FATORES PROGNSTICOS EM CNCER GSTRICO: CORRELAO COM VARIVEIS CLNICO-PATOLGICAS, TERAPUTICA E
SOBREVIDA
WILSON LUIZ DA COSTA JUNIOR
Tese apresentada Fundao Antnio Prudente para a obteno do ttulo de Doutor em Cincias rea de Concentrao: Oncologia
Orientadora: Dra. Maria Dirlei Ferreira de Souza Begnami
So Paulo 2016
FICHA CATALOGRFICA Preparada pela Biblioteca da Fundao Antnio Prudente
Costa Jnior, Wilson Luiz da Fatores prognsticos em cncer gstrico: correlao com variveis clnico-patolgicas, teraputica e sobrevida / Wilson Luiz da Costa Jnior So Paulo, 2016. 81p. Tese (Doutorado)-Fundao Antnio Prudente. Curso de Ps-Graduao em Cincias - rea de concentrao: Oncologia. Orientadora: Maria Dirlei Ferreira de Souza Begnami Descritores: 1. PROGNSTICO. 2. GASTRECTOMIA. 3. NEOPLASIAS GSTRICAS/terapia. 4. ANLISE DE SOBREVIDA.
DEDICATRIA
Aos meus filhos Eduardo e Pedro, por terem me ensinado que pequenos momentos podem nos trazer as maiores alegrias. Que esse
trabalho lhes seja um exemplo de que na vida o esforo vale a pena e o
que nos leva ao sucesso duradouro.
minha esposa Fernanda e minha me, por sempre me apoiarem, mesmo que nem sempre recebendo em troca a ateno e o
carinho que merecem.
Ao meu pai, por ter me ensinado os valores que hoje guiam toda a minha vida profissional.
Dra. Maria Dirlei, minha querida orientadora e amiga, que desde o Mestrado me transmitiu conhecimento e confiana, os quais espero retribuir
com muitos projetos futuros.
AGRADECIMENTOS
Ao Dr. Felipe Jos Fernndez Coimbra, pela amizade e por seu papel como um chefe justo e empreendedor. A valorizao dada pesquisa
dentro do grupo traz uma motivao contnua e cada vez mais intensa.
Aos Drs. Hber Salvador de Castro Ribeiro e Alessandro Landskron Diniz, por terem me propiciado uma maravilhosa oportunidade profissional sete anos atrs e por toda a amizade e conhecimento que me
proporcionaram desde ento.
Aos Drs. Andr Lus de Godoy, Igor Correia de Farias e Antnio Moris Cury Filho, novos colegas de trabalho nos ltimos anos que com muita satisfao chamo de amigos.
s Enfermeiras Carolina Parucce Franco e Narim Marques, pelo enorme auxlio que nos prestaram na coleta do banco de dados. Sem a
qualidade do trabalho de vocs, tudo seria muito mais difcil.
A todos os colegas do A.C.Camargo Cancer Center e da ABCG (Associao Brasileira de Cncer Gstrico), por compartilharem comigo o entusiasmo no estudo desta neoplasia.
Sra. Suely Francisco, pela ajuda na formatao final da tese. s Sras. Ana Maria Kurinari, Luciana Costa Pitombeira Castelano e Vanuza Barros Rodrigues de Oliveira, pelas orientaes durante todo o perodo das ps-graduao.
NOTA
O formato deste documento inclui uma introduo sobre o tema da
dissertao, seguida de seus objetivos. Os resultados, parte dos objetivos
originais desta tese, esto apresentados na forma de dois artigos cientficos
j publicados no mesmo peridico indexado. Os resumos a seguir so
destes dois artigos, enquanto que outras sees deste documento versam
sobre o contedo a partir do qual foi elaborada este tese de doutorado.
RESUMO
Costa Jr WL, Coimbra FJF, Ribeiro HSC, Diniz AL, de Godoy AL, de Farias
IC, et al. Total gastrectomy for gastric cancer: an analysis of postoperative
and long-term outcomes through time: results of 413 consecutive cases in a
single cancer center. Ann Surg Oncol 2015; 22:750-7.
Introduo: O cncer gstrico localizado nos teros superior e mdio
habitualmente tratado com uma gastrectomia total, embora em muitos casos
s custas de morbidade e mortalidade mais elevadas. O objetivo deste
estudo foi descrever os resultados de morbimortalidade e sobrevivncia em
gastrectomia total em um centro nico. Mtodos: Este estudo retrospectivo
incluiu pacientes com adenocarcinoma gstrico tratados com uma
gastrectomia total em um centro oncolgico brasileiro, entre janeiro de 1988
e dezembro de 2011. Dados clnicos, cirrgicos e anatomopatolgicos foram
analisados ao longo do tempo e trs intervalos de 8 anos foram
estabelecidos. Fatores prognsticos de sobrevida foram avaliados apenas
entre os pacientes tratados com intuito curativo. Resultados: O estudo
incluiu 413 indivduos. A maior parte era do sexo masculino e sua idade
mediana foi de 59 anos. A maioria dos pacientes teve perda de peso e foram
classificados como ASA 2. Resseco curativa foi realizada em 336 doentes
paliativa em 77. A morbidade global foi de 37,3% a mortalidade em 60 dias
6,5%. Anlise temporal da casustica identificou tumores mais avanados
nos primeiros 8 anos, alm de diferenas na extenso do tratamento
cirrgico, como uma linfadenectomia mais limitada realizada com maior
frequncia. Alm disso, observou-se uma queda significativa na mortalidade,
de 13% para 4%. Com um seguimento mediano de 74 meses entre os
pacientes vivos, a sobrevida mediana foi de 56 meses e a sobrevida global
em 5 anos 49,2%. Perda de peso, linfadenectomia, tamanho do tumor,
estdios T e N foram fatores prognsticos em anlise multivariada.
Concluses: A gastrectomia total tratamento seguro e factvel em mos
experientes. Avanos na tcnica cirrgica e nos cuidados perioperatrios
tem melhorado os resultados ao longo do tempo.
Coimbra FJF, da Costa Jr WL, Ribeiro HSC, Diniz AL, de Godoy AL, de Farias IC, et al. Noncurative resection for gastric cancer patients. Who could benefit? Determining prognostic factors for patient selection. Ann Surg Oncol 2016; 23:1212-9. Introduo: Resseces so recomendadas h tempos para pacientes com cncer gstrico incurvel. No entanto, altas taxas de morbidade e esquemas mais eficientes de quimioterapia tem demandado uma melhor seleo de pacientes para a cirurgia. O objetivo deste estudo foi analisar os resultados de pacientes com cncer gstrico tratados com uma resseco no curativa em um nico centro oncolgico. Mtodos: Os pronturios mdicos de pacientes tratados com uma resseco no curativa entre janeiro de 1998 e dezembro de 2012 foram analisados. Indivduos que tinham doena metasttica (M1) foram includos, alm daqueles que no apresentavam doena metasttica mas que receberam uma resseco R2. Fatores prognsticos de morbidade, mortalidade e sobrevida foram analisados. Resultados: No perodo, 192 pacientes foram ressecados, 159 com doena metasttica previamente diagnosticada e os outros 33 recebendo uma resseco com doena residual macroscpica (R2). Uma gastrectomia subtotal foi realizada em 117 pacientes e uma total em 75, com uma linfadenectomia mais limitada em 70% dos casos. Resseco multivisceral foi necessria em 42 indivduos (21,9%). A morbidade global foi de 26,6% e a mortalidade em 60 dias de 6,8%. Esplenectomia foi o nico fator independente relacionado a maior morbidade. A sobrevida mediana foi de 10 meses, e idade, resseco distal e quimioterapia foram fatores prognsticos de sobrevida. Um escore prognstico obtido destes fatores identificou uma sobrevida mediana de 20 meses entre os pacientes com estas caractersticas. Concluso: Cirurgia no curativa pode ser considerada em casos selecionados de pacientes com cncer gstrico, desde que associada a baixa morbidade e permita a realizao de quimioterapia.
SUMMARY
Costa Jr WL, Coimbra FJF, Ribeiro HSC, Diniz AL, de Godoy AL, de Farias
IC, et al. Total gastrectomy for gastric cancer: an analysis of postoperative
and long-term outcomes through time: results of 413 consecutive cases in a
single cancer center. Ann Surg Oncol 2015; 22:750-7.
Background: Advanced gastric cancer in the upper or middle third of the stomach is routinely treated with a total gastrectomy, albeit in some cases
with higher morbidity and mortality. The aim of this study was to describe the morbimortality and survival results in total gastrectomy in a single center.
Methods: This retrospective study included patients with gastric adenocarcinoma treated with a total gastrectomy at a single Brazilian cancer
center between January 1988 and December 2011. Clinical, surgical and
pathology information were analyzed through time, with three 8-year intervals
being established. Prognostic factors for survival were evaluated only among
the patients treated with curative intent. Results: The study comprised 413 individuals. Most were male and their median age was 59 years. The majority
of patients had weight loss and was classified as ASA 2. A curative resection
was performed in 336 subjects and a palliative one in 77. Overall morbidity
was 37.3% and 60-day mortality 6.5%. Temporal analysis identified more
advanced tumors in the first 8-year period along with differences in the
surgical procedure, with more limited lymph node dissections. Also, a
significant decrease in mortality was observed, from 13% to 4%. With median
follow-up of 74 months among living patients, median survival was 56
months and 5-year overall survival 49.2%. Weight loss, lymphadenectomy,
tumor size, T and N stages remained were prognostic factors in multivariate
analysis. Conclusion: Total gastrectomy is a safe and feasible treatment in experienced hands. Advances in surgical technique and perioperative care
have improved outcomes through time.
Coimbra FJF, da Costa Jr WL, Ribeiro HSC, Diniz AL, de Godoy AL, de
Farias IC, et al. Noncurative resection for gastric cancer patients. Who could
benefit? Determining prognostic factors for patient selection. Ann Surg Oncol 2016; 23:1212-9. BACKGROUND: Resections have long been recommended for patients with
incurable gastric cancer. However, high morbidity rates and more efficient
chemotherapy regimens have demanded more accurate patient selection.
