
PMESP no dia 13 de junho de 2014
31
Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que
um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem
de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros
internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em
qualquer outra manifestaccedilatildeo popular
iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO
DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO
Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo
em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de
direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)
ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi
realizada de forma violenta e ilegal
Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem
evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De
acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude
adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia
perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois
A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de
gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a
Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como
pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era
como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e
violecircncia
Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na
direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria
Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos
os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da
Silva)
32
ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um
cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a
ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha
muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais
lanccedilavam bomba por nada para todos os lados
Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as
pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva
[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se
acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas
entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]
quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para
deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos
Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando
com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta
velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo
tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas
pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As
33
pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas
que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair
de laacute
Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o
traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato
mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da
accedilatildeo repressiva
A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava
dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na
Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []
Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente
rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais
comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como
eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para
dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no
chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador
34
Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante
recorrentes
Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um
ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial
mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua
patricinha vagabundarsquo ele me dizia
[]
Vai embora sua prostituta
A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer
seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente
sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral
Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo
Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes
puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz
que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no
35
sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo
utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer
forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou
deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades
competentes
No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de
Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma
de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de
armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal
aviso deve ser feito de forma clara e adequada
Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento
10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente
a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo
suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando
tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave
ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso
Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a
utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo
de armas de fogo
Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a
grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade
policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma
sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma
36
manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos
princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38
Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)
manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de
proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo
com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado
ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever
de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e
menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas
deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme
os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo
A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa
de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila
Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do
Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas
envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para
que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio
ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se
identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza
as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila
outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude
exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
37
[]
A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica
implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto
proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com
proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de
reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O
grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja
considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do
que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de
maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se
encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o
uso da forccedila resulta desproporcionado
Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da
aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute
internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado
internacional de direitos humanos
Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com
documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema
necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas
de seguranccedila
iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE
POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES
Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a
de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de
identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria
responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)
41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15
38
ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo
ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem
os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na
Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo
onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam
muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito
desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada
um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e
depois soltarrdquo
Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume
havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as
normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo
usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento
Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute
tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma
Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por
parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em
particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo
identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de
2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos
gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de
3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se
SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou
nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto
de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os
rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido
possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante
42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319
39
agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da
corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos
A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)
que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o
Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica
informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de
identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou
crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas
pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e
ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento
Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento
feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -
organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo
com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a
manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da
Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois
se espalharam pelo centro
Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se
determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular
Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito
interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a
atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu
Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta
manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial
em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes
policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees
O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo
em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial
40
No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado
de se identificarem previamente como tais no momento de advertir
com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a
forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua
atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees
estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e
adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se
f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de
seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas
ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever
potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim
de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no
terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e
comportamento policial
Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a
identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que
cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e
ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se
g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as
forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de
abusos ou atos de violecircncia
h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou
judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas
operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos
no curso das mesmas
41
Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos
cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013
em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos
A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou
que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem
disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes
em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que
confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns
trechos da mateacuteria
Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes
sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas
delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo
Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo
investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute
abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi
concluiacuteda e nenhum policial foi punido
A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute
os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo
processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1
de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014
Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de
Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum
policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21
policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato
Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e
tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e
ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades
43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)
42
v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS
CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES
Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do
Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa
atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute
de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila
Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em
manifestaccedilotildees futuras
Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute
imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo
temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de
confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo
Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a
negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A
proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da
Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que
Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os
governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar
atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos
especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da
forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a
compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de
persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos
destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados
da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e
procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos
43
Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um
negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se
evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se
e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves
manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes
para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e
protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de
conflito
Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na
Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos
publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72
daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue
72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no
uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a
resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das
multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como
meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45
Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de
Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia
da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se
44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf
44
38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um
verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades
policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da
manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico
Suiacuteccedila e outros paiacuteses47
Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os
documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador
civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco
de conflito social
vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa
de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na
dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila
notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas
O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar
Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre
recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo
Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem
alguns trechos
No comando do choque eu soacute recebi precircmios
47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora
45
Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe
pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de
Satildeo Paulo
ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de
protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo
A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho
quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e
pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo
foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do
centro saqueadas
Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da
Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui
ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou
A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v
Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de
dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute
o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte
ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar
seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito
negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50
Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando
preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa
policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre
expressatildeo
49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)
46
ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees
razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento
paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem
violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da
legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento
de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo
manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma
manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das
pessoasrdquo52
Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho
de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante
da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo
A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava
subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e
um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas
patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de
brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo
tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha
bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa
assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou
brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo
[]
Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos
policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles
ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar
sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E
todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado
52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas
47
do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo
para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo
[]
Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu
encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de
gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba
nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para
os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de
novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me
lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de
Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo
mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da
poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo
estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e
nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo
[]
A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes
Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a
gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem
Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o
pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes
lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila
Roosevelt
[]
O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da
Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava
que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente
ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima
tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali
natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando
bomba em cima da gente
O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da
Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e
intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso
desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a
48
agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de
Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se
ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees
policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso
indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o
membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para
proteger seus companheiros ali presentesrdquo54
Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave
determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve
permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo
administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes
vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A
ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica
do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e
internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo
puacuteblico
Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da
forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a
formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas
53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo
49
Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que
ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e
de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na
elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e
minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e
de armas de fogordquo
Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para
determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila
deveriam seguir Aqui estatildeo elas
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo
da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os
tipos de armas e municcedilotildees permitidas
(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias
apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio
(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos
injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis
(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas
de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas
armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de
armas de fogo
50
(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no
desempenho das suas funccedilotildees
Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila
e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia
da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece
as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila
Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como
aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos
agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento
dessas diretrizes
1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar
nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e
deveraacute considerar primordialmente
a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela
Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na
sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979
b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de
Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados
pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo
198961 de 24 de maio de 1989
c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo
Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o
Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto
a 7 de setembro de 1999
d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis
Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees
Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de
1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991
51
Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade
resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a
necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna
ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial
Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao
Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que
tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria
9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos
disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo
objetivamente
a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas
b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao
ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no
evento
c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo
perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento
d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees
desnecessaacuterias e risco injustificado e
e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente
de seguranccedila puacuteblica
Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do
Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de
Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que
regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees
Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se
natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como
a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de
manifestaccedilotildees e reuniotildees populares
52
Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro
miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos
que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e
sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil
6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE
DIREITOS HUMANOS
O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado
por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica
contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso
internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados
no que tange agrave dignidade humana
De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados
natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a
dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados
podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros
Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos
que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos
internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas
Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo
terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua
responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos
internacionalmente admitidos
55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf
53
Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56
apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute
um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees
como prova para outro procedimento de julgamento internacional do
Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura
ignorada
Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados
no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos
normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo
Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina
se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses
oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o
jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi
distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda
externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados
ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos
constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os
paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o
respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil
continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos
nacionalmente57
Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da
presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o
que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada
56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355
54
7) CONCLUSAtildeO
A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm
Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para
resoluccedilatildeo da presente controveacutersia
Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e
histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma
expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo
se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do
Estado de Satildeo Paulo
Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a
atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa
padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia
O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo
Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos
Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que
expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e
que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente
demanda
55
8) PEDIDO
Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como
amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae
requer-se seu recebimento como memoriais
Termos em que
Pede deferimento
Satildeo Paulo 17 de julho de 2014
Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs
OABSP 262284 OABSP 101663
Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni
OABSP 284930 OABSP 286871
Sheila Santana de Carvalho
OABSP 343588
19
29
A violaccedilatildeo do compromisso internacional estaacute explicitada em seu Princiacutepio 12
que diz que como todos tecircm direito de participar de reuniotildees legiacutetimas e paciacuteficas de acordo com os
princiacutepios expressos na Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional de Direitos
Civis e Poliacuteticos os governos entidades e os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo reconhecer que a forccedila
e as armas de fogo soacute podem ser usadas nos termos dos Princiacutepios 13 e 14
Note-se que tais princiacutepios referem-se a grupos ilegais e violentos o que
claramente natildeo foi o caso das pessoas que estavam nas ruas exercendo seu direito de livre
expressatildeo e reuniatildeo poreacutem ainda que fosse seria inevitaacutevel se observarem os criteacuterios da
proporcionalidade e da estrita necessidade no uso da forccedila policial
Veja-se a transcriccedilatildeo dos Princiacutepios 13 e 14 do protocolo
13 Ao dispersar grupos ilegais mas natildeo-violentos os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo evitar o uso da forccedila ou quando tal natildeo for
possiacutevel deveratildeo restringir tal forccedila ao miacutenimo necessaacuterio
14 Ao dispersar grupos violentos os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute
poderatildeo fazer uso de armas de fogo quando natildeo for possiacutevel usar outros
meios menos perigosos e apenas nos termos minimamente necessaacuterios Os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei natildeo deveratildeo fazer uso de armas de
fogo em tais casos a natildeo ser nas condiccedilotildees previstas no Princiacutepio 9
29 Disponiacutevel em httpwwwvalorcombrsitesdefaultfilesimagecachemedia_library_300_197imagesprotestag_0_8_640_419jpg
20
Ora diante dos fatos eacute impossiacutevel identificar sequer um rastro de observacircncia
deste protocolo pela PMESP seja no dia 13 de junho de 2013 ou nas outras situaccedilotildees
narradas na inicial
Portanto demonstra-se que suposta manutenccedilatildeo da ordem puacuteblica no intuito de
se garantir a circulaccedilatildeo de veiacuteculos natildeo pode do ponto de vista juriacutedico interno e
internacional frustrar o direito de reuniatildeo das pessoas que se encontram em vias puacuteblicas
para exercer seu direito universal agrave liberdade de expressatildeo
ii - DA UTILIZACcedilAtildeO DE ARMAS DE FOGO COM MUNICcedilAtildeO DE ELASTOcircMERO BOMBAS DE
GAacuteS E GRANADAS DE LUZ E SOM PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO
VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS
Os relatos daqueles que participaram da manifestaccedilatildeo (doc 6) sugerem que em
vez de direcionar a marcha num suposto sentido de dispersatildeo os policiais encurralaram
milhares de pessoas num circuito de tiro com balas de borracha saturado com bombas
de gaacutes e granadas de luz e som ao longo de vaacuterias ruas da regiatildeo central Essa taacutetica policial
de encurralamento pode ser observada pelo mapa abaixo o qual explica como se deu o
trajeto realizado pela poliacutecia e manifestantes
21
22
Seacutergio Andrade da Silva de 31 anos eacute um fotoacutegrafo casado e pai de duas
crianccedilas Na noite do protesto ele saiu para trabalhar Faria fotos da marcha para uma
agecircncia de notiacutecias mas acabou horas depois internado no ldquoHospital H Olhosrdquo depois
de ter passado pelo ldquoHospital 9 de Julhordquo onde recebeu doses de morfina para controlar a
dor de duas fraturas na oacuterbita ocular resultante de accedilatildeo da Poliacutecia Militar Sergio levou
cinco pontos dentro do olho esquerdo do qual ficaria definitivamente cego
Transcreve-se abaixo trecho do relato de Sergio que mostra todo o pacircnico que
sentiu no momento da agressatildeo recebida pela PMESP (doc 6)
Fui atingido por uma bala de borracha Tenho quase 180m e a bala me
atingiu exatamente no olho [] A dor foi instantacircnea profunda terriacutevel
Todos os piores adjetivos com que vocecirc puder qualificar a dor eu senti
naquele momento Meu olho inchou rapidamente coloquei a matildeo e minha
paacutelpebra jaacute havia se fechado Muito sangue comeccedilava a cair naquele instante
e pensei lsquofiquei cego Natildeo vou mais conseguir fotografarrsquo Foi a sensaccedilatildeo
que eu tive
Outro relato mostra exatamente o desespero de um cidadatildeo que corre risco de
vida ou de ferimentos graves pela accedilatildeo da proacutepria poliacutecia que supostamente deve
promover a seguranccedila puacuteblica (doc 6)
23
Ali foi o momento mais desesperador mesmo porque natildeo conseguia
respirar achei que ia desmaiar ali comecei a ficar fraca natildeo conseguia correr
mais e fiquei um tempo ali desnorteada com todo aquele gaacutes e continuei
correndohellip Jaacute tinha perdido todo mundo e olhei para os lados estava todo
mundo correndo subindo e natildeo tinha para onde ir a natildeo ser subir a
Augusta Tinha muita gente e natildeo dava para ir raacutepido a gente ficou
encurralado Quando vi estaacutevamos entre uma parede subindo a Augusta
na frente tinha um grupo de policias da Tropa de Choque e atraacutes tambeacutem
Ali foi o momento que fomos emparedados Natildeo tinha o que fazer natildeo
dava para correr muito corriacuteamos lentamentehellip Me senti fuzilada naquele
momento a gente ficou emparedado parecia um fuzilamento no paredatildeo
Foi tudo muito raacutepido e de repente estourou uma bomba na minha frente a
princiacutepio achei que era gaacutes lacrimogecircnio eu senti todo o impacto no meu
corpo mas continuei correndo Natildeo sabia que eu havia me machucado ou
melhor que tinham me machucado naquele momento soacute tinha sentido o
impacto Eu estava com muito medo de levar bala de borracha porque eles
estavam realmente perseguindo Quando virei a direita eu continuei
ouvindo os tiros e as bombas e aquela rua estava completamente parada as
pessoas correndo entre os carros todo mundo desesperado ali E eles
continuaram correndo atraacutes da gente ndash na verdade sequer olhei para traacutes
dava para ouvir e tinha certeza absoluta que seria atingida por uma bala de
borracha Porque eles estavam muito perto perseguindo Consegui correr e
virar a direita de novo onde encontrei um estacionamento grande na Caio
Prado Ali correndo seguindo nessa rua percebi que havia um corte
profundo no meu braccedilo Eu olhei um corte muito profundo eu fiquei
muito assustada Minha reaccedilatildeo foi chorar continuar correndo Foi uma
sensaccedilatildeo de desespero muito grande mesmo Me senti em uma guerra natildeo
tinha para onde correr e com certeza seria atingida por alguma bala de
borracha ou por bombas porque eles continuavam atraacutes Nesse
estacionamento pedi para o rapaz me deixar entrar Ele falou que natildeo podia
me deixar entrar Falei ldquopor favor me deixa entrarrdquo mostrei meu braccedilo ele
se assustou e deixou entrar
24
Esta eacute a lesatildeo de que relato trata
Estes casos revelam o potencial de causar danos irreversiacuteveis que as ldquomuniccedilotildees
menos letaisrdquo como municcedilatildeo de elastocircmero em armas de fogo possuem quando utilizadas
contra oacutergatildeos vitais e a curta distacircncia
O fotoacutegrafo Seacutergio natildeo teria perdido um olho e centenas de pessoas natildeo
teriam sofrido lesotildees e corrido risco de morte se a PMESP tivesse observado
minimamente os paracircmetros internacionais para o uso da forccedila reconhecidos pela
Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas e pela Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos
O Coacutedigo de Conduta Para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo
da Lei30 (doc 4) aprovado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo 34169 de 17
de dezembro de 1979 estabelece criteacuterios para a aplicaccedilatildeo da lei na defesa da ordem
puacuteblica e a forma como essas funccedilotildees satildeo exercidas
30 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)
25
Seu artigo 3ordm dispotildee
Os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute podem empregar a
forccedila quando tal se afigure estritamente necessaacuterio e na medida
exigida para o cumprimento do seu dever
Bastaria a leitura deste artigo para verificar que os agentes de seguranccedila
independente do dever que entendiam estar cumprindo ultrapassaram (e muito) o
estritamente necessaacuterio
Ainda assim esse importante documento internacional vigente desde 1979
possui comentaacuterios interpretativos31 que permitem a melhor aplicaccedilatildeo de seus dispositivos
Veja-se o que diz o comentaacuterio do artigo 3ordm
ldquoComentaacuterio
a) Esta disposiccedilatildeo salienta que o emprego da forccedila por parte dos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deve ser excepcional
Embora admita que estes funcionaacuterios possam estar autorizados a utilizar a
forccedila na medida em que tal seja razoavelmente considerado como
necessaacuterio tendo em conta as circunstacircncias para a prevenccedilatildeo de um crime
ou para deter ou ajudar agrave detenccedilatildeo legal de delinquentes ou de suspeitos
qualquer uso da forccedila fora deste contexto natildeo eacute permitido
b) A lei nacional restringe normalmente o emprego da forccedila pelos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei de acordo com o princiacutepio
da proporcionalidade Deve-se entender que tais princiacutepios nacionais
de proporcionalidade devem ser respeitados na interpretaccedilatildeo desta
disposiccedilatildeo
A presente disposiccedilatildeo natildeo deve ser em nenhum caso interpretada no
sentido da autorizaccedilatildeo do emprego da forccedila em desproporccedilatildeo com o
legiacutetimo objetivo a atingir
c) O emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem
fazer-se todos os esforccedilos no sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de
31 Diretrizes para a efetiva implementaccedilatildeo do Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei Adotado pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU em 1986 por meio da resoluccedilatildeo nordm 198661
26
fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo utilizar-se
armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou
quando de qualquer forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja
suficientes medidas menos extremas para o dominar ou deter Cada vez que
uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as
autoridades competentesrdquo
Observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP tambeacutem natildeo respeitou as disposiccedilotildees dos
Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios
Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (Princiacutepios Baacutesicos) outra normativa no acircmbito
da ONU a qual o Brasil estaacute submetido
32
Eacute escandaloso o descompasso da atuaccedilatildeo policial com o que determina o
paraacutegrafo 5 desse importante documento Veja-se
32 Disponiacutevel em httppontoeletronicomewp-contentuploads20130613jun2013-policial-se-prepara-para-atirar-contra-manifestantes-durante-protesto-contra-o-aumento-da-tarifa-do-transporte-coletivo-realizado-pelas-ruas-da-regiao-central-de-sao-paulo-1371176850700_1920x1080jpg
27
ldquo5 Sempre que o uso legiacutetimo da forccedila e de armas de fogo for inevitaacutevel
os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
(a) Exercer moderaccedilatildeo no uso de tais recursos e agir na proporccedilatildeo da
gravidade da infraccedilatildeo e do objetivo legiacutetimo a ser alcanccedilado
(b) Minimizar danos e ferimentos e respeitar e preservar a vida humana
(c) Assegurar que qualquer indiviacuteduo ferido ou afetado receba assistecircncia e
cuidados meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel
(d) Garantir que os familiares ou amigos iacutentimos da pessoa ferida ou afetada
sejam notificados o mais depressa possiacutevel
Diante dos fatos narrados na inicial eacute possiacutevel se questionar O uso legiacutetimo da
forccedila foi inevitaacutevel Houve infraccedilatildeo grave dos manifestantes para justificar a proporccedilatildeo da
forccedila policial aplicada Houve por parte da PMESP a prestaccedilatildeo de assistecircncia e cuidados
meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel As forccedilas repressivas do Estado garantiram a imediata
notificaccedilatildeo dos feridos
A resposta eacute veementemente negativa para todas essas questotildees
Independentemente dos questionamentos acima tambeacutem natildeo eacute possiacutevel
identificar qual o objetivo legiacutetimo da atuaccedilatildeo da PMESP A proacutepria intenccedilatildeo de dispersatildeo
jaacute ofende o direito agrave reuniatildeo legalmente exercido pela manifestaccedilatildeo puacuteblica presente nos 8
casos trazidos na inicial poreacutem a PMESP foi aleacutem pois contrariou os princiacutepios 13 e 14
dos Princiacutepios Baacutesicos33 ainda que tais manifestaccedilotildees fossem consideradas ilegais e
violentas
Ora estaacute mais do que claro que a utilizaccedilatildeo de armamento de fogo com
municcedilatildeo de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral estariam
absolutamente descartadas se fossem cumpridas as normativas internacionais para
o uso da forccedila
33 A transcriccedilatildeo dos artigos 13 e 14 dos princiacutepios baacutesicos estaacute na paacutegina 16
28
Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais
mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito
internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de
proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade
Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser
sempre a uacuteltima opccedilatildeo
O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias
ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no
sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida
74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo
da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um
contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente
treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo
contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente
quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis
Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente
controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave
forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro
juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo
34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre
Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)
29
iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia
de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma
confiaacutevel36
Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees
da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da
liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX
que ora transcreve-se
Artigo XIX
Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito
inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e
transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente
de fronteiras
Artigo XX
1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas
2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo
Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre
Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem
assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o
relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de
controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto
identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees
36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
30
administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo
das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas
investigaccedilotildees
Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho
de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma
das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de
maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila
de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel
abuso da forccedila
Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas
administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em
manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente
necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de
planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso
abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo
recomendou as seguintes medidas
a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da
forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas
b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees
c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para
verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores
A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao
Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde
partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de
comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela
PMESP no dia 13 de junho de 2014
31
Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que
um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem
de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros
internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em
qualquer outra manifestaccedilatildeo popular
iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO
DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO
Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo
em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de
direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)
ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi
realizada de forma violenta e ilegal
Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem
evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De
acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude
adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia
perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois
A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de
gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a
Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como
pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era
como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e
violecircncia
Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na
direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria
Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos
os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da
Silva)
32
ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um
cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a
ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha
muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais
lanccedilavam bomba por nada para todos os lados
Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as
pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva
[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se
acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas
entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]
quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para
deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos
Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando
com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta
velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo
tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas
pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As
33
pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas
que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair
de laacute
Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o
traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato
mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da
accedilatildeo repressiva
A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava
dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na
Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []
Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente
rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais
comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como
eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para
dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no
chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador
34
Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante
recorrentes
Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um
ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial
mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua
patricinha vagabundarsquo ele me dizia
[]
Vai embora sua prostituta
A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer
seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente
sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral
Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo
Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes
puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz
que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no
35
sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo
utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer
forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou
deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades
competentes
No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de
Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma
de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de
armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal
aviso deve ser feito de forma clara e adequada
Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento
10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente
a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo
suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando
tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave
ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso
Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a
utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo
de armas de fogo
Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a
grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade
policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma
sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma
36
manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos
princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38
Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)
manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de
proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo
com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado
ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever
de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e
menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas
deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme
os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo
A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa
de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila
Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do
Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas
envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para
que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio
ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se
identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza
as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila
outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude
exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
37
[]
A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica
implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto
proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com
proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de
reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O
grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja
considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do
que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de
maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se
encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o
uso da forccedila resulta desproporcionado
Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da
aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute
internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado
internacional de direitos humanos
Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com
documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema
necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas
de seguranccedila
iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE
POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES
Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a
de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de
identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria
responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)
41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15
38
ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo
ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem
os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na
Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo
onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam
muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito
desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada
um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e
depois soltarrdquo
Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume
havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as
normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo
usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento
Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute
tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma
Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por
parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em
particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo
identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de
2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos
gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de
3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se
SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou
nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto
de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os
rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido
possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante
42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319
39
agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da
corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos
A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)
que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o
Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica
informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de
identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou
crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas
pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e
ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento
Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento
feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -
organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo
com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a
manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da
Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois
se espalharam pelo centro
Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se
determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular
Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito
interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a
atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu
Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta
manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial
em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes
policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees
O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo
em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial
40
No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado
de se identificarem previamente como tais no momento de advertir
com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a
forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua
atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees
estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e
adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se
f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de
seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas
ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever
potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim
de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no
terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e
comportamento policial
Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a
identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que
cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e
ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se
g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as
forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de
abusos ou atos de violecircncia
h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou
judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas
operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos
no curso das mesmas
41
Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos
cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013
em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos
A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou
que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem
disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes
em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que
confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns
trechos da mateacuteria
Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes
sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas
delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo
Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo
investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute
abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi
concluiacuteda e nenhum policial foi punido
A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute
os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo
processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1
de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014
Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de
Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum
policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21
policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato
Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e
tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e
ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades
43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)
42
v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS
CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES
Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do
Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa
atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute
de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila
Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em
manifestaccedilotildees futuras
Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute
imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo
temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de
confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo
Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a
negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A
proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da
Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que
Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os
governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar
atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos
especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da
forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a
compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de
persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos
destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados
da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e
procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos
43
Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um
negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se
evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se
e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves
manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes
para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e
protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de
conflito
Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na
Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos
publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72
daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue
72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no
uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a
resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das
multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como
meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45
Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de
Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia
da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se
44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf
44
38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um
verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades
policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da
manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico
Suiacuteccedila e outros paiacuteses47
Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os
documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador
civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco
de conflito social
vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa
de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na
dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila
notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas
O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar
Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre
recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo
Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem
alguns trechos
No comando do choque eu soacute recebi precircmios
47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora
45
Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe
pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de
Satildeo Paulo
ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de
protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo
A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho
quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e
pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo
foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do
centro saqueadas
Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da
Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui
ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou
A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v
Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de
dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute
o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte
ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar
seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito
negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50
Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando
preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa
policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre
expressatildeo
49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)
46
ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees
razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento
paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem
violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da
legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento
de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo
manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma
manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das
pessoasrdquo52
Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho
de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante
da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo
A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava
subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e
um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas
patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de
brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo
tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha
bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa
assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou
brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo
[]
Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos
policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles
ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar
sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E
todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado
52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas
47
do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo
para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo
[]
Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu
encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de
gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba
nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para
os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de
novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me
lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de
Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo
mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da
poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo
estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e
nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo
[]
A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes
Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a
gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem
Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o
pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes
lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila
Roosevelt
[]
O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da
Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava
que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente
ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima
tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali
natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando
bomba em cima da gente
O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da
Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e
intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso
desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a
48
agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de
Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se
ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees
policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso
indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o
membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para
proteger seus companheiros ali presentesrdquo54
Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave
determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve
permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo
administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes
vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A
ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica
do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e
internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo
puacuteblico
Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da
forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a
formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas
53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo
49
Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que
ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e
de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na
elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e
minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e
de armas de fogordquo
Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para
determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila
deveriam seguir Aqui estatildeo elas
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo
da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os
tipos de armas e municcedilotildees permitidas
(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias
apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio
(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos
injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis
(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas
de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas
armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de
armas de fogo
50
(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no
desempenho das suas funccedilotildees
Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila
e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia
da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece
as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila
Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como
aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos
agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento
dessas diretrizes
1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar
nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e
deveraacute considerar primordialmente
a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela
Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na
sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979
b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de
Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados
pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo
198961 de 24 de maio de 1989
c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo
Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o
Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto
a 7 de setembro de 1999
d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis
Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees
Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de
1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991
51
Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade
resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a
necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna
ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial
Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao
Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que
tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria
9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos
disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo
objetivamente
a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas
b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao
ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no
evento
c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo
perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento
d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees
desnecessaacuterias e risco injustificado e
e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente
de seguranccedila puacuteblica
Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do
Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de
Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que
regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees
Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se
natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como
a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de
manifestaccedilotildees e reuniotildees populares
52
Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro
miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos
que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e
sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil
6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE
DIREITOS HUMANOS
O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado
por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica
contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso
internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados
no que tange agrave dignidade humana
De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados
natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a
dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados
podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros
Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos
que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos
internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas
Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo
terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua
responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos
internacionalmente admitidos
55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf
53
Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56
apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute
um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees
como prova para outro procedimento de julgamento internacional do
Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura
ignorada
Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados
no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos
normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo
Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina
se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses
oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o
jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi
distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda
externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados
ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos
constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os
paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o
respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil
continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos
nacionalmente57
Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da
presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o
que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada
56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355
54
7) CONCLUSAtildeO
A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm
Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para
resoluccedilatildeo da presente controveacutersia
Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e
histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma
expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo
se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do
Estado de Satildeo Paulo
Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a
atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa
padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia
O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo
Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos
Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que
expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e
que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente
demanda
55
8) PEDIDO
Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como
amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae
requer-se seu recebimento como memoriais
Termos em que
Pede deferimento
Satildeo Paulo 17 de julho de 2014
Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs
OABSP 262284 OABSP 101663
Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni
OABSP 284930 OABSP 286871
Sheila Santana de Carvalho
OABSP 343588
20
Ora diante dos fatos eacute impossiacutevel identificar sequer um rastro de observacircncia
deste protocolo pela PMESP seja no dia 13 de junho de 2013 ou nas outras situaccedilotildees
narradas na inicial
Portanto demonstra-se que suposta manutenccedilatildeo da ordem puacuteblica no intuito de
se garantir a circulaccedilatildeo de veiacuteculos natildeo pode do ponto de vista juriacutedico interno e
internacional frustrar o direito de reuniatildeo das pessoas que se encontram em vias puacuteblicas
para exercer seu direito universal agrave liberdade de expressatildeo
ii - DA UTILIZACcedilAtildeO DE ARMAS DE FOGO COM MUNICcedilAtildeO DE ELASTOcircMERO BOMBAS DE
GAacuteS E GRANADAS DE LUZ E SOM PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO DE SAtildeO PAULO
VIOLACcedilAtildeO DE TRATADOS E PROTOCOLOS INTERNACIONAIS
Os relatos daqueles que participaram da manifestaccedilatildeo (doc 6) sugerem que em
vez de direcionar a marcha num suposto sentido de dispersatildeo os policiais encurralaram
milhares de pessoas num circuito de tiro com balas de borracha saturado com bombas
de gaacutes e granadas de luz e som ao longo de vaacuterias ruas da regiatildeo central Essa taacutetica policial
de encurralamento pode ser observada pelo mapa abaixo o qual explica como se deu o
trajeto realizado pela poliacutecia e manifestantes
21
22
Seacutergio Andrade da Silva de 31 anos eacute um fotoacutegrafo casado e pai de duas
crianccedilas Na noite do protesto ele saiu para trabalhar Faria fotos da marcha para uma
agecircncia de notiacutecias mas acabou horas depois internado no ldquoHospital H Olhosrdquo depois
de ter passado pelo ldquoHospital 9 de Julhordquo onde recebeu doses de morfina para controlar a
dor de duas fraturas na oacuterbita ocular resultante de accedilatildeo da Poliacutecia Militar Sergio levou
cinco pontos dentro do olho esquerdo do qual ficaria definitivamente cego
Transcreve-se abaixo trecho do relato de Sergio que mostra todo o pacircnico que
sentiu no momento da agressatildeo recebida pela PMESP (doc 6)
Fui atingido por uma bala de borracha Tenho quase 180m e a bala me
atingiu exatamente no olho [] A dor foi instantacircnea profunda terriacutevel
Todos os piores adjetivos com que vocecirc puder qualificar a dor eu senti
naquele momento Meu olho inchou rapidamente coloquei a matildeo e minha
paacutelpebra jaacute havia se fechado Muito sangue comeccedilava a cair naquele instante
e pensei lsquofiquei cego Natildeo vou mais conseguir fotografarrsquo Foi a sensaccedilatildeo
que eu tive
Outro relato mostra exatamente o desespero de um cidadatildeo que corre risco de
vida ou de ferimentos graves pela accedilatildeo da proacutepria poliacutecia que supostamente deve
promover a seguranccedila puacuteblica (doc 6)
23
Ali foi o momento mais desesperador mesmo porque natildeo conseguia
respirar achei que ia desmaiar ali comecei a ficar fraca natildeo conseguia correr
mais e fiquei um tempo ali desnorteada com todo aquele gaacutes e continuei
correndohellip Jaacute tinha perdido todo mundo e olhei para os lados estava todo
mundo correndo subindo e natildeo tinha para onde ir a natildeo ser subir a
Augusta Tinha muita gente e natildeo dava para ir raacutepido a gente ficou
encurralado Quando vi estaacutevamos entre uma parede subindo a Augusta
na frente tinha um grupo de policias da Tropa de Choque e atraacutes tambeacutem
Ali foi o momento que fomos emparedados Natildeo tinha o que fazer natildeo
dava para correr muito corriacuteamos lentamentehellip Me senti fuzilada naquele
momento a gente ficou emparedado parecia um fuzilamento no paredatildeo
Foi tudo muito raacutepido e de repente estourou uma bomba na minha frente a
princiacutepio achei que era gaacutes lacrimogecircnio eu senti todo o impacto no meu
corpo mas continuei correndo Natildeo sabia que eu havia me machucado ou
melhor que tinham me machucado naquele momento soacute tinha sentido o
impacto Eu estava com muito medo de levar bala de borracha porque eles
estavam realmente perseguindo Quando virei a direita eu continuei
ouvindo os tiros e as bombas e aquela rua estava completamente parada as
pessoas correndo entre os carros todo mundo desesperado ali E eles
continuaram correndo atraacutes da gente ndash na verdade sequer olhei para traacutes
dava para ouvir e tinha certeza absoluta que seria atingida por uma bala de
borracha Porque eles estavam muito perto perseguindo Consegui correr e
virar a direita de novo onde encontrei um estacionamento grande na Caio
Prado Ali correndo seguindo nessa rua percebi que havia um corte
profundo no meu braccedilo Eu olhei um corte muito profundo eu fiquei
muito assustada Minha reaccedilatildeo foi chorar continuar correndo Foi uma
sensaccedilatildeo de desespero muito grande mesmo Me senti em uma guerra natildeo
tinha para onde correr e com certeza seria atingida por alguma bala de
borracha ou por bombas porque eles continuavam atraacutes Nesse
estacionamento pedi para o rapaz me deixar entrar Ele falou que natildeo podia
me deixar entrar Falei ldquopor favor me deixa entrarrdquo mostrei meu braccedilo ele
se assustou e deixou entrar
24
Esta eacute a lesatildeo de que relato trata
Estes casos revelam o potencial de causar danos irreversiacuteveis que as ldquomuniccedilotildees
menos letaisrdquo como municcedilatildeo de elastocircmero em armas de fogo possuem quando utilizadas
contra oacutergatildeos vitais e a curta distacircncia
O fotoacutegrafo Seacutergio natildeo teria perdido um olho e centenas de pessoas natildeo
teriam sofrido lesotildees e corrido risco de morte se a PMESP tivesse observado
minimamente os paracircmetros internacionais para o uso da forccedila reconhecidos pela
Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas e pela Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos
O Coacutedigo de Conduta Para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo
da Lei30 (doc 4) aprovado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo 34169 de 17
de dezembro de 1979 estabelece criteacuterios para a aplicaccedilatildeo da lei na defesa da ordem
puacuteblica e a forma como essas funccedilotildees satildeo exercidas
30 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)
25
Seu artigo 3ordm dispotildee
Os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute podem empregar a
forccedila quando tal se afigure estritamente necessaacuterio e na medida
exigida para o cumprimento do seu dever
Bastaria a leitura deste artigo para verificar que os agentes de seguranccedila
independente do dever que entendiam estar cumprindo ultrapassaram (e muito) o
estritamente necessaacuterio
Ainda assim esse importante documento internacional vigente desde 1979
possui comentaacuterios interpretativos31 que permitem a melhor aplicaccedilatildeo de seus dispositivos
Veja-se o que diz o comentaacuterio do artigo 3ordm
ldquoComentaacuterio
a) Esta disposiccedilatildeo salienta que o emprego da forccedila por parte dos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deve ser excepcional
Embora admita que estes funcionaacuterios possam estar autorizados a utilizar a
forccedila na medida em que tal seja razoavelmente considerado como
necessaacuterio tendo em conta as circunstacircncias para a prevenccedilatildeo de um crime
ou para deter ou ajudar agrave detenccedilatildeo legal de delinquentes ou de suspeitos
qualquer uso da forccedila fora deste contexto natildeo eacute permitido
b) A lei nacional restringe normalmente o emprego da forccedila pelos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei de acordo com o princiacutepio
da proporcionalidade Deve-se entender que tais princiacutepios nacionais
de proporcionalidade devem ser respeitados na interpretaccedilatildeo desta
disposiccedilatildeo
A presente disposiccedilatildeo natildeo deve ser em nenhum caso interpretada no
sentido da autorizaccedilatildeo do emprego da forccedila em desproporccedilatildeo com o
legiacutetimo objetivo a atingir
c) O emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem
fazer-se todos os esforccedilos no sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de
31 Diretrizes para a efetiva implementaccedilatildeo do Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei Adotado pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU em 1986 por meio da resoluccedilatildeo nordm 198661
26
fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo utilizar-se
armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou
quando de qualquer forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja
suficientes medidas menos extremas para o dominar ou deter Cada vez que
uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as
autoridades competentesrdquo
Observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP tambeacutem natildeo respeitou as disposiccedilotildees dos
Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios
Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (Princiacutepios Baacutesicos) outra normativa no acircmbito
da ONU a qual o Brasil estaacute submetido
32
Eacute escandaloso o descompasso da atuaccedilatildeo policial com o que determina o
paraacutegrafo 5 desse importante documento Veja-se
32 Disponiacutevel em httppontoeletronicomewp-contentuploads20130613jun2013-policial-se-prepara-para-atirar-contra-manifestantes-durante-protesto-contra-o-aumento-da-tarifa-do-transporte-coletivo-realizado-pelas-ruas-da-regiao-central-de-sao-paulo-1371176850700_1920x1080jpg
27
ldquo5 Sempre que o uso legiacutetimo da forccedila e de armas de fogo for inevitaacutevel
os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
(a) Exercer moderaccedilatildeo no uso de tais recursos e agir na proporccedilatildeo da
gravidade da infraccedilatildeo e do objetivo legiacutetimo a ser alcanccedilado
(b) Minimizar danos e ferimentos e respeitar e preservar a vida humana
(c) Assegurar que qualquer indiviacuteduo ferido ou afetado receba assistecircncia e
cuidados meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel
(d) Garantir que os familiares ou amigos iacutentimos da pessoa ferida ou afetada
sejam notificados o mais depressa possiacutevel
Diante dos fatos narrados na inicial eacute possiacutevel se questionar O uso legiacutetimo da
forccedila foi inevitaacutevel Houve infraccedilatildeo grave dos manifestantes para justificar a proporccedilatildeo da
forccedila policial aplicada Houve por parte da PMESP a prestaccedilatildeo de assistecircncia e cuidados
meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel As forccedilas repressivas do Estado garantiram a imediata
notificaccedilatildeo dos feridos
A resposta eacute veementemente negativa para todas essas questotildees
Independentemente dos questionamentos acima tambeacutem natildeo eacute possiacutevel
identificar qual o objetivo legiacutetimo da atuaccedilatildeo da PMESP A proacutepria intenccedilatildeo de dispersatildeo
jaacute ofende o direito agrave reuniatildeo legalmente exercido pela manifestaccedilatildeo puacuteblica presente nos 8
casos trazidos na inicial poreacutem a PMESP foi aleacutem pois contrariou os princiacutepios 13 e 14
dos Princiacutepios Baacutesicos33 ainda que tais manifestaccedilotildees fossem consideradas ilegais e
violentas
Ora estaacute mais do que claro que a utilizaccedilatildeo de armamento de fogo com
municcedilatildeo de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral estariam
absolutamente descartadas se fossem cumpridas as normativas internacionais para
o uso da forccedila
33 A transcriccedilatildeo dos artigos 13 e 14 dos princiacutepios baacutesicos estaacute na paacutegina 16
28
Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais
mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito
internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de
proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade
Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser
sempre a uacuteltima opccedilatildeo
O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias
ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no
sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida
74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo
da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um
contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente
treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo
contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente
quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis
Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente
controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave
forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro
juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo
34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre
Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)
29
iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia
de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma
confiaacutevel36
Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees
da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da
liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX
que ora transcreve-se
Artigo XIX
Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito
inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e
transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente
de fronteiras
Artigo XX
1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas
2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo
Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre
Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem
assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o
relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de
controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto
identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees
36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
30
administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo
das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas
investigaccedilotildees
Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho
de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma
das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de
maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila
de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel
abuso da forccedila
Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas
administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em
manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente
necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de
planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso
abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo
recomendou as seguintes medidas
a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da
forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas
b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees
c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para
verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores
A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao
Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde
partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de
comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela
PMESP no dia 13 de junho de 2014
31
Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que
um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem
de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros
internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em
qualquer outra manifestaccedilatildeo popular
iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO
DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO
Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo
em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de
direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)
ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi
realizada de forma violenta e ilegal
Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem
evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De
acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude
adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia
perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois
A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de
gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a
Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como
pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era
como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e
violecircncia
Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na
direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria
Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos
os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da
Silva)
32
ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um
cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a
ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha
muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais
lanccedilavam bomba por nada para todos os lados
Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as
pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva
[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se
acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas
entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]
quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para
deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos
Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando
com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta
velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo
tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas
pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As
33
pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas
que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair
de laacute
Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o
traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato
mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da
accedilatildeo repressiva
A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava
dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na
Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []
Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente
rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais
comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como
eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para
dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no
chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador
34
Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante
recorrentes
Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um
ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial
mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua
patricinha vagabundarsquo ele me dizia
[]
Vai embora sua prostituta
A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer
seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente
sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral
Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo
Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes
puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz
que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no
35
sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo
utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer
forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou
deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades
competentes
No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de
Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma
de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de
armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal
aviso deve ser feito de forma clara e adequada
Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento
10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente
a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo
suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando
tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave
ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso
Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a
utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo
de armas de fogo
Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a
grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade
policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma
sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma
36
manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos
princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38
Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)
manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de
proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo
com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado
ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever
de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e
menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas
deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme
os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo
A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa
de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila
Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do
Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas
envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para
que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio
ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se
identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza
as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila
outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude
exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
37
[]
A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica
implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto
proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com
proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de
reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O
grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja
considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do
que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de
maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se
encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o
uso da forccedila resulta desproporcionado
Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da
aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute
internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado
internacional de direitos humanos
Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com
documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema
necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas
de seguranccedila
iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE
POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES
Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a
de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de
identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria
responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)
41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15
38
ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo
ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem
os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na
Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo
onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam
muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito
desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada
um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e
depois soltarrdquo
Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume
havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as
normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo
usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento
Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute
tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma
Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por
parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em
particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo
identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de
2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos
gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de
3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se
SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou
nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto
de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os
rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido
possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante
42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319
39
agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da
corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos
A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)
que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o
Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica
informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de
identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou
crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas
pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e
ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento
Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento
feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -
organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo
com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a
manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da
Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois
se espalharam pelo centro
Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se
determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular
Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito
interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a
atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu
Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta
manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial
em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes
policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees
O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo
em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial
40
No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado
de se identificarem previamente como tais no momento de advertir
com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a
forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua
atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees
estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e
adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se
f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de
seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas
ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever
potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim
de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no
terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e
comportamento policial
Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a
identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que
cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e
ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se
g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as
forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de
abusos ou atos de violecircncia
h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou
judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas
operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos
no curso das mesmas
41
Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos
cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013
em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos
A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou
que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem
disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes
em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que
confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns
trechos da mateacuteria
Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes
sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas
delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo
Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo
investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute
abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi
concluiacuteda e nenhum policial foi punido
A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute
os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo
processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1
de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014
Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de
Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum
policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21
policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato
Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e
tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e
ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades
43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)
42
v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS
CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES
Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do
Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa
atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute
de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila
Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em
manifestaccedilotildees futuras
Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute
imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo
temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de
confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo
Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a
negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A
proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da
Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que
Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os
governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar
atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos
especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da
forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a
compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de
persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos
destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados
da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e
procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos
43
Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um
negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se
evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se
e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves
manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes
para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e
protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de
conflito
Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na
Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos
publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72
daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue
72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no
uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a
resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das
multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como
meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45
Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de
Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia
da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se
44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf
44
38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um
verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades
policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da
manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico
Suiacuteccedila e outros paiacuteses47
Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os
documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador
civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco
de conflito social
vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa
de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na
dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila
notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas
O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar
Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre
recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo
Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem
alguns trechos
No comando do choque eu soacute recebi precircmios
47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora
45
Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe
pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de
Satildeo Paulo
ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de
protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo
A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho
quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e
pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo
foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do
centro saqueadas
Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da
Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui
ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou
A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v
Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de
dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute
o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte
ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar
seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito
negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50
Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando
preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa
policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre
expressatildeo
49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)
46
ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees
razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento
paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem
violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da
legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento
de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo
manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma
manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das
pessoasrdquo52
Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho
de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante
da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo
A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava
subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e
um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas
patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de
brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo
tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha
bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa
assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou
brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo
[]
Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos
policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles
ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar
sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E
todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado
52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas
47
do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo
para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo
[]
Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu
encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de
gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba
nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para
os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de
novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me
lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de
Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo
mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da
poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo
estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e
nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo
[]
A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes
Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a
gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem
Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o
pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes
lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila
Roosevelt
[]
O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da
Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava
que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente
ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima
tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali
natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando
bomba em cima da gente
O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da
Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e
intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso
desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a
48
agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de
Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se
ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees
policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso
indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o
membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para
proteger seus companheiros ali presentesrdquo54
Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave
determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve
permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo
administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes
vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A
ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica
do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e
internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo
puacuteblico
Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da
forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a
formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas
53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo
49
Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que
ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e
de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na
elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e
minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e
de armas de fogordquo
Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para
determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila
deveriam seguir Aqui estatildeo elas
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo
da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os
tipos de armas e municcedilotildees permitidas
(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias
apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio
(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos
injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis
(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas
de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas
armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de
armas de fogo
50
(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no
desempenho das suas funccedilotildees
Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila
e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia
da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece
as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila
Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como
aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos
agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento
dessas diretrizes
1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar
nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e
deveraacute considerar primordialmente
a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela
Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na
sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979
b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de
Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados
pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo
198961 de 24 de maio de 1989
c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo
Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o
Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto
a 7 de setembro de 1999
d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis
Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees
Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de
1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991
51
Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade
resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a
necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna
ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial
Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao
Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que
tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria
9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos
disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo
objetivamente
a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas
b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao
ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no
evento
c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo
perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento
d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees
desnecessaacuterias e risco injustificado e
e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente
de seguranccedila puacuteblica
Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do
Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de
Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que
regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees
Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se
natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como
a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de
manifestaccedilotildees e reuniotildees populares
52
Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro
miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos
que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e
sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil
6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE
DIREITOS HUMANOS
O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado
por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica
contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso
internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados
no que tange agrave dignidade humana
De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados
natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a
dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados
podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros
Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos
que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos
internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas
Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo
terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua
responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos
internacionalmente admitidos
55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf
53
Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56
apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute
um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees
como prova para outro procedimento de julgamento internacional do
Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura
ignorada
Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados
no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos
normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo
Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina
se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses
oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o
jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi
distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda
externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados
ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos
constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os
paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o
respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil
continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos
nacionalmente57
Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da
presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o
que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada
56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355
54
7) CONCLUSAtildeO
A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm
Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para
resoluccedilatildeo da presente controveacutersia
Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e
histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma
expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo
se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do
Estado de Satildeo Paulo
Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a
atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa
padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia
O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo
Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos
Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que
expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e
que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente
demanda
55
8) PEDIDO
Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como
amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae
requer-se seu recebimento como memoriais
Termos em que
Pede deferimento
Satildeo Paulo 17 de julho de 2014
Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs
OABSP 262284 OABSP 101663
Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni
OABSP 284930 OABSP 286871
Sheila Santana de Carvalho
OABSP 343588
21
22
Seacutergio Andrade da Silva de 31 anos eacute um fotoacutegrafo casado e pai de duas
crianccedilas Na noite do protesto ele saiu para trabalhar Faria fotos da marcha para uma
agecircncia de notiacutecias mas acabou horas depois internado no ldquoHospital H Olhosrdquo depois
de ter passado pelo ldquoHospital 9 de Julhordquo onde recebeu doses de morfina para controlar a
dor de duas fraturas na oacuterbita ocular resultante de accedilatildeo da Poliacutecia Militar Sergio levou
cinco pontos dentro do olho esquerdo do qual ficaria definitivamente cego
Transcreve-se abaixo trecho do relato de Sergio que mostra todo o pacircnico que
sentiu no momento da agressatildeo recebida pela PMESP (doc 6)
Fui atingido por uma bala de borracha Tenho quase 180m e a bala me
atingiu exatamente no olho [] A dor foi instantacircnea profunda terriacutevel
Todos os piores adjetivos com que vocecirc puder qualificar a dor eu senti
naquele momento Meu olho inchou rapidamente coloquei a matildeo e minha
paacutelpebra jaacute havia se fechado Muito sangue comeccedilava a cair naquele instante
e pensei lsquofiquei cego Natildeo vou mais conseguir fotografarrsquo Foi a sensaccedilatildeo
que eu tive
Outro relato mostra exatamente o desespero de um cidadatildeo que corre risco de
vida ou de ferimentos graves pela accedilatildeo da proacutepria poliacutecia que supostamente deve
promover a seguranccedila puacuteblica (doc 6)
23
Ali foi o momento mais desesperador mesmo porque natildeo conseguia
respirar achei que ia desmaiar ali comecei a ficar fraca natildeo conseguia correr
mais e fiquei um tempo ali desnorteada com todo aquele gaacutes e continuei
correndohellip Jaacute tinha perdido todo mundo e olhei para os lados estava todo
mundo correndo subindo e natildeo tinha para onde ir a natildeo ser subir a
Augusta Tinha muita gente e natildeo dava para ir raacutepido a gente ficou
encurralado Quando vi estaacutevamos entre uma parede subindo a Augusta
na frente tinha um grupo de policias da Tropa de Choque e atraacutes tambeacutem
Ali foi o momento que fomos emparedados Natildeo tinha o que fazer natildeo
dava para correr muito corriacuteamos lentamentehellip Me senti fuzilada naquele
momento a gente ficou emparedado parecia um fuzilamento no paredatildeo
Foi tudo muito raacutepido e de repente estourou uma bomba na minha frente a
princiacutepio achei que era gaacutes lacrimogecircnio eu senti todo o impacto no meu
corpo mas continuei correndo Natildeo sabia que eu havia me machucado ou
melhor que tinham me machucado naquele momento soacute tinha sentido o
impacto Eu estava com muito medo de levar bala de borracha porque eles
estavam realmente perseguindo Quando virei a direita eu continuei
ouvindo os tiros e as bombas e aquela rua estava completamente parada as
pessoas correndo entre os carros todo mundo desesperado ali E eles
continuaram correndo atraacutes da gente ndash na verdade sequer olhei para traacutes
dava para ouvir e tinha certeza absoluta que seria atingida por uma bala de
borracha Porque eles estavam muito perto perseguindo Consegui correr e
virar a direita de novo onde encontrei um estacionamento grande na Caio
Prado Ali correndo seguindo nessa rua percebi que havia um corte
profundo no meu braccedilo Eu olhei um corte muito profundo eu fiquei
muito assustada Minha reaccedilatildeo foi chorar continuar correndo Foi uma
sensaccedilatildeo de desespero muito grande mesmo Me senti em uma guerra natildeo
tinha para onde correr e com certeza seria atingida por alguma bala de
borracha ou por bombas porque eles continuavam atraacutes Nesse
estacionamento pedi para o rapaz me deixar entrar Ele falou que natildeo podia
me deixar entrar Falei ldquopor favor me deixa entrarrdquo mostrei meu braccedilo ele
se assustou e deixou entrar
24
Esta eacute a lesatildeo de que relato trata
Estes casos revelam o potencial de causar danos irreversiacuteveis que as ldquomuniccedilotildees
menos letaisrdquo como municcedilatildeo de elastocircmero em armas de fogo possuem quando utilizadas
contra oacutergatildeos vitais e a curta distacircncia
O fotoacutegrafo Seacutergio natildeo teria perdido um olho e centenas de pessoas natildeo
teriam sofrido lesotildees e corrido risco de morte se a PMESP tivesse observado
minimamente os paracircmetros internacionais para o uso da forccedila reconhecidos pela
Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas e pela Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos
O Coacutedigo de Conduta Para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo
da Lei30 (doc 4) aprovado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo 34169 de 17
de dezembro de 1979 estabelece criteacuterios para a aplicaccedilatildeo da lei na defesa da ordem
puacuteblica e a forma como essas funccedilotildees satildeo exercidas
30 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)
25
Seu artigo 3ordm dispotildee
Os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute podem empregar a
forccedila quando tal se afigure estritamente necessaacuterio e na medida
exigida para o cumprimento do seu dever
Bastaria a leitura deste artigo para verificar que os agentes de seguranccedila
independente do dever que entendiam estar cumprindo ultrapassaram (e muito) o
estritamente necessaacuterio
Ainda assim esse importante documento internacional vigente desde 1979
possui comentaacuterios interpretativos31 que permitem a melhor aplicaccedilatildeo de seus dispositivos
Veja-se o que diz o comentaacuterio do artigo 3ordm
ldquoComentaacuterio
a) Esta disposiccedilatildeo salienta que o emprego da forccedila por parte dos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deve ser excepcional
Embora admita que estes funcionaacuterios possam estar autorizados a utilizar a
forccedila na medida em que tal seja razoavelmente considerado como
necessaacuterio tendo em conta as circunstacircncias para a prevenccedilatildeo de um crime
ou para deter ou ajudar agrave detenccedilatildeo legal de delinquentes ou de suspeitos
qualquer uso da forccedila fora deste contexto natildeo eacute permitido
b) A lei nacional restringe normalmente o emprego da forccedila pelos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei de acordo com o princiacutepio
da proporcionalidade Deve-se entender que tais princiacutepios nacionais
de proporcionalidade devem ser respeitados na interpretaccedilatildeo desta
disposiccedilatildeo
A presente disposiccedilatildeo natildeo deve ser em nenhum caso interpretada no
sentido da autorizaccedilatildeo do emprego da forccedila em desproporccedilatildeo com o
legiacutetimo objetivo a atingir
c) O emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem
fazer-se todos os esforccedilos no sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de
31 Diretrizes para a efetiva implementaccedilatildeo do Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei Adotado pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU em 1986 por meio da resoluccedilatildeo nordm 198661
26
fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo utilizar-se
armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou
quando de qualquer forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja
suficientes medidas menos extremas para o dominar ou deter Cada vez que
uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as
autoridades competentesrdquo
Observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP tambeacutem natildeo respeitou as disposiccedilotildees dos
Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios
Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (Princiacutepios Baacutesicos) outra normativa no acircmbito
da ONU a qual o Brasil estaacute submetido
32
Eacute escandaloso o descompasso da atuaccedilatildeo policial com o que determina o
paraacutegrafo 5 desse importante documento Veja-se
32 Disponiacutevel em httppontoeletronicomewp-contentuploads20130613jun2013-policial-se-prepara-para-atirar-contra-manifestantes-durante-protesto-contra-o-aumento-da-tarifa-do-transporte-coletivo-realizado-pelas-ruas-da-regiao-central-de-sao-paulo-1371176850700_1920x1080jpg
27
ldquo5 Sempre que o uso legiacutetimo da forccedila e de armas de fogo for inevitaacutevel
os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
(a) Exercer moderaccedilatildeo no uso de tais recursos e agir na proporccedilatildeo da
gravidade da infraccedilatildeo e do objetivo legiacutetimo a ser alcanccedilado
(b) Minimizar danos e ferimentos e respeitar e preservar a vida humana
(c) Assegurar que qualquer indiviacuteduo ferido ou afetado receba assistecircncia e
cuidados meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel
(d) Garantir que os familiares ou amigos iacutentimos da pessoa ferida ou afetada
sejam notificados o mais depressa possiacutevel
Diante dos fatos narrados na inicial eacute possiacutevel se questionar O uso legiacutetimo da
forccedila foi inevitaacutevel Houve infraccedilatildeo grave dos manifestantes para justificar a proporccedilatildeo da
forccedila policial aplicada Houve por parte da PMESP a prestaccedilatildeo de assistecircncia e cuidados
meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel As forccedilas repressivas do Estado garantiram a imediata
notificaccedilatildeo dos feridos
A resposta eacute veementemente negativa para todas essas questotildees
Independentemente dos questionamentos acima tambeacutem natildeo eacute possiacutevel
identificar qual o objetivo legiacutetimo da atuaccedilatildeo da PMESP A proacutepria intenccedilatildeo de dispersatildeo
jaacute ofende o direito agrave reuniatildeo legalmente exercido pela manifestaccedilatildeo puacuteblica presente nos 8
casos trazidos na inicial poreacutem a PMESP foi aleacutem pois contrariou os princiacutepios 13 e 14
dos Princiacutepios Baacutesicos33 ainda que tais manifestaccedilotildees fossem consideradas ilegais e
violentas
Ora estaacute mais do que claro que a utilizaccedilatildeo de armamento de fogo com
municcedilatildeo de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral estariam
absolutamente descartadas se fossem cumpridas as normativas internacionais para
o uso da forccedila
33 A transcriccedilatildeo dos artigos 13 e 14 dos princiacutepios baacutesicos estaacute na paacutegina 16
28
Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais
mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito
internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de
proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade
Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser
sempre a uacuteltima opccedilatildeo
O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias
ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no
sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida
74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo
da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um
contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente
treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo
contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente
quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis
Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente
controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave
forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro
juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo
34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre
Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)
29
iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia
de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma
confiaacutevel36
Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees
da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da
liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX
que ora transcreve-se
Artigo XIX
Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito
inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e
transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente
de fronteiras
Artigo XX
1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas
2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo
Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre
Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem
assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o
relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de
controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto
identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees
36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
30
administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo
das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas
investigaccedilotildees
Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho
de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma
das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de
maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila
de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel
abuso da forccedila
Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas
administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em
manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente
necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de
planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso
abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo
recomendou as seguintes medidas
a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da
forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas
b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees
c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para
verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores
A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao
Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde
partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de
comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela
PMESP no dia 13 de junho de 2014
31
Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que
um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem
de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros
internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em
qualquer outra manifestaccedilatildeo popular
iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO
DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO
Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo
em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de
direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)
ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi
realizada de forma violenta e ilegal
Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem
evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De
acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude
adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia
perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois
A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de
gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a
Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como
pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era
como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e
violecircncia
Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na
direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria
Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos
os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da
Silva)
32
ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um
cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a
ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha
muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais
lanccedilavam bomba por nada para todos os lados
Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as
pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva
[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se
acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas
entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]
quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para
deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos
Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando
com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta
velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo
tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas
pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As
33
pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas
que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair
de laacute
Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o
traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato
mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da
accedilatildeo repressiva
A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava
dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na
Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []
Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente
rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais
comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como
eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para
dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no
chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador
34
Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante
recorrentes
Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um
ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial
mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua
patricinha vagabundarsquo ele me dizia
[]
Vai embora sua prostituta
A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer
seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente
sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral
Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo
Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes
puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz
que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no
35
sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo
utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer
forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou
deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades
competentes
No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de
Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma
de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de
armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal
aviso deve ser feito de forma clara e adequada
Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento
10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente
a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo
suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando
tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave
ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso
Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a
utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo
de armas de fogo
Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a
grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade
policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma
sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma
36
manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos
princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38
Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)
manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de
proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo
com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado
ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever
de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e
menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas
deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme
os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo
A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa
de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila
Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do
Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas
envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para
que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio
ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se
identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza
as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila
outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude
exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
37
[]
A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica
implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto
proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com
proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de
reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O
grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja
considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do
que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de
maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se
encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o
uso da forccedila resulta desproporcionado
Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da
aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute
internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado
internacional de direitos humanos
Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com
documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema
necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas
de seguranccedila
iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE
POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES
Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a
de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de
identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria
responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)
41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15
38
ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo
ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem
os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na
Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo
onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam
muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito
desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada
um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e
depois soltarrdquo
Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume
havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as
normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo
usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento
Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute
tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma
Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por
parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em
particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo
identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de
2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos
gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de
3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se
SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou
nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto
de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os
rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido
possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante
42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319
39
agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da
corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos
A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)
que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o
Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica
informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de
identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou
crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas
pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e
ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento
Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento
feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -
organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo
com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a
manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da
Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois
se espalharam pelo centro
Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se
determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular
Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito
interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a
atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu
Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta
manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial
em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes
policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees
O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo
em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial
40
No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado
de se identificarem previamente como tais no momento de advertir
com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a
forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua
atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees
estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e
adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se
f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de
seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas
ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever
potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim
de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no
terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e
comportamento policial
Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a
identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que
cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e
ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se
g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as
forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de
abusos ou atos de violecircncia
h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou
judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas
operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos
no curso das mesmas
41
Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos
cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013
em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos
A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou
que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem
disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes
em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que
confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns
trechos da mateacuteria
Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes
sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas
delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo
Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo
investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute
abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi
concluiacuteda e nenhum policial foi punido
A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute
os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo
processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1
de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014
Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de
Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum
policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21
policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato
Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e
tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e
ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades
43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)
42
v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS
CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES
Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do
Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa
atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute
de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila
Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em
manifestaccedilotildees futuras
Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute
imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo
temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de
confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo
Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a
negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A
proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da
Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que
Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os
governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar
atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos
especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da
forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a
compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de
persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos
destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados
da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e
procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos
43
Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um
negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se
evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se
e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves
manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes
para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e
protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de
conflito
Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na
Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos
publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72
daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue
72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no
uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a
resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das
multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como
meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45
Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de
Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia
da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se
44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf
44
38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um
verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades
policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da
manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico
Suiacuteccedila e outros paiacuteses47
Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os
documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador
civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco
de conflito social
vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa
de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na
dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila
notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas
O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar
Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre
recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo
Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem
alguns trechos
No comando do choque eu soacute recebi precircmios
47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora
45
Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe
pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de
Satildeo Paulo
ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de
protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo
A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho
quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e
pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo
foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do
centro saqueadas
Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da
Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui
ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou
A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v
Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de
dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute
o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte
ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar
seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito
negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50
Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando
preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa
policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre
expressatildeo
49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)
46
ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees
razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento
paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem
violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da
legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento
de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo
manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma
manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das
pessoasrdquo52
Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho
de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante
da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo
A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava
subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e
um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas
patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de
brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo
tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha
bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa
assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou
brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo
[]
Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos
policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles
ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar
sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E
todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado
52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas
47
do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo
para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo
[]
Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu
encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de
gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba
nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para
os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de
novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me
lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de
Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo
mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da
poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo
estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e
nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo
[]
A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes
Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a
gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem
Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o
pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes
lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila
Roosevelt
[]
O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da
Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava
que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente
ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima
tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali
natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando
bomba em cima da gente
O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da
Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e
intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso
desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a
48
agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de
Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se
ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees
policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso
indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o
membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para
proteger seus companheiros ali presentesrdquo54
Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave
determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve
permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo
administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes
vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A
ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica
do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e
internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo
puacuteblico
Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da
forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a
formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas
53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo
49
Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que
ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e
de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na
elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e
minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e
de armas de fogordquo
Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para
determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila
deveriam seguir Aqui estatildeo elas
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo
da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os
tipos de armas e municcedilotildees permitidas
(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias
apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio
(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos
injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis
(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas
de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas
armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de
armas de fogo
50
(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no
desempenho das suas funccedilotildees
Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila
e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia
da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece
as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila
Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como
aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos
agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento
dessas diretrizes
1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar
nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e
deveraacute considerar primordialmente
a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela
Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na
sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979
b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de
Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados
pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo
198961 de 24 de maio de 1989
c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo
Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o
Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto
a 7 de setembro de 1999
d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis
Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees
Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de
1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991
51
Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade
resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a
necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna
ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial
Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao
Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que
tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria
9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos
disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo
objetivamente
a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas
b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao
ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no
evento
c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo
perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento
d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees
desnecessaacuterias e risco injustificado e
e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente
de seguranccedila puacuteblica
Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do
Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de
Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que
regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees
Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se
natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como
a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de
manifestaccedilotildees e reuniotildees populares
52
Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro
miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos
que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e
sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil
6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE
DIREITOS HUMANOS
O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado
por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica
contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso
internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados
no que tange agrave dignidade humana
De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados
natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a
dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados
podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros
Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos
que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos
internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas
Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo
terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua
responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos
internacionalmente admitidos
55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf
53
Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56
apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute
um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees
como prova para outro procedimento de julgamento internacional do
Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura
ignorada
Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados
no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos
normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo
Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina
se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses
oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o
jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi
distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda
externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados
ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos
constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os
paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o
respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil
continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos
nacionalmente57
Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da
presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o
que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada
56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355
54
7) CONCLUSAtildeO
A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm
Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para
resoluccedilatildeo da presente controveacutersia
Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e
histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma
expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo
se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do
Estado de Satildeo Paulo
Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a
atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa
padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia
O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo
Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos
Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que
expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e
que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente
demanda
55
8) PEDIDO
Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como
amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae
requer-se seu recebimento como memoriais
Termos em que
Pede deferimento
Satildeo Paulo 17 de julho de 2014
Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs
OABSP 262284 OABSP 101663
Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni
OABSP 284930 OABSP 286871
Sheila Santana de Carvalho
OABSP 343588
22
Seacutergio Andrade da Silva de 31 anos eacute um fotoacutegrafo casado e pai de duas
crianccedilas Na noite do protesto ele saiu para trabalhar Faria fotos da marcha para uma
agecircncia de notiacutecias mas acabou horas depois internado no ldquoHospital H Olhosrdquo depois
de ter passado pelo ldquoHospital 9 de Julhordquo onde recebeu doses de morfina para controlar a
dor de duas fraturas na oacuterbita ocular resultante de accedilatildeo da Poliacutecia Militar Sergio levou
cinco pontos dentro do olho esquerdo do qual ficaria definitivamente cego
Transcreve-se abaixo trecho do relato de Sergio que mostra todo o pacircnico que
sentiu no momento da agressatildeo recebida pela PMESP (doc 6)
Fui atingido por uma bala de borracha Tenho quase 180m e a bala me
atingiu exatamente no olho [] A dor foi instantacircnea profunda terriacutevel
Todos os piores adjetivos com que vocecirc puder qualificar a dor eu senti
naquele momento Meu olho inchou rapidamente coloquei a matildeo e minha
paacutelpebra jaacute havia se fechado Muito sangue comeccedilava a cair naquele instante
e pensei lsquofiquei cego Natildeo vou mais conseguir fotografarrsquo Foi a sensaccedilatildeo
que eu tive
Outro relato mostra exatamente o desespero de um cidadatildeo que corre risco de
vida ou de ferimentos graves pela accedilatildeo da proacutepria poliacutecia que supostamente deve
promover a seguranccedila puacuteblica (doc 6)
23
Ali foi o momento mais desesperador mesmo porque natildeo conseguia
respirar achei que ia desmaiar ali comecei a ficar fraca natildeo conseguia correr
mais e fiquei um tempo ali desnorteada com todo aquele gaacutes e continuei
correndohellip Jaacute tinha perdido todo mundo e olhei para os lados estava todo
mundo correndo subindo e natildeo tinha para onde ir a natildeo ser subir a
Augusta Tinha muita gente e natildeo dava para ir raacutepido a gente ficou
encurralado Quando vi estaacutevamos entre uma parede subindo a Augusta
na frente tinha um grupo de policias da Tropa de Choque e atraacutes tambeacutem
Ali foi o momento que fomos emparedados Natildeo tinha o que fazer natildeo
dava para correr muito corriacuteamos lentamentehellip Me senti fuzilada naquele
momento a gente ficou emparedado parecia um fuzilamento no paredatildeo
Foi tudo muito raacutepido e de repente estourou uma bomba na minha frente a
princiacutepio achei que era gaacutes lacrimogecircnio eu senti todo o impacto no meu
corpo mas continuei correndo Natildeo sabia que eu havia me machucado ou
melhor que tinham me machucado naquele momento soacute tinha sentido o
impacto Eu estava com muito medo de levar bala de borracha porque eles
estavam realmente perseguindo Quando virei a direita eu continuei
ouvindo os tiros e as bombas e aquela rua estava completamente parada as
pessoas correndo entre os carros todo mundo desesperado ali E eles
continuaram correndo atraacutes da gente ndash na verdade sequer olhei para traacutes
dava para ouvir e tinha certeza absoluta que seria atingida por uma bala de
borracha Porque eles estavam muito perto perseguindo Consegui correr e
virar a direita de novo onde encontrei um estacionamento grande na Caio
Prado Ali correndo seguindo nessa rua percebi que havia um corte
profundo no meu braccedilo Eu olhei um corte muito profundo eu fiquei
muito assustada Minha reaccedilatildeo foi chorar continuar correndo Foi uma
sensaccedilatildeo de desespero muito grande mesmo Me senti em uma guerra natildeo
tinha para onde correr e com certeza seria atingida por alguma bala de
borracha ou por bombas porque eles continuavam atraacutes Nesse
estacionamento pedi para o rapaz me deixar entrar Ele falou que natildeo podia
me deixar entrar Falei ldquopor favor me deixa entrarrdquo mostrei meu braccedilo ele
se assustou e deixou entrar
24
Esta eacute a lesatildeo de que relato trata
Estes casos revelam o potencial de causar danos irreversiacuteveis que as ldquomuniccedilotildees
menos letaisrdquo como municcedilatildeo de elastocircmero em armas de fogo possuem quando utilizadas
contra oacutergatildeos vitais e a curta distacircncia
O fotoacutegrafo Seacutergio natildeo teria perdido um olho e centenas de pessoas natildeo
teriam sofrido lesotildees e corrido risco de morte se a PMESP tivesse observado
minimamente os paracircmetros internacionais para o uso da forccedila reconhecidos pela
Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas e pela Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos
O Coacutedigo de Conduta Para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo
da Lei30 (doc 4) aprovado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo 34169 de 17
de dezembro de 1979 estabelece criteacuterios para a aplicaccedilatildeo da lei na defesa da ordem
puacuteblica e a forma como essas funccedilotildees satildeo exercidas
30 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)
25
Seu artigo 3ordm dispotildee
Os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute podem empregar a
forccedila quando tal se afigure estritamente necessaacuterio e na medida
exigida para o cumprimento do seu dever
Bastaria a leitura deste artigo para verificar que os agentes de seguranccedila
independente do dever que entendiam estar cumprindo ultrapassaram (e muito) o
estritamente necessaacuterio
Ainda assim esse importante documento internacional vigente desde 1979
possui comentaacuterios interpretativos31 que permitem a melhor aplicaccedilatildeo de seus dispositivos
Veja-se o que diz o comentaacuterio do artigo 3ordm
ldquoComentaacuterio
a) Esta disposiccedilatildeo salienta que o emprego da forccedila por parte dos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deve ser excepcional
Embora admita que estes funcionaacuterios possam estar autorizados a utilizar a
forccedila na medida em que tal seja razoavelmente considerado como
necessaacuterio tendo em conta as circunstacircncias para a prevenccedilatildeo de um crime
ou para deter ou ajudar agrave detenccedilatildeo legal de delinquentes ou de suspeitos
qualquer uso da forccedila fora deste contexto natildeo eacute permitido
b) A lei nacional restringe normalmente o emprego da forccedila pelos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei de acordo com o princiacutepio
da proporcionalidade Deve-se entender que tais princiacutepios nacionais
de proporcionalidade devem ser respeitados na interpretaccedilatildeo desta
disposiccedilatildeo
A presente disposiccedilatildeo natildeo deve ser em nenhum caso interpretada no
sentido da autorizaccedilatildeo do emprego da forccedila em desproporccedilatildeo com o
legiacutetimo objetivo a atingir
c) O emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem
fazer-se todos os esforccedilos no sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de
31 Diretrizes para a efetiva implementaccedilatildeo do Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei Adotado pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU em 1986 por meio da resoluccedilatildeo nordm 198661
26
fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo utilizar-se
armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou
quando de qualquer forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja
suficientes medidas menos extremas para o dominar ou deter Cada vez que
uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as
autoridades competentesrdquo
Observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP tambeacutem natildeo respeitou as disposiccedilotildees dos
Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios
Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (Princiacutepios Baacutesicos) outra normativa no acircmbito
da ONU a qual o Brasil estaacute submetido
32
Eacute escandaloso o descompasso da atuaccedilatildeo policial com o que determina o
paraacutegrafo 5 desse importante documento Veja-se
32 Disponiacutevel em httppontoeletronicomewp-contentuploads20130613jun2013-policial-se-prepara-para-atirar-contra-manifestantes-durante-protesto-contra-o-aumento-da-tarifa-do-transporte-coletivo-realizado-pelas-ruas-da-regiao-central-de-sao-paulo-1371176850700_1920x1080jpg
27
ldquo5 Sempre que o uso legiacutetimo da forccedila e de armas de fogo for inevitaacutevel
os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
(a) Exercer moderaccedilatildeo no uso de tais recursos e agir na proporccedilatildeo da
gravidade da infraccedilatildeo e do objetivo legiacutetimo a ser alcanccedilado
(b) Minimizar danos e ferimentos e respeitar e preservar a vida humana
(c) Assegurar que qualquer indiviacuteduo ferido ou afetado receba assistecircncia e
cuidados meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel
(d) Garantir que os familiares ou amigos iacutentimos da pessoa ferida ou afetada
sejam notificados o mais depressa possiacutevel
Diante dos fatos narrados na inicial eacute possiacutevel se questionar O uso legiacutetimo da
forccedila foi inevitaacutevel Houve infraccedilatildeo grave dos manifestantes para justificar a proporccedilatildeo da
forccedila policial aplicada Houve por parte da PMESP a prestaccedilatildeo de assistecircncia e cuidados
meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel As forccedilas repressivas do Estado garantiram a imediata
notificaccedilatildeo dos feridos
A resposta eacute veementemente negativa para todas essas questotildees
Independentemente dos questionamentos acima tambeacutem natildeo eacute possiacutevel
identificar qual o objetivo legiacutetimo da atuaccedilatildeo da PMESP A proacutepria intenccedilatildeo de dispersatildeo
jaacute ofende o direito agrave reuniatildeo legalmente exercido pela manifestaccedilatildeo puacuteblica presente nos 8
casos trazidos na inicial poreacutem a PMESP foi aleacutem pois contrariou os princiacutepios 13 e 14
dos Princiacutepios Baacutesicos33 ainda que tais manifestaccedilotildees fossem consideradas ilegais e
violentas
Ora estaacute mais do que claro que a utilizaccedilatildeo de armamento de fogo com
municcedilatildeo de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral estariam
absolutamente descartadas se fossem cumpridas as normativas internacionais para
o uso da forccedila
33 A transcriccedilatildeo dos artigos 13 e 14 dos princiacutepios baacutesicos estaacute na paacutegina 16
28
Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais
mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito
internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de
proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade
Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser
sempre a uacuteltima opccedilatildeo
O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias
ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no
sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida
74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo
da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um
contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente
treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo
contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente
quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis
Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente
controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave
forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro
juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo
34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre
Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)
29
iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia
de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma
confiaacutevel36
Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees
da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da
liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX
que ora transcreve-se
Artigo XIX
Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito
inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e
transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente
de fronteiras
Artigo XX
1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas
2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo
Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre
Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem
assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o
relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de
controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto
identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees
36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
30
administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo
das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas
investigaccedilotildees
Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho
de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma
das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de
maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila
de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel
abuso da forccedila
Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas
administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em
manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente
necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de
planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso
abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo
recomendou as seguintes medidas
a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da
forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas
b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees
c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para
verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores
A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao
Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde
partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de
comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela
PMESP no dia 13 de junho de 2014
31
Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que
um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem
de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros
internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em
qualquer outra manifestaccedilatildeo popular
iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO
DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO
Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo
em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de
direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)
ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi
realizada de forma violenta e ilegal
Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem
evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De
acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude
adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia
perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois
A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de
gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a
Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como
pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era
como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e
violecircncia
Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na
direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria
Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos
os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da
Silva)
32
ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um
cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a
ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha
muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais
lanccedilavam bomba por nada para todos os lados
Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as
pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva
[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se
acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas
entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]
quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para
deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos
Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando
com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta
velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo
tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas
pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As
33
pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas
que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair
de laacute
Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o
traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato
mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da
accedilatildeo repressiva
A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava
dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na
Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []
Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente
rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais
comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como
eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para
dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no
chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador
34
Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante
recorrentes
Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um
ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial
mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua
patricinha vagabundarsquo ele me dizia
[]
Vai embora sua prostituta
A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer
seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente
sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral
Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo
Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes
puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz
que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no
35
sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo
utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer
forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou
deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades
competentes
No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de
Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma
de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de
armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal
aviso deve ser feito de forma clara e adequada
Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento
10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente
a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo
suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando
tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave
ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso
Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a
utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo
de armas de fogo
Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a
grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade
policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma
sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma
36
manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos
princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38
Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)
manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de
proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo
com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado
ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever
de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e
menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas
deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme
os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo
A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa
de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila
Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do
Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas
envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para
que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio
ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se
identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza
as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila
outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude
exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
37
[]
A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica
implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto
proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com
proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de
reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O
grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja
considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do
que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de
maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se
encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o
uso da forccedila resulta desproporcionado
Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da
aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute
internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado
internacional de direitos humanos
Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com
documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema
necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas
de seguranccedila
iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE
POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES
Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a
de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de
identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria
responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)
41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15
38
ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo
ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem
os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na
Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo
onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam
muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito
desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada
um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e
depois soltarrdquo
Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume
havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as
normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo
usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento
Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute
tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma
Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por
parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em
particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo
identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de
2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos
gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de
3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se
SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou
nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto
de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os
rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido
possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante
42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319
39
agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da
corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos
A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)
que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o
Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica
informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de
identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou
crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas
pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e
ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento
Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento
feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -
organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo
com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a
manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da
Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois
se espalharam pelo centro
Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se
determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular
Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito
interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a
atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu
Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta
manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial
em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes
policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees
O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo
em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial
40
No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado
de se identificarem previamente como tais no momento de advertir
com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a
forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua
atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees
estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e
adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se
f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de
seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas
ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever
potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim
de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no
terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e
comportamento policial
Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a
identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que
cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e
ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se
g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as
forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de
abusos ou atos de violecircncia
h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou
judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas
operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos
no curso das mesmas
41
Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos
cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013
em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos
A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou
que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem
disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes
em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que
confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns
trechos da mateacuteria
Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes
sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas
delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo
Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo
investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute
abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi
concluiacuteda e nenhum policial foi punido
A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute
os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo
processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1
de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014
Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de
Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum
policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21
policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato
Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e
tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e
ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades
43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)
42
v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS
CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES
Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do
Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa
atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute
de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila
Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em
manifestaccedilotildees futuras
Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute
imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo
temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de
confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo
Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a
negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A
proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da
Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que
Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os
governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar
atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos
especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da
forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a
compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de
persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos
destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados
da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e
procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos
43
Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um
negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se
evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se
e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves
manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes
para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e
protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de
conflito
Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na
Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos
publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72
daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue
72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no
uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a
resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das
multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como
meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45
Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de
Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia
da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se
44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf
44
38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um
verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades
policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da
manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico
Suiacuteccedila e outros paiacuteses47
Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os
documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador
civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco
de conflito social
vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa
de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na
dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila
notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas
O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar
Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre
recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo
Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem
alguns trechos
No comando do choque eu soacute recebi precircmios
47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora
45
Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe
pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de
Satildeo Paulo
ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de
protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo
A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho
quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e
pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo
foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do
centro saqueadas
Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da
Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui
ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou
A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v
Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de
dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute
o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte
ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar
seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito
negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50
Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando
preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa
policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre
expressatildeo
49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)
46
ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees
razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento
paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem
violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da
legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento
de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo
manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma
manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das
pessoasrdquo52
Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho
de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante
da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo
A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava
subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e
um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas
patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de
brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo
tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha
bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa
assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou
brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo
[]
Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos
policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles
ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar
sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E
todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado
52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas
47
do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo
para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo
[]
Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu
encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de
gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba
nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para
os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de
novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me
lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de
Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo
mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da
poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo
estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e
nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo
[]
A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes
Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a
gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem
Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o
pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes
lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila
Roosevelt
[]
O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da
Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava
que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente
ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima
tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali
natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando
bomba em cima da gente
O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da
Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e
intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso
desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a
48
agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de
Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se
ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees
policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso
indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o
membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para
proteger seus companheiros ali presentesrdquo54
Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave
determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve
permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo
administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes
vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A
ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica
do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e
internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo
puacuteblico
Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da
forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a
formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas
53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo
49
Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que
ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e
de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na
elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e
minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e
de armas de fogordquo
Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para
determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila
deveriam seguir Aqui estatildeo elas
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo
da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os
tipos de armas e municcedilotildees permitidas
(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias
apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio
(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos
injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis
(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas
de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas
armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de
armas de fogo
50
(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no
desempenho das suas funccedilotildees
Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila
e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia
da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece
as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila
Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como
aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos
agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento
dessas diretrizes
1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar
nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e
deveraacute considerar primordialmente
a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela
Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na
sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979
b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de
Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados
pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo
198961 de 24 de maio de 1989
c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo
Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o
Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto
a 7 de setembro de 1999
d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis
Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees
Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de
1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991
51
Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade
resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a
necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna
ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial
Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao
Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que
tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria
9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos
disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo
objetivamente
a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas
b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao
ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no
evento
c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo
perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento
d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees
desnecessaacuterias e risco injustificado e
e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente
de seguranccedila puacuteblica
Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do
Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de
Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que
regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees
Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se
natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como
a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de
manifestaccedilotildees e reuniotildees populares
52
Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro
miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos
que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e
sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil
6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE
DIREITOS HUMANOS
O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado
por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica
contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso
internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados
no que tange agrave dignidade humana
De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados
natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a
dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados
podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros
Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos
que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos
internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas
Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo
terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua
responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos
internacionalmente admitidos
55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf
53
Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56
apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute
um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees
como prova para outro procedimento de julgamento internacional do
Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura
ignorada
Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados
no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos
normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo
Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina
se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses
oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o
jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi
distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda
externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados
ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos
constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os
paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o
respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil
continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos
nacionalmente57
Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da
presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o
que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada
56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355
54
7) CONCLUSAtildeO
A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm
Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para
resoluccedilatildeo da presente controveacutersia
Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e
histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma
expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo
se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do
Estado de Satildeo Paulo
Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a
atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa
padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia
O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo
Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos
Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que
expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e
que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente
demanda
55
8) PEDIDO
Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como
amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae
requer-se seu recebimento como memoriais
Termos em que
Pede deferimento
Satildeo Paulo 17 de julho de 2014
Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs
OABSP 262284 OABSP 101663
Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni
OABSP 284930 OABSP 286871
Sheila Santana de Carvalho
OABSP 343588
23
Ali foi o momento mais desesperador mesmo porque natildeo conseguia
respirar achei que ia desmaiar ali comecei a ficar fraca natildeo conseguia correr
mais e fiquei um tempo ali desnorteada com todo aquele gaacutes e continuei
correndohellip Jaacute tinha perdido todo mundo e olhei para os lados estava todo
mundo correndo subindo e natildeo tinha para onde ir a natildeo ser subir a
Augusta Tinha muita gente e natildeo dava para ir raacutepido a gente ficou
encurralado Quando vi estaacutevamos entre uma parede subindo a Augusta
na frente tinha um grupo de policias da Tropa de Choque e atraacutes tambeacutem
Ali foi o momento que fomos emparedados Natildeo tinha o que fazer natildeo
dava para correr muito corriacuteamos lentamentehellip Me senti fuzilada naquele
momento a gente ficou emparedado parecia um fuzilamento no paredatildeo
Foi tudo muito raacutepido e de repente estourou uma bomba na minha frente a
princiacutepio achei que era gaacutes lacrimogecircnio eu senti todo o impacto no meu
corpo mas continuei correndo Natildeo sabia que eu havia me machucado ou
melhor que tinham me machucado naquele momento soacute tinha sentido o
impacto Eu estava com muito medo de levar bala de borracha porque eles
estavam realmente perseguindo Quando virei a direita eu continuei
ouvindo os tiros e as bombas e aquela rua estava completamente parada as
pessoas correndo entre os carros todo mundo desesperado ali E eles
continuaram correndo atraacutes da gente ndash na verdade sequer olhei para traacutes
dava para ouvir e tinha certeza absoluta que seria atingida por uma bala de
borracha Porque eles estavam muito perto perseguindo Consegui correr e
virar a direita de novo onde encontrei um estacionamento grande na Caio
Prado Ali correndo seguindo nessa rua percebi que havia um corte
profundo no meu braccedilo Eu olhei um corte muito profundo eu fiquei
muito assustada Minha reaccedilatildeo foi chorar continuar correndo Foi uma
sensaccedilatildeo de desespero muito grande mesmo Me senti em uma guerra natildeo
tinha para onde correr e com certeza seria atingida por alguma bala de
borracha ou por bombas porque eles continuavam atraacutes Nesse
estacionamento pedi para o rapaz me deixar entrar Ele falou que natildeo podia
me deixar entrar Falei ldquopor favor me deixa entrarrdquo mostrei meu braccedilo ele
se assustou e deixou entrar
24
Esta eacute a lesatildeo de que relato trata
Estes casos revelam o potencial de causar danos irreversiacuteveis que as ldquomuniccedilotildees
menos letaisrdquo como municcedilatildeo de elastocircmero em armas de fogo possuem quando utilizadas
contra oacutergatildeos vitais e a curta distacircncia
O fotoacutegrafo Seacutergio natildeo teria perdido um olho e centenas de pessoas natildeo
teriam sofrido lesotildees e corrido risco de morte se a PMESP tivesse observado
minimamente os paracircmetros internacionais para o uso da forccedila reconhecidos pela
Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas e pela Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos
O Coacutedigo de Conduta Para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo
da Lei30 (doc 4) aprovado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo 34169 de 17
de dezembro de 1979 estabelece criteacuterios para a aplicaccedilatildeo da lei na defesa da ordem
puacuteblica e a forma como essas funccedilotildees satildeo exercidas
30 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)
25
Seu artigo 3ordm dispotildee
Os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute podem empregar a
forccedila quando tal se afigure estritamente necessaacuterio e na medida
exigida para o cumprimento do seu dever
Bastaria a leitura deste artigo para verificar que os agentes de seguranccedila
independente do dever que entendiam estar cumprindo ultrapassaram (e muito) o
estritamente necessaacuterio
Ainda assim esse importante documento internacional vigente desde 1979
possui comentaacuterios interpretativos31 que permitem a melhor aplicaccedilatildeo de seus dispositivos
Veja-se o que diz o comentaacuterio do artigo 3ordm
ldquoComentaacuterio
a) Esta disposiccedilatildeo salienta que o emprego da forccedila por parte dos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deve ser excepcional
Embora admita que estes funcionaacuterios possam estar autorizados a utilizar a
forccedila na medida em que tal seja razoavelmente considerado como
necessaacuterio tendo em conta as circunstacircncias para a prevenccedilatildeo de um crime
ou para deter ou ajudar agrave detenccedilatildeo legal de delinquentes ou de suspeitos
qualquer uso da forccedila fora deste contexto natildeo eacute permitido
b) A lei nacional restringe normalmente o emprego da forccedila pelos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei de acordo com o princiacutepio
da proporcionalidade Deve-se entender que tais princiacutepios nacionais
de proporcionalidade devem ser respeitados na interpretaccedilatildeo desta
disposiccedilatildeo
A presente disposiccedilatildeo natildeo deve ser em nenhum caso interpretada no
sentido da autorizaccedilatildeo do emprego da forccedila em desproporccedilatildeo com o
legiacutetimo objetivo a atingir
c) O emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem
fazer-se todos os esforccedilos no sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de
31 Diretrizes para a efetiva implementaccedilatildeo do Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei Adotado pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU em 1986 por meio da resoluccedilatildeo nordm 198661
26
fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo utilizar-se
armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou
quando de qualquer forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja
suficientes medidas menos extremas para o dominar ou deter Cada vez que
uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as
autoridades competentesrdquo
Observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP tambeacutem natildeo respeitou as disposiccedilotildees dos
Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios
Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (Princiacutepios Baacutesicos) outra normativa no acircmbito
da ONU a qual o Brasil estaacute submetido
32
Eacute escandaloso o descompasso da atuaccedilatildeo policial com o que determina o
paraacutegrafo 5 desse importante documento Veja-se
32 Disponiacutevel em httppontoeletronicomewp-contentuploads20130613jun2013-policial-se-prepara-para-atirar-contra-manifestantes-durante-protesto-contra-o-aumento-da-tarifa-do-transporte-coletivo-realizado-pelas-ruas-da-regiao-central-de-sao-paulo-1371176850700_1920x1080jpg
27
ldquo5 Sempre que o uso legiacutetimo da forccedila e de armas de fogo for inevitaacutevel
os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
(a) Exercer moderaccedilatildeo no uso de tais recursos e agir na proporccedilatildeo da
gravidade da infraccedilatildeo e do objetivo legiacutetimo a ser alcanccedilado
(b) Minimizar danos e ferimentos e respeitar e preservar a vida humana
(c) Assegurar que qualquer indiviacuteduo ferido ou afetado receba assistecircncia e
cuidados meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel
(d) Garantir que os familiares ou amigos iacutentimos da pessoa ferida ou afetada
sejam notificados o mais depressa possiacutevel
Diante dos fatos narrados na inicial eacute possiacutevel se questionar O uso legiacutetimo da
forccedila foi inevitaacutevel Houve infraccedilatildeo grave dos manifestantes para justificar a proporccedilatildeo da
forccedila policial aplicada Houve por parte da PMESP a prestaccedilatildeo de assistecircncia e cuidados
meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel As forccedilas repressivas do Estado garantiram a imediata
notificaccedilatildeo dos feridos
A resposta eacute veementemente negativa para todas essas questotildees
Independentemente dos questionamentos acima tambeacutem natildeo eacute possiacutevel
identificar qual o objetivo legiacutetimo da atuaccedilatildeo da PMESP A proacutepria intenccedilatildeo de dispersatildeo
jaacute ofende o direito agrave reuniatildeo legalmente exercido pela manifestaccedilatildeo puacuteblica presente nos 8
casos trazidos na inicial poreacutem a PMESP foi aleacutem pois contrariou os princiacutepios 13 e 14
dos Princiacutepios Baacutesicos33 ainda que tais manifestaccedilotildees fossem consideradas ilegais e
violentas
Ora estaacute mais do que claro que a utilizaccedilatildeo de armamento de fogo com
municcedilatildeo de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral estariam
absolutamente descartadas se fossem cumpridas as normativas internacionais para
o uso da forccedila
33 A transcriccedilatildeo dos artigos 13 e 14 dos princiacutepios baacutesicos estaacute na paacutegina 16
28
Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais
mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito
internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de
proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade
Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser
sempre a uacuteltima opccedilatildeo
O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias
ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no
sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida
74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo
da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um
contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente
treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo
contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente
quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis
Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente
controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave
forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro
juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo
34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre
Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)
29
iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia
de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma
confiaacutevel36
Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees
da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da
liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX
que ora transcreve-se
Artigo XIX
Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito
inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e
transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente
de fronteiras
Artigo XX
1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas
2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo
Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre
Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem
assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o
relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de
controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto
identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees
36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
30
administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo
das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas
investigaccedilotildees
Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho
de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma
das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de
maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila
de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel
abuso da forccedila
Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas
administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em
manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente
necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de
planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso
abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo
recomendou as seguintes medidas
a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da
forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas
b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees
c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para
verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores
A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao
Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde
partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de
comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela
PMESP no dia 13 de junho de 2014
31
Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que
um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem
de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros
internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em
qualquer outra manifestaccedilatildeo popular
iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO
DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO
Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo
em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de
direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)
ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi
realizada de forma violenta e ilegal
Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem
evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De
acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude
adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia
perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois
A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de
gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a
Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como
pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era
como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e
violecircncia
Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na
direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria
Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos
os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da
Silva)
32
ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um
cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a
ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha
muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais
lanccedilavam bomba por nada para todos os lados
Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as
pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva
[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se
acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas
entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]
quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para
deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos
Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando
com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta
velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo
tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas
pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As
33
pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas
que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair
de laacute
Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o
traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato
mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da
accedilatildeo repressiva
A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava
dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na
Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []
Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente
rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais
comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como
eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para
dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no
chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador
34
Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante
recorrentes
Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um
ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial
mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua
patricinha vagabundarsquo ele me dizia
[]
Vai embora sua prostituta
A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer
seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente
sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral
Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo
Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes
puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz
que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no
35
sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo
utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer
forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou
deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades
competentes
No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de
Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma
de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de
armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal
aviso deve ser feito de forma clara e adequada
Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento
10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente
a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo
suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando
tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave
ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso
Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a
utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo
de armas de fogo
Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a
grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade
policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma
sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma
36
manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos
princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38
Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)
manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de
proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo
com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado
ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever
de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e
menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas
deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme
os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo
A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa
de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila
Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do
Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas
envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para
que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio
ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se
identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza
as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila
outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude
exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
37
[]
A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica
implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto
proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com
proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de
reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O
grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja
considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do
que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de
maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se
encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o
uso da forccedila resulta desproporcionado
Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da
aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute
internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado
internacional de direitos humanos
Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com
documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema
necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas
de seguranccedila
iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE
POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES
Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a
de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de
identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria
responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)
41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15
38
ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo
ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem
os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na
Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo
onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam
muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito
desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada
um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e
depois soltarrdquo
Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume
havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as
normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo
usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento
Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute
tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma
Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por
parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em
particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo
identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de
2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos
gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de
3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se
SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou
nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto
de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os
rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido
possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante
42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319
39
agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da
corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos
A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)
que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o
Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica
informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de
identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou
crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas
pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e
ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento
Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento
feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -
organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo
com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a
manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da
Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois
se espalharam pelo centro
Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se
determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular
Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito
interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a
atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu
Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta
manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial
em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes
policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees
O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo
em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial
40
No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado
de se identificarem previamente como tais no momento de advertir
com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a
forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua
atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees
estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e
adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se
f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de
seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas
ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever
potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim
de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no
terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e
comportamento policial
Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a
identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que
cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e
ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se
g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as
forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de
abusos ou atos de violecircncia
h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou
judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas
operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos
no curso das mesmas
41
Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos
cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013
em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos
A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou
que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem
disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes
em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que
confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns
trechos da mateacuteria
Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes
sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas
delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo
Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo
investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute
abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi
concluiacuteda e nenhum policial foi punido
A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute
os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo
processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1
de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014
Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de
Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum
policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21
policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato
Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e
tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e
ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades
43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)
42
v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS
CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES
Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do
Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa
atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute
de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila
Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em
manifestaccedilotildees futuras
Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute
imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo
temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de
confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo
Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a
negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A
proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da
Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que
Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os
governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar
atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos
especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da
forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a
compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de
persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos
destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados
da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e
procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos
43
Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um
negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se
evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se
e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves
manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes
para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e
protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de
conflito
Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na
Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos
publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72
daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue
72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no
uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a
resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das
multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como
meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45
Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de
Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia
da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se
44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf
44
38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um
verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades
policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da
manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico
Suiacuteccedila e outros paiacuteses47
Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os
documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador
civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco
de conflito social
vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa
de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na
dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila
notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas
O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar
Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre
recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo
Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem
alguns trechos
No comando do choque eu soacute recebi precircmios
47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora
45
Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe
pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de
Satildeo Paulo
ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de
protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo
A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho
quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e
pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo
foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do
centro saqueadas
Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da
Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui
ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou
A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v
Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de
dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute
o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte
ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar
seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito
negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50
Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando
preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa
policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre
expressatildeo
49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)
46
ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees
razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento
paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem
violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da
legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento
de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo
manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma
manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das
pessoasrdquo52
Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho
de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante
da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo
A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava
subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e
um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas
patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de
brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo
tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha
bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa
assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou
brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo
[]
Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos
policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles
ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar
sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E
todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado
52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas
47
do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo
para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo
[]
Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu
encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de
gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba
nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para
os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de
novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me
lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de
Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo
mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da
poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo
estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e
nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo
[]
A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes
Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a
gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem
Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o
pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes
lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila
Roosevelt
[]
O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da
Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava
que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente
ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima
tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali
natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando
bomba em cima da gente
O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da
Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e
intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso
desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a
48
agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de
Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se
ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees
policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso
indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o
membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para
proteger seus companheiros ali presentesrdquo54
Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave
determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve
permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo
administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes
vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A
ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica
do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e
internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo
puacuteblico
Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da
forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a
formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas
53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo
49
Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que
ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e
de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na
elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e
minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e
de armas de fogordquo
Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para
determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila
deveriam seguir Aqui estatildeo elas
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo
da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os
tipos de armas e municcedilotildees permitidas
(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias
apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio
(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos
injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis
(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas
de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas
armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de
armas de fogo
50
(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no
desempenho das suas funccedilotildees
Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila
e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia
da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece
as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila
Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como
aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos
agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento
dessas diretrizes
1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar
nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e
deveraacute considerar primordialmente
a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela
Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na
sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979
b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de
Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados
pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo
198961 de 24 de maio de 1989
c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo
Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o
Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto
a 7 de setembro de 1999
d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis
Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees
Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de
1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991
51
Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade
resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a
necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna
ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial
Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao
Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que
tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria
9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos
disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo
objetivamente
a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas
b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao
ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no
evento
c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo
perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento
d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees
desnecessaacuterias e risco injustificado e
e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente
de seguranccedila puacuteblica
Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do
Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de
Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que
regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees
Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se
natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como
a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de
manifestaccedilotildees e reuniotildees populares
52
Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro
miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos
que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e
sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil
6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE
DIREITOS HUMANOS
O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado
por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica
contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso
internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados
no que tange agrave dignidade humana
De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados
natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a
dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados
podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros
Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos
que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos
internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas
Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo
terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua
responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos
internacionalmente admitidos
55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf
53
Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56
apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute
um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees
como prova para outro procedimento de julgamento internacional do
Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura
ignorada
Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados
no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos
normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo
Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina
se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses
oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o
jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi
distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda
externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados
ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos
constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os
paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o
respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil
continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos
nacionalmente57
Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da
presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o
que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada
56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355
54
7) CONCLUSAtildeO
A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm
Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para
resoluccedilatildeo da presente controveacutersia
Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e
histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma
expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo
se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do
Estado de Satildeo Paulo
Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a
atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa
padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia
O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo
Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos
Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que
expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e
que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente
demanda
55
8) PEDIDO
Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como
amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae
requer-se seu recebimento como memoriais
Termos em que
Pede deferimento
Satildeo Paulo 17 de julho de 2014
Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs
OABSP 262284 OABSP 101663
Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni
OABSP 284930 OABSP 286871
Sheila Santana de Carvalho
OABSP 343588
24
Esta eacute a lesatildeo de que relato trata
Estes casos revelam o potencial de causar danos irreversiacuteveis que as ldquomuniccedilotildees
menos letaisrdquo como municcedilatildeo de elastocircmero em armas de fogo possuem quando utilizadas
contra oacutergatildeos vitais e a curta distacircncia
O fotoacutegrafo Seacutergio natildeo teria perdido um olho e centenas de pessoas natildeo
teriam sofrido lesotildees e corrido risco de morte se a PMESP tivesse observado
minimamente os paracircmetros internacionais para o uso da forccedila reconhecidos pela
Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas e pela Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos
O Coacutedigo de Conduta Para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo
da Lei30 (doc 4) aprovado pela Assembleia Geral da ONU pela Resoluccedilatildeo 34169 de 17
de dezembro de 1979 estabelece criteacuterios para a aplicaccedilatildeo da lei na defesa da ordem
puacuteblica e a forma como essas funccedilotildees satildeo exercidas
30 Tambeacutem disponiacutevel no site da Cacircmara dos Deputados em httpwwwcamaragovbrsilegintegras931761pdf (acessado em 16062014)
25
Seu artigo 3ordm dispotildee
Os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute podem empregar a
forccedila quando tal se afigure estritamente necessaacuterio e na medida
exigida para o cumprimento do seu dever
Bastaria a leitura deste artigo para verificar que os agentes de seguranccedila
independente do dever que entendiam estar cumprindo ultrapassaram (e muito) o
estritamente necessaacuterio
Ainda assim esse importante documento internacional vigente desde 1979
possui comentaacuterios interpretativos31 que permitem a melhor aplicaccedilatildeo de seus dispositivos
Veja-se o que diz o comentaacuterio do artigo 3ordm
ldquoComentaacuterio
a) Esta disposiccedilatildeo salienta que o emprego da forccedila por parte dos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deve ser excepcional
Embora admita que estes funcionaacuterios possam estar autorizados a utilizar a
forccedila na medida em que tal seja razoavelmente considerado como
necessaacuterio tendo em conta as circunstacircncias para a prevenccedilatildeo de um crime
ou para deter ou ajudar agrave detenccedilatildeo legal de delinquentes ou de suspeitos
qualquer uso da forccedila fora deste contexto natildeo eacute permitido
b) A lei nacional restringe normalmente o emprego da forccedila pelos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei de acordo com o princiacutepio
da proporcionalidade Deve-se entender que tais princiacutepios nacionais
de proporcionalidade devem ser respeitados na interpretaccedilatildeo desta
disposiccedilatildeo
A presente disposiccedilatildeo natildeo deve ser em nenhum caso interpretada no
sentido da autorizaccedilatildeo do emprego da forccedila em desproporccedilatildeo com o
legiacutetimo objetivo a atingir
c) O emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem
fazer-se todos os esforccedilos no sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de
31 Diretrizes para a efetiva implementaccedilatildeo do Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei Adotado pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU em 1986 por meio da resoluccedilatildeo nordm 198661
26
fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo utilizar-se
armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou
quando de qualquer forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja
suficientes medidas menos extremas para o dominar ou deter Cada vez que
uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as
autoridades competentesrdquo
Observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP tambeacutem natildeo respeitou as disposiccedilotildees dos
Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios
Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (Princiacutepios Baacutesicos) outra normativa no acircmbito
da ONU a qual o Brasil estaacute submetido
32
Eacute escandaloso o descompasso da atuaccedilatildeo policial com o que determina o
paraacutegrafo 5 desse importante documento Veja-se
32 Disponiacutevel em httppontoeletronicomewp-contentuploads20130613jun2013-policial-se-prepara-para-atirar-contra-manifestantes-durante-protesto-contra-o-aumento-da-tarifa-do-transporte-coletivo-realizado-pelas-ruas-da-regiao-central-de-sao-paulo-1371176850700_1920x1080jpg
27
ldquo5 Sempre que o uso legiacutetimo da forccedila e de armas de fogo for inevitaacutevel
os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
(a) Exercer moderaccedilatildeo no uso de tais recursos e agir na proporccedilatildeo da
gravidade da infraccedilatildeo e do objetivo legiacutetimo a ser alcanccedilado
(b) Minimizar danos e ferimentos e respeitar e preservar a vida humana
(c) Assegurar que qualquer indiviacuteduo ferido ou afetado receba assistecircncia e
cuidados meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel
(d) Garantir que os familiares ou amigos iacutentimos da pessoa ferida ou afetada
sejam notificados o mais depressa possiacutevel
Diante dos fatos narrados na inicial eacute possiacutevel se questionar O uso legiacutetimo da
forccedila foi inevitaacutevel Houve infraccedilatildeo grave dos manifestantes para justificar a proporccedilatildeo da
forccedila policial aplicada Houve por parte da PMESP a prestaccedilatildeo de assistecircncia e cuidados
meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel As forccedilas repressivas do Estado garantiram a imediata
notificaccedilatildeo dos feridos
A resposta eacute veementemente negativa para todas essas questotildees
Independentemente dos questionamentos acima tambeacutem natildeo eacute possiacutevel
identificar qual o objetivo legiacutetimo da atuaccedilatildeo da PMESP A proacutepria intenccedilatildeo de dispersatildeo
jaacute ofende o direito agrave reuniatildeo legalmente exercido pela manifestaccedilatildeo puacuteblica presente nos 8
casos trazidos na inicial poreacutem a PMESP foi aleacutem pois contrariou os princiacutepios 13 e 14
dos Princiacutepios Baacutesicos33 ainda que tais manifestaccedilotildees fossem consideradas ilegais e
violentas
Ora estaacute mais do que claro que a utilizaccedilatildeo de armamento de fogo com
municcedilatildeo de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral estariam
absolutamente descartadas se fossem cumpridas as normativas internacionais para
o uso da forccedila
33 A transcriccedilatildeo dos artigos 13 e 14 dos princiacutepios baacutesicos estaacute na paacutegina 16
28
Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais
mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito
internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de
proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade
Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser
sempre a uacuteltima opccedilatildeo
O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias
ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no
sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida
74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo
da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um
contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente
treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo
contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente
quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis
Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente
controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave
forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro
juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo
34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre
Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)
29
iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia
de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma
confiaacutevel36
Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees
da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da
liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX
que ora transcreve-se
Artigo XIX
Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito
inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e
transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente
de fronteiras
Artigo XX
1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas
2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo
Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre
Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem
assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o
relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de
controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto
identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees
36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
30
administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo
das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas
investigaccedilotildees
Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho
de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma
das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de
maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila
de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel
abuso da forccedila
Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas
administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em
manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente
necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de
planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso
abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo
recomendou as seguintes medidas
a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da
forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas
b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees
c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para
verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores
A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao
Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde
partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de
comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela
PMESP no dia 13 de junho de 2014
31
Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que
um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem
de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros
internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em
qualquer outra manifestaccedilatildeo popular
iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO
DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO
Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo
em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de
direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)
ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi
realizada de forma violenta e ilegal
Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem
evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De
acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude
adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia
perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois
A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de
gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a
Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como
pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era
como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e
violecircncia
Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na
direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria
Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos
os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da
Silva)
32
ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um
cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a
ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha
muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais
lanccedilavam bomba por nada para todos os lados
Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as
pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva
[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se
acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas
entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]
quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para
deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos
Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando
com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta
velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo
tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas
pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As
33
pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas
que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair
de laacute
Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o
traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato
mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da
accedilatildeo repressiva
A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava
dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na
Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []
Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente
rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais
comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como
eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para
dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no
chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador
34
Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante
recorrentes
Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um
ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial
mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua
patricinha vagabundarsquo ele me dizia
[]
Vai embora sua prostituta
A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer
seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente
sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral
Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo
Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes
puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz
que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no
35
sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo
utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer
forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou
deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades
competentes
No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de
Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma
de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de
armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal
aviso deve ser feito de forma clara e adequada
Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento
10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente
a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo
suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando
tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave
ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso
Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a
utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo
de armas de fogo
Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a
grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade
policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma
sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma
36
manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos
princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38
Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)
manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de
proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo
com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado
ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever
de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e
menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas
deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme
os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo
A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa
de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila
Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do
Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas
envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para
que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio
ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se
identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza
as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila
outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude
exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
37
[]
A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica
implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto
proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com
proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de
reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O
grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja
considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do
que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de
maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se
encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o
uso da forccedila resulta desproporcionado
Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da
aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute
internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado
internacional de direitos humanos
Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com
documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema
necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas
de seguranccedila
iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE
POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES
Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a
de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de
identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria
responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)
41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15
38
ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo
ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem
os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na
Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo
onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam
muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito
desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada
um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e
depois soltarrdquo
Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume
havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as
normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo
usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento
Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute
tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma
Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por
parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em
particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo
identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de
2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos
gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de
3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se
SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou
nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto
de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os
rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido
possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante
42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319
39
agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da
corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos
A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)
que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o
Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica
informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de
identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou
crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas
pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e
ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento
Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento
feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -
organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo
com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a
manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da
Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois
se espalharam pelo centro
Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se
determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular
Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito
interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a
atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu
Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta
manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial
em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes
policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees
O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo
em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial
40
No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado
de se identificarem previamente como tais no momento de advertir
com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a
forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua
atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees
estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e
adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se
f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de
seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas
ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever
potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim
de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no
terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e
comportamento policial
Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a
identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que
cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e
ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se
g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as
forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de
abusos ou atos de violecircncia
h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou
judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas
operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos
no curso das mesmas
41
Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos
cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013
em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos
A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou
que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem
disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes
em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que
confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns
trechos da mateacuteria
Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes
sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas
delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo
Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo
investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute
abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi
concluiacuteda e nenhum policial foi punido
A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute
os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo
processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1
de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014
Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de
Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum
policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21
policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato
Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e
tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e
ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades
43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)
42
v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS
CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES
Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do
Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa
atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute
de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila
Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em
manifestaccedilotildees futuras
Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute
imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo
temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de
confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo
Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a
negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A
proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da
Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que
Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os
governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar
atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos
especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da
forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a
compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de
persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos
destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados
da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e
procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos
43
Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um
negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se
evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se
e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves
manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes
para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e
protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de
conflito
Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na
Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos
publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72
daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue
72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no
uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a
resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das
multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como
meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45
Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de
Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia
da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se
44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf
44
38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um
verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades
policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da
manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico
Suiacuteccedila e outros paiacuteses47
Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os
documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador
civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco
de conflito social
vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa
de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na
dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila
notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas
O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar
Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre
recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo
Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem
alguns trechos
No comando do choque eu soacute recebi precircmios
47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora
45
Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe
pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de
Satildeo Paulo
ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de
protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo
A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho
quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e
pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo
foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do
centro saqueadas
Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da
Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui
ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou
A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v
Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de
dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute
o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte
ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar
seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito
negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50
Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando
preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa
policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre
expressatildeo
49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)
46
ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees
razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento
paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem
violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da
legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento
de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo
manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma
manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das
pessoasrdquo52
Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho
de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante
da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo
A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava
subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e
um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas
patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de
brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo
tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha
bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa
assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou
brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo
[]
Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos
policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles
ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar
sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E
todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado
52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas
47
do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo
para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo
[]
Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu
encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de
gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba
nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para
os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de
novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me
lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de
Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo
mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da
poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo
estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e
nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo
[]
A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes
Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a
gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem
Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o
pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes
lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila
Roosevelt
[]
O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da
Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava
que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente
ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima
tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali
natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando
bomba em cima da gente
O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da
Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e
intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso
desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a
48
agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de
Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se
ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees
policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso
indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o
membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para
proteger seus companheiros ali presentesrdquo54
Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave
determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve
permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo
administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes
vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A
ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica
do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e
internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo
puacuteblico
Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da
forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a
formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas
53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo
49
Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que
ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e
de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na
elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e
minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e
de armas de fogordquo
Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para
determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila
deveriam seguir Aqui estatildeo elas
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo
da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os
tipos de armas e municcedilotildees permitidas
(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias
apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio
(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos
injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis
(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas
de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas
armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de
armas de fogo
50
(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no
desempenho das suas funccedilotildees
Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila
e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia
da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece
as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila
Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como
aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos
agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento
dessas diretrizes
1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar
nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e
deveraacute considerar primordialmente
a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela
Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na
sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979
b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de
Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados
pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo
198961 de 24 de maio de 1989
c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo
Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o
Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto
a 7 de setembro de 1999
d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis
Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees
Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de
1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991
51
Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade
resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a
necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna
ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial
Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao
Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que
tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria
9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos
disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo
objetivamente
a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas
b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao
ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no
evento
c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo
perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento
d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees
desnecessaacuterias e risco injustificado e
e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente
de seguranccedila puacuteblica
Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do
Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de
Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que
regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees
Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se
natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como
a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de
manifestaccedilotildees e reuniotildees populares
52
Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro
miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos
que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e
sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil
6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE
DIREITOS HUMANOS
O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado
por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica
contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso
internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados
no que tange agrave dignidade humana
De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados
natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a
dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados
podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros
Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos
que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos
internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas
Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo
terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua
responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos
internacionalmente admitidos
55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf
53
Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56
apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute
um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees
como prova para outro procedimento de julgamento internacional do
Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura
ignorada
Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados
no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos
normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo
Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina
se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses
oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o
jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi
distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda
externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados
ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos
constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os
paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o
respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil
continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos
nacionalmente57
Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da
presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o
que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada
56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355
54
7) CONCLUSAtildeO
A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm
Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para
resoluccedilatildeo da presente controveacutersia
Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e
histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma
expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo
se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do
Estado de Satildeo Paulo
Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a
atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa
padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia
O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo
Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos
Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que
expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e
que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente
demanda
55
8) PEDIDO
Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como
amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae
requer-se seu recebimento como memoriais
Termos em que
Pede deferimento
Satildeo Paulo 17 de julho de 2014
Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs
OABSP 262284 OABSP 101663
Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni
OABSP 284930 OABSP 286871
Sheila Santana de Carvalho
OABSP 343588
25
Seu artigo 3ordm dispotildee
Os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei soacute podem empregar a
forccedila quando tal se afigure estritamente necessaacuterio e na medida
exigida para o cumprimento do seu dever
Bastaria a leitura deste artigo para verificar que os agentes de seguranccedila
independente do dever que entendiam estar cumprindo ultrapassaram (e muito) o
estritamente necessaacuterio
Ainda assim esse importante documento internacional vigente desde 1979
possui comentaacuterios interpretativos31 que permitem a melhor aplicaccedilatildeo de seus dispositivos
Veja-se o que diz o comentaacuterio do artigo 3ordm
ldquoComentaacuterio
a) Esta disposiccedilatildeo salienta que o emprego da forccedila por parte dos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deve ser excepcional
Embora admita que estes funcionaacuterios possam estar autorizados a utilizar a
forccedila na medida em que tal seja razoavelmente considerado como
necessaacuterio tendo em conta as circunstacircncias para a prevenccedilatildeo de um crime
ou para deter ou ajudar agrave detenccedilatildeo legal de delinquentes ou de suspeitos
qualquer uso da forccedila fora deste contexto natildeo eacute permitido
b) A lei nacional restringe normalmente o emprego da forccedila pelos
funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei de acordo com o princiacutepio
da proporcionalidade Deve-se entender que tais princiacutepios nacionais
de proporcionalidade devem ser respeitados na interpretaccedilatildeo desta
disposiccedilatildeo
A presente disposiccedilatildeo natildeo deve ser em nenhum caso interpretada no
sentido da autorizaccedilatildeo do emprego da forccedila em desproporccedilatildeo com o
legiacutetimo objetivo a atingir
c) O emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem
fazer-se todos os esforccedilos no sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de
31 Diretrizes para a efetiva implementaccedilatildeo do Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei Adotado pelo Conselho Econocircmico e Social da ONU em 1986 por meio da resoluccedilatildeo nordm 198661
26
fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo utilizar-se
armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou
quando de qualquer forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja
suficientes medidas menos extremas para o dominar ou deter Cada vez que
uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as
autoridades competentesrdquo
Observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP tambeacutem natildeo respeitou as disposiccedilotildees dos
Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios
Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (Princiacutepios Baacutesicos) outra normativa no acircmbito
da ONU a qual o Brasil estaacute submetido
32
Eacute escandaloso o descompasso da atuaccedilatildeo policial com o que determina o
paraacutegrafo 5 desse importante documento Veja-se
32 Disponiacutevel em httppontoeletronicomewp-contentuploads20130613jun2013-policial-se-prepara-para-atirar-contra-manifestantes-durante-protesto-contra-o-aumento-da-tarifa-do-transporte-coletivo-realizado-pelas-ruas-da-regiao-central-de-sao-paulo-1371176850700_1920x1080jpg
27
ldquo5 Sempre que o uso legiacutetimo da forccedila e de armas de fogo for inevitaacutevel
os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
(a) Exercer moderaccedilatildeo no uso de tais recursos e agir na proporccedilatildeo da
gravidade da infraccedilatildeo e do objetivo legiacutetimo a ser alcanccedilado
(b) Minimizar danos e ferimentos e respeitar e preservar a vida humana
(c) Assegurar que qualquer indiviacuteduo ferido ou afetado receba assistecircncia e
cuidados meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel
(d) Garantir que os familiares ou amigos iacutentimos da pessoa ferida ou afetada
sejam notificados o mais depressa possiacutevel
Diante dos fatos narrados na inicial eacute possiacutevel se questionar O uso legiacutetimo da
forccedila foi inevitaacutevel Houve infraccedilatildeo grave dos manifestantes para justificar a proporccedilatildeo da
forccedila policial aplicada Houve por parte da PMESP a prestaccedilatildeo de assistecircncia e cuidados
meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel As forccedilas repressivas do Estado garantiram a imediata
notificaccedilatildeo dos feridos
A resposta eacute veementemente negativa para todas essas questotildees
Independentemente dos questionamentos acima tambeacutem natildeo eacute possiacutevel
identificar qual o objetivo legiacutetimo da atuaccedilatildeo da PMESP A proacutepria intenccedilatildeo de dispersatildeo
jaacute ofende o direito agrave reuniatildeo legalmente exercido pela manifestaccedilatildeo puacuteblica presente nos 8
casos trazidos na inicial poreacutem a PMESP foi aleacutem pois contrariou os princiacutepios 13 e 14
dos Princiacutepios Baacutesicos33 ainda que tais manifestaccedilotildees fossem consideradas ilegais e
violentas
Ora estaacute mais do que claro que a utilizaccedilatildeo de armamento de fogo com
municcedilatildeo de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral estariam
absolutamente descartadas se fossem cumpridas as normativas internacionais para
o uso da forccedila
33 A transcriccedilatildeo dos artigos 13 e 14 dos princiacutepios baacutesicos estaacute na paacutegina 16
28
Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais
mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito
internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de
proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade
Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser
sempre a uacuteltima opccedilatildeo
O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias
ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no
sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida
74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo
da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um
contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente
treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo
contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente
quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis
Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente
controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave
forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro
juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo
34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre
Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)
29
iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia
de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma
confiaacutevel36
Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees
da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da
liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX
que ora transcreve-se
Artigo XIX
Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito
inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e
transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente
de fronteiras
Artigo XX
1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas
2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo
Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre
Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem
assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o
relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de
controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto
identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees
36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
30
administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo
das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas
investigaccedilotildees
Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho
de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma
das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de
maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila
de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel
abuso da forccedila
Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas
administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em
manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente
necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de
planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso
abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo
recomendou as seguintes medidas
a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da
forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas
b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees
c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para
verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores
A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao
Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde
partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de
comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela
PMESP no dia 13 de junho de 2014
31
Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que
um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem
de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros
internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em
qualquer outra manifestaccedilatildeo popular
iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO
DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO
Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo
em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de
direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)
ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi
realizada de forma violenta e ilegal
Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem
evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De
acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude
adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia
perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois
A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de
gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a
Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como
pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era
como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e
violecircncia
Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na
direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria
Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos
os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da
Silva)
32
ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um
cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a
ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha
muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais
lanccedilavam bomba por nada para todos os lados
Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as
pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva
[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se
acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas
entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]
quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para
deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos
Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando
com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta
velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo
tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas
pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As
33
pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas
que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair
de laacute
Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o
traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato
mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da
accedilatildeo repressiva
A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava
dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na
Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []
Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente
rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais
comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como
eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para
dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no
chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador
34
Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante
recorrentes
Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um
ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial
mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua
patricinha vagabundarsquo ele me dizia
[]
Vai embora sua prostituta
A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer
seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente
sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral
Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo
Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes
puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz
que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no
35
sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo
utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer
forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou
deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades
competentes
No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de
Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma
de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de
armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal
aviso deve ser feito de forma clara e adequada
Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento
10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente
a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo
suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando
tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave
ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso
Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a
utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo
de armas de fogo
Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a
grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade
policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma
sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma
36
manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos
princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38
Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)
manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de
proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo
com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado
ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever
de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e
menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas
deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme
os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo
A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa
de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila
Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do
Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas
envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para
que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio
ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se
identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza
as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila
outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude
exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
37
[]
A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica
implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto
proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com
proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de
reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O
grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja
considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do
que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de
maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se
encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o
uso da forccedila resulta desproporcionado
Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da
aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute
internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado
internacional de direitos humanos
Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com
documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema
necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas
de seguranccedila
iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE
POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES
Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a
de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de
identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria
responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)
41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15
38
ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo
ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem
os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na
Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo
onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam
muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito
desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada
um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e
depois soltarrdquo
Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume
havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as
normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo
usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento
Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute
tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma
Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por
parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em
particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo
identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de
2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos
gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de
3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se
SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou
nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto
de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os
rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido
possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante
42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319
39
agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da
corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos
A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)
que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o
Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica
informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de
identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou
crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas
pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e
ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento
Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento
feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -
organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo
com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a
manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da
Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois
se espalharam pelo centro
Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se
determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular
Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito
interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a
atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu
Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta
manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial
em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes
policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees
O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo
em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial
40
No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado
de se identificarem previamente como tais no momento de advertir
com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a
forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua
atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees
estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e
adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se
f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de
seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas
ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever
potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim
de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no
terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e
comportamento policial
Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a
identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que
cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e
ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se
g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as
forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de
abusos ou atos de violecircncia
h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou
judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas
operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos
no curso das mesmas
41
Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos
cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013
em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos
A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou
que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem
disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes
em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que
confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns
trechos da mateacuteria
Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes
sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas
delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo
Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo
investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute
abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi
concluiacuteda e nenhum policial foi punido
A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute
os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo
processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1
de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014
Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de
Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum
policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21
policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato
Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e
tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e
ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades
43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)
42
v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS
CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES
Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do
Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa
atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute
de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila
Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em
manifestaccedilotildees futuras
Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute
imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo
temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de
confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo
Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a
negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A
proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da
Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que
Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os
governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar
atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos
especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da
forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a
compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de
persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos
destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados
da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e
procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos
43
Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um
negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se
evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se
e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves
manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes
para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e
protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de
conflito
Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na
Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos
publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72
daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue
72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no
uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a
resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das
multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como
meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45
Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de
Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia
da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se
44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf
44
38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um
verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades
policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da
manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico
Suiacuteccedila e outros paiacuteses47
Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os
documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador
civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco
de conflito social
vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa
de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na
dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila
notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas
O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar
Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre
recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo
Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem
alguns trechos
No comando do choque eu soacute recebi precircmios
47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora
45
Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe
pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de
Satildeo Paulo
ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de
protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo
A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho
quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e
pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo
foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do
centro saqueadas
Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da
Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui
ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou
A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v
Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de
dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute
o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte
ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar
seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito
negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50
Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando
preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa
policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre
expressatildeo
49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)
46
ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees
razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento
paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem
violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da
legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento
de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo
manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma
manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das
pessoasrdquo52
Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho
de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante
da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo
A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava
subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e
um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas
patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de
brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo
tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha
bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa
assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou
brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo
[]
Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos
policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles
ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar
sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E
todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado
52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas
47
do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo
para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo
[]
Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu
encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de
gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba
nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para
os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de
novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me
lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de
Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo
mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da
poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo
estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e
nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo
[]
A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes
Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a
gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem
Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o
pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes
lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila
Roosevelt
[]
O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da
Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava
que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente
ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima
tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali
natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando
bomba em cima da gente
O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da
Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e
intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso
desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a
48
agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de
Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se
ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees
policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso
indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o
membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para
proteger seus companheiros ali presentesrdquo54
Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave
determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve
permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo
administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes
vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A
ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica
do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e
internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo
puacuteblico
Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da
forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a
formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas
53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo
49
Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que
ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e
de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na
elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e
minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e
de armas de fogordquo
Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para
determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila
deveriam seguir Aqui estatildeo elas
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo
da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os
tipos de armas e municcedilotildees permitidas
(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias
apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio
(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos
injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis
(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas
de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas
armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de
armas de fogo
50
(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no
desempenho das suas funccedilotildees
Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila
e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia
da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece
as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila
Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como
aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos
agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento
dessas diretrizes
1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar
nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e
deveraacute considerar primordialmente
a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela
Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na
sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979
b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de
Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados
pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo
198961 de 24 de maio de 1989
c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo
Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o
Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto
a 7 de setembro de 1999
d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis
Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees
Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de
1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991
51
Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade
resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a
necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna
ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial
Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao
Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que
tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria
9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos
disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo
objetivamente
a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas
b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao
ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no
evento
c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo
perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento
d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees
desnecessaacuterias e risco injustificado e
e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente
de seguranccedila puacuteblica
Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do
Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de
Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que
regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees
Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se
natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como
a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de
manifestaccedilotildees e reuniotildees populares
52
Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro
miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos
que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e
sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil
6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE
DIREITOS HUMANOS
O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado
por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica
contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso
internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados
no que tange agrave dignidade humana
De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados
natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a
dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados
podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros
Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos
que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos
internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas
Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo
terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua
responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos
internacionalmente admitidos
55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf
53
Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56
apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute
um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees
como prova para outro procedimento de julgamento internacional do
Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura
ignorada
Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados
no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos
normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo
Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina
se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses
oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o
jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi
distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda
externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados
ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos
constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os
paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o
respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil
continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos
nacionalmente57
Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da
presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o
que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada
56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355
54
7) CONCLUSAtildeO
A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm
Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para
resoluccedilatildeo da presente controveacutersia
Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e
histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma
expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo
se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do
Estado de Satildeo Paulo
Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a
atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa
padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia
O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo
Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos
Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que
expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e
que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente
demanda
55
8) PEDIDO
Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como
amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae
requer-se seu recebimento como memoriais
Termos em que
Pede deferimento
Satildeo Paulo 17 de julho de 2014
Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs
OABSP 262284 OABSP 101663
Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni
OABSP 284930 OABSP 286871
Sheila Santana de Carvalho
OABSP 343588
26
fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo utilizar-se
armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou
quando de qualquer forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja
suficientes medidas menos extremas para o dominar ou deter Cada vez que
uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as
autoridades competentesrdquo
Observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP tambeacutem natildeo respeitou as disposiccedilotildees dos
Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios
Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (Princiacutepios Baacutesicos) outra normativa no acircmbito
da ONU a qual o Brasil estaacute submetido
32
Eacute escandaloso o descompasso da atuaccedilatildeo policial com o que determina o
paraacutegrafo 5 desse importante documento Veja-se
32 Disponiacutevel em httppontoeletronicomewp-contentuploads20130613jun2013-policial-se-prepara-para-atirar-contra-manifestantes-durante-protesto-contra-o-aumento-da-tarifa-do-transporte-coletivo-realizado-pelas-ruas-da-regiao-central-de-sao-paulo-1371176850700_1920x1080jpg
27
ldquo5 Sempre que o uso legiacutetimo da forccedila e de armas de fogo for inevitaacutevel
os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
(a) Exercer moderaccedilatildeo no uso de tais recursos e agir na proporccedilatildeo da
gravidade da infraccedilatildeo e do objetivo legiacutetimo a ser alcanccedilado
(b) Minimizar danos e ferimentos e respeitar e preservar a vida humana
(c) Assegurar que qualquer indiviacuteduo ferido ou afetado receba assistecircncia e
cuidados meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel
(d) Garantir que os familiares ou amigos iacutentimos da pessoa ferida ou afetada
sejam notificados o mais depressa possiacutevel
Diante dos fatos narrados na inicial eacute possiacutevel se questionar O uso legiacutetimo da
forccedila foi inevitaacutevel Houve infraccedilatildeo grave dos manifestantes para justificar a proporccedilatildeo da
forccedila policial aplicada Houve por parte da PMESP a prestaccedilatildeo de assistecircncia e cuidados
meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel As forccedilas repressivas do Estado garantiram a imediata
notificaccedilatildeo dos feridos
A resposta eacute veementemente negativa para todas essas questotildees
Independentemente dos questionamentos acima tambeacutem natildeo eacute possiacutevel
identificar qual o objetivo legiacutetimo da atuaccedilatildeo da PMESP A proacutepria intenccedilatildeo de dispersatildeo
jaacute ofende o direito agrave reuniatildeo legalmente exercido pela manifestaccedilatildeo puacuteblica presente nos 8
casos trazidos na inicial poreacutem a PMESP foi aleacutem pois contrariou os princiacutepios 13 e 14
dos Princiacutepios Baacutesicos33 ainda que tais manifestaccedilotildees fossem consideradas ilegais e
violentas
Ora estaacute mais do que claro que a utilizaccedilatildeo de armamento de fogo com
municcedilatildeo de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral estariam
absolutamente descartadas se fossem cumpridas as normativas internacionais para
o uso da forccedila
33 A transcriccedilatildeo dos artigos 13 e 14 dos princiacutepios baacutesicos estaacute na paacutegina 16
28
Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais
mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito
internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de
proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade
Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser
sempre a uacuteltima opccedilatildeo
O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias
ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no
sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida
74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo
da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um
contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente
treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo
contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente
quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis
Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente
controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave
forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro
juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo
34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre
Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)
29
iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia
de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma
confiaacutevel36
Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees
da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da
liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX
que ora transcreve-se
Artigo XIX
Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito
inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e
transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente
de fronteiras
Artigo XX
1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas
2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo
Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre
Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem
assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o
relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de
controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto
identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees
36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
30
administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo
das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas
investigaccedilotildees
Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho
de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma
das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de
maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila
de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel
abuso da forccedila
Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas
administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em
manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente
necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de
planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso
abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo
recomendou as seguintes medidas
a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da
forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas
b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees
c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para
verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores
A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao
Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde
partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de
comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela
PMESP no dia 13 de junho de 2014
31
Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que
um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem
de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros
internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em
qualquer outra manifestaccedilatildeo popular
iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO
DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO
Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo
em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de
direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)
ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi
realizada de forma violenta e ilegal
Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem
evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De
acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude
adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia
perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois
A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de
gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a
Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como
pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era
como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e
violecircncia
Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na
direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria
Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos
os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da
Silva)
32
ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um
cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a
ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha
muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais
lanccedilavam bomba por nada para todos os lados
Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as
pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva
[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se
acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas
entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]
quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para
deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos
Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando
com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta
velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo
tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas
pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As
33
pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas
que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair
de laacute
Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o
traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato
mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da
accedilatildeo repressiva
A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava
dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na
Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []
Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente
rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais
comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como
eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para
dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no
chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador
34
Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante
recorrentes
Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um
ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial
mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua
patricinha vagabundarsquo ele me dizia
[]
Vai embora sua prostituta
A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer
seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente
sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral
Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo
Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes
puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz
que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no
35
sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo
utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer
forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou
deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades
competentes
No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de
Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma
de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de
armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal
aviso deve ser feito de forma clara e adequada
Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento
10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente
a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo
suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando
tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave
ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso
Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a
utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo
de armas de fogo
Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a
grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade
policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma
sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma
36
manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos
princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38
Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)
manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de
proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo
com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado
ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever
de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e
menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas
deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme
os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo
A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa
