Universidade Federal do Rio de Janeiro
Escola Politcnica & Escola de Qumica
Programa de Engenharia Ambiental
Francisco Antonio de Oliveira Filho
O PROJETO DE MONITORAMENTO AMBIENTAL NA ETAPA DE PERFURAO DE POOS MARTIMOS DE LEO E GS NO BRASIL: UM
ESTUDO DE CASO NA BACIA DE CAMPOS, RIO DE JANEIRO.
Rio de Janeiro 2012
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UFRJ
Francisco Antonio de Oliveira Filho
O PROJETO DE MONITORAMENTO AMBIENTAL NA ETAPA DE PERFURAO DE POOS MARTIMOS DE LEO E GS NO BRASIL: UM
ESTUDO DE CASO NA BACIA DE CAMPOS, RIO DE JANEIRO.
Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Engenharia Ambiental, Escola Politcnica & Escola de Qumica, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos obteno do ttulo de Mestre em Engenharia Ambiental
Orientadora: Prof. Dr. Cristina Aparecida Gomes Nassar
Rio de Janeiro 2012
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Oliveira Filho, Francisco O Projeto de Monitoramento Ambiental na Etapa de Perfurao de Poos Martimos de leo e Gs no Brasil: Um Estudo de Caso na Bacia de Campos, Rio de Janeiro / Francisco Antonio de Oliveira Filho. - 2012 XIII, 141p.: il.; 30 cm Dissertao (mestrado) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola Politcnica e Escola de Qumica, Programa de Engenharia Ambiental, Rio de Janeiro, 2012 Orientadora: Prof. Dr. Cristina Aparecida Gomes Nassar 1. Petrleo. 2. Perfurao offshore. 3. Monitoramento Ambiental. 4. PEMCA. I. Nassar, Cristina Aparecida Gomes. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Escola Politcnica e Escola de Qumica. III. Ttulo.
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UFRJ
O PROJETO DE MONITORAMENTO AMBIENTAL NA ETAPA DE PERFURAO DE POOS MARTIMOS DE LEO E GS NO BRASIL: UM
ESTUDO DE CASO NA BACIA DE CAMPOS, RIO DE JANEIRO.
Francisco Antonio de Oliveira Filho
Orientadora: Prof. Dr. Cristina Aparecida Gomes Nassar
Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Engenharia Ambiental (PEA), da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial obteno do ttulo de Mestre em Engenharia Ambiental
Aprovada pela Banca.
Profa. Dra. Cristina Aparecida Gomes Nassar Universidade Federal do Rio de Janeiro
Orientador
Prof. Dr. Josimar Ribeiro de Almeida Universidade Federal do Rio de Janeiro
Membro interno
Prof. Dr. Srgio Luiz Costa Bonecker Universidade Federal do Rio de Janeiro
Membro interno
Prof. Dr. Rodrigo Jesus de Medeiros Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
Membro externo
Rio de Janeiro 2012
v
DEDICATRIA
Dedico essa dissertao a minha famlia e amigos que sempre me incentivaram e
apoiaram durante toda a elaborao desse trabalho cientfico.
vi
AGRADECIMENTOS
Agradeo aos meus familiares, mestres e amigos que foram fundamentais na
elaborao e concluso dessa dissertao de mestrado. Em especial aos profissionais da
empresa Statoil do Brasil, onde trabalhei por 15 meses, que se mostraram extremamente
disponveis e solcitos no envio das informaes tcnicas concernentes ao Projeto
PEMCA.
Adicionalmente, gostaria de agradecer amiga Ana Cupelo pela grande ajuda na
reviso de alguns captulos do presente trabalho, o amigo e oceangrafo Renato
Cordeiro que sempre se mostrou muito prestativo em momentos importantes na
elaborao da dissertao, bem como a brilhante professora Cristina Nassar que, alm
de orientadora, se mostrou uma pessoa especial e abenoada.
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RESUMO
OLIVEIRA FILHO, Francisco Antonio de. O PROJETO DE MONITORAMENTO AMBIENTAL NA ETAPA DE PERFURAO DE POOS MARTIMOS DE LEO E GS NO BRASIL: UM ESTUDO DE CASO NA BACIA DE CAMPOS, RIO DE JANEIRO. Rio de Janeiro, 2012. Dissertao (Mestrado em Engenharia Ambiental) - Escola Politcnica, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.
A explorao e produo (E&P) de hidrocarbonetos tem se intensificado
significativamente nos ltimos anos, principalmente com relao ao petrleo, cuja
demanda persiste e cuja busca se estende para mares e oceanos, locais onde se
concentram atualmente as maiores reservas. Entretanto, a E&P de petrleo offshore
oferece riscos potenciais de impactos e efeitos adversos sobre o meio ambiente marinho
em todas as suas fases, o que justifica normas nacionais e internacionais e
procedimentos de licenciamento para operaes cada vez mais rigorosas. Esta pesquisa
versa sobre o monitoramento ambiental da fase de perfurao offshore, procedimento
indispensvel na preservao do meio ambiente marinho e mitigao de impactos. O
referido trabalho apresenta uma anlise crtica do projeto de monitoramento ambiental
da atividade de perfurao offshore da Statoil no Brasil, PEMCA, no campo de
Peregrino, BM-C-7, Bacia de Campos (RJ). O mtodo adotado se orienta pela pesquisa
bibliogrfica e documental. As concluses confirmam que o PEMCA traz contribuies
inditas e bastante expressivas no trato do meio ambiente marinho em termos
tecnolgicos e metodolgicos.
Palavras-chave: explorao e produo de petrleo offshore; monitoramento
ambiental; PEMCA.
viii
ABSTRACT
OLIVEIRA FILHO, Francisco Antonio de. THE ENVIRONMENTAL MONITORING PROJECT IN OFFSHORE DRILLING ACTIVITIES IN BRAZIL: A CASE STUDY IN CAMPOS BASIN, RIO DE JANEIRO. Rio de Janeiro 2012. Dissertao (Mestrado em Engenharia Ambiental) - Escola Politcnica, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.
The exploration and production (E&P) of hydrocarbons have significantly
intensified in recent years: the demand of oil continues and the search extends to seas
and oceans, where the largest proven reserves are placed. However, the E&P of oil
offshore offers potential risks and adverse impacts on the marine environment in all its
phases, which justifies the adoption of national and international standards and licensing
procedures for operations each time more strict. This study deals with the environmental
monitoring project of an offshore activity during the drilling phase, an essential
procedure to the preservation of marine environment and mitigation of impacts. The
goal is to present a critical analysis of environmental monitoring of an offshore drilling
activity undertook by the oil company Statoil in Brazil, called PEMCA, in Peregrino
Field, BM-C-7, Campos Basin (RJ). The adopted method is guided by bibliographic and
documentary search. The findings confirm that PEMCA brings unprecedented and very
significant contributions in dealing with the marine environment in terms of technology
and methods, which proves that this project is a pioneer in terms of environmental
licensing of E&P activities offshore.
Keywords: exploration and production of offshore oil, environmental monitoring,
PEMCA.