The aim of this study was to analyze the results of gastric cancer patients
treated with noncurative resection in a single cancer center. METHODS:
Medical charts of patients treated with a noncurative resection between
January 1988 and December 2012 were analyzed. Individuals who had M1
disease were included, along with those with no metastasis but who had an
R2 resection. Morbidity, mortality and survival prognostic factors were
analyzed. RESULTS: In the period, 192 patients were resected, 159 with
previously diagnosed metastatic disease and the other 33 having ressection
with macroscopic residual disease (33 R2). A distal gastrectomy was
performed in 117 patients and a total resection in 75, with a more limited
lymph node dissection in 70% of cases. A multivisceral resection was
deemed necessary in 42 individuals (21.9%). Overall morbidity was 26.6%
and 60-day mortality was 6.8%. Splenectomy was the only independent
prognostic factor for higher morbidity. Median survival was 10 months and
younger age, distal resection and chemotherapy were independent
prognostic factors for survival. A prognostic score obtained from these
factors identified a 20-month median survival in patients with these favorable
characteristics. CONCLUSION: Noncurative surgery may be considered in
selected gastric cancer patients, as long as it has low morbidity and allows
the realization of chemotherapy.
NDICE
1 INTRODUO ...................................................................................... 1 1.1 Epidemiologia e Fatores de Risco ......................................................... 1
1.2 Patologia ................................................................................................ 3
1.3 Cncer Gstrico no Oriente e no Ocidente ........................................... 4
1.4 Tratamento Cirrgico do Cncer Gstrico ............................................. 6
1.5 A Controvrsia sobre a Extenso da Linfadenectomia .......................... 9
1.6 Recidiva e Tratamento Multimodal do Cncer Gstrico ........................ 12
1.6.1 Quimioterapia Associada Cirurgia Curativa ........................................ 14
1.6.2 Controvrsias Relacionadas ao Tratamento Multidisciplinar do
Cncer Gstrico ..................................................................................... 17
1.7 Papel dos Fatores Prognsticos de Sobrevida ...................................... 19
1.8 Justificativa ............................................................................................ 24
2 OBJETIVOS .......................................................................................... 26
3 ARTIGOS .............................................................................................. 27 3.1 Artigo 1: Total gastrectomy for gastric cancer: an analysis of
postoperative and long-term outcomes through time: results of 413
consecutive cases in a single Cancer Center ........................................ 27
3.2 Artigo 2: Noncurative resection for gastric cancer patients: who could
benefit? Determining prognostic factors for patient selection ................ 36
4 DISCUSSO ......................................................................................... 46 4.1 Coorte Retrospectiva de Pacientes submetidos a Gastrectomias
Totais ..................................................................................................... 46
4.2 Coorte Retrospectiva de Pacientes Submetidos a uma Resseco
Gstrica no Curativa ............................................................................ 52
4.3 Individualizao Teraputica no Tratamento do Cncer Gstrico ......... 61
5 CONCLUSES ..................................................................................... 64
6 REFERNCIAS BIBLIOGRAFICAS ..................................................... 66
ANEXO Anexo 1 Carta de aprovao do Comit de tica em Pesquisa-CEP
1
1 INTRODUO
A prtica clnica baseada em evidncia e a disponibilizao crescente
de contedo em rede tornam a anlise crtica e a interpretao dos dados
disponveis os principais elementos para a adequada evoluo na
abordagem dos pacientes, especialmente naqueles com doena oncolgica.
A base para essa anlise o conhecimento profundo da patologia a ser
estudada, desde seus aspectos epidemiolgicos, sua adequada
caracterizao clnica e o domnio das particularidades relacionadas ao seu
tratamento.
O foco dessa discusso o tratamento do cncer gstrico luz das
evidncias disponveis. Para uma melhor compreenso dos achados
descritos e das propostas executadas, cumpre a reviso dos mais relevantes
aspectos relacionados neoplasia, ainda bastante importante na realidade
atual.
1.1 EPIDEMIOLOGIA E FATORES DE RISCO
A International Agency for Research on Cancer-IARC em 2012
estimou mais de 14 milhes de casos de novos de cncer e mais de 8
milhes de bitos por neoplasia no mundo. A estimativa para o
adenocarcinoma gstrico era de cerca de 950 mil casos novos e 720 mil
bitos pela neoplasia. Esses dados o situam como o quinto tumor maligno
2
mais frequente no mundo, aps mama, prstata, pulmo e clon, e a terceira
causa de bito por neoplasia, abaixo do cncer de pulmo e do
hepatocarcinoma. Cerca de dois teros dos diagnsticos ocorrem em pases
em desenvolvimento e pelo menos metade na sia Oriental. Em relao
distribuio entre os gneros, tambm se nota uma predominncia do sexo
masculino na proporo de 2:1. A anlise temporal de sua incidncia e
mortalidade nos ltimos 40 anos demonstra uma reduo progressiva em
ambas, tanto em pases desenvolvidos quanto nos em desenvolvimento
(IARC 2012).
No Brasil, tambm se nota uma discreta diminuio na incidncia
desta neoplasia, dado que a estimativa do Ministrio da Sade / Instituto
Nacional de Cncer para 2014 foi de pouco mais de 20000 casos novos
(Ministrio da Sade 2014), nmero ligeiramente menor do que o estimado
nos dados de 2007 (Ministrio da Sade 2007). Essa queda progressiva em
diferentes localidades se deve provavelmente melhora no controle dos
fatores de risco ambientais relacionados neoplasia, como conservao dos
alimentos em refrigerao, acesso da populao a saneamento bsico e
melhora do padro alimentar, com ingesto mais frequente de legumes,
frutas e verduras e restrio de sal e alimentos em conserva (Ministrio da
Sade 2014).
3
1.2 PATOLOGIA
Diferentes classificaes procuram caracterizar os tipos histolgicos
do adenocarcinoma gstrico, sendo as duas mais utilizadas a classificao
de Lauren (LAUREN 1965) e a da World Health Organization-WHO
(FENOGLIO-PREISER et al. 2000), sendo a primeira mais frequentemente
utilizada. H trs tipos histolgicos de Lauren descritos: o tipo intestinal, o
difuso e o misto, que apresenta componentes dos dois primeiros.
As leses do tipo intestinal caracterizam-se pela formao de
glndulas com diferentes graus de diferenciao, com ou sem produo
extracelular de mucina. A maior parte destes tumores segue o mecanismo
de carcinognese descrito por CORREA (1988), que se caracteriza pela
sequencia: gastrite atrfica metaplasia intestinal displasia de baixo
grau displasia de alto grau adenocarcinoma. Dentro desse mecanismo,
a progresso dos diferentes graus de displasia pode seguir um padro
diferente, dado que um nmero significativo de pequenas leses com
displasia de baixo grau pode regredir; da mesma forma, leses com
displasia de alto grau podem permanecer estveis e no progredir para um
adenocarcinoma (YAKIREVICH e RESNICK 2013). A maioria dos fatores de
risco ambientais, especialmente infeco pelo H. pylori (GOLOGAN et al.
2005) e dieta rica em sal e alimentos condimentados e pobre em frutas,
verduras e legumes, relacionam-se ao adenocarcinoma intestinal. Embora
no haja dados epidemiolgicos consistentes, a reduo da incidncia do
4
cncer gstrico nas ltimas dcadas provavelmente est relacionada ao
controle destas leses.
Os tumores do tipo difuso de Lauren caracterizam-se pela perda de
adeso celular do epitlio, com a presena de clulas pouco coesas sem a
formao de glndulas. bastante frequente a presena de clulas em anel
de sinete, caracterizadas por ncleos perifricos e mucina intracelular. Sua
carcinognese tem um mecanismo menos conhecido, provavelmente
relacionado tambm ao H. pylori e a outros fatores genticos. As leses
precursoras parecem se originar de displasia de glndulas oxnticas e
carcinoma de clulas em anel de sinete in situ (GHANDUR-MNAYMNEH et
al. 1988). Os tumores do tipo difuso tendem a acometer pacientes mais
jovens, distribuem-se de maneira mais uniforme entre os gneros e
comumente apresentam disseminao de clulas tumorais na camada
submucosa do estmago alm da leso ulcerada propriamente dita,
podendo inclusive se manifestar com uma infiltrao difusa que caracteriza a
linite plstica (MAEHARA et al. 1992).
1.3 CNCER GSTRICO NO ORIENTE E NO OCIDENTE
Diversos estudos ocidentais caracterizam o cncer gstrico como
uma doena cujo tratamento curativo est associado a uma sobrevida
mediana de cerca de 2 anos, com uma taxa de recidiva de at 65% e
sobrevida em 5 anos que no ultrapassa 30%, ao contrrio dos resultados
orientais, em que ela atinge mais de 60% com tratamento curativo (DICKEN
5
et al. 2005). Estes nmeros derivam principalmente de grandes sries
histricas americanas, como a de WANEBO et al. (1993), com mais de
18000 pacientes e em que a sobrevida daqueles com tumores no estdio
clnico I ficou em torno de 50%, resultado bastante inferior ao observado em
sries histricas orientais, em que indivduos com leses nos estdios I e II
tiveram sobrevida de 89,5% e 70,8%, respectivamente (NIO et al. 1993).
Parte desta diferena pode ser explicada maior incidncia de tumores
proximais no Ocidente e ao diagnstico precoce mais frequente nos servios
japoneses (NOGUCHI et al. 2000).
Esta comparao, no entanto, fornece resultados bem diferentes se
avaliados servios de referncia em que o tratamento cirrgico segue o
padro tcnico adotado no Oriente. Os nmeros de sobrevida por
estadiamento se aproximam entre sries americanas, europeias e da
Oceania em comparao s asiticas neste caso (BOLLSCHWEILER et al.
1993; THOMSON et al. 2014). O elemento mais importante desta
padronizao tcnica a linfadenectomia. Numa comparao entre duas
grandes casusticas americanas e coreanas, a sobrevida livre de doena dos
asiticos se mostrou superior, o que provavelmente explicado pelo fato de
que em 73% dos pacientes da casustica coreana mais de 30 linfonodos
foram dissecados, o que s ocorreu em 29% dos casos americanos
(STRONG et al. 2010). No entanto, a comparao da mesma populao
ocidental com uma casustica tambm asitica, porm chinesa, na qual em
43% dos pacientes sequer 15 linfonodos foram dissecados, o resultado
favoreceu os indivduos operados nos Estados Unidos (STRONG et al.
