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FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL: RAÍZES HISTÓRICAS

ZANATTA, Regina Maria – UEM [email protected]

SETOGUTI, Ruth Izumi – UEM

[email protected]

Área Temática: Formação de Professores Agência Financiadora: Não contou com financiamento

Resumo Este estudo busca as raízes históricas da Filosofia da Educação no Brasil a partir do início do século XX. Neste período se delineiam, no discurso dos educadores, as primeiras preocupações com a Filosofia da Educação e se completa com a inserção desta disciplina nos cursos de formação de professores. O objetivo desta pesquisa é de caracterizar o estilo específico do filosofar brasileiro no âmbito educacional que vai se constituindo tanto pela tradição de um modelo filosófico, explicitado pelo pensamento de determinados autores de modelos clássicos da filosofia ocidental, quanto pelas condições históricas que vão se apresentando. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica cuja abrangência perpassa parte do período da República se encaminhando até a década de 1930. A seleção bibliográfica busca autores do período que se preocuparam com o filosofar educacional e que explicitaram seus pensamentos em obras e trabalhos específicos. A escolha dos autores, no interior da especificidade filosófica, não privilegia somente os que mais se destacaram no cenário nacional, recai, sobretudo, naqueles que contribuíram para a discussão educacional, porém não tiveram seus nomes politicamente consagrados. Este aspecto da pesquisa anuncia-se como de importância porque busca esclarecer um momento de efervescência teórico-educacional cujas posições, de forças distintas e muitas vezes contraditórias, ao constituir o cenário educacional brasileiro caracteriza, também, o seu filosofar. Os resultados desta pesquisa, sem ser conclusivos, apontam para a convergência de aspectos positivos de correntes contraditórias que se caracterizam por um movimento eclético do pensar filosófico nacional. Palavras-chave: Filosofia da Educação; Educação Brasileira; História da Filosofia da

Educação.

Introdução

A busca das raízes históricas da Filosofia da Educação no Brasil, a partir do início do

século XX, não é tarefa de fácil realização, entretanto é uma temática promissora que poderá

esclarecer aspectos fundamentais sobre a própria história da educação. Este assunto pode

mover-se por inúmeros caminhos trazendo incomensurável contribuição a esta área.

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O período em que se delineiam as primeiras preocupações com a Filosofia da

Educação data do final do século XIX e início do século XX. Compõe-se de discussões e de

um repensar sobre uma filosofia direcionada para a educação concretizando-se na inserção da

disciplina Filosofia da Educação nos cursos de formação de professores. Os textos produzidos

neste período divulgam a temática e deixam entrever um rico material de sentido filosófico

seja nas obras de literatura, de poética, de direito, de religião, ou mesmo, nos assuntos

políticos. Ainda considerando este período destacam-se as preocupações econômicas e a sua

vinculação com os rumos que o país deve tomar diante das transformações internacionais,

principalmente, as da Europa, o que ocasiona na arena nacional uma efervescência de idéias

que ora confluem para pontos que se assemelham, ora para pontos totalmente discordantes

sobre o desenvolvimento nacional. A educação, na trajetória dos acontecimentos, se

pronuncia na voz dos educadores que procuram, também, uma forma de transformação que

possa acompanhar os novos tempos.

Na busca de conhecer as expressões e as proposições educativas, transparentes nos

discursos dos educadores, tanto na tentativa de delinear diferentes caminhos para a educação

quanto ao desejar prosseguir no caminho que, até então, educacionalmente estava traçado,

encontra-se uma filosofia de inspiração educativa. Analisando, pois, estas expressões que, na

maioria, são de caráter argumentativo é possível encontrar vestígios de uma filosofia de estilo

nacional ainda que mesclada às interferências internacionais.

Assim, nesta perspectiva, o estilo do filosofar brasileiro no âmbito educacional se

caracteriza e se constitui sob a ótica de dois segmentos: o tradicional que incorpora um

modelo filosófico influenciado pelo pensamento de determinados autores de modelos

clássicos da filosofia ocidental e o progressista que reconhece as condições históricas que

estão se apresentando e que requer uma educação inovadora. Esta análise se anuncia como

relevante uma vez que pode dar clareza ao momento de efervescência teórico-educacional do

período citado, descrevendo posições de forças distintas e, muitas vezes, contraditórias, que

constituem o cenário educacional brasileiro e que, por sua vez, caracteriza a primazia de um

determinado filosofar.

