FILOSOFIA, DIREITO E JUTIÇA
DR DANIEL SOTELO
INDICE
PARTE I FILOSOFIA
INTRODUÇÃO
De um modo geral, os estudos filosóficos têm como espinha dorsal que é o estudo da
história da filosofia. Para se estabelecer uma sequência histórica da filosofia podem-se
usar diferentes critérios.
Normalmente, a periodização é feita a partir de uma correlação com os períodos
históricos, políticos e culturais. Desse modo, fala-se em
1) Filosofia Antiga;
2) Filosofia Medieval ;
3) Filosofia Moderna ;
4) Filosofia contemporânea.
"1) que sejam, em primeiro lugar, intra-sistemáticos e propriamente filosóficos e, além
disso,
2) que sejam evolutivos ou dinâmicos, isto é, que permitam compreender não apenas a
diferença essencial entre o pensamento de diferentes períodos, mas também o princípio
interno de passagem de um a outro."
A periodização permite efetivamente que o iniciante nos estudos filosóficos encontre o fio
de Ariadne que o conduza com segurança no labirinto temporal em que pode se
transformar a história da filosofia. Por isso, vale a pena conhecê-lo:
Período filosófico
Correspondência ao período histórico
Grandes nomes
Disciplina-chave
Conceito-chave
1. Período
metafísico
Época antiga,
medieval e início
da moderna
Platão,
Aristóteles,
São Tomás de
Aquino
(Descartes
Metafísica
(ontologia)
Ser
2. Período
epistemológico
(ou
transcendental
)
Época moderna Descartes, Kan
t
Epistemologia,
Teoria
transcendental
Verdade,
objetividade
, validez
3. Período
semântico-
hermenêutico
Época
contemporânea
Husserl,
Dilthey,
Heidegger,
Frege,
Wittgenstein
Teoria da
significação,
Fenomenologia
,
Hermenêutica,
Semântica
(análise lógica
da linguagem)
Significado,
Semântica:
análise
lógica da
linguagem
Chamamos de Filosofia Antiga o período que data desde a sua criação, no século VI a.C.
até a queda do Império Romano, quando os pensadores gregos começaram a se fazer
inúmeras perguntas sobre a racionalidade humana, e tentaram encontrar explicações
para absorver o entendimento de sua própria natureza.
1 HISTÓRIA DA FILOSOFIA
1 ORIGEM E NASCIMENTO DA FILOSOFIA
1.1 A ORIGEM DA FILOSOFIA
- A palavra Filosofia vem de uma raiz etimológica do grego: 1.
- Philo - 2 - vem de philia: amizade, amor fraterno, respeito entre os iguais.
- Sofia - 3 - vem de sophos: sabedoria, conhecimento, saber, conhecer, sábio.
- Filosofia também significa: amizade pela sabedoria, amor pelo conhecimento,
amor e respeito pelo saber. Isto indica um estado de espírito da pessoa que ama, que
deseja estima, procura e respeita o conhecimento.
- Atribui-se ao filósofo grego Pitágoras de Samos4 a invenção da filosofia, o uso do
termo filósofo, porém é de Tales de Mileto o uso mais próximo que possuímos na
atualidade.
- A sabedoria plena e completa pertence aos deuses, mas que os homens podem
desejá-la ou amá-la, tornando-se filósofos.
- No pensamento chinês – O universo inteiro é feito da oposição entre qualidades
atribuídas a dois sexos diferentes.
1Consultar o livro de PETERS, F. E. Termos filosóficos gregos, Fundação Calouste Gulbenkian,
Lisboa, 1983. Filosofia em grego – amigo da sabedoria. Este conceito é apenas etimológico. O conceito é
mais abrangente.
2 Em grego amigo. Pelo relato tradicional Grego Pitágoras foi o primeiro a usar o termo filosofia e
doto apalavra com um sentido fortemente religioso e ético, que melhor expressa a opinião do filósofo
exposta por Sócrates no Fédon 62c – 69e. Em Aristóteles perdeu o sentido pitagórico e filosofia tornou-se
agora um sinônimo de episteme no sentido de uma disciplina intelectual que procura as causas. Em
Aristóteles o qual menciona a “filosofia primeira” ou uma “teologia” que tem como objeto não as coisas
mutáveis como a física ou “filosofia segunda”. A divisão da filosofia no seu início era a: física, ética, logica.
3 Sabedoria em grego. O significado original da palavra liga-a a artesanato Ver Homero em liada,
XV, 412; Hesíodo em Trabalhos, 651; Aristóteles. (Ética a Nicomaco VI, 1141a). A época de Heródoto
abrangia o tipo mais teórico. Em Pitágoras tem o sentido de sabedoria. Em Platão há uma distinção implícita
entre a verdadeira Sophia que é o objeto principal de filosofia (Fedro, 278 d) e que como phronesis se liga a
episteme o verdadeiro conhecimento.
4 O criador da filosofia no sentido que conhecemos até os dias atuais.
- No pensamento grego – faz-se a distinção entre as qualidades sensoriais que nos
aparecem e a estrutura invisível da Natureza.
1.2 O NASCIMENTO DA FILOSOFIA
- A filosofia nasceu no final do século VII a. C. e no início do século VI a. C., nas
colinas gregas da Ásia Menor.
- O primeiro filósofo a usar estes termos com o sentido que temos hoje foi Tales de
Mileto5.
- O principal conteúdo da filosofia no seu nascimento foi: cosmologia6 – cosmos –
mundo organizado e logia – pensamento racional.
- As principais características da filosofia em seu nascimento foram:
- Uma tendência à racionalidade;
- Ou a tendência a oferecer respostas conclusivas aos problemas;
- Ela fazia exigências de que o pensamento apresente regras de funcionamento –
justificativa de idéias.
- Recusa de explicações pré-estabelecidas;
- Tendências à generalização.
O filósofo não é movido por interesses comerciais, mas faz das idéias e dos
conhecimentos uma habilidade para vencer competidores, mas é movido pelo desejo de
observar, contemplar, julgar e avaliar as coisas, pelo desejo de saber.
O que perguntavam os primeiros filósofos na antiguidade?
- Por que os seres nascem e morrem?
- Por que semelhantes dão origem a semelhantes?
- Por que tudo muda?
5 Físico e filósofo que viveu antes de Cristo. Pitágoras era m físico, matemático, e um grande
pensador filosófico. Ele afirmava que “o começo é a metade do todo”. Os pitagóricos inventaram os homoia “similitudes”.
6 A cosmologia é o estudo do cosmo, do mundo. Do grego cosmos e logia. Há uma tradição deque
primeiro a descrever o universo como um cosmos foi Pitágoras, mas a noção de universo está em
Anaximandro, Anaxímenes como ordem deste universo ou o universo como ordem. Mas em Empédocles
tem uma relação correlata do homem como microcosmos do universo já apareciam em Demócrito. Os
pitagóricos tiveram a intuição original como uma teoria do universo. O universo era um cosmos porque
podia ser reduzido à matemática (harmonia) dado que a arché de todas as coisas eram os números
(arithmos) em Metafisica de Aristóteles 985b.
- Por que a doença invade os corpos?
- Por que o uno se multiplica?
- De onde vêm as coisas?
- Para onde vamos?
- Como saber e como conhecer?
- O que é o ser e o não-ser?
- Existe um ser superior, um demiurgo?
- Os deuses dão origens a todas as coisas?
A religião, as tradições e os mitos explicavam todas essas coisas, mas suas explicações
já não satisfazem mais os filósofos.
Tente responder estas perguntas anteriores destes filósofos.
1.2 A FILOSOFIA E O MITO7
1.2.1 O Conceito de mito8
No começo da filosofia grega há algo em si de não filosófico, que é o mito. É a
fé da comunidade nas grandes questões do mundo e da vida, dos deuses e homens, que
dá ao povo a matéria do seu pensamento e do seu agir. Recebem-na da tradição popular,
irrefletida, crente e cegamente. Consoante bem é notado Aristóteles de Estagira, o amigo
do mito é, apesar disso e a certa luz, também um filosofo. Por isso que, no mito,
preocupa-se ele com problemas que vão ser, por sua vez, objeto da Filosofia. Donde vem
o mencionar Aristóteles, de bom grado, quando se refere aos pressupostos de uma
questão filosófica e a busca de sua solução, também as opiniões dos “primitivos”, que
foram os primeiros a “teologizar”.
1.2.2 A Mitologia em Homero e Hesíodo
7 Mito é um relato de uma realidade. Na antropologia moderna o mito é uma descrição de uma
realidade não só do indivíduo, mas de uma tribo ou sociedade. A palavra grega Mythos sempre esta em
contraste com logos, um relato racional, analítico e verdadeiro. O Mythos está relacionado com a teogonia
e a cosmogonia.
8 O mito não é concebido mais como uma imaginação ou mentira, mas uma verdade. Na
antropologia o mito está cheio de significados.
A palavra mito vem aqui logo à tona nas obras de Homero9 e Hesíodo10, com seus
ensinamentos sobre a origem dos deuses (teogonias11) e a produção do mundo
(cosmogonias). Assim, conforme a mitologia em Homero, devemos procurar a causa
primeira de todo devir nas divindades do mar, o Oceano e Tetis, e também na água, nas
quais os deuses costumam jurar, e que o poeta e escritor denominam de Estígio. Em
Hesíodo aparecem o Caos, o Éter e o Eros como os princípios primeiros de tudo. Mas, as
origens do mal, a questão da responsabilidade e da culpa, do destino e da necessidade,
da vida e da morte, e dos semelhantes estão presentes no mito. Sempre se manifesta aí
um pensamento total e completamente imaginoso, visionado pelos claros olhos do poeta,
em caso particular e concreto, intuitivamente, para depois universalizar a intuição, e
transferi-la, e transporta-la para a vida e o mundo em geral, explicando assim a totalidade
do ser e do devir.
1.2.3 O Orfismo12
No século VI a. C. desceu para a Grécia, das montanhas da Trácia, uma nova
mitologia. O seu ponto central é ocupado pelo deus Dioniso; o seu sacerdote é Orfeu13, o
cantor e taumaturgo trácio. Friedrich Nietzsche14 fez mais tarde de Dioniso o símbolo da
vida e da fé na vida, em todas as suas alturas e profundezas. O deus do vinho Dioniso 15
era também, na realidade, um deus da vida, sobretudo da fecundidade da natureza, e era,
nos bacanais, honrado com entusiásticos modelos muito vulgares.
1.2.4 A era a fuga do mundo
A dogmática dos teóricos do orfismo era, contudo, coisa totalmente diferente de
uma afirmação vital. Devemos, antes, considerá-lo como uma vaga mistura de ascese e
mística, culto das almas e esperanças no além, coisas todas muito estranhas ao povo de
Homero. Agora, já a alma não é sangue, mas espírito; oriunda de outro mundo; exilada
nesta terra, como castigo por uma culpa original; encadeada ao corpo, deve passar por
uma longa peregrinação até a liberdade dos sentidos. Vida para a purificação completa do
sensível era uma serie de proibições de alimentos, como a carne e as favas. Pequenas
9 Grande escritor antes de Cristo. Escreve uma grande obra de folego denominada de Ilíada.
10 Outro grande escritor deste período.
11 Criação dos deuses e de todas as coisas.
12 Religião da fertilidade na Grécia Antiga.
13 Autor lendário de hinos, cânticos e poesias.
14 Filósofo alemão que escreveu em formas de aforismos.
15 Dioniso era um dos deuses grego.
peças de laminas de ouro, enterradas com os mortos, testemunhavam que a sua alma
provinha “pura dos puros” e que “libertou-se do penoso ciclo das reencarnações”. A
doutrina do Orfismo sobre o destino das almas, depois da morte, espelha-se nos grandes
mitos escatológicos, nos diálogos platônicos de: Górgias, Fédon, e Republica. Os
dogmas do orfismo já possuíam, também, uma filosofia bem elaborada teologia e
cosmogonia.
1.2.5 Certos tipos de Cosmogonia
Ensinava que no princípio existiu o Caos e a Noite. No Caos devemos
compreendê-lo literalmente como o vácuo abissal ou o precipício. A Noite gerou um ovo, o
ovo cósmico, donde nasceu o amor (Eros) alado. “E este, consórcio com o abismo
escuro, alado e noturno, no vasto Tártaro, deu origem ao nosso gênero, e o trouxe fora,
para a luz. Não tinha o gênero dos mortais, antes de ser produzido à unidade pelo amor;
quando, porém, ele uniu uma parte com outra, surgiu o Céu, e o Oceano e a Terra, e o
gênero imortal de todos os deuses”. Segundo uma fonte mais recente, a origem primitiva
do Cosmos foi um dragão com cabeça de touro e de leão; no meio, porém, tinha um rosto
de um deus, e nos ombros, asas. É conhecido como o deus do tempo eternamente jovem.
O dragão produziu uma tríplice seminação: o Éter úmido, o Abismo ilimitado e escuro e a
nebulosa Escuridão; e, além disso, de novo, um ovo cósmico.
Tudo isto é intuição de todo fantasiosa e poética. Tem-se visto na mitologia órfica
uma forma da tradição oriental. Em particular o dualismo de corpo e alma, do aquém e do
além, e, em geral, uma forma de vida em fuga do terreno, “uma gota de sangue
estrangeiro” na Grécia. A terra original destas corrupções pode, na realidade, ter sido a
Índia, onde tais idéias aparecem cerca do século VIII a. C., nos Upanishads 16, escritos
exegéticos dos escritos de Vedas. Também se encontram na religião de Zoroastro, no
planalto do Irã, como resulta dos antigos Gathas do Zendavesta. Estas idéias teriam sido
então, sempre um patrimônio espiritual ariano.
1.2.6 O Mito e o Logos17
Muito mais importante, porém, que a questão da origem é a sobrevivência dessas
concepções. Aristóteles de Estagira18 disse, com razão, a propósito do mito, que ele não
constituía ciência, porque esses “teólogos” arcaicos apenas reproduziam as doutrinas
tradicionais sem apresentarem nenhumas provas. A oposição é feita por aqueles que
16 Livro sagrado dos Hindus.
17 Logos é a palavra em grego que abrange um sentido muito vasto, verbo, palavra, era tudo.
18 Aristóteles de Estagira escreveu a obra Ética a Nicômaco, filosofo e cientista antes de Cristo.
“falam acrescentando provas, dos quais, por isso, podemos esperar uma verdadeira
“convicção”. Com isso quer se referir aos filósofos. Por estes metódicos momentos da
dúvida, da prova e da fundamentação, distingue ele o mito, da Filosofia, embora tenha
pouco concedido que o amigo do mito, a certa luz, também era filosofo.
A Filosofia é, ao lado do mito, realmente algo de novo. Já não se vive numa crença
cega, do patrimônio espiritual do vulgar, mas o indivíduo volta-se todo para si mesmo e
deve agora, livre e sem tutela, elaborar por si, examinando e provando, o que pensa e
quer considerar verdadeiro. É uma posição espiritual diferente da do mito. Contudo, não
devemos perder de vista que as questões formuladas pelo mito, como suas intuições
conceituais, elaboradas nos obscuros e não críticos tempos anteriores, ainda
sobreviveram na linguagem conceitual filosófica.
A crítica do conhecimento filosófico impõe-se aqui a tarefa de examinar se os
presumidos instrumentos racionais de pensamento filosófico também estão, na realidade,
todos racionalmente funcionando. Talvez não o sejam. E isto não somente por uma
recusa, mas por que o espírito ultrapassa o “saber” e abrange o mito, num sentido
positivo, como um caminho apropriado para a sabedoria. De maneira que somente o
crente na ciência iluminada é que pretende libertar-se do mito, ao passo que Aristóteles
diz, com razão, que também o mito, a seu modo, filosofa.
2 HISTÓRIAS DO INÍCIO DA FILOSOFIA ANTIGA
Costuma-se atribuir a Pitágoras de Samos, filósofo grego que viveu no século VI
a. C, a criação do termo Filosofia. Para os gregos a Filosofia tinha um significado muito
profundo, era uma constante busca pela sabedoria, era o amor por esta tal sabedoria. O
saber era algo mágico, um dom, se assim podemos dizer, um privilégio que apenas os
deuses possuíam, e cabia aos humanos tentar encontrá-la, entendê-la, e assim,
compartilhá-la, mesmo que fosse necessário entender que por mais que se procure a
sabedoria, ninguém jamais a terá. Ela é uma busca constante, quanto mais se procura,
mais se tem a procurar. A princípio ela tinha um conceito religioso, pois sempre que se
falava em Filosofia se citavam os deuses e seres míticos, porém, mesmo com a mudança
de raciocínio muito tempo depois, o significado geral continuou sendo o mesmo, pois
independente da área que ela seja empregada, seu conceito é único, a busca pela
sabedoria.
O primeiro filósofo foi o grego Tales de Mileto, que se viu com uma enorme
necessidade de entender o mundo, não apenas como todos diziam entender, mas de uma
força mais profunda, com argumentos concretos, reais.
Quando a Filosofia antiga diz que seu objetivo é compreender toda a racionalidade
humana, o que ela está realmente tentando nos explicar é que seu objetivo de estudo não
aceita simples explicações míticas, sem uma origem clara ou fundamentada. Não é
aceitável dizer que está chovendo apenas porque uma nuvem carregada, enviada por um
deus, parou sobre um local. Os filósofos queriam mais do que essa teoria, eles desejavam
a compreensão por inteiro de tal ato, o porquê desta nuvem está carregado, que detalhes
fazem com que se acumule essa água e ela caia em seguida. Como se formam essas
partículas. Eles querem argumentos, querem entender as verdadeiras causas desse
fenômeno, isso o distingue dos mitos, pois sua explicação deve vir da Razão, com
fundamentos convincentes.
2.1 AS ESCOLAS FILOSÓFICAS
Quando citamos a história da Filosofia Grega ouvimos muito falar em
certas escolas, e a escola Jônica é um nome muito citado, isto acontece porque foi nela
que a filosofia teve início, na Jônia, uma colônia grega da Ásia. Os grandes filósofos que
fazem parte dessa escola tinham como base a busca pela origem das coisas, um exemplo
disso é o já citado Tales de Mileto, que buscava a existência de um princípio para tudo,
além também de Anaximandro, outro importante nome.
A escola Itálica, que fez parte do período pré-sofista teve nomes de destaque, como
Filolau de Crotena, e Aquitas de Tarento.
Pulando para uma outra importante escola, a de Alexandria, temos nomes que se
tornaram famosos e conhecidos em várias ciências, como:
Pitágoras, que além de influenciar na Filosofia contribuiu e muito na matemática, com
seus teoremas que levam seu nome e que conhecemos na escola;
Demócrito, que alegava que todas as coisas do universo eram compostas por
átomos;
Heráclito, que acreditava em uma lei do universo caracterizada por uma mudança
constante.
A filosofia antiga terminou com o fim do período helenístico, que teve como nomes de
destaque Zenão de Cício, Panecio de Rodes, Sêneca e Marco Aurélio.
2.2 A FILOSOFIA NA GRÉCIA ANTIGA
A palavra filosofia é de origem grega e significa amor à sabedoria. Ela surge desde
o momento em que o homem começou a refletir sobre o funcionamento da vida e do
universo, buscando uma solução para as grandes questões da existência humana. Os
pensadores, inseridos num contexto histórico de sua época, buscaram diversos temas
para reflexão. A Grécia antiga é conhecida como o berço dos pensadores, sendo que os
sophos (sábios em grego) buscaram formular, no século VI a.C., explicações racionais
para tudo aquilo que era explicado, até então, através da mitologia.
2.2.1 Os Pré-Socráticos
Podemos afirmar que foi a primeira corrente de pensamento, surgida na Grécia
Antiga por volta do século VI a.C. Os filósofos que viveram antes de Sócrates se
preocupavam muito com o Universo e com os fenômenos da natureza. Buscavam explicar
tudo através da razão e do conhecimento científico. Podemos citar, neste contexto, os
físicos Tales de Mileto, Anaximandro e Heráclito. Pitágoras desenvolve seu pensamento
defendendo a ideia de que tudo preexiste a alma, já que esta é imortal. Demócrito e
Leucipo defendem a formação de todas as coisas, a partir da existência dos átomos.
2.2.2 Período Clássico
Os séculos V e IV a.C. na Grécia Antiga foram de grande desenvolvimento cultural
e científico. O esplendor de cidades como Atenas, e seu sistema político democrático,
proporcionou o terreno propício para o desenvolvimento do pensamento. É a época dos
sofistas e do grande pensador Sócrates.
Os sofistas, entre eles Górgias, Leontinos e Abdera, defendiam uma educação,
cujo objetivo máximo seria a formação de um cidadão pleno, preparado para atuar
politicamente para o crescimento da cidade. Dentro desta proposta pedagógica, os jovens
deveriam ser preparados para falar bem (retórica), pensar e manifestar suas qualidades
artísticas.
Sócrates começa a pensar e refletir sobre o homem, buscando entender o
funcionamento do Universo dentro de uma concepção científica. Para ele, a verdade está
ligada ao bem moral do ser humano. Ele não deixou textos ou outros documentos, desta
forma, só podemos conhecer as idéias de Sócrates através dos relatos deixados por
Platão.
Platão foi discípulo de Sócrates e defendia que as idéias formavam o foco do
conhecimento intelectual. Os pensadores teriam a função de entender o mundo da
realidade, separando-o das aparências.
Outro grande sábio desta época foi Aristóteles que desenvolveu os estudos de
Platão e Sócrates. Foi Aristóteles quem desenvolveu a lógica dedutiva clássica, como
forma de chegar ao conhecimento científico. A sistematização e os métodos devem ser
desenvolvidos para se chegar ao conhecimento pretendido, partindo sempre dos
conceitos gerais para os específicos.
3 O PERÍODO PÓS-SOCRÁTICO
Está época vai do final do período clássico (320 a.C.) até o começo da Era Cristã,
dentro de um contexto histórico que representa o final da hegemonia política e militar da
Grécia.
Ceticismo: de acordo com os pensadores céticos, a dúvida deve estar sempre
presente, pois o ser humano não consegue conhecer nada de forma exata e segura.
Epicurismo: os epicuristas, seguidores do pensador Epicuro, defendiam que o bem
era originário da prática da virtude. O corpo e a alma não deveriam sofrer para, desta
forma, chegar-se ao prazer.
Estoicismo: os sábios Estoicos como, por exemplo Marco Aurélio e Sêneca,
defendiam a razão a qualquer preço. Os fenômenos exteriores a vida devia ser deixada
de lado, como a emoção, o prazer e o sofrimento.
4 A FILOSOFIA PATRÍSTICA I
4.1 DO SÉCULO I AO SÉCULO VIII d. C.
Inicia-se com as Epístolas de São Paulo e o Evangelho de São João e termina no século
VIII, quando teve início a Filosofia medieval. A patrística resultou do esforço feito pelos
dois apóstolos intelectuais (Paulo e João) e pelos primeiros Padres da Igreja para
conciliar a nova religião - o Cristianismo - com o pensamento filosófico dos gregos e
romanos, pois somente com tal conciliação seria possível convencer os pagãos da nova
verdade e convertê-los a ela.
A Filosofia patrística liga-se, portanto, à tarefa religiosa da evangelização e à defesa da
religião cristã contra os ataques teóricos e morais que recebia dos antigos. Divide-se em
patrística grega (ligada à Igreja de Bizâncio) e patrística latina (ligada à Igreja de Roma) e
seus nomes mais importantes foram: Justino, Tertuliano, Atenágoras, Orígenes,
Clemente, Eusébio, Santo Ambrósio, São Gregório Nazianzeno, São João Crisóstomo,
Isidoro de Sevilha, SANTO AGOSTINHO, Beda e Boécio.
A patrística foi obrigada a introduzir idéias desconhecidas para os filósofos greco-
romanos: a idéia de criação do mundo, de pecado original, de Deus como trindade una,
de encarnação e morte de Deus, de juízo final ou de fim dos tempos e ressurreição dos
mortos, etc. Precisou também explicar como o mal pode existir no mundo, já que tudo foi
criado por Deus, que é pura perfeição e bondade. Introduziu, sobretudo com Santo
Agostinho e Boécio, a idéia de "homem interior", isto é, da consciência moral e do livre-
arbítrio, pelo qual o homem se torna responsável pela existência do mal no mundo.
Para impor as idéias cristãs, os Padres da Igreja as transformaram em verdades
reveladas por Deus. Por serem decretos divinos, seriam DOGMAS, isto é, irrefutáveis e
inquestionáveis. Dessa forma, o grande tema de toda a Filosofia patrística é o da
possibilidade de conciliar razão e fé, e, a esse respeito, havia três posições principais:
1. Os que julgavam fé e razão irreconciliáveis e a fé superior à razão (diziam eles: "Creio
").
2. Os que julgavam fé e razão conciliáveis, mas subordinavam a razão à fé (diziam eles:
"Creio para compreender").
3. Os que julgavam razão e fé irreconciliáveis, mas afirmavam que cada uma delas tem
seu campo próprio de conhecimento e não devem misturar-se (a razão se refere a tudo o
que concerne à vida temporal dos homens no mundo; a fé, a tudo o que se refere à
salvação da alma e à vida eterna futura).
Santo Agostinho de Hipona – a relação entre fé e razão
Para compreender a filosofia de Santo Agostinho precisamos entender conceitos
agostinianos de fé e razão e o modo como se serve deles. Santo Agostinho não se
preocupa em traçar fronteiras entre a fé e a razão. Para ele, o processo do conhecimento
é o seguinte:
A razão ajuda o homem a alcançar a fé. A fé orienta e ilumina a razão; A razão, contribui
para esclarecer os conteúdos da fé.
Para Santo Agostinho, «o homem é uma alma racional que se serve de um corpo mortal e
terrestre»; expressa assim um conceito antropológico básico. A alma possui duas razões:
a razão inferior e a razão superior.
A RAZÃO INFERIOR tem por objeto o conhecimento da realidade sensível e mutável: é a
ciência, conhecimento que permite cobrir as nossas necessidades.
A RAZÃO SUPERIOR tem por objeto a sabedoria, isto é, o conhecimento das idéias, do
inteligível, para se elevar até Deus. Nesta razão superior dá-se a iluminação de Deus.
Boécio (480 - 525) – o ultimo romano
Boécio acreditava que a cultura latina do seu tempo estava em crise e buscou na
preservação e difusão da cultura grega a solução para essa fase difícil que passava o
conhecimento romano. Boécio traduziu para o latim alguns livros de Aristóteles e Platão.
Para o filósofo, os seres universais como O Belo, O homem, O Universo, existem
somente enquanto idéias em nosso intelecto. São conceitos imateriais, pois são
abstrações que nós criamos para entender a realidade. Sendo a filosofia o amor à
sabedoria e causa suficiente de si mesma, ela é também a busca pelo conhecimento de
Deus, pois ele é a sabedoria absoluta. Como sabedoria absoluta, é a verdadeira
felicidade.
Todas as coisas são feitas para atingir o bem, e não o mal. O mal é um erro de análise
feito por pessoas de pouco conhecimento. Elas buscam o bem, mas por um cálculo falho,
por um exame imperfeito causado pela falta de conhecimento, elas fazem o mal.
Se Deus tem um destino para os seres humanos esse destino destrói a liberdade de
sermos quem quisermos ser e fazermos o que quisermos fazer. Para Boécio Deus
realmente sabe tudo o que vai acontecer, mas não existe a necessidade de que tudo o
que ele sabe que possa acontecer aconteça realmente. Para Deus não existe passado ou
futuro, mas um constante presente e um conhecimento completo de tudo que aconteceu
ou pode acontecer.
Patrística é o nome dado à filosofia cristã dos primeiros sete séculos, elaborada
pelos Pais da Igreja, os primeiros teóricos —- daí "Patrística" —- e consiste na elaboração
doutrinal das verdades de fé do Cristianismo e na sua defesa contra os ataques dos
"pagãos" e contra as heresias.
Foram os pais da Igreja responsáveis por confirmar e defender a fé, a liturgia, a disciplina,
criar os costumes e decidir os rumos da Igreja, ao longo dos sete primeiros séculos do
Cristianismo. É a Patrística, basicamente, a filosofia responsável pelo elucidação
progressiva dos dogmas cristãos e pelo que se chama hoje de Tradição Católica.
A Patrística divide-se geralmente em três períodos:
* até o ano 200 dedicou-se à defesa do Cristianismo contra seus adversários (padres
apologistas, como São Justino Mártir, etc.).
* até o ano 450 é o período em que surgem os primeiros grandes sistemas de filosofia
cristã (Santo Agostinho, Clemente Alexandrino, etc.).
* até o século VIII reelaboram-se as doutrinas já formuladas e de cunho original (Boécio,
etc.).
5 PATRÍSTICA II
A Patrística se desenvolveu num ambiente altamente influenciado pela filosofia
grega e dela se valeu para esclarecer e defender o novo conteúdo da fé. O
Neoplatonismo, contemporâneo da Patrística, teve grande ascendência sobre os
primeiros escritores cristãos. Encontramos, nessa época, duas tendências opostas: de um
lado, os padres da Igreja oriental ou grega, que pretenderam harmonizar o pensamento
grego com a religião cristã; de outro, os padres da Igreja ocidental ou latina, que
combateram a cultura pagã.
A filosofia foi utilizada para defender a religião cristã dos ataques dos seus
adversários pagãos e gnósticos (gnosticismo - ecletismo filosófico e religioso que gerou a
heresia gnóstica: redução da criação e redenção cristãs a fenômenos naturais), e para
prestar ajuda na justificação dos dogmas (pontos fundamentais e indiscutíveis de uma
doutrina religiosa).
A Patrística não nos legou nenhum sistema filosófico cristão; a maioria das
questões de que tratou derivou de polêmicas doutrinárias e de tentativas de sua
resolução. Até Santo Agostinho, a Patrística foi ocasional e fragmentária.
Alguns representantes da Patrística:
Os primeiros padres da Igreja escreveram em defesa (apologia) da nova religião e por
isso foram chamados de Apologistas.
São Justino, padre apologista grego, foi considerado o fundador da Patrística; viveu no
século II e morreu mártir em Roma.
Entre os apologistas latinos, deve ser citado Tertuliano de Cartago que nasceu na metade
do século II e morreu em Roma, em 240.
Dos apologistas da Igreja oriental devem ser lembrados Clemente (fins do século II - início
do III) e Orígenes (século III), o maior dos pensadores cristãos anteriores a Agostinho.
As grandes discussões sobre os dogmas e a refutação das heresias foram, pouco
a pouco, desenvolvendo a filosofia cristã e deram aos seus defensores a estatura de
filósofos à altura dos seus antecessores na antiguidade clássica.
O período denominado “Patrístico” representa um momento significativo para o
desenvolvimento do pensamento cristão. A patrística foi sem dúvida, um marco decisivo
na evolução da doutrina cristã.
O termo “Patrística”, vem da palavra latina pater, “pai”, referente ao pensamento
dos pais da igreja. Os ramos teológicos dos pais da igreja de 100 a 310 formam o primeiro
período Patrístico. De 310 a 451 temos o segundo período, finalizando com a terceira fase
que se inicia no Concilio de Calcedônia em 451 até o segundo Concilio de Nicéia em 787.
Esse fenômeno ganhou força na história da teologia cristã após o ano 310 devido à
cessação da perseguição ao cristianismo logo em 311. Finalizada a perseguição, as
discussões teológicas poderiam ser feitas em público, com o apoio do Estado. Isso
possibilitava um avanço nas teologias cristãs, os teólogos após 311 poderiam se dedicar
sem se preocupar com a perseguição, não havia mais acossamento do Estado e sim o
apoio. Ademais, o universo plural da teologia cristã ganharia mais consistência no mundo
intelectual da igreja, com essa junção entre Igreja e Estado a oportunidade do fazer
teológico para, até mesmo, justificar as atrocidades do império frontispício aos pagãos
ganharia auxilio religioso, mesmo por que, “tudo era em nome de Deus”.
É imprescindível a apresentação dos nomes dos teólogos da patrística para melhor
familiaridade com o próprio assunto. Os Pais Apostólicos (continuadores diretos
dos Apóstolos, cerca 80-150): Clemente Romano (Papa São Clemente I),
Papias de Hierápolis, Inácio de Antioquia, Policarpo de Esmirna, Pastor de
Hermas. Segunda metade do século II: Aristides de Atenas, Justino, Atenágoras de
Atenas, Ireneu de Lyon (Irineu de Lião), Teófilo de Antioquia. Século III: Orígenes de
Alexandria, Tertuliano de Cartago, Clemente de, Alexandria, Cipriano de Cartago (São
Cipriano), Hipólito de Roma, Minúcio Félix. Pais Nicenos: Eusébio de Cesaréia, Atanásio
de Alexandria, Cirilo de Jerusalém, Efraím da Síria. Pais Pós Nicenos: João
Crisóstomo, Hilário de Poitiers, Ambrósio de Milão, Jerónimo de Strídon, Agostinho de
Hipona, Nemésio de Emesa, Evágrio do Ponto, Arnóbio, Lactâncio, Calcídio, Mário
Victorino, Macróbio. Os Pais Capadócios: Basílio de Cesareia (Basílio Magno),Gregório
de Nazianzo, Gregório de Nissa. Século V: Marciano Capela, Cirilo de Alexandria,
Teodoro de Mopsuestia, Papa Leão I, (o Grande). Século VI: Papa Gregório I (o
Grande), Boécio. Século VII: Máximo o Confessor, Isidoro de Sevilha. Século VIII: João
Damasceno (João de Damasco). Depois do século VIII (só no
Oriente) Fócio Simeão, Gregório Palamás e Marco de Efeso. Estes são os nomes que
praticamente foram responsáveis em grande parte pela definição das doutrinas cristãs
como os conhecemos hoje.
Pedindo licença para os teólogos, sejam de qualquer corrente teológica, não
tratarei neste tópico sobre as teologias dos chamados pais da igreja, na bibliografia no
final do artigo estará algumas referências de ótimos livros para quem deseja se
aprofundar no assunto. Conquanto me limitarei em apresentar os desdobramentos deste
movimento (escolástica) na história do pensamento cristão em diálogo com a filosofia
grega. Não temos como fugir desta discussão devido a influência das escolas filosóficas
gregas nos pais da Igreja. Aliás, a Patrística ganha força devido sua confluência filosófica
nas questões relacionadas à bíblia e as teologias subjacentes.
O pensamento grego é rico. Desde o século I a filosofia helênica em que se
situava os estoicos, os epicuristas, os neopitagoricos, os céticos e os neoplatônicos,
dominavam a visão de mundo antigo, distribuída pela cultura greco-romana. Alguns
teólogos usavam a filosofia para melhor expressar suas idéias religiosas faces ao mundo
“pagão”, é obvio que alguns não aceitavam de maneira algum esse diálogo, a ponto de
dizer como Tertuliano: “Que relação tem entre Jerusalém e Atenas?”. Essa crítica severa
de Tertuliano no século III, fazia parte de uma pequena camada de teólogos que
defendiam que o cristianismo deveria manter sua identidade característica, evitando
influencias de filósofos gregos que nada conhecia da Igreja da época. O debate foi tenso,
podemos dizer que a argumentação mais espessa em defesa do diálogo entre filosofia e
teologia foi dada por Agostinho de Hipona (354 – 430). Como mencionamos no tópico
anterior, a oficialização do cristianismo como religião do Estado romano possibilitou uma
abertura para uma avaliação positiva da cultura clássica. Roma agora era a serva do
evangelho, e a teoria desse evangelho precisaria ser convincente para melhor exposição
do próprio evangelho.