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SUMRIO
1. INTRODUO ...................................................................................................... 1 2. OBJETIVOS ........................................................................................................... 4 3. METODOLOGIA ................................................................................................... 5 4. EXPLORAO E PRODUO (E&P) OFFSHORE DE HIDROCARBONETOS .................................................................................................. 6
4.1. HISTRICO NO MUNDO .............................................................................. 9 4.2. HISTRICO NO BRASIL ............................................................................. 15
5. O FATOR AMBIENTAL E IMPACTOS DA ATIVIDADE DE E&P ........... 23 5.1. IMPACTOS AMBIENTAIS DA E&P OFFSHORE ..................................... 27
5.1.1. Fase de Levantamento de Dados Ssmicos ............................................. 31 5.1.2. Fase de Perfurao .................................................................................. 36 5.1.3. Fase de Produo, Escoamento e Descomissionamento ........................ 39
6. MECANISMOS E INSTRUMENTOS PREVENTIVOS DE IMPACTO AMBIENTAL ............................................................................................................... 45
6.1. NORMAS INTERNACIONAIS DE PROTEO AO MEIO AMBIENTE 47 6.1.1. Meio Ambiente Marinho: Normativa Internacional ............................... 58
6.2. NORMAS BRASILEIRAS DE PROTEO AO MEIO AMBIENTE ........ 66 6.2.1. Meio Ambiente Marinho: Normativa Nacional...................................... 71
7. LICENCIAMENTO AMBIENTAL E A FASE DE PERFURAO ............. 78 8. RESULTADOS E DISCUSSO ......................................................................... 84
8.1. MONITORAMENTO AMBIENTAL DE ATIVIDADES DE PERFURAO OFFSHORE ................................................................................................................ 84 8.2. MONITORAMENTO AMBIENTAL NA STATOIL ................................... 91
8.2.1. Statoil no Brasil ...................................................................................... 91 8.3. MONITORAMENTO DA ATIVIDADE DE PERFURAO NO CAMPO DE PEREGRINO, BACIA DE CAMPOS ................................................................. 97
8.3.1. Algas Calcrias ..................................................................................... 100 8.3.1.1. Distribuio ...................................................................................... 103
8.4. PROJETO DE MONITORAMENTO AMBIENTAL DAS ALGAS CALCRIAS DE PEREGRINO (PEREGRINO ENVIRONMENTAL AND CALCARIOUS ALGAE PROJECT, PEMCA) .......................................................... 105 8.5. REVISO DA LITERATURA CIENTFICA DISPONVEL .................... 108 8.6. AVALIAO DAS ALGAS CALCRIAS E ZOOBENTOS ................... 108 Campanhas de Campo .............................................................................................. 108 8.7. AVALIAO DO PLNCTON ................................................................. 111 Campanhas de Campo .............................................................................................. 111 8.8. CULTURA DAS ALGAS EM LABORATRIO ....................................... 112 8.9. ESTRUTURAO DA COMUNIDADE BENTNICA (FITO + ZOOBENTOS) ......................................................................................................... 114 8.10. MEDIO DE PARMETROS ABITICOS PARA AVALIAO DAS CONDIES AMBIENTAIS LOCAIS .................................................................. 114
9. CONSIDERAES FINAIS ............................................................................. 122 10. CONCLUSO ................................................................................................. 126 11. REFERNCIAS ............................................................................................. 128
x
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Crescimento da produo offshore entre 1970 e 1995.................................. 12 Figura 2 - Regies do mundo de produo offshore de petrleo. .................................. 13 Figura 3 - Estimativas de produo mundial de petrleo offshore. ............................... 15 Figura 4 - Perfil geolgico do pr-sal. ........................................................................... 20 Figura 5 - Esquema da explorao do pr-sal. .............................................................. 22 Figura 6 - Comparativo entre fontes de poluio do ambiente marinho. ...................... 30 Figura 7 - Operao de pesquisa ssmica. ..................................................................... 32 Figura 8 - Reboque de cabos ssmicos. ......................................................................... 32 Figura 9 - Canho de ar. ................................................................................................ 33 Figura 10 - Broca de perfurao PDC. .......................................................................... 37 Figura 11 - Descomissionamento de plataforma offshore. ............................................ 44 Figura 12 - Etapas do processo de licenciamento de perfurao................................... 81 Figura 13 - Presena da Statoil no Brasil. ..................................................................... 91 Figura 14 - Localizao do Campo de Peregrino. ......................................................... 92 Figura 15 - Viso das plataformas Statoil em Peregrino. .............................................. 93 Figura 16 - Plataforma fixa de Peregrino. ..................................................................... 94 Figura 17 - FPSO Maersk Peregrino. ............................................................................ 94 Figura 18 - Perfurao Horizontal. ................................................................................ 97 Figura 19 - Perfurao Horizontal. ................................................................................ 97 Figura 20 - Localizao das plataformas Peregrino A, Peregrino B e do FPSO Maersk Peregrino. ........................................................................................................................ 97 Figura 21 - Mapa integrado das modelagens e presena de estruturas carbonticas no Campo de Peregrino. ...................................................................................................... 99 Figura 22 - Ndulos e crostas calcrias mostrando camadas externas avermelhadas formadas por algas vivas, campanha Baseline ambiental (2006). ................................ 102 Figura 23 - Malha amostral realizada na 1 Campanha. .............................................. 109 Figura 24 - Amostradores utilizados na coleta de algas calcrias. (A) Draga Biolgica; (B) Busca-fundo (Van-Veen). ................................................................................... 110 Figura 25 - Exemplo de material bentnico coletado nas campanhas. ....................... 110 Figura 26 - 1 Campanha oceanogrfica (Baseline) para avaliao das comunidades planctnicas. ................................................................................................................. 111 Figura 27 - Lanamento do LOPC/Micro CTD (A) e das redes cilndrico-cnicas (B) na 1 Campanha oceanogrfica (Baseline) para avaliao das comunidades planctnicas. ...................................................................................................................................... 112 Figura 28 - Cultura das algas em laboratrio. (A) Amostras armazenadas em caixas plsticas cobertas por sacos plsticos pretos para manter a colorao dos espcimes durante o transporte e estudo no laboratrio do Jardim Botnico do Rio de Janeiro. (B) Nas amostras coletadas foram observadas caractersticas externas de cada morftipo. (C) Cortes em micrtomo rotatrio para preparo de lminas histolgicas. (D) Caracterizao da morfologia interna das algas no microscpio tico. ....................... 113 Figura 29 - Cultivo das algas em laboratrio. ............................................................. 114 Figura 30 - Lander. As setas em vermelho indicam a localizao da time lapse cmera e de seu flash para monitoramento visual. ...................................................................... 115 Figura 31 - Instalao do Lander nas proximidades da Plataforma Peregrino B. ....... 116 Figura 32 - Design do sediment trap utilizado no PEMCA. ....................................... 118 Figura 33 - Sediment trap no momento de sua instalao no Campo de Peregrino. ... 119 Figura 34 - Localizao do ADCP instalado em outubro de 2009 e recolhido em setembro de 2010. ......................................................................................................... 120