Desenvolvimento

As indagações sobre a origem ou o delinear da história da filosofia da Educação é, em

si, um exercício de reflexão filosófica educacional. Esta reflexão do filosofar no âmbito

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nacional encontra nas referências sobre a influência teórica que a fundamenta, características

de modelos filosóficos ocidentais, vinculados às suas tradições e tendências. Tendo em vista

este pressuposto básico não se pode deixar de indagar inicialmente sobre o significado do que

é a Filosofia da Educação, para tanto se faz necessário situar a gênese histórica da filosofia.

Sem aprofundar este esclarecimento, pode-se afirmar que é no desenvolvimento do mundo

grego, no momento crítico daquela dinâmica social quando a discussão se pronuncia e põe em

foco um movimento de renovação da cultura e da política na Pólis, é que a filosofia se

interpõe como reflexão sobre a vida dos homens. Os discursos pronunciados a favor ou contra

a democracia ou a aristocracia, permitiam revelar a desordem intelectual e social na expressão

demagógica que era fortalecida pelos que sabiam falar bem. Sócrates torna-se conhecido

como o primeiro dos educadores com seu método inquiridor a “maiêutica”, que no sentido

comum é chamado de parto das idéias, e se posiciona contrário aos ensinamentos sofísticos.

Os sofistas, os primeiros mestres que exigiam pagamento pelos seus ensinamentos, afloravam

para instruir os cidadãos a se defenderem com argumentos convincentes sobre as demandas

jurídicas em processos inúmeros na Pólis. Estes mestres, os sofistas, afirmavam-se naquele

contexto como profissionais que ensinavam o saber da oratória e da retórica, conteúdo que

ganhava status educativo e que se consolidava como forma explícita de sobrevivência.

Este contexto, assim apresentado, em que a filosofia vai se pronunciando como

reflexão crítica sobre a vida dos cidadãos da Polis é registrado por Aristófanes em sua sátira

As Vespas. Esta peça teatral era apresentada ao público e fazia menção aos processos que se

interpunham de cidadão para cidadão. As defesas ou acusações pronunciadas e julgadas

publicamente tinham na argumentação e na contra argumentação as ferramentas necessárias

aos cidadãos para “vencer” o processo. Neste sentido, naquele momento, era nas discussões,

no seu desenvolvimento argumentativo e na contra argumentação, que se encontrava o

interesse e a motivação para a reflexão filosófica. O contexto vivido por Platão permitiu-lhe

definir, por meio destas argumentações reflexivas, a essência da filosofia como a que poderia

auxiliar o homem na sua formação. Portanto, desde a antiguidade, com os primeiros filósofos

gregos, a filosofia apresentou-se como elemento reflexivo, crítico e argumentativo que,

teoricamente e ao mesmo tempo praticamente, permitia o encaminhamento de uma pedagogia

para o viver.

Esta maneira de refletir filosoficamente sobre o homem na sua vida prática e sobre o

mundo, perdurou até o século XVIII, em circunstâncias e nuances que diferiam daquelas, mas

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com estrutura argumentativa e retórica semelhantes. Desde então, tomando como base a

influência iluminista, em que a razão e a determinação do homem se fortalecem é que a

filosofia e a educação encontram uma relação explícita de proximidade. E, neste mesmo

século, é que a pedagogia vai adquirindo consistência e é assumida como uma disciplina com

status de ciência. Nesta passagem, em que o statuto científico da pedagogia é reconhecido,

definindo o seu significado e a sua função, emergem questões pertinentes à relação existente

entre a Pedagogia, a Filosofia e a Educação. Os questionamentos sobre esta relação, ao

elucidar melhor a posição da pedagogia, provoca seu distanciamento da filosofia. Assim, não

se pode negar que na íntima correlação existente entre as áreas: da educação, da pedagogia e

da filosofia, é que se configurou e se confirmou a sistematização da pedagogia como ciência.

Tendo em vista este quadro, pode-se afirmar que é diante da base histórica da

modernidade que a pedagogia assume uma nova dimensão e a filosofia se apresenta como

reflexão crítica teórica dos processos educacionais buscando esclarecer os pressupostos que os

fundamentam e se estes pressupostos estariam ou não em consonância com as necessidades do

homem, da sociedade, do mundo.