Quem primeiro iniciou esse diálogo foi Justino Mártir (100 – 165), como aponta
Paul Tillich em sua obra; História do Pensamento Cristão:
“Ao falar do cristianismo, dizia: Esta é a única filosofia certa e adequada que encontrei (...)
quando Justino dizia que o cristianismo era uma filosofia, precisamos entender o que
entendia por filosofia. Nessa época o termo filosofia se referia ao movimento de caráter
espiritual oposto a magia e a superstição. Era, pois, natural que Justino se referisse ao
cristianismo como a única filosofia certa e adequada, por que não era mágico nem
supersticioso”[7].
Na concepção de Justino essa filosofia, que ele chama cristã, era universal, e
continha a verdade sobre o significado da existência. Essa verdade foi manifestada no
“Logos” que era o fundamento do cristianismo. Sendo assim, Justino expunha sua Téo-
Cristologia a partir do “Logos”, não representando Cristo como um completo forasteiro,
mas como o cumprimento do melhor do pensamento grego.
No século III surge o desafio do neoplatonismo que serviu como influencia para o
primeiro sistema teológico elaborado por Orígenes de Alexandria (185-254). O que seria
neoplatonismo? Em síntese, foi uma corrente filosófica que visava uma revisão do
platonismo, foi apresentada por Amonio Saccas e Plotino.
Podemos dizer que foi basicamente Platão o grande formador das bases da
teologia cristã. Mesmo que o neoplatonismo repense algumas questões filosóficas de
Platão, ainda sim toda sua epistemologia é platônica. Por exemplo, Tillich examina cinco
elementos fundamentais nessa linha: o primeiro é o conceito de transcendência. As idéias
eram para Platão as essências das coisas. Salta-se daí para o mundo idealizado tão
apreciado pela religião protestante, por exemplo. Se as idéias e, com elas, a abstração,
representam o real, as coisas terrenas perdem seu valor. O segundo elemento destacado
por Tillich é, pois, “a desvalorização da existência”. Até hoje a igreja cristã enfrenta
problemas relacionados com a compreensão do corpo humano e de seus desejos. O
terceiro elemento é a doutrina da “queda da alma da eterna participação no mundo
essencial ou espiritual, sua degradação terrena num corpo físico, que procura se livrar da
escravidão desse corpo, para finalmente se elevar acima do mundo material”. O quarto
elemento é a idéia da providência divina. Tillich nos alerta de que essa idéia recebida
ainda hoje pelos cristãos como se tivesse nascida com sua religião, pertencia, na
verdade, ao mundo grego antigo e se expressara com clareza nos últimos escritos de
Platão. O quinto elemento presente na teologia cristã vem de Aristóteles: “o divino é forma
sem matéria, perfeito em si mesmo”. Segundo Tillich, Aristóteles “entendia que Deus, a
forma suprema ou ato puro (actus Purus) , como o chamava, move todas as coisas ao ser
amado por todas as coisas” e que “a realidade toda deseja se unir à forma suprema, para
se livrar das formas inferiores em que vive, na escravidão da matéria”. Esse Deus
aristotélico entrou na igreja cristã e exerceu enorme influência principalmente na
formulação da teologia medieval. Este último elemento examinaremos com mais
pormenores no próximo tópico, onde estaremos apresentando o pensamento da
escolástica.
A aliança entre teologia e filosofia, como podemos observar, foi feita, porém a
filosofia tornou-se religiosa e teológica. O problema que nem Epicuro, Zenão, Platão,
Aristóteles e etc, foram cristãos, os teólogos da patrística converteram esses filósofos na
evolução da teologia cristã. Submeteram suas filosofias ao julgamento heterônomo das
autoridades eclesiásticas e suas reflexões sempre foram policiadas por concílios, sínodos,
bispo, autoridades eclesiásticas e pelo Papa. Isso também irá acontecer com os teólogos
escolásticos no início do século XI.
Com tudo isso a uma positividade nessa aliança, a interação criativa da teologia,
liturgia e espiritualidades cristãs com a tradição cultural do mundo antigo, sem dívida,
como aponta Mcgrath “um dos exemplos mais interessantes e férteis de hibridismo cultual
da história intelectual da humanidade”.
6 A FILOSOFIA ESCOLÁSTICA I
Do século V ao século VIII, com a queda do Império Romano, decaiu a produção
intelectual, a ponto de podermos dizer que não se conhece nada de original no
pensamento dessa época. Trata-se do período denominado Alta Idade Média, quando a
Igreja cuidou de compilar em manuais os conhecimentos antigos. A filosofia, sem o
concurso de homens que se dedicassem à especulação, ficou estacionária.
Pode-se caracterizar esse período por dois importantes fatores: 1) a expansão dos
horizontes geográficos; 2) o avanço dos impérios asiáticos e do mundo muçulmano. Foi
em Bizâncio, no Islã, e nos impérios asiáticos, que floresceram grandes civilizações e
onde se conservou a cultura de Roma e da Grécia antigas.
No século VIII, com o império carolíngio, houve um primeiro ressurgimento da
cultura ocidental; no entanto, o modus vivendi, não sofreu alterações sensíveis. No âmbito
cultural, Carlos Magno promoveu a difusão das escolas e do que havia de disponível da
cultura antiga, tendo em mente a aculturação e cristianização dos povos sob seu domínio.
As abadias se encarregaram dos estudos, procurando imitar, o mais possível, os modelos
antigos - a aplicação dos copistas salvou a maior parte da literatura romana. Essa atitude
humilde foi muito importante para a recuperação e compreensão dos textos latinos.
O monge inglês Alcuíno, nos fins do século.
6.1 ESCOLÁSTICA II
O pensamento denominado de “escolástica” acontece no período medieval.
Enquanto que o período Patrístico concentrou-se em torno do mundo mediterrâneo tendo
como centros de poder Roma e Constantinopla, a escolástica expandiu por “toda” Europa
tendo como centros de debates: Inglaterra, Itália, França, Alemanha, Suíça e Espanha.
É preciso ter conhecimento que definir períodos históricos é extremante complexo.
Definir datas e marcar períodos definitivos pode ser algo difícil, até por que o movimento
denominado de “escolástica” pendura até o século XVII na Europa ocidental, por isso
teremos cuidado em definir com exatidão quando inicia e termina tal acontecimento,
porém podemos encontrar nos séculos, datas, o auge desse período citando seus
principais prenunciadores como Anselmo de Cantuária (1033 – 1109), Tomás de Aquino
(1225-74) e Duns Scotus (1265 – 1308).
Mas o período da escolástica acontece na Idade Medieval que provavelmente se
inicia no ano 600 e, para alguns historiados se encerra no século XVI [9], para outros como
Jacques Le Goff especialista em Idade Média, declara seu fim no século XVIII. Conquanto
podemos considerar que a Idade Média que protagonizou a escolástica tendo na situação
do mundo por volta do ano 1000 uma diversidade da Europa. Antes disso, alguns
acontecimentos fizeram com que a Europa se pintasse ou repintasse por políticas,
economias, e sociabilidades diferentes daqueles que figuravam o século IV.
Com o desmoronamento do Império Romano por volta do século V, grandes
mudanças ocorreram entre o Oriente Médio e o mundo ocidental europeu. O Império
Romano do Oriente transformou-se no Império Bizantino, numa fusão entre as culturas
romana, grega e oriental. Os árabes unificaram-se política e religiosamente através do
islamismo maometano, e iniciaram sua expansão pelo Oriente Médio a partir do século
VII, enquanto os povos germânicos da Europa Ocidental prevaleciam no cristianismo.
Nessa derrocada do Império Romano, provocou sem nenhuma dúvida, uma enorme
desorganização política e econômica no mundo ocidental que possibilitou a ascensão de
outras culturas como a Islâmica, quanto o cristianismo ortodoxo dos bizantinos.
Alguns historiados apontam do século V ao X uma “Alta Idade Média” e do século X
ao XIV uma “Baixa Idade Média”, mas isso é somente para melhor compreensão do leitor,
as vezes dividir os acontecimentos por períodos torna-se pedagógico.
O mundo por volta do ano 1000 pode-se ser distinguido por quatro grandes focos
de civilização: a Europa ocidental e central, o Império bizantino, o mundo mulçumano, e
finalmente, a Índia, a China e o Japão. A Europa Ocidental, principalmente em regiões
como França, a Alemanha, os Países Baixos e o norte da Itália tinham um cristianismo
centralizado na cidade de Roma e seu bispo conhecido como o “Papa”, motivo também
de grande disputa papais a pondo de houver uma cisma entre aqueles que baseava o
papa de Roma e outro, na cidade de Avignon, e em 1054 o cristianismo do Oriente de
separou-se do cristianismo ocidental, Igreja Católica Romana rompe com a Igreja
Ortodoxa Grega.
No período medieval as realidades políticas, econômicas, sociais e religiosas são
completamente diferentes do período denominado de Antigo. Houve, na Idade Média uma
descentralização política e um enfraquecimento do poder dos reis. O Estado fragmentou-
se em uma série de pequenas soberanias locais. Com a economia feudal os proprietários
feudais exerciam em seus domínios todas as funções de governo [10]. Não podemos
esquecer que a sociedade medieval foi formada por três classes sociais: os nobres, que
combatiam, os sacerdotes (clero) que mandavam e enchiam suas barrigas da melhor
comida, e por fim os camponeses (servos) que eram os trabalhadores. A igreja influía
poderosamente nessa sociedade, principalmente após a conversão dos povos bárbaros
ao cristianismo. Fazendo uma análise econômica da história ocidental o historiador Leo
Huberman em sua clássica obra “História da riqueza do homem” no primeiro capítulo;
Sacerdotes, Guerreiros e Trabalhadores nos apresenta uma excelente leitura das
influências e posses que a Igreja tinha e outorgava na idade média:
“A Igreja foi a maior proprietária de terras no período feudal (...) A medida que a
Igreja crescia enormemente em riqueza, sua economia apresentava tendências a superar
sua importância espiritual (...) O clero e a nobreza constituíam as classes governantes.
Controlavam a terra e o poder que delas provinha. A igreja prestava ajuda espiritual,
enquanto a nobreza, proteção militar. Em troca exigiam pagamento das classes
trabalhadoras, sob a forma de cultivo de terras”
Como podemos observar a Igreja foi uma das maiores instituições do feudalismo,
com estreitas relações com o poder político do senhor feudal e do Rei. Com sua
justificativa e ideologia de construção de um mundo sobre seu poderio, teocentricando
Deus a partir dela mesmo (a Igreja) a ordem era posta, sujeitando os trabalhadores em
sua função e obediência. Não se espantem a escolástica surge nesse período.
Tratando da educação medieval, o ensino era ministrado nos conventos, mosteiros
e catedrais[12], No século XI, surgiram as Universidades, nas quais existiam quatro cursos:
Artes, Medicina, Direito e Teologia. Sendo que o idioma predominante na literatura
medieval era o latim. Nesse período a teologia concentrou-se na grande catedral e nas
universidades de Paris e de outros locais, tendo como base, em grande parte, os escritos
em latim de Agostinho de Hipona e Ambrósio. Entretanto com tais mudanças, tanto na
economia, política, social, religiosa e cultural os teólogos cristãos ocidentais têm uma
nova preocupação; “em estabelecer a teologia cristã sobre um alicerce totalmente
confiável sobre o piso da razão”, era necessário nesse novo cenário uma sistematização
e expansão da teologia cristã e a demonstração da inerente racionalidade dessa
teologia. Com o a exploração do papel da razão nesse novo fazer teológico surge o que
denominamos escolastiquíssimo.
Apesar de ter muitos significados para o termo “Escolástico”, no primeiro momento
o termo vem do latim, depois “Schole” que palavra grega, que significa o lugar onde se
aprende. Segundo Earle E. Cairns “o termo escolástico foi aplicado aos professores na
corte ou na escola palaciana de Carlos Magno e também aos eruditos medievais que se
serviram da filosofia no estudo da religião”. Para Tillich o termo vem de “escola” e significa
“filosofia da escola”, trata-se da explicação metodológica da doutrina cristã. Em resumo, o
escolastiquíssimo pode ser definido como um movimento medieval, surgido
provavelmente 1250 a 1500, que enfatizou a sistematização e a justificação da teologia
cristã por meio da razão. Por exemplo: os dados da revelação deveriam ser organizados
sistematicamente através do uso da lógica dedutiva de Aristóteles e harmonizados com a
filosofia de Aristóteles (Tomas de Aquino). É pedagógico a divisão do período Patrístico
para alguns teólogos e historiadores do cristianismo, apresentá-la por fazes traz melhor
compreensibilidade: A primeira fase ira do século IX ao fim do século XII, caracterizada
pela confiança na perfeita harmonia entre fé e razão. A segunda fase ira do século XIII ao
princípio do século XIV, caracterizada pela elaboração de grandes sistemas filosóficos,
merecendo destaques nas obras de Tomás de Aquino. Nesta fase, considera-se que a
harmonização entre fé e razão pôde ser parcialmente obtida. E a terceira e última fase
ira do século XIV até o século XVI, decadência da escolástica, caracterizada pela
afirmação das diferenças fundamentais entre fé e razão.
A descoberta de Aristóteles no século XIII causou admiração para alguns e
insatisfação para outros. Os chamados franciscanos de tradição agostiniana, não
aceitavam a cosmologia aristotélica preferindo a visão de mundo platonista. Até, por que,
as obras de Aristóteles apresentavam um novo olhar sobre a realidade, e por isso, por
algum tempo os escritos metafísicos de Aristóteles foram proibidos, mas esta foi apenas
uma medida temporária para ganhar uma pausa para tomar fôlego. A nova perspectiva
aristoteliana foi realizada por dominicanos que recusavam a antiga cosmologia platônica
adotada nas obras de Agostinho de Hipona. Podemos considerar que; enquanto o
pensamento Agostiniano-platonista apresentava ser suficientemente místico, o tomista-
aristotélico puxava o sujeito pra baixo (realidade, racionalidade).
É indispensável destacar alguns nomes mais influentes da escolástica, em seguida
estaremos apresentados uma síntese das teologias dos que considero as principais
mentes do pensamento escolástico. Os nomes de Anselmo de Cantuária (1033 – 1093),
Abelardo de Paris (1079 – 1142), Bernardo de Claraval (1090 – 1153), Joaquim de Fiori
(1132 – 1202), Boaventura (1221 – 1274), Tomas de Aquino (1225 – 1274), Duns Scotus
(1265 – 1308) e Guilherme de Ockham (1280 ou 1288 – 1347) formam os principais
pensadores escolásticos, entretanto os nomes de Anselmo de Cantuária, Abelardo de
Paris, Tomas de Aquino, Duns Scotus e Guilherme de Ockham se destacam e por isso
merecem uma atenção especial.
Anselmo de Cantuária
Como todos os escolásticos, Anselmo afirmava que toda a verdade estava, direta
ou indiretamente, presente nas Santas Escrituras e na sua interpretação pelos pais da
Igreja. Seu fazer teológico achava-se na harmonia entre fé e razão, na articulação da fé
com a filosofia. Anselmo dizia que primeiro vem a crença e depois a integibilidade dessa
crença, sua clássica frase “Credo ut intelligam” (creio para entender) passou a ser usada
pela maioria dos escolásticos. Contribuiu de maneira significativa no debate sobre a
existência de Deus, e a interpretação racional da morte de Cristo na cruz. Suas principais
obras foram: Monologion (Solilóquio), Proslogion (Colóquio) De Viritate (A verdade), De
libertate arbitrii (O livre-arbitrio) e Cur Deus Homo (Por que Deus se fez homem).
Proslogion e Cur Deus Homo, talvez seja as duas principais obras que melhor apresenta
a teologia Anselminiana. A obra Proslogion, escrita por volta de 1079 é de uma beleza
literária admirável. Nessa obra Anselmo se propõem a formular um argumento que levaria
a crença na existência de Deus como bem supremo (argumento antológico). Em Cur
Deus Homo, procura estabelecer uma demonstração racional da necessidade de Deus
em se tornar homem, assim como uma análise dos benefícios resultantes a humanidade,
em consequência da encarnação e da obediência do filho de Deus.
Pedro Abelardo
Goza de grande renome como dialético. Entre os seus princípios básicos conta-se
o de que a ciência deve preceder a fé. Na querela dos universais, característica da época
medieval, defende o conceptualismo. Combate ao mesmo tempo o nominalismo e o
realismo: sustenta que existem apenas indivíduos, nenhum dos quais é em si espécie
nem gênero, e que os gêneros e as espécies são concepções, de onde provém o nome
de conceptualismo que foi atribuído ao seu sistema. A sua obra mais famosa, Sic e Non, é
uma conjunção de afirmações bíblicas e patrísticas de aparência contraditória, que
Abelardo concilia. Segundo o esquema traçado nesta obra, desenvolvem-se
sucessivamente as exposições escolásticas: afirmações pró e contra de uma tese.
Abelardo é também um precursor do humanismo, pela sua defesa da moral individualista.
Entre as suas obras principais, além da citada, figura Introdução à Teologia e Ética ou
Conhece-te a Ti Próprio.
Tomás de Aquino
Uma pequena observação sobre a biografia de Aquino, é que, seu apelido era “boi
quieto”, ele era bastante corpulento. Aquino fora dos momentos de debates acadêmicos e
das conversações atinentes a assuntos sérios, era calado, reservado. Além disto não
apreciava perder tempo com conversas inúteis. Por isto um de seus colegas o chamou de
“o boi mudo”. Conta-se que um de seus professores disse: “Um dia o mugido desse boi
será ouvido em todo mundo”.
Tomás de Aquino é considerado um dos principais teólogos da escolástica, talvez o
maior gênio da escolástica. Foi um trabalhador incansável e um espírito metódico, que se
empenhou em ordenar o saber teológico e moral acumulado na Idade Média, sobretudo o
que recebeu através de seu mestre Alberto Magno. Como resultado, produziu extensa
obra, que apresenta mais de sessenta títulos. As mais importantes são os Comentários
Sobre as sentenças, provavelmente redigidos entre 1253 e 1256, em Paris; Os Princípios
e o Ente e Essência, da mesma época, a Súmula Contra os Gentios e as Questões Sobre
a Alma, compostas, ao que tudo indica, entre 1259 e 1264. Questões diversas,
começadas em 1263, e finalmente a Suma Teológica, sua obra mais celebre, apesar de
não ter sida concluída.
Em todas elas estão sempre uma vasta erudição, não haurida diretamente nas
fontes, pois Aquino não conhecia nem o hebraico, nem o grego, nem o árabe. Limitado ao
latim, conheceu e utilizou, porém inúmeros autores “profanos” ((Eudóxio, Euclides,
Hipócrates, Galeno, Ptolomeu), os filósofos gregos, sobretudo Platão e Aristóteles, os
árabes e judeus (AlFarabi, Avempace, Al Ghazali, Avicebrom, Avicena, Averrróis, Israeli),
e escolásticos, como Anselmo, Bernado de Clairvaux e Pedro Lombardo. Mas foi
principalmente influenciado por Alberto Magno, seu mestre em Paris.
Tomás de Aquino, não acreditava em um mundo das idéias e sob influência do
naturalismo aristotélico defenderá a existência de um mundo real, material. Esse mundo
seria a criação divina – esta é uma das questões que surge ao seu tempo, a criação. Ele
aponta a apreensão do divino através da verdade da razão que não pode ser negada pela
verdade revelada da fé, ambas precisam ser idênticas, do contrário a fé ou a razão não
foram adequadamente empreendidas. A teologia e a filosofia não se opõem. Fé e razão
estão unidas em um único sentido: a perfeição, ou seja, o conhecimento de Deus. Para
Tomás de Aquino a verdade e o conhecimento também são alcançados através de um
mestre interior, porém, não há a intervenção de uma luz divina para que se dê o
conhecimento, ele já existe como potencialidade no interior do ser e cabe a este descobri-
lo através do aprendizado, do estudo, da educação religiosa, da pedagogia.
DUNS SCOTUS
Em seus poucos anos em Cambridge, Oxford e Paris, Scotus viveu com
brilhantismo e maestria, considerado como o filosofo das sutilezas. Sem dúvida, Scotus
foi responsável por uma série de avanços de considerável importância para a teologia
cristã. Em sua genialidade teológica e filosófica escreveu uma pluralidade de obras,
porém suas principais são: Opus Oxioniense (Obra de Oxford), Quaestiones de
Metaphysica (Questões de Metafísica) e De Primo Princípio (Do Primeiro Princípio).
Duns Scotus é filho do século XIII, no qual como vimos, viveram Tomás de Aquino
e Boaventura. É atravessado por duas trajetórias filosófico-teológicas bem definidas:
agostiniano-boaventuriana e aristotélico-tomista. E uma única matriz polêmica a provocá-
las e animá-las: o ingresso das obras de Aristóteles na universidade de Paris.
Nesse contexto, Scotus assume uma postura crítica face aos pressupostos e às
principais posições defendidas por ambas as escolas, revelando-se como um pensador
original. Destaca-se pelo seu estilo rigoroso em bem discernir, o que lhe possibilitou
dissipar inúmeras confusões e esmerar-se na especulação acerca das questões
filosóficas e dos mistérios da fé. O Doutor das sutilezas se caracteriza, ainda, por um
raciocínio deveras singular capaz de, num cerrado diálogo com seus interlocutores,
desconstruir seus argumentos e forjar conceitos e linguagem novos cada vez mais
precisos e inclusivos. Com Scotus, talvez o pensamento cristão tenha atingido o mais alto
vértice da especulação.
Scotus enfatizou a liberdade de Deus. Dizia que as coisas são de modo que são não por
que a razão exige, mas por que Deus livremente escolhe. A ênfase de Scotus na
liberdade de Deus significa que o papel da razão e da filosofia é necessariamente
limitado.
É interessante destacar que Scotus ficou famoso como o primeiro advogado da
doutrina da imaculada concepção de Maria[14]. Diferente de Aquino que sustentava que
Maria tinha a condição de pecadora, Scotus alegava que Cristo, em virtude de sua obra
perfeita de redenção, fora capaz de manter Maria livre da mancha do pecado original.
Tamanha foi a influência dessa idéia daImmacula (Livre de pecado) de Maria que foi
definida como dogma em 1854 pelo Papa Pio IX em sua bula “Inefabilis Deus”.
Guilherme de Ockham
Ockham foi o mais influente teólogo dos séculos XIV e XV. Foi conhecido pela
“Navalha de Ockham” ou Lei de Economia. Este é o princípio de simplicidade, dizia que a
explicação mais simples é a melhor ou é fútil multiplicar hipóteses quando algumas
vontades bastam.
Os assuntos de suas obras rodeavam entre teologia, filosofia e política. Suas
principais obras foram: Dialogus, Paris 1478; Quodlibeta septem, Paris 1487; Summa
logicae, Paris 1488.
Ockham em seus estudos leva o pensamento de Duns Scotus às últimas
consequências, acentua a separação entre a filosofia e a teologia, entre a razão e a fé, no
momento em que se anunciam as primeiras descobertas da ciência moderna.
Para Ockham, demonstrar uma proposição é mostrar sua evidência ou deduzi-la
rigorosamente de outra evidente. A essa exigente concepção de prova, acrescenta-se o
senso muito vivo do concreto, que faz do ockhamismo um empirismo radical.
Na opinião de Ockham, o conhecimento abstrato refere-se às relações entre as
idéias, sem nada garantir sobre sua conformidade com o real. Quanto ao conhecimento
intuitivo, este dá a evidência imediata, assegurando a verdade e a realidade das
proposições. Só a intuição prova a existência das coisas, ponto de partida do
conhecimento experimental, que, generalizando o particular, chega ao universal, à lei. É a
experiência que permite conhecer as causas das coisas.
Não se trata, portanto, de conhecer o universal, mas a evidência do particular. O
universal não tem realidade e a inteligência deve ser capaz de apreender o particular.
Para Ockham não existem conceitos abstratos ou universais, mas apenas os termos ou
nomes cujo sentido seria o de designar indivíduos revelados exclusivamente pela
experiência.
Provada a impossibilidade de racionalizar a fé, a teologia passa a proceder
exclusivamente da crença, e a filosofia, da razão.
Assim Ockham abre a modernidade, com a teologia de um lado e a filosofia do
outro, ambas separadas, fé e razão não podem andar mais juntas.
Este trabalho nos possibilitou uma leitura resumida dos movimentos; Patrístico e
escolástico, ambos como observamos importantes para o desenvolvimento da teologia
cristã. Ademais, ampliou nossa visão sobre a Idade Média que é frequentemente
negligenciada especialmente pelos protestantes. Sintetizando a vida e obras dos
principais teólogos da patrística como Agostinho de Hipona, compreendemos a influencias
de seus pensamentos na organização de nossas teologias. A relação entre fé e razão
propagada pelos escolásticos influenciou a posteridade teológica a estar sempre em
diálogo com o pensamento secular, e integrar tal pensamento em nossos programas
teológicos.
A patrística e a escolástica foram sem dúvida um marco no desenvolvimento do
pensamento cristão. Arias fundamentais da teologia como; teologia sistemática, filosofia
da religião e história do dogma. Temos uma literatura patrística e escolástica
extremamente rica que você poderá ler com tempo e atenção.
6.2 A FILOSOFIA ESCOLÁSTICA III
Do século IX ao século XVI aconteceu o movimento que tinha como
interesse entender e explicar a religiosidade cristã por meio das ideias dos
filósofos gregos Platão e Aristóteles. Os filósofos queriam utilizar esse
conhecimento grego e romano para provar a existência da alma humana e de
Deus, caso conseguissem, facilitaria para que obtivessem ainda mais adeptos
a religião. Os filósofos dessa época acreditavam piamente que a igreja tinha
um papel fundamental na salvação dos fiéis, guiando-lhes ao caminho do
paraíso.
Devemos destacar como principais representantes dessa época
Anselmo de Cant Cantuária, Albertus Magnus, São Tomás de Aquino, John
Duns Scotus e Guilherme de Ockham.
O pensamento na Idade Média foi muito influenciado pela Igreja Católica
Desta forma, o teocentrismo acabou por definir as formas de sentir, ver e
também pensar durante o período medieval. De acordo com Santo Agostinho,
importante teólogo romano, o conhecimento e as ideias eram de origem divina.
As verdades sobre o mundo e sobre todas as coisas deviam ser buscadas nas
palavras de Deus.
Porém, a partir do século V até o século XIII, uma nova linha de
pensamento ganha importância na Europa. Surge a escolástica, conjunto de
ideias que visava unir a fé com o pensamento racional de Platão e Aristóteles.
O principal representante desta linha de pensamento foi São Tomás de Aquino.
7 A FILOSOFIA NO PENSAMENTO MEDIEVAL I
7.2 CARACTERÍSTICAS DA FILOSOFIA MEDIEVAL
Assim como a filosofia antiga, a filosofia medieval possuía
suas características próprias, o que contribuía para que ela pudesse ser
analisada não apenas por uma época diferente, mas também por uma forma de
pensar mais analítica, que em sua grande maioria, era ligada a um mesmo
foco, a religiosidade. As principais questões debatidas pelos filósofos
medievais eram:
A relação entre a razão e a fé;
A existência e a natureza de Deus;
Fronteiras entre o conhecimento e a liberdade humana;
Individualização das substâncias divisíveis e indivisíveis.
Em resumo, o que vemos é que os principais temas estão relacionados
a fé, o que prova o argumento da intervenção da igreja neste período da
filosofia. Relacionar a fé, que é algo sem uma explicação lógica ou científica
com a razão, que busca o entendimento das coisas, era uma forma que a igreja
tinha de tentar explicar o que até ali não tinha explicação. A existência e a
natureza de Deus, para a filosofia, era algo complexo, pois se partirmos do
pressuposto de que a filosofia busca explicar as coisas desde o seu início,
buscando formas de provar o que está sendo apresentado, agora era uma
obrigação filosófica explicar a existência de Deus.
Neste período não era difícil encontrar pensadores que defendessem a
tese de que fé e religião não deveriam estar subordinadas uma a outra, de que
o indivíduo não precisaria ter sua fé ligada diretamente as racionalidades com
as quais está acostumada a viver, porém, um nome se destacou em meio aos
filósofos quanto a buscar uma forma racional de justificar as crenças.
Conhecido como Santo Agostinho de Hipona, esse filósofo cristão desenvolveu
uma ideia de que todo homem possui uma consciência moral e um livre
arbítrio, que todos temos a consciência do que é certo e errado, do mesmo jeito
que temos o direito de escolha, para fazer ou não cada coisa, mesmo sabendo
que acarretarão consequências.
8 O PENSAMENTO FILOSÓFICO MODERNO
Com o Renascimento Cultural e Científico, o surgimento da burguesia e
o fim da Idade Média, as formas de pensar sobre o mundo e o Universo
ganham novos rumos. A definição de conhecimento deixa de ser religiosa para
entrar num âmbito racional e científico. O teocentrismo é deixado de lado e
entre em cena o antropocentrismo (homem no centro do Universo). Neste
contexto, René Descartes cria o cartesianismo, privilegiando a razão e
considerando-a base de todo conhecimento.
A burguesia, camada social em crescimento econômico e político, têm
seus ideais representados no empirismo e no idealismo.
No século XVII, o pesquisador e sábio inglês Francis Bacon cria um
método experimental, conhecido como empirismo. Neste mesmo sentido,
desenvolvem seus pensamentos Thomas Hobbes e John Locke.
Conhecido como o precursor do pensamento filosófico moderno, o
filósofo e matemático francês René Descartes dá uma grande contribuição para
a Filosofia no século XVII ao desenvolver o Método Cartesiano. De acordo com
este método, só existe aquilo que pode ter sua existência comprovada.
O iluminismo surge em pleno século das Luzes, o século XVIII. A
experiência, a razão e o método científico passam a ser as únicas formas de
obtenção do conhecimento. Este, a única forma de tirar o homem das trevas da
ignorância. Podemos citar, nesta época, os pensadores Immanuel Kant,
Friedrich Hegel, Montesquieu, Diderot, D'Alembert e Rousseau.
O século XIX é marcado pelo positivismo de Auguste Comte. O ideal de
uma sociedade baseada na ordem e progresso influência nas formas de refletir
sobre as coisas. O fato histórico deve falar por si próprio e o método científico,
controlado e medido, deve ser a única forma de se chegar ao conhecimento.
Neste mesmo século, Karl Marx utiliza o método dialético para
desenvolver sua teoria marxista. Através do materialismo histórico, Marx
propõe entender o funcionamento da sociedade para poder modificá-la. Através
de uma revolução proletária, a burguesia seria retirada do controle dos bens de
produção que seriam controlados pelos trabalhadores.
Ainda neste contexto, Friedrich Nietzsche, faz duras críticas aos valores
tradicionais da sociedade, representados pelo cristianismo e pela cultura
ocidental. O pensamento, para libertar, deve ser livre de qualquer forma de
controle moral ou cultural.
9 A FILOSOFIA MODERNA
A Ciência Antiga e a Ciência Moderna Filosofia Medieval Cristã
constituíram-se do pensamento cristão e da ciência antiga. A ciência antiga
tinha como base o dogmatismo: era especulativa e partia de interpretações da
Bíblia. A ciência antiga era baseada na lógica e na demonstração de verdade,
sem considerar a observação e a experiência. É o caso da teoria geocêntrica,
ou seja, a teoria que postulava que a terra é o centro do universo, vigorava há
quase vinte séculos e constituía a maneira pela qual o homem antigo e
medieval via a si mesmo e ao mundo. A concepção medieval cristã via o
homem como é o ser supremo da criação divina e a terra era o centro do
universo. A teoria de que a terra era o centro do mundo, geocentrismo, era uma
explicação que justificava tal visão. A ciência antiga era um corpo de verdades
teóricas universais, de certezas definitivas, que não admitiam erros, mudanças
ou crítica. O novo período – Idade Moderna - vai significar uma ruptura com
essa concepção de mundo dogmática, que não permitia a reflexão e a crítica.
A Filosofia Moderna: sec. XVII e XVIII Após a Idade Média, há um
período de transição entre o século XV e XVI para a Idade Moderna, que
significou ruptura com a tradição anterior cristã, fundamentada em Deus, e
passou-se a valorizar o homem. É o período chamado Humanismo
Renascentista: artes plásticas, valorização do homem - liberdade e criatividade
É o momento em que se rompe com a visão sagrada e teológica na arte, no
pensamento, na política, na literatura. Os pensadores desse período passam a
valorizar o saber dos gregos antigos. Valoriza-se o homem e rompe-se com o
pensamento teocêntrico, que considera Deus como o centro de tudo, e a
Ciência Antiga. A Idade Moderna traz a proposta de uma nova ordem e visão
de mundo, rejeitando a autoridade imposta pelos costumes e pela hierarquia da
nobreza e Igreja, em favor da recuperação do que há de virtuoso, intuitivo e
espontâneo na natureza humana. Surge um novo estilo com nova temática.
Valoriza-se o corpo humano, artes, pensamento, política, ciência. É o momento
de novos pensadores e artistas, tais como Leonardo da Vince, William
Shakespeare, Rafael, Maquiavel, Michelangelo, Montaigne.
1. As condições históricas Surge uma nova maneira de pensar e ver o mundo,
resultado das transformações históricas que ocorreram na Europa. Entre os
fatores históricos, pode-se destacar:
1.1. O humanismo renascentista do sec. XV
1.2. A descoberta do Novo Mundo (sec. XV)
1.3. A Reforma Protestante do sec. XVI
1.4. A revolução científica do sec. XVII
1.5. Desenvolvimento do mercantilismo e ruptura da economia feudal
1.6. Grandes núcleos urbanos e a invenção da imprensa,
1.7. O humanismo renascentista do sec. XV Nasceu na península itálica, sendo
um período de transição entre a Idade Média e a Moderna. Rompeu com a
filosofia cristã da escolástica medieval e, valoriza o saber dos gregos antigos,
retomando a concepção do humanismo.
2 O período medieval, anterior, foi marcado por uma forte visão hierárquica e
religiosa de mundo, em que a arte está voltada para o sagrado, filosofia está
vinculada à teologia e à problemática religiosa. O homem e seus atributos de
liberdade e razão passam a ser importantes novamente, e não apenas as o
mundo divino. Nas artes predomina os temas pagãos, afastados da temática
religiosa. É a arte voltada para o homem comum, não mais reis e santos.
Valoriza-se o corpo e a dignidade humana. Thomas Morus, em a A Utopia,
defende a tolerância religiosa, critica o autoritarismo dos reis e da Igreja,
favorecendo a razão e a virtude natural. Maquiavel, autor escreveu O Príncipe,
inaugurou o pensamento moderno da política, em que faz uma análise do
poder como fato político, independente das questões morais.