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Fontes de hidrocarbonetos de petrleo no ambiente marinho. ..................... 28 Tabela 2 - Efeitos das ondas ssmicas sobre a biota. ..................................................... 34 Tabela 3 - Tratados e Convenes sobre mares e oceanos ps-Eco-92. ....................... 55 Tabela 4 - Convenes internacionais sobre meio ambiente marinho adotadas pelo Brasil. .............................................................................................................................. 72 Tabela 5 - Principais Impactos Ambientais da Atividade de Perfurao Offshore. ...... 82 Tabela 6 - Projetos exigidos pela CGPEG na atividade de perfurao. ........................ 87 Tabela 7 - Principais estgios do SGA segundo a ISO 14001. ...................................... 90 Tabela 8 - Comparao entre os parmetros ambientais pertinentes ao Projeto de Monitoramento Ambiental realizado pela Statoil e de outras empresas perfurando na Bacia de Campos. ......................................................................................................... 124
xii
LISTA DE SIGLAS
AAM - Acordos Ambientais Multilaterais ABNT - Associao Brasileira de Normas Tcnicas AIA - Avaliao de Impacto Ambiental ANP - Agncia Nacional do Petrleo, Gs Natural e Biocombustveis ANTAQ - Agncia Nacional de Transportes Aquavirios APA - rea de Proteo Ambiental BBL - Barril BOE - Barris de leo Equivalente C - Carbono CGPEG - Coordenao Geral de Petrleo e Gs CLC - Conveno Internacional sobre Responsabilidade Civil em Danos Causados por Poluio por leo CNPE - Conselho Nacional de Poltica Energtica CONAMA - Conselho Nacional do Meio Ambiente CQNUMC - Conveno-Quadro das Naes sobre Mudana do Clima DBO - Demanda Biolgica de Oxignio E&P - Explorao e Produo EA - Estudo Ambiental EIA - Energy Information Administration EIA - Estudo de Impacto Ambiental ELPN - Escritrio de Licenciamento das Atividades de Petrleo e Nuclear EPE - Empresa de Pesquisa Energtica EVA - Estudo de Viabilidade Ambiental FEEMA - Fundao Estadual do Meio Ambiente FPSO - Floating Production, Storage and Offload Unit GEE - Gases de Efeito Estufa H - Hidrognio IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renovveis IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica IEA - Agncia Internacional de Energia IEAPM - Instituto de Estudos do Mar Almirante Paulo Moreira IMCO - Inter-Governamental Maritime Consultative Organization IMO - International Maritime Organization ISM CODE - International Safety Management Code ISO - International Organization for Standardization ISPS CODE - International Sip and Port Facility Security Code LCD - Conveno sobre Preveno da Poluio Marinha por Operao de Imerso de Resduos e Outros Materiais LESTA - Lei de Segurana do Trfego Aquavirio LI - Licenciamento de Instalao LO - Licenciamento de Operao LOPC - Laser Optical Plankton Counter LP - Licenciamento Prvio
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LPper - Licena Prvia de Perfurao MARPOL - Conveno Internacional para a Preveno de Poluio de Navios MERCOSUL - Mercado Comum do Sul MME - Ministrio das Minas e Energia NORMAM - Normas da Autoridade Martima NPD - Norwegian Petroleum Directorate OCDE - Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico OCMI - Organizao Consultiva Martima Inter-Governamental OEMAs - Organismos Estaduais do Meio Ambiente OILPOL - International Convention for the Prevention of Oil Pollution OIT - Organizao Internacional do Trabalho OMI - Organizao Martima Internacional ONG - Organizao No Governamental ONU - Organizao das Naes Unidas OPA 90 - Oil Pollution Act OPEP - Organizao dos Pases Exportadores de Petrleo OPRC - Conveno Internacional sobre Preparo, Resposta e Cooperao em Caso de Poluio por leo P&D - Pesquisa e Desenvolvimento PEMCA - Peregrino Environmental Monitoring and Calcarious Algae Project PMA - Projeto de Monitoramento Ambiental PNMA - Poltica Nacional de Meio Ambiente PNUMA - Programa das Naes Unidas para o Meio Ambiente POP - Poluentes Orgnicos Persistentes PROCAP - Programa de Capacitao Tecnolgica em guas Profundas RAA - Relatrio de Avaliao Ambiental RCA - Relatrio de Controle Ambiental SGA - Sistema de Gesto Ambiental SISNAMA - Sistema Nacional de Meio Ambiente SLAP - Sistema de Licenciamento de Atividades Essencialmente Poluidoras SNUC - Sistema Brasileiro das Unidades de Conservao SOLAS - International Convention For The Safety Of Life At Sea SPF - Sistema de Produo Flutuante TOG - Teor de leo e Graxas VOCs - Volatile Organic Compounds WCE - World Commission on Employment
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1. INTRODUO
Desde a Revoluo Industrial o homem passou a depender de combustveis fsseis. Nas
sociedades modernas, esses recursos, nomeadamente hidrocarbonetos como o carvo e o
petrleo, se tornaram fontes de energia imprescindveis para a produo, consumo e gerao
de riquezas.
No curso do tempo, o petrleo passou a constituir-se como a principal fonte de energia
utilizada no mundo. Sua importncia como commodity nas bolsas internacionais, com
negociabilidade global, exprime a realidade da grande demanda deste recurso ainda hoje. Em
um contexto de produo e consumo de energia primria cuja matriz baseada em fontes
fsseis, o petrleo corresponde a mais de 35% das necessidades energticas mundiais
(International Energy Agency - IEA, 2009). No Brasil, a participao de petrleo e derivados
na demanda de energia aumentou de 34%, em 1970, para 46%, no ano 2000, (Ministrio de
Minas e Energia - MME, 2007), devendo manter esta liderana nas prximas dcadas.
O contexto e a demanda atual explicam a intensificao das atividades de explorao e
produo (E&P) de petrleo em diferentes regies do planeta onde se distribuem as reservas
de leo e gs. O crescente interesse por novas reservas, dado que essas possuem um tempo de
vida til e so um recurso finito no renovvel, impulsiona buscas na direo de novas regies
onde as mesmas estejam disponveis. Esse o caso das reservas offshore, localizadas em
guas marinhas, que atualmente correspondem grande maioria das bacias sedimentares
mundiais com probabilidade de descoberta de petrleo. No Brasil as reservas marinhas
representam quase a totalidade das reservas nacionais, sobretudo aps a descoberta da camada
pr-sal (ANP, 2010).
O avano tecnolgico e os investimentos em pesquisa e desenvolvimento tm
contribudo significativamente para o incremento das atividades de E&P de petrleo offshore
em guas rasas (lmina dgua inferior a 600 m), profundas (lmina dgua superior a 600 m)
e ultra-profundas (lminas dgua superior a 2.000 m), que hoje ocorrem em condies
complexas e em regies de difcil acesso, necessitando por isso de uma grande infraestrutura
composta por redes de transferncia de petrleo entre os sistemas de produo no mar e os
pontos de recepo em terra.
A cadeia produtiva de petrleo offshore, nas suas fases de levantamento ssmico de
dados, perfurao, produo, escoamento e descomissionamento, gera impactos e efeitos
adversos sobre o meio ambiente marinho (SCHAFFEL, 2002). Em funo disso, a normativa
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ambiental, cada vez mais rigorosa tanto no nvel internacional como no mbito nacional, faz
com que as companhias operadoras do setor tenham que se adequar no sentido de atend-la.
A partir desta realidade, indaga-se: de que maneira as operadoras de E&P de petrleo
offshore podem relacionar as atividades que buscam suprir demanda por este recurso com a
mitigao dos impactos ambientais a elas associadas?