6
2015), o que refora a superioridade do componente tcnico do tratamento
em detrimento da regio do globo em que ele foi adotado.
Uma melhor compreenso dos diversos elementos do tratamento
cirrgico padronizado do cncer gstrico torna-se necessria, com especial
nfase disseco linfonodal.
1.4 TRATAMENTO CIRRGICO DO CNCER GSTRICO
Diversos centros de referncia ocidentais seguem os princpios do
tratamento cirrgico do cncer gstrico recomendados pela Japanese
Gastric Cancer Association-JGCA. A priori, cumpre destacar que as
propostas teraputicos variam de acordo com a profundidade de invaso da
parede do rgo pela neoplasia. Seguindo-se este critrio, os tumores de
estmago se dividem em precoces e avanados. As leses precoces so
aquelas com invaso de mucosa ou submucosa, independente do status
linfonodal. Seu tratamento pode ser feito por resseco endoscpica,
preferencialmente pelo mtodo de disseco submucosa endoscpica
(ESD), apenas naqueles casos em que ela se encontra restrita mucosa,
menor que 2,0cm e no apresenta ulcerao. Admite-se a indicao
estendida para resseco endoscpica, neste caso obrigatoriamente por
ESD, em leses bem diferenciadas que acometem a mucosa e que tem
mais de 2,0cm ou ulcerao, ou ainda nos casos de invaso at a camada
submucosa e at 3,0cm. Rotineiramente, a indicao estendida fica restrita a
pacientes com prejuzo de suas condies clnicas que impea o tratamento
7
cirrgico. A resseco cirrgica tratamento padro em todas as demais
leses (Japanese Gastric Cancer Association 2011).
No que tange extenso da resseco, a gastrectomia pode ser total
ou subtotal de acordo com a possibilidade de obteno de margens
proximais. Recomenda-se que esta margem seja no mnimo de 2,0cm para
leses precoces, de 3,0cm para as vegetantes e de 5,0cm para os tumores
ulcerados e/ou infiltrativos, independentemente do tipo histolgico. Quando
tais margens no puderem ser obtidas, a indicao absoluta passa a ser a
gastrectomia total (Japanese Gastric Cancer Association 2011).
Componente vital do tratamento cirrgico a linfadenectomia,
classificada em D1, D1+ e D2, a depender do estadiamento da leso e da
extenso da resseco. As resseces D1 e D1+ so mais limitadas e
restritas a tumores mais precoces, obrigatoriamente sem comprometimento
linfonodal detectado nos exames pr-operatrios de estadiamento.
Pacientes em ms condies clnicas tambm podem ser candidatos a uma
disseco mais econmica. A linfadenectomia D1 est indicada em
indivduos cujas leses se apresentam com comprometimento de mucosa,
mas que no preenchem os critrios para resseco endoscpica, e
naquelas com invaso de submucosa, menores que 1,5cm e bem
diferenciadas. A disseco D1+ se reserva s demais leses que acometem
a submucosa e a D2 em todas as outras.
O outro critrio que diferencia o tipo de linfadenectomia a extenso
da gastrectomia. Em uma resseco total, uma linfadenectomia D1 envolve
a disseco dos linfonodos paracrdicos, da pequena e grande curvatura
8
gstrica e os da artria gstrica esquerda, enquanto que uma D1+
corresponde a esta disseco mais os linfonodos da artria heptica
comum, tronco celaco e territrio proximal da artria esplnica. Por fim, a
linfadenectomia D2 engloba todas estas cadeias linfonodais mais as do
ligamento hepatoduodenal anteriormente, do territrio distal da artria
esplnica e do hilo esplnico. Em uma gastrectomia subtotal, os linfonodos
paracrdicos esquerdos, os distais da artria esplnica e os do hilo
esplnico no so dissecados e os do leito proximal da artria esplnica
caracterizam uma disseco D2 e no D1+.
Fazem ainda parte da resseco gstrica radical a bursectomia e a
omentectomia. A primeira se refere resseco do folheto anterior do
mesoclon em bloco com o omento maior e cpsula pancretica, o que
facilita sobremaneira a ligadura na origem dos pedculos vasculares dos
vasos gastroepiplicos direito e esquerdo. A recomendao da JGCA de
bursectomia completa apenas nas leses de parede posterior que invadem a
serosa gstrica. A publicao recente de dois estudos randomizados
japoneses corrobora esta recomendao. O maior deles, com 254 pacientes,
porm com um sistema de alocao de grupos associado a um vis de
seleo, demonstrou no haver diferena significativa de sobrevida com a
adio da bursectomia, demonstrando um HR de 0,82, mas com intervalo de
confiana variando entre 0,37 e 1,74 (KOCHI et al. 2014). O outro estudo
teve 210 indivduos e foi idealizado para identificar no-inferioridade,
tambm no demonstrando resultados favorecendo a bursectomia. No
entanto, anlise de subgrupo da casustica associou-a melhor sobrevida
9
em pacientes com comprometimento de serosa, o que elemento que
corrobora a proposta da JGCA (HIRAO et al. 2015).
Quanto omentectomia, sua resseco completa advogada pela
JGCA nas leses que ultrapassam a camada muscular da parede gstrica.
Nas mais superficiais, ela pode ser interrompida a 2cm da arcada dos vasos
gastroepiplicos, o que facilita sua realizao especialmente em cirurgia
minimamente invasiva (Japanese Gastric Cancer Association 2011). A
melhor evidncia que favorece uma disseco mais limitada do omento
provm de uma srie japonesa com 330 pacientes com casos pareados que
no demonstrou ganho de sobrevida livre de doena com a resseco mais
ampla (HASEGAWA et al. 2013).
Estas so as recomendaes mais atualizadas acerca do tratamento
cirrgico do cncer gstrico, adotadas em todo o Oriente e em diversos
centros de referncia ocidentais. Persistiu, no entanto, durante algum tempo
a discusso no Ocidente sobre a extenso do tratamento cirrgico,
especialmente no que tange realizao de linfadenectomia D1 ou D2 para
tumores no precoces.
1.5 A CONTROVRSIA SOBRE A EXTENSO DA
LINFADENECTOMIA
Na Europa e nos Estados Unidos, discutiu-se e em alguns centros
ainda se questiona se a linfadenectomia D2 melhoraria o prognstico de
pacientes com cncer gstrico. A principal razo para esta controvrsia
10
encontra-se nos resultados de dois estudos randomizados europeus que
falharam em demonstrar ganho de sobrevida com a realizao de
linfadenectomia D2 em relao disseco D1 (CUSCHIERI et al. 1999;
BONENKAMP et al. 1999). O primeiro deles foi o British Trial, com 400
pacientes e que demonstrou uma sobrevida global de 35% e 33% para os
tratados com linfadenectomia D1 e D2, respectivamente (CUSCHIERI et al.
1999). J o estudo holands, o Dutch Trial , realizado com 711 pacientes e
que contou com a superviso de cirurgies japoneses na padronizao da
disseco D2, mostrou resultados numericamente superiores, com
sobrevida em 5 anos de 47% no grupo D2 e 45% para o D1, porm
novamente sem diferena estatstica entre as linfadenectomias
(BONENKAMP et al. 1999).
A interpretao destes achados deve levar em conta diversas
particularidades observadas em ambos os estudos. A primeira delas a
elevada mortalidade ps-operatria identificada entre os pacientes do grupo
D2, que foi de 13% no estudo ingls e de 10% no holands, bastante
superior observada em centros de referncia americanos que realizam
costumeiramente esta disseco, entre 1% e 3% (MARTIN et al. 2002;
AJANI e MANSFIELD et al. 2004). Este ndice est provavelmente
relacionado ao grande nmero de pacientes submetidos a resseces
ampliadas com pancreatectomia corpo-caudal e/ou esplenectomia, de 56%
na srie britnica e de 40% na holandesa, o que se deveu ao fato de que na
poca se advogavam estes procedimentos como parte da linfadenectomia
D2. O papel das resseces ampliadas no aumento de morbimortalidade
11
aps gastrectomia, com piora inclusive dos resultados de sobrevida j foi
demonstrado por MARTIN et al. (2002) e confirmado recentemente em uma
grande srie americana com mais de 2500 pacientes, que demonstrou
mortalidade ainda hoje prxima de 10% nestes casos (PAPENFUSS et al.
2014). Na prpria casustica do Dutch Trial, uma de suas atualizaes
demonstrou um ganho de sobrevida nos pacientes submetidos disseco
D2 sem pancreatectomia ou esplenectomia (56% vs. 47% em 5 anos)
(HARTGRINK et al. 2009).
Outro fator a ser considerado nestes estudos refere-se ao seu carter
multicntrico e dificuldade de recrutamento, com um consequente baixo
volume cirrgico por instituio, o que j se demonstrou estar relacionado a
piores resultados de sobrevida (ALTINI et al. 2015). No estudo britnico,
com 32 cirurgies participantes, o recrutamento demorou 7 anos, o que
levou a uma mdia inferior a 2 gastrectomias por cirurgio por ano; de
maneira semelhante, na srie holandesa, participaram 80 instituies, o que
constitui uma mdia inferior a 3 gastrectomias por centro por ano. Apenas a
ttulo de comparao, no estudo randomizado japons JCOG 2008, que
investigou a extenso da linfadenectomia, os pacientes a serem includos
deveriam ser operados por um cirurgio com pelo menos 80 gastrectomias
prvias, ou tratados em uma instituio em que se realizava um mnimo de
100 gastrectomias por ano (SASAKO et al. 2008).
A resoluo desta controvrsia se iniciou com mais uma contribuio
do Oriente para o tratamento do cncer gstrico. Veio de Taiwan o primeiro
estudo randomizado que demonstrou ganho de sobrevida com a realizao
12
de linfadenectomia mais estendida, que incluiu 211 pacientes tratados em
uma nica instituio pelo mesmo grupo de trs cirurgies. Neste estudo,
indivduos que foram submetidos a uma disseco D2/D3 tiveram sobrevida
significativamente melhor (59,5%) em relao queles em que uma D1 foi
realizada (53,6%) (WU et al. 2006). A mais recente atualizao do Dutch
Trial proporcionou nova interpretao da evidncia que, espera-se,
determine uma resoluo desta controvrsia. Aps 15 de anos de
seguimento, observou-se que realmente no houve ganho de sobrevida
global com a realizao de linfadenectomia D2 , mas sim uma reduo
significativa na ocorrncia de recidiva locorregional e nos bitos por
neoplasia com a disseco linfonodal mais extensa (SONGUN et al. 2010).