Esta mesma discussão fazia parte do cenário europeu desde o início do século XVIII e

se fortaleceu no século XIX, quando os trabalhos de Rousseau, de Kant, de Hegel, de William

James e mais tarde de Dewey, entre outros, foram elaborados no confronto dos pressupostos

teóricos do racionalismo científico e da metafísica. Os filósofos buscando dar um novo

sentido à filosofia apresentam em suas obras concepções sobre a sociedade, a política, a

educação, possibilitando esclarecer a correlação filosófica inerente a estas áreas. As posições

daí destacadas levariam à busca e à produção de um sistema filosófico, como os apresentados

pelos filósofos acima citados e que no seu interior ofereciam um encaminhamento educativo

de formação para o homem moderno. Neste entremeio, uma grande produção filosófica foi

gerada nos países da Europa que tinha como finalidade assegurar um sistema filosófico

educacional. A preocupação por um sistema filosófico tornava inevitável a instauração de

uma batalha teórica entre as correntes da filosofia essencialista e as da existencialista. Entre

sistemas de valores metafísicos e valores científicos. Entre concepções tradicionais e

concepções modernas.

No surgimento de novas propostas de análise, de crítica e de reflexão filosófica, Kant

(1724-1804) tendo em vista o idealismo alemão formula sua concepção colocando na base dos

seus pressupostos teóricos a constituição do homem pela educação na sua razão prática. O

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conhecimento acerca do agir e do fazer humano em relação aos seus semelhantes, era

fundamental na sua obra filosófica sobre o problema do conhecimento empírico (a posteriori)

e do conhecimento puro (a priori) em “A crítica da razão pura” (1781) e sobre o problema da

moral em “A crítica da razão prática” (1788). As idéias de Kant, de Hegel e do

evolucionismo deslumbravam os educadores, principalmente os de formação filosófica de

inclinação católica “que passaram a desejar uma feição mais moderna e mais adaptada ao

homem moderno, e que procuravam revesti-lo com as roupagens daquelas idéias” (ALVES,

1979). Esta maneira interpretativa retirada do conceito Kantiano, que acomodava a fé às

idéias dos tempos modernos e era aplicada à educação foi chamada de modernismo e, ao se

difundir influenciando não só os educadores mas todo o corpo eclesiástico, teve como

resposta A Encíclica Pascendi, de 1907, definindo o modernismo como um “amontoado de

todas as heresias”. A partir da conclusão analítica do Papa Pio X, a recomendação para refutar

os erros modernistas estava na adoção da filosofia de São Tomás. A Igreja só admitia como

verdadeira a filosofia que respeitasse o valor do conhecimento humano sob os princípios da

Metafísica, como os: da razão suficiente, da causalidade, da finalidade e da capacidade

intelectual de se chegar à verdade certa e imutável. Estes princípios filosóficos, considerados

indispensáveis pela Igreja e recomendados como orientação para os católicos, eram

defendidos pela filosofia de Santo Agostinho, de S. Boaventura, de Scoto e de Suarez. O mais

apreciado e indicado pela Igreja eram os pressupostos defendidos por São Tomás de Aquino e

deveriam nortear os estudos das Universidades Católicas e dos Seminários (MOURA, 1978,

p.18). Em vista disto, a filosofia kantiana defendida pelos educadores católicos modernos

passa a mesclar-se com a filosofia tomista. Assim considerando, a retomada da tradição

católica já não se impunha com o vigor que lhe era comum, os ventos da modernidade a

sobrepujavam e já não poderiam ser desviados.

Outros pensadores manifestaram suas concepções no mesmo século, XVIII –XIX, que

repercutiram sobremaneira no século seguinte. Fichet, por sua vez, expôs a sua tese

correlacionando a educação e a política na formação do homem e destacou o apoio que a

educação deveria necessariamente buscar na filosofia, quando nos seus pressupostos reforçava

a idéia de que um sistema filosófico contém em si uma teoria educacional.

William James se expressava considerando que “todos possuem uma filosofia, ou seja,

o sentido mais ou menos obscuro ou lúcido que temos do que é a vida honesta e

profundamente o que significa para cada um de nós”. Este conceito poderia ser desdobrado

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em várias versões e revelar a relação íntima entre a filosofia e a educação, a filosofia e a vida.

No interior destas discussões está, portanto, o encaminhamento filosófico-educacional

do homem que tem no modelo de um sistema capitalista a sua atividade prática e a

configuração de toda a dinâmica das relações sociais.