O monitoramento ambiental uma das aes que atende a essa perspectiva, pois se
refere ao acompanhamento sistemtico de variveis e processos que envolvem a E&P de
petrleo offshore e o meio ambiente marinho, dimensionando-os, alm de possibilitar a
determinao de desvios das normas estabelecidas e medidas mitigadoras de impacto
ambiental.
Por outro lado, projetos de monitoramento so parte essencial da gesto ambiental das
operadoras, desde a instalao de um empreendimento ou atividade de E&P offshore at sua
desativao (SCHAFFEL, 2002).
Devido sua natureza, as diferentes fases de E&P offshore possuem singularidades em
relao aos riscos que apresentam ao meio ambiente marinho. E no por acaso que para cada
uma delas em geral as companhias petrolferas elaboram um projeto de monitoramento
especfico.
No obstante, o foco da pesquisa recai sobre a anlise do monitoramento na fase de
perfurao de poos, atividade que se considera crtica, pois resulta em resduos
caractersticos, provenientes da mistura de fluidos e cascalhos, que permanecem durante
muito tempo nos sedimentos e tm longo processo de degradao, influenciando na qualidade
da gua, no leito ocenico e nos organismos marinhos.
Na perspectiva de discutir a questo do monitoramento ambiental na perfurao de
poos, apresenta-se o projeto de monitoramento ambiental da atividade de perfurao offshore
da companhia norueguesa Statoil em suas operaes no Brasil, na Bacia de Campos (RJ),
mais especificamente no campo de Peregrino, o Projeto de Monitoramento Ambiental das
Algas Calcrias de Peregrino (Peregrino Environmental Monitoring and Calcarious Algae
Project, PEMCA), em desenvolvimento.
A originalidade de trazer o PEMCA pesquisa reside no fato de ser este um projeto
especfico e padronizado de monitoramento, no mbito do licenciamento ambiental, com
premissas nunca antes solicitadas pelo IBAMA a uma operadora atuando no Pas, como o
monitoramento em tempo real. Isso porque o campo de Peregrino possui no leito marinho
3
grande concentrao de algas calcrias, que representam um ecossistema relevante pela fauna
associada, pelos processos biolgicos que estruturam suas populaes e pelas repercusses
sobre outros organismos marinhos vivos. A solicitao formal do IBAMA apresentada no
Parecer Tcnico CGPEG/DILIC/IBAMA n 266, no Anexo A.
Esta pesquisa versa sobre o Projeto de Monitoramento Ambiental na etapa de
perfurao de poos martimos de leo e gs no Brasil: um estudo de caso na Bacia de
Campos, Rio de Janeiro, e justifica-se pela importncia da preservao do meio ambiente
marinho frente crescente intensificao dessas atividades, em especial no Brasil.
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2. OBJETIVOS
O objetivo geral da pesquisa compilar conhecimentos sobre o projeto de
monitoramento ambiental no mbito do processo de licenciamento ambiental na fase de
perfurao de poos martimos de leo e gs, tendo como pano de fundo um estudo de caso na
Bacia de Campos, Rio de Janeiro.
So objetivos especficos:
Relacionar os impactos ambientais e efeitos adversos sobre o meio ambiente da E&P
de petrleo offshore;
Identificar os mecanismos e instrumentos de proteo ao meio ambiente e a normativa
nacional e internacional sobre o meio ambiente marinho;
Destacar a importncia dos projetos de monitoramento ambiental no mbito do
licenciamento e dos projetos de monitoramento na fase de perfurao offshore; e
Descrever um modelo pioneiro de projeto de monitoramento ambiental na Bacia de
Campos.
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3. METODOLOGIA
Seguindo a classificao metodolgica das pesquisas proposta por Vergara (2010),
quanto meios de investigao, trata-se de pesquisa bibliogrfica, isto , um estudo
sistematizado, cujo procedimento tcnico tem por base o levantamento de material de domnio
pblico veiculado em livros, artigos e revistas cientficas especializadas e documentao
oficial de diversos rgos do governo brasileiro, tais como a Agncia Nacional do Petrleo, o
Ministrio das Minas e Energia e o Ministrio do Meio Ambiente. Diversas das informaes
aqui apresentadas foram obtidas tambm a partir da visita aos websites oficiais de empresas
de petrleo e de rgos de governo.
Ademais, com o propsito de assegurar uma eficiente identificao e avaliao dos
principais efeitos ambientais e legislao pertinente ao desenvolvimento das atividades de
E&P em reas offshore, em especial a fase de perfurao de poos, a proposta metodolgica
foi subsidiada por uma srie de procedimentos, os quais incluram:
Coleta de resultados de estudos direcionados aos impactos das atividades de E&P em
diferentes bacias sedimentares brasileiras;
Consultas a especialistas brasileiros nas reas de Biologia, Biologia Marinha,
Sociologia, Engenharia de Petrleo, Anlise de Riscos, Gesto Ambiental e Avaliao
de Impactos Ambientais para atividades de perfurao de poos martimos de leo e
gs;
Documentos, publicados ou no, proporcionando diretrizes para a realizao de
estudos de Avaliao Ambiental Estratgica para o setor de petrleo e gs natural;
Consulta a empresas de petrleo, quanto s suas experincias no desenvolvimento de
projetos de explorao e produo de petrleo e gs natural em reas offshore;
Foi tambm realizada uma reviso bibliogrfica dos diversos mtodos de avaliao de
impactos ambientais utilizados nos estudos de impacto ambiental para a atividade de
perfurao offshore.
Adicionalmente, este trabalho se prope a apresentar um estudo de caso de um projeto
de monitoramento ambiental atualmente sendo executado por uma empresa de explorao e
produo de petrleo e gs natural na Bacia de Campos, Rio de Janeiro.
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4. EXPLORAO E PRODUO (E&P) OFFSHORE DE HIDROCARBONETOS
Os hidrocarbonetos, alguns tambm conhecidos como compostos orgnicos volteis
(VOCs, do ingls Volatile Organic Compounds), so compostos formados exclusivamente por
tomos de carbono (C) e hidrognio (H). Podem ocorrer sob vrias formas e so produzidos
tanto naturalmente, acumulando-se no subsolo por milhares de anos, como por atividades
humanas. (HINRICHS e KLEINBACH, 2003; SILVEIRA, 2011).
No primeiro caso, duas das formas dos hidrocarbonetos so o petrleo (do latim petra,
pedra, e oleum, leo) e o gs natural (THOMAS, 2004).
Em seu estado natural, o petrleo uma mistura complexa de hidrocarbonetos, em que
predominam o carbono e o hidrognio sobre outros de seus componentes, como oxignio,
nitrognio e enxofre, existentes em propores significativamente menores. Trata-se de
mistura que contm molculas maiores, resultando em lquido do ponto de vista fsico, que
precisa de condies especiais para ser formada, entre elas, temperatura, presso e rochas
geradoras (THOMAS, 2004; GUSMO, 2005).
Os hidrocarbonetos so os principais constituintes do petrleo. Hidrocarbonetos de
petrleo decorrem do arranjo estrutural dos tomos de hidrognio e carbono (ALEIXO et al,
2007). Os derivados do petrleo constituem a maioria dos combustveis de uso humano dirio
(SILVEIRA, 2011).