1.6 RECIDIVA E TRATAMENTO MULTIMODAL DO CNCER
GSTRICO
O tratamento cirrgico padronizado aqui descrito indubitavelmente o
principal elemento teraputico contra o adenocarcinoma de estmago. No
entanto, mesmo com cirurgia radical, a recidiva do cncer gstrico ir
ocorrer em pelo menos 30% dos casos tratados. Estadiamento, localizao
da neoplasia e extenso da linfadenectomia influenciam este nmero. Em
srie mono-institucional coreana, de 2328 pacientes tratados com intuito
curativo entre 1987 e 1995, 652 evoluram com recidiva (28%). Neste grupo
de indivduos, em que a linfadenectomia D2 padro, o primeiro stio de
recidiva foi o peritnio em 33,9%, seguido pela recorrncia hematognica
13
em 26,2% e a loco-regional em apenas 19,3%. O estudo de fatores
prognsticos para cada padro de recidiva permitiu individualizar diferentes
grupos de pacientes: os mais jovens, com tumores do tipo difuso e
submetidos gastrectomia total evoluram com recorrncia peritoneal; os
mais idosos com tumores maiores evoluram com metstases
hematognicas; por fim, indivduos idosos com leses maiores, proximais e
do tipo difuso estiveram mais propensos a apresentar recidiva locorregional
(YOO et al. 2000). Em outra grande srie retrospectiva americana, em que
1172 pacientes foram tratados com intuito curativo entre 1985 e 2000, a
recidiva foi detectada em 496 indivduos (42,3%). Nesta populao com 44%
de tumores de transio esofagogstrica e mediana de 22 linfonodos
dissecados, a recorrncia locorregional foi mais frequente e ocorreu em 199
pacientes, seguida pela hematognica, em 188. Tambm nesta srie foi feito
estudo de fatores associados aos diferentes padres de recidiva, com a
peritoneal ocorrendo em pacientes com tumores do tipo difuso e a
hematogncia nos do tipo intestinal, alm de novamente a locorregional ter
sido relacionada s leses de localizao proximal (DANGELICA et al.
2004).
A sobrevida atingida com o tratamento cirrgico preconizado e os
ndices de recidiva enfatizam a necessidade da adoo de esquemas de
tratamento multimodal que possam propiciar melhores resultados
oncolgicos aos pacientes portadores de cncer gstrico. Outro fator a ser
considerado que estes esquemas devem possuir toxicidade aceitvel, visto
que indivduos em ps-operatrio de uma gastrectomia evoluem com algum
14
grau de comprometimento do estado nutricional, com perda de peso
mediana de 15% do peso corporal em mdia nas gastrectomias totais (BAE
et al. 1998), o que mais um fator limitante em sua tolerncia ao tratamento.
1.6.1 Quimioterapia Associada Cirurgia Curativa
A principal modalidade de tratamento multidisciplinar associada
cirurgia do cncer gstrico a quimioterapia. Dois grandes estudos
randomizados orientais j demonstraram um ganho significativo de
sobrevida global com a adio da quimioterapia adjuvante aps resseco
com intuito curativo e linfadenectomia D2 padronizada. O primeiro destes
estudos foi o Adjuvant Chemotherapy Trial of TS-1 for Gastric Cancer
(ACTS-GC), que investigou o uso adjuvante de S-1, uma fluoropirimidina
oral, em 1059 pacientes, por 1 ano. Este estudo foi interrompido aps
anlise interina, em que j se observou um ganho de sobrevida global em 3
anos de 10% (80,1% vs. 70,1%) (SAKURAMOTO et al. 2007). Posterior
atualizao da casustica confirmou o ganho de 10% em 5 anos e mostrou
ainda um ganho de 12% em sobrevida livre de doena no grupo tratado em
relao ao controle, com reduo de risco de bito em torno de 35% (HR de
0,66 para sobrevida global e 0,65 para livre de doena (SASAKO et al.
2011)). Estudo com achados semelhantes foi o CLASSIC Trial, realizado em
trs pases (Coria, China e Taiwan), que contou com 1035 pacientes e que
investigou o uso de Oxaliplatina e Capecitabina adjuvantes por 8 ciclos.
Tambm interrompido aps anlise interina, este estudo demonstrou um
ganho de sobrevida livre de doena de 15% em 3 anos (BANG et al. 2012).
15
Sua atualizao recentemente publicada confirmou este resultado e mostrou
ainda uma sobrevida global 9% melhor no grupo do tratamento adjuvante
(NOH et al. 2014).
Melhor prognstico com a quimioterapia adjuvante tambm j foi
observado no Ocidente, como em uma recente meta-anlise de 1924
pacientes. O ganho, no entanto, foi discreto, de apenas 6% (Global
Advanced/Adjuvant Stomach Tumor Research International Collaboration -
GASTRIC GROUP et al. 2010). Na ltima dcada, entretanto, o grande foco
das pesquisas de tratamento multidisciplinar no Ocidente tem sido a
quimioterapia neoadjuvante, definida como aquela realizada previamente
cirurgia em pacientes candidatos a tratamento curativo com tumores
ressecveis.
O primeiro grande estudo a investigar esta modalidade de tratamento
multimodal do cncer gstrico foi o Magic Trial, estudo randomizado
multicntrico europeu publicado em 2006, o qual identificou significativo
ganho de sobrevida global e livre de doena com quimioterapia pr e ps-
operatria. O esquema proposto foi de trs ciclos de quimioterapia
(Epirrubicina, Cisplatina e 5-Fluoracil), seguidos de cirurgia e mais trs ciclos
no ps-operatrio. Crticas em relao ao estudo incluem a limitao do
estadiamento pr-operatrio, em que muitos pacientes foram avaliados
apenas com Radiografia de trax e Ultrassonografia de abdome, alm da
realizao de linfadenectomia D2 em apenas 41% dos casos. Benefcios
relacionados ao tratamento neoadjuvante foram observados, como um
aumento no nmero de resseces sem doena residual (R0) e de
16
downstaging tumoral, caracterizado por um maior nmero de tumores
menos avanados no grupo de indivduos tratados (CUNNINGHAM et al.
2006). Resultados bastante semelhantes em relao sobrevida,
resseces R0 e downstaging foram confirmados em estudo randomizado
francs, desta vez, porm com apenas duas drogas fazendo parte do
esquema de quimioterapia peri-operatria. Limitaes similares foram
observadas, porm com um fator extra a tornar sua anlise mais
controversa, que foi a presena de tumores de esfago distal e transio
esofagogstrica em cerca de 70% da amostra (YCHOU et al. 2011). Por fim,
o European Organization for Research and Treatment of Cancer (EORTC)
40594 foi o terceiro trial europeu a investigar a quimioterapia pr-
operatria, porm desta vez com apenas dois ciclos de tratamento
neoadjuvante, sem complementao ps-operatria. Embora tenha se
observado uma reduo nos bitos por neoplasia no grupo do tratamento
multimodal, o resultado foi negativo, o que provavelmente se relacionou
perda do poder estatstico do estudo por dificuldades de recrutamento e
amostra obtida inferior ao planejado (SCHUMACHER et al. 2010).
A despeito de todos estes achados, aquela que parece ser a principal
caracterstica a favorecer o tratamento neoadjuvante a maior tolerncia
apresentada pelos pacientes em relao a esta modalidade e sua
toxicidade. Tanto no estudo britnico quanto no francs, cerca de 90% dos
pacientes que iniciaram a quimioterapia pr-operatria completaram todo o
tratamento proposto, porm menos de 50% deles conseguiram tolerar os
demais ciclos ps-operatrios. Esta dificuldade de adeso est
17
provavelmente relacionada perda de performance status dos pacientes em
ps-operatrio de gastrectomia associada toxicidade inerente terapia.
Mesmo nos estudos orientais, houve uma parcela significativa dos indivduos
com toxicidade limitante, com 65,8% dos pacientes completando um ano de
tratamento com a dose inicial proposta de S-1 (SAKURAMOTO et al. 2007)
e 67% da populao do estudo coreano tolerando os oito ciclos de
quimioterapia propostos (BANG et al. 2012).
1.6.2 Controvrsias Relacionadas ao Tratamento Multidisciplinar do
Cncer Gstrico
A evidncia disponvel na literatura para a adio de quimioterapia ao
tratamento cirrgico do cncer gstrico, seja ela neoadjuvante ou adjuvante
slida e suficiente para que esta modalidade de tratamento multidisciplinar
seja adotada rotineiramente. Restam ainda algumas dvidas acerca desta
teraputica, especialmente no que tange adio de radioterapia.
O primeiro esquema de tratamento multimodal associado a um ganho
de sobrevida em estudo randomizado investigou a associao de
quimioterapia e radioterapia adjuvantes, em pacientes ressecados com
margens livres (MACDONALD et al. 2001). Nele, demonstrou-se um ganho
de 13% de sobrevida global no grupo do tratamento adjuvante. No entanto,
a qualidade do tratamento cirrgico foi sua grande limitao, dado que dos
556 indivduos avaliados, em 54% uma linfadenectomia inferior D1 foi
realizada e apenas 10% foram tratados com uma disseco D2. Anlise
deste subgrupo no demonstrou resultado melhor com a radio e
18
quimioterapia, o que levou alguns autores orientais a considerar este
tratamento adjuvante adequado apenas para indivduos tratados com uma
linfadenectomia incompleta (SANO 2008). A toxicidade associada tambm
no foi desprezvel, uma vez que apenas 64% dos pacientes completaram o
esquema proposto (MACDONALD et al. 2001), uma porcentagem muito
inferior observada em estudos de tratamento adjuvante de outras
neoplasias. Grande quantidade de efeitos colaterais graus III e IV
hematolgicos (54% dos pacientes) e gastrointestinais (33%) foi reportada.