Tendo em vista o cenário das discussões internacionais, preanunciava-se nas

discussões nacionais, uma reforma educacional em que educadores assumiam posições

políticas, concepções e correntes teóricas que se alinhavam e ajustavam-se ou distanciavam-

se. Neste entremeio a Filosofia e a História da Educação, no Brasil, nas décadas de 20 e de 30,

ao afirmarem-se nos currículos das instituições de formação docente, assumiram dupla

função: quando preservavam os fundamentos morais, apoiados nos princípios da metafísica,

da teologia cristã e quando seus conteúdos eram remodelados pelas novas tendências,

apoiados nos princípios e preceitos científicos veiculados pela escola nova.

A dupla tarefa destas disciplinas, no interior das instituições, sedimenta-se tendo os

pressupostos filosóficos dos pensadores antes citados, Kant, Rousseau, William James e

Dewey e, ainda, pela filosofia Tomista. Kant, influenciado por Rousseau e por Hume, tinha

seus fundamentos apoiados na conduta do homem no seu agir e fazer como denunciantes dos

problemas morais, e anunciava a autonomia e a liberdade do homem ao alcançar o

“esclarecimento”, momento em que deixava a sua ignorância e desvencilhava-se da

necessidade da direção de outro homem e ficava livre do seu aprisionamento à “menoridade”.

Rousseau, por sua vez, revelava na sua obra Emílio ou Da Educação, a importância de

conhecer o desenvolvimento da criança, de reconhecer a criança como criança e de permitir a

sua inserção no centro do processo educativo. Este educador destacou com primazia, nos seus

pressupostos filosóficos, a liberdade da criança para aquisição do conhecimento, a

experimentação que era valorizada por meio dos sentidos sobrepujando a teorização, o falar

erudito ou o discurso retórico. Ainda, acrescenta-se a influência que a filosofia de William

James exerceu nos educadores, enunciada na obra Princípios da Psicologia, demarcando a

prática educativa das décadas citadas, ao expor seus princípios acerca do pensamento, da

consciência pessoal e do respeito ao que se caracteriza como a individualidade do pensar.

Dewey (1954), seguidor de William James, aborda uma filosofia pragmática inspirada pelos

princípios democráticos da liberdade, pelo desenvolvimento para uma prática de vida cada

vez melhor. Estas concepções favoráveis à filosofia de uma educação voltada para a

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modernidade eram entrelaçadas pelos pressupostos que seguiam os caminhos da moral

religiosa de forte influência da filosofia Tomista.

O convívio entre concepções contraditórias, assumidas pelos educadores integrantes

do quadro do magistério no interior das instituições, tanto se conflitavam quanto se

interligavam. No esteio dos pressupostos favoráveis e atinentes à formação do homem

moderno e de pressupostos determinados por características tradicionais na tentativa de sua

conservação, a função da Filosofia da Educação adquiriu duplo sentido. Como disciplina

formativa, ao preservar conceitos morais, impunha de um lado, a Filosofia metafísica

inspirada nos pressupostos desenvolvidos por Tomas de Aquino, que se pautava pelo respeito

à autoridade e à hierarquia; de outro lado, não se distanciava da Filosofia de Kant ao valorizar

o aspecto moral e que nos seus primeiros ensaios filosóficos tinha a metafísica como objeto de

estudo. Esta filosofia, kantiana, foi, mais tarde, repudiada pela Igreja, conforme observação

anterior, no entanto, não deixou de ser apreciada pelos católicos. Como disciplina que

buscava nos preceitos da modernidade os seus fundamentos para a formação do homem,

desenvolvia, de um lado, uma metodologia que era recomendada pela Escola Nova e apoiava-

se em uma filosofia progressista de caráter liberal; de outro lado, buscava respaldo nos

princípios da psicologia como alicerce para o conhecimento do desenvolvimento da

aprendizagem e da experimentação como a base prática do conteúdo. Neste caso a liberdade

da criança era fundamental como precedente da autonomia e a tornava como figura central do

processo educativo.

A Escola Nova, por um lado, atendia aos interesses políticos da modernização,

defendia uma metodologia inspirada na atualização e na modernização do ensino. A

racionalização e o cientificismo escolar eram valorizados pelos representantes desta escola

como arautos das novas possibilidades de conquista e de desenvolvimento para a humanidade.

