UNIVERSIDADE DE SO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LINGUSTICA PROGRAMA DE PS GRADUAO EM SEMITICA E LINGUSTICA GERAL
FERNANDO GOMES DA SILVA
Alagoanos em So Paulo e a Concordncia Nominal de Nmero
So Paulo 2014
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UNIVERSIDADE DE SO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LINGUSTICA PROGRAMA DE PS GRADUAO EM SEMITICA E LINGUSTICA GERAL
FERNANDO GOMES DA SILVA
Alagoanos em So Paulo e a Concordncia Nominal de Nmero
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Semitica e lingustica Geral do Departamento de Lingustica da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo para a obteno do ttulo de mestre em Lingustica.
Orientador: Prof. Dr. Ronald Beline Mendes
So Paulo
2014
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AGRADECIMENTOS
Agradeo CAPES pelo apoio pesquisa.
Agradeo ao meu orientador, Prof. Dr. Ronald Beline Mendes, pela oportunidade de
desenvolver esta pesquisa que to importante para mim, pela amizade, pacincia,
pelas discusses e inmeras horas dedicadas leitura dos meus textos. Agradeo
tambm aos funcionrios do Departamento de Lingustica pela ateno e
disponibilidade em todas as vezes em que precisei de ajuda.
Agradeo Profa. Dra. Olga Coelho Sanssone por ter participado de todos os
momentos importantes na construo dessa pesquisa. Prof. Dra. Margarida Petter
por todas as orientaes e conversas sobre o meu trabalho. Ao Prof. Sebastio
Gonalves (UNESP So Jos do Rio Preto), por todos os comentrios e sugestes para
o aperfeioamento dessa pesquisa.
Agradeo aos amigos do GESOL-USP, pela amizade, pelas risadas, pelos desabafos,
pelas sugestes construtivas e por fazerem parte da minha vida: Marlia, Mariane,
Wendel, Lvia, Dayane, Rafael Ciancio, Rafael Rocha e Larissa.
Agradeo imensamente aos meus pais, Ado e Josefa, pelo amor incondicional, pela
fora, pelo apoio emocional e por sempre acreditarem e apostarem todas as suas
fichas em mim. Agradeo tambm a todos os meus familiares (primos (as) e tios (as))
que contriburam para a minha formao como ser humano.
Agradeo ao meu amigo e companheiro (de todas as horas), Jnior, pela ajuda
emocional e espiritual, pelas longas e confortveis conversas, por me apoiar em todas
as minhas decises, por ficar acordado durante as madrugadas me dando fora para
que conclusse este trabalho, sobretudo nas ltimas semanas que antecederam o
depsito da dissertao.
Finalmente agradeo imensamente a Deus e toda a sua equipe, que me mantiveram
firme e determinado na realizao dessa pesquisa.
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Resumo Este trabalho analisa, de acordo com as premissas terico-metodolgicas da
Sociolingustica Variacionista (Labov 1972:[2008]), como se d a concordncia nominal
de nmero (CN) na fala de alagoanos estabelecidos na cidade de So Paulo, em
comparao com a fala de paulistanos. A anlise multivariada feita com as
ocorrncias de sintagmas nominais simples (constitudos de dois elementos), como
as pessoa-s/. O objetivo principal verificar quais so os fatores lingusticos e
sociais que concorrem para a realizao da CN nesses dois subgrupos de falantes. Os
dados foram extrados de 24 entrevistas sociolingusticas com paulistanos e 24 com
alagoanos que vivem na capital paulista. Ambas subamostras so definidas pelas
mesmas variveis sociais: sexo/gnero, faixas etrias e escolaridade.
Os resultados indicam que a taxa de no realizao da concordncia (CN-)
entre alagoanos e paulistanos praticamente a mesma. Em ambas as subamostras, os
fatores sociais mostraram-se mais significativos, uma vez que todos foram
selecionados para os dois grupos de falantes, com os maiores ranges. As mulheres so
as mais sensveis variante de prestgio; no entanto, as alagoanas apresentam
percentual um pouco maior de CN- (23%) do que as paulistanas (17%). No h
indicativo de mudana em progresso: em ambos os subgrupos, a segunda faixa etria
a que desfavorece CN-. J para escolaridade, trata-se de um grupo de fatores mais
significativo para paulistanos do que para alagoanos. Quanto aos fatores lingusticos,
Classe de palavra do elemento nuclear, Processo de formao de plural do elemento
nuclear e Nmero de slaba do elemento no-nuclear se mostraram mais significativos.
Da perspectiva da concordncia nominal de nmero, esta dissertao mostra
que alagoanos e paulistanos se assemelham mais do que se diferenciam. Nesse
sentido, pode ser que faam parte de uma mesma comunidade de fala (Labov 1972
[2008]), 1996 [2006], Guy 1981 mas isso s poder ser confirmado por estudos
futuros, que se dedicarem a outras variveis na fala destes e de outros grupos de
falantes migrantes para a cidade de So Paulo.
Palavras chaves: Concordncia Nominal, Variao lingustica, Sociolingustica, So
Paulo.
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Abstract
Within the framework of variationist Sociolinguistics (Labov, 1972 [2008]), this
master thesis analyzes variable number agreement within the nominal phrase (NP), in
the Portuguese spoken in the city of So Paulo by Alagoanos (migrants from the
northeastern state of Alagoas) and by Paulistanos (those born and raised in the city).
The multivariate analysis focuses on two-word plural NPs, such as as pessoas/ the
persons. The main goal is to verify what linguistic and social factors condition the
variable in use, in a comparison between these two groups of speakers. The data was
extracted from 24 sociolinguistic interviews with Alagoanos and 24 with Paulistanos.
Both samples are stratified by the same social variables: sex/gender, age group and
level of education.
Results indicate that the frequency of CN- (that is, lack of agreement) is
approximately the same for both groups of speakers. In both, social factors are more
significant than linguistic factors, since all of the social ones included in the analysis
were selected as statistically significant. Women disfavor CN- (a generally stigmatized
form), although the agreement is more frequent among Alagoanas than among
Paulistanas. Theres no indication of change in progress: for both groups of speakers,
the intermediate age group disfavors CN-. As for level of education, it is more
significant for Paulistanos than for Alagoanos. Among the linguistic factors, the class
of the nuclear word, the morphology of plural, and the number of syllables of the NP
left element were the ones selected as statistically significant
This thesis shows that, from the perspective of number agreement within the
NP, Alagoanos and Paulistanos are more similar than different. Therefore, they could
be part of a same speech community (Labov 1972 [2008], Guy 1981) in the city
something that should be discussed by further research, including other linguistic
variables and groups of speakers.
Keywords: Nominal Phrase, Number Agreement, Language Variation, Sociolinguistics,
So Paulo.
6
Lista de Tabelas
Tabela 1 Distribuio dos dados dos falantes adultos em funo da classe gramatical e da
posio dos elementos no SN (transcrita de Scherre, 1996) ...................................................... 20
Tabela 2 Distribuio das classes gramaticais no-nucleares em funo da posio e relao
com o ncleo. Scherre (1996:51) ................................................................................................ 21
Tabela 3: Distribuio geral dos dados alagoanos ...................................................................... 64
Tabela 4 Distribuio geral dos dados paulistanos ..................................................................... 64
Tabela 5: Anlise 1 - CN- entre alagoanos ................................................................................ 66
Tabela 6: Anlise 1 - CN- entre paulistanos .............................................................................. 66
Tabela 7: CN- e Faixa Etria ...................................................................................................... 68
Tabela 8: CN- e Faixa Etria para anlise atomstica e SNs em Oushiro (indito) .................... 69
Tabela 9: CN- e escolaridade .................................................................................................... 70
Tabela 10: CN- e sexo/gnero .................................................................................................. 72
Tabela 11: Distribuio dos fatores no grupo Formao do plural ............................................. 74
Tabela 12: CN- e formao do plural ........................................................................................ 74
Tabela 13: CN- e classe de palavra do elemento no nuclear .................................................. 76
Tabela 14: Anlise 2 CN- para alagoanos ............................................................................... 78
Tabela 15: Anlise 2 CN- para paulistanos............................................................................. 78
Tabela 16: Anlise 3 CN- para alagoanos ............................................................................... 79
Tabela 17: Anlise 3 CN- para paulistanos............................................................................. 80
Tabela 18: CN- no cruzamento entre Sexo/Gnero e Faixa etria ........................................... 81
Tabela 19 CN- no Cruzamento entre Sexo/Gnero e Escolaridade ....................................... 83
Tabela 20 CN- no Cruzamento entre Faixa etria e Escolaridade ......................................... 85
7
Lista de Quadros
Quadro 2 : Distribuio dos domiclios por Faixas de Renda Familiar , segundo Distritos do
Municpio de So Paulo (2000) IBGE Fundao Seade .......................................................... 34
Quadro 3: Grupos de fatores definidos da amostra SP2012 e perfis sociolingusticos dos
informantes. ................................................................................................................................ 40
Quadro 4: Quadro de perfis paulistanos (12 ............................................................................... 41
Quadro 5: Perfis dos informantes alagoanos e paulistanos usados nessa pesquisa .................. 48
Quadro 6: Codificao inicial dos fatores do grupo Classe gramatical do elemento no nuclear
..................................................................................................................................................... 55
8
Lista de Figuras
Figura 1: Diviso da cidade de So Paulo em Centro Velho, Centro Expandido e Periferia. ...... 33
Figura 2 Populao adulta (30-60 anos) na Regio Metropolitana de So Paulo. ...................... 37
Figura 3: Percentuais de CN- para paulistanos e alagoanos em SNs simples e complexos, e
predicativos. ................................................................................................................................ 64
Figura 4: CN- e Faixa Etria para alagoanos e paulistanos (P.R.).............................................. 68
Figura 5: CN- e Faixa Etria em duas pesquisas com amostras paulistanas ............................. 69
Figura 6: CN- e escolaridade para alagoanos e paulistanos ..................................................... 70
Figura 7: CN- sexo/gnero entre paulistanos e alagoanos ....................................................... 72
Figura 8: pesos para CN- de acordo com a formao do plural ............................................... 75
Figura 9: CN- e classe de palavra do elemento no nuclear .................................................... 77
Figura 10: CN- e nmero de slabas do elemento nuclear (para alagoanos) ........................... 81
Figura 11 CN- no Cruzamento entre Sexo/Gnero e Faixa etria para Alagoanos ............... 82
Figura 12 CN- no Cruzamento entre Sexo/Gnero e Faixa etria para paulistanos .............. 82
Figura 13: Cruzamento entre Sexo/Gnero e Escolaridade para Alagoanos .............................. 84
Figura 14: Cruzamento entre Sexo/Gnero e Escolaridade para paulistanos ............................ 84
Figura 15: CN- no Cruzamento entre Faixa etria e Escolaridade para Alagoanos .................. 85
Figura 16: CN- no Cruzamento entre Faixa etria e Escolaridade para Paulistanos ................ 86
9
Sumrio
AGRADECIMENTOS ................................................................................................................. 3
RESUMO ..................................................................................................................................... 4
ABSTRACT ................................................................................................................................. 5
LISTA DE TABELAS ................................................................................................................. 6
LISTA DE QUADROS ............................................................................................................... 7
LISTA DE FIGURAS .................................................................................................................. 8
INTRODUO ........................................................................................................................ 10
CAPTULO 1 - SOCIOLINGUSTICA VARIACIONISTA E OS ESTUDOS DE
CONCORDNCIA NOMINAL ............................................................................................... 14
1.1. A teoria da Variao e Mudana.............................................................................................. 14
1.2. A concordncia nominal como varivel ................................................................................... 15
CAPTULO 2 AS AMOSTRAS DE FALA EM SO PAULO .......................................... 30
2.1. So Paulo ................................................................................................................................ 32
2.1.1. As imigraes na cidade ...................................................................................................... 36
2.2. O Projeto SP2010 .................................................................................................................... 39
CAPTULO 3 - A VARIVEL E OS GRUPOS DE FATORES........................................... 49
3.1. Grupos de fatores sociais ........................................................................................................ 51
CAPTULO 4. RESULTADOS ............................................................................................... 63
CONCLUSO ........................................................................................................................... 87
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ..................................................................................... 91
ANEXO: ROTEIRO DAS ENTREVISTAS ........................................................................... 95
10
Introduo
O portugus paulistano uma variedade ainda pouco investigada (Mendes,
2009; Oushiro, 2010). Apesar de significativas empreitadas como o Projeto NURC-SP
(Castilho & Preti, 1986, 1987; Preti & Urbano, 1988, 1990), o Projeto Gramtica do
Portugus Falado (Castilho, 1990; Castilho et al., 2006; Ilari, 2008) e, mais
recentemente, o Projeto SP2010 Construo de uma amostra da fala paulistana
(Mendes, 2012), pode-se dizer, de acordo com Oushiro (2010), que h um grande
nmero de trabalhos realizados com base no portugus paulistano, mas pouqussimos
sobre o portugus paulistano. Em outras palavras: h um grande nmero de trabalhos
que se valem de dados do portugus paulistano, muitas vezes em estudos
comparativos com o portugus europeu, mas pouqussimos trabalhos que analisam e
descrevem sociolinguisticamente a variedade falada na cidade de So Paulo.