Em nossa instituio, o papel deste esquema em pacientes submetidos
cirurgia radical, com linfadenectomia D2, no esteve associado a um ganho
significativo de sobrevida. Sua toxicidade tambm foi importante, com 50%
de efeitos gastrointestinais e 21% hematolgicos GIII. Um nmero maior de
indivduos (82%) completou o tratamento (COSTA JR 2009). Mais
recentemente, um grande estudo coreano uni-institucional com 458
pacientes tratados exclusivamente com linfadenectomia D2 identificou que
pacientes submetidos a quimioterapia e radioterapia adjuvantes tiveram
sobrevida semelhante ao grupo controle tratado apenas com quimioterapia
adjuvante. A anlise de subgrupo desta casustica demonstrou um ganho
significativo em pacientes cujos tumores apresentavam comprometimento
linfonodal (N+). Este achado no conclusivo, pois a randomizao no foi
estratificada por este subgrupo, o que demanda na verdade o desenho de
um novo estudo, desta vez apenas com tumores N+ (LEE et al. 2011).
Outra modalidade que se discute a quimioterapia intraperitoneal,
com ou sem hipertermia, em carter adjuvante. A principal evidncia que se
19
utiliza para esta discusso provm de um estudo randomizado japons da
dcada de 90 com 141 pacientes que demonstrou que a adio de
quimioterapia intraperitoneal hipertrmica (HIPEC) ao final do procedimento
cirrgico curativo associou-se a um resultado superior em sobrevida global e
tambm a uma reduo significativa dos bitos relacionados recidiva
peritoneal (FUJIMOTO et al. 1999). Este resultado foi confirmado em duas
meta-anlises posteriores, ambas demonstrando ganho de sobrevida global
com o tratamento em pacientes sem doena peritoneal, embora em uma
delas com aumento de morbidade ps-operatria (YAN et al. 2007;
COCCOLINI et al. 2014).
1.7 PAPEL DOS FATORES PROGNSTICOS DE SOBREVIDA
Os perfis de toxicidade associados aos estudos que pesquisam
modalidades de tratamento multimodal, a prpria morbidade ps-operatria
de uma resseco gstrica ou de um tumor da transio esofagogstrica e o
objetivo final de se individualizar ao mximo o tratamento oncolgico levam
necessidade de se pesquisar fatores prognsticos. Os objetivos finais
passam a ser identificar grupos de pacientes com tendncia a uma evoluo
ps-operatria mais ou menos favorvel, e principalmente aplicar diferentes
propostas teraputicas de acordo com estes fatores.
Os principais fatores prognsticos relacionados ao cncer gstrico
so a profundidade de invaso da parede do estmago (T), o
comprometimento linfonodal (N) e a presena de doena metasttica (M),
20
que so classificados no estadiamento TNM 7 edio da American Joint
Committee on Cancer/Unio Internacional Contra o Cncer (AJCC/UICC)
(SOBIN et al. 2012). Estes fatores j so utilizados na prtica clnica na
diferenciao da proposta teraputica, medida que indivduos com tumores
mais iniciais, com infiltrao at a camada muscular e sem metstases
linfonodais so tratados com cirurgia exclusiva, aqueles com leses mais
profundas ou que tenham ainda comprometimento linfonodal so candidatos
associao de quimioterapia, realizada no esquema de tratamento peri-
operatrio em nosso servio atualmente, e cirurgia e, por fim, pacientes com
doena metasttica ao diagnstico so candidatos a tratamento sistmico de
princpio. Particularidades dentro do estadiamento, no entanto, tambm so
relevantes como fatores prognsticos.
Uma delas diz respeito categorizao da extenso da doena
linfonodal, que leva em conta apenas o nmero de linfonodos positivos (N1
1 a 2 linfonodos; N2 3 a 6 linfonodos; N3a 7 a 15 linfonodos e N3b
mais de 15 linfonodos), com a recomendao de que se obtenham pelo
menos 15 linfonodos na pea cirrgica. Alm da extenso da disseco
linfonodal nos resultados oncolgicos, j descrita anteriormente (WU et al.
2006; SONGUN et al. 2010), o nmero de linfonodos dissecados tambm
tem seu papel. Numa grande srie alem com 1654 pacientes, indivduos
que apresentavam neoplasia no estdio II e tiveram mais de 25 linfonodos
dissecados tiveram sobrevida significativamente melhor, com aumento de
risco para mortalidade pela neoplasia de 80% entre os tratados com
disseco menos extensa (SIEWERT et al. 1998). Em dois grandes estudos
21
americanos de base populacional, respectivamente com 3814 e 1317
pacientes, o aumento no nmero de linfonodos dissecados foi relacionado a
taxas de sobrevida progressivamente maiores para cada um dos estdios T
e N, sempre com intervalos a cada 10 linfonodos, at um ponto de corte de
40, tanto para leses mais iniciais (SMITH et al. 2005) quanto para outras
com doena linfonodal mais extensa (SCHWARTZ et al. 2007).
Outro fator prognstico bastante destacado em diversas publicaes
recentes e que tem relao tanto com o comprometimento linfonodal quanto
com a extenso da disseco a razo linfonodal, que representa o
quociente entre o nmero de linfonodos positivos e o de dissecados. Em um
grande estudo multi-institucional italiano, ela foi responsvel pelo
estabelecimento de subgrupos de pacientes com diferentes prognsticos
dentro de um mesmo estdio N1 e N2, tanto nos indivduos tratados com
linfadenectomia D1 quanto naqueles em que foi realizada disseco D2
(MARCHET et al. 2007). Esses achados associados aos de outras
publicaes (CHEONG et al. 2006; SAITO et al. 2008; SUN et al. 2009) j
levaram autores orientais a propor a incorporao da razo linfonodal ao
estadiamento N do TNM (KIM e YANG 2009). Em nossa casustica com 165
pacientes, a interao entre o estdio N e a razo linfonodal foi fator
prognstico independente de sobrevida global e livre de doena e
estabeleceu subgrupos de pacientes com tumores N1 (1 a 6 linfonodos
positivos na 6 edio do TNM) com diferente prognstico de acordo com a
razo obtida (pacientes com quociente entre 1% e 9% tiveram sobrevida
melhor do que aqueles com 10% ou mais) (COIMBRA et al. 2011).
22
A identificao destes e de outros fatores prognsticos clnicos e
patolgicos faz ainda com que diferentes grupos de doentes sejam
caracterizados. Pacientes jovens, por exemplo, tem tumores com
distribuio semelhante entre os sexos e com predomnio do tipo histolgico
difuso, com resultados conflitantes em relao sobrevida, ao contrrio de
pacientes mais idosos, em que h predomnio do sexo masculino na relao
2:1 e uma maior frequncia de leses do tipo intestinal de Lauren (THEUER
et al. 1998; LAI et al. 2008). Leses mais proximais parecem estar
associadas a um pior prognstico em relao s distais (PARK et al. 2010) e
resseces estendidas com pancreatectomia e/ou esplenectomia tambm
levam a uma sobrevida inferior (MARTIN et al. 2002; WEITZ et al. 2004).
Outros achados anatomopatolgicos, como tipo histolgico de Lauren
(KOMURO et al. 2009; BAIOCCHI et al. 2010), presena de invaso
vascular linftica (HYUNG et al. 2002; BURKHARD et al. 2005) e invaso
perineural (DURAKER et al. 2003; SCARTOZZI et al. 2006) j foram
associados piora de sobrevida de pacientes com cncer gstrico. Em
estudo prvio com pacientes tratados em nosso servio entre 1998 e 2006 a
realizao de resseco ampliada e a presena de invaso perineural foram
fatores independentes responsveis por pior intervalo livre de doena
(COIMBRA et al. 2011).
Aos fatores prognsticos clnicos e patolgicos j identificados,
associou-se a pesquisa de marcadores moleculares que possam influenciar
no diagnstico e tratamento da neoplasia, alm de ajudar no
estabelecimento de grupos de pacientes com maior chance de resposta ao
23
tratamento quimioterpico. O marcador que melhor exemplifica este cenrio
atualmente o HER-2 (Receptor 2 de Fator de Crescimento Epidrmico
Humano), cuja expresso levou modificao de conduta no tratamento
sistmico de pacientes com doena metasttica. Em um estudo
randomizado, o ToGA Trial, com 594 indivduos com cncer gstrico
metasttico e expresso do receptor HER2 detectada por imuno-
histoqumica, a associao de Trastuzumab, um anticorpo monoclonal com
atuao alvo sobre HER-2, e quimioterapia base de Cisplatina e 5-
Fluoracil, levou a um ganho significativo de sobrevida global, sem diferenas
no perfil de toxicidade (BANG et al. 2010). A expresso deste marcador
juntamente com seu semelhante HER-3 tambm esteve associada a um
estadiamento mais avanado e pior sobrevida em casustica de nossa
instituio (BEGNAMI et al. 2011).
O papel de diversos outros marcadores genticos e moleculares tanto
no que tange possibilidade de tratamento sistmico quanto prpria
evoluo oncolgica estudado h pelo menos duas dcadas, com diversos
resultados incluindo molculas que atuam como fatores de crescimento
(VEGF, EGFR, TGF-alfa, c-met), fatores reguladores do ciclo celular
(ciclinas, p27, p53), molculas de adeso (caderinas e cateninas) e
metaloproteinases da matriz extracelular (YASUI et al. 2005).
Em recente reviso, foi feito um resumos dos marcadores j testados
em estudos clnicos, como o FGFR (Fibroblast Growth Factor Receptor),
EGFR (Epidermal Growth Factor Receptor), MET (Hepatocyte Growth Factor
Receptor), marcadores de angiognese e marcadores da via PI3K
24
(fosfatidilinositol-3-quinase) mTOR, todos com resultados ainda no
conclusivos ou at mesmo demonstrando pior prognstico com seu uso.