Quando a mistura de hidrocarbonetos contm maior porcentagem de molculas
pequenas (ou leves), seu estado fsico gasoso, resultando em gs natural, esse composto
principalmente por metano e, em menores propores, por propano e butano (THOMAS,
2004). Sob essas formas, os hidrocarbonetos so fontes de natureza energtica, sendo
consideradas hoje indispensveis para todas as atividades humanas e, portanto, estratgicas.
Somente o petrleo supre cerca de 40% das necessidades energticas totais do planeta,
devendo manter essa liderana at 2020. No por acaso, constitui uma commodity, tendo seu
preo de referncia no mercado internacional orientado pelas cotaes de duas bolsas de
mercadorias: a Bolsa Internacional de Petrleo (International Petroleum Exchange - IPE), em
Londres, onde se negociam a compra e a venda de petrleo do tipo Brent, e a Bolsa Mercantil
de Nova York (Nymex), onde a referncia o petrleo tipo light, de melhor qualidade
(CORNIGLION & NOGUEIRA, 2007).
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Estima-se que a demanda global por petrleo gire em torno de 80 milhes de barris por
dia (cada barril contm aproximadamente 159 litros de petrleo bruto) enquanto a produo
oscila entre 80 e 82 milhes, margem que deixa o mercado vulnervel (CORNIGLION &
NOGUEIRA, 2007).
O petrleo encontrado nas bacias sedimentares, [...] que so depresses na superfcie
da terra preenchidas por sedimentos que se transformam, em milhes de anos, em rochas
sedimentares, pois os processos de gerao, migrao e acumulao de petrleo atuam numa
escala de tempo geolgico (GUSMO, 2005, p. 179). Essas bacias cobrem grandes reas, em
terra e no mar.
Seu uso pelo homem remonta Antiguidade (THOMAS, 2004). No entanto, o interesse
econmico e comercial por esta substncia como fonte de energia teve incio no sculo XIX,
sendo ampliado principalmente no sculo XX, a partir da inveno dos motores a gasolina e a
diesel, quando o petrleo passa a ter justificativas comerciais para ser explorado ad infinitum
ou at seu esgotamento (ORTIZ NETO & DALLA COSTA, 2007).
Segundo Ortiz Neto & Dalla Costa (2007, p. 96), [...] este novo emprego do petrleo
fez surgir, alm de uma das mais ricas indstrias do planeta, uma nova e importante
metodologia de crescimento, o uso da cincia nas atividades fabris. A indstria do petrleo e
a indstria qumica seriam pioneiras, conjuntamente, na utilizao da cincia, atravs de
programas de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), como instrumento de crescimento
econmico.
Afirmam Marchioro et al (2005, p. 227) que a indstria do petrleo teve incio nos
Estados Unidos, onde, em 1859, foi perfurado o primeiro poo produtor. Pouco tempo depois:
[...] j havia dezenas de companhias petrolferas que, posteriormente, se transformariam em grandes organizaes multinacionais. Essas empresas comearam a explorar petrleo em naes do Oriente Mdio, frica e Amrica do Sul, que disponibilizaram reas de grande potencial petrolfero para explorao pelas corporaes, atravs de regimes de concesso. O Mxico foi o primeiro pas a criar uma companhia estatal no setor do petrleo, tendo sido seguido por muitos outros pases, o que resultou na expanso da atividade petrolfera estatal.
Com a ampliao da importncia do petrleo para a sociedade como fonte de energia (o
mesmo ocorrendo atualmente com o gs natural enquanto fonte alternativa de suprimento de
energia) e a aplicao de P&D para o avano da indstria petrolfera, a cadeia de E&P do
petrleo (bem como de reservatrios de hidrocarbonetos compostos por petrleo e gs), com
base no ciclo de vida do campo petrolfero, passou a estruturar-se nas fases de explorao,
8
desenvolvimento e produo,1 necessitando, para tanto, de uma indstria global de
equipamentos e servios de apoio que permitissem realiz-las (ORTIZ NETO & DALLA
COSTA, 2007; MARCHESI, 2010).
Mais do que isso, a explorao e a produo passaram a constituir atividades
tecnologicamente sofisticadas, demandando capacitao e metodologias apropriadas para o
trabalho em regies de difcil acesso e em condies complexas (ORTIZ NETO & DALLA
COSTA, 2007). Isso ocorreu, sobretudo, aps a explorao do petrleo ter sido viabilizada
atravs de tecnologia mais recente, conhecida como offshore, realizada nas guas marinhas,
distante da costa, possibilitando a produo de petrleo em alto mar, em guas profundas (de
400 a 1000 metros) e ultra-profundas (acima dos 1.000 metros).
Nos oceanos, onde os hidrocarbonetos de petrleo constituem o principal bem mineral
energtico, a explorao do petrleo uma das que mais se destaca nesse sentido, pois desde
o incio dos anos 70 as tcnicas e recursos utilizados evoluram muito, quantitativa e
qualitativamente.
Conforme Silva & Mainier (2009, p. 56):
As estruturas offshore evoluram de simples torres de perfurao fabricadas em madeira e instaladas prximas costa, para robustas instalaes, pesando milhares de toneladas, fabricadas em ao-carbono e outras ligas, instaladas a vrios quilmetros adentro do oceano.
Hoje, a E&P de petrleo offshore constitui uma infraestrutura composta por milhares de
quilmetros de oleodutos, que, atravs de uma complexa rede, transfere leo e gs entre os
sistemas de produo no mar e os pontos de recepo em terra (SILVA & MAINIER, 2009).
A cadeia produtiva industrial envolve um conjunto de atividades, demarcadas em: (i)
prospeco, explorao, perfurao e completao; (ii) produo propriamente dita; e (iii)
transporte, refino e distribuio. Os dois primeiros so denominados segmentos upstream ou
montante e o ltimo downstream ou jusante, como convencionalmente dividida a indstria
do petrleo (MARCHESI, 2010; PIQUET, 2010).2
Tais atividades so, por isso, muito mais onerosas do que aquelas desenvolvidas em
terra (tecnologia onshore ou in land), pois incluem, entre outros, transporte areo e martimo
1 Segundo Marchesi (2010), a fase de explorao busca identificar e quantificar novas reservas de petrleo e gs, a de desenvolvimento responsvel pelo planejamento da abordagem e definio dos recursos necessrios para a produo, maximizando a rentabilidade de uma reserva, e no ciclo de produo extrai-se o petrleo e o gs da reserva, de modo a maximizar sua vida til. 2 Segundo Piquet (2010), as atividades de transporte, como so complexas, implicando a utilizao de frotas de navios, grandes redes de dutos e sistema de tancagem, so chamadas em algumas anlises de segmento midstream.
9
de pessoal, material e uso de instalaes fixas e de equipamentos mveis para diversas
finalidades. Em condies normais, os custos das perfuraes martimas so quatro a cinco
vezes mais onerosos do que os das terrestres (NEIVA apud MARCHESI, 2010, p. 5).
Oportuno destacar que, como se tratam de atividades complexas e de risco, as diversas
etapas da cadeia produtiva do petrleo so desenvolvidas por empresas de porte diversificado,
que operam em estruturas de mercado diferenciadas (PIQUET, 2010).