2.1 A descoberta do Novo Mundo Outro fator importante que levou a mudança
do pensamento moderno foi a descoberta do Novo Mundo, pois revelou a
falsidade e fragilidade da geografia antiga, o desconhecimento da flora e fauna
encontradas. Revelou também a falta de conhecimento de outros povos e
culturas. Muita coisa precisava ser reformulada. A ciência antiga perde a
autoridade é questionada, pois nada explica sobre a nova realidade e suas
narrativas. Acreditava que a “terra era plana”, desconhecem os novos
habitantes dessas terras descobertas, sua natureza, sua origem, sua cultura,
tão distintas da europeia.
2.2. A Reforma Protestante Martin Lutero contesta a autoridade da Igreja
marcada pela corrupção e passa a valorizar a consciência individual de buscar
a própria fé, sem ser pela imposição das verdades dogmáticas. Rompe com
Igreja Católica e funda a Igreja protestante. Essa nova igreja propõe e
representa, assim, a defesa da liberdade individual e da consciência em lugar
da certeza, valorizando a ideia de que o indivíduo é capaz de encontrar sua
própria verdade religiosa.
2.3 A revolução científica moderna. Outro fator essencial desse processo de
transformação é a revolução científica que significou o ponto de partida para a
ciência nos moldes que conhecemos hoje. Nicolau Copérnico no século XVI vai
defender matematicamente que a Terra gira em torno do Sol, rompendo com o
sistema geocêntrico de Ptolomeu (sec. II) e inspirado em Aristóteles. A teoria
do geocentrismo vigorava há quase vinte séculos e era maneira pela qual o
homem antigo e medieval via a si mesmo e ao mundo. A ciência moderna
surge quando se torna mais importante observar e experimentar, ao contrário
da visão antiga que partia de princípios estabelecidos e dogmáticos. É um
processo de transição e não uma ruptura radical. Ao longo desse processo
surgem Galileu e Isaac Newton, entre outros, que vão transformar a visão
científica do século XVII seguinte. O rompimento com a ciência antiga revelou
uma concepção de distinto do universo antigo, que é fechado, finito e
geocêntrico. A nova ciência propõe o modelo heliocêntrico e o universo é
infinito. A ciência é ativa valoriza a observação e o método experimental, une
ciência e técnica. A ciência antiga é contemplativa, separa ciência e técnica. No
século XVII a Filosofia e a Ciência se separam. Galileu, usando um telescópio,
demonstra o modelo de desenvolvido por Copérnico. Vai ser interpelado pela
Igreja. Entre os principais pensadores daquele momento, destacam-se:
Copérnico, um sacerdote polonês, propôs a teoria heliocêntrica que atingia a
concepção medieval cristã de que o homem é ser supremo da criação divina e
que por isso a terra é o centro do universo. Giordano Bruno leva adiante a
idéia de Copérnico e desenvolve a concepção de universo infinito. É
condenado e morre queimado vivo na fogueira. Galileu Galilei contribuiu com
descobertas científicas, como o aperfeiçoamento do telescópio, e com uma
nova postura metodológica de investigação científica: observação,
experimentação, uso da linguagem matemática. Por condenar os dogmas
tradicionais da Igreja, também foi condenado pela Inquisição, mas optou por
viver e seguiu fazendo suas pesquisas clandestinamente.
2.4 A revolução científica pode ser considerada uma grande realização do
espírito crítico humano, e acaba concentrando sua atenção na natureza do
universo, na ciência da natureza.
2.5. Desenvolvimento do mercantilismo e ruptura da economia feudal O
mercantilismo antecede ao desenvolvimento da indústria e trouxe novas
necessidades com o surgimento da burguesia, diferentes dos interesses da
nobreza.
2.6. Surgimento dos grandes centros urbanos leva a novos valores e
necessidades. E a invenção da Imprensa permite que as idéias possam ser
publicadas e difundidas.
3. Sobre a produção do conhecimento A Idade Moderna é um período é
marcado por grandes transformações. Estas transformações e o
desenvolvimento da ciência moderna levaram o homem a questionar os
critérios e os métodos usados para aquisição do conhecimento verdadeiro da
realidade. Como podemos conhecer? Quais os fundamentos do conhecimento?
O que é conhecer? Essas questões são essenciais pra a ciência, a ética e
epistemologia. A Filosofia Moderna vai enfrentar o prestígio que o pensamento
de Aristóteles tinha e a supremacia da doutrina da Igreja, na Idade Média, e
inaugurou um modo novo de conceber e compreender o conhecimento. O
século XVII viu nascer o método experimental e a possibilidade de explicação
mecânica e matemática do Universo, que deu origem à ciência moderna. A
partir desses questionamentos, duas novas perspectivas para o saber, às
vezes complementares, às vezes antagônicas. Surgem o racionalismo e o
empirismo. O racionalismo e o empirismo constituem novos paradigmas da
filosofia moderna para conhecer a realidade. O que é a razão? Existem vários
sentidos de razão no nosso dia a dia. A Filosofia se define como conhecimento
racional da realidade natural e cultural, das coisas e dos seres humanos. A
razão é a organização e ordenação de idéias, para assim poder sistematizá-
las.
4 A razão é atividade intelectual de conhecimento da realidade natural, social,
psicológica, histórica. Possui um ideal de clareza, de ordenação e de rigor e
precisão dos pensamentos e de palavras. A razão, em sua origem, é a
capacidade intelectual de pensar e exprimir-se correta e claramente, de modo a
organizar e ordenar a realidade, os seres, os fatos e as idéias. Desde o
começo da Filosofia, a origem da palavra razão fez com que ela fosse
considerada oposta a quatro outras atitudes mentais: Ao conhecimento
ilusório. Às emoções, aos sentimentos, às paixões. À crença religiosa, em que
a verdade nos é dada pela fé numa revelação divina. Ao êxtase místico A
Filosofia Moderna foi o período em que mais se confiou nos poderes da razão
para conhecer e conquistar a realidade e o homem – por isso foi chamado de
Grande Racionalismo Clássico. O marco dessa forma de pensamento é René
Descarte, matemático e filósofo, inventor da geometria analítica. O método
escolhido é o matemático, por ser o exemplo de conhecimento integral racional.
9.1 O RACIONALISMO
O racionalismo sustenta que há um tipo de conhecimento que surge
diretamente da razão. É baseado nos princípios da busca da certeza e da
demonstração, sustentados por um conhecimento que não vêm da experiência
e são elaborados somente pela razão. O racionalismo considera que o homem
tem idéias inatas, ou seja, que não são derivadas da experiência, mas se
encontram no indivíduo desde seu nascimento e desconfia das percepções
sensoriais. Enquanto a ciência cristã e antiga constituía um corpo de verdades
teóricas universais, de certezas definitivas, não admitindo erros, mudanças ou
crítica, a ciência moderna e racional vai propor formular leis e princípios que
expliquem o funcionamento da realidade.
O pensamento racional ao introduzir a dúvida no processo do pensamento,
introduz a crítica como parte do desenvolvimento do conhecimento científico.
São esses princípios da ciência moderna que encontramos hoje. Principais
pensadores: René Descartes (1596-1650), Pascal (1623-1662), Spinoza (1632-
1677) e Leibniz (1646-1716), Friedrich Hegel (1770-1831). René Descartes,
Nasceu na França, em 1596, em um momento de profunda crise da sociedade
e cultura europeia, passando por grandes transformações e ruptura com o
mundo anterior. Foi um dos principais pensadores do racionalismo. Expôs suas
idéias com cautela para evitar a condenação da igreja. É considerado um dos
pais da filosofia moderna. O princípio básico de sua filosofia é a frase: “Penso,
Logo existo”. A base de seu método é a dúvida de todas as nossas crenças e
opiniões. Para ele, tudo deve ser rejeitado se houver qualquer possibilidade de
dúvida. O pensamento é algo mais certo que a matéria. Ele valorizava a
atividade do sujeito pensante em relação ao real a ser conhecido. Descarte
acreditava que o método racional é caminho para garantir o conhecimento de
uma teoria científica.
9.2 EMPIRISMOS
O Empirismo defende que o conhecimento humano provém da nossa
percepção do mundo externo e da nossa capacidade mental, valorizando a
experiência sensível e concreta como fonte do conhecimento e da
investigação. Segundo os empiristas, o conhecimento da razão, da verdade e
das idéias racionais é importante, mas desde que estejam ligados à
experiência, pois as idéias são adquiridas ao longo da vida e mediante o
exercício da experiência sensorial e da reflexão. O método empirista baseia-se
na formulação de hipóteses, na observação, na verificação de hipóteses com
base nos experimentos. O empirismo provoca uma revolução para a ciência. A
partir da valorização da experiência, o conhecimento científico, que antes se
contentava em contemplar a natureza, passa a querer dominá-la, buscando
resultados práticos. 8 Principais filósofos: Francis Bacon, John Locke, David
Hume, Thomas Hobbes e Hohn Stuart Mill. Francis Bacon, nasceu na Inglaterra
criou o lema saber é poder, pois compreende que o desenvolvimento da
pesquisa experimental aumenta o poder dos homens sobre a natureza. John
Locke, médico inglês, dizia que o mente humana é uma tábula rasa, um papel
em branco sem nenhuma idéia previamente escrita e que todas as idéias são
adquiridas ao longo da vida mediante o exercício da experiência sensorial e da
reflexão. Defendeu que a experiência é a fonte das idéias. Desenvolveu uma
corrente denominada Tabula Rasa, onde afirmou que as pessoas
desconhecem tudo, mas que através de tentativas e erros aprendem e
conquistam experiência.
9.3 O RACIONALISMO
O racionalismo e o empirismo são pensamentos distintos, embora exista
um elemento em comum: a preocupação com o entendimento humano. A
Filosofia Moderna O que é conhecer? Como podemos conhecer? Qual a
relação entre consciência e realidade? Essas questões deram origem a uma
área da filosofia preocupada com o processo de conhecimento da realidade: a
teoria do conhecimento, a epistemologia. Em resposta a essas questões foram
formuladas duas propostas teóricas: o racionalismo – o conhecimento emana
da razão e o empirismo – o conhecimento emana da experiência sensível.
Idade Moderna, no século XVII, com Galileu registrou a separação da ciência e
da filosofia. É nessa época que a ciência toma os rumos da ciência atual,
baseada em comprovações, por meio de um método. A Filosofia Moderna
propôs algumas mudanças teóricas: O homem se volta para si mesmo, para
saber se ele é realmente capaz de conhecer a verdade. O homem passou a
refletir sobre seu pensamento. O pensamento tornou-se um objeto de estudo.
Cria a concepção de que a realidade - natureza, instituições sociais e política -
pode ser captada pelas idéias e pela razão. A realidade é racional porque é um
sistema ordenado de causas e efeitos que podem ser conhecidas e
transformadas pelo homem. Já que a realidade pode ser inteiramente
representada pelos conceitos elaborados pelo sujeito do conhecimento, o
homem pode intervir e alterar essa realidade. O homem adquire um enorme
poder sobre a natureza e realidade. Nasce a idéia da experimentação e da
tecnologia. Constrói-se o ideal de que o homem pode dominar tecnicamente a
natureza e a sociedade. Nasce uma nova Ciência.
9.4 ALGUNS IMPORTANTES PENSADORES E CIENTISTAS MODERNOS
9.4.1 Galileu Galilei – nasceu na Itália e é considerado o fundador da física
moderna. Defendeu as explicações do universo a partir da teoria heliocêntrica e
rejeitava a física de Aristóteles, adotadas como verdade absoluta pelo
cristianismo. Por contrariar essa visão tradicional foi considerado herege.
Questionava a Bíblia, sendo julgado pelo Tribunal da Inquisição e condenado a
fogueira ou a renegar suas concepções científicas. Optou por se retratar, mas
continuou fiel às idéias e publicou clandestinamente uma obra que contrariava
os dogmas cristãos.
9.4.2. Isaac Newton - nasceu na Inglaterra, físico e matemático, continuou à
revolução científica que deu origem à física clássica. Fala de um universo
ordenado, como uma grande máquina. Além de física, matemática, filosofia e
astronomia, estudou também alquimia, astrologia, cabala, magia e teologia, e
era um grande conhecedor da Bíblia. Considerava que todos esses campos do
saber poderiam contribuir para o estudo dos fenômenos naturais. Suas
investigações experimentais, acompanhadas de rigorosa descrição
matemática, constituíram-se modelo de uma metodologia de investigação para
as ciências nos séculos seguintes.
10 A FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA
Durante o século XX várias correntes de pensamentos agiram ao
mesmo tempo. As releituras do marxismo e novas propostas surgem a partir de
Antônio Gramsci, Henri Lefebvre, Michel Foucault, Louis Althusser e Gyorgy
Lukacs. A antropologia ganha importância e influencia o pensamento do
período, graças aos estudos de Claude Lévi-Strauss. A fenomenologia,
descrição das coisas percebidas pela consciência humana, tem seu maior
representante em Edmund Husserl. A existência humana ganha importância
nas reflexões de Jean-Paul Sartre, o criador do existencialismo
10.1 A FENOMENOLOGIA DE HUSSERL – O CAMINHO ATÉ SUA CIÊNCIA
Faremos um percurso diferente de demonstração da fenomenologia.
Primeiramente, mostro um aspecto geral da fenomenologia de Husserl, a
ciência das essências. E, como ponto de reflexão principal, exponho o
“desenvolver histórico”, como Descartes, os empiristas, em especial Hume, e
até Kant deram, de várias formas, motivos para se aproximar ou manter a
devida distância para, então, se construir a fenomenologia husserliana que
conhecemos.
Aspectos gerais da fenomenologia de Husserl.
O movimento de pensamento conhecido como fenomenológico está
ligado estreitamente a seu principal representante Edmund Husserl (1859-
1938). Este pensamento é posto no interior da rediscussão das concepções
filosóficas positivistas, e atentos ao desenvolvimento do positivismo, da matéria
e das ciências histórico-sociais, eles, os fenomenólogos, os submetem à crítica
sua epistemologia e sua confiança pela ciência.
A fenomenologia tem por palavra-de-ordem o retorno às próprias coisas,
se propõe a ir além dos sistemas construídos no ar.
A expressão ´fenomenológica´ significa antes de mais nada um conceito
de método (…). O termo expressa um lema que poderia ser assim formulado:
voltemos às próprias coisas! E isso em contraposição às construções desfeitas
no ar e às descobertas casuais, em contraposição à aceitação de conceitos só
aparentemente justificados e aos problemas aparentes que se impõem de uma
geração à outra como verdadeiros problemas.
Esta filosofia se sustenta partindo da base de dados indubitáveis para
neles construir o edifício filosófico. “Sem evidência, não há ciência” diria
Husserl nas Investigações lógicas, então na fenomenologia se
procura evidências estáveis. “Os limites da evidência apodítica representam os
limites do nosso saber. Assim, é preciso buscar coisas manifestas, fenômenos
tão evidentes que não possam ser negados”.
Portanto, a fenomenologia ainda procura tais coisas manifestas ou
evidentes através da descrição dos “fenômenos” que se anunciam e
apresentam à consciência depois da epoché. E este ponto de aproximação
da epoché dos fenomenólogos, o resíduo fenomenológico, é encontrado na
consciência: “a existência da consciência é imediatamente evidente”.
A fenomenologia, a partir dessa evidência, já que é uma ciência de
essências e não de fatos, pretende descrever os modos típicos como as coisas
e os fatos se apresentam à consciência, ou seja, as essências eidéticas.
Naturalmente, esta fenomenologia é a ciência das essências.
Eis, portanto, o que a fenomenologia pretende ser: ciência,
fundamentada estavelmente, voltada à análise e à descrição das essências.
Com base nisso, podemos compreender como a fenomenologia se distingue da
análise psicológica ou da análise científica. Diferentemente do psicólogo, o
fenomenólogos não manipula dados de fato, mas essências; não estuda fatos
particulares, senão idéias universais.
A fenomenologia não se importa pelos casos particulares como atitudes
morais desta ou daquela pessoa, mas sobre a essência da moral. A
consciência é sempre consciência de alguma coisa – ou seja, é “intencional” –
que se apresenta de modo típico – a essência eidética.
Neste ponto, esta ciência das essências poderia tomar dois rumos: o
idealismo ou o realismo. Husserl, sobretudo o último Husserl, tomará o
caminho do idealismo. “Assim, o pensador que estabeleceu como programa da
fenomenologia o do retorno às próprias coisas, no fim se encontrará com a
realidade única que é a consciência”.
Mas, quais foram as influências que sofreu Husserl?
Isto desenvolveremos a partir de agora.
A origem; o desenvolver histórico; e a construção da fenomenologia:
Em suas Meditações cartesianas, Husserl diz aos ouvintes de sua
conferência em homenagem à filosofia francesa que “a fenomenologia quase
poderia ser chamada de um neocartesianismo”. Quase a não ser o fato de que
a fenomenologia “se viu obrigada a rejeitar quase todo o conteúdo doutrinal
conhecido do cartesianismo, pela razão mesma de que deu um
desenvolvimento radical a certos temas cartesianos”. Husserl tem para com
Descartes uma admiração, julgando ser o francês, pai fundador do
“subjetivismo transcendental” inaugurado nas Meditações. Descartes descobre
o ego cogito e se ele se interroga acerca da natureza desse ego, é para
responder se: “sou uma mente ou inteligência ou intelecto”, quer dizer, para
interpreta-lo como um “fragmento do mundo”. As Meditações são uma
reconquista do “fora” a partir do “dentro. Mas Descartes com pressa demais em
pôr o “mundo objetivo” ao abrigo do ceticismo, não pressentiu isso e de sua
filosofia só resta a convicção de que é preciso “voltar aos fundamentos
originários de todo conhecimento na subjetividade transcendental”.
Husserl não poupa elogios aos racionalistas modernos, que herdaram a
idéia de Wissenchaft, herdada dos platonismos. Mas pouca coisa ajuda com
aquilo que lhe falta: uma teoria do conhecimento digna desse nome. O que faz
Husserl se perguntar: “como falar, com efeito, em teoria do conhecimento,
quando os produtos do saber. Qualquer que seja o estágio em que se situem
(juízos empíricos, ciências, proposições a priori etc.), são considerados
simplesmente como dados – de tal modo que o sentido deles não requer
nenhuma elucidação sistemática?” Se prevalecia a ideia de que todas essas
formações já estavam disponíveis, não se atentavam a levar em conta que
esses fenômenos deveriam ser estudados como fenômenos. Kant tão pouco
mostrou luz sobre os prodigiosos recursos metodológicos do ego cogito, pois
está demasiado ocupado com as ciências positivistas em seu direito, para só
dedicar seu tempo a seu respeito enquanto são configurações de
conhecimento.
Os problemas transcendentais dele, em sua forma historicamente
condicionada, não se assentam, como a claridade última do problema aqui o
exige, sobre a base primitiva de toda investigação transcendental: sobre a base
da subjetividade fenomenológica.
Aí se mostra a distância entre o pensamento de Husserl e o de Kant. O
tutor de Kant ainda diria que o pensamento do discípulo nada tem a ver com a
inspiração fenomenológica e que o ele inicia é um “subjetivismo transcendental
de uma nova espécie”.
Esta cegueira à “esfera egológica” impede cada vez mais a fundação
sistemática do saber. De Descartes a Kant a despeito de sua exigência de
rigor, continua-se aquém da tarefa que Platão atribuiu à dialética: “não admitir
nenhum saber do qual não seja possível prestar contas (Rechenschaft geben)
em virtude de princípios originários primeiros e perfeitamente evidentes”. Mas
não seria exato dizer que o racionalismo não alcançou tal tarefa: a verdade é
que não se interessou por ele seriamente (à exceção, talvez, de Leibniz).
Porém, o racionalismo apenas pôde ser aparente ao fato de fundar uma
ciência, tendo como “fundar” justificar integralmente suas pretensões. De
Descartes a Kant não se vê o ensinamento de que maneira as idealidades e
seus encadeamentos se oferecem e impõe a nós. Este é o efeito do segundo
bloqueio que atinge o racionalismo moderno.
Em primeiro lugar, esse racionalismo desconhece o ego cogito como
única fonte possível de toda validação. Em segundo lugar, ele não sente
necessidade de validar a objetividade como tal e por todos os seus tipos.
O Ser-objeto é algo evidentemente “bem conhecido” e, por isso, não é
alvo de maiores investigações. Assim, impede-se toda fundação no sentido da
clarificação última e integral, que Husserl chama de objetivismo e traça a
divisão da filosofia moderna.
No seu sentido original, toda a filosofia moderna, como ciência universal
de fundação última, é, ao menos depois de Kant e Hume, um único combate
entre duas idéias da ciência: a ideia de uma filosofia objetivista no solo do
mundo dado de antemão (vorgegebene Welt) e a de uma filosofia no solo de
uma subjetividade absoluta, transcendental.
Mas de onde está a causa de toda esta falta de curiosidade? Husserl
responde: da intenção à objetividade dos elementos ideais. O mesmo ocorre
com Kant quanto à exposição que traça da lógica formal, que o faz escapar do
problema de como as objetividades ideais obtêm o sentido-de-ser de objetos
(den Seinssinn von “Objekten” gewinnen), diante da contingência dos atos e
dos sujeitos. Daí outras questões se fará Husserl com a necessidade de
tematizar o objeto como cogitatum para decifrar o sentido-de-ser que lhe é
próprio. Mas para chegar lá “é preciso ainda, decerto, ter reconhecido que há
objetos idéias: eis a preliminar indispensável”, e eis porque as
suas Investigações lógicas não alçaram vôo “de maneira contingente” e, ainda,
em razão da forte corrente “antiplatônica”.
O preço deste preconceito foi o Seinssinn “Objekt”, a presença de algo
como “mundo objetivo” não ser nenhum enigma. Nem Descartes abalou tal
concepção, tendo, segundo Husserl, depois de milhares de anos, só Berkeley e
Hume, o empirista e o cético, sendo os pioneiros da fundação radical. Aqui
Husserl reconhece sua dívida para com seus antecessores.
Porém, a ideia de fenomenologia, para Husserl, estará sempre ligada a
Descartes e Platão. Os empiristas nunca receberiam o título que Descartes
recebe, o de que suas Meditações são “o primeiro esboço de uma
fenomenologia puta, embora sob a forma de uma fenomenologia puramente
sensualista e empírica”. Só com Locke que a filosofia começa a se
tornar tecnicamente fenomenologia; só então que ela tenta “interpretar
concretamente, numa universalidade sistemática, aquilo que tinha vindo à luz,
embora fugidiamente, nas Meditações”. Vê-se, assim, “a tendência em direção
a um método imanente” do empirismo inglês.
[Locke] é o primeiro a procurar, partindo do cogito cartesiano, o caminho
que leva a uma ciência do cogito […] ele é o primeiro a compreender que é
preciso reconduzir todo conhecimento às fontes intuitivas originárias na
consciência, na experiência interna, e que é preciso elucida-lo a partir destas.
A egologia de Locke se apresenta com uma história da “alma” (entendida como
região mundana). Ele admite a transcendência de um mundo substancial,
pondo de antemão a validade objetiva, validade que ele deveria deixar se
constituir unicamente na esfera do ego cogitans. “Esse parti-pris metafísico
rapidamente aparece como incompatível com o método delineado pelo Ensaio
– e cabe a Berkeley limitar expressamente a investigação acerca das
transcendências ao campo dos dados imediatos: aos fenômenos”. Desta forma,
“legitima permanentemente o empirismo” (das bleibende Recht dês
Empirismus): “o esforço de ajuste à evidência, a vontade de descrever a coisa
percebida como ela se dá”. Neste momento, se pode perdoar, ao menos um
pouco, a “incurável miopia do empirismo”.
Husserl defende o empirismo surpreendentemente, mas não se
contradiz. Sua crítica nas Investigações lógicas é do empirismo que trai o
sentido específico dos conteúdos de conhecimento. Não é o método que
desencaminha o empirismo, mas a infidelidade com ele, por isso Husserl
procura defendê-lo dele mesmo. O empirismo se mostra aparência dele
mesmo, pois “é somente em aparência que ele respeita seu princípio de não
enunciar nada que não tenha tirado da intuição”; “é somente em aparência que
ele diz o sentido daquilo que vê, porque decidiu restringir o sentido a uma
região do ente, e sua fenomenologia é filtrada por uma ontologia mutiladora”.
No entanto, trata-se de fenomenologia. O cogito enfim está aberto como campo
de imanência e nada impede mais a interrogação sobre o sentido-de-ser das
diferentes objetividades graças ao preconceito sensualista de Berkeley:
confundir a “coisa” visada como sendo “idêntica” aos perfis sensoriais por meio
das quais se anuncia.
Em Kant seria em vão buscar uma subjetividade absoluta. Mas, se for preciso
escolher entre o “naturalismo imanente” (Hume) e o “objetivismo” (Kant), que
impede a filosofia transcendental de se tornar fenomenologia, antes o primeiro.
“Hume dissolve o “eu idêntico” que Berkeley ainda conservava: no lugar de um
ego mudanizado”. A Segunda Meditação mostra o desligamento de seu
substrato metafísico.
[Hume] foi o primeiro a levar a sério a atitude de Descartes, de se voltar para a
interioridade pura desembaraçando radicalmente a alma, desde o início, de
tudo o que dá a ela uma significação real mundana e pressupondo-a
puramente como campo de percepções, impressões e idéias
e continua…
Ele foi o primeiro a compreender o problema concreto universal da
filosofia transcendental […]; foi o primeiro a ver a necessidade de estudar
precisamente essas afirmações objetivas como formações de sua gênese, a
fim de tornar compreensível, pelas suas origens últimas, o exato sentido-de-ser
de tudo aquilo que existe para nós […].
O Tratado foi visto como uma investigação empírica, ninguém observou
até o nascimento da fenomenologia os eventos que ocorriam nas esferas das
percepções.
No fim do Primeiro Livro, Hume, de certa forma, confessa seu fracasso
como fenomenólogos. Mas Husserl diz que era necessário que o projeto de
Descartes fosse pervertido em solipsismo e que também o era que Hume fosse
conduzido a essa “consequência monstruosa (ungehewerliche Konsequenz)”.
Mas por que Hume não pôde ser um fenomenólogos?
Na Segunda Lição de A idéia de Fenomenologia (1907), talvez indique a
resposta. Husserl quer provar que quando se descobre um enigma, o novo
saber se encarregará de evitar os obstáculos de Hume, no caso, isto é, o
“objetivismo” e o uso do transcendente como “já dado”.
Sem dúvida, eu sei desde sempre que possuo um saber do
transcendente – e “nenhum homem sensato duvidará da existência do mundo”.
Mas esse factum (Daß) deve permanecer, no caso presente, inteiramente fora
do jogo, pois ele não poderia instruir-me acerca da possibilidade, acerca
do como (Wie) desse conhecimento (…) mas é precisamente essa
possibilidade que é e sempre será enigmática, a menos que se torne patente,
na clareza da evidência, que faz parte do conhecimento “alcançar um ser
transcendente”.
Tal é a solução de Hume, com consciência dos seus riscos. Mas, uma
vez que Hume constata sua falência, lhe resta apenas voltar à ingenuidade pré-
filosófica? Não.
Se alguém [diz Hume] se acostumou a fazer considerações críticas
sobre a incerteza e os estreitos limites da razão, ele não as esquecerá
inteiramente quando voltar sua reflexão para outros assuntos: em todos os
seus princípios e seus raciocínios filosóficos (não ouso dizer em sua conduta
corrente) ele se mostrará diferente […].
Tradução de Husserl: aquele que deixou o Daß (factum) de lado para
buscar sem nenhum proveito o Wie (como)
Deveria, se é consequente, renunciar também ao seu ponto de partida:
ele deveria reconhecer que, nessa situação, o conhecimento do transcendente
é impossível, que seu pretenso saber a esse respeito é um preconceito. O
problema então já não será: como o conhecimento transcendente é possível? –
mas como se pode explicar o preconceito que atribui ao conhecimento uma
operação transcendente (transzendente Leistung): este é precisamente o
caminho de Hume.
Mas, sobre isso, que é este cético? O cético é aquele que coloca as
transcendências fora de circuito e as converte em niilismo, por incapacidade de
fundar seu saber. Manter a devida distância será de extrema importância para
o fenomenólogos. Uma vez que só encontra no cético um precursor técnico,
invoca uma linhagem espiritual
O pensamento que rompe com o “objetivismo”, o empirismo, não pode
se manter à altura do projeto transcendental. “O “objetivismo” sanciona a
indiferença perante o problema seguinte: de que maneira algo que é o produto
de uma constituição de sentido pode no entanto valer como “objeto”? E esse
problema só pode ser motivado pelo reconhecimento da objetividade ideal: foi
por falta de atenção a esta, e de reflexão sobre seu estatuto, que os filósofos
permaneceram insensíveis ao enigma que é a transcendência em geral”.
Nenhuma filosofia nega mais ferozmente os objetos ideais que o
empirismo. De nenhuma experiência a “idéia abstrata” nos seria dada, segundo
tipo de filósofo. Jamais teríamos consciência de uma idéia geral das coisas; de
uma consciência-do-geral. Desconhece o fato de que o geral pode ser objeto
de uma intuição evidente imediata. Para isto, sustenta que “a exigência de
evidência só é satisfeita pelo recurso a um dado sensível. Ele vai, portanto,
reclamar o indubitável de um evento ou encontro. E toda verificação de uma
idéia seguirá o passo de reduzir-se à impressão, seu “ens certum”. Mas como
tal impressão é vivida? O que nos ensina ela sobre si mesma? Como se faz
para que seja nela que encontramos o dado-em-pessoa? O empirista, para
isto, tem um silêncio ou um absurdo: a impressão é mais forte que a idéia, mais
vívida. Daí não sabemos o que faz da impressão, uma “impressão”.
De que lhe serve então, então, considerar os fenômenos, se não
consegue sequer se interrogar sobre o sentido que especifica cada
representação? Se já transformou esses fenômenos em coisas “que são, mas
nada significam, nada visam, nada trazem em si de sentido (tragen nichts in
sich non Sinn)”. [39]Assim, a investigação fenomenológica que não chega a
acontecer é substituída por uma descrição fenomenista.
É perdoável a naturalização da vida da consciência, mas não o erro de
tematizar os fenômenos e, em contra partida, julgar ter acertado tratá-los como
eventos. Um momento que Husserl acusa Hume de inconsequência é quando:
“levado por seu ardor nominalista, Hume, para se fechar melhor em seu
sensualismo, teria decidido passar em silêncio a problemática do sentido e
descrever os fenômenos sem se interessar por aquilo que eles apresentam e
pela maneira como a apresentam”. Indo contra a noção
dephaínesthai (fenomenologia). O operador, para o empirista, é desprovido de
valor. O que há são conexões entre conteúdos indiferentes, ou seja,
O empirista não aceita a distinção inaugural das Logische
Untersuchungen (Investigações Lógicos) entre os dois modos do ser-signo: o
índice (Anzeige) e a expressão ou signo significante (Ausdruck, bedeutsame
Zeichen), pela qual “exponho algo de maneira expressiva” a um receptor que
não precisa senão ouvir e não interpretar (deuten). No universo empirista, nada
há além de índices (mesmo o retrato que vejo é índice de meu amigo ausente,
da mesma maneira que “o estigma é o signo do escravo; a bandeira, o signo da
nação”), e não se faz outra coisa senão interpretar. Jamais existe o momento
em que o dado “já não vale por si mesmo”, mas não faz outra coisa que “tornar
representável (vorstelling machen) um objeto diferente”.
E a melhor prova de que a absorção do signo no índice pertence à
essência do empirismo é esta:
Onde dizemos que um estado-de-coisas A é uma indicação de um
estado-de-coisas B, que o ser de um indica que o outro também existe, nós
podemos, em nossa expectativa de encontrar realmente também esse último,
ter uma certeza inteira. Mas, falando dessa maneira, não queremos dizer que
haja uma relação de conexão evidente (einsichtig), objetivamente necessária,
entre A e B; aqui, os conteúdos de juízo não se encontram para nós numa
relação de premissas a conclusões.
“Estas linhas determinam admiravelmente a relação de ‘causação’ em
Hume, isto é, determinam o único sentido que o empirismo pode admitir para a
idéia de ‘conexão necessária”. Assim, por não reconhecer que um significado
pertença por essência a um signo, jamais há de se encontrar, para estabelecer
sua conexão com outro conteúdo, algo que por natureza se anteciparia ou
projetaria na impressão. Dadas tais condições Hume reconheceria que a
“subjetividade” de Husserl faz falta ao “sujeito” do qual ele fala: esta é a
condição de seu empirismo. “A experiência é, portanto, bem exatamente o
meio que substitui a subjetividade constituinte – o horizonte sob o qual os
signos são por princípio liberados de toda função representativa. Em
compensação, a ilusão representativa pretende nos dispensar da experiência,
criando ligações-de-essência das quais a subjetividade constituinte pretende
dar uma leitura sistemática”.
Por ter a noção de sujeito pouco característica do idealismo
fenomenológico, Husserl critica Hume por ter reconstruído o ego como ficção,
mas não por tê-lo feito desaparecer como substância. Este foi, na realidade,
seu lance de gênio: “ter reduzido o ego a um fluxo de vivências, a transições de
percepções (…) Foi graças a isso que restituiu o verdadeiro sentido à
“interioridade” cartesiana e tornou possível uma fundação radical”.
Ainda diz-nos Husserl sobre Hume:
Havia preenchido a condição indispensável para que fosse empreendida
uma investigação, sem preconceitos, dos fenômenos. Esta requer, porém, uma
outra coisa: é preciso ainda saber que o ego cogito é o único espaço no qual se
pode desenvolver uma ciência eidética pura. A convicção de que o ego não
seja nem uma alma, nem qualquer figura do sujeito insular, representa um
progresso essencial – mas com a condição de que se determine essa não-
coisa como um código de legalidades e de constrangimentos essenciais que
governe todas as figuras da objetividade.
A fundação absoluta do conhecimento só se é possível com os
caracteres essenciais gerais (Wesenseigenheiten), as legalidades essenciais
(Wesensgesetzlichkeiten) como princípios de todas as elucidações ulteriores.
[51] Este phaínesthai não é de longe um efeito de superfície, “ele
é expressivo de ponta a ponta e desde sempre – que ele é, por definição, um
conjunto de signos significantes -, o “abecedário”, como gosta de dizer Husserl,
de tudo aquilo que jamais poderemos saber”.
Assim, apesar das desavenças, Hume permaneceu para Husserl um
ancestral excêntrico, no qual jamais entreviu o inimigo mortal da “ratio”. Os
limites de Hume e seus absurdos foram uma aula para onde Husserl deveria se
distanciar para fundar sua filosofia da essência. Mas “sem dúvida, como saber
radicalmente novo, anti-objetivista, como recomeço integral, a fenomenologia
pode aceitar esse “aliado objetivo”, que lhe iguala em arrojo. Mas, como
fenômeno-logia, em que extravagante companhia ela se acha colocada”.
PARTE II DIREITO NA FILOSOFIA
1 FILOSOFIA E DIREITO PARA OS GREGOS
A generalidade dos gregos os levaram a ver uma ordem, uma unidade,
uma harmonia por detrás da multiplicidade caótica das coisas e dos
acontecimentos. Platão dizia que “é necessário ir até onde nos leva a Filosofia
e o espírito”. Assim como a religião envolvia toda a esfera social da vida do
grego, o direito consequentemente também passou a fazer parte desta
atmosfera. O Direito provinha da divindade, dispondo da ordem e da harmonia.