Especificamente sobre o falar paulistano, vem ao caso estudar usos lingusticos
(aqui entendidos como inerentemente variveis- (Labov, 1972 [2008])) salientes na
comunidade, tais como a pronncia do /-r/ em coda silbica (Oushiro, 2010), a
concordncia nominal (Oushiro, indito) e outras. Entretanto, se por um lado ainda so
pouco numerosos os estudos dessa natureza, por outro nem sequer h notcias de
trabalhos que incluam a possvel convivncia, em razo de imigraes, de variedades
lingusticas dentro da cidade.
No intuito de contribuir para a ampliao dos estudos sociolingusticos e a
descrio do portugus falado na capital paulista, este trabalho analisa, de acordo com
as premissas terico-metodolgicas da Sociolingustica Variacionista (Labov 1972
[2008]), como se d a Concordncia Nominal (CN) de nmero em sintagmas nominais
de dois elementos (algumas vezes aqui referidos como SNs simples, relativamente
queles que tm trs ou mais elementos). As ocorrncias de SNs plurais foram
extradas de 24 entrevistas sociolingusticas com paulistanos e 24 com alagoanos. Nos
dados, o primeiro elemento dos SNs categoricamente marcado com plural, enquanto
que a marcao no segundo varivel (como em aS menina e aqueleS mooS)
11
A Gramtica Normativa prescreve que todos os elementos do SN plural, assim
como um nome e um sintagma predicativo, devem concordar em gnero e nmero (cf.
Bechara, 1999; Cunha, 1971; Cunha & Cintra, 1985; Sacconi, 2004). Entretanto, so
inmeros os trabalhos que j evidenciaram e descreveram o fato de que a
concordncia nominal de nmero se realiza variavelmente em toda a comunidade
brasileira, verificando-se diferenas relativas a frequncias, mas nem sempre com
relao aos contextos que favorecem a no realizao da concordncia (CN-) (Braga,
1977; Scherre, 1988, 1996; Lobato, 1994; Dias, 1996; Scherre e Naro, 1998; Antonino,
2007; Lucchesi, 2008; Salomo, 2010, Fiamengui, 2011 e Oushiro (indito)).
Alguns resultados tm sido recorrentes em diferentes variedades do portugus
brasileiro em que a varivel foi estudada. A posio dos elementos dentro do sintagma
nominal (um grupo de fatores especialmente importante na anlise de SNs plurais com
mais de dois elementos), a classe gramatical e o cruzamento entre esses dois grupos
de fatores sempre se mostram relacionados com a varivel. Em geral, os
determinantes (sobretudo artigos) so os que mais frequentemente carregam a marca
de plural (Scherre 1988, Santos 2010, Brando & Vieira 2012). A Formao do plural
(regular, com acrscimo de -s, ou irregular, com -is, es etc.) tambm se revela como
um grupo de fatores significativo nas anlises, podendo variar de comunidade para
comunidade (Scherre 1988, Fiamengui 2010) ainda que, no geral, a no realizao da
concordncia (CN-) seja favorecida nos casos de plural regular.
Alm destes e de outros fatores de natureza lingustica, a realizao varivel da
CN sensvel a fatores sociais. O nvel de escolaridade do informante apresenta-se
como um dos fatores que mais favorecem a CN-: quanto menor o nvel de
escolaridade do informante, maior a tendncia de que ocorra esta variante. A faixa
etria dos informantes tambm tem sido verificada como significativa nos trabalhos,
em geral com desfavorecimento de CN- entre falantes da faixa intermediria (34 59
anos em mdia) - embora em algumas comunidades esses resultados possam ser
diferentes (Naro & Scherre 1991, Scherre & Naro 2006). Para sexo/gnero uma das
variveis mais replicadas nos estudos sociolingusticos as mulheres tendem a ser as
mais conservadoras, enquanto os homens tendem a favorecer CN-, embora nem
12
sempre este fator seja selecionado como estatisticamente relevante no
funcionamento social dessa varivel (Salomo, 2010).
Dessa forma, so muitos os trabalhos que mostram como a concordncia de
nmero no SN em portugus brasileiro um caso de variao socialmente marcada,
em que pesam a identidade social do falante (Fiamengui, 2011), em termos de baixos
nveis de escolaridade e de informalidade na situao de fala (Scherre, 1988, 1996,
Santos, 2012). Em So Paulo, interessa comparar a realizao da CN na fala de
alagoanos (que migraram para a cidade) e paulistanos (aqueles que nasceram e foram
criados nela), a fim de verificar se:
(i) os fatores sociais e lingusticos que favorecem a ocorrncia de CN- so os mesmos
nos dois subgrupos;
(ii) essa varivel estvel ou se h indicativo de mudana em progresso (Labov, 1972:
[2008]) nos dados extrados das amostras de fala dos dois grupos;
(iii) em ambos os subgrupos CN- de fato a variante favorecida entre as pessoas com
menor grau de escolaridade;
(iv) paulistanos e alagoanos constituem uma mesma comunidade de fala na cidade de
So Paulo, no que diz respeito varivel CN.
As 24 entrevistas sociolingusticas com paulistanos foram selecionadas dentre
aquelas gravadas e transcritas pelo Grupo de Estudos Sociolingusticos da USP (GESOL),
na execuo do Projeto SP2010 Construo de amostra de fala paulistana1
(Mendes, 2012). Essas entrevistas foram estratificadas de acordo com trs variveis
sociais: sexo/gnero (masculino e feminino), faixa etria (20 a 34, 35 a 59 e mais de 60
anos de idade) e escolaridade (Fundamental e Mdio). Para cada um dos doze perfis
sociolingusticos que esses fatores geram, o grupo gravou cinco informantes, de modo
que o corpus totaliza 60 entrevistas, que podem ser acessadas na Internet2. J as 24
entrevistas com alagoanos que residem na cidade de So Paulo foram gravadas e
1 Proc. FAPESP n. 2011/09278-6 (pesquisador responsvel: Prof. Dr. Ronald Beline Mendes)
2 Site: http://projetosp2010.fflch.usp.br/ (ltimo acesso em 30/07/2014).
http://projetosp2010.fflch.usp.br/
13
transcritas especificamente para o desenvolvimento do presente trabalho, de acordo
com os mesmo perfis e orientaes gerais do Projeto SP2010.
Esta dissertao est estruturada em quatro captulos. No primeiro,
desenvolve-se uma sntese dos trabalhos realizados por Labov (1972[2008],1966
[2006]) que fornecem os fundamentos para a pesquisa sociolingustica, bem como dos
estudos sobre a concordncia nominal que serviram de referncia para o
desenvolvimento do presente. No captulo 2, descreve-se como foram construdas as
amostras paulistana e alagoana, assim como caracterizam-se os dois grupos
sociolinguisticamente. No captulo 3, so delineadas as hipteses que se aventaram
acerca da realizao da CN, sob a forma de grupos de fatores. Finalmente, o captulo 4
traz os resultados das anlises quantitativas dos dados, com foco nos grupos de fatores
(sociais e lingusticos) estatisticamente significativos no funcionamento da varivel
sempre numa comparao entre alagoanos e paulistanos. Verifica-se que os dois
grupos apresentam baixas frequncias de CN-, mas que ela um pouco maior entre
paulistanos (afirmao possvel graas comparabilidade entre as duas subamostras).