Os representantes deste movimento progressista eram os pioneiros, os renovadores da

educação. Esta Escola que se dizia de base inovadora, confrontava-se, por outro lado, com o

grupo dos católicos conservadores, que lutavam contra o laicismo, contra a irrestrita liberdade

da criança. Esta luta se pronunciava como conseqüência da laicização que vinha se operando

com intensidade desde o século XIX, no Ocidente. Tinha suas raízes no humanismo do

período do Renascimento e ganhou força com a Revolução Luterana no século XVI. Estes

movimentos embalados pela nova forma de interpretação do homem como autor do seu

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destino, fazia com que a Igreja perdesse a supremacia doutrinária, política e social, exercida

desde os tempos medievais (MOURA, 1978, p.24).

A luta dos educadores do grupo dos católicos se fazia frente às ameaças da estrutura

monárquica da Igreja, o que impunha forte resistência às iniciativas democráticas, tanto no

plano nacional como no internacional. Os católicos adotaram uma postura política para fazer

valer “os princípios básicos da ordem social cristã” como eixo orientador da Constituição

política do país. As reivindicações políticas aclamadas para serem incluídas na Constituição

se estruturavam tendo em vista: o reconhecimento explícito do catolicismo como a religião do

povo brasileiro; a manutenção da indissolubilidade do matrimônio e reconhecimento oficial

do casamento religioso; a inserção do ensino religioso católico nas escolas primárias e nas

secundárias oficiais. Esta luta política da Igreja pela incorporação destes princípios à futura

Constituição mobilizou nacionalmente a hierarquia católica, principalmente, no ano de 1931,

vésperas da promulgação da Constituição brasileira (HORTA, 1994, p.99).

Este cenário político influenciava as discussões sobre a reforma educacional,

principalmente no que dizia respeito à identificação de uma filosofia educacional. Esta

batalha teórica, ideológica, política que perpassava o campo educacional, foi aos poucos se

atenuando, à medida que os conservadores conquistaram a possibilidade de atuação religiosa

na educação, por meio de concessões na legislação nacional. Neste mesmo sentido, o duplo

papel que a filosofia da educação enfrentava nos primórdios da sua implantação, no currículo

escolar, foi aos poucos diluindo suas fronteiras, principalmente, a partir da década de 40,

quando se efetivou parte das reivindicações dos católicos constitucionalmente. A partir desta

garantia constitucional os católicos assumiram posturas liberais e progressistas.

Este aspecto é evidenciado nas obras de Amoroso Lima que defendeu uma doutrina

política que valorizava o humanismo cristão. Esta doutrina serviria para evitar os excessos do

liberalismo e do socialismo, procurando encontrar o equilíbrio entre os extremos (CAMPOS,

1998, p.109). Esta postura não se apresentava contrária aos fundamentos liberais, mas os

articulava com os tradicionais, o que impunha uma base harmônica social. Para tanto ao

estudar e refletir sobre a filosofia de John Dewey, antes rejeitada pelos católicos e defendida

pela oposição, Amoroso Lima produziu um artigo sobre “Os valores na Filosofia de John

Dewey”. Neste artigo o autor afirmava que esta filosofia deveria ser considerada naquilo que

ela apresentava de positivo e valioso e não apenas na adoção de um naturalismo

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(CAMPOS,1998, p.136). A oposição já não se fazia de maneira radical, tornava-se

conciliatória, aproximava a dialética do pensamento tradicional com o liberal. Demonstrava

um esforço de síntese entre as duas posições. Neste sentido, as formulações dos teóricos,

frente ao modo de produção capitalista e desenvolvimentista, é que se oportuniza às

disciplinas da História da Educação e da Filosofia da Educação tomarem lugar no espaço dos

cursos de formação de professores, no início do século XX, no Brasil. Estas disciplinas foram

originariamente valorizadas no currículo como as que atribuíam à educação um caráter

formativo e foram dispostas em um só bloco denominado como Filosofia e História da

Educação. Porém, era a Filosofia que possuía a primazia no quadro das discussões e era ela

que servia de suporte à História da Educação.

A História da Educação retirava da filosofia a sua temática, os seus conteúdos e as

suas abordagens e era considerada como uma das especializações que a Filosofia havia criado.