Mas o papel central exercido pelas chamadas petroleiras (oil companies), que
constituem, segundo Piquet (2010), um poderoso, seleto e pequeno grupo de empresas que
detm o capital e contratam servios, como os de ssmica, perfurao e produo, de outras
altamente especializadas, que, por sua vez, tambm operam em oligoplios internacionais,
dado o nvel de sofisticao tecnolgica exigido.
As oportunidades das pequenas e mdias empresas participarem desse mundo tecnologicamente complexo tambm existem, por tratar-se de uma mirade de produtos e servios demandados, que vo desde equipamentos e peas de alta tecnologia at as de confeco relativamente simples, passando por servios de baixa qualificao e por aqueles de difcil importao. Desse modo, geralmente ocorre uma diviso de mercado em que as tarefas mais sofisticadas e mais rentveis permanecem nas mos das empresas transnacionais enquanto os servios e equipamentos de baixo contedo tecnolgico so encomendados a empresas menores, de mbito local. (PIQUET, 2010, p. 3).
Nas prximas sees, o histrico da E&P de petrleo offshore no mundo e no Brasil
revisado, bem como apresentado o quadro atual do segmento nos dois ambientes.
4.1. HISTRICO NO MUNDO
Segundo Ortiz Neto & Shima (2008), a explorao offshore do petrleo teve incio no
final do sculo XIX, em guas ultra-rasas (swallow water, de at 30 metros), de maneira
bastante rudimentar e de forma pouco cientfica. As dificuldades tecnolgicas eram superadas
empiricamente, apenas pelo processo learning by trying (aprendendo tentando) e com apoio
de pesquisa e desenvolvimento. Nessa poca, verificava-se simplesmente a transferncia do
padro tecnolgico utilizado no segmento onshore para a explorao offshore.
O marco inicial da produo offshore com essas caractersticas foi a que ocorreu no
condado de Santa Brbara, Califrnia/EUA, em 1896, onde o primeiro poo tinha
profundidade de quase seis metros, localizando-se a uma distncia aproximada de 15 metros
da praia. Explorado pela transferncia e adaptao das condies onshore para as condies
em gua, no se tratava de plataformas de produo, mas de um conjunto de cavaletes
sequencialmente instalados a partir de uma estao em terra, nos quais havia bombas de
prospeco e dutos de transporte de petrleo, constituindo uma longa torneira.
10
Em funo dessas condies incipientes no foi possvel avanar na explorao em mar,
que se restringiu a lagos e rios e em profundidades no superiores a 15 metros.
Apenas com a ampliao das descobertas e o consequente aumento das dificuldades de
explorao em campos mais profundos (guas rasas entre 30 e 400 metros) e mais distantes da
costa, procedimentos e tecnologias prprias comearam a ser desenvolvidos, no sendo mais
utilizada a rudimentar e emprica adaptao de equipamentos onshore. Iniciava-se assim a
busca de uma trajetria tecnolgica que viabilizasse a explorao offshore em mar aberto
(ORTIZ NETO & SHIMA, 2008, p. 303).
A indstria offshore mundial de petrleo teve seu nascimento entre 1930 e 1950, na
Venezuela e Golfo do Mxico (Estados Unidos), respectivamente, as duas primeiras grandes
provncias de petrleo no segmento (ORTIZ NETO & DALLA COSTA, 2007).
At os anos 60, pensava-se que o petrleo existente em ambiente marinho fosse de
difcil prospeco, razo pela qual a explorao e produo eram mais direcionadas a bacias
terrestres. (LOPES, 2004).
Ao contrrio do desenvolvimento praticamente incipiente da explorao offshore na
Venezuela, no Golfo do Mxico, regio que at hoje se constitui importante reserva mundial
offshore de petrleo, as companhias americanas desenvolveram tecnologias prprias para
essas operaes desde fins da dcada de 50 e durante os anos 60. Na regio, efetivamente
estabeleceu-se uma dinmica inovadora offshore, marcando um novo paradigma, com
trajetrias tecnolgicas dedicadas, e, consequentemente, da produo mundial offshore em
escala comercial (LOPES, 2004; ORTIZ NETO & SHIMA, 2008).
A partir de ento, a indstria comea a se expandir, especialmente com a descoberta de
campos de petrleo submarinos no Mar do Norte (no Oceano Atlntico, situado em
plataforma continental a noroeste da Europa), onde a geologia no-linear da bacia estabelecia
campos em guas mais profundas, implicando um novo sistema de produo, adaptado a
maiores profundidades (ORTIZ NETO & SHIMA, 2008).
A produo no Mar do Norte teve incio em 1969, com a descoberta do campo gigante
de Ekfisk (2,5 bilhes de barris), na Noruega, localizado em lmina dgua de 70 metros,
comercialmente ativado em 1971, e do campo de Arboath, no Reino Unido (ROIG, 2009).
11
A partir da dcada de 70, a regio passa a rivalizar com o Golfo do Mxico em ordem
de importncia para o volume de investimentos (ORTIZ NETO & SHIMA, 2008; ORTIZ
NETO & DALLA COSTA, 2007).
Em 1973, quando as operaes offshore comeam a expandir, eclode a crise do petrleo
em funo do aumento do preo em mais de 300% pelos pases rabes da Organizao dos
Pases Exportadores de Petrleo (OPEP), em represlia ao apoio dos Estados Unidos a Israel
na ocupao de territrios palestinos (VIANA, 2008).3
Neste ano (1973) e por conta da crise, a oferta do produto cairia 7% em uma escala
global, permanecendo reduzida no ano seguinte (1974), e o preo do barril de petrleo seria
quadruplicado, de trs para quase 12 dlares no final de 1973. No pice da crise, o preo
chegou a atingir 17 dlares por barril (CORNIGLION & NOGUEIRA, 2007).
A crise do petrleo, cujas consequncias perdurariam por mais de uma dcada, acabou
por impulsionar a busca de fontes alternativas de petrleo e de novas reservas fora do Oriente
Mdio, mais precisamente no ambiente marinho (VIGLIANO, 2010).
As companhias moveram-se decididamente para alm da costa, a fim de melhor
explorar as bacias sedimentares sob o leito do mar, em guas cada vez mais profundas,
contexto em que se enquadrou a Petrobras,4 com o incio da explorao offshore na Bacia de
Campos, no Rio de Janeiro. Isso fez com que, na dcada de 1980, os pases no-OPEP
retomassem sua posio de principais produtores do insumo (CORNIGLION & NOGUEIRA,
2007; VIANA, 2008).