O rei recebia themis e cetro (entidades que personificam o direito) de Zeus e
segundo a tradição consuetudinária, criava-se as normas que deveriam ser
aplicadas. A mais alta meta para os tempos antigos era a busca de um direito
igualitário. Seria então neste momento que surgiria o problema em relação ao
peso e medida para o intercâmbio de mercadorias.
Procurava-se uma medida “justa” para a atribuição do direito e foi na
exigência da igualdade, implícita no conceito de dike (sentido de igualdade
perante a lei), que se encontrou tal medida. Trata-se aqui da própria factilidade
daquilo que é o meu e o teu numa disputa, numa relação. Tudo acontece numa
certa igualdade que orienta o juiz na busca do justo. Uma nova consciência do
direito trouxe a palavra genérica dikaiosyne, que se traduz por justiça. Esta
palavra chegara a Platão e Aristóteles como a mais alta das virtudes, que
significava a perfeição do homem. Instaurava-se também a exigência de uma
igualdade de todos perante a lei. A lei para os gregos não era algo imposto
pelo Estado, como para nós modernos parece ser. A lei para eles provinha de
uma tradição oral e consuetudinária. Desta forma, era uma regra nascida no
seio da polis, naturalmente.
A contribuição dos Sofistas O movimento sofístico aparece na Grécia no
século V. Estes possuíam características particulares, tais como: eram
professores ambulantes que iam de cidades em cidades ensinando os jovens,
ensinavam por dinheiro, conquistavam grande êxito social devido ao estilo
oratório e retórico, mas fundamentalmente pedagogo. Tinham pretensões de
que sabiam tudo e tudo ensinavam. A polis vive um período muito conturbado
neste momento, onde a ciência envolvia quase todos os campos de
investigação. A vida econômica está mudada em face do alargamento das
atividades produtivas e do incremento das relações exteriores. A educação
tradicional, à base de música, rítmica e ginástica, tornara-se insuficiente para
preparar aqueles que desejavam intervir de maneira eficaz na arena política. A
palavra sofista deriva da mesma raiz Sofia, sabedoria. A sofística põe o
problema do ser e do não- ser, mas o propósito de si mesma e, portanto, do
homem. Ela tinha um caráter público, de modo que fosse dirigida aos cidadãos.
Os sofistas de maior importância foram Hípias, Pródico, Eutidemo,
Protágoras e Górgias. 7278 O uso da palavra “sofista” é empregado em sentido
elogioso pelos escritores do século V. Mas a partir da guerra de Peloponeso
(431-404 A.C.) o termo adquire um sentido pejorativo e desfavorável, já que
suscitaram reações opostas dos tradicionalistas. Aristóteles qualifica-os de
“traficantes de sabedoria aparente, mas não real.” (Soph. EI, I 165 a 21). Platão
realça a sua vaidade como “caçadores interessados de gente rica, vendedores
caros de ciência não real, mas aparente.” (Mênon 91c; Sofista 231d; Crátilo
403). O aparecimento da Sofística, no século V A.C., não se registrou por
acaso, mas em decorrência do fato histórico da democratização de Atenas que,
à época de Péricles renunciara ao regime aristocrático. As necessidades às
quais os Sofistas procuravam atender eram de todas as cidades gregas
democráticas, onde agora todo e qualquer cidadão podia participar da vida na
polis. Péricles abria frente agora para uma virtude política que não mais
dependeria da tradição, da família ou do sangue, mas sim de uma nova
pedagogia, cujo pressuposto é a igualdade e liberdade de todos os cidadãos.
Foi um período de culto às grandes personalidades e através da
necessidade de se educar o jovem cidadão nas mais diversas artes com uma
formação mais ampla, acompanhada de um domínio exato da língua e da
flexibilidade e agudeza dialética necessárias para derrotar o adversário, nada
melhor que os sofistas que sabiam falar sobre tudo para preparar tais jovens
para assumir a direção do governo da polis. Um fato que motivava os sofistas e
valorizava as suas orientações era a circunstância de que, na Ágora (reunião
dos cidadãos no centro da cidade como um debate para discutir os problemas
da polis), os cidadãos expunham oralmente, diante dos juízes, as suas próprias
causas. Embora defendessem, algumas vezes, teses absurdas, provocando
reações, não tinham o hábito de fundar seus argumentos em princípios
religiosos, daí Hans Welzel ter realçado que o aparecimento dos sofistas trouxe
para o espírito grego o advento da Ilustração. Na Filosofia a sofística
representa uma crise, na qual a ciência correu o perigo de petrificar-se,
convertendo-se em utilitarismo e em retórica vazia. Tanto que os sofistas
possuíam um certo relativismo na medida em que fixavam-se na
impermanência e pluralidade e eram subjetivistas ao ponto de apreciarem cada
coisa como lhes parecesse. Eram céticos e indiferentes quanto a aspectos
morais e religiosos.
Abusavam de uma frivolidade intelectual onde podiam confiar
ilimitadamente no poder da palavra. Os sofistas conseguiram trazer um giro
copernicano na filosofia grega, que abandonou suas investigações
cosmológicas pela fase da antropologia. Pelo fato de não terem deixado
escritos, suas idéias são conhecidas pelas obras de seus adversários,
especialmente pelos diálogos platônicos. Não chegaram a formar uma escola,
pois não adotaram uma linha única de pensamento, sendo comum uma
divergência de idéias, entretanto, convergiam seu estudo num idêntico alvo: o
homem e seus problemas psicológicos, morais e sociais. Eles ensinavam que
cada homem possui seu modo próprio de ver e de conhecer as coisas. Neste
sentido o direito, para eles é algo relativo, opinião mutável, expressão do
arbítrio e da força:” justo é aquilo que favorece ao mais forte”. Assim,
Trasímaco pergunta se a justiça é um bem ou um mal, e responde:” A justiça é
na realidade um bem de outrem; é uma vantagem para quem manda, é um
dano para quem obedece”.
Em geral, os sofistas eram céticos em moral e mais negadores e
destruidores do que construtivos e afirmativos. Pode-se dizer que eles
suscitaram a grande filosofia idealistas grega, da qual nenhum outro povo
orgulhou-se em pertencer. Eles são uma consequência natural daquele
momento, de forma que foram eles pela primeira vez que fizeram as perguntas
pelo fundamento da lei, pela sua validade, pela definição do direito e da justiça.
Acreditavam que as leis variam de cidade-Estado para cidade-Estado e que
para ser cidadão de uma polis, este deveria obedecer às suas leis. Surge então
um certo relativismo, já que as leis estão em um aberto confronto com a
natureza, com a ordem natural do mundo físico. A proposição fundamental de
Protágoras foi o axioma: “O homem é a medida de todas as coisas, dos que
são pelo que são, e das que não são pelo que não são.” Tal expressão foi
considerada a magna carta do relativismo ocidental e trouxe à tona exatamente
o indivíduo singular. Deste modo, o sofista tinha o intuito de preparar todo e
qualquer aluno para os conflitos de pensamento ou de ação da vida social, isto
é, tratava-se de ensinar a criticar e a discutir, organizando um torneio de razões
contra razões.
“Algum estudioso tentou interpretar o princípio protagoriano sustentando
que o homem do qual ele fala não é o homem individual, mas a espécie
homem, fazendo assim de Protágoras um precursor de Kant; mas todas as
nossas fontes antigas excluem decididamente a possibilidade desta exegese.”
Segundo Diógenes Laércio, Protágoras afirmava que “em torno de cada coisa
existem dois raciocínios que se contrapõem entre si”, isto é, que sobre cada
coisa é possível dizer e contradizer, aduzir razões que reciprocamente se
anulam. Deste modo, o objetivo de Protágoras seria ensinar como é possível
sustentar o argumento mais frágil. O que certamente não significa que ele
ensinasse a injustiça e a iniquidade contra a justiça e a retidão, mas
simplesmente que ele ensinava os modos com os quais era possível sustentar
e levar a vitória o argumento (qualquer que fosse o conteúdo) que, na
discussão, em determinadas circunstâncias, podia resultar o mais frágil.
Adotaram um convencionalismo jurídico acentuando a contraposição entre
lei e natureza. Não acreditavam em leis imutáveis e eram convencidos de que
estas não passavam de convenções dos homens para poder viver em
sociedade. A única lei que o homem poderia ter era a “natural” de seus
instintos. Como não havia nada justo nem injusto em si, acreditavam num
oportunismo político, onde todos os meios são bons para conseguir o fim que
cada qual se propõe. Disto temos “o fim justifica os meios”. Em vez do ideal ser
o homem bem constituído e dotado, o bom guerreiro, por exemplo, passa a ser
o sábio, o homem que tem o noûs (mente, inteligência), ou seja, o homem que
sabe como proceder e como falar, o bom cidadão. Quando isto se generaliza
na Grécia, como cada homem tem noûs, o resultado é uma democracia. O
principal escopo da sofística era a arte do convencimento. Pode-se dizer que a
Filosofia do Direito nasce com os sofistas. Eles representavam a nova
consciência contestadora da ordem jurídica vigente e a grande questão que
será trazida à Filosofia do Direito será a oposição entre physis e nomos.
O que é grave é que os sofistas proclamaram a inconsistência das coisas e
abandonaram o ponto de vista do ser e da verdade, que mais tarde tratariam
Sócrates e Platão de recuperar. A oposição entre natureza e lei não aparece
nos grandes sofistas, exceto em Hípias e Antifonte. Hípias deve ter sido muito
famoso (Platão lhe dedicará dois diálogos) e além disso condividia a
concepção do fim do ensinamento (educação política). Entre as disciplinas que
o seu enciclopedismo didático propunha, as matemáticas e as ciências naturais
tinham grande relevo. Esta oposição radical quebra toda a tradição do
pensamento grego até a época dos sofistas. Hípias defendia um conhecimento
enciclopédico e costumava dizer: “Homens aqui presentes, eu vos considero
consangüíneos, parentes e concidadãos por natureza, não por lei de fato. O
semelhante é por natureza parente do semelhante, enquanto lei, que é tirânica
dos homens, amiúde de força muitas coisas contra a natureza.” (Platão,
Protágoras 337).
Neste sentido, a natureza passa a ser apresentada como o que une os
homens e a lei, ao invés, como o que os dividem. A natureza, para os
helênicos, é um cosmo que deve ser justificado, ou melhor, é uma certa ordem
em si mesma, possuindo uma harmonia que lhe é dada por um deus. A partir
deste momento nasce a distinção entre o Direito natural e Direito Positivo, onde
as leis humanas serão passadas por uma dessacralização e serão tidas como
convenções ou arbítrios. A idéia que chegamos aqui é que os gregos não
estavam preocupados com a lei mas sim com o fazer justiça. A lei natural
passa a ser a verdade e a lei positiva se torna pura opinião (doxa). Deste
modo, permitiria-se a transgressão de qualquer das leis dos homens se o
motivo fosse seguir e respeitar as leis da natureza. Hípias lançava as bases de
um cosmopolitismo, querendo atingir as bases de um direito universal,
ideologia que até então não tinha aparecido. Com a distinção entre Direito
Natural (lei de natureza) e um Direito Positivo (lei posta pelos homens), nasce a
idéia de que apenas o primeiro é válido e eterno, enquanto o segundo é
contingente, e no fundo, não válido.
E assim são lançadas as premissas que levarão a uma total
dessacralização das leis humanas, que serão consideradas fruto de pura
convenção e de arbítrio, e, portanto, frutos indignos do respeito do qual sempre
estiveram circundadas. Hípias tira desta distinção mais conseqüência positivas
do que negativas, posto que a natureza dos homens é igual, não tendo sentido
as distinções que dividem os cidadãos de uma cidade dos de outra, nem as
distinções que no interior das cidades possam ulteriormente dividir os cidadãos:
nascia assim um ideal cosmopolita e igualitário, que para a grecidade era não
só novíssimo, mas revolucionário. Muito mais radical, Antifonte, defendia com
uma maior veemência as concepções igualitárias e cosmopolitas propostas por
Hípias. Esse entende por natureza a natureza sensível, isto é, a natureza pela
qual o bem é o útil e o prazer, o mal é o prejudicial e o doloroso, sendo a
natureza espontânea e tendo uma liberdade instintiva. Motivo este que a lei era
vista como não natural na medida em que passava a constringir, refreiar, por
obstáculos ou dores à espontaneidade.
Antifonte chegou a radicalizar o dissídio entre natureza e lei ao limite da
ruptura, afirmando, em termos eleáticos, que a natureza é a “verdade”
enquanto a lei positiva é pura “opinião” e, portanto, que uma está quase
sempre em antítese com a outra e, por conseqüência, deve-se transgredir a lei
dos homens, quando se puder fazê-lo impunemente, para seguir a lei da
natureza. As concepções igualitárias e cosmopolitas do homem propostas por
Antifonte também são mais radicais. O iluminismo sofístico dissolveu aqui não
só os velhos preconceitos de casta da aristocracia e o tradicional fechamento
da polis, mas também o mais radical preconceito, comum a todos os gregos,
quanto à própria superioridade sobre os outros povos de modo que qualquer
cidade é igual à outra, qualquer classe social é igual à outra e qualquer povo é
igual a outro, pois todo homem é por natureza igual ao outro. Deste modo, o
homem passa a ser igual independentemente de qualquer circunstância: os
homens são, assim, iguais por natureza, quer sejam gregos ou bárbaros.
Tal igualdade defendida pelos sofistas seria uma ruptura da ordem da polis,
onde tanto ricos como pobres a ela se submeteriam. Tudo isto é conseqüência
direta da distorção por eles operada no conceito da natureza. Alguns dos
méritos dos sofistas foram que na Política ampliaram o conceito de lei, muito
estreito e particularista até então. Elaboraram o conceito de justiça, além de pôr
a diversidade e o relativismo das leis civis, próprias de cada cidade,
sublinhando a contraposição entre natureza, lei e pacto, nas quais baseiam-se
respectivamente, o direito natural, o legal e o convencional. Seu conceito de
natureza comum a todos os homens serviu para dar à lei um caráter mais
universalista. Na Educação introduziram um ideal pedagógico mais amplo e
completo que o tradicional. Na retórica formaram um sistema cultural
enciclopédico, preparando os jovens para intervir com êxito nos debates
políticos e no governo do Estado. Na gramática trouxeram a importância
concedida à palavra que contribuiu para a fina e aperfeiçoar o uso da língua e
da oratória e na filosofia romperam com o exclusivo interesse dos filósofos
acerca dos problemas da Natureza, refletindo, em vez, sobre os problemas
humanos e finalmente aperfeiçoaram a dialética.
Apesar de toda contribuição positiva, esta não foi demasiada importante
comparada com o avanço gigantesco que poucos anos mais tarde iria dar a
Filosofia por obra dos três grandes gênios: Sócrates, Platão e Aristóteles. A
contribuição de Sócrates. Ele defende que a pesquisa filosófica não podia ser
levada adiante ou continuada depois dele por um escrito. Achava que nenhum
escrito poderia suscitar e dirigir o filosofar. Redireciona a filosofia para os
caminhos do ser e da verdade, prática do bem, da justiça, enciclopédia,
acreditava que com a política haveria o bem da pólis, acreditava em leis
estáveis, normas universais verdadeiras, busca da verdade, incitando seus
discípulos a descobri-la. Apenas é conhecido por depoimentos que não
coincidem uns com os outros. Seus testemunhos são contraditórios, mas há
dois testemunhos concordantes, os de Platão (A Apologia de Sócrates) e
Xenofonte (As Memoráveis), e um discordante, o de Aristófanes. É muito mais
provável que sua figura e seu pensamento correspondam ao protagonista dos
diálogos platônicos que ao grotesco personagem de As Nuvens.
A maior oposição de Sócrates foi manifestada contra os sofistas e o
mesmo se utiliza de um máximo esforço para provar a inanidade de
pressupostas ciência daqueles. Fiel a democracia, seu maior paradoxo foi o de
nada ter escrito e muito já ter-se escrito sobre ele, sendo que cada uma dessas
obras junta uma condição de dose pessoal de imaginação ou de fascínio.
Nasceu em Atenas, onde terminou seus estudos, adquirindo seu estilo de vida
e pensamento nesta cidade. Somente havia saído dela para cumprir as
obrigações militares. Desta forma, mostrava um certo tipo de sedentarismo por
Atenas, esta pela qual, era o centro de um vasto império político e sobretudo o
centro de toda a vida cultural ocidental. A primeira característica de Sócrates
era a de ser ateniense. Mas tal Atenas cujo regimento político e brilho cultural
todo o Ocidente louvava, não perdia a sua base tradicionalista e pouco
tolerante. A sabedoria da cidade se utilizava de uma moral pragmática,
penetrante de um ideal utilitário. Dizer que Sócrates inventa em Filosofia a
ética, quer dizer que pela primeira vez ele pensa como ateniense como as
armas da Grécia.
Quanto ao Direito, não formulou nenhum sistema sobre, deixando
considerações esparsas sobre o problema da lei e da justiça. O grande sábio
identificou a justiça com a lei: “Eu digo que o que é legal é justo”; “quem
obedece às leis do Estado obra justamente, que as desobedece, injustamente.”
Orientava, assim, na plena obediência à lei, proclamando ser um ato de
injustiça a sua violação, implicando o desrespeito em quebra de um pacto
(concepção contratualista). Encontram-se também manifestações de natureza
jusnaturalista, pois, no diálogo com Hípias, o sábio aborda sobre leis não
escritas de caráter universal e que seriam de origem divina.
Acreditava que as leis do Estado haveriam de guardar sintonia com as leis
da natureza, em consonância com a vontade dos deuses e da lei. Por isso, em
hipótese alguma, os cidadãos deveriam cometer injustiça, mesmo quem a
tivesse recebido anteriormente. Sócrates confessa reconhecer, possuir uma
ciência, a ciência própria do homem e é aí que ele inicia a sua missão:
reencontrando o velho preceito “conhece-te a ti mesmo” (Nosce te ipsum).
Desta tomada de atitude de consciência, surge um ensinamento, um método,
uma atitude e isso nos faz concluir que os valores são perfeitamente
independentes de todo conhecimento constituído. Não será a instrução que
formará o juízo nem os professores às virtudes. Cada um tem seu domínio e se
apóia em seus títulos. A reação antiintelectualista se volta facilmente para
Sócrates. Múltiplos motivos justificaram pois o processo.
O processo se iniciou diante de um júri popular sorteado: 501 juizes. O trio
de acusadores fala primeiro. Sócrates fala, não cedendo ás pressões de 7283
seus amigos e recusando-se a preparar sua defesa ou mandar compô-la por
um advogado profissional. Sócrates desconfia até o fim da escrita. No
momento que se esperava que ele suplicasse ao júri a clemência, eis que se
recusava a abaixar-se. É por 281 votos contra 220 que Sócrates é declarado
culpado. Ao invés de propor sua boa vontade ao propor pelo menos uma
pesada multa. Antes de morrer, ainda se dá ao trabalho de agradecer aos 140
juízes que o absolveram e de lamentar os outros por seu erro. Apesar de
muitos acharem que ele provocou a sua própria morte, não podemos chamá-la
de suicídio, pois o suicídio supõe uma fuga, ou ao menos uma ruptura. Mas
Sócrates não rompe com nada. Ao negar a sua fuga aos amigos, disse-lhes
que “era preciso que os homens bons cumprissem as leis más, para que os
homens maus respeitassem as leis sábias.”
A contribuição de Platão O retrato que a história da Filosofia possui de
Sócrates foi traçado por seu mais importante aluno e discípulo, o filósofo
ateniense, Platão. Foi Sócrates quem abriu caminho a toda especulação
filosófica, mas não nos legou o sistema completo, de modo que seu discípulo
teria a convicta função de aperfeiçoar e, sem dúvida, Platão aperfeiçoa a
maiêutica de Sócrates e a transforma no que ele chama de dialética. A dialética
platônica conserva a idéia de que o método filosófico é uma contraposição.
Entende a idéia de que é preciso partir de uma hipótese primeira e depois a ir
melhorando à força das críticas, sendo que as críticas melhores se fazem no
diálogo, isto é, num intercâmbio de afirmações e negações: e por isso a
denomina de dialética. O encontro com Sócrates foi determinante no
pensamento de Platão, no sentido de que aquele supunha possível expressar
as essências designadas pelos termos morais – justo, bom, corajoso, etc e
mais ainda, sustentava a necessidade de se conhecer o que é (por exemplo) a
justiça ou a virtude para que uma ação justa ou virtuosa fossem praticadas sem
dúvida alguma. Ele costumava dizer: “Rendo graças a Deus, por ter nascido
grego e não bárbaro; livre e não escravo; homem e não mulher; rendo-as,
porém, acima de tudo, por ser contemporâneo de Sócrates.”
Essa busca socrática, legada por Platão, era a radical oposição às idéias
no núcleo dos ensinamentos dos grandes sofistas do século V, como veremos
adiante. Descendente de família nobre, Platão recebeu educação esmerada,
onde pôde conviver boa parte de sua vida com os ensinamentos de seu
mestre. Mais tarde, já aos quarenta anos, após viajar para o Egito e sul da
Itália, convivendo com os pitagóricos e Dionísio, retornou a Atenas e ali fundou
a sua Academia (nos “jardins de Academo”, com os dizeres: “Que ninguém
entre aqui se não for geômetra.”), na qual se cultivavam as ciências e a
Filosofia, permanecendo naquele centro de estudos até o fim de sua existência.
“Platão tem a inteligência fina, servido por uma imaginação brilhante e
inspirado por um profundo sentimento; temperamento poético e místico, deixa
gostosamente o mundo das contingências para atingir a esfera serena do ideal
e entregar-se a especulações elevadas e sutis. Seus “Diálogos” são obras
clássicas.”
Toda a filosofia de Platão tem uma orientação ética: ela ensina o homem a
desprezar os prazeres, as riquezas e as honras, as renúncias aos bens do
corpo, desse mundo e praticar a virtude. Este ensinamento moral de Platão não
poderia deixar de causar uma profunda impressão entre seus contemporâneos,
uma vez que subvertia radicalmente os valores tradicionais. Enquanto no
pensamento socrático a ética possui conotação utilitária, pois identificara o bem
como o útil e o agradável para o homem, em Platão essa noção se apresenta
desprovida de condicionamento, pois o bem teria valor em si mesmo. O longo
diálogo da República será inspirado pelo tema fundamental da justiça, além de
ser um diálogo de natureza política. A função educativa que implica seleção e
formação com um profundo sentido ético-político tem na cidade platônica uma
importância de primeira ordem, pois dela depende que se alcance o ideal da
comunidade social. Por este motivo, “A República” deveria denominar-se “O
Estado”, ou ainda “Politéia”, designando “regime ou governo da polis”.
No Livro I da República, Sócrates e Glauco vão ao Pireu com o objetivo de
fazer orações à deusa e no caminho de volta acabam por ser convidados por
Polemarco a ficar na cidade. É na casa do anfitrião que empreendem uma
discussão e a crítica dos conceitos vigentes de justiça. Apesar das
argumentações de Trasímaco e Glauco, que acreditam, respectivamente, ser a
justiça o que convém à mais forte ou pura convenção dos homens, Sócrates
consegue rebater todas estas teorias com o seu jeito humilde de ser. Chegam
a conclusão de que “o homem justo é o absolutamente bom e fazer mal aos
outros não é função do mesmo. É por isso que os bons ocupam as
magistraturas, quando governam, pois vão para o poder como quem vai para
uma necessidade. Logo, o justo assemelha-se ao homem sábio e bom, e o
injusto, ao mau e ignorante”.
No livro II da República Platão confessa que a maioria das pessoas pratica
a justiça por causa das aparências, em vista do salário e da reputação que vão
adquirir. Foi a partir do momento que as pessoas começaram a cometer
injustiças umas para com as outras que se originou o estabelecimento de leis e
convenções entre elas. O fato das pessoas se unirem numa cidade formando
uma sociedade é devido ao fato delas não serem autossuficientes. Assim,
como um homem necessita do outro, serão tais necessidades que fundarão a
Cidade-Estado. Deste modo, a justificativa para a existência do Estado era o
fato deste ser um processo de adaptação criado pelo homem para suprir as
suas deficiências, provendo então as mais variadas necessidades. A essência
do Estado seria então, não uma sociedade de indivíduos semelhantes e iguais,
mas dessemelhantes e desiguais.
Sobretudo, a harmonia que deveria imperar na sociedade só seria possível
num Estado organizado racionalmente, já que tanto a propriedade como a
família eram vistos como fatores de instabilidade social, pois provocam divisões
entre os homens e o confronto de interesse geral com o particular. As
entidades sociais intermediárias, que existiam entre o Estado e o indivíduo
poderiam ser suprimidas na visão do filósofo. Deste modo, adotava uma família
única, capaz de assegurar a completa e perfeita unidade orgânica e harmônica
do Estado. Mas tais teses só valeriam apenas para as duas classes superiores
(magistrados e guerreiros) já que eram os que participavam da vida pública. Os
guardiões ou filósofos não terão bens próprios, nem casa própria e nem família
própria. Tudo isto faz parte do plano platônico de criar a cidade ideal. Platão
acreditava que se os governadores tivessem casas ou terras ou dinheiro
próprios, tornar-se-iam zeladores desses bens, em vez de dirigentes da nação;
inimigos e tiranos, em lugar de aliados dos outros cidadãos.
Todos os filhos da casta governante seriam, ao nascerem, tomados de suas
mães e criados juntos, de modo que se perdesse o conhecimento dos
parentescos particulares. Porém, defendia dar às meninas as mesmas
oportunidades intelectuais que aos meninos, as mesmas probabilidades de
elevar-se aos mais altos cargos públicos. “Se a mulher mostrar capacidade
para ocupar cargo público, que o ocupe; e se algum homem unicamente se
mostrar apto para lavar pratos, que exerça igualmente a função a que a
Providencia o destinou.”
Isto fica claro no livro III da República, onde percebemos que os guardiões,
isentos de todos os outros ofícios, de nada mais se devem ocupar que não
esteja relacionado com o Estado, não fazendo e nem imitando nenhuma outra
coisa. Também nos é claro que o bom juiz não deve ser novo, mas sim idoso,
tendo aprendido tarde o que é a injustiça, e pelo próprio saber possa
compreender o mal que ela faz. De conformidade com os ensinamentos de
Sócrates, Platão considera que não é vergonhoso receber a injustiça ou o mal,
mas sim comete-los, porque a alma viciada é o pior de todos os males. “Eu
afirmo, Cálicles, que a maior das humilhações não é levar sopapos
injustamente, nem sofrer mutilações no corpo ou na bolsa; desonra maior e mal
pior é bater-me, mutilar-me injustamente o corpo ou os bens; roubar-me,
escravizar-me, assaltar-me a casa, em suma, cometer qualquer iniquidade em
minha pessoa ou meus bens é pior e mais desonroso para o autor do que para
mim, a vítima.”
É mais vergonhoso para qualquer um cometer injustiça do que recebe-la.
Isso fica claro no Górgias, 469-b: “ – assim, pois, tu preferes sofrer uma
injustiça a praticá-la? – Para dizer a verdade, eu não quereria nem uma nem
outra coisa; mas se fosse imperioso ou praticar ou sofrer uma injustiça, e
preferiria sofrê-la a praticá-la.” Para Platão, quem logra os maiores êxitos ao
preço da maldade encontra-se no mais fundo abismo da miséria moral,
enquanto quem é vítima das mais tremendas adversidades, como
conseqüência de sua honestidade e bondade, tem seu verdadeiro prêmio na
aprovação de sua consciência. “A alma justa e o homem justo vivem bem, e
mal o injusto e quem vive bem é feliz e bem-aventurado; e que não, ao
contrário. Portanto, o justo é feliz, o injusto, miserável.”
Assim como diz o Teeteto, 176 D –“o castigo da injustiça...não é o que
imaginam os homens, ...., aos que às vezes conseguem escapar mesmo
cometendo injustiças; antes é castigo ao qual não é possível subtrair-se.”[39]
Evitar o castigo exterior é fácil, ocultando aos demais suas próprias maldades;
mas não o interior, que se realiza na alma e na própria consciência, às quais
nunca pode alguém ocultar-se e dessa forma Platão formula o problema moral
como problema da felicidade. Esta teoria platônica segundo a qual a virtude se
identifica com o conhecimento, e o Bem, com a Verdade, exercerá grande
influência na filosofia grega posterior, especialmente em Aristóteles, nos
estoicos e nos neoplatônicos, e encontrará consensos também entre os
autores cristãos, principalmente entre os gnósticos. O problema da justiça, para
Platão, devia ser encarado no Estado, pois, como o próprio filósofo afirma, ali
ele pode ser lido mais claramente, já que está escrito em caracteres grandes,
ao passo que, em cada homem, está escrito com letras pequenas. O Estado é
um organismo completo, em que se encontra reproduzida a mais perfeita
unidade. É a virtude quem harmoniza tanto a vida no Estado como a do
indivíduo e a virtude por excelência é a justiça, pois ela exige que cada qual
faça o que lhe cumpre fazer com vista ao fim comum. A cidade justa seria
aquela em que todos os seus cidadãos desempenham a função que melhor
condiz com sua natureza e talento.
Cada um tinha que exercer suas atividades conforma suas aptidões
naturais. Aqui entra a concepção de politikon dikaion, ou seja, justiça política
envolvendo o direito, onde cada cidadão agiria conforme a sua função mais
pertinente. Sendo assim, os filósofos eram os mais capacitados para exercer a
função política, governando a cidade, pois eram considerados como quem
possui a experiência do pensamento, do prazer e do dinheiro. Só eles
conhecem o prazer que resulta da contemplação do ser, ao passo que o
dominador só tem a experiência da dominação e o argentário a do dinheiro.
Costumava dizer que seria coisa simples a justiça, se os homens fossem
simples; e neste caso bastaria a pratica de um comunismo anarquista. O maior
desafio para a Filosofia Política seria impedir que a incompetência e a
improbidade se instalassem nos cargos públicos e de selecionar e preparar os
melhores para governar em benefício da comunidade.
Deste modo, o filósofo definiu o Direito ao definir a Justiça como aquilo que
possibilita que um grupo qualquer de homens, mesmo que bandidos ou
ladrões, conviva e aja com vistas a um fim comum. Ao que parece, essa seria
uma função puramente formal do Direito, graças a qual ele é simplesmente a
técnica da coexistência. Nessa linha, justiça seria maior que o Direito e o que
vai determinar os mesmos são as suas finalidades. Direito para Platão é o que
irá levar todos a um bem comum. Porém, àqueles que ignoram a sabedoria e a
virtude, entregues sempre aos prazeres do corpo, jamais erguem os olhos para
cima, jamais se nutrem do ser verdadeiro e fruem o prazer sólido e puro. Em
relação ao Direito Natural, Platão argumenta que, através dele podemos
contrapor às leis injustas, não usando o ordenamento jurídico (feito por
convenção). O Direito Natural constitui então um tribunal de apelações contra
as contravenções. Estaremos definindo o Direito ao definir a Justiça,
possibilitando quem um grupo qualquer de homens conviva com um fim
comum, porém, o que essencialmente vai determinar o Direito e a Justiça é a
sua finalidade.
Essa visão do Direito que Platão tem é uma visão técnica, sendo que é ele
quem leva todos a um bem comum. Portanto, se algo existe e funciona, é
porque possui um ordenamento que deve ser respeitado. Platão pregava que
àqueles que agissem de acordo com a verdade, iriam para os campos elísios,
não tendo mais suas almas reencarnadas, pois agora está recebia um prêmio.
Quando o indivíduo agia em plena injustiça, ao ponto de ter-se tornado
incurável, receberia um castigo eterno. Se tivesse vivido ora com justiças, ora
com injustiças, este se arrependeria de suas injustiças, sendo castigado
temporariamente e depois receberia a recompensa que merecesse. Os piores
males que existem são aqueles que atingem a alma e a injustiça é um exemplo
do mesmo. Ao fazer o mal a alguém, Platão acreditava que a pessoa estava
fazendo mal a si mesma, de modo que o injusto nunca venceria. É mais feliz o
justo no meio dos sofrimentos do que o injusto num mar de delícias. Para se
obter a felicidade é necessário renunciar aos prazeres e se dedicar a virtude.
Como justiça para Platão é aquilo que cada qual esteja em seu lugar certo,
deste modo, é justo que a classe básica esteja na classe básica. Somente a
educação ajudava a nivelar as pessoas. A beleza, a riqueza e juventude
desfrutada com os amigos eram condenados como ilusórios e irreais, do ponto
de vista da concepção ética. Porém, Platão não chega a uma sistematização
das virtudes e dos vícios que serão feitos após por Aristóteles. Mesmo assim,
aquele consegue encontrar virtudes intelectuais e morais como a prudência,
conhecimento, justiça e temperança, respectivamente. Devido às
preocupações de Platão serem de ordem ética e política, não devemos
inscrever o filósofo como um dos precursores do comunismo, já que suas
considerações não se estendiam ao setor econômico. Como educador, ele
queria explorar a melhor forma de organização social e política, exercitando
plenamente as potencialidades de cada indivíduo de sua época.
É preciso ficar claro que a teoria da justiça de Platão é exclusivamente
moral, de modo que ela abrange toda a vida moral e social do indivíduo, não
havendo, ainda, uma separação nítida do que seja o direito e a moral. Mas, em
momento algum, ele confunde a justiça com a lei, ou, o direito com a lei. À
justiça cabe atribuir a uma sua função na cidade; à lei cabe estabelecer as
regras de convivência social, aí incluindo os aspectos jurídicos e morais. A
justiça política de Platão é, mesmo numa cidade ideal, algo de concreto, e, não,
como no sentido moderno, algo que se busca sem nunca se encontrar. Tosa
essa visão de justiça, a sua distinção da lei, os valores relativos da lei servem
de desenvolvimento para a teoria da Justiça que mais tarde seguiria
Aristóteles.
A Cidade- Estado grega que Platão tem em mente consciente ou
inconscientemente adquiriu a sua forma típica por volta do século VII-VI a. C.,
com a grande conquista da isonomia ou igualdade perante a lei. E ainda em
relação a justiça, percebe-se que ela não consiste em devolver o que se
recebeu, nem em dar a cada qual o que lhe deve, ou em fazer bem aos amigos
e mal aos inimigos; nem pensar que ela é útil aos mais poderosos. A justiça
também não consiste em uma convenção estabelecida, como lei pelos
homens, diante da lei natural, para os mais débeis defender-se contra os mais
fortes. A justiça na cidade e no indivíduo são a mesma coisa. No indivíduo,
consiste em ser uma virtude da alma, consistindo em reinar a ordem e
harmonia entre os diversos elementos que o constituem (racional, irascível e
concupiscente).
Na cidade, consiste em estabelecer a ordem do conjunto e a harmonia entre
as distintas partes constitutivas da sociedade. Ademais, em relação à política, o
filósofo procura incansavelmente saber qual a melhor forma de governo da
polis e como devia ser estruturada socialmente para que fosse a mais justa.