A função da disciplina Filosofia e da História da Educação, no programa curricular, consistia

em dar um sentido moral à educação. Esta moral era acolhida dos valores absolutos e

transcendentais, que a humanidade até então havia alcançado e esbarrava nos novos conceitos

que tinha sustentação nos problemas sociais gerados pelo mundo capitalista, e que se

concretizavam nos princípios liberais inspirados por Kant, Rousseau, James. E era na

definição de uma Filosofia da Educação, mesclada por discussões entre correntes

contraditórias, que se encontrava o ponto de partida para a concretização da finalidade da

educação, ou seja, da educação do homem moderno.

No Brasil, ao final do século XIX e início do século XX, momento em que se discutia

o rumo político-econômico da República e a educação como ato conseqüente para o seu

desenvolvimento, a filosofia da educação passa a ter relevância acentuada como disciplina

que possibilita o pensamento crítico-reflexivo sobre os problemas sociais e sobre os

encaminhamentos educacionais, como forma de conscientização e direção para condutas e

comportamentos que melhor se adequavam àquela sociedade. No interior das discussões e em

meio às proposições filosóficas do tomismo e do modernismo, acentua-se o percurso da

Filosofia da Educação nas escolas de formação de professores, caracterizada pela posição que

diferentes educadores assumiam, pelo caminho da filosofia tradicional, conservadora ou pelo

caminho da filosofia moderna, progressista e liberal. A implantação de uma reforma que se

caracterizava pela Escola Nova, era atravessada por estas posturas. Diante deste cenário o

pensamento filosófico nacional, nas décadas posteriores, vai se compondo e adquirindo

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características próprias de um estado conciliatório, de aparência eclética ao tirar o que havia

de “bom” e de “melhor” das concepções dos pensadores que influenciavam a ordem mundial

para a concretização das características de um homem moderno.

As transformações econômicas causadas pela aceleração do modo de produção

capitalista e o crescente desenvolvimento urbano, criaram a necessidade da expansão

educacional, antes ofertada somente às camadas sociais mais elitizadas. Os segmentos sociais

de classe média passam a requerer uma educação secundária e as classes populares solicitam

uma educação elementar para os filhos. A Igreja, até então, controlava o ensino secundário

sem preocupar-se com o ensino primário. A expansão deste segmento educativo, acelerava-se

nas últimas décadas, atraindo a atenção da Igreja para conquistar a introdução do ensino

religioso nas escolas públicas. Neste sentido, compreende-se que a Igreja passa a lutar por

este espaço para garantir sua influência sobre as classes populares (HORTA, 1994, p.101 ).

Diante deste cenário nacional, as discussões que perpassavam a Europa eram pela

constituição de uma escola moderna que atendesse às necessidades do capital. As polêmicas

diziam respeito à filosofia que deveria nortear a finalidade educativa, a formação do homem

moderno. Esta conjuntura influencia a discussão nacional que politicamente se via atravessada

por interesses diferentes. De um lado encontrava-se a defesa do ensino religioso, ou seja, da

Filosofia tradicional que assegurava os princípios da religião cristã entremeada pelo interesse

político de expansão e de garantia do ensino religioso na educação como portador da

segurança da moral do cidadão, afirmativa completada por Campos de que a Igreja era uma

força moral. O conceito de filosofia, no seu aspecto tradicional, no interior da escola tinha

como fim essencial “não só instruir, mas educar, não só habilitar técnicos senão também

formar homens que, na vida doméstica, profissional e cívica sejam cumpridores fiéis de todos

os seus deveres” (HORTA, 1994, p.101). Esta política de educação deveria excluir as

influências materialistas; garantir à escola a liberdade de ensinar a religião e que o ensino se

baseasse em uma concepção espiritualista da vida, ou seja, que adotasse uma filosofia

educacional com base na metafísica.

Ao discutir, em 1931, a ação pedagógica da Igreja para atingir as classes mais

populares na educação primária, os educadores salientavam a sua importância para a garantia

da conduta moral e intelectual da sociedade (HORTA, 1994, p.100). A educação das massas

adquiriu importância ao prenunciar a possibilidade de expansão do universo de ação da Igreja,

e o discurso adotado popularmente acenava para a extensão da educação, que já vinha sendo

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realizada no aspecto espiritual e cultural das elites, para outro segmento social, o popular. O

sucesso desta luta política permitiria a aproximação da Igreja ao Estado e à legislação.