A variao na realizao da CN revela-se correlacionada, em ambos os grupos, aos
fatores sociais: escolaridade, sexo/gnero e faixa etria. Entre os fatores lingusticos,
destacam-se a classe gramatical do elemento esquerda do SN, a formao (regular
ou irregular) do plural no elemento direita. O nmero de slabas do elemento nuclear
um grupo de fatores que foi selecionado apenas entre os alagoanos. No geral, esse
estudo comparativo permite dizer que alagoanos e paulistanos mais se assemelham do
que se diferenciam, no que diz respeito ao favorecimento de CN-.
14
Captulo 1 - Sociolingustica Variacionista e os
estudos de concordncia nominal
1.1. A teoria da Variao e Mudana
A lngua/linguagem como um fato social foi algo proposto pela primeira vez por
Saussure (1916 [2000]) em seu curso de lingustica Geral. No entanto, o interesse
sincrnico pela estrutura lingustica, em que o valor da oposio entre unidades se
firmou como um dos conceitos centrais contribuiu para que, na prtica, a anlise de
sistemas lingusticos (ou seja, a anlise estrutural de lnguas diferentes) tivesse lugar
privilegiado, relativamente ao estudo de diferenciaes intralingusticas em correlao
a fatos de natureza social (ou extralingustica).
Embora a lingustica descritiva americana, a partir da dcada de 20, j
apresentasse interesse pela diversidade (intra)lingustica dentro de uma comunidade
de falantes, os estudos com foco na variao e mudana da lngua (do modo como so
ainda hoje desenvolvidos) surgem na dcada de 1960, com Labov, Weinreich & Herzog
(1968 [2006]) que sistematizaram um conjunto de interesses terico-metodolgicos
sobre o estudo da mudana lingustica com base na variao nos usos. Segundo os
autores, a variao est sujeita a presses internas, emanadas do prprio sistema
lingustico, mas tambm a presses externas, oriundas do contexto social no qual os
falantes esto inseridos. Nas palavras dos autores:
(...) encontramos razes convincentes para modificar essa posio nos fatos confirmados de que os desvios de um sistema homogneo no so todos eles erros aleatrios de desempenho, mas so num alto grau codificados e parte de uma descrio realista da competncia de um membro de uma comunidade de fala. (Weinreich, Labov, Herzog, 1968 [2006]:60)
A nova vertente de estudos lingusticos, que se tornaria conhecida como
Sociolingustica, passa ento a estudar a lngua em seu uso efetivo, baseando-se no
fato de que a variao inerente a qualquer manifestao lingustica e passvel de ser
analisada e sistematizada como heterogeneidade estruturada. Weinreich, Labov e
15
Herzog tinham por objetivo um novo modelo de lngua, que acomodasse os fatos do
uso varivel e seus determinantes sociais e estilsticos (1968*2006+:34).
Esse modelo terico-metodolgico de certa forma rompia com as correntes
estruturalista e gerativista, na medida em que permitia (seno, pedia) uma nova
abordagem para os estudos lingusticos, que se pautasse pelo princpio de que os
sistemas so por definio heterogneos e sujeitos a presses sociais de modo que
na heterogeneidade (e no na homogeneidade) que se deve buscar entender a
estrutura e o funcionamento da lngua.
Dessa forma, desde seus estudos seminais em Marthas Vineyard (1972 [2008])
e Nova Iorque, Labov (1966 [2006], 1972 [2008]) mostrou que as variantes das
variveis lingusticas so empregadas com significao social e que o funcionamento
dos sistemas lingusticos deve ser estudado a partir dessa premissa.
A Sociolingustica laboviana busca, ento, descrever e analisar os mecanismos
relacionados aos processos de variao e mudana, considerando que os fatores
lingusticos (internos lngua) e os sociais (sexo/gnero, escolaridade, faixa etria,
nvel social, situao de comunicao etc.) podem influenciar a escolha3 de uma ou
outra variante, mostrando que a lngua regulada por um conjunto de regras variveis
e no categricas.
1.2. A concordncia nominal como varivel
De acordo com a prescrio gramatical do portugus brasileiro (Bechara, 1999;
Cunha, 1971; Cunha e Cintra, 1985; Sacconi, 2004), a concordncia nominal (CN)
obrigatria, ou seja, se no plural, todos os elementos do sintagma nominal (SN) devem
ter a marca de plural, bem como os predicativos a ele ligados. Traduzindo a tradio
gramatical, Scherre afirma:
Na concordncia dentro do SN, colocam-se marcas explcitas de plural em todos os seus elementos flexionveis quando o ncleo do sintagma for formalmente plural; na concordncia do predicativo com o sujeito, repetem-se as marcas formais de plural em
3 No necessariamente consciente.
16
todos os elementos flexionveis dos predicativos quando o sujeito for formalmente plural... (Scherre, 1977:182)
Entretanto, o fato que, nos usos, essa marcao no categoricamente
realizada. Por isso, nos estudos sociolingusticos, a CN no SN tratada como uma regra
varivel. Como tal, a realizao da CN influenciada por fatores sociais e lingusticos.
Entre os primeiros, anlises variacionistas tm mostrado que a ausncia de
concordncia nominal est comumente relacionada a nveis de escolaridade mais
baixos e informalidade da situao de comunicao. Linguisticamente, destacam-se a
posio linear que o elemento ocupa no SN e a classe gramatical de seus elementos.
Braga (1977)
Um dos primeiros trabalhos sobre concordncia nominal como varivel no PB
foi desenvolvido por Braga (1977), que analisou a fala de sete moradores do Tringulo
Mineiro (15 a 20 anos de idade) pertencentes s classes mdia e baixa, com
escolarizao correspondente aos atuais nveis Fundamental e Mdio (incompleto). A
autora aventou hipteses lingusticas que organizou nas seguintes variveis: (i)
presena e ausncia de flexo no elemento anterior ao termo considerado; (ii) natureza
fonolgica do contexto seguinte; (iii) posio que o elemento ocupa no SN e (iv) grau de
salincia fnica entre as formas singular e plural. As variveis sociais includas na
anlise foram: grau de formalidade da entrevista e classe social do falante.
Os resultados relativos influncia desses fatores na no realizao da
concordncia indicam que so maiores as chances de um elemento do sintagma no
receber a marca de plural quando o elemento anterior tambm no possui tal marca
(considerando-se sintagmas nominais com mais de dois elementos)
Sobre a posio que elemento ocupa no SN, Braga (1977) conclui que os
falantes da classe baixa e mdia apresentam uma probabilidade mais elevada na
aplicao da regra (concordncia nominal realizada) de presena de concordncia
nominal na primeira posio, com um declnio progressivo na segunda, terceira, quarta
e quinta posies.
Quanto ao contexto fonolgico, Braga (1977) recomenda considerar a natureza
fonolgica do contexto imediatamente anterior ao /-s/ e a posio da slaba tnica no
elemento considerado.
17
J quanto ao grupo grau de formalidade, no se observou sua influncia entre
os falantes da classe baixa, mas sim entre aqueles de classe mdia. Segundo Braga
(1977), os falantes da classe mdia apresentam desempenho lingustico que se
aproxima mais da norma de prestgio do que os falantes da classe social baixa.
Poplack (1980)
Os processos de supresso do morfema plural em elementos do SN ocorrem
tambm no espanhol latino americano. Poplack (1980) analisou 6.349 dados extrados
de 24 entrevistas sociolingusticas com pessoas da classe trabalhadora acima de 21
anos de idade, falantes do espanhol porto-riquenho e no falantes do ingls no norte
da Filadlfia. Suas anlises levaram concluso de que a presena de marca de plural
no segmento anterior favorece a reteno de marca no elemento em questo. Assim
como nos resultados de Braga (1977), a noo de pluralidade est associada cadeia
de marcas que existem em elementos precedentes, ou por meio de algum outro
mecanismo, como por exemplo, um SN anterior. Assim como mostrou Braga (1977),
significativa a contribuio do fator posio para a tendncia de supresso da marca
do plural no elemento que sucede um outro sem marca. Os exemplos (1) e (2),
extrados das subamostras paulistana e alagoana organizadas para o presente
trabalho, ilustram esse fato:
(1) Estar prxima DOS MEUS FILHOS...pra mim... a melhor coisa desse mundo (SP-F63S)4
(2) Ah...era divertido... NAS FESTA JUNINA a gente fazia fogueira l no stio... (AL-M60M)
Segundo as anlises de Poplack (1980), um SN do tipo deste sublinhado em (1),
com uma sequncia em que h marcas na primeira e segunda posio, bem baixa a
taxa de ausncia de plural no terceiro elemento. J em (2), no sintagma tem-se marca
4 Nos exemplos, D1 e S1 se referem, respectivamente, a Documentador (a) e Sujeito Informante. Os
cdigos entre parnteses, logo aps os exemplos, indicam o perfil do informante: naturalidade do
informante (SP paulistano ou AL alagoano); sexo/gnero (M masculino ou F feminino); a faixa
etria (1: entre 20 e 35 anos; 2: 36-59; e 3: 60 anos ou mais); a escolaridade (M para aqueles que
estudaram at o Ensino Mdio e S para aqueles que estudaram at o ensino superior).
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de plural no primeiro constituinte, mas no no segundo - o que aumenta as chances de
que tambm no haja no terceiro. Apenas para o determinante, o primeiro elemento
do sintagma, o efeito de supresso baixssimo: na maioria das vezes em que no se
observa concordncia, o primeiro constituinte o nico com a marca /-s/. Neste
sentido, Poplack (1980) defende ser esta uma semelhana do espanhol (falado poca
na Filadlfia) com o portugus brasileiro. Este efeito denominado por paralelismo
formal foi posteriormente testado para o portugus brasileiro por Scherre (1988).
O estudo de Poplack (1980) fornece ainda outras consideraes importantes,
relacionadas ao efeito dos fatores gramaticais e dos fatores fonolgicos na realizao
da concordncia nominal. No que diz respeito s classes de palavras, constata que na
posio no nuclear esquerda do SN, um adjetivo favorece a no realizao da
concordncia, enquanto que um artigo a favorece. J com relao aos fatores
fonolgicos, constata que uma pausa seguinte ao SN plural favorece CN-, do mesmo
modo que tonicidade fraca na slaba seguinte.