Diversos outros marcadores demonstram relao com estadiamento mais
avanado ou at mesmo com sobrevida, porm ainda se apresentam em
fase de desenvolvimento, sem aplicao clnica ou mesmo investigaes em
populaes maiores e heterogneas. (ELMOVA et al. 2015)
A pesquisa associando fatores clnicos e patolgicos e marcadores
moleculares representa uma das estratgias mais promissoras na tentativa
de se individualizar o tratamento do cncer gstrico e selecionar grupos de
pacientes que sejam candidatos ideais para estratgias teraputicas
multidisciplinares. Uma das estratgias para aprimorar o significado clnico
de estudos retrospectivos consiste em usar amostras maiores de pacientes
submetidos a um tratamento relativamente homogneo, preferencialmente
em uma nica instituio. Dessa maneira, torna-se possvel a elaborao de
escores prognsticos clnico-patolgicos (COSTA JR et al. 2012) e de
nomogramas com risco para recidiva e bito por neoplasia em diferentes
populaes (KATTAN et al. 2003; STRONG et al. 2010).
1.8 JUSTIFICATIVA
H na literatura um grande nmero de estudos que investigam o
papel de fatores prognsticos clnicos, patolgicos e moleculares no
tratamento do cncer gstrico. Faltam, no entanto, estudos com um maior
nmero de pacientes originrios de casusticas de uma nica instituio e
25
que associem estes fatores com o objetivo de individualizar as diferentes
opes teraputicas para grupos homogneos de pacientes. A influncia
desta juno de fatores na sobrevida de pacientes tratados com cncer
gstrico e na resposta a esquemas de tratamento multimodal outro
elemento ainda no descrito na literatura.
26
2 OBJETIVOS
1 Determinar a influncia de fatores clnicos, cirrgicos e patolgicos,
alm dos diferentes esquemas de tratamento multimodal na sobrevida
global e livre de doena em pacientes submetidos a tratamento
cirrgico curativo por adenocarcinoma gstrico e da transio
esofagogstrica;
2 Estabelecer grupos com caractersticas clnicas, patolgicas e
moleculares que tenham evoluo semelhante, propiciando a
elaborao de escores prognsticos;
3 Individualizar o tratamento desta neoplasia e selecionar pacientes que
se beneficiem das diferentes modalidades de tratamento multimodal
disponveis.
27
3 ARTIGOS
3.1 ARTIGO 1
Total gastrectomy for gastric cancer: an analysis of postoperative and long-
term outcomes through time: results of 413 consecutive cases in a single
Cancer Center
Trabalho publicado na revista: Annals of Surgical Oncology. Fator de
Impacto: 3.93 doi: 10.1245/s10434-014-4212-6
28
29
30
31
32
33
34
35
36
3.2 ARTIGO 2
Noncurative resection for gastric cancer patients: who could benefit?
Trabalho publicado na revista: Annals of Surgical Oncology. Fator de Impacto: 3.93
doi: 10.1245/s10434-015-4945-x - ISSN 1068-9265
37
38
39
40
41
42
43
44
45
46
4 DISCUSSO
A prtica mdica baseada em evidncia implica que as medidas de
diagnstico e teraputico devem se basear em dados cientficos slidos e
que as decises sejam baseadas na melhor evidncia disponvel
(PORTNEY e WATKINS 2009a). Ao se avaliar a qualidade da evidncia,
coortes retrospectivas so ainda inferiores a ensaios clnicos randomizados
e a estudos observacionais prospectivos (PORTNEY e WATKINS 2009b).
No entanto, quando bem controladas para os possveis vieses, quando
realizadas com amostras maiores e menos heterogneas e com dados
clnicos adequadamente colhidos, estas sries retrospectivas podem
formular hipteses e prover informaes determinantes para a prtica clnica
diria. Pode-se considerar que os dois estudos publicados a partir da
casustica colhida de pacientes com cncer gstrico na instituio e
constantes nesta dissertao atingiram em maior ou menor proporo estes
objetivos.
4.1 COORTE RETROSPECTIVA DE PACIENTES SUBMETIDOS A
GASTRECTOMIAS TOTAIS
Na srie de 413 indivduos tratados com gastrectomia total, a
comparao entre os diferentes perodos em que o tratamento foi realizado
retrata indubitavelmente a melhora do manejo pr, intra e ps-operatrio,
47
alm de um progressivo incremento nas ferramentas de cuidado
multidisciplinar, embora estas sejam de mensurao nem sempre bvia, ao
contrrio, por exemplo, da tcnica de reconstruo da anastomose
esofagojejunal, cuja modificao coincidiu com a melhora nos indicadores de
morbidade ps-operatria de curto prazo. De maneira complementar, esta
anlise refletiu ainda uma significativa mudana no perfil de pacientes
atendidos na instituio, inicialmente portadores de doena mais avanada e
com maior prejuzo do estado nutricional e atualmente diagnosticados mais
precocemente e sem perda significativa de performance clnica, o que
tambm ajuda a explicar a melhora progressiva dos resultados.
Um dado que ilustra bem o papel de uma abordagem padronizada ao
longo do tempo a relao entre o volume cirrgico da instituio e a
mortalidade. Em um grande estudo americano com mais de 30.000
pacientes submetidos a uma gastrectomia, identificou-se um nmero de 21
gastrectomias como sendo o valor de corte para caracterizar centros com
grande volume, cuja mortalidade foi de 8%, versus 12% naqueles de menor
volume (BIRKMEYER 2002). Achado semelhante foi identificado
recentemente em uma coorte britnica com mais de 12.000 gastrectomias.
Embora no tenha sido estabelecido um valor de corte, concluiu-se que
cada caso adicional de gastrectomia por cncer gstrico reduziu a
mortalidade em 30 dias em 7,2% (MAMIDANNA et al. 2016). O aumento
progressivo do volume anual de gastrectomias totais em nossa instituio ao
longo dos 24 anos da casustica provavelmente mais um elemento que
explica a queda progressiva da mortalidade no perodo. Esta ferramenta
48
pode auxiliar no risco de bito ps-operatrio em pacientes a serem tratados
com gastrectomias totais em diferentes instituies.
A morbidade e mortalidade observadas entre os 413 pacientes so
semelhantes s de grandes sries ocidentais (PAPENFUSS et al. 2014;
BARLETT et al. 2014) e pouco inferiores a uma casustica oriental que
investigou fatores preditivos de morbidade e mortalidade em cncer gstrico
(WATANABE et al. 2014). Um dos elementos que justifica esta diferena o
padro antropomtrico da populao em nossa srie, cujo ndice de massa
corprea (IMC) mediano foi de 23,7 kg/m2, com um aumento de 2 kg/m2
entre o incio da casustica e o ltimo trinio, enquanto que em muitas
casusticas orientais indivduos com ndice acima de 23 kg/m2 so
considerados como portadores de IMC elevado (KIM et al. 2006). O volume
cirrgico e a padronizao teraputica, porm, continuam sendo os
elementos mais importantes na melhora dos resultados de curto prazo,
medida que os dados de grandes centros japoneses e coreanos, em que se
realizam at 1.000 gastrectomias por ano, so aqueles com melhores
resultados (SCHMIDT e YOON 2013).
Dentre os fatores prognsticos que predisseram melhor sobrevida em
longo prazo, os estdios T e N mais precoces permaneceram como fatores
independentes, o que rotina em nossas diferentes casusticas ao longo do
tempo (COIMBRA et al. 2011; COSTA JR et al. 2012) e so os mais
importantes determinantes de sobrevida segundo o estadiamento TNM
(SOBIN et al. 2012). Os demais elementos identificados demandam anlises
particulares, dentre as quais a mais simples envolve a extenso da
49
linfadenectomia. Embora os melhores resultados de sobrevida em pacientes
tratados com intuito curativo nos quais a linfadenectomia D2 foi realizada
possam ser justificados pelos nmeros superiores com essa disseco
linfonodal (WU et al. 2006; SONGUN et al. 2010), em nossa casustica os
dados devem ser interpretados de outra forma. Como a disseco D2
recomendada para todos os pacientes em nosso servio, aqueles que so
submetidos a uma linfadenectomia mais limitada o so porque tem piores
condies clnicas e necessitam de um procedimento cirrgico de menor
extenso e tempo, o que j um fator de piora de sobrevida global per se. A
avaliao do intervalo livre de doena neste grupo de pacientes
provavelmente ajudaria a identificar se uma disseco linfonodal limitada
tambm influenciou na ocorrncia de recidiva. Optou-se pela no realizao
desta anlise porque a casustica engloba um perodo muito grande de
tempo e em alguns casos mais antigos os meios para se detectar a recidiva
eram mais limitados.
Pacientes com leses maiores que 5,0 cm tiveram pior prognstico e
o tamanho persistiu como fator independente de pior sobrevida em nossa
casustica. A despeito das limitaes associadas categorizao do
tamanho, e a diferentes intervalos adotados em outras sries na literatura,
h evidncia de que leses maiores apresentam tambm maior
profundidade de invaso na parede gstrica e maior risco de doena
linfonodal, o que j justificaria uma evoluo mais pobre nesses casos. No
entanto, em grande casustica chinesa recente de mais de 2000 pacientes, o
tamanho foi fator prognstico em pacientes do mesmo estadiamento II e III,
50
alm de permanecer como fator independente em anlise multivariada (GUO
2013). Outras sries tambm relacionaram a dimenso da leso primria a
uma maior acurcia no estadiamento TNM (LU et al. 2013) e predio do
nmero de linfonodos comprometidos ainda no estadiamento pr-operatrio
(HUANG et al. 2014). Em nossa srie, em que leses eram proximais ou de
corpo gstrico, elas tenderam a ser maiores, provavelmente por uma
demora na ocorrncia de manifestaes clnicas em comparao com
leses distais, que so mais associadas a sintomas obstrutivos, o que levou
necessidade de resseces mais amplas de leses proximais, o que pode
ter limitado um controle local mais adequado, especialmente nos primeiros
anos da srie.
O ltimo fator que influenciou a sobrevida nesta srie foi a perda de
peso maior que 10%. Pacientes com perda de peso significativa por
neoplasias esofagogstricas j apresentam um risco aumentado de
morbidade e mortalidade ps-operatrias, alm de terem piores resultados
de sobrevida de longo prazo (MARIETTE et al. 2012). Ademais, indivduos
tendem ainda a apresentar perda de peso significativa no ps-operatrio de
gastrectomias totais (BAE et al. 1998), o que representa uma dificuldade
adicional para a recuperao destes pacientes e tambm para a realizao
de esquemas de tratamento adjuvantes. Embora este tenha sido um fator
prognstico de pacientes tratados com intuito curativo em nosso estudo,
muitos desses indivduos no tinham boa condio clnica geral e em
diversas situaes no tiveram acesso a estratgias atuais que objetivam a
51
melhora das condies imunolgicas e nutricionais nos pacientes candidatos
a cirurgia.