De outro lado encontrava-se a defesa de uma Filosofia de formação para a vida do

homem como cidadão de uma sociedade que se desejava moderna. Seguia a influência

internacional a favor da democracia, pressionada pelos direitos humanos, por uma política

democrática e por uma visão liberal do mundo e, ao mesmo tempo, fortalecia sua influência

na disputa por um modelo de Filosofia que norteasse o ensino, alicerce para o futuro cidadão.

Assim, as duas concepções se interpunham no mesmo espaço, a tradicional que estaria

conservando o espírito da religião cristã, explicitada pelos conservadores e proclamada como

a religião do povo, da grande maioria dos brasileiros e a filosofia moderna mais condizente

com os novos tempos em que a modernização do país era uma necessidade diante do impacto

econômico que vinha sofrendo ao depender da indústria internacional. Neste sentido, a

posição filosófica para uma educação liberal, democrática, progressista, cujos pressupostos

estavam voltados para a educação do homem moderno, se fazia presente nos países da Europa

e nos E.E.U.U. desde o início do século quando a pauta nas discussões político-educacional

era a democracia. No Brasil, esta preocupação com a democracia não era acentuada uma vez

que os interesses políticos se manifestavam com forte repercussão na conservação dos

princípios estabelecidos pela moral cristã. Esbarrava no aspecto moral que acompanhava a

ciência da modernidade e no próprio conceito educacional impregnado da moral tradicional.

Assim, o pensamento filosófico, durante a Primeira República, impregnado da teologia cristã

e influenciado por raízes religiosas ou metafísicas, tinha sua coordenada teórica sob os

auspícios de uma visão predominantemente essencialista.

Neste panorama, os autores se preocupavam com o fim da educação, ou seja, com os

fundamentos filosóficos educacionais que poderiam dar suporte para a escolarização do

homem que se pretendia moderno. A composição de uma filosofia educacional comprometida

com a modernidade, definida pelo educador liberal Teixeira (1975, p.166) “busca auxiliar a

estabelecer o mais compreensivo método de julgar, com integridade e coerência, os valores

reais da vida atual, para o efeito de dirigi-la para uma vida cada vez melhor e mais rica”,

diferia das definições de educadores e escritores católicos que, também, defendiam o novo

regime como Jonathas Serrano e Felício dos Santos (MOURA, 1978, p.65). Felício dos

Santos defendia a filosofia kantiana e definiu a filosofia como sendo “a ciência que completa

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a unidade do saber” afirmando que o pensar filosófico deve ser independente dos interesses

apologéticos. Apresentou a doutrina kantiana das duas razões e da preeminência da razão

prática sobre a razão pura, afirmando a importância destas teses não só no aspecto filosófico,

mas também no religioso uma vez que o conceito de fé religiosa do modernismo derivava do

conceito da fé que Kant punha na razão prática (MOURA, 1978, p. 71). Serrano, como adepto

dos fundamentos da Escola Nova, defendia os aspectos metodológicos da prática, da

experimentação e da inovação dos conteúdos sem deixar de considerar os aspectos filosóficos

da religião cristã. Participou ativamente do grupo dos pioneiros, ajudou a redigir o manifesto,

mas não teve força suficiente para impedir que o laicismo e a liberdade da criança deixassem

de transparecer de forma predominante.

Enquanto, poucos católicos se manifestavam a favor da Escola Nova, muitos

radicalizavam suas posições tais como Everaldo Backeuser e Alceu Amoroso Lima, e outros

que procuravam impedir, pelo menos em parte, que as idéias do pedagogo e discípulo de

Dewey, Anísio Teixeira, dominassem a educação brasileira. Alceu Amoroso Lima mais tarde

reviu e reformulou sua posição a favor da Escola Nova.

A Igreja, neste período, percebendo que suas estratégias não predominavam sobre os

ares do modernismo e que a filosofia cristã se impregnava da filosofia liberal, publicou a nova

Carta do Papa Pio XII, reafirmando a validez “do método e da doutrina de S. Tomás” e

lastimou que:

“hoje, a filosofia, confirmada e admitida pela Igreja, seja objeto de desprezo da parte de alguns, a ponto de, imprudentemente, declará-la antiquada na forma racionalista do processo do pensamento. Vão espalhando que esta nossa filosofia defende erroneamente a opinião que possa existir uma metafísica verdadeira de modo absoluto, quando, pelo contrário, sustentam que as verdades, especialmente as transcendentes, não podem ser expressadas mais convenientemente que por meio de doutrinas divergentes que se contemplam entre si, ainda que sejam em certo modo entre si opostas... objetam, ademais, que a filosofia perene não é senão a filosofia das essências imutáveis, ao passo que uma mentalidade moderna se deve interessar é pela existência de cada indivíduo e da vida sempre em devir” (MOURA, 1978, p.97).