Deste modo, criticava tanto a monarquia como a democracia, em que uma
parte dos cidadãos manda enquanto a outra obedece, propondo uma espécie
de síntese de ambas, cujo modelo era, sobretudo, o regime de Esparta, onde
ao lado dos reis, havia o Senado e os Eforos. Podemos dizer que foi a política
que o levou à Filosofia. Pregava que a democracia arruína-se pela hipertrofia
de si própria. Acreditava que o povo não estava convenientemente preparado
pela educação para escolher os melhores a chegar no governo e os mais
sábios métodos de governar. Quanto mais meditava a respeito, mais se
admirava da loucura de confiar-se ao capricho e à credulidade das multidões a
escolha dos dirigentes nacionais.
A significação da aristocracia seria ser governada pelos melhores, por isso,
nenhum homem poderia exercer cargos sem previa educação especializada e
nem ocupar os mais elevados degraus sem antes ter exercido bem os
inferiores cargos. Qualquer homem poderia tornar-se apto para a tarefa
administrativa, mas, desde que, antes, desse prova de sua tempera. Assim,
acreditava que tanto o filho de um governante como o filho de um engraxate
teriam as mesmas condições e que esta democracia era muita mais honesta
que a democracia dos pleitos eleitorais. Em relação à lei escrita, Platão não
atribui senão um mínimo valor a mesma, pois a considerava desnecessária, já
que o guardião com sua educação perfeita e pelo fato de ser filósofo, saberia o
que convém a cidade e quais os melhores meios de preserva-la justa, para a
felicidade do cidadão grego.
Mas o filósofo amadurece e percebe que a sua teoria sobre a necessidade
e valor das leis escritas deveria sofrer uma substancial alteração. Ele admite
que, longe da cidade ideal, tendo em si o mundo real e imperfeito, as leis são
necessárias e que sem elas a cidade não pode ser justa, nem o cidadão ser
feliz. Porém, agora está diante em um justo relativo e imperfeito assim como a
própria cidade. Platão confessa que as leis são necessárias, pois nenhum
homem individual tem a capacidade pela sua própria razão de estabelecer o
que é bom e justo para a cidade, além de ser, naquela época, inexequível um
Estado sem leis, pois os números de magistrados também eram insuficientes.
Platão, ante o fato inevitável da degeneração progressiva, propõe como
remédio a substituição do poder pessoal do monarca pelo poder da lei. “Já que
é difícil encontrar o rei ideal, o poder do monarca deve substituir-se pela
ditadura da lei.”
Nas Leis, livro IX, 874 a dizia: “Sem leis, os homens se conduzirão
necessariamente como as feras mais perigosas.” É preciso que as leis sejam
elaboradas pela concorrência de outros homens. Sem elas, nenhum cidadão
poderia ser educado (Platão reserva para o Estado uma função educadora) nas
virtudes essenciais à vida coletiva, em sociedade. Agora, o filósofo, apesar de
suas aptidões, não pode governar mais sem as leis. Neste contexto, a lei não
se resume simplesmente numa decisão política, mas sim num fruto da razão. É
necessário que o legislador esclareça o “porquê” delas, justificando para que
todos as cumpram de bom grado, isto é, os textos deveriam ser acompanhados
de exposição relativa à finalidade do ato normativo.
O filósofo pensa numa lei constitucional, onde é o governo que tem que se
adaptar à ela e não o contrário, ou seja, a lei era soberana. Por abarcar todos
os aspectos da vida humana em sociedade, a ela não se distinguia entre lei
moral e lei jurídica, sendo que extrapolava a conotação de lei jurídica que
temos atualmente. Platão procura para a lei um fundamento sólido, estável e
universal, independente da diversidade e variedade das normas e costumes de
cada cidade. Ele conserva (dos antigos) a noção genérica da lei como
procedente dos costumes. A lei guia e corrobora os costumes. Todo esse
amadurecimento do filósofo é exposto no livro “As Leis”, composto mais tarde,
quando ele já ultrapassava dos setenta anos. No lugar de três classes sociais,
Platão reconhece quatro e, cujo o critério se basearia na renda individual.
Ele passa a aceitar o casamento monogâmico em todas as classes e
também o direito de propriedade sobre a terra, embora com restrições, mas
não agora sacrificadas a uma espécie de estadualismo como na “República”. A
inspiração das Leis é no fundo idêntica à da República, mas Platão atenua o
seu idealismo e atém-se mais à realidade. Ao poder pessoal do monarca ideal,
substitui à ditadura da lei. Propõe uma forma mista de governo. Explica a
origem da cidade com base no desenvolvimento das famílias, que se agrupam
até constituir a comunidade política e descreve uma cidade de caráter
essencialmente agrário. As terras são propriedade do Estado, mas a sua
exploração é feita por particulares. Platão acentua nas Leis o sentimento
religioso: afirmando que o ateísmo é o mais grave dos delitos e os homens são
propriedades dos deuses.
Às leis penais atribui fim essencialmente terapêutico. Platão considera os
delinquentes como enfermos (já que segundo o ensinamento socrático,
ninguém é voluntariamente injusto) e a lei é o melhor meio para cura-los, sendo
a pena o remédio. Assim, pelo delito, nem só o delinquente revela estar
enfermo, como também o Estado se ressente da sua enfermidade. Convém
notarmos a diferença dessa concepção com a da moderna Escola de
Antropologia Criminal, onde esta considera a delinquência como um produto da
degenerescência física, ao passo que, para Platão, o delinquente é
intelectualmente deficiente (sua ignorância é aberração, ignorância da
verdade). Analisando os diálogos de juventude com os da velhice de Platão,
percebemos um filósofo que sempre moveu-se em sintonia entre o pensamento
teológico e político, ou seja, os diálogos sempre envolveram um Deus e as
realidades específicas da vida política, mostrando uma riqueza de experiência
e uma extraordinária imaginação política.
A contribuição de Aristóteles Aristóteles (384-322 a.C.) cresceu e nasceu na
periferia do mundo grego. Saiu de casa aos dezessete anos para estudar no
centro da cultura grega – a Academia em Atenas, onde se tornou um discípulo
predileto do idoso Platão. Com a morte do mestre vinte anos mais tarde,
Aristóteles sofre com a amarga perda do mesmo. Posteriormente, funda a sua
própria escola no Liceu, onde gostava de ensinar de maneira informal em
passeios através dos jardins caminhando e por isso sua escola seria chamada
de peripatética. “O mundo de Aristóteles se desintegrou quando ele chegou aos
sessenta e uns anos. Entraram em declínio as forças políticas que o haviam
protegido. Ele passou a ser visto com suspeita, e foi acusado (tal como
Sócrates antes dele) de impiedade.
Diferentemente de Sócrates, ele não foi filósofo o bastante para esperar a
cicuta; fugiu para a casa de sua mãe em Cálcida. Apesar de ter despistado os
inimigos, não escapou da morte – morreu de doença um ano depois...Uma
cláusula de seu testamento emancipou alguns de seus escravos.” A civilização
de Aristóteles era simples em termos de organização social, apresentando
poucos problemas parecidos com aqueles que infestam o Direito e as ciências
sociais de hoje. As cidades-estados gregas eram pequenas e rurais, talvez
fáceis de ordenar. Porém, problemas éticos e legais radicais despertavam
interesse até mesmo no mundo do filósofo. A respeito do caráter de Aristóteles,
inteiramente recolhido na elaboração crítica de seu sistema filosófico, sem se
deixar distrair por motivos práticos ou sentimentais, temos naturalmente muito
menos a revelar do que em torno do caráter de Platão, que ao contrário, os
motivos políticos, éticos, estéticos e místicos tiveram grande influência.
Do diferente caráter dos dois filósofos, dependem também as vicissitudes
das duas vidas, mais uniforme e linear a de Aristóteles. Ele foi essencialmente
um homem de cultura, de estudos, de pesquisas, de pensamento, enfim, de
investigação científica. A sua filosofia representa um grande esforço para
solucionar o problema do ser e da ciência, coisa que em Platão ainda não
havia sido resolvido. De todos os filósofos antigos, ele foi quem mais
desenvolveu os temas ligados à filosofia jurídica e talvez por isso seja ele
considerado o pai da Filosofia do Direito. Até a sua chegada, pode-se dizer que
a mesma estava em um estado de formação embrionária, ou de vir-a-ser.
Mostrava uma grande inclinação para a atividade judiciária de Atenas, além de
exímio frequentador dos tribunais. Com ele, encerra-se o chamado período
ático da Filosofia grega, iniciado com Sócrates e continuado por Platão.
Os séculos V e IV a.C. foram considerados como a idade de ouro da cultura
humana. Afirmava a existência de um direito por natureza (dikaion phisikon) e
um direito por definição legal (dikaion nomikon). Mas o direito natural de
Aristóteles não pode ser confundido com o sentido moderno do mesmo que foi
originado com os padres da igreja e filósofos do século XVII. Para ele, direito
natural é aquele que independentemente do que pareça ou esteja, tem sempre
a mesma força. Aristóteles possui uma visão refinada de Direito. Apoiada na
teoria de Platão, constrói argumentos para apoiar a teoria de Hípias
defendendo o Direito Natural. Para ele, política era a busca da felicidade e o
Direito a busca do bem comum. A finalidade do ser humano então seria a
busca do bem comum e que só seria possível através da razão humana.
A finalidade do Direito seria a felicidade e não a justiça. Ele afirmava que o
Direito Natural nos era a garantia de que com ele seremos felizes e é por esta
razão que defendia que o Direito Positivo se ligasse àquele. De qualquer modo,
considerava o Direito como uma virtude dirigida ao outro. Defendia o filósofo
que, certamente há uma lei verdadeira, conforme à natureza, difundida entre
todos, constante, eterna e que comanda e incita ao dever, proibindo e
afastando a fraude. Nessa lei não é lícito fazer alterações, nem é lícito retirar
dela qualquer coisa, pois será lei única, imutável, governada por todos os
povos em todos os tempos. Quem não a obedecer, estará fugindo de si mesmo
e, sofrerá as mais graves penas. Felizmente, Aristóteles acredita que o natural
do ser humano é agir corretamente, pois a razão nos faz agir de maneira
correta. Diferenciava-se de seu mestre no sentido deste não emprestar muita
importância às leis, contrariando Aristóteles que acreditava ser a lei a “salvação
da cidade”. [48] Acreditava que a vida social tinha um fundamento natural,
anterior aos costumes e às leis positivas. “A lei não tem nenhuma força para
ser obedecida, a não ser pelo costume, e este não se forma com o transcurso
de longo tempo, pelo qual a facilidade para mudar as leis existentes por outras
novas é debilitar-se o poder da lei.”
Neste sentido, as leis referiam-se a todas as coisas da vida social, e por
isso, conseguem estabelecer o que convém a todos. Justo seria o que
estivesse de acordo com a lei e injusto o que lhe é contrário. A justiça é tão
enfatizada pelo pensador, que passa a ser considerada como uma virtude
perfeita. “Justiça é a disposição em virtude da qual os homens praticam o que é
justo, agem justamente e querem o justo.” “Chamamos justo ao que é de índole
para produzir e preservar a felicidade e seus elementos para a comunidade
política.”[51] Sem dúvida, Aristóteles afirma ser a justiça a virtude por
excelência, e que de certo modo compreende todas as outras, na medida em
que introduz a harmonia no conjunto, atribuindo a cada parte a função que lhe
corresponde. Todas as virtudes estariam de certa forma subordinadas à justiça.
“Uma só justiça contém todas as virtudes.” (E.N. VI 12, 1144 B 35).
Além disso, trata da mesma como uma virtude moral, de modo que esta
resulta nas obediências das leis, ajustando então a conduta dos cidadãos.
Neste sentido, o filósofo entende que tanto a virtude como o vício dependem
não somente do conhecimento, mas também, da vontade. Então não bastaria
conhecer o bem para praticá-lo, como também não bastaria conhecer o mal
para deixá-lo de cometer. Na Ética a Nicômaco, II, 1 nos deixa claro que não
basta conhecermos o que consiste a virtude, senão que é necessário esforçar-
se em praticá-la: “o arquiteto forma-se construindo casas, o músico compondo
música, o justo praticando a justiça, o sábio cultivando a sabedoria, o valente
exercitando o valor.”
Os filósofos que antecederam Aristóteles não chegaram a abordar o tema
da justiça com uma perspectiva jurídica, já o próprio, considerou a justiça sob o
prisma da lei e do Direito. Na Política, livro III, 15, 1286 a 15, declara: “é melhor
ser governado por lei que por excelentes governantes, pois as leis não estão
sujeitas às paixões, ao passo que os homens, por muito excelentes que sejam,
podem incorrer nelas.” Para o pensador, as leis nada mais faziam que ordenar
ações justas e boas, prescrevendo atos de valor, de prudência e temperança
dentre outros, por fim ainda proíbem os vícios contrários. Aquele que vivesse
exatamente de acordo com as leis, estariam praticando todas as virtudes.
Deste modo, a justiça legal tem caráter de virtude integral, já que o bom
cidadão, observador das leis, seria também um homem justo e virtuoso.
“O homem mais perfeito não é o que emprega a sua virtude em si mesmo,
mas o que a usa para os outros, coisa sempre difícil. E assim pode considerar-
se a justiça, não como uma simples parte da virtude, mas sim como toda a
virtude, e o seu contrário, a injustiça, que não é parte do vício, mas sim o vício
inteiro.” (E.N. V, 3). Como complemento da justiça e por preocupar-se com a
dificuldade da aplicação da lei abstrata aos casos concretos, Aristóteles
assinala a importância do uso da equidade, que constitui um hábito
permanente para interpretar e aplicar a lei, determinado o que é justo em cada
caso particular, além de ser utilizada como critério de preenchimento de
lacunas. Essa preocupação decorria do fato das leis terem um caráter
universal, não podendo estas determinarem em concreto todos os casos. A
equidade evitava que a lei fosse usada como norma rígida e inumana.
O Estado surge pelo fato de ser o homem um animal naturalmente social e,
por sua vez, político. Tanto que é para Aristóteles uma necessidade e não uma
simples associação momentânea para atingir fim particular, mas sim uma
perfeita união orgânica, sendo a comunhão necessária ao serviço da perfeição
da vida. O modo que o Estado tinha para regular a vida dos cidadãos esta
através das leis, de modo que estas dominavam inteiramente a vida. Do ponto
de vista social, o homem foi chamado de animal político e somente poderia
este atingir tal finalidade na cidade. Considerava que um homem fora da
sociedade, ou era um bruto ou um deus. Costumava afirmar que:” se a raça
helena pudesse fundir-se em um só Estado, dominaria o mundo.”
Entretanto, afirmava ser a escravatura por excelência o que esperava um
escravo por natureza, de tal forma que uns nascem para mandar e outros para
obedecer. Esta incapacidade de certos homens é justificada pela própria
natureza destes, que nascem para submeter-se ao governo do seu senhor no
interesse de si próprios. Este não confundia-se com o cidadão politikon zoon.
Diferentemente de seu mestre, concebe o Estado com o mais alto grau de
convivência humana, mantendo as relações intermediárias entre o Estado e o
indivíduo. Sendo assim, o primeiro agregado (a família) transitava-se para o
segundo (a tribo), onde a reunião deste dava lugar ao último grau já
mencionado. Não obstante à sua concepção ética de Estado, salva o direito
privado, a propriedade particular e a família e por isso podemos concluir aqui
uma concepção histórica superior à de Platão.
Reforçando este idéia, Aristóteles acreditava que erram os que pensam
que há uma diferença quantitativa na forma de governo entre as comunidades,
pois assim não haveria maior diferença entre um governante de uma casa com
outro de uma cidade. Na verdade, as formas de autoridade se diferenciam de
forma qualitativa. Cada sociedade visa a um próprio bem e o exercício de
poder em cada uma delas não estará sujeito a mesma aptidão. Enquanto este
escorçou o perfil ideal do Estado, Aristóteles dedicou-se à observação das
constituições, sendo ele o primeiro a fazer a distinção entre os vários poderes
do Estado (o legislativo, o executivo, e o judiciário). O seu exame recaiu sobre
os governos mais adequados às várias situações de fato. Não é à toa que ele
foi o único que conseguiu reunir 158 Constituições, das quais resta-nos
somente a de Atenas.
Quanto à forma exterior do Estado, o filósofo distinguiu as três principais
formas de governo: a monarquia; aristocracia e a democracia, cujas
degenerações seriam respectivamente, a tirania, a oligarquia e a demagogia.
As preferências do mesmo vão para uma forma de república democrático-
intelectual, forma tradicional e particular de Atenas. No entanto, assume
Aristóteles que a melhor forma de governo não pode basear-se de forma
abstrata, mas sim concreta, sendo acomodada às situações históricas e as
circunstâncias de um determinado povo. O mais importante seria que o fim da
atividade estatal recaísse sobre o bem comum e não à vantagem de quem
governa unicamente. Neste sentido, Aristóteles combate o idealismo de Platão
sobre o governo. Um ponto importante a destacar foi a questão política. Antes
mesmo do nascimento desta, os homens já viviam em sociedade. Sobretudo,
enquanto estes homens não chegassem a pensar em política como algo que
dependesse deles, eles não conseguiriam fazer a mesma. Foi a partir do
momento que começaram a pensar em política e a tomá-la como objeto, foi
que ela sucedeu-se.
A política aristotélica é essencialmente unida à moral, porque o fim último
do Estado é a virtude, isto é, a formação moral dos cidadãos e o conjunto dos
meios necessários para isso. Porém, a política se diferencia da moral no
sentido da segunda ter como objetivo o indivíduo, aquela a coletividade,
caracterizando deste modo uma doutrina moral social. Um grande desafio para
Aristóteles seria evitar que as exigências da política se opusessem as da
filosofia, já que num determinado período da idade clássica, o pensar demais
do filósofo tornou-se uma forte ameaça ao desequilíbrio do cidadão. O provável
divórcio entre a filosofia e a cidade atingiria o seu apogeu com a condenação
de Sócrates à morte, o que não impediu que Platão se proclamasse o único
homem político de seu tempo. Platão não se interessou em criar a filosofia
política, talvez porque considerasse a política como prática do dia a dia e não
tomasse isso como conta do filósofo.
Tal lacuna levou aos sofistas ao título de verdadeiros pensadores políticos
do século V e quanto ao filósofo, cada vez mais se tornava impossível a
consignação de uma filosofia política no grande século da cidade. Ainda em
divergência com seu mestre, Aristóteles procurava ligar-se mais aos fatos
empíricos, na contemplação dos fenômenos sociais. Muitos dos filósofos que
antecederam Aristóteles não abordaram o termo da justiça dentro de uma
perspectiva jurídica, mas sim relacionada as relações interindividuais ou
coletivas, de modo que não é absurdo considerarmos que Aristóteles legou-nos
seu pensamento de forma original.
DIREITO NA FILOSOFIA MEDIEVAL
Do Deus vingativo ao Deus do amor
O Antigo Testamento retrata uma realidade crua, na qual a sociedade hebraica
era fustigada e mantida escrava pelos egípcios. Deus era uma figura vingativa
e toda poderosa, daí a moral e a religião daquela época para os hebreus serem
dogmáticas e rigorosas. A sua religião dos hebreus ainda se estruturava, as
consciências populares ainda desfrutavam de um ensinamento imaturo. Por
isso, as passagens, explicam Bittar e Almeida (p. 192), eram pintadas com
cores fortes e igualmente atemorizantes. As revelações, então, não surgiam
para qualquer outro povo, em quaisquer outras circunstâncias, mas eram vistas
como advindas das dificuldades materiais e morais de um povo.
Com Cristo, os temores e a imagem de um Deus vingativo começaram a ser
deixadas de lado. Aliás, a partir dele, se falou de um Deus benevolente e que
perdoa. À medida em que o povo hebreu prosperou e suas tradições morais e
religiosas se depuraram, os ensinamentos gradativamente também se
elevaram. "Com isso, não se pode concluir diferentemente da renovação da
doutrina cristã pelo advento do Messias. É com o advento do cristianismo que
ficou marcada a lição da justiça tal qual retratada e concebida por essa religião.
A justiça, ou melhor, o ensinamento acerca dela, surgiu com a própria vinda
exemplar do Cristo em sua missão de esclarecimento acerca do justo e do
injusto. ‘E, libertados do pecado, fostes feitos servos da justiça’, ou, ‘Porque,
quando éreis servos do pecado, estáveis livres da justiça’ (Paulo, Epístola de
Paulo aos Romanos, cap. VI, v. 20)", escrevem Bittar e Almeida (p. 192).
Interessante também a visão de Michel Villey (p. 105): "De qualquer modo,
assim é na ‘Nova Lei’ do Evangelho, que para os cristãos é a versão da ‘Antiga
Lei’ do Velho Testamento. Esta a resume, como todos sabem, nestas duas leis
que se reduzem a uma: ‘Amarás a Deus com todo teu coração e com toda tua
alma – e teu próximo como a ti mesmo (...)."
Justiça superior
Em muitas das passagens das escrituras sagradas, fala-se de impérios,
doutrinas e sábios que florescem e esmorecem. Porém, haveria algo que
permaneceria, a Palavra do Senhor, que simbolizaria uma justiça superior ao
plano terrestre e mutável. "Trata-se de mencionar uma ordem que está para
além dos sentidos humanos, naturalmente de caráter espiritual, em que a
Justiça aparece como fenômeno imperecível, e de acordo com a qual o
julgamento se exerce de forma inexorável; a eternidade e a irrevogabilidade
são suas características", assinalam Bittar e Almeida (p. 192).
A conduta do cristão deve amoldar-se à lei. Não se trata da lei humana, mas da
lei do amor. A justiça olharia para os pobres, desencaminhados, pecadores ou
ovelhas desgarradas. A justiça cristã, bíblica, busca uma realização futura e
não atual, como num processo judicial, por exemplo, nos ditames de
Aristóteles. "No final das contas a justiça bíblica reside no interior do homem,
que ela supõe piedoso e caridoso, penetrado de amor", assevera Villey (p.
105).
Muitas vezes, justiça pode ser misericórdia, ou, ainda, caridade. Diz Villey (p.
108): "Ela consiste em tomar por princípio o partido dos pobres, do terceiro
mundo, dos criminosos reincidentes, das classes trabalhadoras (supondo-se
que os trabalhadores sindicalizados sejam efetivamente os mais pobres).
Nossa justiça continua sendo uma tensão em direção a um além, a um outro
mundo: mundo de futura liberdade, igualdade, fraternidade, prosperidade
universais. (...) A justiça de sonho que secreta nosso idealismo é
historicamente um vestígio e uma contrafação da antiga mensagem evangélica
do Reino dos Céus."
Leis humanas e leis de Deus
Como Sócrates e Platão, principalmente, ligavam a justiça a um além-vida, o
Hades, na justiça cristã pensar-se-á a respeito disso também. Ora, as leis
humanas variam no tempo e no espaço, devido à diversidade dos povos. As
leis divinas (de Deus) não poderiam, jamais estarem maculadas com as
mesmas falhas e mundanidades. "A lei humana, portanto, que condenou o
Cristo, o que foi feito com base na própria opinião popular dos homens de seu
tempo, é a justiça cega e incapaz de penetrar nos arcanos da divindade. A
ilusão medra entre os que veem somente dentro dos estreitos limites do campo
material de alcance de sua visão", alertam Bittar e Almeida (p. 206).
Afirmam Bittar e Almeida (p. 193): "Assim, para além do que o homem
(legislador) institui como o justo e o injusto, existe uma justiça que se exerce de
acordo com regras espirituais, ou seja, de acordo com a lei divina. Esta se
distancia da lei humana no sentido de que aquela é universal, inexorável,
perene, irrevogável. Estas as suas características principais. Estar diante de
uma justiça divina significa estar diante de uma justiça presidida por Deus,
aplicada por esse mesmo Deus. Aquele que povoa o Universo de regras é
Aquele mesmo que executa essas regras e, mais que tudo, que segundo essas
regras julga pelos seus atos cada alma."
Ao conceito de liberdade do cristão, associa-se imediatamente o de
responsabilidade. A cada qual cabe sua parcela pelos seus feitos, dizem Bittar
e Almeida (p. 193): "Portanto, estar diante de si, de sua consciência, de sua
conduta, de suas obras (...) aí reside a importante idéia de responsabilidade. A
liberdade de agir do cristão reside no fato de que, conhecendo a Palavra
Revelada, não precisa de outra crença senão a crença no ensinamento de
Jesus para governar-se a si próprio. Assim, não se ilude com as tentações do
que é transitório, não age de modo a desgostar o outro, guia-se e pauta-se de
acordo com o que pode fazer para melhorar sua condição pessoal e a de seu
semelhante, vive na carne tendo em vista o que é do espírito... Aí a liberdade
de agir do cristão; para além de se considerar que o cristianismo constrange,
sufoca, oprime, predetermina, deve-se dizer que liberta a alma para ser
conforme a regra cristã."
Tolerância no amor ao outro
Amor, caridade, benevolência, paciência, compreensão e tolerância são os
preceitos cristãos para a conduta humana. E mais: não cabe aos seres
humanos julgarem a conduta uns dos outros. Julgar os homens é tarefa
exclusiva de Deus. "Não julgueis a fim de que não sejais julgados; porque vós
sereis julgados segundo houverdes julgado os outros; e se servirá convosco da
mesma medida da qual vos servistes para com estes." (Mateus, cap. VII, vv. 1
e 2) Talvez se resgate a questão de se avaliar a si mesmo, antes de avaliar os
outros.
E ao tomar noção da sua imperfeição, ao olhar-se através dos olhos do outro,
haveria de se falar em tolerância, em saber aceitar a diferença alheia, já que o
julgamento perfeito só restaria em Deus.
Esses ensinamentos parecem direcionar ao que se moderna e
contemporaneamente se denominou de princípio da tolerância. Deve-se, antes
de tudo, tentar se compreender o outro na sua diferença e, dependendo do
caso, perdoá-lo, no intuito de buscar a reconciliação. E a base dessa
reconciliação é a união.
DIREITO NA FILOSOFIA MODERNA
A Filosofia do Direito de Hegel pode ser tomada como consistindo de uma
concepção especulativa dos vários elementos constitutivos do Estado
moderno. É uma obra que emerge de um período que não mais tomou o
feudalismo como algo inquestionável e que abraçou a idéia de que o ser
humano enquanto tal é livre para pensar e agir de acordo com princípios
racionais. Contudo, a Prússia na época de Hegel foi marcada também pelos
esforços para restaurar o status quo feudal. Mais genericamente o período
frequentemente descrito como modernidade aponta para uma profunda tensão
entre as tendências conservativas e progressistas muito mais do que o período
feudal. Poder-se-ia argumentar que a Filosofia do Direito de Hegel já não exibe
essa tensão. No entanto, isso não autoriza afirmar que essa obra seja uma
apologia do Estado prussiano ou do totalitarismo em sentido largo como se tem
dito de forma recorrente.3 Também não parece ser o caso, na minha opinião,
de defender a pertinência da filosofia política de Hegel considerando
unilateralmente a abordagem liberalista como é o caso de Honneth em seu livro
‘Sofrimento na indeterminação’ (2001) e de Pippin recente publicação ‘A
filosofia prática de Hegel’ (2008). Parece-me, diferentemente, que a Filosofia
do Direito de Hegel consiste numa precária tentativa de reconciliar o princípio 1
Comunicação apresentada no Congresso da Sociedade Internacional Hegel em
Sarajevo, Bósnia-Herzegovina, setembro de 2010. 2 Universidade de
Groningen, Holanda. 3 Ver Popper. 1945. p. 27-80. Entre os autores que se
opõem a essa identificação pode-se citar Knox (1970), Avineri (1972) e Wood
(1991). Boer. A Filosofia do Direito de Hegel... 46 Rev. Simbio-Logias, v.3, n.5,
Dez/2010. moderno da liberdade individual com a visão de que a sociedade
somente pode florescer se ela for organicamente organizada. “A essência do
Estado moderno consiste em unir o universal com a plena liberdade da
particularidade e o bem estar dos indivíduos. Isso exige que os interesses da
família e da sociedade civil-burguesa convirjam na direção do Estado, mas, ao
mesmo tempo, que a universalidade do fim não pode avançar sem a forma de
saber e querer que pertence à particularidade. Somente quando ambos os
momentos obtém força e preservam essa força o Estado pode ser considerado
como articulado e verdadeiramente organizado.” (Hegel. § 260. 1970) Além do
mais, deve-se ainda considerar se a concepção de sociedade de Hegel em
termos de um organismo afirma o conservadorismo ou muito mais a crítica à
modernidade que é, em si mesma, parte e parcela da modernidade. Como eu
entendo, as críticas implícitas e explícitas de Hegel são dirigidas tanto ao status
quo quanto às alternativas postas pelo liberalismo. Distinguindo entre a análise
crítica de Hegel das visões modernas e das instituições e, por outro lado, as
soluções particulares que ele propõe, espero argumentar que o aspecto anti-
moderno da Filosofia do Direito pode ser concebido como uma crítica da
modernidade como essa foi conhecida por ele. Como resultado, poder-se-ia
dizer que Hegel atingiu uma compreensão mais profunda das tensões
aporéticas inerentes à sociedade moderna atual do que seu tratamento
especulativo da idéia de Estado moderno sugere. 2. O objetivo e a estrutura da
Filosofia do Direito A filosofia, segundo Hegel, penetra no âmago racional do
Estado “a fim de encontrar a pulsação interna e sentir ainda uma batida mesma
nas configurações externas”(Hegel. 2010, p. 42). Contudo, ele tem o cuidado
de distinguir entre aquelas formas externas e “as relações infinitamente
múltiplas que se formam nessa exterioridade” (Hegel. 2010, p. 42). Isso
significa que a Filosofia do Direito diz respeito à idéia do Estado moderno tal
como ele se revela a si mesmo segundo a apreensão do filósofo especulativo,
isto é, de acordo com as várias determinações implicadas pela idéia da
liberdade moderna.4 Na visão de Hegel uma sociedade não pode ser analisada
somente em termos da relação entre cidadãos e governo. Ele concebe o
Estado muito mais como um organismo de várias esferas das quais se constitui
um sistema coerente e estável.5 Ao distinguir entre as esferas da família, da
sociedade civilburguesa e do Estado no sentido de governo, Hegel concentra-
se no modo pelo qual instituições particulares permitem a membros da
sociedade identificarem-se com fins que 4 Ver Hegel. 2010, § 4. 5 Ver Hegel.
2010, § 258 e § 279. Boer. A Filosofia do Direito de Hegel... 47 Rev. Simbio-
Logias, v.3, n.5, Dez/2010. transcendam o imediato e os impulsos egoístas. A
distinção entre família, sociedade civilburguesa e Estado segue-se da lógica
que forma cada uma e todas as análises de Hegel. A esfera da família diz
respeito à forma da vida ética na qual o universal e o particular ainda não se
tornaram opostos. A esfera do Estado, por outro lado, tem a ver com a forma
da vida ética na qual o universal e o particular não mais se opõem. Dentro do
campo da família seus membros entendem o que é bom de acordo com o que
a família como um todo entende ser bom. Isso é também o caso na medida em
que os cidadãos identificam-se com os fins da sociedade como um todo. Tais
fins são representados e reforçados pelo Estado. Cidadãos assim procedem ao
respeitarem a lei, ao pagarem impostos, ao defenderem o país ou colocando-
se a serviço da sociedade de outros modos. Para Hegel, a idéia de liberdade
moderna contém o desdobramento da esfera da sociedade civil.
Contrariamente às outras duas esferas, a sociedade civil-burguesa é
caracterizada pela oposição entre a universalidade e a particularidade. Ela é,
mais precisamente, a esfera na qual a luta entre o particular e o universal
desdobra-se e pode ser tão somente resolvida de modo limitado. Portanto, a
distinção entre particularidade e universalidade forma a preferência e a trama
da consideração hegeliana do Estado moderno. 3. A concepção hegeliana de
Estado moderno Claramente a Filosofia do Direito de Hegel pertence à
modernidade na medida em que ele endossa o princípio da liberdade humana
e argumenta que as sociedades deveriam permitir que seus cidadãos ajam de
acordo com essa liberdade. 6 No entanto, o tratamento atual de Hegel do
conceito de liberdade não é muito direto. Assim, a introdução da Filosofia do
Direito debruça-se sobre o conceito de vontade mais do que de liberdade.7
Hegel define aqui a vontade como forma da liberdade que se encontra tão
somente em si mesma.8 Isso significa que ao querer algo eu não atuo a partir
da verdadeira liberdade na medida em que o conteúdo de minha vontade é
direcionado e derivado por impulsos imediatos. Nesse caso a liberdade ainda
não é auto-determinação. Uma forma mais desenvolvida de liberdade ocorre
quando os seres humanos agem moralmente – uma esfera a qual a segunda
parte da Filosofia do Direito 6 Conforme Hegel. 2010, § 2 e § 258. Em relação à
história do mundo Hegel distingue entre três determinações básicas do
princípio de liberdade. De acordo com o momento lógico do conceito enquanto
tal esse princípio pode ser determinado como o princípio que um é livre, vários
são livres ou que o ser humano por ser o que é, é livre. Hegel conecta essa
distinção lógica ao (1) mundo oriental, (2) ao mundo grego e romano e (3) o
mundo moderno. 7 Ver Hegel. 2010, § 258 e sua proximidade com a
compreensão de Rousseau. 8 Ver Hegel. 2010, § 26. Boer. A Filosofia do
Direito de Hegel... 48 Rev. Simbio-Logias, v.3, n.5, Dez/2010. devota-se.
Entretanto, Hegel parece estar mais preocupado com a forma de liberdade que
caracteriza o Estado como tal do que com seus cidadãos individualmente. “O
Estado, enquanto efetividade da vontade substancial, que ele tem na
autoconsciência particular elevada à sua universalidade, é o racional em si e
para si. Essa unidade substancial é um auto-fim imóvel absoluto, em que a
liberdade chega a seu direito supremo, assim como esse fim último tem o
direito supremo frente aos singulares cuja obrigação suprema é ser membro do
Estado.” (Hegel. 2010, § 258) 9 Para Hegel a liberdade constitutiva dos seres
humanos individualmente, liberdade subjetiva, pertence à esfera da
particularidade. Enquanto tal, ela constitui um dos princípios básicos da
sociedade civil-burguesa. Dentro da esfera do Estado, por contraste, a
liberdade do indivíduo está subordinada à liberdade objetiva que Hegel atribui
ao próprio Estado. Parece que Hegel em cada caso concebe a liberdade como
autodeterminação. Portanto, um Estado pode ser dito livre de acordo com o
quanto é independente de outros Estados. Contudo, mais importante ainda,
pode-se dizer, que um Estado é livre na medida em que suas leis e instituições
não servem a propósitos de indivíduos ou grupos particulares tais como o rei, a
nobreza ou outras elites, mas serve aos propósitos da sociedade em geral.