Sabe-se que a interpretao de achados de estudos retrospectivos
objetiva na maioria das vezes a formulao de hipteses a serem
investigadas em carter prospectivo. Ainda assim, em grandes sries como
esta, especialmente no Ocidente, em que o cncer gstrico no to
incidente como nos pases asiticos e em que o tratamento no to
centralizado, a abordagem relativamente homognea permite algumas
observaes. A principal delas que a cirurgia segura e que seus
resultados melhoraram ao longo do tempo com a padronizao tcnica intra-
operatria e do suporte pr e ps-operatrio. Os bons resultados de
morbimortalidade e de sobrevida e o fato de estes serem comparveis aos
observados em grandes centros ocidentais e orientais corrobora a
importncia de instituio e volume cirrgico para o tratamento oncolgico
otimizado.
A principal limitao relacionada aos achados de nosso estudo se
relaciona a seu carter retrospectivo e ao longo perodo da casustica.
Mesmo em ambientes semelhantes, com a mesma equipe de profissionais
sendo responsvel pelo cuidado de pacientes, o tempo representa uma
varivel de confuso significativa, medida que o cuidado e o tratamento de
uma neoplasia se modificam em mltiplos pequenos fatores em trs
dcadas. A interpretao dos fatores prognsticos que influenciaram
morbimortalidade e tambm sobrevida neste perodo deve ser feita levando-
se sempre em conta que outras variveis relacionadas ao paciente e a seu
52
tratamento podem no ter sido identificadas. De qualquer modo, o rigor na
melhor escolha da evidncia cientfica deve sempre levar em conta a
impossibilidade de se realizar estudos com ambientes totalmente
controlados, o que faz com que os dados constantes nesta grande srie
retrospectiva sejam um instrumento auxiliar na compreenso dos fatores que
podem levar otimizao dos resultados de indivduos tratados com uma
gastrectomia total.
4.2 COORTE RETROSPECTIVA DE PACIENTES SUBMETIDOS A
UMA RESSECO GSTRICA NO CURATIVA
A investigao do tratamento do cncer gstrico inclui ao mesmo
tempo grandes estudos que englobam pacientes com tumores em diferentes
estdios clnicos e investigam, por exemplo, a extenso da linfadenectomia
a ser realizada (BONENKAMP et al. 1999; CUSCHIERI et al. 1999; WU et al.
2006) ou o papel de diferentes estratgias teraputicas multidisciplinares
(MACDONALD et al. 2001; CUNNINGHAM et al. 2006; BANG et al. 2012), e
outros estudos menores com uma amostra mais restrita de pacientes, sejam
aqueles de um estdio semelhante, como os que investigam indivduos com
tumores precoces ou com leses j metastticas, ou ainda estudos com uma
nica modalidade de tratamento. A pesquisa com populaes menores,
mais homogneas, permite a identificao de fatores prognsticos que no
sero afetados pelo estadiamento da neoplasia, o que em ltima anlise
representa elemento complementar na individualizao do tratamento do
53
tumor. Um exemplo dessa linha de pesquisa um estudo recente alemo
em que a partir de dados de 410 pacientes tratados com quimioterapia
neoadjuvante, foi elaborado um escore prognstico de sobrevida e resposta
ao tratamento, o qual conteve apenas variveis clnico-patolgicas de fcil
identificao e avaliao pr-operatria (localizao do tumor, tipo
histolgico de Lauren, grau histolgico) (LORENZEN 2012).
Em nossa casustica, a elaborao de um escore para selecionar
pacientes que pudessem ser melhor candidatos a uma gastrectomia no-
curativa seguiu metodologia semelhante descrita neste estudo e tambm
em outro do mesmo grupo que incluiu apenas casos de tumores de esfago
distal e transio esofagogstrica (LANGER et al. 2014). A opo foi de
utilizar os coeficientes de Hazard ratio dos fatores prognsticos
independentes obtidos na anlise multivariada, estabelecer grupos pela
soma dos mesmos e avaliar se estes grupos apresentavam resultados
diferentes entre si. Desta maneira, observamos que pacientes com menos
de 70 anos, submetidos a uma resseco subtotal e que receberam
quimioterapia no ps-operatria tiveram uma sobrevida bastante superior
observada em sries de quimioterapia exclusiva de pacientes com doena
metasttica (CUNNINGHAM et al. 2008). Da mesma forma, indivduos
maiores de 70 anos, tratados com gastrectomia total e que no receberam
quimioterapia tiveram resultados significativamente piores.
Algumas questes pertinentes foram avaliadas durante a elaborao
do estudo e devem ser lembrados ao se analisarem seus resultados. Uma
delas diz respeito s resseces paliativas, definidas como aquelas
54
realizadas primariamente para controlar sintomas ou melhorar a qualidade
de vida dos pacientes (MINER et al. 2002). Em uma grande srie
retrospectiva americana, com 307 indivduos com neoplasia gstrica no
estdio clnico IV, observou-se que aqueles submetidos ao tratamento
cirrgico para controle de sintomas como objetivo primrio tiveram sobrevida
significativamente pior em relao aos demais (13,5 meses versus 8,3
meses, P
55
apresentam evoluo semelhante queles com doena metasttica em
outros stios (BENTREM et al. 2007; LEAKE et al. 2012). No entanto, em um
momento no qual vrios pacientes so tratados com quimioterapia
neoadjuvante, pacientes cuja citologia torna-se negativa aps este
tratamento demonstraram resultados promissores de sobrevida em estudos
preliminares (LORENZEN et al. 2010). Estudos que investigaram a adio
de quimioterapia intraperitoneal nestes casos tambm forneceram dados
superiores aos observados em indivduos com doena metasttica
(KURAMOTO et al. 2009; IMANO et al. 2011). Em nossa casustica, numa
anlise preliminar, diante dos resultados semelhantes na literatura dos
indivduos com doena residual microscpica ou citologia positiva, optou-se
por incluir este grupo na relao de resseces no-curativas. No entanto,
aps discusses complementares, inclusive em reviso para a publicao,
optou-se pela excluso destes casos. O racional para esta deciso
embasou-se no fato de que o principal objetivo do estudo era identificar
grupos de pacientes no candidatos a uma cirurgia curativa que pudessem
se beneficiar de uma resseco gstrica em uma avaliao prvia ao
tratamento, o que no ocorreria entre indivduos cuja doena microscpica
residual s fosse identificada no ps-operatrio. Nestes casos, a resseco
seria realizada com intuito curativo a princpio.
consenso na literatura que pacientes no candidatos a tratamento
curativo e em boas condies clnicas devam receber quimioterapia, que
consiste de um modo geral em alguma associao de uma platina com uma
fluoropirimidina, esquemas j descritos em mltiplos estudos e relacionados
56
a um ganho de sobrevida em comparao sua no realizao (WAGNER
et al. 2010; PARK e CHUN 2013). A controvrsia que ainda persiste se h
benefcio em se adicionar um tratamento cirrgico no planejamento
teraputico destes pacientes. Em termos de resultados oncolgicos, a se
pesar o vis de seleo, diversos estudos j demonstraram que, dentro do
universo de possveis tratamentos cirrgicos, a resseco superior s
derivaes e procedimentos semelhantes (MAHAR et al. 2012). O principal
argumento historicamente utilizado contra a indicao de gastrectomia no
cenrio no curativo era a morbidade associada ao procedimento, que
levava a uma mortalidade em torno de 20% em sries mais antigas
(HALLISSEY et al. 1988). Uma melhor seleo de pacientes associada a
evoluo nos cuidados peri-operatrios levou obteno de resultados de
morbidade bastante aceitveis para este cenrio, entre 25% e 30% em
populaes ocidentais de acordo com dados coletados em uma recente
meta-anlise (LASITHIOTAKIS et al. 2014). Em nossa populao, a taxa de
complicaes foi de 26%, bastante semelhante inclusive a dados
previamente publicados envolvendo indivduos tratados com intuito curativo
em nosso centro e em outras instituies nacionais (ZILBERSTEIN et al.
2004; COSTA JR et al. 2012). A incidncia das complicaes mais
frequentes, pneumonia e abscesso intracavitrio, alm do papel das
resseces multiviscerais, na casustica representadas principalmente por
esplenectomias, como fator independente associado a maior morbidade ps-
operatria, espelham os resultados observados em recente estudo
americano com mais de 2500 pacientes (PAPENFUSS et al. 2014). Este
57
padro de morbimortalidade em resseces no curativas semelhante a de
indivduos tratados com intuito curativo representa certamente um vis de
seleo, com pacientes metastticos em melhores condies sendo os
candidatos a resseco. Este no entanto, o principal foco dos estudos de
resseces no curativas, exatamente o de selecionar um grupo de
pacientes que possa se beneficiar de um tratamento mais radical. E
tambm com esta seleo que se chegou aos resultados atuais de
mortalidade, entre 5% e 6% em um estudo multicntrico europeu (KULIG et
al. 2012), nmero tambm semelhante observada em nossa srie, em que
os bitos ps-operatrios em at 60 dias ocorreram em 6,8% dos indivduos
ressecados.
A possibilidade de realizao de quimioterapia foi fator prognstico de
maior sobrevida em diversos estudos retrospectivos de pacientes
submetidos a gastrectomia no curativa (SAIDI et al. 2006; LIN et al. 2008;
CHANG et al. 2012). O elemento a se considerar, no entanto, que a
resseco gstrica j foi associada a uma reduo de tolerncia de
quimioterapia ps-operatria no cenrio curativo (CUNNINGHAM et al. 2006;
SAKURAMOTO et al. 2007; BANG et al. 2012). De fato, em recente reviso
sistemtica incluindo apenas indivduos submetidos a resseces no
curativas, o nmero de pacientes que sequer conseguiu iniciar quimioterapia
aps a cirurgia variou entre 30% e 60% (LASITHIOTAKIS et al. 2014).
