FILMES E SÉRIES:O PROTAGONISMO DO TEMPOO papel dos filmes e das séries em um mundo onde aspercepções sobre tempo podem ser tão distintas
TELECINE
Sempre nos parece faltar tempo. Tanto para quem está numa cidade de ritmo frenético quanto para quem mora em um lugar mais pacato. Dificil-
mente passamos ilesos aos milhares de estímulos. Somos bombardeados por informações a todo momento e por uma realidade que nos faz querer escapar quando possível. Mas escapar para onde? E como escapar, se a vida não nos deixa parar? Hoje existem muitas formas de se transportar para outros lugares e realidades e, muitas vezes, elas estão na palma de
nossas mãos. A pergunta que fica é: o que cabe no nosso tempo?
UNIVERSO PARTICULAR
É incalculável a quantidade de estímulos que recebemos ao longo do dia. São marcas, imagens, caminhos, pessoas... Um cidadão paulistano, por exemplo, chega a ter acesso a 20 mil marcas diariamente! Em meio a tantas informações vindas de
tantos lugares e a necessidade de se manter atualizado, estão todas as atividades e obrigações do dia a dia.
O sentimento é unânime: parece faltar tempo.
As duas horas que passamos dentro de um carro com dois ou três amigos pelas redes sociais, ouvindo música ou notícias,
prestando atenção no trânsito, são muito diferentes das mesmas duas horas vividas em uma praia ou um parque no
meio da natureza, desconectados da tecnologia. Enquanto na natureza o tempo passa devagar, na cidade o tempo voa.
No fim das contas, duas horas podem despertar percepções de tempo bem diferentes.
UNIVERSO PARTICULAR
Mas o tempo não é dual. Não pode ser lento ou rápido. O ritmo frenético da vida urbana parece associar a vida à
angústia de uma ampulheta sempre em desvantagem: como um artigo de luxo escasso, a atenção de cada pessoa é
dividida, na maratona diária da vida comum, com estímulos visuais, informações e interações que não pedem licença:
estamos todos no registro do excesso.
UNIVERSO PARTICULAR
Categoricamente, todo mundo vivencia as mesmas 24 horas do dia. Dessa forma, lentidão ou rapidez são impressões
condicionadas, entre outros fatores, pela forma como cada pessoa ocupa espacialidades diferentes, reais ou virtuais. E, se hoje temos uma percepção de falta tempo, soma-se a ela
o fato de estarmos constantemente online e plugados, vivendo o ritmo frenético das grandes cidades. Ficam, então,
as seguintes perguntas:
QUAL O TEMPO DO FILME HOJE?
QUAL O TEMPO DO FILME EM CASA HOJE?
QUESTÃO DE ESCOLHA
Com a difusão e o avanço das tecnologias digitais e o poder deescolha nas mãos do consumidor, é possível que as pessoas estejam
conectadas em diferentes espaços ao mesmo tempo. Com isso, o consumo de filmes se expandiu para ocupar outros meios e
oportunidades, adequando-se ao tempo e ao momento que cada um dedica a isso. E junto com o filme podem vir os games, conversas em
redes sociais, memes... Afinal, não se trata de uma coisa ou outra, mas de uma coisa e outra, às vezes ao mesmo tempo!
Enquanto a vida não para, o filme proporciona uma pausa na correria do dia a dia. Ele é capaz de nos conectar a uma história com
começo, meio e fim. Bem diferente da imprevisibilidade da vida, tudo se conclui em cerca de duas horas. O filme permite ao
espectador se concentrar e relaxar ao mesmo tempo, cria um lugar em que é possível se projetar e usufruir de um momento em outro tempo-espaço, rodar em outra frequência. O filme representa uma viagem para outra dimensão. Mas o que é essa fuga da realidade?
QUESTÃO DE ESCOLHA
“É criar um intervalo de tempo e espaço dentro dessa rotina programada que vivemos. É se permitir afetar por experiências
que estão fora do mundo real que consome nosso tempo e determina nosso espaço no mundo. Os ‘eventos’ com maior
capacidade de gerar tal fuga na nossa sociedade são as práticas esportivas e as linguagens artísticas e estéticas. Em termos de
linguagens artísticas, são o cinema e a música que ocupam espaço mais relevante na indústria de entretenimento global.
Essas duas linguagens são meios pelos quais milhões de pessoas se permitem deslocar da realidade no sentido mais
opressivo que esta lhe impõe.”