Pode-se considerar que a concluso mais relevante do trabalho feito por
Poplack (1980) a de que, enquanto o espanhol da Filadlfia (elimina a redundncia
da estrutura superficial da sentena), ela organiza o seu sistema de marcao de
plural. Na variedade falada, o espanhol analisado parece necessitar apenas que o
plural seja marcado em algum constituinte do sintagma, diferentemente do que
prescreve a gramtica normativa.
Na presente pesquisa, com base na fala paulistana e alagoana, o grupo de
fatores posio e marcas precedentes no sero testadas. Ao serem extradas todas as
ocorrncias de sintagma nominal das duas amostras, constatou-se que a quantidade
de SNs simples (dois elementos) ocorrem em mdia cinco vezes mais do que os SNs
mais complexos (trs elementos ou mais). Como o interesse maior dessa pesquisa
reside na comparao entre os dois grupos de falantes, optou-se por no analisar os
SNs com mais de dois elementos. Por outro lado, Oushiro (indito), que tambm
trabalha com essa varivel numa amostra paulistana mais abrangente, apresenta
anlises que incluem tambm os SN complexos). No presente trabalho, verifica-se que,
nos SNs simples, a primeira posio categoricamente marcada com plural,
diferentemente da segunda. Embora no se trabalhe com os dois grupos de fatores
acima mencionados, faz-se necessrio apresentar resultados j obtidos sobre ele, pois
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alm de se mostrar muito significativo para a CN- , est diretamente relacionado com
o grupo de fator Classe de palavras do elemento no nuclear, que se inclui nas anlises
da varivel entre alagoanos e paulistanos.
Scherre (1988 e 1996)
Scherre (1988) analisa o efeito da varivel paralelismo formal e verifica que a
presena de marca de plural num determinado elemento do SN favorecida pela
presena de tal marca nos elementos anteriores. No mesmo sentido, a presena de
pelo menos uma marca precedente no sucedida por zero (ou seja, ausncia de marca
de plural) favorece a presena de marca no elemento seguinte, com percentual um
pouco menor do que quando h duas ou trs marcas antecedendo o elemento em
questo. J a presena de zero num elemento precedente leva quase categoricamente
ao zero no constituinte seguinte.
Scherre (1996) discorda da correlao sugerida por Guy (1981) - de que h uma
equivalncia entre os fatores classe de palavra e posio do elemento no SN - e
desenvolve uma abordagem que considera trs grupos de fatores lingusticos (posio
linear, classe gramatical, marcas precedentes). A partir de 11.086 dados, extrados de
48 entrevistas sociolingusticas do Corpus Senso5, procura verificar todas as inter-
relaes entre eles e os transforma em dois fatores: (1) relao entre elementos
nucleares e no nucleares e posio linear dos elementos nucleares do SN e (2) marcas
precedentes em funo da posio.
Com o objetivo de explicar para o efeito do fator classe gramatical (Guy, 1981)
em funo do fator posio, Scherre (1996) apresenta uma tabela com a distribuio
dos dados, a fim de embasar sua discordncia com Guy (1981):
5 Corpus Censo do Programa de Estudos sobre o Uso da Lngua (PEUL), vinculado ao Departamento de
Lingustica e Filologia da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Esse
banco de dados constitudo por 64 gravaes de 60 minutos cada com informantes estratificados em
funo dos anos de escolarizao (de 1 a 4 anos, de 5 a 8 anos; e de 9 a 11 anos), da faixa etria (7/l4
anos; 15/26; 26/49 e acima de 49 anos), e do sexo (feminino e masculino). (cf. SCHERRE, 1996).
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Tabela 1 Distribuio dos dados dos falantes adultos em funo da classe gramatical e da
posio dos elementos no SN (transcrita de Scherre, 1996)
Classe
Posio
Total Primeira Segunda Terceira
Substantivos 153/161 = 95%
Ex.: Problemas assim
maiores
2.777/5.196 = 53%
Ex.: Essas carne
congelada
317/514 = 62%
Ex.: das otas famlias
3247/5871
Categoria
substantivada
No ocorre 60/93% = 65%
Ex.: trabalha uma,
as outras fica
16/23 = 70%
Ex. as coisas boas e
as ruins
76/116
Pronome pessoal
3 pessoa
12/12 = 100%
Ex. delas todas
27/33 = 82%
Ex. de todos eles
Xxxx
Ex. todos ele
39/45
Adjetivo 47/48 = 98%
Ex.: novas escolas
125/163 = 77%
Ex.: as boas aes
125/307 = 41%
Ex: uma coisinha
bonitinha
297/518
Quantificador 133/133 = 100%
Ex.: todos os anos
3/7 = 43%
Ex.: eles todo
22/108 = 20%
Ex.: aquelas cruzinha
toda
158/248
Possessivo 184/184 = 100%
Ex.: suas tias
130/135 = 96%
Ex.: nos meus filhos
2/12 = 17%
Ex.: uns colega meu
316/331
Demais classes
no nucleares
3701/3802 = 97% 141/151 = 93% 3/4 = 75% 3845/3953
Total 4230/4340 = 97% 3263/5778 = 56% 485/968 = 50% 7978/11086
A autora mostra que a terceira posio dos SNs no ocupada apenas por
adjetivos (31% so adjetivos e 53% so substantivos), e que 30% dos adjetivos
aparecem na segunda posio, percentual significativamente alto para ser ignorado; os
substantivos tm maior probabilidade de serem marcados na terceira posio (62%),
ao contrrio dos adjetivos que se apresentam mais marcados na segunda (77%); e, por
fim, os possessivos e demais elementos no nucleares tambm ocorrem na segunda
posio com considerveis ndices de marcas (97% e 93%). Alm disso, verifica-se
ainda que qualquer que seja a classe gramatical que ocupe a primeira posio, esta
tende a ser muito marcada.
Logo, a autora verifica que tomar classe por posio ou posio por classe leva
a encobrir regularidades lingusticas importantes. A partir dessa argumentao, ela
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introduz uma nova abordagem analtica que contempla a relao entre essas duas
variveis, uma vez que: (i) as classes gramaticais no nucleares que ocorrem na
primeira posio so todas antepostas ao ncleo do SN; (ii) as classes gramaticais da
segunda posio so predominantemente antepostas ao ncleo do SN; e (iii) as classes
no nucleares da terceira posio so predominantemente pospostas ao ncleo do SN.
Para essa anlise, a autora apresenta uma tabela com as classes no nucleares
distribudas em funo da posio linear que ocupam no SN em funo da relao de
anteposio ou posio de ncleo do SN.
Tabela 2 Distribuio das classes gramaticais no-nucleares em funo da posio e relao com o ncleo. Scherre (1996:51)
CLASSE E POSIO Anteposto Posposto
Adjetivo na 1 posio (novas escolas)
47/47 = 98% No ocorre
Adjetivo na 2 posio (as boas aes/coisas lindas)
36/39 = 92% 89/124 = 72%
Adjetivo na 3 posio (uma casinha bonitinha)
No ocorre 127/307 = 40%
Quantificador na 1 posio (todos os anos)
133/133 = 100% No ocorre
Quantificar na 2 posio (eles todo)
No ocorre 3/7 = 43%
Quantificador na 3 posio (aquelas cruzinha toda)
No ocorre 22/108 = 20%
Possessivo na 1 posio (suas tias)
184/184 = 100% No ocorre
Possessivo na 2 posio (os meus filhos/colegas minhas)
127/130 = 98% 3/7= 43%
Possessivo na 3 pessoa (uns colegas meu)
No ocorre 2/12 = 17%
Demais elementos no-nucleares 1 posio (alguns meses/determinados pontos)
3791/3802 = 97% No ocorre
Demais elementos no-nucleares 2 posio (todos os anos/eles mesmo)
141/148 = 95% 0/3 = 0%
Demais elementos no-nucleares 3 posio (do meus prprios filhos)
1/1 = 100% 2/3 = 66%
De acordo com seus resultados, relativamente s classes no nucleares foi
possvel observar que todos os elementos que antecedem o ncleo do SN so
marcados e que todos os elementos pospostos ao ncleo do SN so menos marcados.
22
Scherre (1996) considera ainda que a relao entre classe gramatical e posio,
relativamente aos elementos no nucleares, deve ser vista por meio de sua
distribuio em torno do ncleo, sem que importe tanto nem a classe nem a posio,
mas sim a distribuio da classe no nuclear em relao ao centro do SN.
Segundo a autora, revela-se importante uma segunda questo: a posio linear
mostra-se significativa somente com relao aos elementos no nucleares do SN; tal
constatao interessante na medida em que: as categorias substantivadas
comportam-se da mesma forma que os substantivos, sendo mais marcados na terceira
do que na segunda posio; e pronomes pessoais evidenciam maior nmero de marcas
na primeira do que na segunda posio, embora apresentem porcentagem mais alta
do que os substantivos. A autora prope, ento, unir os dois grupos de fatores em
apenas um, que denomina Relao entre os elementos do SN:
1 as classes no nucleares antepostas apresentam mais marcas do que as
pospostas; no o adjetivo que pouco marcado, mas sim o adjetivo posposto;
no o quantificador que muito marcado, mas o quantificador anteposto,
justificando-se que no correto afirmar que sempre a primeira posio do SN
mais marcada que as demais.
2 Os elementos no nucleares no so igualmente marcados em todas as
posies, j que primeira e a terceira posio so sempre mais marcadas do que
a segunda, refutando-se concluses de que a classe dos substantivos uma das
menos marcadas.
Scherre (1996) retoma os fatores marcas precedentes e posio linear,
estudados tanto no PB quanto no espanhol, com o objetivo de mostrar que ambas as
lnguas apresentam mais semelhanas do que diferenas. Ao analisar esses fatores
para o PB, a autora constata que no foram analisados adequadamente, indicando que
os autores no discutiram os resultados obtidos. Ela dividiu marcas precedentes em
nove fatores e os exemplos por ela apresentados esto destacados abaixo, nos quais o
elemento em foco encontra-se sublinhado e o contexto precedente apresenta-se
grafado com letras maisculas:
- o fator ausncia refere-se ausncia de qualquer constituinte do SN precedendo o
elemento da primeira posio (os fregueses, do meus tio).
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- zero formal na primeira posio (dO meus tios; FILHOTINHO novos; TANTA
gargalhadas).