Recentemente, foram apresentados os resultados finais do estudo
randomizado REGATTA Trial, realizado em vrios centros japoneses e
coreanos, o qual comparou quimioterapia exclusiva versus gastrectomia no
58
curativa seguida de quimioterapia em indivduos que apresentavam um
nico stio metasttico em fgado, peritnio ou linfonodos retroperitoneais.
Neste estudo, interrompido aps anlise interina, no houve qualquer
diferena entre os grupos, um argumento significativo contrrio indicao
cirrgica no cenrio no curativo. A anlise de subgrupos trouxe, no entanto,
um achado determinante: indivduos submetidos a gastrectomias subtotais
tiveram resultados superiores do brao de quimioterapia exclusiva e um
ganho significativo de sobrevida, enquanto que aqueles em que se realizou
gastrectomia total tiveram os piores resultados (FUJITANI et al. 2008).
O papel da extenso da resseco gstrica no prognstico de
pacientes metastticos j foi demonstrado em estudos retrospectivos. Numa
reviso sistemtica de 2012, em 4 de 6 sries com gastrectomias totais, a
sobrevida mediana foi de at 9 meses (MAHAR et al. 2012), inferior
observada com tratamento sistmico exclusivo (CUNNINGHAM et al. 2008).
Em uma srie japonesa publicada em 2012 com 233 pacientes, aqueles
tratados com gastrectomia total tiveram maior morbidade ps-operatria,
pior tolerncia quimioterapia ps-operatria (22% dos indivduos
receberam pelo menos 4 meses de quimioterapia, versus 65% no grupo
tratado com gastrectomia distal) e pior sobrevida, inclusive em comparao
com o grupo tratado com quimioterapia apenas, sem resseco.
semelhana de nossa casustica, em anlise multivariada, a realizao de
gastrectomia subtotal e de quimioterapia ps-operatria permaneceram
como fatores independentes associados a melhor sobrevida global (NAKA et
al. 2012).
59
O outro fator relacionado a um pior prognstico de maneira
independente foi a idade dos pacientes no momento da cirurgia, utilizando-
se o valor de corte de 70 anos, j descrito em grandes sries orientais e
ocidentais (KIM et al. 2005; NIENHUESER et al. 2015). A literatura
demonstra que pacientes idosos com doena metasttica podem ter algum
benefcio com a resseco (HARTGRINK 2002), porm seus resultados de
sobrevida so inferiores em relao aos de indivduos mais jovens (HE et al.
2013). Mesmo com outros valores de corte, como 50 anos, a idade mais
avanada tambm foi fator relacionado a pior sobrevida (DITTMAR et al.
2012). Em casusticas que englobam pacientes de vrios estadiamentos,
normalmente a idade no permanece como preditor de sobrevida. No
entanto, ao se avaliar apenas aqueles com doena metasttica, j com
algum grau de comprometimento em sua performance clnica, a idade
avanada, associada s respectivas comorbidades, parece ser um fator que
limita a tolerncia dos mesmos quimioterapia, o que tem efeito significativo
sobre sua sobrevida. Isso se mostrou especialmente claro nos indivduos
nos quais foi realizada uma gastrectomia total, em nossa srie.
Um aspecto importante identificado em outros estudos que no teve
papel significativo em nossa casustica foi o padro e o volume da doena
metasttica. Resultados controversos em relao ao papel prognstico do
stio da doena metasttica so observados na literatura, com alguns
estudos demonstrando sobrevida inferior em indivduos com diagnstico de
doena peritoneal metasttica de incio (YANG et al. 2011) ou aps recidiva
(YOO et al. 2000), enquanto outros no demonstram esta diferena,
60
inclusive relatando o achado de que a presena de doena metasttica
visceral esteve associado a uma pior sobrevida em relao ao achado de
doena peritoneal (MARIETTE et al. 2013). Em relao ao volume de
doena metasttica, os achados so bem mais conclusivos. Em uma srie
francesa que incluiu 677 indivduos ressecados sem intuito curativo, a
resseco esteve associada a sobrevida melhor em indivduos com um stio
de metstase visceral, sem doena peritoneal (MARIETTE et al. 2013). A
presena de um nico stio de doena tambm se mostrou fator prognstico
em um estudo chins de 253 pacientes (LI et al. 2010) e entre os 285
indivduos com doena metasttica no estudo randomizado holands de
linfadenectomia D1 versus D2 (HARTGRINK et al. 2002). Esta relao pode
ser explicada pelo fato de que pacientes com doena disseminada tendem a
se apresentar com piores condies clnicas, toleram menos quimioterapia e
evoluem com pior sobrevida. O fato de o nmero de stios de metstases
no ter influenciado o prognstico em nossa srie pode se dever limitao
de informaes colhidas em pronturio, em que talvez no tenham sido
relatados todos os stios, ou mesmo por ferramentas imprecisas de
estadiamento, inclusive no intra-operatrio, diante do longo perodo da
casustica.
61
4.3 INDIVIDUALIZAO TERAPUTICA NO TRATAMENTO DO
CNCER GSTRICO
O estudo publicado de pacientes submetidos a gastrectomia total
representa a investigao de fatores prognsticos em uma parte da
populao de pacientes com cncer gstrico cuja localizao do tumor
demanda esta resseco. Sua relevncia se deu pelo fato de ser uma das
maiores sries uni-institucionais ocidentais. J a srie de gastrectomias no
curativas propicia uma anlise cujo objetivo individualizar grupos de
pacientes que possam se beneficiar de uma conduta que no
universalmente aceita e que certamente ser deletria para muitos
indivduos. Esta individualizao objetivo de muitas linhas de pesquisa
atuais.
Uma das mais importantes dentre elas a que busca identificar
pacientes que se beneficiariam de modalidades de tratamento
multidisciplinar, mais especificamente da quimioterapia neoadjuvante. Este
esquema teraputico cada vez mais aplicado em indivduos com cncer
gstrico nos estdios II e III e tende a se consolidar cada vez mais, ao se
observarem os excelentes resultados de sobrevida dos pacientes cujo
anatomopatolgico demonstra sinais de downstaging tumoral (MANSOUR
et al. 2007). A localizao da leso parece exercer influncia importante
neste efeito, com o estadiamento ps-quimioterapia em tumores proximais
estando relacionado a um prognstico semelhante ao de indivduos com o
estadiamento correspondente e tratados com cirurgia de princpio (DAVIES
62
et al. 2014). Outro fator que influencia a resposta quimioterapia pr-
operatria parece ser o tipo histolgico de Lauren. Em uma srie francesa
com 235 pacientes, aqueles com tumores do tipo difuso e clulas em anel de
sinete tiveram menores taxas de resposta patolgica e pior prognstico.
Ainda assim, os que responderam tiveram benefcio com o tratamento
(HEGER et al. 2014). A juno destes fatores, mais o grau histolgico
permitiu a elaborao do escore prognstico de sobrevida e predio de
resposta quimioterapia j citado (LORENZEN et al. 2012).
O prximo desafio a ser incorporado nas linhas de pesquisa consiste
em associar a expresso gentica de diversas protenas da carcinognese
detectadas por imunohistoqumica ou outras tcnicas de sequenciamento do
DNA ou do RNA tumoral a estas caractersticas clnicas. Diversos
marcadores moleculares pesquisados por tcnicas de imunohistoqumica j
demonstraram algum papel no prognstico de pacientes com
adenocarcinoma gstrico, porm exceo do HER2 (BANG et al. 2010),
sem aplicao clnica ou sem efeito prognstico independente de outras
variveis clnicas significativas (ELMOVA et al. 2015). De maneira
semelhante, no que tange tcnica de sequenciamento do DNA, j se
detectou uma assinatura gentica que caracterizaria uma maior taxa de
resposta quimioterapia (TAN et al. 2011). Recentemente, uma
classificao molecular de quatro diferentes tipos de neoplasia gstrica foi
proposta, com etiologia e localizao distintas. Talvez pelo nmero de
pacientes e heterogeneidade de populaes no se observou diferena de
63
sobrevida entre estes grupos (Cancer Genome Atlas Research Network
2014).
Essa individualizao incluindo mais variveis anatomopatolgicas e
moleculares na determinao da conduta se dar certamente atravs de
estudos controlados prospectivos, mas muitas hipteses podem ser
formuladas em sries retrospectivas com populaes com caractersticas
comuns como as dos dois estudos publicados de nossa casustica. O banco
de dados atual, j com mais de 1300 pacientes cujos dados esto sendo
coletados prospectivamente, permitir que se mantenha uma linha de
pesquisa com populaes de um mesmo estadiamento ou com tumores de
caractersticas biolgicas semelhantes.
64
5 CONCLUSES
Em pacientes candidatos a uma gastrectomia total:
A gastrectomia total com intuito curativo um procedimento seguro
em centros de referencia. O papel da padronizao tcnica, do
melhor cuidado peri-operatrio e do maior volume cirrgico foram
demonstrados com a melhora progressiva dos resultados com o
tempo;
Pacientes em melhores condies clnicas, que tiveram perda de
peso menor 10%, tiveram melhor sobrevida aps uma gastrectomia
total curativa;
A linfadenectomia D2 foi fator prognstico isolado de ganho de
sobrevida entre estes indivduos;
Pacientes cujos tumores eram maiores que 5cm, que infiltravam pelo
menos o tecido conjuntivo subseroso, ou que tinham mais de 6
linfonodos comprometidos tiveram pior prognstico.
Em relao aos indivduos com doena metasttica ou submetidos a
uma resseco com doena macroscpica residual:
A gastrectomia no curativa apresentou resultados semelhantes aos
observados com tratamento sistmico exclusivo na literatura;
Adequada seleo de pacientes propiciou resultados de morbidade e
mortalidade semelhantes aos de sries em que a cirurgia foi curativa;
65
Resseces ampliadas, na casustica representadas em sua quase
totalidade por esplenectomias, estiveram associadas a uma maior
morbidade. Representam conduta de exceo nesse cenrio;
Idade menor que 70 anos, gastrectomia subtotal e realizao de
quimioterapia ps-operatria foram fatores associados a uma ganho
de vida nessa populao;
A sobrevida ruim observada em indivduos idosos, tratados com uma
gastrectomia total ou que no fizeram quimioterapia ps-operatria
em nossa avaliao contra-indica a resseco para estes pacientes.
66
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