Segundo Lopes (2004, p. 30):
O choque do petrleo de 1973 deu o impulso necessrio explorao do petrleo existente em ambiente marinho. Isto porque, com o aumento brusco do preo do petrleo e a possibilidade de escassez do produto no mercado, os pases consumidores passaram a desenvolver programas de economia de combustveis e de gerao de energias alternativas. Ao mesmo tempo, buscou-se encontrar novas
3 Observa-se que as maiores reservas de petrleo concentram-se no Oriente Mdio: a Arbia Saudita detm a maior reserva, com 262 bilhes de barris, e o Iraque 113 bilhes de barris. E que, embora o petrleo tenha-se tornado o principal insumo energtico dos pases mais desenvolvidos, no por eles produzido em quantidade equivalente sua demanda, como ocorria com o carvo mineral, principal combustvel do mundo at o fim da Primeira Guerra Mundial (que se tornou obsoleto em funo do desenvolvimento tecnolgico). Os pases avanados sempre procuraram apropriar-se das maiores jazidas mundiais. (CORNIGLION & NOGUEIRA, 2007). Em alguns pases do Oriente Mdio, desde os anos 40, as principais companhias internacionais operam sob regime de concesso. (LOPES, 2004). De acordo com Corniglion & Nogueira (2007), os pases rabes no podem dispensar a tecnologia dessas companhias na prospeco, extrao, refino e distribuio do petrleo que se encontra em seus territrios. 4 A Petrobras foi criada em 1953 pela Lei 2.004, sob o governo de Getlio Vargas, tendo como misso principal gerir as reservas de petrleo e o setor petrolfero no Brasil, representando o Estado brasileiro quanto s polticas energticas ligadas ao setor. (DALLA COSTA & SOUZA-SANTOS, 2009).
12
jazidas de petrleo em pases no pertencentes OPEP, e em regies consideradas inviveis economicamente devido complexidade de seus ambientes, o que incentivou a explorao offshore em locais como o Mar do Norte, por exemplo.
Com efeito, atravs de um dos maiores investimentos j realizados pelo setor industrial
europeu, o Mar do Norte tornar-se-ia uma das maiores provncias de petrleo do planeta,
reunindo importantes players na explorao de petrleo offshore em todo o mundo, que
formaram o primeiro pull de empresas nessa segmentao, entre elas a Shell, Exxon, Texaco e
AGIP.
Os campos da Noruega passaram a ser divididos com a Statoil, companhia estatal
norueguesa de petrleo e gs natural, que nos anos 70 passou a ter 50% ou mais dos direitos
de explorar todos os novos campos descobertos no pas (ORTIZ NETO & SHIMA, 2008;
ORTIZ NETO & DALLA COSTA, 2007).
O fato que a explorao offshore e suas atividades cresceram drasticamente desde o
comeo da explorao das primeiras reservas na Califrnia, EUA. Enquanto grandes reservas
eram descobertas na costa, a indstria de explorao e produo extrapolou esses limites para
o oceano aberto (COSTA & BRAUN, 2008).
No sculo XX, num intervalo de apenas 25 anos, de 1970 a 1995, a produo
proveniente de sistemas offshore cresceu 300%, em milhes de barris de leo equivalente
(boe)5 ao dia, como pode ser observado no grfico abaixo (Figura 1).
Figura 1 - Crescimento da produo offshore entre 1970 e 1995.
Fonte: COSTA & BRAUN (2008).
5 Termo usado para expressar volumes de petrleo e gs natural em barris, atravs da converso de 1m3 de gs ou petrleo em 6,289941 barris de petrleo (ORTIZ NETO & DALLA COSTA, 2007).
13
No mapa a seguir (Figura 2), possvel observar onde se concentra atualmente a
explorao offshore.
Figura 2 - Regies do mundo de produo offshore de petrleo.
Fonte: COSTA & BRAUN (2008).
Neiva (apud MARCHESI, 2010) afirma que metade das bacias sedimentares do mundo
que oferecem probabilidade de encontro de petrleo esto localizadas offshore.
Segundo Costa & Braun (2008), projetos de explorao estimam que 95% da rea de
reservas no exploradas encontra-se em lminas dgua acima de 3000 metros, variando em
termos de quantidade entre oito e 15 bilhes de barris.
Significa dizer que a explorao em guas profundas e ultra-profundas oferece potencial
para aumentar a atual capacidade de produo, sobretudo com as descobertas no Brasil e a
descoberta de poos ultra-profundos em regies como o Oeste da frica, sia, Golfo do
Mxico, ndia e Mar do Norte, que aumentam a demanda de sistemas capazes de perfurar
nessas condies (COSTA & BRAUN, 2008).
Assim, apesar de os campos localizados no Golfo do Mxico e no Mar do Norte terem
entrado em fase de declnio de produo, novas regies nas costas da frica, Leste Asitico e
do Brasil apresentam perspectivas favorveis de investimento e produo. O Brasil,
especialmente, uma das principais fronteiras de explorao offshore de petrleo (COSTA et
al, 2008).
14
Com a produo diminuindo nos campos maduros, o medo crescente de que a produo mundial de petrleo esteja perto do nvel mximo e do declnio (o to falado peak oil), as guas profundas de pases como Brasil so o destino certo. (VIANA, 2008, p. 22).
Informa Viana (2008) que as estimativas da Administrao de Informao de Energia
dos Estados Unidos (Energy Information Administration/EIA) indicaram que o volume de
petrleo extrado de campos em guas profundas praticamente dobrou entre 2005 e 2010, para
cerca de 11 milhes de barris por dia.
Ainda de acordo com Viana (2008), se na dcada de 1970 os custos dirios do aluguel
de uma plataforma semi-submarina era em torno de 40 a 50 mil dlares, atualmente cobra-se
at 600 mil dlares por uma plataforma para guas ultra-profundas. Quanto construo de
uma nova plataforma de perfurao em guas profundas, com capacidade de realizar
exploraes em profundidades acima de 2000 metros, os custos esto entre 525 milhes e 625
milhes de dlares, contra os 300 a 400 milhes de dlares do final da dcada de 90.
Estima-se que o investimento de capital em petrleo de guas profundas aumentar para
25 bilhes de dlares por ano por volta de 2012, quase o dobro do investimento em 2003. No
momento atual, percebe-se que a explorao em guas profundas o caminho natural para o
qual segue a indstria de E&P offshore do petrleo (VIANA, 2008; COSTA & BRAUN, 2008).
Considera-se que esse aumento de investimento deve-se tambm sobrecarga da
capacidade tcnica que a explorao e produo offshore exigem, que faz crescer os custos,
alm de requerer o desenvolvimento de equipamentos e tcnicas cada vez mais sofisticadas e
mais caras.
Por outro lado, a tecnologia utilizada hoje na indstria de explorao de petrleo
permite a descoberta de cerca de 80 novas reservas ao redor do mundo a cada ano, 40% das
quais em guas profundas (COSTA & BRAUN, 2008).
Segundo Costa & Braun (2008), a tecnologia ssmica tridimensional, utilizada para
reconhecer reas de explorao, possibilita que os operadores sejam mais seletivos nas suas
decises, com perspectivas de perfurao mais confiveis. Alm disso, contratos de longa
durao, projetos de explorao mais amplos e as descobertas de poos em guas profundas
tm elevado as taxas de utilizao dos sistemas de perfurao em diversas regies do planeta e
permitido o desenvolvimento de tecnologias que aumentaram consideravelmente a eficincia
desses sistemas.
15
Constata-se que a produo offshore cresceu em importncia na oferta mundial de
petrleo. Enquanto no incio da dcada de 1990 respondia por cerca de da produo total,
atualmente responsvel por mais de um tero da oferta mundial, devendo tornar-se ainda
mais expressiva na prxima dcada, verificando-se uma tendncia de explorao em guas
profundas. (COSTA et al, 2008).
O grfico abaixo (Figura 3) ilustra as estimativas quanto explorao em guas
profundas para os prximos anos.
Figura 3 - Estimativas de produo mundial de petrleo offshore.