– Miguel Jost, pesquisador especializado em políticas públicas para cultura, mestre e doutor em Letras pela PUC-Rio e professor de literatura brasileira
QUESTÃO DE ESCOLHA
Em contrapartida, a série está relacionada à frequência da rotina e do registro do excesso, da correria das grandes cidades, da
ansiedade e do estresse. São muitos títulos, temporadas, episódios. A ligação se dá com personagens em histórias com muitos arcos
que se prolongam, desfechos que se alteram para que a série tenha vida longa. A expectativa e a ansiedade da vida ganham
correspondência na série. A sensação é de frisson.
“Filme a gente vai assistir para relaxar, a série tem um pouco mais de compromisso... Sei lá, a série parece que dá mais é
uma ansiedade de ver; o filme te dá mais o prazer.”
QUESTÃO DE ESCOLHA
Enquanto o filme tem tempo pra terminar, a série extrapola as telas e nunca acaba, continua em conversas nas redes sociais e nos
grupos de WhatsApp. Além disso, ainda existe o medo dos spoilers. Juntos, esses fatores geram ansiedade e vício – reclamação muito comum quando se fala de séries. Toda a ansiedade em torno dos personagens conecta o espectador à sua própria realidade. Para transportar este mesmo espectador para outra história, surge o filme, ampliando o conhecimento, gerando reflexão e empatia
por meio de vivências e emoções diversas.
“Se você está no cinema, muitas vezes sai e se pergunta: ‘onde estou’?”
FILME COMO EVENTO
Quando a sessão de um filme acaba e saímos da sala de cinema, normalmente depois de algumas horas de imersão
focada e ambientada no escuro, é comum perder a noção de espaço e tempo. Na ambientação das séries, a relação muda
de figura: quando uma série termina e chega à sua temporada final, muitas vezes isso surge como algo indesejado, pois o vínculo afetivo nutrido pelos personagens se torna como a
torcida de uma testemunha ocular. É quando ocorre a abstinência das séries que, com sorte, será curada com a dedicação à próxima da lista. O tempo dos filmes, dessa
forma, é diferente do tempo das séries, e as relações se moldam de formas distintas.
“Fazendo uma analogia de relacionamento: um filme é como estar na balada e ficar com alguém; uma série é você se
envolver com a pessoa e namorar, é totalmente diferente.”
FILME COMO EVENTO
LINHA DO TEMPO: AS TRÊS ONDAS
FILME É EVENTO... ...SÉRIE É ROTINA
• Normalmente ocupa um tempo do final de semana
• É consumido em locais “ritualizados”, como as salas de cinema, o canto cativo do sofá...
• Frequentemente apreciado na companhia de quem se gosta, um “tempo livre conjunto”
• Envolve preparativos e “cenários”, como fazer pipoca (cinema ou casa), regular a luz certa e, se em casa, providenciar a coberta para proporcionar mais conforto
• Instiga emoções mais afloradas, como risos, choro, adrenalina, medo
• Também se assiste aos finais de semana, mas as séries ocupam mais tempo no cotidiano (na hora do almoço, durante a academia, à noite antes de dormir etc.)
• Isso vale tanto para quem assiste a um único episódio por vez (minoria) como para quem assiste a mais de um (maioria) • Normalmente sozinho, pois cada um assiste no seu próprio tempo
RAIO X DO FILME
O QUE SIGNIFICA ASSISTIR A UM FILME?
1. FUGA DA REALIDADE
A rotina que ordena os nossos dias – acordar, ir ao trabalho,
estudar, socializar – forma aquilo que chamamos de realidade.
“Real” é a história que cada pessoa protagoniza em sua
própria vida, com enredos variáveis e alternância de papéis.
As portas para essa ruptura são variáveis: desde eventos
como as práticas esportivas até a exposição a linguagens
artísticas e estéticas.
RAIO X DO FILME
2. CONCENTRAÇÃO E RELAXAMENTO
Arte é veículo para a criatividade e a imaginação. Contar
histórias e criar mundos por meio do cinema, entre outras
formas de expressão artística, induz corpo e mente a se
conectarem completamente às narrativas apresentadas.
Nesse sentido, assistir a um filme, seja em casa ou no cinema,
corresponde a um momento de pausa e concentração, que
difere da grande maioria da programação televisiva, a qual
permite uma audiência descompromissada.
RAIO X DO FILME
3. UNIR E ESTAR JUNTO
Ir ao cinema convidado ou assistir a um filme no sofá
acompanhado: normalmente esse é o tipo de programa que as
pessoas fazem na companhia de quem se gosta. O tempo de
duração de um filme é um tempo dedicado, frequentemente,
à socialização, seja com a família, amigos ou outros
relacionamentos afetivos. Estar junto envolve expressar as
emoções despertadas pelos filmes e também trocar opiniões
e interpretações a respeito dele.