Nesse caso o governo não é uma forma particular de autoconsciência oposta
ao povo, mas muito mais age com base na intuição sobre o modo pelo qual um
Estado moderno deveria ser organizado para prosperar. Um Estado é racional,
segundo Hegel, na medida em que realiza a unidade da liberdade subjetiva
com a objetiva. Essa unidade é alcançada se os cidadãos e grupos particulares
subordinam seus interesses aos interesses da sociedade enquanto tal e, se o
Estado, por sua vez, representa o interesse da sociedade com um todo muito
mais do que de indivíduos ou grupos particulares. Isso significa, de acordo com
Hegel, que ambos, Estado e cidadãos, deveriam agir segundo as leis e
princípios universais. “A racionalidade, considerada abstratamente, consiste,
em geral, na unidade em que se compenetrem a universalidade e a
singularidade e aqui, concretamente, segundo o conteúdo, consiste na unidade
da liberdade objetiva, isto é, da vontade substancial e da liberdade subjetiva,
enquanto saber individual e da vontade buscando seus fins particulares, e por
causa disso, segundo a forma, num agir determinando-se segundo leis e
princípios pensados, isto é, universais.” ( Hegel. 2010, § 258, notas) Pode-se
argumentar que Hegel defende aqui e em outra parte uma concepção
autoritária de Estado que parece guardar uma forte semelhança com o Estado
prussiano de sua época. No entanto, deve-se ter em mente que a Prússia não
teve uma constituição até 1850. 9 Ver também Hegel. 2010, § 279. Boer. A
Filosofia do Direito de Hegel... 49 Rev. Simbio-Logias, v.3, n.5, Dez/2010. Após
a derrota de Napoleão em 1815, o rei Frederick William III prometeu uma
constituição a seu povo, porém jamais cumpriu sua promessa. Mais
genericamente, quando Hegel foi para Berlin em 1819 a nobreza conservadora
havia começado a frustrar ou a desfazer as reformas que vários ministros
haviam iniciado durante os anos do domínio napoleônico tentando preservar
seus privilégios tradicionais. Desse modo, quando Hegel se refere à
necessidade de um sistema de leis que obtenha universalidade ele assim o faz
para manter que cada cidadão, independentemente de seu nascimento, classe
social ou ocupação é igual sob a lei. E, ainda, quando Hegel enfatiza que um
Estado racional exige que cada cidadão identifique seus interesses com os
interesses do Estado isso não implica necessariamente em totalitarismo. Ele,
de fato, se opõe muito mais à sociedade na qual rei e nobreza buscam seus
interesses privados em detrimento do interesse de todos como um todo. Nesse
sentido a exigência implícita de Hegel de que os indivíduos deveriam
subordinar suas vontades particulares a vontade geral representada pelo
Estado é mais moderna do que parece ser à primeira vista. Não há razão,
conforme se entende, para criticar Hegel como conservador com base na
compreensão de que o Estado não deveria ser governado sob o fundamento
dos interesses particulares. 4. A compreensão hegeliana de sociedade civil-
burguesa Como foi visto Hegel sustenta que um Estado é racional na medida
em que serve ao propósito da sociedade como um todo muito mais do que
àqueles dos indivíduos ou grupos particulares. Embora Hegel exclua ações
egoístas da esfera do Estado, ele mantém que o egoísmo deveria ter livre
curso no que diz respeito às atividades da economia. Dentro da esfera da
sociedade civil-burguesa os cidadãos individualmente deveriam ser livres para
buscar seus fins particulares. A compreensão de Hegel da sociedade civil-
burguesa reflete a emergência de um sistema econômico capitalista moderno e
afirma o esforço de compreender esse sistema em termos filosóficos. Com
respeito a isso a compreensão hegeliana de sociedade civil-burguesa
claramente compartilha bases comuns com as teorias liberais. Assim, essa
poderia ser considerada a parte mais moderna da Filosofia do Direito de Hegel.
Entretanto, seria um erro apresentar a compreensão de sociedade civil-
burguesa em Hegel como uma defesa linear do liberalismo ou do capitalismo.
Para Hegel as atividades conduzidas em nome do interesse próprio constituem
simplesmente um princípio da sociedade civil-burguesa. Cidadãos, que
perseguem seus próprios interesses, seja desconhecendo ou conhecendo o
que fazem, criam normas, práticas e instituições compartilhadas, acabando
assim, por realizar o segundo princípio da sociedade civil-burguesa,
nomeadamente, a universalidade.
DIREITO NA FILOSOFIA CONTEMPORANEA
A Filosofia do Direito de Hegel pode ser tomada como consistindo de uma
concepção especulativa dos vários elementos constitutivos do Estado
moderno. É uma obra que emerge de um período que não mais tomou o
feudalismo como algo inquestionável e que abraçou a idéia de que o ser
humano enquanto tal é livre para pensar e agir de acordo com princípios
racionais. Contudo, a Prússia na época de Hegel foi marcada também pelos
esforços para restaurar o status quo feudal. Mais genericamente o período
frequentemente descrito como modernidade aponta para uma profunda tensão
entre as tendências conservativas e progressistas muito mais do que o período
feudal. Poder-se-ia argumentar que a Filosofia do Direito de Hegel já não exibe
essa tensão. No entanto, isso não autoriza afirmar que essa obra seja uma
apologia do Estado prussiano ou do totalitarismo em sentido largo como se tem
dito de forma recorrente.3 Também não parece ser o caso, na minha opinião,
de defender a pertinência da filosofia política de Hegel considerando
unilateralmente a abordagem liberalista como é o caso de Honneth em seu livro
‘Sofrimento na indeterminação’ (2001) e de Pippin recente publicação ‘A
filosofia prática de Hegel’ (2008). Parece-me, diferentemente, que a Filosofia
do Direito de Hegel consiste numa precária tentativa de reconciliar o princípio 1
Comunicação apresentada no Congresso da Sociedade Internacional Hegel em
Sarajevo, Bósnia-Herzegovina, setembro de 2010. 2 Universidade de
Groningen, Holanda. 3 Ver Popper. 1945. p. 27-80. Entre os autores que se
opõem a essa identificação pode-se citar Knox (1970), Avineri (1972) e Wood
(1991). Boer. A Filosofia do Direito de Hegel... 46 Rev. Simbio-Logias, v.3, n.5,
Dez/2010. moderno da liberdade individual com a visão de que a sociedade
somente pode florescer se ela for organicamente organizada. “A essência do
Estado moderno consiste em unir o universal com a plena liberdade da
particularidade e o bem estar dos indivíduos. Isso exige que os interesses da
família e da sociedade civil-burguesa convirjam na direção do Estado, mas, ao
mesmo tempo, que a universalidade do fim não pode avançar sem a forma de
saber e querer que pertence à particularidade. Somente quando ambos os
momentos obtém força e preservam essa força o Estado pode ser considerado
como articulado e verdadeiramente organizado.” (Hegel. § 260. 1970) Além do
mais, deve-se ainda considerar se a concepção de sociedade de Hegel em
termos de um organismo afirma o conservadorismo ou muito mais a crítica à
modernidade que é, em si mesma, parte e parcela da modernidade. Como eu
entendo, as críticas implícitas e explícitas de Hegel são dirigidas tanto ao status
quo quanto às alternativas postas pelo liberalismo. Distinguindo entre a análise
crítica de Hegel das visões modernas e das instituições e, por outro lado, as
soluções particulares que ele propõe, espero argumentar que o aspecto anti-
moderno da Filosofia do Direito pode ser concebido como uma crítica da
modernidade como essa foi conhecida por ele. Como resultado, poder-se-ia
dizer que Hegel atingiu uma compreensão mais profunda das tensões
aporéticas inerentes à sociedade moderna atual do que seu tratamento
especulativo da idéia de Estado moderno sugere. 2. O objetivo e a estrutura da
Filosofia do Direito A filosofia, segundo Hegel, penetra no âmago racional do
Estado “a fim de encontrar a pulsação interna e sentir ainda uma batida mesma
nas configurações externas”(Hegel. 2010, p. 42). Contudo, ele tem o cuidado
de distinguir entre aquelas formas externas e “as relações infinitamente
múltiplas que se formam nessa exterioridade” (Hegel. 2010, p. 42). Isso
significa que a Filosofia do Direito diz respeito à idéia do Estado moderno tal
como ele se revela a si mesmo segundo a apreensão do filósofo especulativo,
isto é, de acordo com as várias determinações implicadas pela idéia da
liberdade moderna.4 Na visão de Hegel uma sociedade não pode ser analisada
somente em termos da relação entre cidadãos e governo. Ele concebe o
Estado muito mais como um organismo de várias esferas das quais se constitui
um sistema coerente e estável.5 Ao distinguir entre as esferas da família, da
sociedade civilburguesa e do Estado no sentido de governo, Hegel concentra-
se no modo pelo qual instituições particulares permitem a membros da
sociedade identificarem-se com fins que 4 Ver Hegel. 2010, § 4. 5 Ver Hegel.
2010, § 258 e § 279. Boer. A Filosofia do Direito de Hegel... 47 Rev. Simbio-
Logias, v.3, n.5, Dez/2010. transcendam o imediato e os impulsos egoístas. A
distinção entre família, sociedade civilburguesa e Estado segue-se da lógica
que forma cada uma e todas as análises de Hegel. A esfera da família diz
respeito à forma da vida ética na qual o universal e o particular ainda não se
tornaram opostos. A esfera do Estado, por outro lado, tem a ver com a forma
da vida ética na qual o universal e o particular não mais se opõem. Dentro do
campo da família seus membros entendem o que é bom de acordo com o que
a família como um todo entende ser bom. Isso é também o caso na medida em
que os cidadãos identificam-se com os fins da sociedade como um todo. Tais
fins são representados e reforçados pelo Estado. Cidadãos assim procedem ao
respeitarem a lei, ao pagarem impostos, ao defenderem o país ou colocando-
se a serviço da sociedade de outros modos. Para Hegel, a idéia de liberdade
moderna contém o desdobramento da esfera da sociedade civil.
Contrariamente às outras duas esferas, a sociedade civil-burguesa é
caracterizada pela oposição entre a universalidade e a particularidade. Ela é,
mais precisamente, a esfera na qual a luta entre o particular e o universal
desdobra-se e pode ser tão somente resolvida de modo limitado. Portanto, a
distinção entre particularidade e universalidade forma a preferência e a trama
da consideração hegeliana do Estado moderno. 3. A concepção hegeliana de
Estado moderno Claramente a Filosofia do Direito de Hegel pertence à
modernidade na medida em que ele endossa o princípio da liberdade humana
e argumenta que as sociedades deveriam permitir que seus cidadãos ajam de
acordo com essa liberdade. 6 No entanto, o tratamento atual de Hegel do
conceito de liberdade não é muito direto. Assim, a introdução da Filosofia do
Direito debruça-se sobre o conceito de vontade mais do que de liberdade.7
Hegel define aqui a vontade como forma da liberdade que se encontra tão
somente em si mesma.8 Isso significa que ao querer algo eu não atuo a partir
da verdadeira liberdade na medida em que o conteúdo de minha vontade é
direcionado e derivado por impulsos imediatos. Nesse caso a liberdade ainda
não é auto-determinação. Uma forma mais desenvolvida de liberdade ocorre
quando os seres humanos agem moralmente – uma esfera a qual a segunda
parte da Filosofia do Direito 6 Conforme Hegel. 2010, § 2 e § 258. Em relação à
história do mundo Hegel distingue entre três determinações básicas do
princípio de liberdade. De acordo com o momento lógico do conceito enquanto
tal esse princípio pode ser determinado como o princípio que um é livre, vários
são livres ou que o ser humano por ser o que é, é livre. Hegel conecta essa
distinção lógica ao (1) mundo oriental, (2) ao mundo grego e romano e (3) o
mundo moderno. 7 Ver Hegel. 2010, § 258 e sua proximidade com a
compreensão de Rousseau. 8 Ver Hegel. 2010, § 26. Boer. A Filosofia do
Direito de Hegel... 48 Rev. Simbio-Logias, v.3, n.5, Dez/2010. devota-se.
Entretanto, Hegel parece estar mais preocupado com a forma de liberdade que
caracteriza o Estado como tal do que com seus cidadãos individualmente. “O
Estado, enquanto efetividade da vontade substancial, que ele tem na
autoconsciência particular elevada à sua universalidade, é o racional em si e
para si. Essa unidade substancial é um auto-fim imóvel absoluto, em que a
liberdade chega a seu direito supremo, assim como esse fim último tem o
direito supremo frente aos singulares cuja obrigação suprema é ser membro do
Estado.” (Hegel. 2010, § 258) 9 Para Hegel a liberdade constitutiva dos seres
humanos individualmente, liberdade subjetiva, pertence à esfera da
particularidade. Enquanto tal, ela constitui um dos princípios básicos da
sociedade civil-burguesa. Dentro da esfera do Estado, por contraste, a
liberdade do indivíduo está subordinada à liberdade objetiva que Hegel atribui
ao próprio Estado. Parece que Hegel em cada caso concebe a liberdade como
autodeterminação. Portanto, um Estado pode ser dito livre de acordo com o
quanto é independente de outros Estados. Contudo, mais importante ainda,
pode-se dizer, que um Estado é livre na medida em que suas leis e instituições
não servem a propósitos de indivíduos ou grupos particulares tais como o rei, a
nobreza ou outras elites, mas serve aos propósitos da sociedade em geral.
Nesse caso o governo não é uma forma particular de autoconsciência oposta
ao povo, mas muito mais age com base na intuição sobre o modo pelo qual um
Estado moderno deveria ser organizado para prosperar. Um Estado é racional,
segundo Hegel, na medida em que realiza a unidade da liberdade subjetiva
com a objetiva. Essa unidade é alcançada se os cidadãos e grupos particulares
subordinam seus interesses aos interesses da sociedade enquanto tal e, se o
Estado, por sua vez, representa o interesse da sociedade com um todo muito
mais do que de indivíduos ou grupos particulares. Isso significa, de acordo com
Hegel, que ambos, Estado e cidadãos, deveriam agir segundo as leis e
princípios universais. “A racionalidade, considerada abstratamente, consiste,
em geral, na unidade em que se compenetrem a universalidade e a
singularidade e aqui, concretamente, segundo o conteúdo, consiste na unidade
da liberdade objetiva, isto é, da vontade substancial e da liberdade subjetiva,
enquanto saber individual e da vontade buscando seus fins particulares, e por
causa disso, segundo a forma, num agir determinando-se segundo leis e
princípios pensados, isto é, universais.” ( Hegel. 2010, § 258, notas) Pode-se
argumentar que Hegel defende aqui e em outra parte uma concepção
autoritária de Estado que parece guardar uma forte semelhança com o Estado
prussiano de sua época. No entanto, deve-se ter em mente que a Prússia não
teve uma constituição até 1850. 9 Ver também Hegel. 2010, § 279. Boer. A
Filosofia do Direito de Hegel... 49 Rev. Simbio-Logias, v.3, n.5, Dez/2010. Após
a derrota de Napoleão em 1815, o rei Frederick William III prometeu uma
constituição a seu povo, porém jamais cumpriu sua promessa. Mais
genericamente, quando Hegel foi para Berlin em 1819 a nobreza conservadora
havia começado a frustrar ou a desfazer as reformas que vários ministros
haviam iniciado durante os anos do domínio napoleônico tentando preservar
seus privilégios tradicionais. Desse modo, quando Hegel se refere à
necessidade de um sistema de leis que obtenha universalidade ele assim o faz
para manter que cada cidadão, independentemente de seu nascimento, classe
social ou ocupação é igual sob a lei. E, ainda, quando Hegel enfatiza que um
Estado racional exige que cada cidadão identifique seus interesses com os
interesses do Estado isso não implica necessariamente em totalitarismo. Ele,
de fato, se opõe muito mais à sociedade na qual rei e nobreza buscam seus
interesses privados em detrimento do interesse de todos como um todo. Nesse
sentido a exigência implícita de Hegel de que os indivíduos deveriam
subordinar suas vontades particulares a vontade geral representada pelo
Estado é mais moderna do que parece ser à primeira vista. Não há razão,
conforme se entende, para criticar Hegel como conservador com base na
compreensão de que o Estado não deveria ser governado sob o fundamento
dos interesses particulares. 4. A compreensão hegeliana de sociedade civil-
burguesa Como foi visto Hegel sustenta que um Estado é racional na medida
em que serve ao propósito da sociedade como um todo muito mais do que
àqueles dos indivíduos ou grupos particulares. Embora Hegel exclua ações
egoístas da esfera do Estado, ele mantém que o egoísmo deveria ter livre
curso no que diz respeito às atividades da economia. Dentro da esfera da
sociedade civil-burguesa os cidadãos individualmente deveriam ser livres para
buscar seus fins particulares. A compreensão de Hegel da sociedade civil-
burguesa reflete a emergência de um sistema econômico capitalista moderno e
afirma o esforço de compreender esse sistema em termos filosóficos. Com
respeito a isso a compreensão hegeliana de sociedade civil-burguesa
claramente compartilha bases comuns com as teorias liberais. Assim, essa
poderia ser considerada a parte mais moderna da Filosofia do Direito de Hegel.
Entretanto, seria um erro apresentar a compreensão de sociedade civil-
burguesa em Hegel como uma defesa linear do liberalismo ou do capitalismo.
Para Hegel as atividades conduzidas em nome do interesse próprio constituem
simplesmente um princípio da sociedade civil-burguesa. Cidadãos, que
perseguem seus próprios interesses, seja desconhecendo ou conhecendo o
que fazem, criam normas, práticas e instituições compartilhadas, acabando
assim, por realizar o segundo princípio da sociedade civil-burguesa,
nomeadamente, a universalidade.
PARTE III JUSTIÇA NA FILOSOFIA
1. JUSTIÇA NA FILOSOFIA ANTIGA
1.1 O CONCEITO DE JUSTIÇA EM PLATÃO
A filosofia em Platão segue uma orientação ética: ensina o homem a desprezar
os prazeres, as riquezas e as honras. A finalidade do homem em Platão é
procurar transcender a realidade, procurar um bem superior em relação àquele
que perdeu. Para se atingir este bem o homem necessita viver numa "cidade
perfeita" – A República: a Callipolis. O homem mais feliz é o justo; bem mais do
que o injusto num mar de delícias.
Não só em A República, como também na obra Fédon, Platão vai ensinar que
para se conseguir a felicidade deve-se renunciar aos prazeres e as riquezas e
dedicar-se à prática da virtude. O que vemos aqui é que em Platão os
conceitos de felicidade e justiça caminham juntos. Podemos definir felicidade
da seguinte maneira: seguir sua própria natureza; e a definição de justiça se dá
da seguinte forma: fazer aquilo que é próprio de cada um. Este paralelo traçado
entre os dois conceitos se concretiza dentro de A República ao estruturar sua
cidade utópica.
A grande problemática com o qual Platão inicia A República é falando sobre a
justiça, Sócrates (personagem principal do diálogo) realiza sua fala buscando
uma definição para justiça ou para o justo. Qual dessas atitudes cabe melhor
ao cidadão: o justo ou o injusto, que tem vida melhor? Como já falamos a
conclusão que cabe melhor é a da vida ao justo; para chegar a esta conclusão,
Glauco conta a lenda do Anel de Giges. Um homem através do poder do anel
poderia adquirir quase tudo o que desejasse, mas não possui o sentimento de
justiça e vive com desculpas inúteis tentando sustentar uma situação que não é
própria dele.
A república platônica prevê um estado que não se trata de uma forma de
governo aristocrata ou um governo eleito pela maioria. A forma de governo
ideal seria aquela onde o poder é confiado aos mais inteligentes, aos filósofos,
portanto temos uma sofocracia. Como Platão mesmo afirma "é preciso que os
filósofos se tornem reis, ou que os reis se tornem filósofos". Aonde chegar com
toda esta discussão. Se Platão afirma que a justiça é a base para todas as
virtudes, o sábio é uma pessoa virtuosa, logo o sábio deve por excelência ser
alguém justo. Voltando a questão das virtudes, vale lembrar que a alma
humana possuí três virtudes: a temperança, a coragem e a sabedoria, sendo a
justiça a base dessas três virtudes que seguindo a mesma linha constituirá três
almas: a apetitiva, a irascível e racional que culmina numa distribuição
harmônica de atividade na alma conforme a razão constituiria seguindo a
virtude fundamental: a justiça. Este último argumento é o ponto central de
ligação entre os conceitos de sabedoria e justiça.
O conceito de dar a cada um aquilo que lhe é próprio assume uma postura
central dentro da organização da república platônica. Existe baseado nesta
teoria um sistema educacional a fim de orientar cada um segundo suas
aptidões. Os que possuem sensibilidade grosseira devem-se dedicar à
agricultura, a produção, ao artesanato e ao comércio; cuidando da subsistência
da cidade. Os que possuidores da coragem constituem a guarda, a defesa da
cidade, estes são os guerreiros. A última classe aponta é dedicada para
aqueles que estudam a filosofia, disciplina que eleva a alma, afim de atingir o
conhecimento mais puro e é a fonte de toda a verdade, a estes caberiam a
administração da cidade. Portanto dentro desta visão fica claro que a atitude do
justo é de estar trabalhando dentro de suas aptidões. Para se formar um
estado justo é necessário antes de tudo, que seus cidadãos sejam justos.
Jamais poderia se conceber um estado justo com pessoas injustas ou seu
contrário. A formação da população vai determinar como será o estado. Assim
se entende toda a estrutura educacional do estado platônico – cada um deve
ser direcionado segundo suas aptidões, desenvolvendo as virtudes que lhe são
próprias e adequadas para aquilo que estão desenvolvimento.
Em Platão não encontramos uma definição fechada de justiça. Ele procura
trabalhar o conceito de justiça envolvendo todo o comportamento do ser
humano, portanto podemos dizer que o a definição de justiça em Platão
assume um caráter antropológico. Ele analisa como seria o comportamento do
homem justo e do homem injusto para se chegar a descrever suas virtudes, e a
tipologia das almas, afim de determinar uma postura ética que direciona o
homem para a conquista da sua felicidade dentro de suas aptidões constituindo
por fim um estado justo e perfeito – A República.
1.2 A PREOCUPAÇÃO COM A JUSTIÇA NA VIDA DE PLATÃO
Sócrates, Platão e Aristóteles são tanto o ocidente do oriente e como o oriente
do ocidente. Com Sócrates, Platão e Aristóteles clareia de vez o dia histórico
do pensamento – o dia do qual nós hoje somos o ocaso. Cessa o lusco-fusco
da aurora: o mito já não ressoa; a experiência trágica da vida cessa com as
grandes tragédias; o pensamento dos pensadores iniciais, como Heráclito e
Parmênides, imerso na admiração da natureza, é submetido ao crivo da crítica.
O pensar se torna, então, filosofia: o exercício da racionalidade, que ascende
para uma luz sem sombras, a claridade de Apolo. Platão (c.428 – 348 a. C)
nasceu de uma rica e aristocrática família ateniense. Sua educação inicial girou
em torno da gramática, da ginástica, da pintura e da poesia. Sua iniciação
filosófica se deu junto a Sócrates, de quem Platão foi aluno por cerca de 8
anos. O processo e a morte de Sócrates, em 399 a.C., deixariam uma marca
profunda na sua alma. Depois da morte de Sócrates, Platão procurou o filósofo
Euclides de Mégara. Participou de duas ou três expedições militares. Fez
viagens ao sul da Itália, em visita a filósofos pitagóricos. Também foi ao Egito,
dialogar com os sacerdotes. Mas as viagens mais importantes de Platão foram
a Siracusa, na Sicília. A primeira viagem fez quando tinha 40 anos (em 388
a.C.). Platão se tornara amigo de Dion, cunhado do tirano Dionísio I. Depois de
um desentendimento com o tirano, Platão é preso e vendido como escravo.
Descoberto casualmente, porém, por um amigo, é resgatado e posto em
liberdade. Em seguida, funda uma escola no monte Academos, a Academia. É
então que começa a escrever a sua obra principal: a Politéia (República). No
ano de 367 morre Dionísio I e Dion convida Platão para educar o príncipe
herdeiro Dionísio II. Aceita o convite, mas, novamente, vem a decepção.
Dionísio II acusa Dion de querer tomar o poder e o expulsa de Siracusa, o que
leva Platão a deixar também a Sicília. No ano 361 o próprio Dionísio II convida
Platão a retornar a Siracusa. Depois de muita relutância, Platão aceita o
convite. Entretanto, Platão se põe a favor de alguns mercenários, que tinham
entrado em conflito com Dionísio II e é por este aprisionado. Graças à amizade
e intercessão de alguns filósofos, Platão é libertado e retorna para Atenas. Lá,
Platão encontra Dion preparando um exército para lutar contra Dionísio II. Este
o convida a participar desta expedição, mas Platão se recusa. 2 Como foi dito,
Platão fundou uma escola no monte Academos. Esta escola se chamou
Academia. A palavra “escola” vem de “scholé”. Os latinos traduziram essa
palavra grega “Scholé” por “Otium”. A idéia de escola sugere que se trate de
uma comunidade humana onde todos estejam engajados num modo de se
empenhar denominado “ócio”. Na sua compreensão arcaica, originária, “ócio”
não designava “não fazer nada”, muito menos preguiça e indolência. “Ócio”
designava uma forma de trabalho. Trata-se de um modo de ser e de agir, de
uma modalidade de trabalho todo próprio, caracterizado como labor livre,
gratuito, assumido cordialmente por causa dele mesmo, querido
voluntariamente, como realização da vocação de uma pessoa. O contrário do
“ócio” é o “negócio”, ou seja, o trabalho funcionalizado em vista de um
resultado, que também é importante, mas que não é o mais nobre e elevado
para o ser humano. No ócio, o que está em vista é o ser humano, seu
crescimento e seu aperfeiçoamento como ser humano. No negócio, o que está
em vista é uma coisa, um produto, um resultado. O ser humano é usado em
favor do alcance desse objetivo. Platão escreveu cerca de 34 diálogos. Os
diálogos iniciais têm a presença maciça de Sócrates e se dedicam a expressar
o seu ensinamento. Já os diálogos da maturidade e da velhice trazem Sócrates
como protagonista, mas são mais voltados a apresentar a própria doutrina de
Platão. Deixou também algumas cartas. Na Carta VII Platão diz: “Outrora, em
minha juventude, experimentei o que experimentam tantos jovens. Tinha o
projeto de imediatamente abordar a política tão logo pudesse dispor de mim
mesmo” Seu envolvimento com a política, porém, numa época marcada pela
prosperidade econômica e, ao mesmo tempo, pela decadência espiritual e pela
injustiça, se mostraria ilusória: “Deixei-me levar por ilusões que nada tinham de
espantosas em razão de minha juventude. Imaginava que o poder constituído
governaria a cidade reconduzindo-a dos caminhos da injustiça para os da
justiça”. Dentre as grandes desilusões de Platão com a política se encontra a
condenação e morte de Sócrates e todas as vicissitudes vividas por ele próprio
em Siracusa. “Em vista destas coisas e de outras do mesmo gênero e de não
menor importância, fiquei indignado e me afastei das abominações que o
governo cometia. (...) Vendo os homens que conduziam a política, quanto mais
considerava as leis e os costumes e quanto mais avançava em idade, mais me
parecia difícil administrar bem os negócios do Estado. Sem amigos e
colaboradores fiéis, isso me parecia impossível. (...) Além do mais, a legislação
e a moralidade estavam a tal ponto corrompidas que eu, antes cheio de ardor
para trabalhar para o bem público, considerando essa situação e vendo como
tudo era mal gerido, acabei por ficar aturdido. Não 3 cessava, contudo, de
observar secretamente os sinais possíveis de uma melhora nesses
acontecimentos e especialmente no regime político, mas esperava sempre,
para agir, o momento oportuno (...) Finalmente compreendi que todos os
Estados atuais estão mal governados... Fui então irresistivelmente levado a
louvar a verdadeira filosofia e a proclamar que somente à sua luz se pode
reconhecer onde está a justiça na vida pública e na vida privada. Portanto, os
males não cessarão para os homens antes que a raça dos puros e autênticos
filósofos chegue ao poder ou que os chefes das cidades, por uma graça divina,
se ponham verdadeiramente a filosofar”. A preocupação de Platão pela justiça
constituiu-se, por fim, na questão central de sua principal obra: a Politéia – o
diálogo que discute a constituição da cidade justa e o exercício verdadeiro da
cidadania. É o que abordaremos a seguir.
1.3 A JUSTIÇA NA CONCEPÇÃO GREGA ANTIGA
A justiça tinha sido tema do pensamento grego, tanto no mito, quanto na
filosofia dos pensadores iniciais. O mito falava da deusa Dike, a Justiça. Era
filha de Zeus, o deus supremo do céu, e de Themis. Esta, por sua vez, era uma
titânide, filha de Urano e Gaia (Céu e Terra). Themis é a que põe e institui as
leis eternas dos deuses. De fato, o seu nome tem a ver com o verbo títhemi:
pôr, colocar. Por isso, ela era a conselheira de Zeus e tinha a autoridade de
reunir e dissolver as assembleias dos deuses e dos homens. Themis gerou
com Zeus as Moiras, deusas do Destino. É que o nome “Moira” se refere ao
verbo medial meiromai: dividir, repartir. “Moira” significa, com efeito, a parte que
toca, a porção que é assinalada, reservada e destinada, a cada homem. Daí:
destino. No mito, a idéia de Moira (Destino) e a de Nómos (Lei) estão em
consonância. Na concepção mítica, com efeito, lei é uma destinação. De fato, o
nome Nómos vem do verbo Nemo: distribuir o alimento; dar a cada um o que
lhe pertence; destinar a cada um o seu lugar na Terra; habitar de maneira
ajustada a Terra; saber administrar o mundo; cuidar da casa; reger os usos e
costumes; regular a convivência. Dike é uma moira. É a Justiça. Seu nome traz
a raiz indoeuropéia dik- ou deik-, que em grego deu deiknymi, que significa
mostrar, e em latim, dicere, que significa dizer. Dike é o lance do destino, que
mostra ao homem o que lhe está disposto e destinado. Se o homem segue os
ditames da Justiça, sua vida se torna bem integrada, bem articulada.
Dike (Justiça) era irmã de Eiréne (paz), de Eunomia (boa ordem), de Tyche
(boa sorte) e de Hesychia (serenidade). Suas inimigas eram as filhas da
escuridão (Nyx – noite): Éris (a polêmica), a Hybris (a arrogância), a Dysnomia
(desordem), a Léthe (a dissimulação) e Amphilogia (ambigüidade da fala). Na
concepção grega antiga, a justiça (dike ou dikaiosyne) é justeza, ou seja,
articulação bem ajustada com o Todo. A injustiça (adikía) é desajuste, desatino,
desarmonia, desintegração. Um dos primeiros fragmentos da história do
pensamento grego, de Anaximandro (610- 545 a. C), diz: “De onde provém o
surgir das coisas, de lá também vem o seu desaparecer – à medida que estas
fogem, indo dar no mesmo – de acordo com a necessidade; de fato, as coisas
rendem justiça e prestam o que é devido umas às outras, de acordo com a
ordem do tempo”. Todas as coisas surgem e desaparecem. Surgimento e
desaparecimento, nascimento e morte, vêm do mesmo “lugar”, do apeíron - o
abismo. É a partir do abismo que as coisas surgem e desaparecem, seguindo
os ditames da necessidade, o destino. Cada coisa, que vem à luz, surge à
medida que ocupa o lugar que lhe é destinado no universo. E cada coisa está
relacionada com todas as outras coisas, num ajuste bem articulado. Essa
justeza (a Justiça) rege, pois, o relacionamento das coisas no universo: suas
correspondências, seu dar e receber. Justiça significa, neste sentido, o que as
coisas devem umas às outras, devido ao íntimo pertencimento que as liga.
Quem rege, porém, os movimentos de surgimento e desaparecimento,
nascimento e morte, segundo os ditames da Justiça, é o tempo. O tempo, de
fato, instaura e revela os ditames da Justiça, as determinações da
necessidade, as consignações do destino. Ele rege, portanto, tudo quanto
acontece, tudo quanto vem à presença e desaparece na ausência, ou seja,
tudo que surge do abismo e tudo que retorna ao abismo. Essa compreensão
ontológica da justiça será sempre o pano de fundo em que Platão irá pensar a
questão de seu significado. De fato, Platão tratará da justiça não simplesmente
num horizonte jurídico, nem mesmo num horizonte simplesmente ético, mas,
antes de tudo, num horizonte ontológico.
1.4 A QUESTÃO DA JUSTIÇA NO DIÁLOGO “POLITÉIA” (“REPÚBLICA”)
Platão dedicou-se à filosofia em meio a um contínuo cuidado e preocupação
com a Pólis. Sinal disso é o fato de que a Politéia, que trata da constituição da
idéia da Pólis, resultou ser a sua obra mais imponente. A palavra “Pólis” tem
relação com o verbo “pélein”: irromper, movimentar-se, tornar-se, ser. A Pólis
era o espaço de jogo em que irrompia, movimenta-se, acontecia o destino
histórico do povo grego. Era o espaço da soberania de um povo. O lugar de
relacionamento de homens livres e iguais. Cada polités (cidadão) era
convidado a assumir a responsabilidade pelo todo da Pólis (politeúesthai) a
partir do seu ofício. Deste modo, todos eram políticos. Por princípio, todos eram
interessados na constituição da Pólis (Politéia), não só os governantes, mas
toda a assembleia dos cidadãos. O diálogo “Politéia” é a contribuição que
Platão deu, como pensador, à tarefa de se responsabilizar pela Pólis.
Contribuição que se tornou paradigmática e um referencial para o pensamento
político do ocidente. No segundo livro da Politéia, Platão coloca a pergunta
decisiva para a vida da Pólis: o que é a justiça e o que é a injustiça. Para
colocar melhor esta pergunta e respondê-la ele faz Sócrates dialogar com
pessoas que encarnam a compreensão sofística da justiça. Os sofistas
compreendem a justiça no nível dos fatos e não no nível da essência ou dos
princípios. Confundem realidade e possibilidade, fato e essência. Não são
capazes de intuir a essência da justiça. As teses sofísticas sobre a justiça
dizem: 1. Justiça é a lei do mais forte. O poder dos que dominam é que decide
sobre a constituição do direito e da justiça na Pólis. 2. Justiça é o resultado de
um acordo entre os homens. Este acordo estabelece o meio termo entre fazer
injustiça sem ser penalizado, que seria a tendência fundamental do egoísmo
humano, e sofrer injustiça sem poder se defender ou vingar. Na Pólis, o
decisivo não é ser justo, mas parecer justo. O homem que se torna
verdadeiramente justo parece injusto diante dos outros homens, podendo até
morrer crucificado. Vice-versa, o homem que sabe ser injusto sem parecer
injusto passa por justo no meio dos outros homens. Entram em cena, então, as
opiniões dos irmãos de Platão (Adeímatos e Glaucon). Para eles a justiça deve
ser cultivada porque traz honra diante dos homens e merece a recompensa por
parte dos deuses. Essa compreensão também se mostra insuficiente, pois ou
coloca a justiça na dimensão da aparência (fama) ou faz da justiça um meio e 6
não um fim em si mesmo. A justiça seria buscada não por causa dela mesma,
e sim por causa de algum prêmio ou recompensa. Em seguida, a pergunta pela
essência da justiça é recolocada nesses termos: O que é a justiça e a injustiça
em si mesma e a partir de si mesma; como a justiça e a injustiça se relacionam
com a alma humana; como a justiça é o maior bem e a injustiça o maior mal
para a alma humana; como, enquanto maior bem, a justiça não é dada por uma
valoração extrínseca, mas traz nela própria uma dignidade, que a torna um fim
em si mesma; como a justiça deve ser buscada por ela mesma e não em vista
de suas consequências, quer dizer, em vista de um prêmio ou recompensa,
seja da parte dos homens seja da parte dos deuses. Recolocada a questão,
chega o momento de buscar a idéia, ou seja, a essência da justiça: o que é a
justiça nela mesma e por ela mesma; o que faz a justiça ser justiça. A
investigação se dá em dois momentos: 1. A justiça na Pólis; 2. A justiça no
indivíduo. A justiça é o maior bem para a alma humana. Como se estrutura,
porém, a ordenação dos bens? De início, há aqueles bens que vêm ao
encontro das necessidades básicas, corporais, do ser humano (chréia). Depois,
há aqueles bens que correspondem às necessidades livres da vida humana
(ananke). A Pólis surge porque os homens não são autárquicos, mas
dependem uns dos outros, para suprir estas necessidades. “A Pólis nasce,
porque cada um de nós não se basta a si próprio. O homem tem tantas
necessidades, tantas, que muitos homens são obrigados a viver em conjunto
para se ajudarem mutuamente. A essa convivência daremos o nome de Pólis”.