de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila
Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do
Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas
envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para
que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio
ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se
identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza
as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila
outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude
exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
37
[]
A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica
implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto
proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com
proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de
reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O
grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja
considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do
que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de
maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se
encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o
uso da forccedila resulta desproporcionado
Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da
aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute
internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado
internacional de direitos humanos
Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com
documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema
necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas
de seguranccedila
iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE
POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES
Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a
de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de
identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria
responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)
41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15
38
ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo
ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem
os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na
Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo
onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam
muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito
desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada
um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e
depois soltarrdquo
Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume
havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as
normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo
usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento
Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute
tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma
Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por
parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em
particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo
identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de
2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos
gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de
3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se
SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou
nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto
de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os
rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido
possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante
42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319
39
agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da
corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos
A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)
que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o
Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica
informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de
identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou
crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas
pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e
ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento
Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento
feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -
organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo
com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a
manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da
Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois
se espalharam pelo centro
Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se
determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular
Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito
interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a
atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu
Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta
manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial
em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes
policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees
O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo
em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial
40
No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado
de se identificarem previamente como tais no momento de advertir
com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a
forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua
atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees
estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e
adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se
f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de
seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas
ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever
potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim
de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no
terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e
comportamento policial
Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a
identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que
cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e
ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se
g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as
forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de
abusos ou atos de violecircncia
h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou
judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas
operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos
no curso das mesmas
41
Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos
cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013
em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos
A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou
que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem
disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes
em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que
confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns
trechos da mateacuteria
Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes
sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas
delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo
Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo
investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute
abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi
concluiacuteda e nenhum policial foi punido
A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute
os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo
processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1
de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014
Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de
Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum
policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21
policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato
Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e
tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e
ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades
43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)
42
v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS
CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES
Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do
Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa
atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute
de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila
Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em
manifestaccedilotildees futuras
Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute
imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo
temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de
confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo
Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a
negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A
proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da
Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que
Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os
governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar
atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos
especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da
forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a
compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de
persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos
destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados
da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e
procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos
43
Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um
negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se
evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se
e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves
manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes
para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e
protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de
conflito
Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na
Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos
publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72
daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue
72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no
uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a
resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das
multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como
meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45
Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de
Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia
da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se
44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf
44
38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um
verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades
policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da
manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico
Suiacuteccedila e outros paiacuteses47
Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os
documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador
civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco
de conflito social
vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa
de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na
dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila
notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas
O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar
Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre
recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo
Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem
alguns trechos
No comando do choque eu soacute recebi precircmios
47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora
45
Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe
pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de
Satildeo Paulo
ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de
protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo
A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho
quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e
pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo
foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do
centro saqueadas
Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da
Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui
ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou
A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v
Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de
dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute
o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte
ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar
seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito
negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50
Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando
preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa
policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre
expressatildeo
49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)
46
ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees
razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento
paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem
violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da
legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento
de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo
manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma
manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das
pessoasrdquo52
Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho
de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante
da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo
A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava
subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e
um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas
patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de
brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo
tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha
bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa
assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou
brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo
[]
Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos
policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles
ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar
sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E
todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado
52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas
47
do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo
para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo
[]
Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu
encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de
gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba
nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para
os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de
novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me
lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de
Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo
mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da
poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo
estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e
nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo
[]
A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes
Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a
gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem
Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o
pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes
lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila
Roosevelt
[]
O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da
Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava
que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente
ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima
tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali
natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando
bomba em cima da gente
O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da
Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e
intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso
desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a
48
agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de
Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se
ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees
policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso
indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o
membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para
proteger seus companheiros ali presentesrdquo54
Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave
determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve
permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo
administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes
vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A
ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica
do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e
internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo
puacuteblico
Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da
forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a
formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas
53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo
49
Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que
ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e
de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na
elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e
minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e
de armas de fogordquo
Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para
determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila
deveriam seguir Aqui estatildeo elas
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo
da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os
tipos de armas e municcedilotildees permitidas
(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias
apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio
(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos
injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis
(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas
de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas
armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de
armas de fogo
50
(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no
desempenho das suas funccedilotildees
Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila
e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia
da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece
as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila
Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como
aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos
agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento
dessas diretrizes
1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar
nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e
deveraacute considerar primordialmente
a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela
Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na
sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979
b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de
Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados
pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo
198961 de 24 de maio de 1989
c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo
Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o
Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto
a 7 de setembro de 1999
d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis
Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees
Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de
1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991
51
Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade
resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a
necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna
ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial
Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao
Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que
tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria
9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos
disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo
objetivamente
a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas
b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao
ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no
evento
c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo
perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento
d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees
desnecessaacuterias e risco injustificado e
e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente
de seguranccedila puacuteblica
Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do
Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de
Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que
regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees
Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se
natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como
a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de
manifestaccedilotildees e reuniotildees populares
52
Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro
miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos
que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e
sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil
6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE
DIREITOS HUMANOS
O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado
por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica
contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso
internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados
no que tange agrave dignidade humana
De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados
natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a
dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados
podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros
Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos
que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos
internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas
Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo
terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua
responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos
internacionalmente admitidos
55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf
53
Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56
apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute
um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees
como prova para outro procedimento de julgamento internacional do
Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura
ignorada
Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados
no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos
normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo
Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina
se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses
oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o
jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi
distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda
externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados
ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos
constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os
paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o
respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil
continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos
nacionalmente57
Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da
presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o
que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada
56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355
54
7) CONCLUSAtildeO
A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm
Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para
resoluccedilatildeo da presente controveacutersia
Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e
histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma
expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo
se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do
Estado de Satildeo Paulo
Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a
atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa
padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia
O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo
Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos
Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que
expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e
que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente
demanda
55
8) PEDIDO
Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como
amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae
requer-se seu recebimento como memoriais
Termos em que
Pede deferimento
Satildeo Paulo 17 de julho de 2014
Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs
OABSP 262284 OABSP 101663
Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni
OABSP 284930 OABSP 286871
Sheila Santana de Carvalho
OABSP 343588
27
ldquo5 Sempre que o uso legiacutetimo da forccedila e de armas de fogo for inevitaacutevel
os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
(a) Exercer moderaccedilatildeo no uso de tais recursos e agir na proporccedilatildeo da
gravidade da infraccedilatildeo e do objetivo legiacutetimo a ser alcanccedilado
(b) Minimizar danos e ferimentos e respeitar e preservar a vida humana
(c) Assegurar que qualquer indiviacuteduo ferido ou afetado receba assistecircncia e
cuidados meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel
(d) Garantir que os familiares ou amigos iacutentimos da pessoa ferida ou afetada
sejam notificados o mais depressa possiacutevel
Diante dos fatos narrados na inicial eacute possiacutevel se questionar O uso legiacutetimo da
forccedila foi inevitaacutevel Houve infraccedilatildeo grave dos manifestantes para justificar a proporccedilatildeo da
forccedila policial aplicada Houve por parte da PMESP a prestaccedilatildeo de assistecircncia e cuidados
meacutedicos o mais raacutepido possiacutevel As forccedilas repressivas do Estado garantiram a imediata
notificaccedilatildeo dos feridos
A resposta eacute veementemente negativa para todas essas questotildees
Independentemente dos questionamentos acima tambeacutem natildeo eacute possiacutevel
identificar qual o objetivo legiacutetimo da atuaccedilatildeo da PMESP A proacutepria intenccedilatildeo de dispersatildeo
jaacute ofende o direito agrave reuniatildeo legalmente exercido pela manifestaccedilatildeo puacuteblica presente nos 8
casos trazidos na inicial poreacutem a PMESP foi aleacutem pois contrariou os princiacutepios 13 e 14
dos Princiacutepios Baacutesicos33 ainda que tais manifestaccedilotildees fossem consideradas ilegais e
violentas
Ora estaacute mais do que claro que a utilizaccedilatildeo de armamento de fogo com
municcedilatildeo de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral estariam
absolutamente descartadas se fossem cumpridas as normativas internacionais para
o uso da forccedila
33 A transcriccedilatildeo dos artigos 13 e 14 dos princiacutepios baacutesicos estaacute na paacutegina 16
28
Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais
mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito
internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de
proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade
Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser
sempre a uacuteltima opccedilatildeo
O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias
ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no
sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida
74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo
da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um
contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente
treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo
contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente
quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis
Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente
controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave
forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro
juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo
34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre
Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)
29
iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia
de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma
confiaacutevel36
Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees
da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da
liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX
que ora transcreve-se
Artigo XIX
Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito
inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e
transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente
de fronteiras
Artigo XX
1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas
2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo
Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre
Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem
assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o
relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de
controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto
identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees
36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
30
administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo
das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas
investigaccedilotildees
Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho
de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma
das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de
maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila
de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel
abuso da forccedila
Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas
administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em
manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente
necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de
planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso
abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo
recomendou as seguintes medidas
a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da
forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas
b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees
c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para
verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores
A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao
Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde
partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de
comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela
PMESP no dia 13 de junho de 2014
31
Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que
um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem
de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros
internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em
qualquer outra manifestaccedilatildeo popular
iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO
DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO
Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo
em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de
direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)
ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi
realizada de forma violenta e ilegal
Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem
evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De
acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude
adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia
perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois
A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de
gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a
Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como
pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era
como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e
violecircncia
Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na
direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria
Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos
os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da
Silva)
32
ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um
cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a
ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha
muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais
lanccedilavam bomba por nada para todos os lados
Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as
pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva
[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se
acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas
entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]
quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para
deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos
Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando
com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta
velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo
tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas
pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As
33
pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas
que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair
de laacute
Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o
traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato
mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da
accedilatildeo repressiva
A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava
dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na
Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []
Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente
rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais
comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como
eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para
dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no
chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador
34
Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante
recorrentes
Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um
ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial
mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua
patricinha vagabundarsquo ele me dizia
[]
Vai embora sua prostituta
A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer
seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente
sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral
Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo
Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes
puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz
que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no
35
sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo
utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer
forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou
deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades
competentes
No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de
Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma
de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de
armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal
aviso deve ser feito de forma clara e adequada
Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento
10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente
a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo
suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando
tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave
ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso
Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a
utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo
de armas de fogo
Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a
grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade
policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma
sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma
36
manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos
princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38
Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)
manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de
proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo
com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado
ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever
de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e
menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas
deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme
os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo
A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa
de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila
Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do
Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas
envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para
que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio
ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se
identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza
as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila
outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude
exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
37
[]
A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica
implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto
proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com
proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de
reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O
grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja
considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do
que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de
maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se
encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o
uso da forccedila resulta desproporcionado
Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da
aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute
internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado
internacional de direitos humanos
Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com
documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema
necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas
de seguranccedila
iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE
POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES
Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a
de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de
identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria
responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)
41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15
38
ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo
ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem
os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na
Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo
onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam
muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito
desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada
um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e
depois soltarrdquo
Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume
havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as
normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo
usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento
Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute
tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma
Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por
parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em
particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo
identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de
2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos
gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de
3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se
SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou
nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto
de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os
rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido
possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante
42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319
39
agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da
corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos
A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)
que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o
Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica
informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de
identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou
crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas
pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e
ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento
Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento
feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -
organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo
com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a
manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da
Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois
se espalharam pelo centro
Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se
determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular
Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito
interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a
atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu
Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta
manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial
em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes
policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees
O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo
em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial
40
No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado
de se identificarem previamente como tais no momento de advertir
com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a
forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua
atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees
estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e
adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se
f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de
seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas
ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever
potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim
de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no
terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e
comportamento policial
Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a
identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que
cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e
ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se
g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as
forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de
abusos ou atos de violecircncia
h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou
judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas
operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos
no curso das mesmas
41
Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos
cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013
em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos
A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou
que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem
disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes
em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que
confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns
trechos da mateacuteria
Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes
sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas
delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo
Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo
investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute
abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi
concluiacuteda e nenhum policial foi punido
A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute
os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo
processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1
de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014
Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de
Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum
policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21
policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato
Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e
tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e
ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades
43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)
42
v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS
CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES
Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do
Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa
atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute
de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila
Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em
manifestaccedilotildees futuras
Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute
imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo
temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de
confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo
Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a
negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A
proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da
Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que
Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os
governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar
atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos
especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da
forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a
compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de
persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos
destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados
da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e
procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos
43
Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um
negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se
evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se
e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves
manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes
para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e
protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de
conflito
Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na
Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos
publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72
daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue
72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no
uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a
resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das
multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como
meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45
Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de
Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia
da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se
44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf
44
38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um
verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades
policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da
manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico
Suiacuteccedila e outros paiacuteses47
Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os
documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador
civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco
de conflito social
vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa
de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na
dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila
notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas
O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar
Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre
recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo
Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem
alguns trechos
No comando do choque eu soacute recebi precircmios
47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora
45
Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe
pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de
Satildeo Paulo
ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de
protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo
A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho
quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e
pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo
foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do
centro saqueadas
Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da
Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui
ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou
A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v
Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de
dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute
o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte
ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar
seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito
negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50
Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando
preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa
policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre
expressatildeo
49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)
46
ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees
razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento
paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem
violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da
legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento
de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo
manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma
manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das
pessoasrdquo52
Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho
de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante
da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo
A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava
subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e
um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas
patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de
brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo
tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha
bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa
assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou
brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo
[]
Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos
policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles
ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar
sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E
todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado
52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas
47
do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo
para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo
[]
Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu
encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de
gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba
nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para
os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de
novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me
lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de
Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo
mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da
poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo
estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e
nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo
[]
A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes
Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a
gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem
Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o
pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes
lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila
Roosevelt
[]
O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da
Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava
que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente
ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima
tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali
natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando
bomba em cima da gente
O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da
Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e
intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso
desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a
48
agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de
Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se
ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees
policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso
indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o
membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para
proteger seus companheiros ali presentesrdquo54
Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave
determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve
permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo
administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes
vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A
ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica
do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e
internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo
puacuteblico
Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da
forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a
formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas
53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo
49
Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que
ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e
de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na
elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e
minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e
de armas de fogordquo
Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para
determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila
deveriam seguir Aqui estatildeo elas
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo
da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os
tipos de armas e municcedilotildees permitidas
(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias
apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio
(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos
injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis
(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas
de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas
armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de
armas de fogo
50
(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no
desempenho das suas funccedilotildees
Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila
e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia
da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece
as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila
Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como
aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos
agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento
dessas diretrizes
1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar
nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e
deveraacute considerar primordialmente
a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela
Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na
sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979
b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de
Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados
pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo
198961 de 24 de maio de 1989
c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo
Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o
Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto
a 7 de setembro de 1999
d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis
Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees
Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de
1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991
51
Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade
resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a
necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna
ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial
Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao
Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que
tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria
9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos
disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo
objetivamente
a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas
b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao
ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no
evento
c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo
perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento
d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees
desnecessaacuterias e risco injustificado e
e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente
de seguranccedila puacuteblica
Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do
Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de
Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que
regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees
Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se
natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como
a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de
manifestaccedilotildees e reuniotildees populares
52
Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro
miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos
que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e
sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil
6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE
DIREITOS HUMANOS
O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado
por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica
contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso
internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados
no que tange agrave dignidade humana
De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados
natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a
dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados
podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros
Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos
que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos
internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas
Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo
terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua
responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos
internacionalmente admitidos
55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf
53
Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56
apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute
um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees
como prova para outro procedimento de julgamento internacional do
Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura
ignorada
Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados
no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos
normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo
Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina
se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses
oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o
jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi
distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda
externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados
ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos
constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os
paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o
respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil
continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos
nacionalmente57
Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da
presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o
que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada
56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355
54
7) CONCLUSAtildeO
A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm
Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para
resoluccedilatildeo da presente controveacutersia
Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e
histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma
expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo
se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do
Estado de Satildeo Paulo
Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a
atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa
padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia
O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo
Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos
Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que
expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e
que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente
demanda
55
8) PEDIDO
Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como
amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae
requer-se seu recebimento como memoriais
Termos em que
Pede deferimento
Satildeo Paulo 17 de julho de 2014
Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs
OABSP 262284 OABSP 101663
Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni
OABSP 284930 OABSP 286871
Sheila Santana de Carvalho
OABSP 343588
28
Importante notar que ainda que nenhum dos documentos internacionais
mencionados acima sejam vinculantes eles tecircm sido utilizados como doutrina de direito
internacional nos pronunciamentos de oacutergatildeos oficiais dos sistemas internacionais de
proteccedilatildeo34 Seus dois principais princiacutepios satildeo a proporcionalidade e a estrita necessidade
Isto implica que o uso da forccedila e especialmente a forccedila potencialmente letal deveraacute ser
sempre a uacuteltima opccedilatildeo
O proacuteprio Relator Especial da ONU sobre Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias
ou Extrajudiciais Philip Alston jaacute se manifestou ao Conselho de Direitos Humanos35 no
sentido de que esse armamento deve ser utilizado em casos extremos como perigo agrave vida
74 Como discutido acima o uso intencional de forccedila letal para a aplicaccedilatildeo
da lei soacute eacute permitido quando utilizada em defesa da vida Assim fora de um
contexto de conflito armado os policiais devem ser obrigatoriamente
treinados para planejar e tomar medidas natildeo letais ndash incluindo
contenccedilatildeo captura e uso gradual da forccedila ndash podendo ser letais somente
quando essas medidas natildeo forem possiacuteveis
Os Estados devem dar publicidade agraves medidas tomadas para ldquoestritamente
controlar e limitar as circunstacircnciasrdquo nas quais os policiais podem recorrer agrave
forccedila letal incluindo o niacutevel da forccedila utilizada em cada estaacutegio O quadro
juriacutedico deve levar em conta a possibilidade de que a ameaccedila seja tatildeo
34 Vide ONU Relator Especial para Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias 1ordm Informe sobre
Execuccedilotildees Extrajudiciais Sumaacuterias e Arbitraacuterias de 30082011 (Doc A66330) Paraacutegrafo 36 As declaraccedilotildees das autoridades de direito internacional que estabelecem os princiacutepios sobre o uso da forccedila pela poliacutecia encontram-se no Coacutedigo de Conduta para os funcionaacuterios responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da Lei e pelos Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei A essecircncia desses documentos eacute refletida no princiacutepio da defesa da vida Tais princiacutepios devem ser aplicados em relaccedilatildeo agrave prisatildeo detenccedilatildeo ou defesa privada por agentes da lei Traduccedilatildeo livre de 36 The authoritative statements of international law that set out the principles on the use of force by the police are to be found in the Code of Conduct for Law Enforcement Officials23 (hereafter the Code) and the Basic Principles on the Use of Force and Firearms by Law Enforcement Officials24 (hereafter the Basic Principles) The essence of these instruments is reflected in the ldquoprotection of liferdquo principle as described above These principles may be applied in respect of arrest detention or private defence by law enforcement officials Disponiacutevel em httpswebupaczasitefilesfile4715338Annual_Report_30_August_2011pdf 35 ONU Report of the Special Rapporteur on extrajudicial summary or arbitrary executions Philip Alston 28 May 2010 AHRC1424Add6 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs14sessionAHRC1424Add6pdf (acessado em 15062014)
29
iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia
de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma
confiaacutevel36
Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees
da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da
liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX
que ora transcreve-se
Artigo XIX
Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito
inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e
transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente
de fronteiras
Artigo XX
1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas
2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo
Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre
Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem
assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o
relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de
controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto
identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees
36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
30
administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo
das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas
investigaccedilotildees
Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho
de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma
das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de
maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila
de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel
abuso da forccedila
Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas
administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em
manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente
necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de
planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso
abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo
recomendou as seguintes medidas
a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da
forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas
b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees
c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para
verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores
A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao
Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde
partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de
comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela
PMESP no dia 13 de junho de 2014
31
Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que
um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem
de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros
internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em
qualquer outra manifestaccedilatildeo popular
iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO
DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO
Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo
em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de
direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)
ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi
realizada de forma violenta e ilegal
Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem
evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De
acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude
adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia
perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois
A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de
gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a
Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como
pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era
como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e
violecircncia
Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na
direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria
Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos
os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da
Silva)
32
ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um
cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a
ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha
muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais
lanccedilavam bomba por nada para todos os lados
Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as
pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva
[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se
acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas
entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]
quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para
deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos
Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando
com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta
velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo
tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas
pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As
33
pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas
que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair
de laacute
Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o
traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato
mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da
accedilatildeo repressiva
A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava
dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na
Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []
Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente
rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais
comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como
eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para
dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no
chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador
34
Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante
recorrentes
Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um
ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial
mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua
patricinha vagabundarsquo ele me dizia
[]
Vai embora sua prostituta
A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer
seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente
sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral
Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo
Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes
puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz
que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no
35
sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo
utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer
forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou
deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades
competentes
No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de
Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma
de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de
armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal
aviso deve ser feito de forma clara e adequada
Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento
10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente
a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo
suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando
tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave
ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso
Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a
utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo
de armas de fogo
Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a
grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade
policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma
sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma
36
manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos
princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38
Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)
manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de
proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo
com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado
ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever
de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e
menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas
deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme
os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo
A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa
de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila
Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do
Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas
envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para
que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio
ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se
identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza
as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila
outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude
exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
37
[]
A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica
implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto
proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com
proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de
reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O
grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja
considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do
que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de
maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se
encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o
uso da forccedila resulta desproporcionado
Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da
aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute
internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado
internacional de direitos humanos
Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com
documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema
necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas
de seguranccedila
iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE
POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES
Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a
de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de
identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria
responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)
41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15
38
ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo
ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem
os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na
Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo
onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam
muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito
desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada
um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e
depois soltarrdquo
Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume
havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as
normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo
usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento
Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute
tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma
Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por
parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em
particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo
identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de
2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos
gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de
3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se
SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou
nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto
de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os
rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido
possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante
42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319
39
agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da
corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos
A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)
que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o
Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica
informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de
identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou
crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas
pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e
ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento
Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento
feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -
organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo
com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a
manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da
Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois
se espalharam pelo centro
Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se
determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular
Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito
interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a
atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu
Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta
manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial
em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes
policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees
O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo
em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial
40
No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado
de se identificarem previamente como tais no momento de advertir
com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a
forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua
atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees
estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e
adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se
f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de
seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas
ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever
potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim
de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no
terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e
comportamento policial
Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a
identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que
cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e
ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se
g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as
forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de
abusos ou atos de violecircncia
h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou
judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas
operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos
no curso das mesmas
41
Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos
cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013
em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos
A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou
que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem
disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes
em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que
confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns
trechos da mateacuteria
Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes
sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas
delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo
Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo
investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute
abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi
concluiacuteda e nenhum policial foi punido
A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute
os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo
processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1
de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014
Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de
Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum
policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21
policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato
Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e
tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e
ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades
43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)
42
v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS
CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES
Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do
Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa
atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute
de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila
Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em
manifestaccedilotildees futuras
Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute
imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo
temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de
confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo
Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a
negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A
proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da
Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que
Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os
governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar
atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos
especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da
forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a
compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de
persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos
destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados
da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e
procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos
43
Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um
negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se
evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se
e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves
manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes
para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e
protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de
conflito
Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na
Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos
publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72
daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue
72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no
uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a
resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das
multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como
meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45
Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de
Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia
da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se
44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf
44
38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um
verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades
policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da
manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico
Suiacuteccedila e outros paiacuteses47
Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os
documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador
civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco
de conflito social
vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa
de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na
dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila
notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas
O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar
Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre
recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo
Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem
alguns trechos
No comando do choque eu soacute recebi precircmios
47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora
45
Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe
pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de
Satildeo Paulo
ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de
protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo
A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho
quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e
pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo
foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do
centro saqueadas
Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da
Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui
ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou
A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v
Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de
dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute
o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte
ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar
seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito
negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50
Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando
preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa
policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre
expressatildeo
49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)
46
ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees
razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento
paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem
violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da
legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento
de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo
manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma
manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das
pessoasrdquo52
Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho
de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante
da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo
A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava
subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e
um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas
patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de
brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo
tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha
bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa
assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou
brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo
[]
Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos
policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles
ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar
sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E
todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado
52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas
47
do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo
para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo
[]
Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu
encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de
gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba
nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para
os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de
novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me
lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de
Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo
mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da
poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo
estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e
nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo
[]
A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes
Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a
gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem
Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o
pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes
lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila
Roosevelt
[]
O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da
Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava
que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente
ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima
tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali
natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando
bomba em cima da gente
O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da
Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e
intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso
desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a
48
agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de
Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se
ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees
policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso
indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o
membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para
proteger seus companheiros ali presentesrdquo54
Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave
determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve
permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo
administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes
vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A
ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica
do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e
internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo
puacuteblico
Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da
forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a
formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas
53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo
49
Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que
ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e
de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na
elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e
minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e
de armas de fogordquo
Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para
determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila
deveriam seguir Aqui estatildeo elas
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo
da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os
tipos de armas e municcedilotildees permitidas
(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias
apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio
(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos
injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis
(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas
de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas
armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de
armas de fogo
50
(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no
desempenho das suas funccedilotildees
Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila
e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia
da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece
as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila
Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como
aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos
agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento
dessas diretrizes
1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar
nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e
deveraacute considerar primordialmente
a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela
Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na
sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979
b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de
Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados
pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo
198961 de 24 de maio de 1989
c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo
Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o
Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto
a 7 de setembro de 1999
d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis
Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees
Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de
1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991
51
Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade
resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a
necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna
ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial
Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao
Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que
tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria
9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos
disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo
objetivamente
a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas
b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao
ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no
evento
c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo
perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento
d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees
desnecessaacuterias e risco injustificado e
e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente
de seguranccedila puacuteblica
Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do
Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de
Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que
regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees
Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se
natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como
a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de
manifestaccedilotildees e reuniotildees populares
52
Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro
miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos
que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e
sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil
6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE
DIREITOS HUMANOS
O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado
por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica
contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso
internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados
no que tange agrave dignidade humana
De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados
natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a
dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados
podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros
Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos
que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos
internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas
Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo
terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua
responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos
internacionalmente admitidos
55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf
53
Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56
apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute
um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees
como prova para outro procedimento de julgamento internacional do
Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura
ignorada
Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados
no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos
normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo
Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina
se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses
oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o
jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi
distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda
externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados
ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos
constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os
paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o
respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil
continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos
nacionalmente57
Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da
presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o
que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada
56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355
54
7) CONCLUSAtildeO
A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm
Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para
resoluccedilatildeo da presente controveacutersia
Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e
histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma
expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo
se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do
Estado de Satildeo Paulo
Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a
atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa
padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia
O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo
Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos
Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que
expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e
que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente
demanda
55
8) PEDIDO
Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como
amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae
requer-se seu recebimento como memoriais
Termos em que
Pede deferimento
Satildeo Paulo 17 de julho de 2014
Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs
OABSP 262284 OABSP 101663
Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni
OABSP 284930 OABSP 286871
Sheila Santana de Carvalho
OABSP 343588
29
iminente a ponto de natildeo ser possiacutevel se graduar o uso da forccedila e a garantia
de salvaguardas para que a avaliaccedilatildeo da iminecircncia seja feita de forma
confiaacutevel36
Todas essas recomendaccedilotildees no acircmbito da ONU datildeo aplicabilidade agraves disposiccedilotildees
da Declaraccedilatildeo Universal dos Direitos Humanos que preveem a garantia universal da
liberdade de expressatildeo de reuniatildeo e de associaccedilatildeo paciacutefica como seus artigos XIX e XX
que ora transcreve-se
Artigo XIX
Toda pessoa tem direito agrave liberdade de opiniatildeo e expressatildeo este direito
inclui a liberdade de sem interferecircncia ter opiniotildees e de procurar receber e
transmitir informaccedilotildees e ideacuteias por quaisquer meios e independentemente
de fronteiras
Artigo XX
1 Toda pessoa tem direito agrave liberdade de reuniatildeo e associaccedilatildeo paciacuteficas
2 Ningueacutem pode ser obrigado a fazer parte de uma associaccedilatildeo
Tal forma violenta de atuaccedilatildeo do Estado tambeacutem eacute reprovada pela Comissatildeo
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) quando expressa no Relatoacuterio sobre
Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos de 2009 (doc 7)37 que os Estados devem
assegurar que o uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas seja excepcional Aleacutem disso o
relatoacuterio elabora uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas tais como proibiccedilatildeo do uso de armas letais sistema de
controle de municcedilotildees registro das ordens emitidas durante o protesto
identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes envolvidos sistema de sanccedilotildees
36 Traduccedilatildeo livre de ldquo74 As discussed above the intentional use of lethal force in the context of law enforcement is only permitted in defence of life Thus outside the context of armed conflict law enforcement officials are required to be trained in to plan for and to take less-than-lethal measures ndash including restraint capture and the graduated use of force ndash and it is only if these measures are not possible that a law enforcement killing will be legal States should ensure public disclosure of the measures taken to ldquostrictly control and limit the circumstancesrdquo in which law enforcement officers may resort to lethal force including the level of force used at each stage123 The legal framework must take into account the possibility that the threat is so imminent that graduated use of force is not possible and ensure appropriate safeguards are in place so that the assessment of imminence is reliably maderdquo 37 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
30
administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo
das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas
investigaccedilotildees
Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho
de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma
das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de
maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila
de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel
abuso da forccedila
Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas
administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em
manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente
necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de
planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso
abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo
recomendou as seguintes medidas
a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da
forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas
b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees
c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para
verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores
A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao
Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde
partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de
comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela
PMESP no dia 13 de junho de 2014
31
Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que
um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem
de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros
internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em
qualquer outra manifestaccedilatildeo popular
iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO
DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO
Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo
em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de
direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)
ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi
realizada de forma violenta e ilegal
Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem
evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De
acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude
adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia
perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois
A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de
gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a
Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como
pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era
como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e
violecircncia
Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na
direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria
Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos
os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da
Silva)
32
ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um
cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a
ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha
muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais
lanccedilavam bomba por nada para todos os lados
Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as
pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva
[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se
acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas
entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]
quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para
deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos
Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando
com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta
velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo
tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas
pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As
33
pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas
que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair
de laacute
Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o
traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato
mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da
accedilatildeo repressiva
A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava
dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na
Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []
Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente
rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais
comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como
eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para
dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no
chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador
34
Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante
recorrentes
Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um
ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial
mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua
patricinha vagabundarsquo ele me dizia
[]
Vai embora sua prostituta
A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer
seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente
sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral
Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo
Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes
puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz
que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no
35
sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo
utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer
forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou
deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades
competentes
No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de
Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma
de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de
armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal
aviso deve ser feito de forma clara e adequada
Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento
10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente
a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo
suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando
tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave
ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso
Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a
utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo
de armas de fogo
Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a
grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade
policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma
sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma
36
manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos
princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38
Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)
manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de
proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo
com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado
ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever
de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e
menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas
deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme
os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo
A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa
de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila
Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do
Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas
envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para
que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio
ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se
identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza
as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila
outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude
exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
37
[]
A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica
implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto
proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com
proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de
reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O
grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja
considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do
que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de
maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se
encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o
uso da forccedila resulta desproporcionado
Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da
aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute
internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado
internacional de direitos humanos
Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com
documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema
necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas
de seguranccedila
iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE
POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES
Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a
de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de
identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria
responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)
41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15
38
ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo
ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem
os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na
Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo
onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam
muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito
desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada
um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e
depois soltarrdquo
Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume
havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as
normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo
usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento
Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute
tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma
Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por
parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em
particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo
identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de
2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos
gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de
3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se
SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou
nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto
de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os
rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido
possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante
42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319
39
agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da
corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos
A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)
que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o
Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica
informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de
identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou
crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas
pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e
ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento
Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento
feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -
organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo
com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a
manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da
Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois
se espalharam pelo centro
Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se
determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular
Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito
interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a
atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu
Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta
manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial
em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes
policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees
O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo
em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial
40
No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado
de se identificarem previamente como tais no momento de advertir
com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a
forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua
atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees
estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e
adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se
f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de
seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas
ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever
potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim
de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no
terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e
comportamento policial
Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a
identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que
cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e
ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se
g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as
forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de
abusos ou atos de violecircncia
h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou
judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas
operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos
no curso das mesmas
41
Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos
cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013
em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos
A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou
que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem
disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes
em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que
confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns
trechos da mateacuteria
Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes
sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas
delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo
Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo
investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute
abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi
concluiacuteda e nenhum policial foi punido
A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute
os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo
processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1
de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014
Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de
Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum
policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21
policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato
Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e
tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e
ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades
43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)
42
v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS
CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES
Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do
Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa
atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute
de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila
Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em
manifestaccedilotildees futuras
Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute
imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo
temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de
confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo
Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a
negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A
proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da
Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que
Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os
governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar
atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos
especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da
forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a
compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de
persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos
destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados
da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e
procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos
43
Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um
negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se
evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se
e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves
manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes
para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e
protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de
conflito
Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na
Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos
publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72
daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue
72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no
uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a
resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das
multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como
meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45
Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de
Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia
da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se
44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf
44
38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um
verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades
policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da
manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico
Suiacuteccedila e outros paiacuteses47
Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os
documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador
civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco
de conflito social
vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa
de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na
dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila
notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas
O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar
Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre
recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo
Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem
alguns trechos
No comando do choque eu soacute recebi precircmios
47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora
45
Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe
pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de
Satildeo Paulo
ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de
protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo
A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho
quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e
pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo
foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do
centro saqueadas
Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da
Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui
ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou
A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v
Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de
dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute
o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte
ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar
seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito
negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50
Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando
preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa
policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre
expressatildeo
49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)
46
ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees
razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento
paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem
violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da
legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento
de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo
manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma
manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das
pessoasrdquo52
Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho
de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante
da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo
A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava
subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e
um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas
patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de
brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo
tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha
bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa
assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou
brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo
[]
Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos
policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles
ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar
sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E
todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado
52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas
47
do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo
para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo
[]
Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu
encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de
gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba
nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para
os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de
novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me
lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de
Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo
mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da
poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo
estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e
nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo
[]
A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes
Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a
gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem
Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o
pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes
lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila
Roosevelt
[]
O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da
Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava
que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente
ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima
tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali
natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando
bomba em cima da gente
O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da
Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e
intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso
desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a
48
agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de
Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se
ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees
policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso
indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o
membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para
proteger seus companheiros ali presentesrdquo54
Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave
determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve
permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo
administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes
vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A
ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica
do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e
internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo
puacuteblico
Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da
forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a
formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas
53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo
49
Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que
ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e
de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na
elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e
minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e
de armas de fogordquo
Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para
determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila
deveriam seguir Aqui estatildeo elas
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo
da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os
tipos de armas e municcedilotildees permitidas
(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias
apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio
(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos
injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis
(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas
de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas
armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de
armas de fogo
50
(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no
desempenho das suas funccedilotildees
Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila
e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia
da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece
as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila
Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como
aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos
agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento
dessas diretrizes
1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar
nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e
deveraacute considerar primordialmente
a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela
Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na
sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979
b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de
Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados
pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo
198961 de 24 de maio de 1989
c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo
Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o
Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto
a 7 de setembro de 1999
d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis
Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees
Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de
1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991
51
Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade
resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a
necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna
ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial
Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao
Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que
tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria
9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos
disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo
objetivamente
a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas
b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao
ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no
evento
c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo
perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento
d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees
desnecessaacuterias e risco injustificado e
e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente
de seguranccedila puacuteblica
Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do
Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de
Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que
regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees
Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se
natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como
a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de
manifestaccedilotildees e reuniotildees populares
52
Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro
miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos
que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e
sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil
6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE
DIREITOS HUMANOS
O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado
por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica
contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso
internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados
no que tange agrave dignidade humana
De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados
natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a
dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados
podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros
Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos
que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos
internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas
Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo
terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua
responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos
internacionalmente admitidos
55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf
53
Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56
apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute
um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees
como prova para outro procedimento de julgamento internacional do
Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura
ignorada
Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados
no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos
normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo
Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina
se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses
oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o
jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi
distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda
externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados
ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos
constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os
paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o
respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil
continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos
nacionalmente57
Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da
presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o
que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada
56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355
54
7) CONCLUSAtildeO
A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm
Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para
resoluccedilatildeo da presente controveacutersia
Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e
histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma
expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo
se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do
Estado de Satildeo Paulo
Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a
atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa
padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia
O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo
Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos
Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que
expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e
que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente
demanda
55
8) PEDIDO
Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como
amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae
requer-se seu recebimento como memoriais
Termos em que
Pede deferimento
Satildeo Paulo 17 de julho de 2014
Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs
OABSP 262284 OABSP 101663
Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni
OABSP 284930 OABSP 286871
Sheila Santana de Carvalho
OABSP 343588
30
administrativas para abusos envolvendo monitores independentes e a participaccedilatildeo
das viacutetimas impedir que agentes envolvidos no abuso participem ou interfiram nas
investigaccedilotildees
Ao cotejar-se as determinaccedilotildees do Relatoacuterio da CIDH com o caso de 13 de junho
de 2014 trazido na inicial observa-se que o Estado de Satildeo Paulo natildeo adotou nenhuma
das 8 medidas ali determinadas ora destacando-se a criaccedilatildeo de norma que proiacuteba de
maneira efetiva o uso da forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas e a presenccedila
de sistema de registro e controle de municcedilotildees que permita o controle social de possiacutevel
abuso da forccedila
Veja-se o que diz o caput e os itens ldquoardquo ldquobrdquo e ldquocrdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
A Comissatildeo assinalou que os Estados devem assegurar medidas
administrativas de controle que garantam que o uso da forccedila em
manifestaccedilotildees puacuteblicas seraacute excepcional e em circunstacircncias estritamente
necessaacuterias e que devem estabelecer medidas especiais de
planejamento prevenccedilatildeo e investigaccedilatildeo a fim de determinar o possiacutevel uso
abusivo da forccedila neste tipo de situaccedilotildees Neste sentido a Comissatildeo
recomendou as seguintes medidas
a) a implementaccedilatildeo de mecanismos para proibir de maneira efetiva o uso da
forccedila letal como recurso nas manifestaccedilotildees puacuteblicas
b) a implementaccedilatildeo de sistemas de registro e controle de municcedilotildees
c) a implementaccedilatildeo de um sistema de registro das comunicaccedilotildees para
verificar as ordens operacionais seus responsaacuteveis e executores
A proacutepria Conectas Direitos Humanos formulou pedido de informaccedilotildees ao
Estado de Satildeo Paulo para que este informasse quantidade de municcedilatildeo empregada de onde
partiu a ordem para a repressatildeo de que forma ela foi transmitida atraveacutes da cadeia de
comando da poliacutecia ateacute ser executada nas ruas e a apuraccedilatildeo dos abusos cometidos pela
PMESP no dia 13 de junho de 2014
31
Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que
um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem
de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros
internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em
qualquer outra manifestaccedilatildeo popular
iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO
DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO
Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo
em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de
direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)
ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi
realizada de forma violenta e ilegal
Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem
evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De
acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude
adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia
perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois
A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de
gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a
Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como
pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era
como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e
violecircncia
Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na
direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria
Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos
os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da
Silva)
32
ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um
cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a
ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha
muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais
lanccedilavam bomba por nada para todos os lados
Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as
pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva
[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se
acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas
entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]
quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para
deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos
Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando
com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta
velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo
tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas
pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As
33
pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas
que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair
de laacute
Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o
traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato
mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da
accedilatildeo repressiva
A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava
dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na
Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []
Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente
rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais
comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como
eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para
dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no
chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador
34
Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante
recorrentes
Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um
ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial
mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua
patricinha vagabundarsquo ele me dizia
[]
Vai embora sua prostituta
A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer
seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente
sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral
Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo
Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes
puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz
que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no
35
sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo
utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer
forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou
deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades
competentes
No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de
Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma
de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de
armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal
aviso deve ser feito de forma clara e adequada
Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento
10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente
a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo
suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando
tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave
ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso
Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a
utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo
de armas de fogo
Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a
grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade
policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma
sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma
36
manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos
princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38
Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)
manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de
proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo
com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado
ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever
de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e
menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas
deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme
os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo
A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa
de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila
Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do
Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas
envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para
que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio
ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se
identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza
as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila
outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude
exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
37
[]
A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica
implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto
proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com
proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de
reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O
grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja
considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do
que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de
maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se
encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o
uso da forccedila resulta desproporcionado
Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da
aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute
internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado
internacional de direitos humanos
Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com
documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema
necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas
de seguranccedila
iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE
POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES
Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a
de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de
identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria
responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)
41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15
38
ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo
ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem
os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na
Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo
onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam
muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito
desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada
um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e
depois soltarrdquo
Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume
havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as
normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo
usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento
Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute
tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma
Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por
parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em
particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo
identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de
2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos
gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de
3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se
SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou
nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto
de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os
rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido
possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante
42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319
39
agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da
corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos
A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)
que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o
Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica
informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de
identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou
crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas
pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e
ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento
Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento
feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -
organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo
com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a
manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da
Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois
se espalharam pelo centro
Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se
determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular
Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito
interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a
atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu
Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta
manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial
em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes
policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees
O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo
em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial
40
No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado
de se identificarem previamente como tais no momento de advertir
com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a
forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua
atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees
estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e
adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se
f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de
seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas
ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever
potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim
de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no
terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e
comportamento policial
Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a
identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que
cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e
ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se
g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as
forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de
abusos ou atos de violecircncia
h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou
judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas
operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos
no curso das mesmas
41
Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos
cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013
em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos
A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou
que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem
disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes
em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que
confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns
trechos da mateacuteria
Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes
sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas
delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo
Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo
investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute
abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi
concluiacuteda e nenhum policial foi punido
A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute
os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo
processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1
de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014
Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de
Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum
policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21
policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato
Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e
tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e
ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades
43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)
42
v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS
CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES
Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do
Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa
atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute
de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila
Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em
manifestaccedilotildees futuras
Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute
imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo
temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de
confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo
Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a
negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A
proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da
Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que
Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os
governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar
atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos
especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da
forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a
compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de
persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos
destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados
da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e
procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos
43
Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um
negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se
evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se
e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves
manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes
para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e
protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de
conflito
Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na
Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos
publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72
daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue
72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no
uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a
resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das
multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como
meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45
Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de
Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia
da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se
44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf
44
38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um
verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades
policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da
manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico
Suiacuteccedila e outros paiacuteses47
Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os
documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador
civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco
de conflito social
vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa
de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na
dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila
notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas
O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar
Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre
recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo
Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem
alguns trechos
No comando do choque eu soacute recebi precircmios
47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora
45
Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe
pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de
Satildeo Paulo
ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de
protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo
A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho
quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e
pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo
foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do
centro saqueadas
Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da
Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui
ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou
A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v
Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de
dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute
o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte
ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar
seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito
negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50
Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando
preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa
policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre
expressatildeo
49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)
46
ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees
razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento
paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem
violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da
legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento
de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo
manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma
manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das
pessoasrdquo52
Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho
de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante
da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo
A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava
subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e
um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas
patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de
brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo
tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha
bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa
assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou
brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo
[]
Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos
policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles
ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar
sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E
todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado
52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas
47
do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo
para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo
[]
Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu
encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de
gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba
nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para
os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de
novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me
lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de
Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo
mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da
poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo
estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e
nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo
[]
A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes
Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a
gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem
Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o
pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes
lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila
Roosevelt
[]
O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da
Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava
que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente
ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima
tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali
natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando
bomba em cima da gente
O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da
Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e
intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso
desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a
48
agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de
Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se
ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees
policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso
indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o
membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para
proteger seus companheiros ali presentesrdquo54
Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave
determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve
permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo
administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes
vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A
ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica
do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e
internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo
puacuteblico
Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da
forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a
formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas
53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo
49
Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que
ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e
de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na
elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e
minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e
de armas de fogordquo
Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para
determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila
deveriam seguir Aqui estatildeo elas
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo
da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os
tipos de armas e municcedilotildees permitidas
(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias
apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio
(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos
injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis
(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas
de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas
armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de
armas de fogo
50
(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no
desempenho das suas funccedilotildees
Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila
e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia
da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece
as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila
Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como
aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos
agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento
dessas diretrizes
1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar
nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e
deveraacute considerar primordialmente
a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela
Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na
sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979
b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de
Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados
pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo
198961 de 24 de maio de 1989
c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo
Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o
Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto
a 7 de setembro de 1999
d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis
Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees
Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de
1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991
51
Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade
resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a
necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna
ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial
Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao
Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que
tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria
9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos
disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo
objetivamente
a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas
b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao
ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no
evento
c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo
perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento
d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees
desnecessaacuterias e risco injustificado e
e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente
de seguranccedila puacuteblica
Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do
Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de
Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que
regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees
Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se
natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como
a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de
manifestaccedilotildees e reuniotildees populares
52
Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro
miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos
que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e
sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil
6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE
DIREITOS HUMANOS
O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado
por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica
contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso
internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados
no que tange agrave dignidade humana
De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados
natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a
dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados
podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros
Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos
que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos
internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas
Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo
terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua
responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos
internacionalmente admitidos
55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf
53
Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56
apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute
um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees
como prova para outro procedimento de julgamento internacional do
Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura
ignorada
Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados
no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos
normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo
Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina
se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses
oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o
jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi
distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda
externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados
ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos
constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os
paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o
respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil
continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos
nacionalmente57
Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da
presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o
que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada
56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355
54
7) CONCLUSAtildeO
A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm
Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para
resoluccedilatildeo da presente controveacutersia
Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e
histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma
expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo
se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do
Estado de Satildeo Paulo
Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a
atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa
padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia
O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo
Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos
Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que
expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e
que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente
demanda
55
8) PEDIDO
Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como
amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae
requer-se seu recebimento como memoriais
Termos em que
Pede deferimento
Satildeo Paulo 17 de julho de 2014
Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs
OABSP 262284 OABSP 101663
Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni
OABSP 284930 OABSP 286871
Sheila Santana de Carvalho
OABSP 343588
31
Todavia a disponibilidade das informaccedilotildees foi negada (doc 9) demonstrando que
um sistema de registro e controle de municcedilotildees natildeo existe para fins de controle social aleacutem
de corroborar para o entendimento de que a PMESP natildeo observa paracircmetros
internacionais para o uso da forccedila seja na manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 ou em
qualquer outra manifestaccedilatildeo popular
iii - DA DISPERSAtildeO DA MANIFESTACcedilAtildeO POPULAR PELA POLIacuteCIA MILITAR DO ESTADO
DE SAtildeO PAULO NECESSIDADE DE COMUNICACcedilAtildeO DA DECISAtildeO DE DISPERSAtildeO
Natildeo obstante as garantias constitucionais de direito de reuniatildeo e de manifestaccedilatildeo
em local puacuteblico os fatos narrados na inicial mostram que a maior parte das violaccedilotildees de
direitos ocasionadas pela atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo (PMESP)
ocorreu apoacutes a decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo que de acordo com os relatos foi
realizada de forma violenta e ilegal
Especificamente no caso de 13 de junho de 2013 ainda que pessoas tentassem
evitar entrar em contato direto com a poliacutecia naquela noite natildeo teriam conseguido De
acordo com todos os relatos natildeo houve nenhuma ordem clara sobre que atitude
adotar ou para aonde ir para fugir do tumulto Natildeo havia lugar seguro e a poliacutecia
perseguia as pessoas mesmo em regiotildees distantes do ocorrido horas depois
A massa passou horas encurralada em ruas estreitas sob o efeito de bombas de
gaacutes balas de borracha e granadas no quarteiratildeo que compreende a Rua da Consolaccedilatildeo a
Praccedila Roosevelt a Rua Maria Antocircnia e a Rua Augusta no Centro de Satildeo Paulo como
pode ser observado pelo mapa acima exposto De acordo com os relatos (doc 6) era
como se a poliacutecia tivesse prendido todos numa grande armadilha de gaacutes explosotildees e
violecircncia
Percebi uma tropa da Poliacutecia descendo a Consolaccedilatildeo no sentido Centro na
direccedilatildeo dos manifestantes enquanto outra tropa vinha da Rua Maria
Antocircnia Tive a sensaccedilatildeo de uma emboscada porque eles saiacuteram de ambos
os lados armados disparando na direccedilatildeo das pessoasrdquo (Sergio Andrade da
Silva)
32
ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um
cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a
ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha
muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais
lanccedilavam bomba por nada para todos os lados
Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as
pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva
[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se
acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas
entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]
quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para
deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos
Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando
com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta
velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo
tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas
pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As
33
pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas
que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair
de laacute
Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o
traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato
mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da
accedilatildeo repressiva
A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava
dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na
Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []
Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente
rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais
comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como
eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para
dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no
chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador
34
Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante
recorrentes
Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um
ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial
mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua
patricinha vagabundarsquo ele me dizia
[]
Vai embora sua prostituta
A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer
seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente
sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral
Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo
Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes
puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz
que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no
35
sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo
utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer
forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou
deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades
competentes
No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de
Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma
de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de
armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal
aviso deve ser feito de forma clara e adequada
Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento
10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente
a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo
suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando
tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave
ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso
Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a
utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo
de armas de fogo
Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a
grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade
policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma
sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma
36
manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos
princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38
Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)
manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de
proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo
com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado
ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever
de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e
menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas
deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme
os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo
A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa
de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila
Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do
Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas
envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para
que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio
ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se
identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza
as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila
outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude
exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
37
[]
A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica
implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto
proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com
proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de
reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O
grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja
considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do
que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de
maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se
encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o
uso da forccedila resulta desproporcionado
Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da
aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute
internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado
internacional de direitos humanos
Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com
documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema
necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas
de seguranccedila
iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE
POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES
Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a
de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de
identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria
responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)
41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15
38
ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo
ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem
os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na
Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo
onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam
muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito
desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada
um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e
depois soltarrdquo
Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume
havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as
normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo
usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento
Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute
tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma
Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por
parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em
particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo
identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de
2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos
gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de
3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se
SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou
nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto
de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os
rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido
possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante
42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319
39
agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da
corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos
A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)
que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o
Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica
informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de
identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou
crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas
pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e
ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento
Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento
feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -
organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo
com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a
manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da
Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois
se espalharam pelo centro
Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se
determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular
Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito
interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a
atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu
Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta
manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial
em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes
policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees
O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo
em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial
40
No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado
de se identificarem previamente como tais no momento de advertir
com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a
forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua
atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees
estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e
adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se
f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de
seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas
ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever
potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim
de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no
terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e
comportamento policial
Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a
identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que
cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e
ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se
g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as
forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de
abusos ou atos de violecircncia
h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou
judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas
operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos
no curso das mesmas
41
Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos
cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013
em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos
A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou
que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem
disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes
em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que
confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns
trechos da mateacuteria
Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes
sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas
delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo
Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo
investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute
abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi
concluiacuteda e nenhum policial foi punido
A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute
os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo
processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1
de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014
Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de
Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum
policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21
policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato
Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e
tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e
ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades
43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)
42
v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS
CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES
Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do
Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa
atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute
de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila
Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em
manifestaccedilotildees futuras
Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute
imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo
temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de
confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo
Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a
negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A
proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da
Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que
Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os
governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar
atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos
especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da
forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a
compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de
persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos
destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados
da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e
procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos
43
Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um
negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se
evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se
e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves
manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes
para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e
protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de
conflito
Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na
Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos
publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72
daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue
72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no
uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a
resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das
multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como
meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45
Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de
Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia
da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se
44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf
44
38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um
verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades
policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da
manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico
Suiacuteccedila e outros paiacuteses47
Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os
documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador
civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco
de conflito social
vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa
de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na
dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila
notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas
O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar
Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre
recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo
Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem
alguns trechos
No comando do choque eu soacute recebi precircmios
47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora
45
Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe
pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de
Satildeo Paulo
ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de
protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo
A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho
quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e
pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo
foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do
centro saqueadas
Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da
Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui
ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou
A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v
Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de
dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute
o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte
ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar
seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito
negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50
Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando
preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa
policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre
expressatildeo
49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)
46
ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees
razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento
paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem
violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da
legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento
de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo
manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma
manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das
pessoasrdquo52
Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho
de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante
da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo
A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava
subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e
um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas
patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de
brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo
tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha
bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa
assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou
brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo
[]
Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos
policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles
ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar
sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E
todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado
52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas
47
do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo
para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo
[]
Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu
encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de
gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba
nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para
os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de
novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me
lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de
Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo
mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da
poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo
estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e
nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo
[]
A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes
Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a
gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem
Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o
pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes
lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila
Roosevelt
[]
O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da
Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava
que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente
ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima
tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali
natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando
bomba em cima da gente
O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da
Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e
intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso
desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a
48
agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de
Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se
ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees
policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso
indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o
membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para
proteger seus companheiros ali presentesrdquo54
Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave
determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve
permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo
administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes
vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A
ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica
do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e
internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo
puacuteblico
Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da
forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a
formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas
53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo
49
Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que
ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e
de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na
elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e
minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e
de armas de fogordquo
Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para
determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila
deveriam seguir Aqui estatildeo elas
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo
da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os
tipos de armas e municcedilotildees permitidas
(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias
apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio
(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos
injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis
(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas
de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas
armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de
armas de fogo
50
(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no
desempenho das suas funccedilotildees
Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila
e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia
da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece
as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila
Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como
aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos
agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento
dessas diretrizes
1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar
nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e
deveraacute considerar primordialmente
a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela
Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na
sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979
b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de
Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados
pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo
198961 de 24 de maio de 1989
c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo
Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o
Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto
a 7 de setembro de 1999
d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis
Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees
Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de
1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991
51
Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade
resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a
necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna
ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial
Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao
Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que
tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria
9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos
disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo
objetivamente
a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas
b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao
ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no
evento
c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo
perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento
d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees
desnecessaacuterias e risco injustificado e
e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente
de seguranccedila puacuteblica
Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do
Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de
Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que
regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees
Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se
natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como
a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de
manifestaccedilotildees e reuniotildees populares
52
Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro
miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos
que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e
sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil
6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE
DIREITOS HUMANOS
O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado
por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica
contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso
internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados
no que tange agrave dignidade humana
De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados
natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a
dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados
podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros
Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos
que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos
internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas
Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo
terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua
responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos
internacionalmente admitidos
55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf
53
Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56
apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute
um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees
como prova para outro procedimento de julgamento internacional do
Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura
ignorada
Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados
no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos
normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo
Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina
se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses
oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o
jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi
distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda
externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados
ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos
constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os
paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o
respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil
continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos
nacionalmente57
Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da
presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o
que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada
56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355
54
7) CONCLUSAtildeO
A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm
Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para
resoluccedilatildeo da presente controveacutersia
Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e
histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma
expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo
se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do
Estado de Satildeo Paulo
Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a
atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa
padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia
O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo
Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos
Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que
expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e
que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente
demanda
55
8) PEDIDO
Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como
amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae
requer-se seu recebimento como memoriais
Termos em que
Pede deferimento
Satildeo Paulo 17 de julho de 2014
Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs
OABSP 262284 OABSP 101663
Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni
OABSP 284930 OABSP 286871
Sheila Santana de Carvalho
OABSP 343588
32
ldquoEstaacutevamos numa situaccedilatildeo de cativeiro criado num quarteiratildeo gigante um
cativeiro organizado pela poliacutecia Vocecirc era obrigado a ficar ali era obrigada a
ver pessoas sendo agredidas correndo o risco de ser agredida [] Tinha
muita poliacutecia muita cavalaria caminhatildeo da Tropa de Choque e os policiais
lanccedilavam bomba por nada para todos os lados
Outro relato diz respeito agraves formas utilizadas pela Poliacutecia para impedir que as
pessoas fugissem da sua accedilatildeo repressiva
[] as pessoas natildeo sabiam para aonde ir As pessoas se dispersavam e se
acumulavam em outro lugar O metrocirc estava fechado [] Ficamos presas
entre a Rua da Consolaccedilatildeo e a Rua Augustardquo o pior momento foi ldquo[]
quando um grupo de 10 pessoas pedia para entrar na estaccedilatildeo do metrocirc para
deixar o local No meio do grupo havia uma senhora de 60 ou 70 anos
Eram pessoas que tinham saiacutedo do trabalho Quando estaacutevamos falando
com o funcionaacuterio do metrocirc chegaram quatro motos da poliacutecia em alta
velocidade uma delas quase me atropelando Os policiais diziam lsquoHoje natildeo
tem metrocirc ningueacutem vai voltar para casarsquo batendo com o cassetete nas
pessoas Cada um correu para um lado mas natildeo tinha para onde ir As
33
pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas
que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair
de laacute
Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o
traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato
mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da
accedilatildeo repressiva
A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava
dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na
Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []
Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente
rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais
comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como
eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para
dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no
chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador
34
Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante
recorrentes
Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um
ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial
mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua
patricinha vagabundarsquo ele me dizia
[]
Vai embora sua prostituta
A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer
seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente
sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral
Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo
Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes
puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz
que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no
35
sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo
utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer
forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou
deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades
competentes
No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de
Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma
de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de
armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal
aviso deve ser feito de forma clara e adequada
Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento
10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente
a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo
suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando
tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave
ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso
Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a
utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo
de armas de fogo
Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a
grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade
policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma
sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma
36
manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos
princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38
Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)
manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de
proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo
com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado
ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever
de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e
menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas
deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme
os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo
A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa
de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila
Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do
Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas
envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para
que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio
ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se
identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza
as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila
outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude
exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
37
[]
A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica
implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto
proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com
proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de
reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O
grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja
considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do
que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de
maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se
encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o
uso da forccedila resulta desproporcionado
Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da
aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute
internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado
internacional de direitos humanos
Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com
documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema
necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas
de seguranccedila
iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE
POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES
Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a
de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de
identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria
responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)
41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15
38
ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo
ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem
os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na
Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo
onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam
muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito
desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada
um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e
depois soltarrdquo
Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume
havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as
normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo
usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento
Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute
tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma
Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por
parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em
particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo
identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de
2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos
gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de
3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se
SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou
nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto
de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os
rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido
possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante
42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319
39
agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da
corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos
A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)
que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o
Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica
informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de
identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou
crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas
pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e
ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento
Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento
feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -
organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo
com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a
manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da
Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois
se espalharam pelo centro
Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se
determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular
Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito
interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a
atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu
Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta
manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial
em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes
policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees
O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo
em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial
40
No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado
de se identificarem previamente como tais no momento de advertir
com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a
forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua
atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees
estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e
adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se
f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de
seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas
ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever
potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim
de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no
terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e
comportamento policial
Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a
identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que
cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e
ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se
g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as
forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de
abusos ou atos de violecircncia
h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou
judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas
operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos
no curso das mesmas
41
Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos
cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013
em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos
A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou
que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem
disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes
em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que
confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns
trechos da mateacuteria
Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes
sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas
delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo
Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo
investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute
abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi
concluiacuteda e nenhum policial foi punido
A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute
os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo
processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1
de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014
Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de
Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum
policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21
policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato
Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e
tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e
ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades
43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)
42
v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS
CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES
Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do
Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa
atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute
de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila
Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em
manifestaccedilotildees futuras
Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute
imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo
temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de
confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo
Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a
negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A
proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da
Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que
Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os
governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar
atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos
especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da
forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a
compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de
persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos
destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados
da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e
procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos
43
Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um
negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se
evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se
e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves
manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes
para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e
protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de
conflito
Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na
Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos
publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72
daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue
72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no
uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a
resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das
multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como
meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45
Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de
Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia
da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se
44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf
44
38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um
verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades
policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da
manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico
Suiacuteccedila e outros paiacuteses47
Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os
documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador
civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco
de conflito social
vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa
de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na
dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila
notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas
O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar
Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre
recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo
Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem
alguns trechos
No comando do choque eu soacute recebi precircmios
47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora
45
Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe
pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de
Satildeo Paulo
ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de
protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo
A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho
quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e
pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo
foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do
centro saqueadas
Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da
Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui
ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou
A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v
Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de
dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute
o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte
ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar
seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito
negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50
Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando
preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa
policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre
expressatildeo
49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)
46
ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees
razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento
paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem
violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da
legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento
de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo
manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma
manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das
pessoasrdquo52
Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho
de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante
da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo
A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava
subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e
um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas
patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de
brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo
tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha
bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa
assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou
brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo
[]
Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos
policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles
ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar
sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E
todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado
52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas
47
do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo
para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo
[]
Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu
encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de
gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba
nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para
os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de
novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me
lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de
Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo
mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da
poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo
estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e
nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo
[]
A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes
Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a
gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem
Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o
pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes
lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila
Roosevelt
[]
O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da
Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava
que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente
ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima
tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali
natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando
bomba em cima da gente
O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da
Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e
intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso
desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a
48
agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de
Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se
ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees
policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso
indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o
membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para
proteger seus companheiros ali presentesrdquo54
Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave
determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve
permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo
administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes
vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A
ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica
do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e
internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo
puacuteblico
Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da
forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a
formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas
53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo
49
Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que
ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e
de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na
elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e
minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e
de armas de fogordquo
Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para
determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila
deveriam seguir Aqui estatildeo elas
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo
da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os
tipos de armas e municcedilotildees permitidas
(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias
apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio
(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos
injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis
(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas
de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas
armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de
armas de fogo
50
(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no
desempenho das suas funccedilotildees
Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila
e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia
da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece
as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila
Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como
aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos
agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento
dessas diretrizes
1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar
nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e
deveraacute considerar primordialmente
a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela
Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na
sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979
b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de
Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados
pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo
198961 de 24 de maio de 1989
c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo
Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o
Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto
a 7 de setembro de 1999
d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis
Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees
Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de
1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991
51
Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade
resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a
necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna
ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial
Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao
Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que
tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria
9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos
disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo
objetivamente
a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas
b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao
ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no
evento
c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo
perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento
d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees
desnecessaacuterias e risco injustificado e
e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente
de seguranccedila puacuteblica
Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do
Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de
Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que
regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees
Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se
natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como
a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de
manifestaccedilotildees e reuniotildees populares
52
Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro
miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos
que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e
sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil
6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE
DIREITOS HUMANOS
O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado
por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica
contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso
internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados
no que tange agrave dignidade humana
De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados
natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a
dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados
podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros
Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos
que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos
internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas
Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo
terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua
responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos
internacionalmente admitidos
55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf
53
Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56
apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute
um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees
como prova para outro procedimento de julgamento internacional do
Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura
ignorada
Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados
no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos
normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo
Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina
se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses
oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o
jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi
distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda
externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados
ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos
constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os
paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o
respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil
continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos
nacionalmente57
Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da
presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o
que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada
56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355
54
7) CONCLUSAtildeO
A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm
Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para
resoluccedilatildeo da presente controveacutersia
Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e
histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma
expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo
se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do
Estado de Satildeo Paulo
Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a
atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa
padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia
O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo
Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos
Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que
expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e
que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente
demanda
55
8) PEDIDO
Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como
amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae
requer-se seu recebimento como memoriais
Termos em que
Pede deferimento
Satildeo Paulo 17 de julho de 2014
Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs
OABSP 262284 OABSP 101663
Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni
OABSP 284930 OABSP 286871
Sheila Santana de Carvalho
OABSP 343588
33
pessoas que estavam na calccedilada recebiam ordem de ir para a rua e as pessoas
que estavam na rua eram mandadas para a calccedilada Ningueacutem conseguia sair
de laacute
Mesmo para aqueles que buscaram refuacutegio em lugar aberto e que natildeo impedia o
traacutefego de veiacuteculos como a Praccedila Roosevelt foram perseguidos pela PMESP Outro relato
mostra que nem mesmo o deslocamento para uma praccedila foi suficiente para a cessaccedilatildeo da
accedilatildeo repressiva
A surpresa foi quando eles comeccedilaram a tacar bombas em quem estava
dentro da Praccedila Natildeo tinha nenhuma justificativa porque jaacute estaacutevamos na
Praccedila fora da Rua da Consolaccedilatildeo [] ldquoEles estavam cercando a gente []
Todos se sentaram na calccedilada todo mundo abaixou Estaacutevamos totalmente
rendidos morrendo de medo Foi quando para nossa surpresa os policiais
comeccedilaram a lanccedilar bombas de gaacutes lacrimogecircneo em cima da gente Como
eles estavam nas duas esquinas a gente tinha de passar por eles para
dispersar E eles sempre atirando balas de borracha As pessoas caiacuteam no
chatildeo passavam umas sobre as outras foi muito assustador
34
Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante
recorrentes
Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um
ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial
mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua
patricinha vagabundarsquo ele me dizia
[]
Vai embora sua prostituta
A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer
seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente
sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral
Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo
Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes
puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz
que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no
35
sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo
utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer
forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou
deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades
competentes
No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de
Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma
de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de
armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal
aviso deve ser feito de forma clara e adequada
Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento
10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente
a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo
suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando
tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave
ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso
Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a
utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo
de armas de fogo
Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a
grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade
policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma
sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma
36
manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos
princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38
Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)
manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de
proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo
com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado
ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever
de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e
menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas
deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme
os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo
A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa
de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila
Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do
Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas
envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para
que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio
ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se
identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza
as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila
outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude
exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
37
[]
A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica
implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto
proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com
proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de
reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O
grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja
considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do
que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de
maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se
encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o
uso da forccedila resulta desproporcionado
Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da
aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute
internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado
internacional de direitos humanos
Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com
documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema
necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas
de seguranccedila
iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE
POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES
Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a
de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de
identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria
responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)