- numerais da primeira posio - (TRS captulos; NOVE ncleos formados; DEZ sinhoras
l sentada; DOIS risco verde).
presena de marca formal na primeira posio - (OS fregueses; UNS troo; OS meus
quatro filhos; AS perna toda marcada; NOTAS melhores).
ncleo semntico e presena de marca formal engloba casos como: (a) de ncleo
nominal mais alto com marca formal de plural (MILHES de coisas); e (b) os casos de
ncleo nominal, com ou sem marca formal de plural, acompanhado de marca no
primeiro elemento do SN em anlise (UM GRUPO DE CRIANAS abandonadas; UMA
SRIE DE OUTRAS coisas).
ncleo semntico e ausncia de marca formal apresenta (a) as ocorrncias de
ncleo nominal mais alto sem marca formal de plural (UMA PORO DE carro; UM
GRUPO DE crianas abandonadas); e (b) as ocorrncias de ncleo nominal sem marca
formal de plural seguido de ausncia de marca no primeiro elemento do SN sob anlise
(UMA PORO DE COISA interessante).
- presena de marcas formais a partir da primeira posio envolve a presena de
duas ou mais marcas formais de plural precedendo o segmento analisado na terceira,
quarta ou quinta posio (AS MAIORES privaes; AS PARTIDAS TODAS iguais).
mistura de marcas engloba todos os casos de presena de pelo menos uma marca
formal de plural precedendo o elemento nominal analisado, no mediada por zero em
elemento que admite marca (dO MEUS tios; NOVE NCLEOS formados ), os demais
casos deste fator (DEZ SINHORAS L sentada; AQUELAS PESSOAS ASSIM BEM
esquisitinha) seguem o mesmo princpio.
zero formal a partir da primeira posio pode ser caracterizado nos seguintes
termos: entre a ltima marca formal e o elemento analisado tem de haver,
necessariamente, um zero em elemento que admite marca, mesmo que mediado por
um numeral ou por um modificador (UMAS BORRACHA grande; DOIS RISCO verde; AS
PERNA TODA marcada; AS CASA MAIS antiga).
As anlises com esses fatores, com exceo de ausncia fora do SN e zero na
primeira posio, que respectivamente favorecem marcao do plural na primeira e na
segunda posio, levam constatao recorrente de que: marcas levam a marcas e
24
zeros levam a zeros (Scherre, 1989). O ncleo semntico formalmente marcado
(MILHARES DE coisas) ou seguido de marca formal (UMA SRIE DE OUTRAS coisas e
UMA PORO DE CRIANAS abandonadas) favorece a insero de marca de plural no
segmento analisado (peso .74); com o ncleo semntico formalmente sem marca de
plural (UMA PORO DE coisa) ou seguido de um elemento tambm sem tal marca
(UMA PORO DE PEIXINHO colorido) favorece o zero no elemento seguinte (.41).
Dessa forma, segundo Scherre (1989), no so necessrias explicaes ad hoc.
A autora finalmente conclui que o fator posio isolado dos fatores marcas
precedentes e da classe gramatical no d conta de explicar a variao na
concordncia de nmero, na sua totalidade. Reitera, assim, sua hiptese de que a
melhor anlise para esse fenmeno a que considera esses trs fatores agrupados em
dois: 1) marcas precedentes em funo da posio; e 2) relao entre elementos
nucleares e no nucleares e posio dos elementos nucleares dentro do SN.
Carvalho (1997)
Carvalho (1997) analisou a concordncia de nmero no SN (simples e
complexos) no portugus falado na rea urbana de Rio Branco (Acre). Alm de verificar
o fenmeno como varivel, buscou demonstrar se os contextos lingusticos e sociais
correlacionados a ela so os mesmos para aquela comunidade, se comparados com os
trabalhos sobre CN no Brasil. Para isso, a autora testou os grupos de fatores: posio
do elemento do SN, classe gramatical, marcas precedentes, contexto fnico seguinte,
salincia fnica (tonicidade e nmero de slabas), sexo, grau de escolarizao e grau de
formalidade do discurso. Sua amostra composta de 24 informantes, sendo 12
homens e 12 mulheres, com idade entre 20 e 30 anos.
Seus resultados mostram que, para salincia fnica, os itens mais salientes so
mais marcados com plural do que os menos salientes. Quanto tonicidade, a autora
conclui que no se trata de um grupo de fatores explanatrio, j que seus resultados
apresentam discrepncia entre os percentuais e os pesos relativos (segundo ela,
devido m distribuio dos dados). A hiptese acerca do nmero de slabas do item
lexical singular (itens lexicais com mais de duas slabas tm mais chance de receber
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marca de plural do que os disslabos e monosslabos) confirma-se. A autora verifica
que o princpio da salincia fnica atua mais fortemente sobre a concordncia do que
processos morfolgicos de formao de plural.
Carvalho (1997) afirma, assim como Scherre (1988, 1996), que as variveis
posio, classe gramatical e marcas precedentes apresentam-se muito inter-
relacionadas; assim Classe gramatical, relacionado posio dos elementos no SN,
demonstra que os determinantes so mais marcados nas duas posies e a
comparao entre substantivos e adjetivos revela que os primeiros so mais marcados
com plural do que os segundos, nas duas posies.
Com relao s variveis sociais, a autora verificou que o grau de escolarizao,
est intrinsicamente ligado ao fenmeno varivel, numa correlao que se repete nos
trabalhos - quanto maior o nvel de escolaridade do informante, menor a tendncia
de no realizao da concordncia. Quanto ao sexo, os dados no confirmam a
hiptese de que as mulheres mais sensveis ao prestgio, uma vez que so os homens
que menos deixam de realizar a concordncia. A autora afirma que tal resultado pode
estar relacionado ao engajamento dos homens de sua amostra no mercado
profissional.
Andrade (2003)
Entre os numerosos trabalhos sobre variao na concordncia nominal, h
tambm aqueles desenvolvidos na regio sul do Brasil, tais como Andrade (2003), que
analisou 24 entrevistas sociolingusticas gravadas em Tubaro, no Sul de Santa
Catarina, e em So Borja, no Rio Grande do Sul (12 informantes de cada cidade). As
entrevistas de So Borja fazem parte do Projeto VARSUL6 e as de Tubaro foram
cedidas pelo Procotextos/Amurel7.
Foram consideradas as variveis idade (entre 20 e 60), sexo (masculino e
feminino) e escolaridade (primrio, ginsio e colegial). Linguisticamente, os grupos
foram: posio do elemento no SN, Classe gramatical dos elementos do SN, relao
6 Projeto VARSUL - Variao Lingustica Urbana da Regio Sul (UFSC).
7 PROCOTEXTOS/AMUREL - Projeto de Coleta de Texto de Informantes da AMUREL.
26
desses elementos com o ncleo, marcas precedentes, processo morfolgico de
formao de plural, tonicidade dos elementos e graus dos substantivos e adjetivos.
O cruzamento entre posio linear e classe gramatical, assim com nos
trabalhos apresentados at aqui, possibilitou verificar que a primeira posio do SN
um fator que favorece a insero da marca de plural, o que j no acontece com as
demais posies, que tendem a desfavorecer a presena de marcas de plural no SN. No
entanto, Andrade (2003:107) evidencia uma diferena em relao a trabalhos
anteriores quando a segunda posio ocupada por artigos ou demonstrativos,
esta ir favorecer mais a aplicao da regra que a primeira posio ocupada por esta
mesma classe gramatical. Ou seja, na primeira posio, os substantivos favorecem
mais a aplicao da regra do que os prprios determinantes; j os adjetivos
desfavorecem a aplicao da regra em qualquer posio.
Assim como em outros trabalhos, plurais irregulares favorecem mais a aplicao
da regra (isto , a realizao da concordncia) do que os plurais regulares. Quanto
varivel marcas precedentes, a autora confirma a hiptese de Scherre (1988) de que
marcas levam a marcas e zeros levam a zeros. Os resultados do grupo de fatores
relao com o ncleo comprova que todos os elementos antepostos ao ncleo do SN
so muito mais marcados, enquanto os elementos pospostos so pouco marcados.
Em relao classe gramatical, quando substantivos aparecem na primeira
posio do SN, apresentam peso relativo maior para a no realizao da concordncia -
maior que os determinantes na primeira posio que a desfavorecem.
Dentre as variveis sociais, escolaridade levou a resultados semelhantes ao de
trabalhos anteriores. As mulheres deixam de realizar a concordncia relativamente
menos que os homens - na cidade de Tubaro (SC), mas no em So Borja (RS), onde
no se verifica diferenciao entre homens e mulheres. A idade dos informantes no
se revelou um grupo de fatores relevante.
Fiamengui (2011)
A variao na CN em SNs tambm foi estudada no interior paulista. Aqui,
destaca-se o trabalho de Fiamengui (2011), com foco na fala de adolescentes da regio
de So Jos do Rio Preto. Foram analisados 5.391 dados extrados de duas amostras:
27
640 redaes escolares obtidas a partir do projeto Desenvolvimento de Oficinas de
Leitura e Interpretao de Textos no Ensino Fundamental8 e 8 narrativas orais
integrantes do corpus Iboruna, constitudo no mbito do Projeto ALIP9.
Nesse estudo, foram considerados os seguintes fatores lingusticos: posio
linear e classe gramatical, processo morfolgico de formao de plural, tonicidade do
item lexical singular, nmero de slabas do item lexical singular, contexto
fontico/fonolgico seguinte, marcas precedentes ao elemento analisado, formalidade
dos substantivos e adjetivos.
J os fatores sociais foram: sexo (masculino e feminino), idade (10 a 15 anos),
escolaridade (5 a 8 sries do ensino fundamental). Para a anlise das redaes, foi
considerado ainda o grupo proposta de redao e para a comparao entre as duas
amostras incluiu-se o grupo modalidade (oral/escrita).
Os resultados de Fiamengui (2011) mostram que a modalidade escrita
desfavorece a no realizao da concordncia, relativamente oral. Considerando-se
aqui apenas os dados orais, o grupo posio linear e classe gramatical apresentou-se
como o mais significativo, sendo que o determinante (anteposto, na primeira posio
do SN) aquele em que a marca de plural mais presente, seguido pelo determinante
anteposto ao ncleo ocupando a segunda posio. Os adjetivos pospostos s
favorecem a marcao do plural quando so trisslabos a partir da terceira posio do
SN.