A Pólis surge a partir das necessidades humanas. Entretanto, pode acontecer
que ela cresça em desmedida, em função não mais das necessidades e sim
das cobiças dos homens, tornando-se injusta. A origem de toda a injustiça está,
com efeito, na cobiça humana. O risco de a Pólis se perder e se corromper
urge dos cidadãos uma contínua vigilância. Todo o cidadão precisa ser um
guardião, um vigilante, da Pólis. A cada um está confiado o cuidado (epiméleia)
pelo todo da Pólis. Entretanto, este cuidado é exercido por cada um a partir de
seu próprio lugar (ethos), de sua própria forma e visão de vida (eidos, bíos), de
seu próprio estamento ou status jurídico (genos). Alguns são designados para
governar (archontes), outros para serem governados (archómenoi). Entre os
que governam, uns exercem plena regência, outros são coadjuvantes. Aqueles
que governam são responsáveis pela legislação e pelo 7 julgamento das
questões entre os cidadãos. Devem ser os melhores, os mais capazes,
sensatos e sábios entre os cidadãos (aristói). Em segundo lugar, há aqueles
que devem auxiliar na administração da cidade e zelar pela segurança e pela
defesa dos cidadãos todos. Em terceiro lugar, vêm aqueles que devem se
responsabilizar pela produção dos bens necessários para a sobrevivência e o
conforto de todos os cidadãos: camponeses, artesãos, comerciantes. Todos,
entretanto, devem visar continuamente, em tudo, o bem comum, a felicidade
(eudaimonia) de todos os cidadãos e da Pólis como um todo. A cidade não
pode ser nem rica nem pobre, pois riqueza e pobreza (indigência) corrompem
os homens. Da mesma maneira, a cidade não pode ser nem muito pequena
nem muito grande. O ideal é que ela consiga ser suficiente para atender às
necessidades de todos os cidadãos. Da mesma maneira, a cidade deve ter leis
em medida suficiente para regular a vida dos cidadãos: nem carecer de leis,
nem ter leis em demasia. Cada estamento (genos) deve ter o seu ethos, isto é,
o seu modo de se responsabilizar pelo todo da Pólis. Assim, a cada um
corresponde uma determinada areté (excelência, virtude). A virtude
desempenha uma importância primordial na concepção da educação grega. A
palavra grega para virtude é αρετη (areté)
1 . Nos primórdios, esta palavra era usada em referência a coisas, seres vivos,
seres humanos e deuses. Mais tarde é que veio a se referir
predominantemente ao ser humano. Em Homero, ela denota valor;
1 e excelência;
2 Conotando, ao mesmo tempo, coragem e vigor – tanto de varões, quanto de
mulheres. A areté era, antes de tudo, referida ao guerreiro, tanto para
ressaltar os:
É incerta a etimologia de areté. Há alguma hipótese, no entanto. Este nome
pode ser correlato do verbo αραρισκω (ararísco): apertar firmemente, encaixar
estavelmente, conectar, adaptar, equipar, munir, construir. Pode-se pensar, por
exemplo, em uma roda que se encaixa bem no seu eixo, que está bem
adaptada ou ajustada a ele, que possui uma conexão firme e segura com ele.
Aqui, o encaixe dá o sentido de firmeza e justeza. Por sua vez, a justeza nos
dá o sentido primordial de justiça. Nesta direção, justo é aquilo ou aquele que
está bem ajustado, que está bem centrado e articulado na conexão do todo da
vida mesma. É algo ou alguém, portanto, que possui firmeza e estabilidade e
que, por conseguinte, se encontra pronto, munido, preparado para toda e
qualquer vicissitude. O verbo ararisco, no entanto, remete à raiz αρι− (ari-), que
vigora, por exemplo, no verbo αρεσκω (arésco) e nos adjetivos αρεστος
(aréstos) e αριστος (arístos). Arésco significa dar satisfação, satisfazer,
contentar, aprazer, ser agradável, conciliar, cativar. Podemos dizer que, aquilo
que está bem ajustado agrada, propicia contentamento, dá prazer, satisfaz.
Que o contentamento aqui não é nada de frouxo, atesta a expressão aréskei,
que significa estar decidido ou estabelecido que (cfr. o latim placet). Numa
deliberação e resolução, com efeito, o que apraz e satisfaz é, justamente,
aquilo que se evidenciou como o mais justo, o melhor. Nesta mesma linha, o
adjetivo aréstos significa agradável, prazeroso, enquanto o adjetivo arístos
significa excelente, ótimo, o melhor, o mais nobre e, daí, também, belíssimo,
perfeito.
3 Valor, aqui, no sentido de valentia, coragem: a capacidade de valer-se de si,
das próprias forças, da própria disposição, e, assim, fazer-se valer, isto é,
superando-se a si mesmo, superar determinado obstáculo, vencer
determinado adversário ou derrotar certo inimigo. Palavra muito em voga
hoje, em que predomina, no mercado, o discurso da “qualidade total”.
“Excelência”, entendida a partir da palavra latina – excellentia – fala de
elevação e superioridade. O verbo excello (excellere) significa elevar-se
acima de, exceder, ultrapassar, sobressair. O particípio passado deste
verbo é excelsus, daí, em português, excelso: alto, elevado, grande, nobre,
sublime, poderoso. 8 dotes de seu corpo, quanto para deixar sobressair a
nobreza de sua alma. Areté pode ser, também, sinônimo de boa fortuna,
prosperidade, felicidade, bem-aventurança, e, a partir daí, de distinção,
consideração, fama, glória, majestade. A areté brilha, assim, nas gestas
gloriosas dos heróis, nas suas façanhas, nos seus atos de valor e coragem,
em que reluz a magnanimidade e a nobreza deles. Para Platão, a virtude é
uma paixão (pathos) bem ordenada, uma atitude apropriada (héxis), uma
realização, um feito, uma ação da liberdade humana (práxis). Platão atribui
a cada forma de vida na Pólis uma areté (virtude) específica. Aqueles que
governam devem ter a virtude da sophia (sabedoria). Os guerreiros, a
virtude da andréia (coragem). Os trabalhadores, a virtude da sophrosyne
(temperança). Os governantes devem se ater à sophia, sabedoria, o que
significa que devem ter a visão do todo, a competência na compreensão
das coisas (episteme) e a capacidade de bem ponderar nas decisões (eu
bouleúesthai). Os defensores da cidade devem ter a virtude da coragem
(andréia). Sua coragem, por sua vez, deve estar a serviço da manutenção e
da defesa da integridade (sotería) da cidade. Os trabalhadores devem ser
providos do entendimento são, isto é, do bom senso, da moderação, da
justa medida, da sobriedade e da simplicidade (sophrosyne). Uma vez
estabelecida a vigência dessa tríplice virtude, convém ressaltar a
importância da quarta, que, na verdade é a primeira e a anterior às três, por
ser o garante de sua boa articulação e harmonia. Trata-se da virtude da
dikaiosyne (justiça). A justiça é a que salva, isto é, garante a integridade e
boa articulação das outras três virtudes. Ela é a virtude ética por excelência
(areté ethiké). A Pólis só se torna a morada apropriada para o homem caso
nela habite e reine a justiça. Como, entretanto, a justiça rege e vigora na
vida do indivíduo? Para Platão, indivíduo e Pólis devem se integrar numa
correspondência harmoniosa. A cidade não deve suprimir a originalidade, a
autonomia, a liberdade do indivíduo. O indivíduo não deve visar apenas o
seu bem particular, mas deve visar, sempre, o bem comum, o bem da Pólis.
4 Para quem se preocupa com o tema da educação não deve passar
despercebida a necessidade que a criança e o adolescente têm de se mirar
nos exemplos e nos feitos de heróis. Parece que o ser humano só pode
começar a si constituir a si mesmo, tendo em mira estes exemplos, a
começar dos próprios pais e educadores, sim, mas indo além, haurindo do
mundo da imaginação as possibilidades de sua própria auto-realização. Na
verdade, a imaginação funciona como um fator libertador da evidência
destas possibilidades. É que, ao contrário do mundo real, o mundo
imaginário não está restrito, mas nele pulsa as possibilidades inesgotáveis
da auto-realização e auto-constituição do ser humano. Não à toa o mito, a
arte, o romance, a novela, enfim, a ficção tem tanta força no processo de
educação do ser humano. Boa é aquela ação ou obra em que o homem se
coloca com toda a alma (hóle te psyché) e realiza integrado com o todo da
Pólis, bem como com o todo da Physis. Entretanto, quais são as potências
da alma que precisam ser integradas a fim de que o homem faça uma obra
boa com todo o seu vigor, isto é, com todas as suas forças? De início, a
alma humana se encontra tensa entre dois contrários: a potência do desejo
(epithymia) e a potência da razão ou reflexão (logismós). Esta tensão,
entretanto, só não se torna destrutiva, mas criativa, caso estas duas forças
contrárias se ajustem em uma terceira potência, que é a do ânimo (thymós).
A palavra thymós significava, originariamente, as entranhas, daí: o coração,
o centro da força da vida, a coragem, o ânimo. O homem deve saber
dedicar-se à sua obra com todo a sua alma, atendo-se, com discernimento
(diánoia) a tudo o que é bom, isto é, justo e belo. A aprendizagem do bem
é, portanto, a grande aprendizagem (megíston mathema), a que o homem
está destinado. “O maior saber é a ‘idéia’ do Bem (agathón), através da qual
o que é justo e tudo o mais, que gira em torno disso, torna-se útil
(chresimón) e conveniente (ophelimós)”. Em tudo o que é agradável, útil e
conveniente, o homem já sempre se deixou guiar pelo vislumbre, isto é,
pelo conhecimento prévio da idéia do Bem. O prazer (hedoné) e a
sabedoria ética (phrônesis) estão para ela orientados. Como, entretanto, o
homem pode chegar a uma visão clarividente do Bem, que é o que faz a
justiça ser justiça?
JUSTIÇA NA FILOSOFIA MEDIEVAL
– A Ética de Abelardo frente à de Aristóteles e a concepção cristã de vício e
pecado. A obra de Aristóteles Categorias89 , apesar de não ter sido feita com o
objetivo principal de elucidar a noção de moralidade, teve influência no estudo
da ética de Pedro Abelardo90 e, dentre os inúmeros pensamentos de
Aristóteles contidos nas Categorias, um dos principais é sobre os relativos, ou
seja, qualidades da coisa (ou a própria coisa) que só têm sentido na presença
de um correlativo respectivo. Assim, o adjetivo grande só vai ser entendido
corretamente na frase montanha grande, quando o sujeito que proferiu esta
sentença tiver um referencial do que compreende como sendo grande, ou seja,
se ele relacionar a montanha com algo, que, em grandeza, possa ser
comparado com ela: Dizem-se relativas todas as coisas tais quantas são ditas
serem exatamente de outras, ou, de alguma outra forma, em relação a outra.
Por exemplo, o maior se diz exatamente isso que é, do que o outro – pois é dito
maior do que alguma coisa. Também o dobro é dito exatamente isso que é, de
outra coisa – de alguma coisa, pois, é dito o dobro. (...) Por exemplo, uma
montanha se diz grande em relação a outra coisa – com efeito, em relação a
certa montanha, diz-se grande esta montanha. E o semelhante é dito
semelhante em alguma coisa. E, da mesma forma, as coisas desse gênero são
ditas relativas. 91 Aristóteles diz que o mesmo ocorre com a noção de escravo,
como, por exemplo, na frase “Menón é escravo”, que, aparentemente, é
compreendida como uma sentença inteligível. Contudo, é certo que a palavra
escravo só pode gerar uma apreensão perfeita correlacionando-se com a
noção de senhor. Logo, o relativo escravo desta sentença se refere a um
correlativo, como, por exemplo, Menón é escravo de seu senhor Alexandre:
“Todos os relativos são ditos em 89 A tradução utilizada das Categorias de
Aristóteles será a de José Veríssimo Teixeira da Mata. Editora UFG, 2005. 90
A influência de Aristóteles é muito grande em Abelardo que, de acordo com o
Michael Clanchy, ele era chamado de nosso Aristóteles (“our Aristotle”) por
Pedro Venerável e de o Aristóteles alternativo (“the alternative Aristotle”) por
São Bernardo. Cf. CLANCHY, M. Abelard, a Medieval Life. p. 97. 91
ARISTÓTELES. Categorias. 6a36, p. 91. 484 relação a correlativos. Por
exemplo, o escravo é dito escravo do senhor e o senhor é dito senhor do
escravo”. 92 Na seqüência desse raciocínio, Aristóteles usa a mesma idéia
para o entendimento do vício e da virtude, dizendo que é possível reagrupá-los
como opostos, ou seja, o entendimento de um depende da compreensão do
significado do outro.93 A oposição entre vício e virtude se dá devido à
presença da deliberação da vontade na virtude e na ausência da mesma no
vício: “A contrariedade também está nos relativos; por exemplo, a virtude é
contrária ao vício, sendo cada um desses um relativo.”94 A relação entre
relativo e correlativo pode ocorrer erradamente quando a aplicação for
inapropriada tal como ocorre quando a palavra asa é aplicada à palavra
pássaro. Não é do pássaro, enquanto pássaro, que a asa é dita, mas ela é dita
pelo fato dele ser alado e não de ser pássaro, pois existem muitos outros
animais que têm asas e não são pássaros. Assim, o correto seria a correlação
entre a asa e o alado, já que “a asa é asa do alado, e o alado é, pela asa,
alado”. 95 No Scito te Ipsum, Abelardo refere-se a este exemplo de Aristóteles
para explicar um erro semelhante que há na relação entre o pecado e a
concretização de um ato mau que pode ser com ou sem desprezo por Deus.
Aristóteles mostrou que há erro quando se faz uma correlação indevida como
no caso da relação entre a asa e o pássaro, justamente porque existem asas
em outros animais e não apenas nos pássaros, logo a presença da asa não é
suficiente para afirmar a presença de um pássaro. Contudo, também, há uma
correlação indevida na relação entre um ato mau e o pecado, porque atos
maus podem ser feitos sem o desprezo por Deus 92 Idem. 6b18, p. 92. 93
“Então, as coisas tais quantas se opõem como relativos são ditas serem as que
elas são exatamente a partir dos opostos, ou, de alguma outra forma, são ditas
umas em relação às outras.” Idem. 11b31, p. 107. 94 Idem. 6b11, p. 91. 95
Ibidem. 6b36, p. 92. 494 quando, por exemplo, determinados pela ignorância96
não sendo pecados propriamente ditos. A presença do ato mau não é
suficiente para afirmar a presença do pecado o qual depende do consentimento
com o mal e do desprezo por Deus. Assim, a construção: “há asa nesse
animal, logo ele é um pássaro” é errada, pois há animais que não são pássaros
e têm asas. Da mesma forma, “há um ato mau feito pelo homem, logo ele
cometeu um pecado” também não é certa, pois existem atos maus que não
provém do desprezo do agente por Deus e, por isso, não há consentimento
com o mal97: Assim, Aristóteles, no capítulo sobre a relação, quando falou da
correlação errada dos relativos, disse: ‘Mas, algumas vezes, verá que não pode
haver correlação de termos se estes termos não forem designados
convenientemente para o que foi dito’. Pois, se peca este que faz a correlação
– por exemplo, ‘se a asa é correlacionada com pássaro - a correlação não é
recíproca porque pássaro não é correlativo com asa’. Então, deste modo, se
chamamos de pecado toda coisa que nós fazemos viciosamente ou toda coisa
que temos contra a nossa salvação, nós certamente diremos que a infidelidade
e a ignorância do que é necessário crer para a salvação, são pecados, ainda
que, nestes casos, nenhum desprezo por Deus é visto. Contudo, eu penso que
o pecado é propriamente dito somente a isto que nunca pode verificar-se sem
que haja culpa98 . Abelardo, em outra passagem do Scito te Ipsum, refere-se à
proposta de Aristóteles nas Categorias de que uma proposição, por exemplo,
Sócrates está 96 Lembremos, nesse caso, que Abelardo se refere à ignorância
que não foi causada por negligência do agente que, como veremos mais à
frente, também é culpável. 97 “Há, pois, relação entre a asa e o que é alado; e
não entre a asa e o pássaro, pois poderia haver aves sem asas e asa daquilo
que não é ave. Desse modo, a relação tende ao mais genérico possível, para
que a realidade não lhe oponha arestas súbitas.” DA MATA, José Veríssimo
Teixeira. Introdução da obra por ele traduzida: Categorias in ARISTÓTELES.
Categorias. p. 48. Esta colocação faz referência à relação entre asa e pássaro,
provando a incoerência da mesma a partir de duas proposições: “pode haver
pássaros sem asas” e “há outros animais com asas que não são pássaros”. Ao
usar o mesmo raciocínio para os atos maus e os pecados, Abelardo provou a
incoerência da relação somente a partir da impossibilidade da proposição:
“pode haver atos maus sem pecados”. Contudo, se tentássemos criar uma
sentença semelhante a “porque há outros animais com asas que não são
pássaros”, apareceria a seguinte frase: “porque há outros atos com pecados
que não são atos maus.” É certo que, no contexto do pensamento de Abelardo,
é impossível a construção desta segunda alternativa. No Scito te Ipsum, está
claramente escrito que “Vitium itaque est quo ad peccandum proni efficimur,
hoc est, inclinamur ad consentiendum ei quod non convenit” (p. 4), ou seja, o
vício é o que nos inclina a pecar, consentindo com o que não é conveniente
(consentimento com o mal). Se há pecado propriamente dito em um ato, é
evidente que há um ato mau, logo se, em um ato, está contida a noção de
pecado ele será também mau. 98 “Unde Aristotiles in Ad aliquid, cum de vitiosa
relativorum assignatione loqueretur, ait: At vero aliquotiens non videbitur
conuertia nisi convenienter ad quod dicitur assignetur. Si enim peccet is qui
assignat, ut ala si assignetur aui, non convertitur ut sit auis alae. Si ergo isto
modo peccatum dicamus omne quod vitiose agimus vel contra salutem nostram
habemus, utique et infidelitas et ignorantia eorum quae ad salutem credi
necesse est peccata dicemus, quamvis ibi nullus Dei contemptus videatur.
Proprie tamen peccatum illud dici arbitror quod nusquam sine culpa contingere
potest.” PETRUS ABAELARDUS. Scito te Ipsum. p. 62; 64. 505 sentado, pode
ser verdadeira ou falsa dependendo da comprovação empírica respectiva: se
Sócrates estiver realmente sentado, a proposição é verdadeira, mas, se ele
estiver andando será falsa.99 A mesma idéia de Aristóteles, segundo Abelardo,
valeria para a análise moral e para a comprovação do pecado, pois o ato varia
em torno do conceito de bom e mau (“[...] ita circa bonum et malum variari
videtur”), e depende da intenção e do posterior consentimento para receber
uma qualidade definitiva. Esta situação se assemelha à sentença “Sócrates
está sentado” que também muda, sendo, verdadeira ou falsa em relação a uma
determinação que não depende dela mesma, mas de uma outra circunstância:
“sicut haec propositio ‘Socrates sedet’ vel eius intellectus circaverum et falsum
variatur, modo Socrate sedente modo stante”. 100 A influência de Aristóteles
percebida a partir da apresentação desses trechos do Categorias e do Scito te
Ipsum remete-nos a algumas elucidações de Guy Hamelin acerca deste tema
quando diz que podemos destacar duas grandes aproximações e um evidente
afastamento entre a ética de Abelardo e a ética do Estagirita101 . A
aproximação se refere à definição de virtude que, como já comentamos,
Abelardo apresenta no início do Scito te Ipsum: a virtude como costume ou
hábito do espírito (ou do ânimo102) que nos torna inclinados às boas ou às
más ações. 99 ARISTÓTELES. op. cit. 4a10, p. 84. 100 PETRUS
ABAELARDUS. Scito te Ipsum. p. 52. 101 “Pierre Abélard n’a qu’un accès
direct restreint à ces textes philosophiques qui se limite pratiquement aux seuls
traités du Stagirite qui font partie du corpus de la logica vetus. Malgré ce
contact limité la littérature philosophique de l’antiquité grecque, un examen
même sommaire de la doctrine de la vertu d’Abélard laisse apparaître une forte
influence aristotélicienne, notamment en ce qui concerne l’important thème de
la nature a de la vertu. (Pedro Abelardo não tem senão um acesso restrito a
estes textos filosóficos que se limita praticamente aos únicos tratados do
Estagirita que fazem parte do corpus da logica vetus. Apesar deste contato
limitado da literatura filosófica da antigüidade grega, um exame mesmo
sumário da doutrina da virtude de Abelardo deixa aparecer (torna evidente)
uma forte influência aristotélica, notadamente nisto que concerne ao importante
tema da natureza e da virtude)” HAMELIN, Guy. L’influence d’Aristote et
Ciceron chez Pierre Abelard, p. 220. 102 Já comentamos que Luís Alberto de
Boni usou, no início da sua tradução do Scito te Ipsum, a expressão: vícios e
virtudes do ânimo e não vícios ou virtudes do espírito ou da mente (op. cit. p.
43). Certamente, o uso do termo ânimo impede a confusão desta palavra com
o sentido teológico e cristão de espírito que é diverso da interpretação filosófica
presente neste caso. 515 O personagem Filósofo, no Dialogus, se refere
diretamente à Aristóteles que definia a virtude e o vício como qualidades
racionais de escolha que são inatas ao homem e que vão, cada vez mais,
sendo conquistadas diante de um esforço deliberado e difícil de ser modificado.
Se esse esforço for o melhor possível, haverá o melhor hábito do espírito, ou
seja, a virtude, mas se, ao contrário, se der o pior esforço possível,
conseqüentemente também aparecerá o pior hábito do espírito que é o vício: A
virtude, ele diz, é o melhor hábito da alma como de modo inverso, o vício, eu
creio, seja o pior hábito. Isto que nós chamamos então de hábito é esta
primeira espécie de qualidade que Aristóteles define em suas Categorias, como
sendo formada segundo a maneira e a disposição de ser. O hábito é então uma
qualidade da escolha que é naturalmente inata para ele e que se conquista por
um esforço deliberado difícil de se modificar. 103 Abelardo seguiu a tradição
aristotélica em relação aos hábitos que são fundamentos dos atos morais
mostrando que são naturais e inatos não no sentido de que as pessoas já
nascem com os mesmos, mas que o grande esforço em realizá-los e a
contínua repetição durante a vida os elevam ao grau de quase
permanência104 . Esta quase permanência dos hábitos do espírito são as
atitudes mentais concernentes ao domínio dos costumes e não se confunde
com os hábitos corporais.105 103 ““Virtus”, inquiunt, "est habitus animi
optimus"; sic e contrario vitium arbitror esse habitum animi pessimum; habitum
vero hunc dicimus, quem Aristoteles in Categoriis distinxit, cum in habitu et
dispositione primam qualitatis speciem comprehendit. Est igitur habitus qualitas
rei non naturaliter insita, sed studio ac deliberatione conquisita et difficile
mobilis.” PETRUS ABAELARDUS. Dialogus inter philosophum, iudaeum et
christianum, PL 182, Col. 1651C-1651D. 104 “En plus d’accepter la thèse selon
laquelle la vertu est un habitus de l’espirit, Abélard reprend égalament du
Stagirite l’idée que cet habitus n’est pas du tout natural, bien qu’il puisse être
comparé à une seconde nature en raison de sa grande stabilité et de sa
quasipermanence. L’habitus est, en réalité, acquis à la suite d’un long effor,
comme le confirme Abélard dans l’extrait cité ci-dessus”. (“Além de aceitar a
tese de que a virtude é um hábito do espírito, Abelardo repete igualmente do
Estagirita a idéia de que este hábito não é totalmente natural, embora ele
possa ser comparado a uma segunda natureza por causa de sua grande
estabilidade e de sua quase permanência. O hábito é, na realidade, adquirido
em conseqüência de um longo esforço, como confirma Abelardo no trecho
citado acima”) HAMELIN, Guy. L’influence d’Aristote et de Cicero chez Pierre
Abelard, p. 223. 105 “ S’appuyant sur les exemples introduits par Aristote,
Abélard précise, en outre, qu’il ne s’agit pas de n’importe quelle sorte d’habitus
mas bien de habitus de l’esprit, excluant par le fait même les habitus corporels,
ainsi que les aptitudes mentales qui ne concernent pas le domaine des
moeurs.” ("Apoiando-se sobre os exemplos introduzidos por Aristóteles,
Abelardo precisa além disso que não se trata de qualquer tipo de hábito, mas
hábitos do espírito, excluindo de fato mesmo os hábitos corporais, assim como
as aptidões mentais que não concernem ao domínio dos costumes") Idem. p.
220. 525 Aristóteles, nas Categorias, estabeleceu a diferença entre os hábitos
e as disposições, colocando, dentre aqueles, as virtudes e os vícios. Os hábitos
são mais duráveis e estáveis e as disposições sofrem contínuas e rápidas
mudanças, relacionando-se com os bens móveis: Digo qualidade aquilo
segundo o que alguns são, de alguma maneira, qualificados. E é a qualidade
daquelas coisas que são ditas de muitas maneiras. Uma espécie de qualidade,
sejam ditos, o hábito e a disposição. O hábito difere da disposição pelo fato de
ser mais durável e mais estável. Tais são os conhecimentos e a virtude, pois o
conhecimento parece ser do que é constante e de difícil remoção, mesmo se
alguém apreende moderadamente um conhecimento, se não acontece uma
grande mudança por doença ou por alguma coisa desse gênero. Da mesma
forma, a virtude. Por exemplo, o sentido de justiça, a ponderação e cada
qualidade desse tipo não parece ser bem móvel, nem bem mutável.
Disposições são ditas as que são bem móveis e que se mudam rapidamente;
por exemplo aquecimento e resfriamento, a doença e a saúde, e todas as
qualidades desse tipo. De fato, o homem, de alguma forma, está disposto,
segundo elas; rapidamente se modifica, de quente passando a frio; e do estar
saudável ao estar doente.106 O pensamento moral de Aristóteles teve grande
relevância no tempo de Abelardo como se pode comprovar em vários escritos
de outros pensadores. Hugo de São Vitor, por exemplo, cuja obra teve
influência do pensamento de Abelardo107, em seu Didascalicon, dividia a
filosofia em três partes que corresponderiam a três remédios contra os
principais males aos quais os homens estão sujeitos: a sabedoria contra a
ignorância, a virtude contra o vício e a necessidade contra a enfermidade. É
exatamente nesta passagem que Hugo define, de forma semelhante à de
Abelardo, a virtude como sendo um hábito do ânimo (do espírito) que é
conforme a razão da natureza, “virtus est habitus animi in modum naturae
rationi consentaneus”, e, por isso, também é responsável pela arte prática (a
106 ARISTÓTELES. Categorias. 8b25-8b26. p. 98. 107 A influência indireta de
Abelardo no pensamento de Hugo de São Vitor pode ser confirmada em vários
estudos, não só em relação à ética, mas, principalmente, em discussões sobre
a natureza da Trindade e sobre a noção de sabedoria, benignidade e potência.
Entretanto não há nenhum relato histórico de que ambos tenham se
encontrado algum dia: “Não possuímos qualquer relato histórico segundo o
qual Abelardo se terá encontrado com Hugo de S. Vítor, mas é certo que já os
seus contemporâneos coligiram as obras de ambos nos manuscritos para os
quais as copiaram. Uma análise detalhada dos seus escritos revela que ambos
têm muito mais em comum do que geralmente se crê ser o caso.”
STAMMBERGER, Ralf M. W. 'De longe ueritas uidetur, diuersa iudicia parit':
Hugh of Saint Victor and Peter Abelard, in: Jean JOLIVET / Henri HABRIAS:
Pierre Abélard, à l'aube des universités. Actes de la Conférence internationale
Université de Nantes 3-4 octobre 2001, Nantes 2001, 385-412. 535
moralidade): “propter virtutem inventa est pratica” 108 . A permanência e a
imutabilidade do hábito que se relacionam com a moral impedem que haja uma
confusão entre este e outras atividades que somente tenham validade
momentânea. O personagem Filósofo, no Dialogus, diz que haverá virtude
somente se houver mérito, ou seja, se o homem empreender um esforço
constante contra as más inclinações, os vícios do ânimo, sendo, por isso,
destituída de valor moral qualquer qualidade que seja facilmente mutável
conforme as circunstâncias. A castidade oriunda de uma frigidez que provenha
do próprio corpo e não do esforço em superar a inclinação viciosa não poderia
ser chamada de virtude: Deste modo, a castidade que chamam de natural em
algumas pessoas, resultando da frigidez do corpo ou de alguma constituição
natural que não tem que lutar contra a concupiscência sobre a qual deve
triunfar e que não obtém mérito, nós, de maneira nenhuma, a enumeramos
entre as virtudes. O mesmo ocorre com as qualidades do ânimo que são
facilmente mutáveis. 109 Na seqüência desta passagem, o personagem
Filósofo completa essa idéia reafirmando a influência de Aristóteles a partir da
leitura da obra de Boécio110 , Consolação da Filosofia, em cujo quarto livro
está escrito que a virtude, 108 “Tria sunt: sapientia, virtus, necessitas. sapientia
est comprehensio rerum prout sunt. virtus est habitus animi in modum naturae
rationi consentaneus. necessitas est sine qua vivere non possumus, sed felicius
viveremus. haec tria remedia sunt contra mala tria, quibus subiecta est vita
humana: sapientia contra ignorantiam, virtus contra vitium, necessitas contra
infirmitatem. propter ista tria mala exstirpanda quaesita sunt ista tria remedia, et
propter haec tria remedia invenienda, inventa est omnis ars et omnis disciplina.
propter sapientiam inventa est theorica, propter virtutem inventa est practica,
propter necessitatem inventa est mechanica.”(“São três as partes da filosofia: a
sabedoria, a virtude e a necessidade. A sabedoria é a compreensão das coisas
como realmente são. A virtude é o hábito do ânimo conforme a razão da
natureza. A necessidade é aquilo que nos dá capacidade para que possamos
viver, sendo que, quanto mais sem ela ficamos, mais vivemos felizes. Estes
três remédios são exatamente os elementos contrários aos três principais
males nos quais a vida humana está sujeita: a sabedoria é contra a ignorância;
a virtude é contra o vício e a necessidade é contra a enfermidade. Devido a
esses três argumentos maus existem estes três remédios, e, por causa da
criação desses três remédios, também é estipulada a invenção de todas as
artes e de todas as disciplinas. Assim, é devido à sabedoria que se mostra a
arte teórica, devido à virtude se dá a arte prática e devido à necessidade se dá
a arte mecânica.) HUGONIS DE SANCTO VICTORE. Didascalicon. PL v.
176.8, l.6, c XIV, 809C-809D.. 109 “Unde hanc, quam naturalem in quibusdam
castitatem nominant, ex corporis videlicet frigiditate vel aliqua complexione
naturae, quae nullam unquam concupiscentiae pugnam sustinet, de qua
triumphet, nec meritum obtinet, nequaquam virtutibus connumeramus, vel
quaecumque animi qualitates facile sunt mobiles”. PETRUS ABAELARDUS.
Dialogus inter philoso, Iudaeum et christianum. PL 182, Col. 1651C-1651D. 110
A influência de Boécio na ética de Abelardo em relação a Aristóteles se refere,
certamente, aos comentários que Boécio fez às Categorias e que foi objeto de
estudos de Abelardo: “The notion that many things are neither good nor evil but
indifferent is a feature of Stoic Scito te Ipsum. Stoic moralists described many of
the things which people usually value – fine food and clothing, wealth, honour
and fame – as indifferent. 545 confiando em seus próprios poderes, não pode
ser superada por quaisquer adversidades, justificando a posição aristotélica de
colocá-las entre os hábitos e os costumes que dificilmente são alterados: A
Filosofia diz para Boécio no quarto livro da Consolação da Filosofia: “A virtude
é assim chamada pelo fato de que, confiando em seus próprios poderes, ela
não é superada por adversidades”. Ele também afirma que toda virtude é difícil
de alterar quando, no mencionado tratado, ele explica Aristóteles colocando as
ciências e as virtudes entre os hábitos. Pois não é uma virtude a não ser que
seja difícil de alterar. 111 Uma segunda semelhança entre a ética do Estagirita
e a de Abelardo ocorre em relação ao núcleo da ética aristotélica que é a
presença do justo meio como fim dos atos morais. Abelardo apresentou esta
idéia em várias passagens de suas obras, pois, todo ato voluntário conta com a
potencialidade tanto para o bem quanto para o mal, variando conforme o
indivíduo que toma decisões utilizando o binômio intentio-consensus. No
Diálogo, o personagem Cristão usa este aspecto aristotélico, dizendo que os
pólos radicais da riqueza, entendida como um fim para o qual o homem
delibera, são necessariamente maus. A pobreza é um mal, pois é a radical
ausência de riqueza e, da mesma forma, a superabundância, que é a riqueza
em excesso, também é uma espécie de mal. Esta posição é claramente
semelhante aos pensamentos de Aristóteles localizados na obra
Categorias.112 De fato, ao discutir sobre os contrários na sua Categorias,
Aritóteles diz: Na verdade, o mal é necessariamente o contrário do bem e isto é
claramente Abelard certainly knew of this doctrine from Boethius commentary
on the Categories where, discussing opposites Boethius says that Aristotle
believed that not everything is good or bad, but that he had no word to describe
such things.” (“A noção de que muitas coisas não são nem boas nem más, mas
indiferentes, é uma realização da ética estóica. Os moralistas estóicos
descreveram muitas das coisas que as pessoas usualmente valorizam – boa
comida, boas roupas, saúde, honra e fama – como indiferentes. Abelardo
certamente conhecia esta doutrina proveniente do comentário de Boécio às
Categorias onde, discutindo sobre os opostos, Boécio diz que Aristóteles
acreditava que nem tudo é bom ou mau, mas que ele não tinha palavras para
descrever tais coisas.”) MARENBON, John. The Philosophy of Peter Abelard, p.