As demandas do modernismo impediam a ação da Igreja tal como havia se

apresentado no passado, a sua remodelação era inevitável uma vez que os seus seguidores já

não respondiam com tanta convicção à filosofia correspondente. Em vista disto os discursos

sobre a reforma educacional na sua metodologia e muito da sua filosofia foram

reconsiderados pelos radicais dogmáticos.

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Nesta perspectiva podemos afirmar que a Filosofia da Educação que teve seu

nascimento no Brasil ao final do século XIX, foi se configurando com aspectos religiosos e

democráticos, ou seja, com aspectos de uma filosofia tradicional e uma filosofia progressista,

pragmática.

Conclusões

Tendo em vista a análise, anteriormente explicitada, compreende-se que as raízes da

filosofia nacional não podem ser demonstradas sem a interferência internacional e, ao mesmo

tempo sem considerar o contexto expresso nacionalmente. A filosofia tradicional, que procura

conservar os preceitos da religião cristã, e a filosofia progressista ou liberal, que procura

desenvolver a formação para um homem moderno, de princípios democráticos, de

responsabilidade sobre as suas ações, encontram-se explícitas nos discursos sob pontos de

vista de concepções contraditórias.

Estas posições expostas durante o final do século XIX e início do XX, principalmente

na década de 20, apresentam-se radicalizadas e controvertidas. No entanto, na década de 30,

posterior à promulgação da constituição atenuam-se as divergências. A explicação deste fato

transparece na luta e na conquista de parte das reivindicações da Igreja quando da

consolidação legalizada do ensino religioso nas escolas públicas. Segmento social que

asseguraria a hegemonia da religião cristã no seio popular e, ao mesmo tempo, a sua

participação nas decisões do Estado, do qual se encontrava afastada.

Se considerarmos a finalidade da filosofia como uma disciplina que procura educar

“os homens de um modo sensato e esclarecido” para organização de sua própria vida e ao

mesmo tempo refletir sobre o que ela deverá ser, temos aí argumentos necessários para o

delinear de uma Filosofia da Educação ou considerar filosoficamente a educação como de

caráter formativo (KNELLER, 1970, p.12). O caráter formativo age sobremaneira na

consciência, no comportamento ou conduta que faz do indivíduo um homem desta sociedade

e está impregnado de uma transmissão cultural de conhecimentos, de valores e de ideais.

Estas manifestações não só são encontradas na própria disciplina como estão expressas na

literatura e nos discursos de diversos segmentos sociais.

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Considerando a Filosofia da Educação brasileira nas suas raízes pode-se afirmar que

ela se apresenta sob aspectos de interferência internacional, quando os autores clássicos (de

tradição teológica ou defensores dos aspectos tradicionais) e os autores contemporâneos

contrapõem as suas concepções; e, por outro lado, quando se apresenta sob aspectos

coordenados pelo cenário nacional, ao manifestar as contraposições e as aproximações entre

concepções tradicionais e progressistas, em momentos diferentes. Neste cenário temos a

elevação de um ecletismo que aproxima o que é considerado de utilidade, de uma concepção e

de outra, mesmo quando opostas, como recomendado por Dewey. Este é o estilo nacional que

vai se forjando na Filosofia da Educação nas primeiras décadas do século XX .

REFERÊNCIAS

ALVES, M. M. A Igreja e a política no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1979. CAMPOS, F. A. Tomismo no Brasil. São Paulo: Paulus, 1998. DEWEY. Vida e educação. 4. ed. São Paulo : Edições Melhoramentos, 1954. HORTA, J.S.B. O hino, o sermão e a ordem do dia: regime autoritário e a educação no Brasil (1930-1945). Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1994. KNELLER, George F. Introdução à Filosofia da Educação. 3.ed. Zahar, 1970. MOURA, O. As idéias católicas no Brasil: direções do pensamento católico no Brasil no século XX. São Paulo:Convívio, 1978. TEIXEIRA, Anísio. Pequena introdução à Filosofia da Educação. 7.ed. São Paulo: Nacional,1975.