O grupo de fatores nmero de slabas do item lexical no confirma a hiptese
de que os itens com maior nmero de slabas so mais marcados com plural que os
demais. A autora considera que uma possvel explicao para esse resultado possa
estar na posio que o item ocupa no SN. O cruzamento entre os grupos posio linear
e classe gramatical e nmero de slabas mostra que a maior parte dos monosslabos
8 Projeto desenvolvido na Escola Estadual Professora Zulmira da Silva Sales, localizada na rea
residencial e perifrica da cidade de So Jos do Rio Preto, credenciado junto Pr-Reitoria de Extenso
da UNESP, da mesma cidade, e coordenado pelas Prof Dra. Luciani Ester e Prof Dra. Sanderlia
Roberta Longhin-Thomazi. 9 ALIP Amostra Lingustica do Interior Paulista Banco de Dados construdo entre 2004 e 2007 com a
amostra da fala de 152 informantes da regio de So Jos do Rio Preto, estratificados em sexo/gnero
(masculino e feminino), faixa etria (07 a 15 anos, 16 a 25 anos, 26 a 35 anos, 36 a 54 anos e mais de 55
anos), escolaridade (1 ciclo do ensino fundamental, 2 ciclo do ensino fundamental, ensino mdio e
ensino superior) e renda (mais de 25 sal. min., 11 a 24 sal. min., 6 a 10 sal.min. e at 5 sal. min.)
28
ocupa a primeira posio (substantivos ou categorias substantivadas), caso no qual a
marcao do plural desfavorecida.
O ltimo grupo selecionado entre os lingusticos foi marcas precedentes ao
elemento analisado. Os resultados permitem, mais uma vez, verificar a atuao do
paralelismo formal (marcas levam a marcas e zeros levam a zeros).
Dentre os grupos sociais, sexo/gnero foi o mais significativo, sendo que os
homens so mais conservadores, ou seja, tendem a deixar de realizar a concordncia
menos que as mulheres. Fiamengui justifica esse resultado pelo fato de que a maior
quantidade de dados oferecida por informantes de 14 anos, que na amostra
influenciam negativamente a marcao.
Os resultados para idade so interessantes, uma vez que os mais velhos entre
seus informantes (14 anos) desfavorecem a marcao de pluralidade. Essa
justamente a idade em que, segundo Labov (1974), o indivduo passa a dispor de maior
percepo social; segundo Fiamengui (2011:129), um dos motivos dessa recusa
pode estar numa relao conflituosa entre os valores incalculados pelo sistema escolar
com a adoo da norma prescritiva nas aulas e lngua portuguesa, e os valores
culturais que o adolescente herda de sua prpria comunidade, dentre os quais os
relacionados ao prprio vernculo.
Oushiro (indito)
Na capital paulista, Oushiro (indito) realiza uma pesquisa com dados de fala
paulistana, em uma amostra composta por 118 entrevistas sociolingusticas, com os
mesmos perfis dos paulistanos aqui analisados, em que analisa, entre outras variveis,
a concordncia nominal de nmero. A autora analisa tanto sintagmas simples como
sintagmas complexos, com os seguintes fatores: sexo/gnero, faixa etria,
escolaridade, regio de residncia, classe social, origem dos pais, mobilidade
geogrfica, processos morfofonolgicos de formao do plural, tonicidade do item
singular, posio relativa, classe morfolgica, contexto fnico seguinte e paralelismo
intrassintagmtico (somente para 3, 4 e 5 posies).
29
Dentre as variveis sociais, no so selecionadas como significativas para a
concordncia nominal a faixa etria do falante, a sua regio de residncia e a origem
dos pais. A Idade do falante, como varivel contnua, tampouco selecionada. Esses
resultados indicam que, no quadro geral, a concordncia nominal parece ser um caso
de variao estvel em So Paulo.
Dentre as variveis lingusticas posio linear e classe de palavras foram mais
significativas. Quanto ao paralelismo sinttico investigado por Scherre & Naro
(1992), Scherre (1998) e Scherre (2001) os resultados so similares: SNs precedidos
por outros SNs com concordncia parcial favorecem CN- (peso .70), e SNs precedidos
por SNs com concordncia plena a desfavorecem (peso 45); quando se trata do
primeiro SN de uma srie (neste estudo, a ausncia de SNs plurais nas cinco oraes
precedentes), a tendncia neutra, semelhante probabilidade geral da amostra.
A amostra analisada por Oushiro (indito) muito maior e mais abrangente do
que aquela que se analisa aqui (pensando-se nos paulistanos). Entretanto, o objetivo
do presente trabalho , conforme vem-se reiterando, comparar a realizao da CN na
fala de dois grupos de falantes que vivem na cidade de So Paulo. Nesse sentido,
ambos os dois trabalhos cooperam na descrio da fala paulistana. A reviso
bibliogrfica apresentada neste primeiro captulo fornece as bases para a formulao
de hipteses, na forma de grupos de fatores muitos dos quais so includos na
anlise comparativa que aqui se desenvolve.
30
Captulo 2 As amostras de fala em So Paulo
Desde seus trabalhos seminais, Labov (2008 [1972]) ressalta que a realizao
de estudos de variveis lingusticas em reas urbanas no se pode basear em dados
fornecidos por informantes selecionados arbitrariamente. Alm de uma descrio da
populao que se quer enfocar, no sentido de compreender ao menos algumas
particularidades da comunidade, deve-se cuidar para que haja, de acordo com os
interesses do estudo, variao tambm na amostra da comunidade: homens e
mulheres, de idades diferentes, pertencentes a estratos socioeconmicos distintos,
que desenvolvam atividades ocupacionais variadas. Naturalmente, a hiptese de base
que essas diferenas podem atuar nos usos lingusticos dos membros de uma tal
comunidade.
De acordo com o autor, preciso compreender quais as fronteiras que
delimitam o enquadramento de um indivduo a uma certa comunidade de fala, e no a
outra. Considera que as fronteiras so postas mediante dois aspectos: um deles, no
nvel consciente, e o outro, no inconsciente. Quanto ao nvel consciente, os falantes
compartilham atitudes e valores semelhantes em relao lngua, j que a
comunidade de fala mais bem definida como um grupo que compartilha as mesmas
normas em relao lngua (LABOV, l972 *2008+). Tais normas so apreendidas pelo
pesquisador mediante o valor que os falantes de uma certa comunidade de fala
atribuem a elas, sendo que, normalmente, ao grupo de prestgio cuja fala
dominante na escola, no trabalho, na mdia, etc. so vinculados valores positivos.
Ainda de acordo com Labov (1972), alm de valores conscientes em relao
lngua, os falantes de uma comunidade de fala compartilham, inconscientemente,
aspectos essenciais do sistema lingustico as suas regras gramaticais , sendo que os
indivduos adquirem tal sistema sem que possam escolher falar deste ou daquele
jeito.
Ao considerar esses dois nveis envolvidos na delimitao da comunidade de
fala, Labov ressalta que ela no pode ser simplesmente concebida como um grupo de
31
falantes que utiliza as mesmas formas, mas como um grupo que compartilha as
mesmas normas em relao lngua (1972:158). Dessa forma, possvel observar que
ele prioriza o carter de conscincia das atitudes dos falantes em relao s normas
gramaticais compartilhadas pelo grupo, para caracterizar a sua comunidade de fala.
No presente trabalho, alagoanos e paulistanos em So Paulo podem constituir
comunidades de fala distintas (com hbitos sociais e lingusticos particulares).
Entretanto, a verificao disto dependeria no s da incluso, no debate, de outros
grupos de migrantes que vivem na cidade (baianos, pernambucanos, etc), alm de
incluir tambm outras variveis lingusticas. De fato, no tarefa trivial discutir o que
define uma comunidade de fala, sobretudo num espao urbano to heterogneo
quanto So Paulo. Neste sentido, a anlise que se desenvolve aqui uma contribuio
na direo de desenhar um quadro mais abrangente da sociolingustica paulistana, que
passe a incluir aqueles que se mudaram para a cidade, alm dos paulistanos nativos.
Em outras palavras, verificar se paulistanos e alagoanos, na cidade de So Paulo, se
assemelham ou se diferenciam quanto ao emprego da concordncia nominal mais
um passo em tal direo.
Para tanto, construiu-se uma amostra de 24 entrevistas sociolingusticas
gravadas com alagoanos que moram em So Paulo e selecionaram-se 24 entrevistas
com paulistanos da amostra coletada pelo GESOL (SP2010) . Conforme descrevem as
sees a seguir, essas duas amostras (que por vezes so referidas aqui como
subamostras, quando se considera o conjunto total de dados para o desenvolvimento
desta dissertao) so estratificadas com base nas variveis sexo/gnero (masculino e
feminino), faixa etria (20 a 34, 35 a 59 e mais de 60 anos) e dois nveis de
escolaridade (Ensino Fundamental e Ensino Mdio). Desses fatores sociais, resultam 12
perfis sociolingusticos diferentes (por exemplo: homem de primeira faixa etria com
ensino mdio), para cada um dos quais h dois informantes.
Labov (1972[2008]) sugere que uma amostra de falantes idealmente conta com
pelo menos trs indivduos para cada perfil. Entretanto, o trabalho de localizar,
contactar e gravar certos perfis de alagoanos (por exemplo, aqueles de terceira faixa
etria que tenham concludo o ensino fundamental) no permite que se colete uma
amostra to grande num tempo limitado. Dessa maneira, gravaram-se dois
informantes por perfil.
32
Conforme indica o Captulo 1, a novidade do presente trabalho est na
comparao entre dois subgrupos de falantes que habitam So Paulo. Como os nativos
da cidade so foco tambm de outra pesquisa que tambm enfoca a concordncia
nominal de nmero (alm de outras variveis) e que utiliza uma amostra muito maior
e mais representativa (118 informantes, estratificados tambm de acordo com a regio
da cidade) destaca-se aqui a construo de uma amostra da fala de alagoanos que se
mudaram para So Paulo. A prxima seo neste captulo, contudo, trata da amostra
paulistana, j que foi nos conhecimentos acumulados pelo GESOL, na construo da
amostra SP2010 ,que a coleta dos dados alagoanos se baseou.
A seguir, portanto, aps uma breve descrio sociolingustica da cidade de So
Paulo, este captulo trata da construo da amostra de alagoanos em So Paulo e faz
uma reviso das hipteses que justificam os grupos de fatores sociais que estratificam
ambas as subamostras.