RAIO X DO FILME
4. DENTRO OU FORA DE CASA?
Assistir a filmes demanda tempo e também espaço. Se não em casa, quando
há uma constância de tempo livre e concentração no ambiente externo,
surgem poucas situações propícias para ver filmes em viagens de avião ou
quando as pessoas baixam em devices para assistir no trajeto. Entre outros
motivos, não é um hábito assistir a filmes em situações de locomoção, pois:
• Consome bateria
• Causa insegurança de furtos e assaltos
• Demanda foco e concentração difíceis de manter
• Impede que as emoções sejam expressas sem pudores
x
RAIO X DO FILME
Assistir a filmes em casa é um programa atraente. Nesse contexto, ainda que
algumas pessoas já tenham o costume de ver filmes em notebooks, em geral
esse hábito está diretamente associado à televisão. Assim, alguns atrativos
em assistir a filmes em casa são:
+ Conforto• Não enfrentar trânsito,
estacionar carro, comprar
ingresso, entrar em filas
• Contar com segurança e
aconchego do sofá,
lugarzinho cativo, cobertores
e almofadas
• Vestir-se à vontade e
estar na companhia de
pessoas queridas
+ Intimidade• Rir, chorar, gritar, discutir com
o personagem, reagir à
história
• Inspirar sentimento de
proximidade, afetos e
percepções
• Assistir sozinho também pode
ser um programa
+ Liberdade• Estar no controle,
pausar, voltar e assistir
a qualquer momento
• Economia = não gastar
RAIO X DO FILME
+ Meios
TV• Meio preferido
• Qualidade audiovisual
semelhante à dos cinemas
Computador• Variedade na web
• Privacidade
Celular• Tela pequena e
manuseio desconfortável
• Relaxamento comprometido
pelos demais usos e
funcionalidades
“O filme em casa é capaz de gerar um sentimento de partilha,
de comum, de proximidade, de parceria. Tanto em relação a um
casal de namorados, quanto em relação à família em suas
diversas formações. Um neto que mostra um filme para um avô,
uma mãe para os filhos, entre irmãos, entre primos. Um casal
que se conhece tem como forma de se aproximar o ato de
mostrar filmes que foram importantes para a história de cada
um, ou mesmo dos dois, e assim descobrir afinidades e
coisas sobre ambos. É uma forma de convidar alguém para
se aproximar. Convidar alguém para compartilhar visões de
mundo, afetos e percepções mais íntimas e singulares.”
– Miguel Jost
O TEMPO NÃO PASSA RÁPIDO OU DEVAGAR, É NOSSA PERCEPÇÃO SOBRE ELE QUE MUDA
DIANTE DE UMA ROTINA ATRIBULADA OU NÃO. E , COM TANTOS ESTÍMULOS E OFERTAS DE
CONTEÚDO, QUEM VIVE NAS GRANDES CIDADES ESTÁ SEMPRE NO REGISTRO DO EXCESSO E
COM A SENSAÇÃO DE QUE FALTA TEMPO. CONTUDO, ESTAMOS SEMPRE PREENCHENDO ESSES
BURACOS NO TEMPO DE ALGUMA MANEIRA. QUANDO OPTAMOS POR FILMES OU SÉRIES
PARA PREENCHÊ-LOS, AO CONTRÁRIO DO QUE MUITOS PENSAM, TEMOS EXPERIÊNCIAS DE
CONSUMO DIFERENTES. ENQUANTO O FILME TIRA O ESPECTADOR DA REALIDADE, O FAZ
VIA JAR E SE PROJETAR EM OUTRO CENÁRIO, TRAZENDO REFLEXÃO, CONHECIMENTO E UMA
FORTE CONEXÃO COM A HISTÓRIA, AS SÉRIES RODAM EM UMA FREQUÊNCIA MAIS FRENÉTICA,
GERANDO ANSIEDADE, VÍCIO E UMA FORTE L IGAÇÃO COM OS PERSONAGENS. A RELAÇÃO COM
O FILME É FUGAZ; COM A SÉRIE ELA SE PROLONGA. CADA UM SE ENCAIXA MELHOR EM UM
MOMENTO. OS FILMES TENDEM A AGREGAR MAIS E A SÉRIE COSTUMA TER UM CONSUMO
MAIS INDIVIDUAL. ENTÃO, SE ALGUM DIA VOCÊ ACABAR SE APRESSANDO E ASSISTIR A UM
EPISÓDIO ANTES DO SEU PARCEIRO DE SÉRIES, NÃO SE PREOCUPE! FAÇA UMA PIPOCA E
VEJA UM FILME JUNTOS PARA FAZER AS PAZES.
FONTES:TELECINE, 2016
gente.globosat .com.br/fi lmes-e-ser ies-o-protagonismo-do-tempo
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