41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15
38
ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo
ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem
os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na
Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo
onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam
muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito
desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada
um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e
depois soltarrdquo
Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume
havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as
normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo
usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento
Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute
tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma
Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por
parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em
particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo
identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de
2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos
gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de
3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se
SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou
nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto
de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os
rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido
possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante
42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319
39
agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da
corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos
A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)
que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o
Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica
informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de
identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou
crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas
pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e
ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento
Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento
feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -
organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo
com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a
manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da
Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois
se espalharam pelo centro
Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se
determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular
Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito
interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a
atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu
Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta
manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial
em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes
policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees
O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo
em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial
40
No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado
de se identificarem previamente como tais no momento de advertir
com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a
forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua
atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees
estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e
adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se
f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de
seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas
ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever
potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim
de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no
terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e
comportamento policial
Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a
identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que
cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e
ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se
g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as
forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de
abusos ou atos de violecircncia
h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou
judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas
operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos
no curso das mesmas
41
Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos
cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013
em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos
A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou
que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem
disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes
em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que
confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns
trechos da mateacuteria
Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes
sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas
delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo
Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo
investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute
abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi
concluiacuteda e nenhum policial foi punido
A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute
os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo
processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1
de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014
Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de
Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum
policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21
policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato
Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e
tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e
ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades
43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)
42
v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS
CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES
Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do
Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa
atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute
de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila
Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em
manifestaccedilotildees futuras
Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute
imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo
temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de
confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo
Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a
negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A
proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da
Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que
Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os
governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar
atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos
especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da
forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a
compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de
persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos
destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados
da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e
procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos
43
Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um
negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se
evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se
e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves
manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes
para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e
protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de
conflito
Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na
Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos
publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72
daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue
72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no
uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a
resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das
multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como
meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45
Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de
Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia
da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se
44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf
44
38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um
verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades
policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da
manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico
Suiacuteccedila e outros paiacuteses47
Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os
documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador
civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco
de conflito social
vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa
de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na
dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila
notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas
O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar
Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre
recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo
Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem
alguns trechos
No comando do choque eu soacute recebi precircmios
47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora
45
Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe
pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de
Satildeo Paulo
ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de
protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo
A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho
quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e
pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo
foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do
centro saqueadas
Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da
Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui
ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou
A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v
Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de
dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute
o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte
ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar
seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito
negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50
Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando
preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa
policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre
expressatildeo
49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)
46
ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees
razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento
paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem
violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da
legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento
de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo
manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma
manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das
pessoasrdquo52
Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho
de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante
da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo
A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava
subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e
um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas
patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de
brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo
tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha
bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa
assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou
brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo
[]
Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos
policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles
ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar
sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E
todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado
52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas
47
do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo
para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo
[]
Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu
encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de
gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba
nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para
os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de
novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me
lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de
Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo
mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da
poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo
estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e
nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo
[]
A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes
Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a
gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem
Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o
pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes
lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila
Roosevelt
[]
O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da
Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava
que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente
ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima
tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali
natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando
bomba em cima da gente
O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da
Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e
intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso
desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a
48
agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de
Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se
ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees
policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso
indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o
membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para
proteger seus companheiros ali presentesrdquo54
Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave
determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve
permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo
administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes
vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A
ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica
do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e
internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo
puacuteblico
Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da
forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a
formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas
53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo
49
Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que
ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e
de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na
elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e
minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e
de armas de fogordquo
Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para
determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila
deveriam seguir Aqui estatildeo elas
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo
da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os
tipos de armas e municcedilotildees permitidas
(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias
apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio
(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos
injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis
(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas
de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas
armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de
armas de fogo
50
(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no
desempenho das suas funccedilotildees
Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila
e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia
da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece
as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila
Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como
aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos
agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento
dessas diretrizes
1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar
nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e
deveraacute considerar primordialmente
a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela
Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na
sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979
b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de
Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados
pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo
198961 de 24 de maio de 1989
c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo
Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o
Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto
a 7 de setembro de 1999
d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis
Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees
Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de
1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991
51
Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade
resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a
necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna
ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial
Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao
Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que
tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria
9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos
disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo
objetivamente
a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas
b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao
ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no
evento
c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo
perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento
d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees
desnecessaacuterias e risco injustificado e
e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente
de seguranccedila puacuteblica
Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do
Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de
Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que
regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees
Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se
natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como
a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de
manifestaccedilotildees e reuniotildees populares
52
Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro
miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos
que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e
sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil
6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE
DIREITOS HUMANOS
O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado
por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica
contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso
internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados
no que tange agrave dignidade humana
De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados
natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a
dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados
podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros
Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos
que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos
internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas
Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo
terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua
responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos
internacionalmente admitidos
55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf
53
Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56
apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute
um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees
como prova para outro procedimento de julgamento internacional do
Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura
ignorada
Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados
no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos
normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo
Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina
se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses
oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o
jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi
distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda
externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados
ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos
constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os
paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o
respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil
continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos
nacionalmente57
Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da
presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o
que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada
56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355
54
7) CONCLUSAtildeO
A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm
Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para
resoluccedilatildeo da presente controveacutersia
Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e
histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma
expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo
se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do
Estado de Satildeo Paulo
Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a
atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa
padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia
O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo
Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos
Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que
expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e
que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente
demanda
55
8) PEDIDO
Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como
amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae
requer-se seu recebimento como memoriais
Termos em que
Pede deferimento
Satildeo Paulo 17 de julho de 2014
Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs
OABSP 262284 OABSP 101663
Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni
OABSP 284930 OABSP 286871
Sheila Santana de Carvalho
OABSP 343588
34
Os relatos de agressatildeo verbal por parte dos policiais tambeacutem foram bastante
recorrentes
Deram chutes e socos no meu rosto e barriga Fiquei deitada no chatildeo de um
ocircnibus da poliacutecia com a cabeccedila debaixo de um banco enquanto um policial
mantinha o peacute em cima de mim lsquoQuer protestar Protesta agora sua
patricinha vagabundarsquo ele me dizia
[]
Vai embora sua prostituta
A princiacutepio a presenccedila de policiamento nas manifestaccedilotildees eacute realizada para trazer
seguranccedila aos manifestantes Mas entatildeo qual a reaccedilatildeo esperada de quem desavisadamente
sofre o impacto de balas de elastocircmero gaacutes lacrimogecircnio e bombas de efeito moral
Veja-se a gravidade de natildeo comunicar a decisatildeo de dispersatildeo
Ao se verificarem os paracircmetros internacionais de uso da forccedila por agentes
puacuteblicos a atuaccedilatildeo da PMESP eacute um triste desastre O Coacutedigo de Conduta para os
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 4) em seu artigo 3ordm ldquocrdquo diz
que o emprego de armas de fogo eacute considerado uma medida extrema Devem fazer-se todos os esforccedilos no
35
sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo
utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer
forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou
deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades
competentes
No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de
Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma
de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de
armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal
aviso deve ser feito de forma clara e adequada
Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento
10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente
a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo
suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando
tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave
ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso
Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a
utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo
de armas de fogo
Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a
grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade
policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma
sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma
36
manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos
princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38
Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)
manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de
proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo
com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado
ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever
de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e
menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas
deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme
os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo
A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa
de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila
Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do
Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas
envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para
que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio
ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se
identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza
as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila
outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude
exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
37
[]
A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica
implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto
proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com
proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de
reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O
grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja
considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do
que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de
maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se
encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o
uso da forccedila resulta desproporcionado
Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da
aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute
internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado
internacional de direitos humanos
Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com
documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema
necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas
de seguranccedila
iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE
POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES
Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a
de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de
identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria
responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)
41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15
38
ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo
ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem
os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na
Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo
onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam
muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito
desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada
um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e
depois soltarrdquo
Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume
havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as
normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo
usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento
Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute
tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma
Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por
parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em
particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo
identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de
2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos
gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de
3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se
SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou
nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto
de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os
rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido
possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante
42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319
39
agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da
corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos
A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)
que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o
Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica
informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de
identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou
crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas
pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e
ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento
Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento
feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -
organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo
com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a
manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da
Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois
se espalharam pelo centro
Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se
determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular
Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito
interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a
atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu
Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta
manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial
em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes
policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees
O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo
em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial
40
No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado
de se identificarem previamente como tais no momento de advertir
com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a
forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua
atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees
estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e
adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se
f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de
seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas
ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever
potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim
de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no
terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e
comportamento policial
Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a
identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que
cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e
ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se
g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as
forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de
abusos ou atos de violecircncia
h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou
judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas
operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos
no curso das mesmas
41
Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos
cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013
em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos
A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou
que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem
disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes
em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que
confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns
trechos da mateacuteria
Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes
sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas
delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo
Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo
investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute
abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi
concluiacuteda e nenhum policial foi punido
A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute
os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo
processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1
de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014
Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de
Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum
policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21
policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato
Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e
tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e
ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades
43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)
42
v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS
CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES
Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do
Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa
atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute
de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila
Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em
manifestaccedilotildees futuras
Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute
imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo
temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de
confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo
Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a
negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A
proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da
Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que
Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os
governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar
atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos
especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da
forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a
compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de
persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos
destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados
da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e
procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos
43
Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um
negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se
evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se
e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves
manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes
para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e
protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de
conflito
Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na
Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos
publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72
daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue
72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no
uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a
resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das
multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como
meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45
Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de
Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia
da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se
44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf
44
38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um
verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades
policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da
manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico
Suiacuteccedila e outros paiacuteses47
Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os
documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador
civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco
de conflito social
vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa
de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na
dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila
notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas
O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar
Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre
recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo
Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem
alguns trechos
No comando do choque eu soacute recebi precircmios
47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora
45
Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe
pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de
Satildeo Paulo
ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de
protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo
A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho
quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e
pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo
foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do
centro saqueadas
Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da
Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui
ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou
A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v
Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de
dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute
o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte
ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar
seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito
negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50
Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando
preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa
policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre
expressatildeo
49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)
46
ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees
razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento
paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem
violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da
legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento
de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo
manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma
manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das
pessoasrdquo52
Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho
de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante
da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo
A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava
subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e
um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas
patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de
brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo
tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha
bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa
assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou
brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo
[]
Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos
policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles
ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar
sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E
todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado
52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas
47
do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo
para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo
[]
Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu
encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de
gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba
nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para
os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de
novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me
lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de
Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo
mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da
poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo
estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e
nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo
[]
A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes
Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a
gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem
Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o
pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes
lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila
Roosevelt
[]
O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da
Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava
que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente
ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima
tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali
natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando
bomba em cima da gente
O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da
Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e
intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso
desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a
48
agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de
Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se
ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees
policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso
indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o
membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para
proteger seus companheiros ali presentesrdquo54
Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave
determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve
permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo
administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes
vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A
ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica
do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e
internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo
puacuteblico
Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da
forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a
formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas
53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo
49
Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que
ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e
de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na
elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e
minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e
de armas de fogordquo
Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para
determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila
deveriam seguir Aqui estatildeo elas
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo
da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os
tipos de armas e municcedilotildees permitidas
(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias
apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio
(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos
injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis
(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas
de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas
armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de
armas de fogo
50
(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no
desempenho das suas funccedilotildees
Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila
e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia
da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece
as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila
Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como
aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos
agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento
dessas diretrizes
1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar
nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e
deveraacute considerar primordialmente
a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela
Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na
sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979
b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de
Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados
pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo
198961 de 24 de maio de 1989
c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo
Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o
Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto
a 7 de setembro de 1999
d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis
Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees
Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de
1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991
51
Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade
resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a
necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna
ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial
Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao
Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que
tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria
9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos
disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo
objetivamente
a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas
b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao
ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no
evento
c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo
perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento
d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees
desnecessaacuterias e risco injustificado e
e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente
de seguranccedila puacuteblica
Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do
Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de
Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que
regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees
Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se
natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como
a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de
manifestaccedilotildees e reuniotildees populares
52
Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro
miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos
que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e
sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil
6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE
DIREITOS HUMANOS
O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado
por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica
contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso
internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados
no que tange agrave dignidade humana
De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados
natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a
dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados
podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros
Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos
que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos
internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas
Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo
terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua
responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos
internacionalmente admitidos
55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf
53
Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56
apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute
um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees
como prova para outro procedimento de julgamento internacional do
Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura
ignorada
Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados
no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos
normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo
Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina
se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses
oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o
jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi
distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda
externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados
ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos
constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os
paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o
respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil
continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos
nacionalmente57
Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da
presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o
que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada
56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355
54
7) CONCLUSAtildeO
A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm
Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para
resoluccedilatildeo da presente controveacutersia
Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e
histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma
expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo
se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do
Estado de Satildeo Paulo
Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a
atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa
padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia
O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo
Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos
Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que
expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e
que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente
demanda
55
8) PEDIDO
Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como
amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae
requer-se seu recebimento como memoriais
Termos em que
Pede deferimento
Satildeo Paulo 17 de julho de 2014
Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs
OABSP 262284 OABSP 101663
Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni
OABSP 284930 OABSP 286871
Sheila Santana de Carvalho
OABSP 343588
35
sentido de excluir a utilizaccedilatildeo de armas de fogo especialmente contra as crianccedilas Em geral natildeo deveratildeo
utilizar-se armas de fogo exceto quando um suspeito ofereccedila resistecircncia armada ou quando de qualquer
forma coloque em perigo vidas alheias e natildeo haja suficientes medidas menos extremas para o dominar ou
deter Cada vez que uma arma de fogo for disparada deveraacute informar-se prontamente as autoridades
competentes
No mesmo tema os Princiacutepios Baacutesicos Sobre o Uso da Forccedila e Armas de
Fogo pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei (doc 5) traz como uma
de suas principais determinaccedilotildees o aviso preacutevio de sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de
armas com o tempo suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo sendo que tal
aviso deve ser feito de forma clara e adequada
Eacute o que diz o princiacutepio 10 do documento
10 Nas circunstacircncias previstas no Princiacutepio 9 os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo identificar-se como tais e avisar preacutevia e claramente
a respeito da sua intenccedilatildeo de recorrer ao uso de armas de fogo com tempo
suficiente para que o aviso seja levado em consideraccedilatildeo a natildeo ser quando
tal procedimento represente um risco indevido para os responsaacuteveis pela
aplicaccedilatildeo da lei ou acarrete para outrem um risco de morte ou dano grave
ou seja claramente inadequado ou inuacutetil dadas as circunstacircncias do caso
Importante salientar que o princiacutepio 11 reitera a importacircncia do aviso sobre a
utilizaccedilatildeo de armamento que pode ser aplicado na dispersatildeo da manifestaccedilatildeo Veja-se
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo
de armas de fogo
Ainda que os casos trazidos agrave presente demanda natildeo sejam relacionam-se a
grupos ilegais ou violentos a aplicaccedilatildeo dessas normativas eacute inafastaacutevel agrave atividade
policial desempenhada mesmo em manifestaccedilotildees paciacuteficas Isso porque a norma
sequer supotildee que as forccedilas de seguranccedila poderiam determinar a dispersatildeo de uma
36
manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos
princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38
Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)
manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de
proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo
com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado
ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever
de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e
menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas
deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme
os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo
A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa
de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila
Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do
Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas
envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para
que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio
ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se
identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza
as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila
outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude
exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
37
[]
A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica
implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto
proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com
proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de
reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O
grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja
considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do
que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de
maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se
encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o
uso da forccedila resulta desproporcionado
Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da
aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute
internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado
internacional de direitos humanos
Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com
documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema
necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas
de seguranccedila
iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE
POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES
Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a
de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de
identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria
responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)
41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15
38
ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo
ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem
os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na
Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo
onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam
muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito
desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada
um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e
depois soltarrdquo
Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume
havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as
normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo
usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento
Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute
tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma
Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por
parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em
particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo
identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de
2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos
gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de
3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se
SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou
nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto
de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os
rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido
possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante
42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319
39
agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da
corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos
A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)
que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o
Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica
informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de
identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou
crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas
pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e
ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento
Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento
feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -
organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo
com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a
manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da
Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois
se espalharam pelo centro
Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se
determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular
Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito
interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a
atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu
Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta
manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial
em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes
policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees
O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo
em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial
40
No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado
de se identificarem previamente como tais no momento de advertir
com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a
forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua
atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees
estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e
adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se
f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de
seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas
ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever
potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim
de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no
terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e
comportamento policial
Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a
identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que
cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e
ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se
g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as
forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de
abusos ou atos de violecircncia
h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou
judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas
operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos
no curso das mesmas
41
Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos
cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013
em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos
A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou
que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem
disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes
em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que
confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns
trechos da mateacuteria
Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes
sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas
delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo
Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo
investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute
abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi
concluiacuteda e nenhum policial foi punido
A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute
os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo
processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1
de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014
Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de
Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum
policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21
policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato
Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e
tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e
ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades
43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)
42
v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS
CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES
Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do
Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa
atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute
de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila
Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em
manifestaccedilotildees futuras
Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute
imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo
temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de
confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo
Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a
negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A
proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da
Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que
Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os
governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar
atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos
especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da
forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a
compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de
persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos
destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados
da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e
procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos
43
Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um
negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se
evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se
e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves
manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes
para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e
protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de
conflito
Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na
Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos
publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72
daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue
72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no
uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a
resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das
multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como
meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45
Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de
Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia
da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se
44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf
44
38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um
verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades
policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da
manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico
Suiacuteccedila e outros paiacuteses47
Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os
documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador
civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco
de conflito social
vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa
de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na
dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila
notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas
O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar
Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre
recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo
Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem
alguns trechos
No comando do choque eu soacute recebi precircmios
47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora
45
Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe
pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de
Satildeo Paulo
ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de
protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo
A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho
quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e
pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo
foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do
centro saqueadas
Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da
Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui
ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou
A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v
Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de
dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute
o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte
ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar
seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito
negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50
Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando
preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa
policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre
expressatildeo
49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)
46
ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees
razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento
paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem
violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da
legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento
de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo
manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma
manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das
pessoasrdquo52
Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho
de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante
da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo
A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava
subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e
um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas
patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de
brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo
tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha
bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa
assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou
brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo
[]
Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos
policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles
ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar
sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E
todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado
52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas
47
do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo
para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo
[]
Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu
encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de
gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba
nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para
os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de
novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me
lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de
Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo
mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da
poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo
estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e
nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo
[]
A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes
Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a
gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem
Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o
pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes
lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila
Roosevelt
[]
O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da
Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava
que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente
ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima
tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali
natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando
bomba em cima da gente
O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da
Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e
intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso
desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a
48
agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de
Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se
ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees
policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso
indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o
membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para
proteger seus companheiros ali presentesrdquo54
Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave
determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve
permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo
administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes
vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A
ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica
do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e
internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo
puacuteblico
Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da
forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a
formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas
53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo
49
Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que
ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e
de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na
elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e
minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e
de armas de fogordquo
Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para
determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila
deveriam seguir Aqui estatildeo elas
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo
da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os
tipos de armas e municcedilotildees permitidas
(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias
apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio
(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos
injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis
(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas
de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas
armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de
armas de fogo
50
(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no
desempenho das suas funccedilotildees
Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila
e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia
da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece
as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila
Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como
aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos
agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento
dessas diretrizes
1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar
nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e
deveraacute considerar primordialmente
a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela
Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na
sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979
b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de
Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados
pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo
198961 de 24 de maio de 1989
c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo
Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o
Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto
a 7 de setembro de 1999
d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis
Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees
Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de
1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991
51
Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade
resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a
necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna
ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial
Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao
Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que
tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria
9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos
disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo
objetivamente
a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas
b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao
ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no
evento
c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo
perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento
d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees
desnecessaacuterias e risco injustificado e
e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente
de seguranccedila puacuteblica
Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do
Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de
Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que
regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees
Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se
natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como
a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de
manifestaccedilotildees e reuniotildees populares
52
Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro
miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos
que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e
sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil
6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE
DIREITOS HUMANOS
O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado
por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica
contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso
internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados
no que tange agrave dignidade humana
De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados
natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a
dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados
podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros
Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos
que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos
internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas
Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo
terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua
responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos
internacionalmente admitidos
55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf
53
Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56
apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute
um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees
como prova para outro procedimento de julgamento internacional do
Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura
ignorada
Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados
no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos
normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo
Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina
se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses
oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o
jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi
distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda
externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados
ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos
constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os
paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o
respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil
continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos
nacionalmente57
Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da
presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o
que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada
56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355
54
7) CONCLUSAtildeO
A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm
Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para
resoluccedilatildeo da presente controveacutersia
Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e
histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma
expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo
se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do
Estado de Satildeo Paulo
Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a
atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa
padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia
O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo
Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos
Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que
expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e
que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente
demanda
55
8) PEDIDO
Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como
amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae
requer-se seu recebimento como memoriais
Termos em que
Pede deferimento
Satildeo Paulo 17 de julho de 2014
Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs
OABSP 262284 OABSP 101663
Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni
OABSP 284930 OABSP 286871
Sheila Santana de Carvalho
OABSP 343588
36
manifestaccedilatildeo paciacutefica e autorizada constitucionalmente como eacute possiacutevel notar nos
princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos38
Jaacute tratando-se especificamente de manifestaccedilotildees a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos em cumprimento ao artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de
Direitos Humanos em seu comunicado de imprensa de 20 de junho de 201339 (doc 10)
manifestou que a decisatildeo da dispersatildeo de manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever de
proteccedilatildeo agraves pessoas e ser tomada em circunstacircncias estritamente necessaacuterias e de acordo
com os princiacutepios trazidos acima Veja-se trecho desse comunicado
ldquoAdemais a dispersatildeo de uma manifestaccedilatildeo deve ser justificada pelo dever
de proteccedilatildeo agraves pessoas e devem ser utilizadas as medidas mais seguras e
menos lesivas aos manifestantes O uso da forccedila em manifestaccedilotildees puacuteblicas
deve ser excepcional e em circunstacircncias estritamente necessaacuterias conforme
os princiacutepios internacionalmente reconhecidosrdquo
A preocupaccedilatildeo da CIDH com a falta de comunicaccedilatildeo da decisatildeo administrativa
de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo tambeacutem ficou expressa no Relatoacuterio sobre Seguranccedila
Cidadatilde e Direitos Humanos de 200940 (doc 7) quando recomendou para os agentes do
Estado se identificarem como tais e advertirem de forma clara agraves pessoas
envolvidas sobre sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila dando tempo suficiente para
que essas pessoas acatem a decisatildeo Veja-se trecho do paraacutegrafo 118 do relatoacuterio
ldquoNo caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado de se
identificarem previamente como tais no momento de advertir com clareza
as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a forccedila
outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua atitude
exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
38 Os princiacutepios 13 e 14 dos Princiacutepios Baacutesicos estatildeo transcritos na paacutegina 16 39 Comunicado de Imprensa CIDH 442013 Disponiacutevel em httpwwwoasorgptcidhprensanotas2013044asp (acessado em 16062014) 40 Tambeacutem disponiacutevel em httpcidhoasorgpdf20filesSEGURIDAD20CIUDADANA20200920PORTpdf (acessado em 16062014)
37
[]
A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica
implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto
proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com
proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de
reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O
grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja
considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do
que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de
maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se
encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o
uso da forccedila resulta desproporcionado
Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da
aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute
internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado
internacional de direitos humanos
Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com
documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema
necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas
de seguranccedila
iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE
POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES
Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a
de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de
identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria
responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)
41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15
38
ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo
ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem
os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na
Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo
onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam
muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito
desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada
um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e
depois soltarrdquo
Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume
havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as
normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo
usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento
Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute
tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma
Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por
parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em
particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo
identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de
2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos
gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de
3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se
SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou
nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto
de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os
rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido
possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante
42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319
39
agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da
corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos
A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)
que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o
Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica
informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de
identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou
crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas
pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e
ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento
Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento
feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -
organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo
com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a
manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da
Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois
se espalharam pelo centro
Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se
determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular
Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito
interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a
atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu
Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta
manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial
em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes
policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees
O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo
em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial
40
No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado
de se identificarem previamente como tais no momento de advertir
com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a
forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua
atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees
estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e
adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se
f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de
seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas
ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever
potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim
de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no
terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e
comportamento policial
Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a
identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que
cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e
ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se
g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as
forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de
abusos ou atos de violecircncia
h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou
judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas
operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos
no curso das mesmas
41
Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos
cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013
em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos
A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou
que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem
disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes
em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que
confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns
trechos da mateacuteria
Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes
sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas
delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo
Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo
investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute
abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi
concluiacuteda e nenhum policial foi punido
A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute
os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo
processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1
de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014
Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de
Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum
policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21
policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato
Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e
tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e
ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades
43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)
42
v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS
CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES
Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do
Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa
atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute
de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila
Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em
manifestaccedilotildees futuras
Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute
imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo
temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de
confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo
Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a
negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A
proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da
Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que
Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os
governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar
atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos
especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da
forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a
compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de
persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos
destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados
da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e
procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos
43
Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um
negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se
evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se
e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves
manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes
para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e
protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de
conflito
Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na
Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos
publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72
daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue
72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no
uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a
resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das
multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como
meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45
Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de
Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia
da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se
44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf
44
38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um
verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades
policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da
manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico
Suiacuteccedila e outros paiacuteses47
Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os
documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador
civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco
de conflito social
vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa
de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na
dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila
notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas
O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar
Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre
recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo
Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem
alguns trechos
No comando do choque eu soacute recebi precircmios
47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora
45
Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe
pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de
Satildeo Paulo
ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de
protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo
A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho
quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e
pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo
foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do
centro saqueadas
Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da
Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui
ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou
A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v
Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de
dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute
o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte
ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar
seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito
negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50
Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando
preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa
policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre
expressatildeo
49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)
46
ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees
razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento
paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem
violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da
legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento
de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo
manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma
manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das
pessoasrdquo52
Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho
de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante
da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo
A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava
subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e
um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas
patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de
brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo
tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha
bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa
assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou
brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo
[]
Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos
policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles
ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar
sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E
todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado
52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas
47
do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo
para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo
[]
Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu
encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de
gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba
nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para
os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de
novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me
lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de
Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo
mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da
poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo
estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e
nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo
[]
A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes
Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a
gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem
Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o
pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes
lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila
Roosevelt
[]
O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da
Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava
que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente
ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima
tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali
natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando
bomba em cima da gente
O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da
Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e
intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso
desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a
48
agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de
Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se
ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees
policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso
indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o
membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para
proteger seus companheiros ali presentesrdquo54
Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave
determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve
permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo
administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes
vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A
ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica
do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e
internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo
puacuteblico
Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da
forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a
formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas
53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo
49
Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que
ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e
de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na
elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e
minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e
de armas de fogordquo
Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para
determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila
deveriam seguir Aqui estatildeo elas
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo
da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os
tipos de armas e municcedilotildees permitidas
(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias
apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio
(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos
injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis
(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas
de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas
armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de
armas de fogo
50
(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no
desempenho das suas funccedilotildees
Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila
e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia
da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece
as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila
Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como
aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos
agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento
dessas diretrizes
1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar
nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e
deveraacute considerar primordialmente
a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela
Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na
sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979
b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de
Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados
pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo
198961 de 24 de maio de 1989
c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo
Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o
Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto
a 7 de setembro de 1999
d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis
Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees
Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de
1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991
51
Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade
resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a
necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna
ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial
Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao
Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que
tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria
9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos
disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo
objetivamente
a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas
b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao
ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no
evento
c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo
perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento
d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees
desnecessaacuterias e risco injustificado e
e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente
de seguranccedila puacuteblica
Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do
Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de
Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que
regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees
Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se
natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como
a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de
manifestaccedilotildees e reuniotildees populares
52
Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro
miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos
que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e
sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil
6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE
DIREITOS HUMANOS
O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado
por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica
contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso
internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados
no que tange agrave dignidade humana
De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados
natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a
dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados
podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros
Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos
que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos
internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas
Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo
terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua
responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos
internacionalmente admitidos
55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf
53
Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56
apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute
um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees
como prova para outro procedimento de julgamento internacional do
Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura
ignorada
Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados
no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos
normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo
Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina
se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses
oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o
jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi
distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda
externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados
ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos
constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os
paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o
respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil
continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos
nacionalmente57
Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da
presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o
que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada
56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355
54
7) CONCLUSAtildeO
A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm
Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para
resoluccedilatildeo da presente controveacutersia
Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e
histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma
expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo
se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do
Estado de Satildeo Paulo
Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a
atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa
padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia
O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo
Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos
Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que
expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e
que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente
demanda
55
8) PEDIDO
Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como
amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae
requer-se seu recebimento como memoriais
Termos em que
Pede deferimento
Satildeo Paulo 17 de julho de 2014
Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs
OABSP 262284 OABSP 101663
Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni
OABSP 284930 OABSP 286871
Sheila Santana de Carvalho
OABSP 343588
37
[]
A Comissatildeo sublinhou a respeito que o uso legiacutetimo da forccedila puacuteblica
implica entre outros fatores que esta deve ser tanto necessaacuteria quanto
proporcional agrave situaccedilatildeo isto eacute que deve ser exercida com moderaccedilatildeo e com
proporccedilatildeo ao objetivo legiacutetimo que se persiga assim como tratando de
reduzir ao miacutenimo as lesotildees pessoais e as perdas de vidas humanas() O
grau de forccedila exercido pelos funcionaacuterios do Estado para que seja
considerado adequado aos paracircmetros internacionais natildeo deve ser maior do
que o ldquoabsolutamente necessaacuteriordquo() O Estado natildeo deve utilizar a forccedila de
maneira desproporcional nem desmedida contra indiviacuteduos que ao se
encontrarem sob seu controle natildeo representem uma ameaccedila neste caso o
uso da forccedila resulta desproporcionado
Vale lembrar que todas essas recomendaccedilotildees da CIDH satildeo corolaacuterios da
aplicaccedilatildeo do artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos41 jaacute
internalizada pelo Brasil desde 1992 e que merece ser respeitada por ser um tratado
internacional de direitos humanos
Assim observa-se que a atuaccedilatildeo da PMESP esteve em desacordo com
documentos e tratados internacionais ratificados pelo Brasil que pugnam pela extrema
necessidade de comunicaccedilatildeo da decisatildeo de dispersatildeo da manifestaccedilatildeo puacuteblica pelas forccedilas
de seguranccedila
iv - DA NECESSIDADE DE CLARA ADEQUADA E OSTENSIVA IDENTIFICACcedilAtildeO DE
POLICIAIS NO DESEMPENHO DE SUAS ATIVIDADES
Outra constataccedilatildeo comum entre as pessoas que foram agredidas por policiais eacute a
de que muitos natildeo portavam qualquer identificaccedilatildeo pessoal Tornando a possibilidade de
identificar eventuais autores de atos ilegais quase impossiacutevel o que natildeo permitiria
responsabilizaacute-los posteriormente como mostram os relatos das viacutetimas (doc 6)
41 O artigo 15 da Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos estaacute transcrito na paacutegina 15
38
ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo
ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem
os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na
Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo
onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam
muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito
desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada
um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e
depois soltarrdquo
Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume
havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as
normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo
usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento
Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute
tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma
Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por
parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em
particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo
identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de
2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos
gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de
3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se
SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou
nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto
de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os
rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido
possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante
42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319
39
agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da
corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos
A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)
que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o
Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica
informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de
identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou
crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas
pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e
ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento
Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento
feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -
organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo
com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a
manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da
Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois
se espalharam pelo centro
Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se
determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular
Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito
interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a
atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu
Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta
manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial
em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes
policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees
O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo
em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial
40
No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado
de se identificarem previamente como tais no momento de advertir
com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a
forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua
atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees
estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e
adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se
f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de
seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas
ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever
potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim
de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no
terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e
comportamento policial
Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a
identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que
cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e
ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se
g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as
forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de
abusos ou atos de violecircncia
h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou
judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas
operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos
no curso das mesmas
41
Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos
cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013
em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos
A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou
que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem
disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes
em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que
confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns
trechos da mateacuteria
Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes
sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas
delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo
Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo
investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute
abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi
concluiacuteda e nenhum policial foi punido
A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute
os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo
processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1
de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014
Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de
Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum
policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21
policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato
Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e
tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e
ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades
43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)
42
v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS
CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES
Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do
Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa
atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute
de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila
Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em
manifestaccedilotildees futuras
Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute
imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo
temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de
confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo
Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a
negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A
proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da
Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que
Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os
governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar
atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos
especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da
forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a
compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de
persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos
destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados
da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e
procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos
43
Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um
negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se
evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se
e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves
manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes
para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e
protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de
conflito
Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na
Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos
publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72
daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue
72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no
uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a
resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das
multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como
meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45
Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de
Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia
da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se
44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf
44
38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um
verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades
policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da
manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico
Suiacuteccedila e outros paiacuteses47
Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os
documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador
civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco
de conflito social
vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa
de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na
dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila
notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas
O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar
Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre
recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo
Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem
alguns trechos
No comando do choque eu soacute recebi precircmios
47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora
45
Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe
pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de
Satildeo Paulo
ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de
protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo
A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho
quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e
pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo
foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do
centro saqueadas
Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da
Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui
ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou
A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v
Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de
dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute
o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte
ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar
seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito
negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50
Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando
preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa
policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre
expressatildeo
49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)
46
ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees
razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento
paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem
violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da
legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento
de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo
manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma
manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das
pessoasrdquo52
Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho
de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante
da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo
A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava
subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e
um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas
patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de
brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo
tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha
bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa
assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou
brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo
[]
Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos
policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles
ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar
sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E
todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado
52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas
47
do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo
para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo
[]
Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu
encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de
gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba
nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para
os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de
novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me
lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de
Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo
mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da
poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo
estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e
nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo
[]
A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes
Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a
gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem
Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o
pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes
lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila
Roosevelt
[]
O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da
Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava
que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente
ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima
tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali
natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando
bomba em cima da gente
O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da
Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e
intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso
desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a
48
agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de
Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se
ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees
policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso
indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o
membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para
proteger seus companheiros ali presentesrdquo54
Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave
determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve
permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo
administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes
vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A
ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica
do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e
internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo
puacuteblico
Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da
forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a
formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas
53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo
49
Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que
ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e
de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na
elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e
minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e
de armas de fogordquo
Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para
determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila
deveriam seguir Aqui estatildeo elas
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo
da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os
tipos de armas e municcedilotildees permitidas
(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias
apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio
(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos
injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis
(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas
de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas
armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de
armas de fogo
50
(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no
desempenho das suas funccedilotildees
Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila
e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia
da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece
as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila
Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como
aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos
agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento
dessas diretrizes
1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar
nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e
deveraacute considerar primordialmente
a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela
Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na
sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979
b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de
Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados
pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo
198961 de 24 de maio de 1989
c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo
Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o
Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto
a 7 de setembro de 1999
d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis
Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees
Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de
1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991
51
Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade
resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a
necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna
ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial
Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao
Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que
tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria
9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos
disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo
objetivamente
a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas
b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao
ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no
evento
c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo
perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento
d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees
desnecessaacuterias e risco injustificado e
e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente
de seguranccedila puacuteblica
Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do
Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de
Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que
regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees
Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se
natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como
a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de
manifestaccedilotildees e reuniotildees populares
52
Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro
miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos
que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e
sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil
6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE
DIREITOS HUMANOS
O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado
por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica
contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso
internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados
no que tange agrave dignidade humana
De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados
natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a
dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados
podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros
Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos
que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos
internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas
Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo
terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua
responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos
internacionalmente admitidos
55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf
53
Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56
apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute
um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees
como prova para outro procedimento de julgamento internacional do
Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura
ignorada
Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados
no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos
normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo
Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina
se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses
oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o
jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi
distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda
externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados
ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos
constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os
paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o
respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil
continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos
nacionalmente57
Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da
presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o
que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada
56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355
54
7) CONCLUSAtildeO
A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm
Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para
resoluccedilatildeo da presente controveacutersia
Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e
histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma
expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo
se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do
Estado de Satildeo Paulo
Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a
atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa
padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia
O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo
Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos
Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que
expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e
que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente
demanda
55
8) PEDIDO
Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como
amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae
requer-se seu recebimento como memoriais
Termos em que
Pede deferimento
Satildeo Paulo 17 de julho de 2014
Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs
OABSP 262284 OABSP 101663
Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni
OABSP 284930 OABSP 286871
Sheila Santana de Carvalho
OABSP 343588
38
ldquoProcurei o nome dos policiais na lapela Nenhum deles tinhardquo
ldquoQuando fui detida um fotoacutegrafo tirou todas as fotos nas quais aparecem
os policiais que me agrediram mas acredito que todos os que estavam na
Avenida Paulista estavam sem identificaccedilatildeo As fotos mostram que o espaccedilo
onde deveriam estar as identificaccedilotildees estava vazio [] Os policiais estavam
muito insanos e descontrolados nessa manifestaccedilatildeo Estava muito
desorganizado parecia que os policiais natildeo tinham um liacuteder porque cada
um fazia uma coisa mais absurda que o outro como deter pessoas bater e
depois soltarrdquo
Durante a manifestaccedilatildeo do dia 13 de junho de 2013 como de costume
havia tambeacutem policiais sem identificaccedilatildeo numa atitude que apesar de ferir as
normas da Poliacutecia Militar natildeo tem sido punida pela corporaccedilatildeo Tal conduta (natildeo
usar identificaccedilatildeo no uniforme) eacute uma das transgressotildees previstas no Regulamento
Disciplinar da Poliacutecia Militar (RDPM) Lei Estadual Complementar 89301 Estaacute
tipificada no inciso 119 do artigo 13 da referida norma
Todavia mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos por
parte dos policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013 em
particular ateacute hoje um ano depois a Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo ainda natildeo
identificou nenhum policial que cometeu crimes contra manifestantes em junho de
2013 A justificativa eacute que natildeo seria possiacutevel identificar os policiais por meio de viacutedeos
gravados por pessoas ali reunidas como diz a mateacuteria do jornal O Estado de S Paulo de
3105201442 (doc 11) cujo trecho ora transcreve-se
SAtildeO PAULO - A Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo ainda natildeo identificou
nenhum agente que cometeu abusos durante a repressatildeo ao protesto
de 13 de junho de 2013 data em que a violecircncia policial mudou os
rumos das manifestaccedilotildees no Paiacutes A alegaccedilatildeo eacute que natildeo tem sido
possiacutevel reconhecer policiais filmados e fotografados durante
42 O Estado de S Paulo Nenhum PM foi identificado em ato mais violento Acessado em 02062014 no endereccedilo httpsao-pauloestadaocombrnoticiasgeralnenhum-pm-foi-identificado-em-ato-mais-violento1503319
39
agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da
corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos
A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)
que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o
Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica
informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de
identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou
crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas
pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e
ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento
Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento
feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -
organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo
com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a
manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da
Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois
se espalharam pelo centro
Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se
determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular
Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito
interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a
atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu
Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta
manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial
em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes
policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees
O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo
em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial
40
No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado
de se identificarem previamente como tais no momento de advertir
com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a
forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua
atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees
estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e
adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se
f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de
seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas
ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever
potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim
de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no
terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e
comportamento policial
Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a
identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que
cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e
ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se
g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as
forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de
abusos ou atos de violecircncia
h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou
judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas
operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos
no curso das mesmas
41
Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos
cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013
em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos
A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou
que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem
disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes
em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que
confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns
trechos da mateacuteria
Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes
sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas
delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo
Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo
investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute
abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi
concluiacuteda e nenhum policial foi punido
A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute
os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo
processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1
de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014
Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de
Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum
policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21
policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato
Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e
tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e
ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades
43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)
42
v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS
CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES
Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do
Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa
atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute
de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila
Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em
manifestaccedilotildees futuras
Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute
imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo
temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de
confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo
Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a
negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A
proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da
Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que
Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os
governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar
atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos
especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da
forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a
compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de
persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos
destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados
da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e
procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos
43
Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um
negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se
evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se
e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves
manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes
para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e
protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de
conflito
Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na
Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos
publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72
daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue
72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no
uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a
resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das
multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como
meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45
Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de
Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia
da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se
44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf
44
38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um
verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades
policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da
manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico
Suiacuteccedila e outros paiacuteses47
Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os
documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador
civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco
de conflito social
vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa
de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na
dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila
notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas
O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar
Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre
recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo
Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem
alguns trechos
No comando do choque eu soacute recebi precircmios
47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora
45
Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe
pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de
Satildeo Paulo
ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de
protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo
A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho
quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e
pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo
foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do
centro saqueadas
Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da
Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui
ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou
A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v
Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de
dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute
o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte
ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar
seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito
negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50
Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando
preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa
policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre
expressatildeo
49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)
46
ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees
razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento
paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem
violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da
legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento
de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo
manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma
manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das
pessoasrdquo52
Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho
de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante
da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo
A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava
subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e
um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas
patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de
brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo
tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha
bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa
assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou
brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo
[]
Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos
policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles
ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar
sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E
todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado
52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas
47
do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo
para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo
[]
Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu
encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de
gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba
nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para
os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de
novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me
lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de
Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo
mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da
poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo
estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e
nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo
[]
A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes
Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a
gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem
Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o
pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes
lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila
Roosevelt
[]
O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da
Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava
que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente
ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima
tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali
natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando
bomba em cima da gente
O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da
Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e
intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso
desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a
48
agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de
Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se
ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees
policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso
indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o
membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para
proteger seus companheiros ali presentesrdquo54
Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave
determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve
permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo
administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes
vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A
ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica
do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e
internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo
puacuteblico
Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da
forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a
formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas
53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo
49
Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que
ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e
de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na
elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e
minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e
de armas de fogordquo
Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para
determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila
deveriam seguir Aqui estatildeo elas
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo
da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os
tipos de armas e municcedilotildees permitidas
(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias
apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio
(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos
injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis
(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas
de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas
armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de
armas de fogo
50
(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no
desempenho das suas funccedilotildees
Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila
e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia
da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece
as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila
Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como
aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos
agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento
dessas diretrizes
1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar
nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e
deveraacute considerar primordialmente
a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela
Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na
sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979
b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de
Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados
pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo
198961 de 24 de maio de 1989
c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo
Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o
Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto
a 7 de setembro de 1999
d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis
Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees
Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de
1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991
51
Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade
resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a
necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna
ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial
Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao
Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que
tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria
9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos
disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo
objetivamente
a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas
b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao
ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no
evento
c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo
perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento
d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees
desnecessaacuterias e risco injustificado e
e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente
de seguranccedila puacuteblica
Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do
Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de
Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que
regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees
Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se
natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como
a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de
manifestaccedilotildees e reuniotildees populares
52
Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro
miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos
que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e
sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil
6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE
DIREITOS HUMANOS
O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado
por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica
contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso
internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados
no que tange agrave dignidade humana
De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados
natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a
dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados
podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros
Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos
que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos
internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas
Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo
terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua
responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos
internacionalmente admitidos
55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf
53
Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56
apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute
um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees
como prova para outro procedimento de julgamento internacional do
Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura
ignorada
Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados
no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos
normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo
Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina
se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses
oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o
jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi
distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda
externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados
ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos
constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os
paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o
respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil
continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos
nacionalmente57
Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da
presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o
que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada
56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355
54
7) CONCLUSAtildeO
A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm
Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para
resoluccedilatildeo da presente controveacutersia
Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e
histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma
expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo
se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do
Estado de Satildeo Paulo
Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a
atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa
padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia
O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo
Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos
Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que
expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e
que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente
demanda
55
8) PEDIDO
Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como
amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae
requer-se seu recebimento como memoriais
Termos em que
Pede deferimento
Satildeo Paulo 17 de julho de 2014
Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs
OABSP 262284 OABSP 101663
Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni
OABSP 284930 OABSP 286871
Sheila Santana de Carvalho
OABSP 343588
39
agressotildees agrave populaccedilatildeo Assim ateacute hoje nenhum integrante da
corporaccedilatildeo foi indiciado pelos excessos
A Corregedoria da PM responsaacutevel pelo Inqueacuterito Policial Militar (IPM)
que investiga os acontecimentos daquela quinta-feira natildeo falou com o
Estado sobre o assunto A Secretaria de Estado da Seguranccedila Puacuteblica
informou em nota que ldquoas apuraccedilotildees esbarram na dificuldade de
identificar eventuais policiais que tenham cometido abusos ou
crimes uma vez que muitas pessoas arroladas como testemunhas
pela Corregedoria natildeo compareceram para depor e apontar os PMsrdquo e
ressaltou que o inqueacuterito ainda estaacute em andamento
Ao menos 105 pessoas ficaram feridas naquela noite segundo levantamento
feito nos hospitais na eacutepoca pelo Movimento Passe Livre (MPL) -
organizaccedilatildeo que convocava os protestos Aquele era o quarto ato do grupo
com 15 mil pessoas Os abusos comeccedilaram depois de a PM impedir a
manifestaccedilatildeo de chegar agrave Avenida Paulista A marcha foi atacada na Rua da
Consolaccedilatildeo na esquina com a Rua Maria Antocircnia Os confrontos depois
se espalharam pelo centro
Fica claro que a falta de identificaccedilatildeo policial impede a investigaccedilatildeo a fim de se
determinar possiacutevel uso abusivo da forccedila em situaccedilotildees de manifestaccedilatildeo e protesto popular
Poreacutem a questatildeo natildeo se restringe agrave normativa da corporaccedilatildeo policial ou ao direito
interno Estatildeo vigentes normativas internacionais que estabelecem paracircmetros para a
atividade policial A Comissatildeo Interamericana de Direitos Humanos por meio de seu
Relatoacuterio sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) jaacute mencionado nesta
manifestaccedilatildeo ao elaborar uma seacuterie de recomendaccedilotildees quanto agrave atuaccedilatildeo da forccedila policial
em manifestaccedilotildees puacuteblicas destaca a identificaccedilatildeo pessoal e visiacutevel de todos agentes
policiais envolvidos nas manifestaccedilotildees
O paraacutegrafo 118 desse Relatoacuterio mostra claramente a exigecircncia da identificaccedilatildeo
em qualquer hipoacutetese de atuaccedilatildeo policial
40
No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado
de se identificarem previamente como tais no momento de advertir
com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a
forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua
atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees
estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e
adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se
f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de
seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas
ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever
potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim
de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no
terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e
comportamento policial
Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a
identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que
cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e
ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se
g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as
forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de
abusos ou atos de violecircncia
h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou
judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas
operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos
no curso das mesmas
41
Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos
cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013
em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos
A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou
que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem
disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes
em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que
confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns
trechos da mateacuteria
Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes
sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas
delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo
Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo
investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute
abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi
concluiacuteda e nenhum policial foi punido
A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute
os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo
processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1
de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014
Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de
Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum
policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21
policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato
Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e
tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e
ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades
43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)
42
v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS
CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES
Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do
Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa
atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute
de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila
Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em
manifestaccedilotildees futuras
Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute
imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo
temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de
confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo
Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a
negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A
proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da
Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que
Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os
governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar
atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos
especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da
forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a
compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de
persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos
destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados
da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e
procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos
43
Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um
negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se
evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se
e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves
manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes
para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e
protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de
conflito
Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na
Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos
publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72
daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue
72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no
uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a
resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das
multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como
meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45
Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de
Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia
da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se
44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf
44
38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um
verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades
policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da
manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico
Suiacuteccedila e outros paiacuteses47
Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os
documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador
civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco
de conflito social
vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa
de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na
dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila
notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas
O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar
Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre
recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo
Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem
alguns trechos
No comando do choque eu soacute recebi precircmios
47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora
45
Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe
pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de
Satildeo Paulo
ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de
protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo
A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho
quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e
pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo
foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do
centro saqueadas
Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da
Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui
ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou
A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v
Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de
dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute
o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte
ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar
seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito
negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50
Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando
preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa
policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre
expressatildeo
49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)
46
ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees
razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento
paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem
violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da
legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento
de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo
manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma
manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das
pessoasrdquo52
Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho
de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante
da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo
A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava
subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e
um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas
patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de
brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo
tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha
bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa
assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou
brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo
[]
Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos
policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles
ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar
sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E
todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado
52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas
47
do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo
para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo
[]
Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu
encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de
gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba
nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para
os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de
novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me
lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de
Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo
mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da
poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo
estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e
nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo
[]
A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes
Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a
gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem
Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o
pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes
lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila
Roosevelt
[]
O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da
Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava
que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente
ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima
tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali
natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando
bomba em cima da gente
O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da
Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e
intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso
desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a
48
agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de
Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se
ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees
policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso
indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o
membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para
proteger seus companheiros ali presentesrdquo54
Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave
determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve
permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo
administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes
vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A
ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica
do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e
internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo
puacuteblico
Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da
forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a
formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas
53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo
49
Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que
ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e
de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na
elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e
minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e
de armas de fogordquo
Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para
determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila
deveriam seguir Aqui estatildeo elas
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo
da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os
tipos de armas e municcedilotildees permitidas
(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias
apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio
(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos
injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis
(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas
de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas
armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de
armas de fogo
50
(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no
desempenho das suas funccedilotildees
Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila
e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia
da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece
as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila
Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como
aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos
agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento
dessas diretrizes
1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar
nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e
deveraacute considerar primordialmente
a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela
Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na
sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979
b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de
Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados
pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo
198961 de 24 de maio de 1989
c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo
Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o
Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto
a 7 de setembro de 1999
d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis
Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees
Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de
1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991
51
Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade
resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a
necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna
ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial
Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao
Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que
tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria
9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos
disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo
objetivamente
a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas
b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao
ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no
evento
c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo
perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento
d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees
desnecessaacuterias e risco injustificado e
e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente
de seguranccedila puacuteblica
Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do
Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de
Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que
regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees
Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se
natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como
a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de
manifestaccedilotildees e reuniotildees populares
52
Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro
miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos
que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e
sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil
6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE
DIREITOS HUMANOS
O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado
por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica
contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso
internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados
no que tange agrave dignidade humana
De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados
natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a
dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados
podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros
Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos
que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos
internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas
Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo
terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua
responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos
internacionalmente admitidos
55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf
53
Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56
apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute
um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees
como prova para outro procedimento de julgamento internacional do
Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura
ignorada
Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados
no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos
normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo
Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina
se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses
oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o
jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi
distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda
externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados
ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos
constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os
paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o
respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil
continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos
nacionalmente57
Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da
presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o
que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada
56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355
54
7) CONCLUSAtildeO
A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm
Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para
resoluccedilatildeo da presente controveacutersia
Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e
histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma
expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo
se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do
Estado de Satildeo Paulo
Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a
atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa
padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia
O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo
Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos
Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que
expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e
que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente
demanda
55
8) PEDIDO
Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como
amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae
requer-se seu recebimento como memoriais
Termos em que
Pede deferimento
Satildeo Paulo 17 de julho de 2014
Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs
OABSP 262284 OABSP 101663
Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni
OABSP 284930 OABSP 286871
Sheila Santana de Carvalho
OABSP 343588
40
No caso de ser estritamente necessaacuteria a utilizaccedilatildeo da forccedila letal as normas
de atuaccedilatildeo devem estabelecer a obrigaccedilatildeo dos agentes do Estado
de se identificarem previamente como tais no momento de advertir
com clareza as pessoas envolvidas a respeito de sua intenccedilatildeo de empregar a
forccedila outorgando tempo suficiente para que estas declarem sua
atitude exceto naqueles casos em que exista um risco iminente agrave vida ou agrave
integridade pessoal de terceiras pessoas ou dos proacuteprios agentes estatais
Jaacute o paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio que trata especificamente de manifestaccedilotildees
estabelece no item ldquofrdquo que os Estados devem assegurar para o uso da forccedila estaacute a clara e
adequada identificaccedilatildeo do policial atuante Veja-se
f) a identificaccedilatildeo de responsaacuteveis poliacuteticos a cargo das operaccedilotildees de
seguranccedila nas marchas em especial quando existam marchas programadas
ou conflitos sociais prolongados ou circunstacircncias que possam prever
potenciais riscos para os direitos dos manifestantes ou terceiros com o fim
de que estes funcionaacuterios estejam encarregados de controlar a operaccedilatildeo no
terreno e fazer cumprir estritamente as normas sobre o uso da forccedila e
comportamento policial
Observa-se que estas disposiccedilotildees obrigam os Estados a assegurarem a
identificaccedilatildeo dos policiais e um sistema eficiente de sanccedilotildees administrativas aos agentes que
cometam violecircncia ilegal contra as pessoas ali reunidas respeitando-se assim os itens ldquogrdquo e
ldquohrdquo do mesmo dispositivo normativo mencionado acima que ora transcreve-se
g) o estabelecimento de um sistema de sanccedilotildees administrativas para as
forccedilas policiais com instruccedilotildees independentes e participaccedilatildeo das viacutetimas de
abusos ou atos de violecircncia
h) adotar medidas para impedir que os mesmos funcionaacuterios policiais ou
judiciais (juiacutezes ou promotores de justiccedila) envolvidos diretamente nas
operaccedilotildees estejam a cargo de investigar irregularidades ou abusos cometidos
no curso das mesmas
41
Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos
cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013
em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos
A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou
que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem
disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes
em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que
confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns
trechos da mateacuteria
Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes
sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas
delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo
Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo
investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute
abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi
concluiacuteda e nenhum policial foi punido
A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute
os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo
processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1
de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014
Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de
Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum
policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21
policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato
Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e
tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e
ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades
43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)
42
v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS
CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES
Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do
Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa
atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute
de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila
Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em
manifestaccedilotildees futuras
Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute
imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo
temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de
confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo
Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a
negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A
proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da
Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que
Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os
governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar
atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos
especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da
forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a
compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de
persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos
destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados
da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e
procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos
43
Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um
negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se
evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se
e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves
manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes
para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e
protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de
conflito
Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na
Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos
publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72
daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue
72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no
uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a
resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das
multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como
meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45
Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de
Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia
da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se
44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf
44
38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um
verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades
policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da
manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico
Suiacuteccedila e outros paiacuteses47
Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os
documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador
civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco
de conflito social
vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa
de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na
dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila
notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas
O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar
Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre
recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo
Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem
alguns trechos
No comando do choque eu soacute recebi precircmios
47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora
45
Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe
pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de
Satildeo Paulo
ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de
protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo
A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho
quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e
pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo
foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do
centro saqueadas
Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da
Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui
ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou
A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v
Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de
dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute
o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte
ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar
seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito
negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50
Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando
preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa
policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre
expressatildeo
49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)
46
ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees
razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento
paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem
violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da
legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento
de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo
manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma
manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das
pessoasrdquo52
Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho
de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante
da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo
A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava
subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e
um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas
patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de
brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo
tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha
bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa
assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou
brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo
[]
Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos
policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles
ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar
sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E
todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado
52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas
47
do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo
para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo
[]
Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu
encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de
gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba
nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para
os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de
novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me
lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de
Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo
mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da
poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo
estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e
nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo
[]
A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes
Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a
gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem
Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o
pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes
lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila
Roosevelt
[]
O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da
Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava
que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente
ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima
tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali
natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando
bomba em cima da gente
O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da
Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e
intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso
desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a
48
agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de
Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se
ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees
policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso
indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o
membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para
proteger seus companheiros ali presentesrdquo54
Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave
determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve
permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo
administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes
vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A
ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica
do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e
internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo
puacuteblico
Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da
forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a
formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas
53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo
49
Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que
ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e
de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na
elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e
minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e
de armas de fogordquo
Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para
determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila
deveriam seguir Aqui estatildeo elas
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo
da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os
tipos de armas e municcedilotildees permitidas
(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias
apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio
(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos
injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis
(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas
de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas
armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de
armas de fogo
50
(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no
desempenho das suas funccedilotildees
Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila
e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia
da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece
as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila
Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como
aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos
agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento
dessas diretrizes
1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar
nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e
deveraacute considerar primordialmente
a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela
Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na
sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979
b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de
Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados
pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo
198961 de 24 de maio de 1989
c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo
Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o
Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto
a 7 de setembro de 1999
d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis
Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees
Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de
1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991
51
Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade
resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a
necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna
ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial
Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao
Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que
tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria
9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos
disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo
objetivamente
a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas
b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao
ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no
evento
c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo
perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento
d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees
desnecessaacuterias e risco injustificado e
e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente
de seguranccedila puacuteblica
Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do
Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de
Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que
regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees
Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se
natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como
a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de
manifestaccedilotildees e reuniotildees populares
52
Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro
miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos
que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e
sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil
6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE
DIREITOS HUMANOS
O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado
por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica
contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso
internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados
no que tange agrave dignidade humana
De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados
natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a
dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados
podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros
Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos
que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos
internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas
Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo
terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua
responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos
internacionalmente admitidos
55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf
53
Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56
apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute
um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees
como prova para outro procedimento de julgamento internacional do
Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura
ignorada
Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados
no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos
normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo
Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina
se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses
oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o
jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi
distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda
externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados
ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos
constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os
paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o
respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil
continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos
nacionalmente57
Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da
presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o
que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada
56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355
54
7) CONCLUSAtildeO
A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm
Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para
resoluccedilatildeo da presente controveacutersia
Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e
histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma
expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo
se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do
Estado de Satildeo Paulo
Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a
atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa
padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia
O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo
Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos
Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que
expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e
que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente
demanda
55
8) PEDIDO
Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como
amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae
requer-se seu recebimento como memoriais
Termos em que
Pede deferimento
Satildeo Paulo 17 de julho de 2014
Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs
OABSP 262284 OABSP 101663
Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni
OABSP 284930 OABSP 286871
Sheila Santana de Carvalho
OABSP 343588
41
Poreacutem mesmo com todos os registros e denuacutencias de violaccedilotildees de direitos
cometidas por policiais militares nas manifestaccedilotildees em geral e no dia 13 de junho de 2013
em particular nenhum agente foi punido pelas violaccedilotildees cometidas nos protestos
A BBC Brasil por meio de pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo identificou
que nenhum policial foi punido pela Corregedoria da corporaccedilatildeo43 (doc 12) aleacutem
disso em sua mateacuteria de 19022014 chamada Nenhum PM foi punido desde junho por incidentes
em protestos mostra entrevista do Comandante Geral da Poliacutecia Militar de Satildeo Paulo que
confirma que de fato nenhum policial foi punido Importante transcrever-se alguns
trechos da mateacuteria
Desde o iniacutecio dos protestos de junho do ano passado a imprensa e as redes
sociais mostraram agrave exaustatildeo cenas de violecircncia nas manifestaccedilotildees muitas
delas envolvendo policiais Em Satildeo Paulo o governador Geraldo
Alckmin haacute tempos reitera que os excessos estatildeo sendo
investigados e desde junho a Corregedoria da Poliacutecia Militar jaacute
abriu 21 inqueacuteritos - mas ateacute o momento nenhuma investigaccedilatildeo foi
concluiacuteda e nenhum policial foi punido
A BBC Brasil pediu os nuacutemeros diretamente agrave Corregedoria da PM mas soacute
os conseguiu apoacutes protocolar um pedido via Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo
processo que levou duas semanas A informaccedilatildeo eacute referente ao periacuteodo de 1
de junho de 2013 a 28 de janeiro de 2014
Em entrevista agrave BBC Brasil o Comandante-Geral da Poliacutecia Militar de
Satildeo Paulo coronel Benedito Roberto Meira confirmou que nenhum
policial foi punido Ele disse que os 21 processos envolvem mais que 21
policiais mas natildeo soube precisar o nuacutemero exato
Diante disso resta claro que o Estado de Satildeo Paulo descumpre os documentos e
tratados internacionais ratificados pelo Brasil quanto agrave necessidade de clara adequada e
ostensiva identificaccedilatildeo de policiais no desempenho de suas atividades
43 Disponiacutevel em httpwwwbbccoukportuguesenoticias201402140216_investigacao_pm_protestos_mm_lgbshtml (acessado em 11072014)
42
v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS
CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES
Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do
Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa
atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute
de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila
Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em
manifestaccedilotildees futuras
Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute
imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo
temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de
confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo
Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a
negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A
proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da
Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que
Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os
governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar
atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos
especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da
forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a
compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de
persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos
destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados
da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e
procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos
43
Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um
negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se
evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se
e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves
manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes
para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e
protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de
conflito
Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na
Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos
publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72
daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue
72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no
uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a
resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das
multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como
meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45
Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de
Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia
da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se
44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf
44
38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um
verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades
policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da
manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico
Suiacuteccedila e outros paiacuteses47
Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os
documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador
civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco
de conflito social
vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa
de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na
dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila
notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas
O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar
Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre
recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo
Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem
alguns trechos
No comando do choque eu soacute recebi precircmios
47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora
45
Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe
pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de
Satildeo Paulo
ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de
protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo
A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho
quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e
pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo
foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do
centro saqueadas
Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da
Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui
ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou
A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v
Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de
dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute
o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte
ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar
seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito
negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50
Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando
preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa
policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre
expressatildeo
49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)
46
ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees
razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento
paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem
violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da
legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento
de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo
manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma
manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das
pessoasrdquo52
Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho
de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante
da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo
A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava
subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e
um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas
patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de
brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo
tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha
bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa
assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou
brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo
[]
Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos
policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles
ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar
sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E
todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado
52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas
47
do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo
para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo
[]
Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu
encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de
gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba
nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para
os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de
novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me
lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de
Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo
mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da
poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo
estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e
nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo
[]
A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes
Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a
gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem
Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o
pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes
lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila
Roosevelt
[]
O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da
Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava
que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente
ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima
tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali
natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando
bomba em cima da gente
O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da
Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e
intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso
desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a
48
agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de
Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se
ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees
policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso
indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o
membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para
proteger seus companheiros ali presentesrdquo54
Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave
determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve
permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo
administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes
vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A
ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica
do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e
internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo
puacuteblico
Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da
forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a
formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas
53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo
49
Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que
ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e
de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na
elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e
minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e
de armas de fogordquo
Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para
determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila
deveriam seguir Aqui estatildeo elas
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo
da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os
tipos de armas e municcedilotildees permitidas
(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias
apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio
(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos
injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis
(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas
de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas
armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de
armas de fogo
50
(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no
desempenho das suas funccedilotildees
Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila
e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia
da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece
as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila
Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como
aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos
agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento
dessas diretrizes
1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar
nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e
deveraacute considerar primordialmente
a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela
Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na
sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979
b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de
Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados
pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo
198961 de 24 de maio de 1989
c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo
Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o
Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto
a 7 de setembro de 1999
d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis
Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees
Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de
1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991
51
Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade
resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a
necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna
ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial
Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao
Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que
tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria
9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos
disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo
objetivamente
a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas
b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao
ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no
evento
c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo
perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento
d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees
desnecessaacuterias e risco injustificado e
e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente
de seguranccedila puacuteblica
Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do
Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de
Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que
regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees
Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se
natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como
a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de
manifestaccedilotildees e reuniotildees populares
52
Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro
miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos
que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e
sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil
6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE
DIREITOS HUMANOS
O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado
por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica
contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso
internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados
no que tange agrave dignidade humana
De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados
natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a
dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados
podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros
Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos
que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos
internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas
Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo
terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua
responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos
internacionalmente admitidos
55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf
53
Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56
apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute
um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees
como prova para outro procedimento de julgamento internacional do
Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura
ignorada
Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados
no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos
normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo
Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina
se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses
oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o
jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi
distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda
externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados
ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos
constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os
paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o
respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil
continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos
nacionalmente57
Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da
presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o
que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada
56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355
54
7) CONCLUSAtildeO
A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm
Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para
resoluccedilatildeo da presente controveacutersia
Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e
histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma
expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo
se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do
Estado de Satildeo Paulo
Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a
atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa
padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia
O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo
Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos
Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que
expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e
que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente
demanda
55
8) PEDIDO
Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como
amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae
requer-se seu recebimento como memoriais
Termos em que
Pede deferimento
Satildeo Paulo 17 de julho de 2014
Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs
OABSP 262284 OABSP 101663
Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni
OABSP 284930 OABSP 286871
Sheila Santana de Carvalho
OABSP 343588
42
v) DA NECESSIDADE DA PRESENCcedilA DE NEGOCIADOR CIVIL PARA EVENTUAIS
CONFLITOS EM MANIFESTACcedilOtildeES POPULARES
Diante do cenaacuterio da completa falta de diaacutelogo entre as forccedilas repressivas do
Estado de Satildeo Paulo e seus proacuteprios cidadatildeos e das graves consequecircncias da desastrosa
atuaccedilatildeo da Poliacutecia Militar paulista na manifestaccedilatildeo de 13 de junho de 2013 e outras mais eacute
de suma importacircncia a presenccedila de um negociador indicado pelo Secretaacuterio de Seguranccedila
Puacuteblica que deveraacute ser responsaacutevel pela coordenaccedilatildeo e supervisatildeo do operativo policial em
manifestaccedilotildees futuras
Aleacutem da necessidade de uma poliacutecia que respeite e defenda a sociedade eacute
imprescindiacutevel para o Estado Democraacutetico de Direito uma poliacutecia que gere confianccedila e natildeo
temor Ao adotar um protocolo de reduccedilatildeo de conflitos em manifestaccedilotildees legiacutetimas a
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo poderia alcanccedilar esse longiacutenquo patamar de
confiabilidade e o negociador civil tem um papel preponderante nesse processo
Natildeo eacute agrave toa que protocolos internacionais para o uso da forccedila preveem a
negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo como meio teacutecnico de limitar o uso da forccedila e armas de fogo A
proacutepria Organizaccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas por meio dos Princiacutepios Baacutesicos Sobre o
Uso da Forccedila e Armas de Fogo Pelos Funcionaacuterios Responsaacuteveis Pela Aplicaccedilatildeo da
Lei (doc 5) recomenda a negociaccedilatildeo O princiacutepio nordm 20 diz que
Na formaccedilatildeo profissional dos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei os
governos e organismos encarregados da aplicaccedilatildeo da lei devem dedicar
atenccedilatildeo especial agraves questotildees de eacutetica policial e direitos humanos
especialmente durante o processo de investigaccedilatildeo a alternativas ao uso da
forccedila e armas de fogo incluindo a soluccedilatildeo paciacutefica de conflitos a
compreensatildeo do comportamento das multidotildees e os meacutetodos de
persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como os meios teacutecnicos
destinados a limitar o uso da forccedila e armas de fogo Os oacutergatildeos encarregados
da aplicaccedilatildeo da lei devem rever os seus programas de treinamento e
procedimentos operacionais agrave luz de eventuais incidentes concretos
43
Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um
negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se
evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se
e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves
manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes
para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e
protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de
conflito
Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na
Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos
publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72
daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue
72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no
uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a
resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das
multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como
meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45
Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de
Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia
da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se
44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf
44
38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um
verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades
policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da
manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico
Suiacuteccedila e outros paiacuteses47
Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os
documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador
civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco
de conflito social
vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa
de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na
dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila
notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas
O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar
Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre
recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo
Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem
alguns trechos
No comando do choque eu soacute recebi precircmios
47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora
45
Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe
pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de
Satildeo Paulo
ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de
protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo
A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho
quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e
pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo
foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do
centro saqueadas
Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da
Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui
ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou
A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v
Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de
dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute
o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte
ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar
seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito
negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50
Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando
preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa
policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre
expressatildeo
49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)
46
ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees
razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento
paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem
violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da
legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento
de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo
manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma
manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das
pessoasrdquo52
Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho
de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante
da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo
A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava
subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e
um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas
patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de
brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo
tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha
bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa
assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou
brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo
[]
Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos
policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles
ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar
sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E
todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado
52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas
47
do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo
para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo
[]
Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu
encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de
gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba
nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para
os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de
novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me
lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de
Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo
mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da
poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo
estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e
nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo
[]
A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes
Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a
gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem
Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o
pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes
lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila
Roosevelt
[]
O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da
Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava
que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente
ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima
tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali
natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando
bomba em cima da gente
O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da
Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e
intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso
desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a
48
agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de
Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se
ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees
policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso
indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o
membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para
proteger seus companheiros ali presentesrdquo54
Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave
determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve
permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo
administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes
vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A
ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica
do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e
internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo
puacuteblico
Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da
forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a
formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas
53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo
49
Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que
ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e
de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na
elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e
minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e
de armas de fogordquo
Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para
determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila
deveriam seguir Aqui estatildeo elas
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo
da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os
tipos de armas e municcedilotildees permitidas
(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias
apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio
(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos
injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis
(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas
de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas
armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de
armas de fogo
50
(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no
desempenho das suas funccedilotildees
Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila
e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia
da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece
as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila
Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como
aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos
agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento
dessas diretrizes
1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar
nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e
deveraacute considerar primordialmente
a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela
Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na
sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979
b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de
Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados
pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo
198961 de 24 de maio de 1989
c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo
Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o
Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto
a 7 de setembro de 1999
d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis
Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees
Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de
1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991
51
Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade
resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a
necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna
ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial
Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao
Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que
tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria
9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos
disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo
objetivamente
a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas
b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao
ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no
evento
c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo
perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento
d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees
desnecessaacuterias e risco injustificado e
e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente
de seguranccedila puacuteblica
Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do
Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de
Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que
regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees
Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se
natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como
a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de
manifestaccedilotildees e reuniotildees populares
52
Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro
miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos
que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e
sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil
6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE
DIREITOS HUMANOS
O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado
por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica
contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso
internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados
no que tange agrave dignidade humana
De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados
natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a
dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados
podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros
Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos
que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos
internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas
Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo
terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua
responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos
internacionalmente admitidos
55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf
53
Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56
apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute
um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees
como prova para outro procedimento de julgamento internacional do
Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura
ignorada
Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados
no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos
normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo
Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina
se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses
oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o
jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi
distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda
externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados
ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos
constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os
paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o
respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil
continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos
nacionalmente57
Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da
presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o
que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada
56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355
54
7) CONCLUSAtildeO
A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm
Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para
resoluccedilatildeo da presente controveacutersia
Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e
histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma
expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo
se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do
Estado de Satildeo Paulo
Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a
atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa
padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia
O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo
Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos
Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que
expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e
que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente
demanda
55
8) PEDIDO
Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como
amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae
requer-se seu recebimento como memoriais
Termos em que
Pede deferimento
Satildeo Paulo 17 de julho de 2014
Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs
OABSP 262284 OABSP 101663
Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni
OABSP 284930 OABSP 286871
Sheila Santana de Carvalho
OABSP 343588
43
Tambeacutem no acircmbito regional das Ameacutericas a Comissatildeo Interamericana de
Direitos Humanos entende como medida de prevenccedilatildeo de conflitos a presenccedila de um
negociador civil como forma de promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo para se
evitar situaccedilotildees de conflito Eacute o que dispotildee o item ldquoerdquo do paraacutegrafo 201 do Relatoacuterio
sobre Seguranccedila Cidadatilde e Direitos Humanos (doc 7) Veja-se
e) a promoccedilatildeo de espaccedilos de comunicaccedilatildeo e diaacutelogo preacutevio agraves
manifestaccedilotildees e agrave atuaccedilatildeo de funcionaacuterios ligados aos manifestantes
para coordenar o desenvolvimento das accedilotildees de manifestaccedilatildeo e
protesto e as operaccedilotildees de seguranccedila puacuteblica evitando situaccedilotildees de
conflito
Jaacute no acircmbito regional europeu a Organizaccedilatildeo para a Seguranccedila e Cooperaccedilatildeo na
Europa por meio do Escritoacuterio para as Instituiccedilotildees Democraacuteticas e Direitos Humanos
publicou em 2008 o Guia do Policiamento Democraacutetico44 que atraveacutes de seu paraacutegrafo 72
daacute aplicabilidade aos princiacutepios 19 e 20 dos Princiacutepios Baacutesicos da ONU como segue
72 Os agentes policias devem ser treinados em padrotildees de proficiecircncia no
uso da forccedila alternativas para o uso da forccedila e armas de fogo incluindo a
resoluccedilatildeo paciacutefica de conflitos o entendimento do comportamento das
multidotildees e os meacutetodos de persuasatildeo negociaccedilatildeo e mediaccedilatildeo bem como
meios teacutecnicos com vista a limitar o uso da forccedila e armas de fogordquo45
Por fim o do Relator Especial da ONU sobre os Direitos de Liberdade de
Reuniatildeo e de Associaccedilatildeo expressou ao Conselho de Direitos Humanos46 a importacircncia
da negociaccedilatildeo entre as forccedilas de seguranccedila e as pessoas reunidas em local puacuteblico Veja-se
44 Disponiacutevel em httpwwwosceorgspmu23804download=true (acessado em 27062014) 45 Traduccedilatildeo livre de ldquo72 Police officers should be trained in proficiency standards in the use of force ldquoalternatives to the use of force and firearms including the peaceful settlement of conflict the understanding of crowd behaviour and the methods of persuasion negotiation and mediation as well as technical means with a view to limiting the use of force and firearmsrdquo 46 Report of the Special Rapporteur on the rights to freedom of peaceful assembly and of association Maina Kiai (AHRC2027) Disponiacutevel em httpwwwohchrorgDocumentsHRBodiesHRCouncilRegularSessionSession20A-HRC-20-27_enpdf
44
38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um
verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades
policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da
manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico
Suiacuteccedila e outros paiacuteses47
Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os
documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador
civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco
de conflito social
vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa
de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na
dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila
notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas
O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar
Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre
recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo
Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem
alguns trechos
No comando do choque eu soacute recebi precircmios
47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora
45
Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe
pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de
Satildeo Paulo
ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de
protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo
A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho
quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e
pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo
foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do
centro saqueadas
Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da
Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui
ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou
A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v
Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de
dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute
o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte
ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar
seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito
negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50
Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando
preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa
policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre
expressatildeo
49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)
46
ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees
razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento
paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem
violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da
legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento
de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo
manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma
manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das
pessoasrdquo52
Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho
de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante
da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo
A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava
subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e
um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas
patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de
brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo
tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha
bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa
assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou
brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo
[]
Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos
policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles
ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar
sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E
todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado
52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas
47
do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo
para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo
[]
Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu
encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de
gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba
nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para
os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de
novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me
lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de
Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo
mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da
poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo
estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e
nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo
[]
A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes
Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a
gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem
Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o
pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes
lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila
Roosevelt
[]
O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da
Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava
que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente
ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima
tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali
natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando
bomba em cima da gente
O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da
Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e
intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso
desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a
48
agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de
Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se
ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees
policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso
indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o
membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para
proteger seus companheiros ali presentesrdquo54
Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave
determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve
permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo
administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes
vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A
ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica
do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e
internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo
puacuteblico
Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da
forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a
formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas
53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo
49
Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que
ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e
de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na
elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e
minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e
de armas de fogordquo
Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para
determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila
deveriam seguir Aqui estatildeo elas
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo
da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os
tipos de armas e municcedilotildees permitidas
(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias
apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio
(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos
injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis
(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas
de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas
armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de
armas de fogo
50
(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no
desempenho das suas funccedilotildees
Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila
e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia
da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece
as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila
Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como
aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos
agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento
dessas diretrizes
1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar
nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e
deveraacute considerar primordialmente
a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela
Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na
sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979
b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de
Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados
pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo
198961 de 24 de maio de 1989
c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo
Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o
Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto
a 7 de setembro de 1999
d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis
Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees
Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de
1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991
51
Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade
resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a
necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna
ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial
Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao
Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que
tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria
9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos
disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo
objetivamente
a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas
b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao
ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no
evento
c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo
perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento
d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees
desnecessaacuterias e risco injustificado e
e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente
de seguranccedila puacuteblica
Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do
Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de
Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que
regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees
Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se
natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como
a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de
manifestaccedilotildees e reuniotildees populares
52
Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro
miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos
que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e
sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil
6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE
DIREITOS HUMANOS
O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado
por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica
contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso
internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados
no que tange agrave dignidade humana
De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados
natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a
dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados
podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros
Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos
que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos
internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas
Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo
terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua
responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos
internacionalmente admitidos
55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf
53
Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56
apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute
um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees
como prova para outro procedimento de julgamento internacional do
Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura
ignorada
Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados
no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos
normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo
Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina
se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses
oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o
jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi
distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda
externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados
ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos
constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os
paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o
respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil
continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos
nacionalmente57
Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da
presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o
que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada
56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355
54
7) CONCLUSAtildeO
A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm
Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para
resoluccedilatildeo da presente controveacutersia
Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e
histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma
expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo
se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do
Estado de Satildeo Paulo
Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a
atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa
padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia
O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo
Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos
Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que
expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e
que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente
demanda
55
8) PEDIDO
Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como
amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae
requer-se seu recebimento como memoriais
Termos em que
Pede deferimento
Satildeo Paulo 17 de julho de 2014
Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs
OABSP 262284 OABSP 101663
Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni
OABSP 284930 OABSP 286871
Sheila Santana de Carvalho
OABSP 343588
44
38 Em geral o Relator Especial reforccedila a extrema importacircncia de um
verdadeiro diaacutelogo inclusive por meio de negociaccedilatildeo entre as autoridades
policiais e os organizadores a fim de garantir o bom andamento da
manifestaccedilatildeo puacuteblica como tem ocorrido na Guatemala Hungria Meacutexico
Suiacuteccedila e outros paiacuteses47
Portanto resta claro que o Estado de Satildeo Paulo natildeo estaacute observando os
documentos e tratados internacionais mencionados acima quanto agrave presenccedila de negociador
civil para fazer a negociaccedilatildeo e a mediaccedilatildeo com os manifestantes e assim e reduzir o risco
de conflito social
vi - DO INADEQUADO USO DA TROPA DE CHOQUE EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Com o que foi exposto acima e o que consta na exordial observa-se que a Tropa
de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo teve papel preponderante na
dispersatildeo das manifestaccedilotildees ocorridas na cidade de Satildeo Paulo utilizando-se de forccedila
notoriamente desproporcional para dispersatildeo de manifestaccedilotildees legiacutetimas
O proacuteprio Comandante da Tropa de Choque agrave eacutepoca dos fatos o Coronel Ceacutesar
Augusto Morelli disse que seguiu ordens de atacar os manifestantes e que sempre
recebeu precircmios por atitudes como essa Eacute o que diz a reportagem da Folha de Satildeo
Paulo sobre a demissatildeo do Coronel do comando da Tropa de Choque48 (doc 13) Seguem
alguns trechos
No comando do choque eu soacute recebi precircmios
47 Traduccedilatildeo livre de ldquo38 In general the Special Rapporteur stresses the utmost importance of genuine dialogue including through negotiation between law enforcement authorities and organizers in order to ensure the smooth conduct of the public assembly as it has reportedly been the case in inter alia Guatemala Hungary Mexico and Switzerlandrdquo 48 Disponiacutevel em httptoolsfolhacombrprinturl=http3A2F2Fwww1folhauolcombr2Ffsp2Fcotidiano2F123111-segui-ordens-e-ganhei-parabens-nas-manifestacoes-diz-ex-comandanteshtmlampsite=emcimadahora
45
Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe
pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de
Satildeo Paulo
ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de
protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo
A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho
quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e
pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo
foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do
centro saqueadas
Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da
Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui
ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou
A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v
Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de
dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute
o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte
ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar
seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito
negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50
Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando
preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa
policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre
expressatildeo
49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)
46
ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees
razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento
paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem
violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da
legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento
de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo
manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma
manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das
pessoasrdquo52
Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho
de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante
da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo
A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava
subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e
um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas
patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de
brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo
tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha
bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa
assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou
brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo
[]
Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos
policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles
ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar
sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E
todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado
52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas
47
do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo
para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo
[]
Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu
encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de
gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba
nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para
os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de
novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me
lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de
Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo
mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da
poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo
estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e
nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo
[]
A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes
Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a
gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem
Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o
pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes
lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila
Roosevelt
[]
O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da
Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava
que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente
ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima
tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali
natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando
bomba em cima da gente
O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da
Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e
intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso
desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a
48
agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de
Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se
ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees
policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso
indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o
membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para
proteger seus companheiros ali presentesrdquo54
Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave
determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve
permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo
administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes
vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A
ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica
do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e
internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo
puacuteblico
Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da
forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a
formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas
53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo
49
Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que
ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e
de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na
elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e
minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e
de armas de fogordquo
Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para
determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila
deveriam seguir Aqui estatildeo elas
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo
da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os
tipos de armas e municcedilotildees permitidas
(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias
apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio
(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos
injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis
(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas
de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas
armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de
armas de fogo
50
(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no
desempenho das suas funccedilotildees
Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila
e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia
da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece
as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila
Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como
aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos
agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento
dessas diretrizes
1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar
nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e
deveraacute considerar primordialmente
a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela
Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na
sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979
b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de
Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados
pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo
198961 de 24 de maio de 1989
c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo
Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o
Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto
a 7 de setembro de 1999
d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis
Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees
Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de
1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991
51
Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade
resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a
necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna
ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial
Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao
Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que
tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria
9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos
disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo
objetivamente
a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas
b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao
ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no
evento
c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo
perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento
d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees
desnecessaacuterias e risco injustificado e
e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente
de seguranccedila puacuteblica
Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do
Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de
Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que
regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees
Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se
natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como
a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de
manifestaccedilotildees e reuniotildees populares
52
Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro
miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos
que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e
sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil
6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE
DIREITOS HUMANOS
O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado
por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica
contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso
internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados
no que tange agrave dignidade humana
De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados
natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a
dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados
podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros
Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos
que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos
internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas
Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo
terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua
responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos
internacionalmente admitidos
55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf
53
Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56
apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute
um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees
como prova para outro procedimento de julgamento internacional do
Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura
ignorada
Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados
no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos
normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo
Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina
se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses
oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o
jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi
distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda
externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados
ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos
constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os
paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o
respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil
continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos
nacionalmente57
Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da
presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o
que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada
56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355
54
7) CONCLUSAtildeO
A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm
Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para
resoluccedilatildeo da presente controveacutersia
Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e
histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma
expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo
se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do
Estado de Satildeo Paulo
Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a
atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa
padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia
O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo
Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos
Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que
expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e
que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente
demanda
55
8) PEDIDO
Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como
amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae
requer-se seu recebimento como memoriais
Termos em que
Pede deferimento
Satildeo Paulo 17 de julho de 2014
Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs
OABSP 262284 OABSP 101663
Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni
OABSP 284930 OABSP 286871
Sheila Santana de Carvalho
OABSP 343588
45
Eacute dessa maneira que o coronel Ceacutesar Augusto Morelli responde a quem lhe
pergunta quais foram as razotildees de sua queda da Tropa de Choque da PM de
Satildeo Paulo
ldquoAgrave Folha ele disse que sua saiacuteda do batalhatildeo nada tem a ver com a seacuterie de
protestos de junho e agrave contestada atuaccedilatildeo da PM na ocasiatildeo
A accedilatildeo oscilante da poliacutecia ficou marcada pela violecircncia de 13 de junho
quando cerca de cem pessoas foram feridas na regiatildeo da avenida Paulista e
pela omissatildeo de accedilatildeo no dia 18 quando vidros da Prefeitura de Satildeo Paulo
foram quebrados um veiacuteculo da TV Record incendiado e diversas lojas do
centro saqueadas
Sempre tive o aval do Comando-Geral [da Poliacutecia Militar] e da
Secretaria [da Seguranccedila Puacuteblica] Nas manifestaccedilotildees de junho segui
ordens e recebi os parabeacutens de meu comandante afirmou
A Corte Europeia de Direitos Humanos no caso Nurettin Ademir e Outros v
Turquia49 reconheceu que a intervenccedilatildeo policial no sentido de aplicar uma ordem de
dispersatildeo tem evidente efeito de inibir e reprimir o livre exerciacutecio de direitos e liberdades Eacute
o que se entende do seguinte trecho do julgamento daquela corte
ldquoa intervenccedilatildeo em reuniotildees e a utilizaccedilatildeo da forccedila policial para dispersar
seus participantes aleacutem das respectivas incriminaccedilotildees pode ter um efeito
negativo e inibir os cidadatildeos de participarem de outras reuniotildeesrdquo50
Tambeacutem a CIDH no comunicado de imprensa 871151 demonstrando
preocupaccedilatildeo contra protestos estudantis no Chile jaacute declarou que o acionamento da tropa
policial pode acabar por inibir o exerciacutecio dos direitos de reuniatildeo manifestaccedilatildeo e livre
expressatildeo
49 CEDH Nurettin Aldemir e Outros v Turkey Julgamento (Meacuterito e Reparaccedilatildeo) par 34 (18 de Dez de 2007) Disponiacutevel em httphudocechrcoeintsitesengpagessearchaspxi=001-84054itemid[001-84054] (acesso em 05062014) 50 Traduccedilatildeo livre de ldquohellipthe interference in the meetings and the force used by the police to disperse the participants as well as the subsequent prosecution could have had a chilling effect and discouraged the applicants from taking part in similar meetingsrdquo 51 Disponiacutevel em httpwwwoasorgescidhprensacomunicados2011087asp (acesso em 05062014)
46
ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees
razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento
paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem
violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da
legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento
de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo
manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma
manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das
pessoasrdquo52
Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho
de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante
da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo
A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava
subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e
um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas
patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de
brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo
tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha
bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa
assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou
brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo
[]
Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos
policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles
ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar
sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E
todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado
52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas
47
do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo
para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo
[]
Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu
encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de
gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba
nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para
os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de
novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me
lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de
Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo
mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da
poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo
estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e
nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo
[]
A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes
Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a
gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem
Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o
pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes
lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila
Roosevelt
[]
O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da
Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava
que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente
ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima
tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali
natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando
bomba em cima da gente
O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da
Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e
intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso
desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a
48
agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de
Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se
ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees
policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso
indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o
membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para
proteger seus companheiros ali presentesrdquo54
Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave
determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve
permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo
administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes
vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A
ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica
do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e
internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo
puacuteblico
Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da
forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a
formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas
53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo
49
Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que
ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e
de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na
elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e
minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e
de armas de fogordquo
Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para
determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila
deveriam seguir Aqui estatildeo elas
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo
da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os
tipos de armas e municcedilotildees permitidas
(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias
apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio
(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos
injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis
(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas
de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas
armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de
armas de fogo
50
(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no
desempenho das suas funccedilotildees
Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila
e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia
da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece
as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila
Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como
aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos
agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento
dessas diretrizes
1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar
nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e
deveraacute considerar primordialmente
a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela
Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na
sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979
b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de
Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados
pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo
198961 de 24 de maio de 1989
c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo
Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o
Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto
a 7 de setembro de 1999
d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis
Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees
Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de
1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991
51
Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade
resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a
necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna
ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial
Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao
Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que
tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria
9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos
disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo
objetivamente
a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas
b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao
ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no
evento
c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo
perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento
d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees
desnecessaacuterias e risco injustificado e
e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente
de seguranccedila puacuteblica
Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do
Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de
Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que
regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees
Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se
natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como
a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de
manifestaccedilotildees e reuniotildees populares
52
Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro
miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos
que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e
sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil
6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE
DIREITOS HUMANOS
O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado
por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica
contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso
internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados
no que tange agrave dignidade humana
De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados
natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a
dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados
podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros
Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos
que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos
internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas
Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo
terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua
responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos
internacionalmente admitidos
55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf
53
Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56
apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute
um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees
como prova para outro procedimento de julgamento internacional do
Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura
ignorada
Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados
no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos
normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo
Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina
se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses
oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o
jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi
distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda
externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados
ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos
constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os
paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o
respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil
continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos
nacionalmente57
Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da
presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o
que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada
56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355
54
7) CONCLUSAtildeO
A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm
Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para
resoluccedilatildeo da presente controveacutersia
Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e
histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma
expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo
se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do
Estado de Satildeo Paulo
Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a
atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa
padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia
O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo
Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos
Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que
expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e
que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente
demanda
55
8) PEDIDO
Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como
amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae
requer-se seu recebimento como memoriais
Termos em que
Pede deferimento
Satildeo Paulo 17 de julho de 2014
Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs
OABSP 262284 OABSP 101663
Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni
OABSP 284930 OABSP 286871
Sheila Santana de Carvalho
OABSP 343588
46
ldquoNeste sentido a Comissatildeo observa que um Estado pode impor limitaccedilotildees
razoaacuteveis agraves manifestaccedilotildees com o fim de assegurar o desenvolvimento
paciacutefico das mesmas assim como dispersar aquelas que se tornarem
violentas sempre que tais limites se encontrem regidos pelos princiacutepios da
legalidade necessidade e proporcionalidade Por sua vez o acionamento
de agentes estatais natildeo deve inibir os direitos de reuniatildeo
manifestaccedilatildeo e livre expressatildeo sendo que a dispersatildeo de uma
manifestaccedilatildeo soacute pode se justificar sob o pretexto do dever de proteccedilatildeo das
pessoasrdquo52
Os relatos recebidos pela requerente (doc 6) mostram que no dia 13 de junho
de 2013 a Tropa de Choque da PMESP atuou de forma preponderante e antecipada diante
da multidatildeo que se reunia pacificamente nas ruas da cidade de Satildeo Paulo
A primeira abordagem que eu tive foi a da Tropa de Choque Eu estava
subindo a Rua Rocha e aiacute quatro carros de poliacutecia pararam no meio da rua e
um policial gritava ldquoPotildee a matildeo na cabeccedila mostra o que tem na bolsa suas
patricinhas seus mauricinhos vocecircs acham que a gente estaacute aqui de
brincadeirardquo Eu dizia ldquoCalma moccedilo a gente estaacute na manifestaccedilatildeo mas natildeo
tenho nada pode olhar minha bolsardquo E aiacute o policial enfiou a matildeo na minha
bolsa Eu disse ldquoCalma o senhor natildeo pode enfiar a matildeo na minha bolsa
assim calma vamos ter calmardquo E o policial disse ldquoVocecirc acha que eu estou
brincando sabe quantas pessoas tecircm aqui para eu revistar hojerdquo
[]
Do bar e a gente viu descer um ocircnibus da Tropa de Choque e ao inveacutes dos
policiais se dirigirem para perto dos manifestantes para dispersaacute-los eles
ficaram bem na nossa frente e jogaram vaacuterias bombas na frente do bar
sendo que natildeo os manifestantes estavam a uns quinze vinte metros deles E
todo mundo no bar ficou sem entender e os policiais fecharam a rua do lado
52 Traduccedilatildeo livre de ldquoEn este sentido la Comisioacuten observa que un Estado puede imponer limitaciones razonables a las manifestaciones con el fin de asegurar el desarrollo paciacutefico de las mismas asiacute como dispersar aquellas que se tornan violentas siempre que tales liacutemites se encuentren regidos por los principios de legalidad necesidad y proporcionalidad Por su parte el accionar de agentes estatales no debe desincentivar los derechos de reunioacuten manifestacioacuten y libre expresioacuten por lo cual la desconcentracioacuten de una manifestacioacuten debe justificarse en el deber de proteccioacuten de las personas
47
do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo
para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo
[]
Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu
encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de
gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba
nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para
os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de
novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me
lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de
Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo
mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da
poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo
estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e
nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo
[]
A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes
Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a
gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem
Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o
pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes
lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila
Roosevelt
[]
O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da
Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava
que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente
ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima
tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali
natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando
bomba em cima da gente
O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da
Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e
intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso
desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a
48
agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de
Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se
ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees
policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso
indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o
membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para
proteger seus companheiros ali presentesrdquo54
Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave
determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve
permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo
administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes
vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A
ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica
do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e
internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo
puacuteblico
Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da
forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a
formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas
53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo
49
Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que
ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e
de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na
elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e
minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e
de armas de fogordquo
Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para
determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila
deveriam seguir Aqui estatildeo elas
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo
da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os
tipos de armas e municcedilotildees permitidas
(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias
apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio
(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos
injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis
(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas
de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas
armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de
armas de fogo
50
(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no
desempenho das suas funccedilotildees
Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila
e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia
da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece
as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila
Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como
aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos
agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento
dessas diretrizes
1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar
nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e
deveraacute considerar primordialmente
a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela
Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na
sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979
b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de
Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados
pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo
198961 de 24 de maio de 1989
c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo
Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o
Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto
a 7 de setembro de 1999
d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis
Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees
Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de
1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991
51
Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade
resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a
necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna
ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial
Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao
Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que
tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria
9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos
disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo
objetivamente
a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas
b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao
ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no
evento
c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo
perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento
d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees
desnecessaacuterias e risco injustificado e
e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente
de seguranccedila puacuteblica
Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do
Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de
Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que
regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees
Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se
natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como
a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de
manifestaccedilotildees e reuniotildees populares
52
Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro
miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos
que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e
sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil
6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE
DIREITOS HUMANOS
O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado
por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica
contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso
internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados
no que tange agrave dignidade humana
De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados
natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a
dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados
podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros
Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos
que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos
internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas
Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo
terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua
responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos
internacionalmente admitidos
55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf
53
Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56
apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute
um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees
como prova para outro procedimento de julgamento internacional do
Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura
ignorada
Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados
no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos
normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo
Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina
se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses
oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o
jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi
distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda
externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados
ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos
constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os
paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o
respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil
continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos
nacionalmente57
Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da
presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o
que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada
56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355
54
7) CONCLUSAtildeO
A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm
Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para
resoluccedilatildeo da presente controveacutersia
Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e
histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma
expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo
se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do
Estado de Satildeo Paulo
Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a
atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa
padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia
O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo
Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos
Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que
expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e
que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente
demanda
55
8) PEDIDO
Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como
amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae
requer-se seu recebimento como memoriais
Termos em que
Pede deferimento
Satildeo Paulo 17 de julho de 2014
Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs
OABSP 262284 OABSP 101663
Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni
OABSP 284930 OABSP 286871
Sheila Santana de Carvalho
OABSP 343588
47
do bar Vi jogarem duas bombas em quatro pessoas que estavam subindo
para a Av Paulista Isso eacute dispersar um grupo
[]
Corri e entrei na primeira rua queria ir embora ir para casa mas aiacute eu
encontrei outra Tropa de Choque na esquina da rua e mais um monte de
gente tambeacutem parada ali encurralada Eu pensei ldquomeu Deus natildeo acaba
nuncardquo As pessoas se sentaram ficaram em um cantinho da calccedilada para
os policiais passarem e irem embora E eles comeccedilavam a jogar bombas de
novo em cima da gente Todo mundo levantou a matildeo para a cima eu me
lembro de um menino que levantava os braccedilos gritando ldquopelo amor de
Deus para a gente natildeo tem nada natildeo estaacute fazendo nada de erradordquo e todo
mundo gritando para parar e muita gente chorando Esse destacamento da
poliacutecia tinha percebido que a gente queria ir embora que todo mundo natildeo
estava aguentando mais Soacute que outro destacamento chegou por outra rua e
nisso comeccedilaram a jogar bomba de novo
[]
A Tropa de Choque veio correndo e passou pela lateral dos manifestantes
Nesse momento que todo mundo viu o Choque as pessoas jaacute comeccedilaram a
gritar ldquosem violecircnciardquo que acabou virando uma espeacutecie de grito de ordem
Passados uns dez minutos noacutes parados comeccedilamos a escutar bombas e o
pessoal comeccedilou a correr Bomba fumaccedila vocecirc sentia o cheiro do gaacutes
lacrimogecircneo e todo mundo aquela multidatildeo de gente correu para a Praccedila
Roosevelt
[]
O momento em que ficamos encurralados entre dois destacamentos da
Tropa de Choque foi o mais marcante porque ateacute entatildeo a gente acreditava
que os policiais da Tropa de Choque estavam ali para dispersarhellip A gente
ainda tinha no limite essa ilusatildeo E ali encurralados tivemos essa uacuteltima
tentativa de demonstrar que estaacutevamos em paz nos sentamos porque ali
natildeo tiacutenhamos saiacuteda E foi o momento mais chocante com eles jogando
bomba em cima da gente
O Relator Especial para Execuccedilotildees Sumaacuterias Arbitraacuterias e Extrajudiciais da
Naccedilotildees Unidas Christof Heyns tambeacutem jaacute declarou que taacuteticas policiais agressivas e
intervenccedilatildeo excessiva - incluindo utilizaccedilatildeo de aparato de tropa de choque e uso
desproporcional da forccedila ndash pode aumentar a tensatildeo entre os manifestantes e levaacute-los a
48
agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de
Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se
ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees
policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso
indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o
membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para
proteger seus companheiros ali presentesrdquo54
Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave
determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve
permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo
administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes
vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A
ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica
do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e
internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo
puacuteblico
Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da
forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a
formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas
53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo
49
Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que
ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e
de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na
elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e
minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e
de armas de fogordquo
Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para
determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila
deveriam seguir Aqui estatildeo elas
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo
da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os
tipos de armas e municcedilotildees permitidas
(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias
apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio
(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos
injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis
(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas
de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas
armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de
armas de fogo
50
(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no
desempenho das suas funccedilotildees
Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila
e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia
da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece
as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila
Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como
aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos
agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento
dessas diretrizes
1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar
nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e
deveraacute considerar primordialmente
a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela
Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na
sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979
b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de
Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados
pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo
198961 de 24 de maio de 1989
c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo
Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o
Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto
a 7 de setembro de 1999
d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis
Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees
Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de
1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991
51
Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade
resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a
necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna
ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial
Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao
Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que
tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria
9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos
disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo
objetivamente
a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas
b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao
ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no
evento
c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo
perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento
d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees
desnecessaacuterias e risco injustificado e
e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente
de seguranccedila puacuteblica
Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do
Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de
Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que
regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees
Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se
natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como
a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de
manifestaccedilotildees e reuniotildees populares
52
Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro
miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos
que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e
sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil
6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE
DIREITOS HUMANOS
O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado
por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica
contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso
internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados
no que tange agrave dignidade humana
De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados
natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a
dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados
podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros
Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos
que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos
internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas
Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo
terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua
responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos
internacionalmente admitidos
55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf
53
Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56
apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute
um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees
como prova para outro procedimento de julgamento internacional do
Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura
ignorada
Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados
no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos
normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo
Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina
se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses
oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o
jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi
distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda
externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados
ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos
constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os
paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o
respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil
continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos
nacionalmente57
Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da
presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o
que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada
56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355
54
7) CONCLUSAtildeO
A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm
Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para
resoluccedilatildeo da presente controveacutersia
Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e
histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma
expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo
se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do
Estado de Satildeo Paulo
Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a
atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa
padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia
O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo
Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos
Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que
expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e
que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente
demanda
55
8) PEDIDO
Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como
amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae
requer-se seu recebimento como memoriais
Termos em que
Pede deferimento
Satildeo Paulo 17 de julho de 2014
Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs
OABSP 262284 OABSP 101663
Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni
OABSP 284930 OABSP 286871
Sheila Santana de Carvalho
OABSP 343588
48
agir de forma violenta Eacute o que se entende do Relatoacuterio apresentado ao Conselho de
Direitos Humanos da ONU em 201153 cujo trecho ora transcreve-se
ldquo112 Multidotildees satildeo mais propensas agrave violecircncia quando veem accedilotildees
policiais intimidatoacuterias e consequentemente ilegiacutetimas O uso
indiscriminado da forccedila contra multidotildees como um todo pode levar o
membro mais contido do grupo a tambeacutem recorrer ao uso da forccedila para
proteger seus companheiros ali presentesrdquo54
Por isso a importacircncia do pedido feito na accedilatildeo civil puacuteblica referente agrave
determinaccedilatildeo de que a Tropa de Choque da Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo deve
permanecer fora da vista das pessoas reunidas soacute podendo atuar apoacutes a decisatildeo
administrativa de dispersatildeo e aviso aos manifestantes
vii - DA OBRIGATORIEDADE DE FORMULACcedilAtildeO DE ATO NORMATIVO QUE REGE A
ATUACcedilAtildeO POLICIAL EM MANIFESTACcedilOtildeES PUacuteBLICAS
Diante de todo o exposto aqui e na exordial promovida pela Defensoria Puacuteblica
do Estado de Satildeo Paulo mostra-se a necessidade de um protocolo de atuaccedilatildeo policial em
manifestaccedilotildees puacuteblicas para que se atendam garantias constitucionais legais e
internacionais como o direito de reuniatildeo de livre expressatildeo e de utilizaccedilatildeo do espaccedilo
puacuteblico
Natildeo obstante eacute importante lembrar que protocolos internacionais para o uso da
forccedila e documentos oficiais de organismos internacionais definem como obrigatoacuteria a
formulaccedilatildeo de ato normativo que reja a atuaccedilatildeo policial em manifestaccedilotildees puacuteblicas
53 Disponiacutevel em httpwww2ohchrorgenglishbodieshrcouncildocs17sessionA-HRC-17-28pdf (acessado em 02062014) 54 Traduccedilatildeo livre de ldquo112 Crowds are more prone to violence when they see police actions as heavy-handed and consequently illegitimate The indiscriminate use of force against a crowd as a whole can persuade the more restrained members of the group to also resort to the use of force in order to protect their fellow group membersrdquo
49
Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que
ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e
de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na
elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e
minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e
de armas de fogordquo
Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para
determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila
deveriam seguir Aqui estatildeo elas
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo
da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os
tipos de armas e municcedilotildees permitidas
(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias
apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio
(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos
injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis
(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas
de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas
armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de
armas de fogo
50
(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no
desempenho das suas funccedilotildees
Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila
e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia
da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece
as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila
Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como
aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos
agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento
dessas diretrizes
1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar
nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e
deveraacute considerar primordialmente
a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela
Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na
sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979
b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de
Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados
pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo
198961 de 24 de maio de 1989
c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo
Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o
Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto
a 7 de setembro de 1999
d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis
Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees
Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de
1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991
51
Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade
resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a
necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna
ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial
Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao
Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que
tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria
9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos
disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo
objetivamente
a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas
b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao
ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no
evento
c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo
perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento
d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees
desnecessaacuterias e risco injustificado e
e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente
de seguranccedila puacuteblica
Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do
Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de
Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que
regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees
Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se
natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como
a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de
manifestaccedilotildees e reuniotildees populares
52
Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro
miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos
que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e
sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil
6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE
DIREITOS HUMANOS
O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado
por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica
contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso
internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados
no que tange agrave dignidade humana
De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados
natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a
dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados
podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros
Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos
que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos
internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas
Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo
terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua
responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos
internacionalmente admitidos
55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf
53
Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56
apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute
um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees
como prova para outro procedimento de julgamento internacional do
Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura
ignorada
Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados
no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos
normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo
Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina
se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses
oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o
jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi
distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda
externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados
ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos
constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os
paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o
respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil
continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos
nacionalmente57
Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da
presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o
que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada
56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355
54
7) CONCLUSAtildeO
A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm
Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para
resoluccedilatildeo da presente controveacutersia
Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e
histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma
expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo
se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do
Estado de Satildeo Paulo
Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a
atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa
padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia
O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo
Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos
Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que
expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e
que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente
demanda
55
8) PEDIDO
Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como
amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae
requer-se seu recebimento como memoriais
Termos em que
Pede deferimento
Satildeo Paulo 17 de julho de 2014
Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs
OABSP 262284 OABSP 101663
Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni
OABSP 284930 OABSP 286871
Sheila Santana de Carvalho
OABSP 343588
49
Os Princiacutepios Baacutesicos (doc 5) jaacute em seu primeiro princiacutepio estabelece que
ldquoOs governos e entidades responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo
adotar e implementar normas e regulamentos sobre o uso da forccedila e
de armas de fogo pelos responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei Na
elaboraccedilatildeo de tais normas e regulamentos os governos e entidades
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei devem examinar constante e
minuciosamente as questotildees de natureza eacutetica associadas ao uso da forccedila e
de armas de fogordquo
Esse documento ainda toma o cuidado de dedicar um princiacutepio apenas para
determinar quais seriam as diretrizes que essas normas e regulamentos sobre o uso da forccedila
deveriam seguir Aqui estatildeo elas
11 As normas e regulamentos sobre o uso de armas de fogo pelos
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei deveratildeo incluir diretrizes que
(a) Especifiquem as circunstacircncias nas quais os responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo
da lei estatildeo autorizados a trazer consigo armas de fogo e determinem os
tipos de armas e municcedilotildees permitidas
(b) Garantam que as armas de fogo sejam usadas apenas em circunstacircncias
apropriadas e de modo a reduzir o risco de dano desnecessaacuterio
(c) Proiacutebam o uso de armas de fogo e municcedilotildees que causem ferimentos
injustificaacuteveis ou representem riscos injustificaacuteveis
(d) Regulamentem o controle o armazenamento e a distribuiccedilatildeo de armas
de fogo o que deveraacute incluir procedimentos para assegurar que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei sejam considerados responsaacuteveis pelas
armas de fogo e municcedilotildees a eles confiadas
(e) Providenciem avisos quando apropriado previamente ao disparo de
armas de fogo
50
(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no
desempenho das suas funccedilotildees
Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila
e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia
da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece
as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila
Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como
aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos
agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento
dessas diretrizes
1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar
nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e
deveraacute considerar primordialmente
a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela
Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na
sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979
b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de
Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados
pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo
198961 de 24 de maio de 1989
c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo
Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o
Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto
a 7 de setembro de 1999
d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis
Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees
Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de
1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991
51
Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade
resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a
necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna
ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial
Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao
Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que
tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria
9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos
disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo
objetivamente
a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas
b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao
ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no
evento
c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo
perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento
d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees
desnecessaacuterias e risco injustificado e
e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente
de seguranccedila puacuteblica
Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do
Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de
Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que
regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees
Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se
natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como
a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de
manifestaccedilotildees e reuniotildees populares
52
Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro
miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos
que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e
sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil
6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE
DIREITOS HUMANOS
O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado
por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica
contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso
internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados
no que tange agrave dignidade humana
De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados
natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a
dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados
podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros
Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos
que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos
internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas
Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo
terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua
responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos
internacionalmente admitidos
55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf
53
Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56
apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute
um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees
como prova para outro procedimento de julgamento internacional do
Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura
ignorada
Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados
no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos
normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo
Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina
se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses
oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o
jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi
distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda
externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados
ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos
constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os
paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o
respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil
continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos
nacionalmente57
Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da
presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o
que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada
56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355
54
7) CONCLUSAtildeO
A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm
Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para
resoluccedilatildeo da presente controveacutersia
Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e
histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma
expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo
se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do
Estado de Satildeo Paulo
Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a
atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa
padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia
O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo
Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos
Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que
expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e
que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente
demanda
55
8) PEDIDO
Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como
amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae
requer-se seu recebimento como memoriais
Termos em que
Pede deferimento
Satildeo Paulo 17 de julho de 2014
Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs
OABSP 262284 OABSP 101663
Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni
OABSP 284930 OABSP 286871
Sheila Santana de Carvalho
OABSP 343588
50
(f) Prevejam um sistema de comunicaccedilatildeo aos superiores sempre que os
responsaacuteveis pela aplicaccedilatildeo da lei fizerem uso de armas de fogo no
desempenho das suas funccedilotildees
Tais disposiccedilotildees foram utilizadas inclusive pelo Ministro de Estado da Justiccedila
e pelo Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidecircncia
da Repuacuteblica quando editaram a Portaria Interministerial nordm 42262010 que estabelece
as diretrizes sobre o uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila
Esta portaria reconhece os princiacutepios internacionais mencionados acima como
aqueles que devem reger a orientaccedilatildeo e a padronizaccedilatildeo dos procedimentos da atuaccedilatildeo dos
agentes de seguranccedila puacuteblica Veja-se uma das consideraccedilotildees sobre o estabelecimento
dessas diretrizes
1 O uso da forccedila pelos agentes de seguranccedila puacuteblica deveraacute se pautar
nos documentos internacionais de proteccedilatildeo aos direitos humanos e
deveraacute considerar primordialmente
a) ao Coacutedigo de Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela
Aplicaccedilatildeo da Lei adotado pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na
sua Resoluccedilatildeo 34169 de 17 de dezembro de 1979
b) os Princiacutepios orientadores para a Aplicaccedilatildeo Efetiva do Coacutedigo de
Conduta para os Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados
pelo Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas na sua resoluccedilatildeo
198961 de 24 de maio de 1989
c) os Princiacutepios Baacutesicos sobre o Uso da Forccedila e Armas de Fogo pelos
Funcionaacuterios Responsaacuteveis pela Aplicaccedilatildeo da Lei adotados pelo
Oitavo Congresso das Naccedilotildees Unidas para a Prevenccedilatildeo do Crime e o
Tratamento dos Delinquumlentes realizado em Havana Cuba de 27 de Agosto
a 7 de setembro de 1999
d) a Convenccedilatildeo Contra a Tortura e outros Tratamentos ou penas Crueacuteis
Desumanos ou Degradantes adotada pela Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees
Unidas em sua XL Sessatildeo realizada em Nova York em 10 de dezembro de
1984 e promulgada pelo Decreto nordm 40 de 15 de fevereiro de 1991
51
Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade
resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a
necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna
ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial
Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao
Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que
tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria
9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos
disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo
objetivamente
a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas
b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao
ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no
evento
c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo
perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento
d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees
desnecessaacuterias e risco injustificado e
e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente
de seguranccedila puacuteblica
Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do
Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de
Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que
regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees
Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se
natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como
a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de
manifestaccedilotildees e reuniotildees populares
52
Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro
miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos
que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e
sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil
6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE
DIREITOS HUMANOS
O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado
por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica
contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso
internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados
no que tange agrave dignidade humana
De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados
natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a
dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados
podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros
Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos
que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos
internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas
Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo
terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua
responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos
internacionalmente admitidos
55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf
53
Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56
apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute
um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees
como prova para outro procedimento de julgamento internacional do
Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura
ignorada
Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados
no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos
normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo
Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina
se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses
oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o
jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi
distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda
externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados
ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos
constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os
paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o
respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil
continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos
nacionalmente57
Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da
presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o
que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada
56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355
54
7) CONCLUSAtildeO
A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm
Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para
resoluccedilatildeo da presente controveacutersia
Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e
histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma
expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo
se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do
Estado de Satildeo Paulo
Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a
atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa
padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia
O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo
Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos
Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que
expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e
que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente
demanda
55
8) PEDIDO
Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como
amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae
requer-se seu recebimento como memoriais
Termos em que
Pede deferimento
Satildeo Paulo 17 de julho de 2014
Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs
OABSP 262284 OABSP 101663
Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni
OABSP 284930 OABSP 286871
Sheila Santana de Carvalho
OABSP 343588
51
Outrossim aleacutem dessas diretrizes reconhecerem o alto iacutendice de letalidade
resultante de accedilotildees envolvendo agentes de seguranccedila puacuteblica tambeacutem expressam a
necessidade de um ato normativo que regule a utilizaccedilatildeo do uso da forccedila o que se torna
ainda mais necessaacuteria diante de manifestaccedilotildees puacuteblicas como as trazidas pela inicial
Eacute daiacute que se fundamenta o pedido da accedilatildeo civil puacuteblica de se determinar ao
Estado de Satildeo Paulo a expediccedilatildeo de ato normativo definindo paracircmetros de atuaccedilatildeo da
Poliacutecia Militar do Estado de Satildeo Paulo em policiamento de manifestaccedilotildees puacuteblicas o que
tambeacutem pode-se observar na Diretriz nordm 9 dessa Portaria
9 Os oacutergatildeos de seguranccedila puacuteblica deveratildeo editar atos normativos
disciplinando o uso da forccedila por seus agentes definindo
objetivamente
a) os tipos de instrumentos e teacutecnicas autorizadas
b) as circunstacircncias teacutecnicas adequadas agrave sua utilizaccedilatildeo ao
ambienteentorno e ao risco potencial a terceiros natildeo envolvidos no
evento
c) o conteuacutedo e a carga horaacuteria miacutenima para habilitaccedilatildeo e atualizaccedilatildeo
perioacutedica ao uso de cada tipo de instrumento
d) a proibiccedilatildeo de uso de armas de fogo e municcedilotildees que provoquem lesotildees
desnecessaacuterias e risco injustificado e
e) o controle sobre a guarda e utilizaccedilatildeo de armas e municcedilotildees pelo agente
de seguranccedila puacuteblica
Natildeo eacute demais alertar este mm Juiacutezo que a proacutepria Procuradoria do Geral do
Estado de Satildeo Paulo em sua manifestaccedilatildeo de fls 548562 menciona o Manual Baacutesico de
Policiamento Ostensivo da Poliacutecia Militar (M-14-PM) como o documento que
regulamenta as accedilotildees adotadas pela PMESP em manifestaccedilotildees
Poreacutem com uma breve poreacutem atenta leitura desse Manual observa-se
natildeo soacute o descompasso com os paracircmetros internacionais aqui mencionados como
a absoluta falta de previsatildeo de procedimentos a serem adotados diante de
manifestaccedilotildees e reuniotildees populares
52
Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro
miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos
que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e
sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil
6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE
DIREITOS HUMANOS
O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado
por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica
contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso
internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados
no que tange agrave dignidade humana
De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados
natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a
dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados
podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros
Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos
que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos
internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas
Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo
terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua
responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos
internacionalmente admitidos
55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf
53
Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56
apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute
um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees
como prova para outro procedimento de julgamento internacional do
Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura
ignorada
Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados
no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos
normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo
Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina
se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses
oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o
jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi
distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda
externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados
ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos
constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os
paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o
respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil
continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos
nacionalmente57
Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da
presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o
que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada
56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355
54
7) CONCLUSAtildeO
A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm
Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para
resoluccedilatildeo da presente controveacutersia
Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e
histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma
expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo
se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do
Estado de Satildeo Paulo
Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a
atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa
padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia
O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo
Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos
Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que
expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e
que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente
demanda
55
8) PEDIDO
Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como
amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae
requer-se seu recebimento como memoriais
Termos em que
Pede deferimento
Satildeo Paulo 17 de julho de 2014
Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs
OABSP 262284 OABSP 101663
Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni
OABSP 284930 OABSP 286871
Sheila Santana de Carvalho
OABSP 343588
52
Natildeo se trata de burocratizar a atividade policial mas sim garantir um paracircmetro
miacutenimo do uso da forccedila pela PMESP de modo que seja promovida a seguranccedila de cidadatildeos
que estejam no exerciacutecio de suas liberdades garantidas pela Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica e
sejam efetivados compromissos internacionais assumidos pelo Brasil
6) FORCcedilA VINCULANTE DAS DELIBERACcedilOtildeES DE OacuteRGAtildeOS INTERNACIONAIS SOBRE
DIREITOS HUMANOS
O sistema normativo internacional de proteccedilatildeo dos direitos humanos eacute integrado
por tratados internacionais de proteccedilatildeo que refletem sobretudo a consciecircncia eacutetica
contemporacircnea compartilhada pelos Estados na medida em que invocam o consenso
internacional acerca de paracircmetros protetivos miacutenimos a serem respeitados pelos Estados
no que tange agrave dignidade humana
De acordo com o entendimento da Profordf Flaacutevia Piovesan55 esses Tratados
natildeo satildeo o ldquoteto maacuteximordquo de proteccedilatildeo mas o ldquopiso miacutenimordquo para garantir a
dignidade humana constituindo o ldquomiacutenimo eacutetico irredutiacutevelrdquo Os Estados
podem e devem ir aleacutem jamais aqueacutem destes paracircmetros
Aleacutem disso instituem oacutergatildeos de proteccedilatildeo como Comissotildees Comitecircs e Conselhos
que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados agrave implementaccedilatildeo dos direitos
internacionalmente reconhecidos como eacute o caso da Comissatildeo Interamericana de Direitos
Humanos e do Conselho de Direitos Humanos das Naccedilotildees Unidas
Apesar de algumas das normas deliberaccedilotildees e recomendaccedilotildees aqui trazidas natildeo
terem forccedila vinculante direta possuem a qualidade de sinalizar ao Estado a sua
responsabilidade internacional em assegurar o cumprimento de direitos humanos
internacionalmente admitidos
55 Implementaccedilatildeo das obrigaccedilotildees standards e paracircmetros internacionais de direitos humanos no acircmbito intra-governamental e federativo Apresentaccedilatildeo da Profordf Flaacutevia Pigraveovesan Disponiacutevel em httpwwwinternationaljusticeprojectorgpdfspiovesan-speechpdf
53
Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56
apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute
um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees
como prova para outro procedimento de julgamento internacional do
Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura
ignorada
Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados
no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos
normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo
Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina
se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses
oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o
jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi
distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda
externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados
ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos
constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os
paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o
respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil
continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos
nacionalmente57
Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da
presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o
que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada
56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355
54
7) CONCLUSAtildeO
A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm
Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para
resoluccedilatildeo da presente controveacutersia
Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e
histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma
expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo
se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do
Estado de Satildeo Paulo
Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a
atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa
padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia
O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo
Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos
Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que
expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e
que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente
demanda
55
8) PEDIDO
Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como
amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae
requer-se seu recebimento como memoriais
Termos em que
Pede deferimento
Satildeo Paulo 17 de julho de 2014
Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs
OABSP 262284 OABSP 101663
Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni
OABSP 284930 OABSP 286871
Sheila Santana de Carvalho
OABSP 343588
53
Veja-se o que diz a doutrina de Andreacute de Carvalho Ramos56
apesar da falta de forccedila vinculante dos mecanismos extraconvencionais haacute
um importante efeito juriacutedico indireto que eacute o uso destas recomendaccedilotildees
como prova para outro procedimento de julgamento internacional do
Estado que acarreta a submissatildeo do Estado agrave recomendaccedilatildeo porventura
ignorada
Sendo assim as recomendaccedilotildees dos mecanismos de controle dos tratados assinados
no acircmbito da ONU e da OEA mencionados acima satildeo a interpretaccedilatildeo dos dispositivos
normativos internacionais firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo
Poder Judiciaacuterio brasileiro Como bem ressaltado pela doutrina
se a interpretaccedilatildeo judicial brasileira for contraacuteria agrave interpretaccedilatildeo desses
oacutergatildeos internacionais o Brasil responderaacute por isso e pior para o
jurisdicionado existiraacute a sensaccedilatildeo de que o tratado de direitos humanos foi
distorcido e soacute foi usado como ldquoretoacuterica judicialrdquo para fins de propaganda
externa [] O reconhecimento da interpretaccedilatildeo internacional dos tratados
ratificados pelo Brasil eacute consequecircncia oacutebvia dos vaacuterios comandos
constitucionais que tratam de ldquotratados de direitos humanosrdquo como os
paraacutegrafos 2ordm e 3ordm do art 5ordm De que adiantaria a Constituiccedilatildeo pregar o
respeito a tratados internacionais de direitos humanos se o Brasil
continuasse a interpretar os direitos humanos neles contidos
nacionalmente57
Portanto da leitura da inicial da farta documentaccedilatildeo anexada aos autos e da
presente manifestaccedilatildeo compreende-se que longe de um ldquodesvariordquo ou ldquoburocratizaccedilatildeordquo o
que se pretende eacute que ao menos no Estado de Satildeo Paulo evite-se a retoacuterica judicial aventada
56 Processo Internacional de Direitos Humanos 2ordf ediccedilatildeo 2012 Ed Saraiva p 339 57 Idem p 354-355
54
7) CONCLUSAtildeO
A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm
Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para
resoluccedilatildeo da presente controveacutersia
Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e
histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma
expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo
se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do
Estado de Satildeo Paulo
Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a
atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa
padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia
O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo
Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos
Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que
expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e
que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente
demanda
55
8) PEDIDO
Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como
amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae
requer-se seu recebimento como memoriais
Termos em que
Pede deferimento
Satildeo Paulo 17 de julho de 2014
Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs
OABSP 262284 OABSP 101663
Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni
OABSP 284930 OABSP 286871
Sheila Santana de Carvalho
OABSP 343588
54
7) CONCLUSAtildeO
A presente manifestaccedilatildeo como amicus curiae tem por objetivo trazer a este mm
Juiacutezo condiccedilotildees de dispor de todos os elementos informativos possiacuteveis e necessaacuterios para
resoluccedilatildeo da presente controveacutersia
Trata-se de um litiacutegio de interesse puacuteblico que possui elevada relevacircncia social e
histoacuterica por envolver garantias constitucionais individuais e coletivas aleacutem de ser uma
expressatildeo da plenitude do Estado Democraacutetico Constitucional Brasileiro cuja consolidaccedilatildeo
se busca desde o fim da ditadura militar e que ainda encontra resistecircncia nas instituiccedilotildees do
Estado de Satildeo Paulo
Os fatos trazidos na inicial demonstram que o Reacuteu ao controlar e regulamentar a
atividade policial de sua competecircncia aleacutem de violar garantias constitucionais natildeo observa
padrotildees internacionais de utilizaccedilatildeo do uso da forccedila pela poliacutecia
O direito agrave reuniatildeo e agrave livre manifestaccedilatildeo possuem expressatildeo na Declaraccedilatildeo
Universal de Direitos Humanos e na Convenccedilatildeo Americana de Direitos Humanos
atraindo-se obrigatoriamente o entendimento exarado no acircmbito da Organizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas e da Organizaccedilatildeo dos Estados Americanos
Nesse sentido traz-se nesta manifestaccedilatildeo entendimentos internacionais que
expressam normas de tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil e
que por disposiccedilatildeo expressa no art 5ordm paraacutegrafo 2ordm da Constituiccedilatildeo da Repuacuteblica
Federativa do Brasil devem ser apreciadas pelo Poder Judiciaacuterio ao resolver a presente
demanda
55
8) PEDIDO
Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como
amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae
requer-se seu recebimento como memoriais
Termos em que
Pede deferimento
Satildeo Paulo 17 de julho de 2014
Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs
OABSP 262284 OABSP 101663
Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni
OABSP 284930 OABSP 286871
Sheila Santana de Carvalho
OABSP 343588
55
8) PEDIDO
Diante do exposto a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissatildeo como
amicus curiae na presente accedilatildeo civil puacuteblica
Caso natildeo seja admitida a presente manifestaccedilatildeo na qualidade de amicus curiae
requer-se seu recebimento como memoriais
Termos em que
Pede deferimento
Satildeo Paulo 17 de julho de 2014
Rafael C G Custoacutedio Marcos Roberto Fuchs
OABSP 262284 OABSP 101663
Flavio Siqueira Juacutenior Vivian Calderoni
OABSP 284930 OABSP 286871
Sheila Santana de Carvalho
OABSP 343588
Top Related