2.1. So Paulo
Situada na regio sudeste do pas, So Paulo foi fundada em 25 de janeiro de
1554, pelos padres Jos de Anchieta e Manuel de Nbrega, que haviam subido a Serra
do Mar em busca de um local seguro para se instalar e catequizar os ndios. Quase
cinco sculos depois, o povoado de Piratininga transformou-se na maior metrpole
brasileira, com 1500 km, sendo hoje a maior cidade da Amrica do Sul, com uma
populao de 11,8 milhes de habitantes. tambm a principal cidade da Regio
Metropolitana do estado de So Paulo, rodeada por outras, que formam a Grande So
Paulo (aproximadamente 19,7 milhes de habitantes).10
A capital paulista hoje o grande polo econmico do pas; sua economia
baseada na prestao de servios, seguido pela indstria; j a agricultura no
desenvolvida na cidade, mas sim em outras no interior estado, que abastecem a
capital.
10
Fonte: http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=355030&search=sao-
paulo|sao-paulo acessado em 26/07/2014
http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=355030&search=sao-paulo|sao-paulohttp://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=355030&search=sao-paulo|sao-paulo
33
A cidade dividida em cinco zonas (Centro, Sul, Norte, Leste e Oeste) e estas se
dividem em diversos distritos. Para a amostra SP2010, construda pelo GESOL e
disponibilizada na Internet, os perfis sociolingusticos tm, cada um, cinco informantes
- um de cada uma dessas zonas. Alm dessa distribuio, os informantes da amostra
tambm se dividem em trs regies: Centro Velho, Centro Expandido e Periferia. O
Centro Velho o centro histrico (e inclui bairros considerados tradicionais, tais
como Bela Vista, Consolao, Bom Retiro, Brs e Liberdade) cuja urbanizao
antiga, cujas construes tm um carter histrico e cujas famlias que a vivem
tendem a ser daquelas mais prototipicamente paulistanas (Mendes; Oushiro, 2012). O
Centro Expandido tambm faz parte de uma regio central (isto , no perifrica), mas
j no constitui o centro propriamente. Ela inclui bairros como Pinheiros, Santana,
Vila Madalena, Moema e outros, que so relativamente mais desenvolvidos,
concentram imveis que so mais valorizados e contam com melhor infraestrutura de
servio e cultura. J a Regio Perifrica (que inclui bairros como Sapopemba, Pirituba,
Jabaquara, Campo Limpo e Perus) aquela cuja formao historicamente mais
recente; assim, os bairros no dispem da melhor infraestrutura, comparativamente
s outras duas regies. A figura abaixo ilustra essa diviso dos bairros da cidade:
Figura 1: Diviso da cidade de So Paulo em Centro Velho, Centro Expandido e Periferia. (Mendes & Oushiro 2012)
34
So Paulo apresenta distribuio socioeconmica bastante contrastante, j que
comum encontrar numa mesma regio distritos altamente valorizados em que se
concentram as maiores rendas familiares (como no Morumbi, mais de 60% habitantes
detm mais de 25% salrios mnimos por famlia) (Mendes & Oushiro, 2012) e distritos
menos valorizados (como em Parelheiros, em que 64% detm renda familiar at 5
salrios mnimos)11. O quadro abaixo mostra a distribuio de renda familiar da
populao em diferentes distritos da cidade. comum que em distritos mais afastados
das regies centrais os ndices de renda familiar sejam bem menores do que em
distritos centrais:
Distritos/Regio (C/P)
Faixas de Renda (em Salrios Mnimos SM)
At 2 SM 2-5 SM 5-10 SM 10-15 SM 15-25 SM Mais de 25
SM
MUNICPIO DE SO PAULO 13,30 24,39 25,97 11,29 10,98 14,06
Capo Redondo (P) 18,30 32,80 29,82 9,36 6,50 3,22
Consolao (C) 3,77 8,33 17,19 10,49 15,74 44,47
Graja (P) 22,92 35,87 28,21 7,55 4,08 1,38
Itaim Bibi (C) 3,87 6,61 12,98 8,83 14,78 52,92
Jardim Paulista (C) 2,43 4,04 11,97 9,17 16,61 55,78
Marsilac (P) 44,10 31,23 19,47 4,31 0,19 0,71
Parelheiros (P) 26,06 38,16 25,79 6,15 2,83 1,01
Quadro 1 : Distribuio dos domiclios por Faixas de Renda Familiar , segundo Distritos do Municpio de
So Paulo (2013) IBGE Fundao Seade
Segundo os prprios paulistanos que fazem parte da amostra SP2010, as
diferentes regies da cidade podem apresentar caractersticas particulares. H
informantes que acreditam que os hbitos das pessoas, inclusive os lingusticos, so
diferentes entre as zonas centrais e perifricas, o que pode ser uma considerao
11
Fonte: http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=355030&search=sao-
paulo|sao-paulo ltimo acesso em 26/07/2014
http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=355030&search=sao-paulo|sao-paulohttp://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=355030&search=sao-paulo|sao-paulo
35
importante para a investigao da concordncia nominal, j que se trata de uma
varivel estigmatizada e que pode traar perfil social dos falantes.
(3) D: voc consegue nota(r) diferena de comportamento... alguma coisa... entre os paulistanos de lugares diferentes da cidade? S: sim...com certeza d d pra... o paulistano ele...eu no sei se o paulistano...o ser humano em si...ele muito assim pr-moldvel moldvel assim pra muda(r) inclusive a sua caracterstica dependendo de onde ele est ele se comporta de uma forma diferente...porm tendo escapes que ele v que ele no aguenta mais e ele acaba mostrando quem ele realmente mas tem mudana de comportamento mediante a cada lugar que vai sim D: (vo)c acha que a gente acaba se moldando S: acaba com certeza eu acho que do prprio ser humano isso n tem locais que voc deve... que voc tem que manter uma postura diferenciada como uma pessoa que mora num bairro i(r) procura(r) emprego no centro da cidade ele precisa ele vai muda(r) o seu comportamento a sua forma de fala(r) porque seno ele no vai consegui(r) emprego n e mesmo porque eu acredito que tem que existi(r) profissionais pra pode(r) faze(r) avaliao n e de fato dinmicas de grupo entrevistas no tem essa necessidade (SP-F2M)
(4) D: e o que que (vo)c acha que tem de diferente no jeito de fala(r) de algum do centro ou de diferentes bairros de periferia mesmo? S: o vocabulrio bastante diferenciado o vocabulrio no as grias n as grias voc v que diferente ahn no meu ver a gria n so grias diferentes n so vocabulrios regionais D: mesmo dentro da cidade tem tambm? S: tem tem sim com certeza (SP-M2S)
Para o interesse da pesquisa sociolingustica na cidade de So Paulo
importante ressaltar que, embora Classe social no seja um grupo de fatores que
participe da estratificao das amostras, pode estar intrinsicamente relacionada a
Escolaridade, j que quanto maior o nvel de escolaridade do informante maiores so
as probabilidades de acesso a melhores posies profissionais e redes sociais. Embora
a amostra paulistana tenha includo variabilidade em termos de classe social, este
grupo de fatores no ser considerado no presente trabalho anlise pela dificuldade
de estratificar a amostra alagoana da mesma forma e de encontrar alagoanos de
diferentes classes sociais na cidade.12
12
Cf. Oushiro (indito) para uma anlise da relevncia do grupo de fatores
Classe no funcionamento da concordncia nominal em So Paulo.
36
2.1.1. As imigraes na cidade De acordo com recente levantamento do Instituto de Pesquisa Econmica
Aplicada (IPEA, 2013), 46% da populao residente da regio metropolitana no
nasceu na cidade algo que fica bem ilustrado na Figura 1, abaixo. As migraes de
estrangeiros para So Paulo foram impulsionadas sobretudo durante o perodo da
Segunda Guerra Mundial, que interrompeu as importaes e levou a um aumento da
produo, no estado, dos produtos at ento importados. O processo intensificou-se
no governo de Juscelino Kubitschek, que lanou as bases da indstria automotiva no
ABC paulista, um tema que tambm aparece em entrevistas com paulistanos, gravadas
pelo GESOL:
(5) D: e essa questo da imigrao... mais... n... tinha essa questo da Liberdade bairro de japons... o Brs e a Moca bairro de italiano... (vo)c acha que ainda (es)t concentrado assim... (xxx)... nos bairros... ou j misturou? S: no.. tem muita mistura... mas tem muita concentrao porque eu... trabalhei na Secretaria da Cultura n... ento... ... tem muita... imagina... o pessoal... o povo judeu super fechado... o pessoal da... da Itlia... eles so tambm super organizados... D: os judeus (es)to aonde?... assim... tem um bairro?... S: os judeus?... olha... acho que Higienpolis tem muito... tem...eles... que(r) ve... l perto da Hebraica tambm... ... ele no tem assim um lugar acho que o judeu como tem por exemplo a Liberdade ou como o Bexiga...o italiano... mas eles so muito unidos sabe... eles... uma comunidade que bem... muito forte... e os (japoneses) tambm... no tem aquelas festas de vez em quando que tem...fazem aquelas festas como que chama... da Achiropita n?... n... ... mas tem... tem... tem as fes... tem uma festa que... l no... como que chama... aquele museu... Memorial do Imigrante... uma vez por ano... tem a Festa das Naes... l voc v as comunidades n... e eles danam... todo ano tem... maravilhoso...eles fazem stands com comidas tpicas... e e as comunidades elas preparam shows tpicos pra apresenta(r) no palco... ento ... tem muita mistura... mas tem muita organizao nas comunidades independentes... (en)tendeu?... (SP-M1S)
Conforme j se mencionou neste trabalho, o portugus falado em So Paulo foi
pouco estudado, e a cidade hoje constituda por pessoas de diversas nacionalidades
e naturalidades. Os imigrantes mais enraizados na cidade (japoneses, italianos,
coreanos, bolivianos) em bairros como Mooca, Liberdade, Bom Retiro, no tiveram
ainda o seu portugus estudado. Embora no trabalhe diretamente com eles, Oushiro
(indito) investiga a concordncia nominal e outras variveis na fala de uma variedade
abrangente de paulistanos, que possivelmente inclui descendentes de italianos - o que
37
abre caminhos para trabalhos futuros. A fala dos migrantes nordestinos que residem
na cidade de So Paulo tambm no foi estudadada ainda, e os dados do grfico
abaixo revelam que grande parte da populao paulista constituda por nordestino. A
presente pesquisa, evidentemente, busca contribuir para ampliar o cenrio dos
estudos sociolingusticos na cidade.