244. 111 “Hinc et illud ipsius philosophiae ad Boetium in libro quarto
Consolationis suae: Ex quo etiam virtus vocatur, quod suis viribus nitens non
superetur adversis, hic etiam virtutem omnem difficile mobilem esse rens [leg.
asserens], cum in praedicto qualitatis tractatu Aristotelem (34 V.) exponeret,
scientias et virtutes inter habitus collocans; Virtus enim, inquit, nisi difficile
mutabilis, non est”. PETRUS ABAELARDUS. Dialogus inter philoso, Iudaeum et
christianum. PL 182, Col. 1651D-1652A. 112 Ver ARISTÓTELES. Categorias
13b35 – 14 a 5, in Categoriae. Editio composita. Ed. By L. MinioPaluello.
Aristóteles latinus 1. 1-5 (Paris, 1961). P. 74-75. 55 demonstrado pela indução
de exemplos individuais: como a doença é o contrário da saúde, injustiça da
justiça e a fraqueza da força. Da mesma forma em outros casos também. Mas
o contrário do mal é algumas vezes um bem, algumas vezes um mal. Pois,
ainda que a pobreza seja um mal, seu contrário é o excesso – embora isto seja
um mal também, mas isto pode ser observado em poucos casos. Na maioria
dos casos, contudo, o mal é sempre contrário do bem.113 Apesar destas
semelhanças entre a ética de Abelardo e a de Aristóteles, a influência do
cristianismo no Palatino foi responsável por uma relevante diferença entre
ambos que se refere à noção agostiniana da falta de substancialidade do mal
em contraposição à filosofia aristotélica que dá uma certa positividade para os
vícios.114 Para o entendimento da posição de Aristóteles, é necessária a breve
apresentação das suas noções de apetite e de escolha que podem ser
localizadas no livro III da Ética a Nicômaco. Como apetite, ele entendia as
ações vinculadas ao agradável ou ao doloroso, presentes na incontinência,
sendo muito comuns aos animais irracionais. No sentido diretivo, o apetite
orienta o homem a buscar a satisfação de uma necessidade ou desejo
direcionado para um fim apetecível que, quando em excesso, deve ser
controlado pela escolha racional, daí a afirmação de que apetite e escolha são
conceitos em constante contraposição.115 Em relação à escolha, Aristóteles
pensava na manifestação humana de deliberação em relação àquilo que é
eleito preferencialmente pelo homem dentre 113 “De contrariis quidem
Aristoteles in Categoriis suis disserens: "Contrarium", inquit, "bono quidem ex
necessitate est malum; hoc autem palam est per singulorum inductionem: ut
sanitati languor et iustitiae iniustitia et fortitudini debilitas. Similiter autem et in
aliis. Malo autem aliquando quidem bonum est contrarium, aliquando malum.
Egestati enim, cum sit malum, superabundantia contraria est, cum sit ipsa
malum. Sed in paucis hoc tale quislibet inspiciet. In pluribus vero semper
malum bono contrarium est.” PETRUS ABAELARDUS, Dialogus inter
philosophum, iudaeum et christianum. PL 182, Col. 1643D. 114 Voltamos a
enfatizar que, como ressalta Luis Alberto De Boni em De Abelardo a Lutero (op.
cit. p. 19), Abelardo não conheceu diretamente a obra de Aristóteles, pois ainda
não havia sido traduzido nenhum texto da moral aristotélica e o conhecimento
ético estava restrito necessariamente a todos os escritos de Santo Agostinho, à
obra de Cícero e de Sêneca e à Consolação da Filosofia de Boécio, sem a
existência de um tratado específico sobre ética e moral. 115 “De fato, a escolha
não é comum aos seres irracionais, porém a cólera e o apetite, sim. Além
disso, o incontinente age movido pelo apetite, mas não pela escolha; em
contraste, o continente age por escolha, e não por apetite. E, ainda, o apetite é
contrário à escolha, mas não é contrário ao próprio apetite. E mais, o apetite
relaciona-se com o agradável e o doloroso, e a escolha não se relaciona com
nenhum desses dois.” ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco, p. 60. 565 outras
possibilidades alcançáveis com seu próprio esforço116 . A deliberação referese
à manifestação de arbítrio realizada conforme meios necessários para se
alcançar o fim previamente escolhido, sendo definida como a consideração das
alternativas possíveis diante das quais se encontra a escolha 117. Tendo
objetos semelhantes, a escolha e a deliberação se referem àquilo que
decidimos, relacionando-se aos exercícios da virtude e do vício, gerando a
responsabilidade racional de cada um na prática dos atos nobres ou vis.118
Segundo esta posição, considerados como hábitos, os vícios e as virtudes são
potências119, conflitando-se claramente com a posição de Agostinho segundo
a qual o vício é um não-ser, ou ainda, uma ausência de bem. 120 Certamente,
influenciado pela filosofia cristã, Abelardo, apesar de ter seguido muitos
aspectos da ética aristotélica, em várias passagens, se referiu à 116 Aristóteles
chamava de desejo os anseios humanos direcionados para coisas impossíveis
e, neste sentido, diferenciava desejo de escolha. Esta última, só se
manifestava em relação a fins alcançáveis pelo esforço humano: “Nem
tampouco a escolha se identifica com o desejo, embora este pareça ter
afinidades com aquela. Com efeito, a escolha não pode visar coisas
impossíveis, e, se alguém dissesse que as havia escolhido, passaria por tolo e
insensato; no entanto, é possível desejar o impossível, como a imortalidade,
por exemplo.” Idem. 117 “Não deliberamos sobre os fins, mas sobre os meios.
Um médico, por exemplo, não delibera sobre se deve ou não curar, nem um
orador sobre se deve ou não persuadir, nem um estadista sobre se deve
assegurar a ordem pública, nem qualquer outro homem delibera a respeito da
própria finalidade da atividade. Dão a finalidade por estabelecida e procuram
saber a maneira de alcançá-la.” Ibidem. p. 63. 118 “Ora, o exercício da virtude
relaciona-se com os meios; portanto, a virtude também está ao nosso alcance,
da mesma forma que o vício. Com efeito, quando depende de nós o agir,
igualmente depende o não agir, e vice-versa, ou seja, assim como está em
nossas mãos agir quando isso é nobre, assim também temos o poder de não
agir quando isso é vil; e temos o poder de não agir quando isso é nobre, do
mesmo modo que temos o poder de agir quando isso é vil. Por conseguinte,
depende de nós praticar atos nobres ou vis, e se é isso que significa ser bom
ou mau, então depende de nós sermos virtuosos ou viciosos.” Ibidem. p. 65.
119 Potência, em geral, é o princípio ou a possibilidade de uma mudança
qualquer, mas que pode também ser entendida como a capacidade de realizar
mudanças, capacidade de sofrer mudanças e como preformação e
predeterminação de um ato. Em todas essas definições, está presente a noção
de que a potência é um conceito que está atrelado à concretização do ato. 120
“Dans un autre passage du Dialogus, Abélard signale que les vices sont des
impuissances (impotentiae). Cette position s’apparent, semble-t-il, davantage à
celle d’Augustin, qui défend la fameuse thèse selon laquelle le vice est un non-
être, une absence de bien, qu’à celle d’Aristote. La propre conception du
Stagirite à ce sujet est claire. Les vertus et les vices, en tant que habit , sont
des puissances. Dit d’une manière plus précise, ce sont des puissances du
second degré. En effet, Aristote situe, notamment dans l’Éthique à Nicomaque
et le De Anima, les vertus et les sciences comme habitus entre les pures
puissances indéterminées et les actes”. (“Em uma outra passagem do
Dialogus, Abelardo indica que os vícios são as impotências (impotentiae). Esta
posição assemelha-se mais a esta de Agostinho que defende a famosa tese
segundo a qual o vício é um não-ser, uma ausência de bem, do que a tese de
Aristóteles. A própria concepção do Estagirita sobre este assunto é clara. As
virtudes e os vícios, enquanto hábitos, são potências. Dito de uma maneira
mais precisa, estas são potências de segundo grau. Com efeito, Aristóteles
situa, notadamente na Ética a Nicômaco e no De Anima, as virtudes e as
ciências como hábitos entre as puras potências indeterminadas e os atos.”).
HAMELIN, Guy. L’influence d’Aristote et de Ciceron chez Pierre Abelard, p.
225. 575 definição de Santo Agostinho que considerava o mal como a ausência
de bem121. O Palatino refutava as idéias que tentavam atribuir aos vícios
substancialidade, bem como, outras que estendiam esta possibilidade aos
pecados.122 No Diálogo, o personagem Filósofo sustenta que, se a justiça é
considerada uma potência ou habilidade da alma, necessariamente, seu
oposto, ou seja, a injustiça, interpretada como um vício, classificar-se-ia como
impotência ou inabilidade da mesma e, ao afirmar isto, ele entra em direto
conflito com a perspectiva aristotélica: Nota-se que, desde que a justiça seja a
vontade constante do ânimo que preserva para cada um o que é seu, a
coragem e a temperança são as potências certas e a força do ânimo pela qual,
como mencionamos acima, a boa vontade de justiça é consolidada. E, desde
que seus contrários sejam impotências, consta certamente que aquelas sejam
potências. De fato, a debilidade do ânimo, que é contrária à coragem, é sua
fraqueza e impotência que nós podemos chamar covardia ou pusilanimidade.
123 Assim, mesmo considerando os vícios como impotências e aproximando-
se da perspectiva agostiniana que os definia como destituídos de
substancialidade, é indiscutível que Abelardo nunca deixou de considerá-los
dados imprescindíveis a serem levados em conta no processo de compreensão
do ato moral ou imoral. Abelardo define os vícios como sendo elementos
neutros que, oriundos de uma má-disposição da vontade ou das tendências
corpóreas, nos 121 “Péché est l’absence, une acceptation délibérée d’une
éternelle privation, plus redoutable que les flammes matérielles d’un Enfer dont
Abélard refuse la substantialisation localisée” (“pecado é a ausência, uma
acepção deliberada de uma privação eterna, mais temível que as chamas
materiais de um inferno que Abelardo refuta a substancialização localizada.”)
GANDILLAC, Maurice de. Intention et loi chez Abélard, p. 589. 122 “Cet
définition est – et Abélard y insiste – une définition négative parce que “le péché
n’a aucune substance,il consiste en un non-être plutôt qu’en un être , de la
même façon que les ténèbres ne sont rien de plus que l’absence de la lumière.
Cette définition du péché comme un non-être une fois posée, Abélard s’attache
à en réfuter d’autres définitions qui d’une façon ou d’une outre en feraient un
être” (“Esta definição é – e Abelardo insiste nisso – uma definição negativa pela
qual “o pecado não tem nenhuma substância, ele consiste em um não-ser mais
que em um ser, do mesmo modo que as trevas não são nada mais que a
ausência da luz. Esta definição de pecado como um não-ser - uma vez
colocada - dedica-se a refutar outras definições que de uma maneira ou de
outra fizessem do pecado um ser””) JOVILET, Jean. La thèologie d’Abélard, p.
94. 123 “Et notandum, quod, cum iustitia sit constans animi voluntas, quae
unicuique, quod suum est, servat, fortitudo et temperantia potentiae quaedam
sunt atque animi robur, quo, ut supra meminimus, bona iustitiae voluntas
confirmatur. Quorum et enim contraria impotentiae sunt, ea profecto constat
esse potentias. Debilitas vero animi, quae fortitudini contraria est, quaedam
eius infirmitas et impotentia est, quam ignaviam seu pusillanimitatem dicere
possumus” PETRUS ABAELARDUS. Dialogus inter philosophum, iudaeum et
christianum, PL, Col. 1657B. 585 tornam inclinados a pecar, ou seja, a
consentir com um desprezo por Deus124 . Assim, não sendo nem bons nem
maus, os vícios podem ser entendidos como puros locais comuns que, quando
somados ao consenso do sujeito, por ação ou omissão, dão forma ao pecado a
eles relacionado.125 O personagem Filósofo relata que, muitas vezes, uma
pessoa que busque evitar certos vícios, pode acabar tomando decisões
drásticas que comprometam a sua própria saúde e acabem produzindo um
novo vício. Um jejum que, em tese, representa a busca pelo justo meio e o ato
de evitar os excessos das inclinações do corpo, conectando-se com a
temperança que é uma virtude, se feito de forma imoderada, extingue a saúde
produzindo as enfermidades que são vícios do corpo. O jejum imoderado não é
uma virtude, mas é um vício semelhante a uma virtude 126: Com freqüência,
enquanto parecemos a nós mesmos temperantes, nós transgredimos os limites
da temperança. Por exemplo, quando nós nos esforçamos pela sobriedade,
afligimo-nos com jejuns imoderados e, quando nós desejamos dominar o vício,
nós extinguimos a própria natureza. Desta forma, através de muitos excessos,
nós estabelecemos vícios que lembram virtudes no lugar das próprias
virtudes.127 Abelardo dá uma grande importância para o combate às
inclinações provenientes dos vícios, dizendo que o homem deve organizar sua
vida a partir de seus próprios esforços na concretização de atos de virtude, pois
as inclinações 124 PETRUS ABAELARDUS. Scito Te Ipsum, p. 4-7. 125
"Vitium itaque est quo ad peccandum proni efficimur, hoc est, inclinamur ad
consentiendum ei quod non conuenit, ut illud scillcet faciamus aut dimittamus”.
("O vício, portanto, é aquilo pelo qual nos tornamos inclinados a pecar, isto é,
somos inclinados a consentir em coisas ilícitas, sejam ações ou omissões.")
PETRUS ABAELARDUS. Scito te Ipsum, p. 4. 126 A estes vícios especiais,
Paul Vincent Spade, em sua tradução do Scito te Ipsum (op. cit. p. 114, n. 54),
dá o nome de “adjacent vice” que, em português, poderia ser traduzido
literalmente como vício adjacente. O termo em latim usado por Abelardo é
finitima que significa: 1 – limítrofe; confinante; vizinho e 2 – que tem relação
semelhante. Preferimos a interpretação deste tipo de vício não como algo que
seja simplesmente próximo ou vizinho de outro, mas que tenha relação
semelhante (mas exagerada) com uma ação voluntária e de esforço em busca
da execução de um ato de virtude. O termo semelhante parece, portanto, ser a
melhor tradução exatamente como fez Pierre J. Payer (op. cit. p. 115) ao usar a
expressão: vices which resemble virtues, onde resemble deve ser traduzido
como assemelhar-se. 127 “Saepe enim modum excedentes, dum nobis
temperantes esse videmur, temperantiae terminos transgredimur, ut dum
sobrietati studemus immoderatis jejuniis nos affligamus, et dum vitium domare
cupimus, ipsam exstinguamus naturam et sic in multis excedendo pro virtutibus
finitima ipsis vitia statuimus”. PETRUS ABAELARDUS. Dialogus inter
philosophum, judaeum et christianum. PL 178, Col. 1654B-1654C. 595 viciosas
que atraem os homens para o mal, como, por exemplo, a inclinação natural de
uns para a luxúria ou de outros para o ódio, só terão avaliação moral se houver
o consentimento posterior128. O desejo pela mulher do próximo não pode ser
considerado pecado, já que a tendência física de desejar o sexo oposto é um
vício natural e somente o consentimento a esse vício é que servirá para
determinar o pecado propriamente. No Scito te Ipsum, Abelardo refere-se, em
várias passagens, ao corpo e às suas inclinações sem, contudo, qualificá-lo
como culpado pelo pecado e pela concretização dos atos condenáveis. Apesar
da compleição perfeita do corpo ser a responsável por gerar as inclinações em
conformidade com os prazeres sensuais, o homem, através da virtude da
temperança, obtém o mérito moral justamente devido à luta empreendida por
sua vontade contra estas inclinações: De igual modo, a própria natureza ou a
compleição do corpo tornam muitos inclinados à luxúria ou à ira e eles, contudo
não pecam por serem tais como são; antes, pelo contrário, podem encontrar
nisso motivo de luta para conquistar através da virtude da temperança a coroa
de triunfo sobre si mesmos, conforme diz Salomão: “O homem paciente é
melhor que o forte, e o que domina seu ânimo, melhor que o conquistador de
cidades”.129 Negar uma natureza imoral para os vícios do corpo ou para os do
ânimo, quando vinculados à falta de boa memória, à ignorância ou à
obtusidade da mente, significa afastar a definição do ato moral apenas de uma
justificação baseada na análise da exteriorização ou de defeitos que não são
gerados pelas escolhas. Estes vícios em que não percebemos a presença da
escolha, no sentido de deliberação ou de julgamento racional, não são
suficientes para o entendimento pleno da moralidade, pois se fundam mais em
situações físicas ou 128 “O vício nos inclina ao pecado; ele não é pecado
porque o consentimento à inclinação não está ainda compreendido na noção
de vício. Portanto, é impossível qualificar moralmente a inclinação para ao mal;
um tem uma inclinação para a cólera; o outro para luxúria. Mas não se
considera uma falta física como sendo uma falta moral; não se tem o direito de
qualificar uma inclinação para o mal como uma falta moral. Ora, todo homem
não tem a tarefa moral de esforçar-se para organizar sua vida moral a partir de
suas inclinações?” SANTOS, José Augusto da Silva. A Qualificação Moral do
Ato Humano na Ethica ou Scito Te Ipsum de Pedro Abelardo, p. 188. 129 “Sic
et multos ad luxuriam sicut ad iram natura ipsa vel complexio corporis pronos
efficit, nec tamen in ipso hoc peccant quia tales sunt, sed pugnaemateriam ex
hoc habent ut per temperantiae virtutem de se ipsis triumphantes coronam
percipiant, iuxta illud Salomonis:” Melior est patiens viro forti et qui dominatur
animo suo expugnatore urbium.”” PETRUS ABAELARDUS. Scito te Ipsum. p.4.
606 mentais que não são oriundas da responsabilidade do sujeito do que na
intenção e no consentimento. 130 Em relação ao pecado, Abelardo, no Scito te
Ipsum, apresenta três sentidos: os dois primeiros mais de caráter teológico e o
útimo mais em conformidade com a filosofia. No primeiro sentido, o pecado foi
tomado como o sacrifício pelo pecado, ato de Cristo para nos libertar e, no
segundo sentido, ele foi definido como a penalidade de um pecado, pelo fato
de que é algo que será perdoado, sendo, então, extirpado de nós por Deus.
131 No sentido moral, Abelardo enfafizou sua posição de não confundir
pecados com vícios, mas propriamente definiu o pecado como sendo o
desprezo por Deus ou o consentimento com o mal: “Proprie tamen peccatum
dicitur ipse Dei contemptus vel consensus in malum” 132. Assim, cremos que,
quando usou as sentenças: “desprezo por Deus” e “consentimento com o mal”
para definir o pecado propriamente dito, Abelardo estava se referindo a
qualquer situação que, por não estar em conformidade com a ordem divina,
deveria ser voluntariamente evitada.133 Esta primeira leitura nos diz que o
consentimento com o mal e o desprezo por Deus dependem, no sentido
subjetivo134, da vontade entendida como escolha ou deliberação que conduz o
homem na realização do ato condenável. Entretanto, existem situações em que
há pecados sem a presença da má vontade e isto cria uma séria dificuldade no
projeto de entendimento desses dois termos. No Scito te Ipsum, os que
afirmam ser todo pecado voluntário só poderão seguir este raciocínio se
aceitarem que há diferença entre vontade e voluntário. 130 “Abelardo define
uma nova forma da ética, cristã pelo conteúdo, dialética pelo método,
JUSTIÇA NA DILOSOFIA MODERNA
John Rawls, o mais conhecido e celebrado filósofo político norte-americano,
falecido aos 81 anos, em 2002, A sua obra Uma Teoria de justiça completa-se
no aperfeiçoamento e condensação de inúmeros artigos, pesquisas que,
encaminharam sua trajetória acadêmica durante toda sua vida. A
obra1basicamente propõe desígnios claros sistematicamente do que se trata o
tema justiça. Seus ideais são objetivos e vivos, na medida em que se refere a
“discussão do intuicionismo e o utilitarismo”. De forma que, o sistema
econômico2 para Rawls está interligado ao conceito de justiça, o homem deve-
se guiar na medida em que o sistema é melhor para ele. De acordo com Rawls
não podemos separar à justiça da moral ou da política ou do sistema
econômico.
O conceito de justiça dar-se-ia através de dois pontos, um deles é a equidade
que está conduzindo todo o espectro de reflexões introduzido por Rwals em
torno do conceito, nas palavras de Bittar em seu livro “Curso de Filosofia do
Direito” define claramente o conceito de equidade para Rawls
“A equidade dá-se quando do momento inicial em que se definem as
premissas com as quais se construirão as estruturas institucionais da
sociedade (BITTAR, E. C. B. 2001)”.
No segundo ponto, do qual John Rwals concebe o seu conceito de justiça é na
forma do contratualismo. Ele não sendo o único neo-contratualista
contemporâneo, mas esta é uma das suas características mais marcantes.
Desta forma, busca através de estudos, pesquisas, desenvolturas explorar
grade dos conceitos, através de um contratualismo3 contemporâneo.
Desta forma, pensar em justiça4 é pensar a cerca do justo e do injusto de cada
instituição, para Rawls a melhor forma de administrar a justiça seria través das
instituições sociais. Não caracterizando cada indivíduo a sua necessidade de
ética, mas sim uma ação humana, com pluralidade, com conseqüências
relevantes, concepções plúrimas que possam produzir sobre justiça.
2. CONCEITO DE JUSTIÇA
O conceito apresentado pelo filosofo John Rawls a respeito de justiça é uma
concepção de justiça como equidade e com leve teor do contratualismo do
século XVII, para Rawls o conceito de justiça como equidade trata-se de uma
posição original de igualdade que corresponde ao estado de natureza na teoria
tradicional do contrato social. Esses são os princípios que pessoas livres e
racionais preocupadas em promover seus próprios interesses, aceitariam uma
posição inicial de igualdade como definidores dos termos fundamentais de sua
associação (CER. BITTAR, p. 411).
No entanto estes princípios devem regular todos os acordos subseqüentes,
especificando o tipo de cooperação social que se pode assumir. São as formas
de governo que se podem estabelecer, aqueles que se comprometem na
cooperação social escolhem juntos numa ação conjunta. Os princípios que se
devem atribuir os direitos e deveres básicos e determinar a visão de benefícios
sociais, como Rawls especifica em seu livro “Uma Teoria de Justiça”:
Como cada pessoa deve decidir com o uso da razão ou que constitui o seu
bem, isto é, o sistema de finalidade que, de acordo com a sua razão, ela deve
buscar, assim um grupo de pessoas deve decidir uma vez por todas tudo aquilo
que entre elas se deve considerar justo ou injusto (RAWLS, J. 2000, p. 13).
E com base no acordo inicial que se pode discutir as partes que se aderem ao
contrato, o contrato não é uma doutrina incomum para Rawls, visto que, na
posição original é capaz de facultar a simulação das condições ideais para que,
nesse momento, se possam escolher os princípios diretórios da sociedade,
como Bittar expõe em seu livro “Curso de Filosofia do Direito”:
Não se trata de um acordo histórico, e sim hipotético. Esse acordo vem
marcado pela idéia de uma igualdade original para optar por direito e deveres;
é essa igualdade o pilar de toda teoria. Mais que isso, a idéia de recorrer ao
contrato social, e de estudar os sujeitos pactuantes na origem da sociedade
numa posição original, não tem outro fito senão o de demonstrar a necessidade
de se visualizarem as partes num momento de igualdade inicial. Eis aí a
equidade (fairness) de sua teoria (BITTAR, E.C.B. 2001, p. 378).
No momento do pacto inicial não há nada a mais a escolher a não ser as
estruturas fundamentais de uma sociedade e seus alicerces. Os princípios da
justiça são escolhidos sob um véu de ignorância, isso garantia que nenhuma
pessoa, ou melhor, nenhum pactuante, seja favorecido ou desfavorecido na
escolhas dos princípios pelo resultado do acaso natural ou pela contingência
de circunstâncias sociais. De tal modo, uma vez que todos estão numa esfera
semelhante e ninguém pode denominar princípios para favores sua condição
particular, os princípios da justiça são resultado de um consenso ou ajusto
eqüitativo nas palavras de Rawls:
Isso explica o propriedade da frase “justiça como equidade”: ela transmite a
idéia de que os princípios da justiça são acordados numa situação inicial que é
eqüitativa. A frase não significa que os conceitos de justiça e equidade sejam a
mesma coisa, assim como a frase “poesia como metáfora” não significa que os
conceitos de justiça e metáfora sejam a mesma coisa (RAWLS, J. 2000, p. 14).
Todavia uma das características marcantes da justiça como equidade é a de
gerar as partes na situação inicial como racionais e mutuamente abnegado. No
entanto isso não significa que as partes sejam egoístas, isto é, indivíduos com
apenas certo tipos de interesses. Mas estas são concebidas como pessoas que
não tem interesses nos interesses dos outras, no sentido que as pessoas na
situação inicial escolheriam no momento do pacto inicial dois princípios
bastantes diferentes: o primeiro exige igualdade5 na atribuição de deveres e
direito básicos, enquanto o segundo afirma que desigualdade econômica e
sociais, por exemplo: desigualdade de riqueza e autoridade, são justas apenas
se resultam em benefícios compensatórios para cada um, e particularmente
para os membros menos favorecidos da sociedade (CER. RAWLS, p. 15).
Não há injustiça nos benefícios maiores conseguidos por uns poucos desde
que, a situação dos menos afortunados seja com isso melhorada. Deste modo
vale a pena ressaltar que o início da justiça como equidade como outra visão
contratualista, consiste em duas partes, a primeira uma interpretação de uma
situação inicial e do problema da escolha colocado naquele momento, e a
segunda se procura demonstrar seriam aceitos consensualmente. A palavra
contrato sugere essa pluralidade, bem como a condição que a divisão
apropriada de benefícios aconteça de acordo com os princípios aceitáveis para
ambas as partes (CER. RAWLS, p. 16).
3. PRINCÍPIOS DA TEORIA DA JUSTIÇA
Os princípios vêm, no inicio do pacto original, como igualdade e liberdade para
deliberar sobre, direito, deveres, obrigações, benefícios e ônus a serem
regidos. A primeira formulação de tais princípios ainda é um esboço, no qual o
contrato é estruturado tomando por base dois princípios basilares de seu
sistema acerca de justiça, que são:
Primeiro: cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema
de liberdades básicas iguais que seja compatível com um sistema semelhante
de liberdades para as outras.Segundo: as desigualdades sociais e econômicas
devem ser ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo (a)
consideradas como vantajosas para todos dentro dos limites do razoável, e (b)
vinculadas a posição e cargos acessíveis a todos (RAWLS, J. 2000, p. 64).
Aplicam-se estes princípios primeiramente à estrutura básica da sociedade,
governam a atribuição de direitos e deveres e regulam as vantagens
econômicas e sociais. O primeiro princípio determina as liberdades, enquanto o
segundo princípio regula a aplicabilidade do primeiro, corrigindo assim as
desigualdades que possam ocorrem, é certo que não há como erradicar as
desigualdades econômicas e sociais entre as pessoas, ou melhor, entre os
pactuantes, as associações devem prever organismos suficientes para o
equilíbrio das deficiências e desigualdades, de forma que estes se voltem em
benefícios da própria sociedade.
Contudo essa liberdade descrita no momento inicial do contrato é
extremamente significante, uma vez que assegura a igualdade e a equidade
relacionadas aos princípios originais. É fundamental ressaltar que é admissível
determinar uma lista dessas liberdades, conforme Rawls dispõe em seu livro:
As mais importantes entre elas são a liberdade política (o direito de votar e
ocupar um cargo público) e a liberdade de expressão e reunião; a liberdade de
consciência e de pensamento; as liberdades da pessoa, que incluem a
proteção contra opressão psicológica e a agressão física (integridade da
pessoa); o direito à propriedade privada e a proteção contra a prisão e a
detenção arbitrárias, de acordo com o conceito de estado de direito. Segundo o
primeiro princípio, essas liberdades devem ser iguais (RAWLS, J. 2000, p. 65).
Esses princípios devem, a qualquer forma, satisfazer a uma ordem seqüencial,
o primeiro antecedendo o segundo, e a aplicabilidade destes princípios
resultam na concretização da justiça como equidade e igualdade. Pois, trata-se
de uma teoria que busca identificar as desigualdades naturais e corrigi-las.
Uma vez que, aplicando corretamente os princípios, cada um da sua forma, o
primeiro buscando a igualdade e equidade através de suas liberdades, o
segundo princípio fazendo com o que o primeiro se cumpra corretamente, e
ajudando a corrigir as desigualdades que por ventura possam ocorrer, temos a
justiça como amplitude igualmente atribuída conforme as imputações
necessárias.
Então, após ocorrer o contrato inicial e as escolhas dos princípios a serem
regidos, os pactuantes, devem escolher uma constituição a ser seguida. A
constituição constituir um governo de legalidade, do qual as normas dos
princípios a serem seguidos, devem estabelecer a igualdade e a publicidade,
como nas palavras de Bittar:
É dever natural de justiça que propulsiona, diz Rawls, o cidadão à obediência
da constituição e das leis. É a lei a garantia de que situações iguais serão
igualmente tratadas. E a lei aqui não é sinônimo de constrição, mas de
liberdade. Consciente das dificuldades que engentram a discussão do tema da
justiça nessa base, e dos comprometimentos de seus postulados teóricos, é
que Rawls está preocupado em demonstrar materialmente a realizabilidade dos
dois princípios (menciona a formação da constituição, dos processos
legislativos, as formas de execução da lei etc.) nas instituições deve medrar o
que se chama de justiça material (BITTAR, 2001, p. 385).
Enfim, todo este sistema leva a idéia de estabilidade, a justiça se aplicada
desde o princípio como forma de equidade, igualdade, e liberdade, torna-se
algo estável a sociedade. Essa estabilidade nada mais nada menos seria a
pura conseqüência da justiça institucional, e a forma de atuação das pessoas
nas instituições públicas. Cada indivíduo com o seu elo de ligação através do
contrato inicial, respeitando os seus direitos deveres de todos, dando-lhes
benefícios ou ônus, conforme as situações de cada associação. Significa uma
sociedade bem organizada caminhando naturalmente e sem lapso para a
estabilidade de suas instituições.
4. CARACTERÍSTICAS DA TEORIA DE JUSTIÇA
Rawls na sua concepção de justiça analisa a justiça como equidade, e que
através de um contrato inicial ou de um pacto social inicial, busca a igualdade,
liberdade, e, no momento do pacto são escolhidas as premissas de operação
da sociedade. São esses os princípios regularizadores de toda atividade
institucional que vise distribuir direitos e deveres, enquanto o primeiro princípio
determina as liberdades, o segundo princípio regula a aplicabilidade do
primeiro, corrigindo assim as desigualdades que possam ocorrem , após a
escolha destes princípios, as partes contratantes vinculam-se a ponto de
escolherem uma Constituição, uma forma de governo de legalidade, fazendo
as leis e normas a serem seguidas dando-lhe publicidade a tudo. Isso leva as
instituições à idéia de estabilidade, de algo estável a sociedade.
As características da teoria de justiça de Rawls são elas: O contrato inicial,
(primeira principal característica, surge como base/pilar de toda teoria) a visão
de justiça como equidade (segunda principal característica, uma equidade de
forma de igualdade, direito de cada um), os princípios (esses fortaleceram o
contrato e buscam concretizar os direitos e deveres de cada um, e reparar as
desigualdades que possam ocorrer), a Constituição (surge como forma de
impor as leis e uma forma de escolha de governo, assegurando o cumprimento
do contrato e seus princípios com base na equidade, igualdade e liberdade).
5. ANÁLISE DAS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS COM PENSAMENTOS DE OUTROS FILÓSOFOS.
O Estado de natureza trazido no momento do pacto assemelha-se com o
estado de natureza apresentado pelos filósofos teóricos do contrato social,
como Hobbes e Locke6, postulavam um 'estado de natureza' original em que
não haveria nenhuma autoridade política e argumentavam que era do interesse
de cada indivíduo entrar em acordo com os demais para estabelecer um
governo comum. Os termos desse acordo é que determinariam a forma e
alcance do governo estabelecido: absoluto, segundo Hobbes, limitado
constitucionalmente, segundo Locke. Na concepção não-absolutista do poder,
considerava-se que, caso o governo ultrapassasse os limites estipulados, o
contrato estaria quebrado e os sujeitos teriam o direito de se rebelar (CER.
BITTAR, p. 409).
O Contrato inicial7 seria uma concepção do contratualismo apresentado pelo
filósofo Rousseau, no qual apresenta o contrato social como bens protegidos e
a pessoa, unindo-se às outras, obedece a si mesma, conservando a liberdade.
O pacto social pode ser definido quando cada um de nós coloca sua pessoa e
sua potência sob a direção suprema da vontade geral, não há dúvidas que há
nuança do contratualismo do século XVII no contrato inicial da teoria de justiça
de Rwals, pois sendo Rawls um néo-contratualista contemporâneo (CER.
BITTAR, p. 409).
A justiça como equidade apresentada por Jonh Rawls se diferencia da
equidade apresentada pelo filosofo Aristóteles8, uma vez que para Rawls a
justiça como equidade dar-se no momento do contrato como forma de que
todos obtem igualmente o conhecimento, raciociono e o dever de obrigações e
benefícios em relação ao pacto, e não igualando os indivíduos
economicamente e nem buscando o bem igualmente para todos, já Aristóteles
no seu livro Ética a Nicômacos diz que: “Uma prova disso é o fato de dizermos
que uma pessoa eqüitativa é, mais do que todas as outras, um juiz
compreensivo, e identificarmos a equidade com o julgamento compreensivo
acerca de certos fatos” (ARISTÓTELES, Ética a Nicômacos, página.123).
Aristóteles busca o bem comum, o interesse publico, a igualdade de todos para
todos, a equidade é no sentido universal, não apenas viver em conjunto, mas o
bem viver em conjunto.
CONCLUSÃO
A concepção de justiça é apresentada da forma de justiça como equidade, e
com fortes traços do contratualismo do século XVII, buscando nos princípios e
o pacto inicial bases para construir instituições estáveis. A justiça como
equidade reside como igualitarismo da posição original, ou seja, no estado do
contrato inicial, momento esse hipotético. Rawls procura através das
instituições e por meio de sua objetividade a justiça que é racionalmente
compartilhada no convívio social.
Por fim, o fato de igualar a justiça como prática de virtude, ou igualar a justiça
como a procura do justo meio, não faz com que o Filosofo conceituado John
Rawls um teórico antagônico a qualquer tipo de investigação. Rawls busca a
igualdade, a equidade, o véu do contratualismo, a construção humana que
beneficia a todos. Essa teoria, trata-se de um modelo de governo, baseado em
dois grandes princípios, regidos por instituições, princípios que garantes a
liberdade, e a igual distribuição de direitos e deveres à todos.
JUSTIÇA NA FILOSOFIA CONTEMPORANEA
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