Figura 2 Populao adulta (30-60 anos) na Regio Metropolitana de So Paulo.
Fonte: Censo 2011 (apud Rocha, 2013)
De acordo com esse grfico, cerca de 30% da populao residente na Regio
Metropolitana de So Paulo so representados por nordestinos. De acordo com os
dados disponibilizados pelo Centro de Tradies Nordestinas (CTN), o total de
nordestinos que reside na cidade de 2.047.16813. Para suprir a necessidade de mo
de obra operria, o estado passou a receber migrantes nordestinos a partir da metade
do sculo XX, em especial homens, vindos principalmente dos estados da Bahia, Cear,
Pernambuco e Paraba, que se fixaram principalmente na perifrica de So Paulo e nas
cidades vizinhas. No processo de gravao das entrevistas, tanto da amostra alagoana
quanto da paulistana, comum que os informantes identifiquem alguns bairros ou
regies da cidade em que se concentram mais imigrantes ou mais nordestinos,
justamente por estes serem mais numerosos na cidade.
(6) D: aqui verdade... voc acha que tem alguma regio assim que concentra.... sei l os nordestinos pessoas pessoas...do nordeste?
13
disponvel em http/www.ctn.org.br ltimo acesso em 20.08.2013
38
S1: no... Santo Amaro...Santo Amaro... se concentra a maior regio de nordestino l voc se sente que (vo)c (es)t no nordeste...tem at lugares assim que vende coisas tpicas do nordeste l... D: ah ? S: tem salo de forr... tem tudo... do nordeste... um pouquinho longe n... ali Largo Treze de Maio...se bem que hoje em dia est difcil de dizer que nordestino se concentra s em um lugar...antes o centro era s pra pessoas...pessoas que tinham mais condies...hoje...se voc andar pela regio do Brs...por exemplo...(vo)c vai encontrar muito nordestino...principalmente porque l tem muita agncia de nibus clandestinos... (AL-M2M)
No perodo entre 1970 a 1991, mais de 2,6 milhes de nordestinos migraram
para a cidade de So Paulo, com maior nmero de baianos, seguidos de
pernambucanos, cearenses, paraibanos e alagoanos que viam na cidade a
possibilidade de melhores condies de vida:
Dentre os imigrantes registrados em So Paulo nas dcadas de 70 e 80, constata-se que, no primeiro perodo, a nmero de imigrantes da UF chegava a cerca de 3 milhes, representando 92% do total de imigrantes do Estado, principalmente devido aos volumes de emigrantes da regio Sul do pas. J no perodo seguinte os imigrantes no nascidos do Estado foram cerca de 2,3 milhes sendo que houve um pequeno acrscimo no nmero de imigrantes de retorno que chega a 368 mil pessoas, ou seja, cerca de 14% do total. (Cunha et al.,2000: 71-72)
Os dados sobre a cidade de So Paulo, sobretudo sobre as migraes, reforam
o carcter multicultural da cidade e sua complexidade etnogrfica. No possvel
estudar aspectos socioculturais e lingusticos da cidade sem levar em considerao o
convvio dos diferentes subconjuntos de habitantes. Por este motivo, neste trabalho
sero analisadas amostras da fala de dois desses subconjuntos que convivem na capital
paulista: paulistanos nativos (aqueles que nasceram e foram criados na cidade) e
alagoanos que se mudaram para ela. Conforme adianta a introduo, estuda-se como
se realiza a concordncia nominal de nmero nessas duas amostras, a fim de verificar
se a variao regulada pelos mesmos grupos de fatores sociais e lingusticos.
O item a seguir trata dos procedimentos para a construo da amostra de 60
entrevistas por meio do projeto SP2010 Construo de uma mostra da fala
paulistana (Mendes e Oushiro, 2012), das quais foram selecionadas 24 para a
composio da amostra paulistana utilizada nesta pesquisa.
39
2.2. O Projeto SP2010
Por volta de 1970, iniciaram-se no Brasil os primeiros estudos que investigavam
a lngua falada no Brasil. O Projeto NURC (Norma Lingustica e Urbana Culta) (Castilho
& Preti, 1986, 1987; Preti & Urbano, 1988, 1990) possibilitou que diversos estudos
lingusticos fossem realizados com algumas das variedades do portugus falado no
pas, incluindo-se entre elas a falada em So Paulo.
No estado de So Paulo, alguns trabalhos que disponibilizam banco de dados
de fala foram realizados e merecem destaque, como Projeto para o Portugus Paulista
(Castilho, 2007) e o Projeto Iboruna (Gonalves, 2008), na regio de So Jos do Rio
Preto.
Entre os anos de 2008 e 2010, o GESOL construiu uma amostra da fala
paulistana composta por mais 100 entrevistas com paulistanos e no paulistanos, de
ambos os sexos, entre 15 e 89 anos de idade e com escolaridade equivalente ao Ensino
Fundamental incompleto at o Ensino Superior completo, residentes das cinco zonas
da cidade (Centro, Norte, Sul, Leste e Oeste). Tal amostra chamada de Piloto e o
perodo de sua coleta possibilitou que roteiros de entrevistas fossem reelaborados e
aprimorados, mtodos de contato de informantes fosse refinados e critrios de
transcrio e de codificao de variveis fossem revistos.
A partir de anlises dessas entrevistas da Amostra Piloto, consideraram-se seisc
os parmetros mais importantes para a construo de uma amostra representativa da
fala paulistana Sexo/Gnero, Faixa Etria, Escolaridade, Classe Social, Regio da Cidade
e Gerao da Famlia na cidade. No entanto, no seria factvel construir uma amostra
que se estratificasse com base em todas essas variveis em um perodo limitado. Para
manter certa comparabilidade com outras amostras construdas em outras localidades,
decidiu-se que a nova amostra (SP2010) seria estratificada por: sexo/gnero
(masculino e feminino); faixa etria (20-34 anos; 35-59; 60 anos ou mais) e
escolaridade (Ensino Fundamental e Ensino Mdio). Essas variveis levam a 12 perfis,
para cada um dos quais foram gravados 5 informantes, totalizando-se 60 entrevistas,
do modo como resume o quadro 02. Quanto as outras trs variveis no includas na
40
estratificao dos perfis, elas no definem o tamanho da amostra, mas fazem parte
dela qualitativamente.
Quadro 2: Variveis estratificadoras da amostra SP2012 e perfis sociolingusticos dos informantes
(transcrito de Mendes e Oushiro 2012: 978).
Conforme j se adiantou na Introduo, essas 60 entrevistas esto disponveis
(tanto o udio quanto as transcries) em site prprio14 na Internet. Dentre elas, para
o presente trabalho foram selecionadas 24 entrevistas, com base nos perfis e
informantes que seriam gravados para a amostra alagoana que descrita no item a
seguir. Em princpio, a proposta para a construo da amostra alagoana era idntica
paulistana; no entanto, no foi possvel encontrar alagoanos da terceira faixa etria
com ensino superior completo, de modo que alterou-se a varivel escolaridade (em
vez de Ensino Mdio e Superior, trabalhou-se com Ensino Fundamental e Mdio). Tal
alterao no representou um problema para a amostra paulistana, que contm
grande variedade de perfis e informantes (considerando-se no apenas a Amostra
SP2010, mas tambm a Amostra Piloto).
14
Cf: http://projetosp2010.fflch.usp.br/
http://projetosp2010.fflch.usp.br/
41
Quadro 3: Amostra Paulistana (12 perfis x 2 informantes = 24 )
Todos os informantes da amostra SP2010, conforme j se mencionou,
nasceram e foram criados na cidade de So Paulo. J vimos tambm que a metrpole
habitada por uma grande quantidade de imigrantes, que deveriam passar a integrar os
estudos sociolingusticos. Neste sentido, o presente trabalho d um passo, ao coletar
uma amostra de alagoanos que vivem na capital So Paulo e ao propor a comparao
de suas falas, ainda que da perspectiva de uma nica varivel lingustica a
concordncia nominal de nmero.
2.3. A construo de uma amostra de alagoanos em So Paulo
A comunidade alagoana na cidade de So Paulo soma 145.237 indivduos,
(66.760 homens e 78.447 mulheres15). Assim como comum entre nordestinos
migrantes, eles vieram para a metrpole em busca de melhores ofertas de trabalho e
melhores condies de vida para seus familiares. Com o passar do tempo, foram se
enraizando e construindo relaes sociais e afetivas com a cidade de So Paulo o que
fez com que sentissem acolhidos, mas nem por isso deixassem de preservar costumes,
conforme exemplificam os trechos de entrevistas abaixo:
15
De acordo com dados disponveis em: http/www.ctn.org.br ltimo acesso: 20.05.2014.
Sexo/Gnero Faixa etria Escolaridade Perfis
Feminino
1 (20-35)
Fundamental
1. F1M
2. F2M
2 (36-59)
3. F3M
Mdio
4. F1S
3 (60 +)
5. F2S
6. F3S
Masculino
1 (20-35)
Fundamental
7. M1M
8. M2M
2 (36-59)
9. M3M
Mdio
10. M1S
3 (60 +)
11. M2S
12. M3S
42
(7) D: voc gosta de morar aqui em So Paulo por qu? S: eu gosto porque So Paulo tem tudo e ningum se mete na sua vida... eu acho isso uma das coisas mais maravilhosas da Terra... voc tem seus direitos seus deveres sem interferncia das pessoas porque assim...eu estou comparando com o Nordeste...no Nordeste as cidades so pequenas... as pessoas todas se conhecem... qualquer ato que voc faz que para voc no seja inflacionrio... aos olhos das pessoas... seja voc entra na mira das pessoas e as pessoas te matam por antecedncia...So Paulo no... So Paulo no todo mundo. (ALM2M)
(8) D: e vocs tinham ou mantm alguma tradio... alguma coisa que vocs faziam em famlia? S: tnhamos de...da pscoa n? que eles chamam a pscoa aquela coisa da gente almoar na casa de um... almoar na casa de outro... do afilhado levar um presente para o... para a madrinha e ganhar um presente tambm n?... eu lembro que na poca da...da pscoa era uma poca muito gostosa para es
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