Fonte: COSTA et al (2008).
4.2. HISTRICO NO BRASIL
No final dos anos 60, como a explorao do petrleo no mundo tendesse a se estender
para o ambiente offshore, o Brasil foi estimulado a entrar no segmento, tendo em vista o
sucesso dos Estados Unidos na explorao do Golfo do Mxico e a descoberta de que a maior
parte das reservas petrolferas do Pas estava localizada no mar, e no em terra (j no final de
1950, devido a anlises geogrficas, sabia-se que o Brasil possua reservas de petrleo em
profundidade martima, ainda que no houvesse definio precisa de sua localizao)
(LOPES, 2004; ORTIZ NETO & DALLA COSTA, 2007).
O primeiro campo offshore de petrleo no Brasil (Guaricema) foi descoberto em 1968,
no litoral de Sergipe, pela Petrobras, iniciando-se a produo nos anos 1970 por meio de uma
plataforma fixa. Ainda no final dos anos 60 comearam os levantamentos geofsicos na Bacia
16
de Campos, Rio de Janeiro, que teve seu primeiro poo submarino perfurado em 1968, no
campo de Garoupa (COSTA et al, 2008; MARCHIORO et al, 2005).
Mais de 20 descobertas de pequeno e mdio porte ocorreram em seguida no litoral de
vrios estados brasileiros, como os campos da Bacia de Potiguar, no Esprito Santo
(MARCHIORO et al, 2005; ORTIZ NETO & DALLA COSTA, 2007).
Segundo Ortiz Neto & Shima (2008), mesmo com as novas descobertas, a atividade
offshore tinha pouca relevncia na Petrobras nessa poca, pois a importao do petrleo era
muito mais barata, travando o crescimento do volume domstico de produo, e elevado o
custo da produo nacional, decorrente de uma baixa dinmica inovadora na medida em que
os equipamentos eram importados e praticamente sem adaptaes que suprissem as
necessidades locais.
As novas descobertas na Bacia de Campos alterariam este quadro e marcariam uma
nova fase para a produo brasileira, tornando esta bacia a mais importante regio produtora
de petrleo offshore do Brasil, e, juntamente com o Golfo do Mxico e o Mar do Norte, as
mais produtivas e ricas do planeta e onde trajetrias tecnolgicas importantes foram
desenvolvidas (ORTIZ NETO & DALLA COSTA, 2007; MARCHIORO et al, 2005; ORTIZ
NETO & SHIMA, 2008).
No final da dcada de 1970 o Pas j produzia 165.500 barris de petrleo por dia, 66% em
terra e 34% no mar e nos primeiros anos de 1980 a produo em bacias martimas ultrapassou a
produo onshore (MARCHIORO et al, 2005; ORTIZ NETO & SHIMA, 2008).
No entanto, conforme Costa et al (2008, p. 130), naquela poca as descobertas offshore
ocorriam em guas rasas, de at 300 metros de profundidade de lmina dgua, sendo que as
plataformas eram do tipo fixo, [...] constitudas de estruturas modulares de ao, instaladas no
local de operao com estacas cravadas no fundo do mar.
Quase todos os materiais, equipamentos, servios e recursos humanos especializados
provinham do exterior. (PIQUET, 2010). Para Ortiz Neto & Shima (2008), petrleo
importado com alto preo e disponibilidade de reservas em guas rasas foram elementos que
reforavam o lock-in na abertura das tecnologias importadas, centradas nas estruturas fixas.
Por isso, a primeira fase da existncia da Petrobras caracterizou-se pelo intenso investimento
em refino e na rede de distribuio para promover capilaridade, beneficiando o leo bruto que
vinha de fora (DALLA COSTA & SOUZA-SANTOS, 2009).
17
Somente em 1984, as descobertas ultrapassaram a fronteira de 300 metros, ano em que a
Petrobras fez novas descobertas em guas profundas e ultra-profundas, inicialmente na Bacia
de Campos, viabilizando o desenvolvimento de tecnologias apropriadas para explorao
nestas guas, para alm das opes existentes (COSTA et al, 2008; MARCHIORO et al,
2005; ORTIZ NETO & SHIMA, 2008).
Para isso contribuiu a criao pela Petrobras, em 1986, do Programa de Capacitao
Tecnolgica em guas Profundas (PROCAP), iniciado com base no Sistema de Produo
Flutuante (SPF), em que no existe uma estrutura de ligao da plataforma com o leito
marinho, mas sim uma estrutura de ancoragem, representado por plataformas
semissubmersveis de produo, com o objetivo de melhorar a competncia tcnica na
perfurao de poos de at 1000 metros de profundidade (ORTIZ NETO & SHIMA, 2008;
DALLA COSTA & SOUZA-SANTOS, 2009).
Amplamente difundido na Bacia de Campos, o PROCAP, isolado das demais atividades
da Petrobras e contando com um investimento de 1% de seu faturamento em P&D, tornou-se
um dos maiores programas tecnolgicos da histria brasileira.
Em 20 anos de existncia propiciou inmeras descobertas e proporcionou instituio o
ttulo de lder internacional em tecnologia de explorao de petrleo em guas profundas,
sobretudo a partir do ano 2000, quando a Petrobras se voltou para a viabilizao da
explorao de jazidas com lminas dgua superiores a 3000 metros, proporcionando um
domnio tecnolgico singular nesse tipo de explorao, tambm refletido na facilidade de a
estatal se associar a outras grandes petrolferas para explorar petrleo offshore tanto no Brasil
quanto em outros pases. Isto foi visto como uma das molas impulsionadoras de sua
internacionalizao, com a explorao de to diferentes jazidas petrolferas, como as da
Colmbia, de Angola, Ir, Paquisto e Portugal (ORTIZ NETO & DALLA COSTA, 2007;
DALLA COSTA & SOUZA-SANTOS, 2009).
Afirmam Ortiz Neto & Shima (2008, p. 326) que o PROCAP:
[...] se tornou o principal articulador da companhia na funo de prover o avano na explorao de petrleo em profundidades martimas cada vez maiores e em condies cada vez mais adversas, a ponto de formar um volume de petrleo prospectado condizente com a autossuficincia nacional.
No curso do tempo, a Petrobras se consolidou como pioneira na E&P de
hidrocarbonetos em guas profundas, com a perfurao de poos em lminas dgua
superiores a 1200 metros e produo a profundidades de cerca de 400 metros, conquistando
um recorde mundial. No final dos anos 80, inicia a produo de petrleo em guas abaixo de
18
500 metros, [...] feito at ento no alcanado por nenhuma companhia no mundo
(MARCHIORO et al, 2005, p. 228).
Na dcada de 90 incrementou esforos que consolidaram sua capacidade de produo de
hidrocarbonetos em guas ultra-profundas, como ocorreu no campo de Roncador, na Bacia de
Campos, descoberto em 1996, a 1853 metros de profundidade, com lmina dgua entre 1500
e 2000 metros e reservas de 3,3 bilhes de barris de leo equivalente, empreendimento cujo
sucesso de E&P trouxe Petrobras o ttulo de referncia e liderana tecnolgica para o mundo
do petrleo offshore (ORTIZ NETO & DALLA COSTA, 2007).
Em fins de 1999, as reservas de petrleo e gs chegaram a 17,3 bilhes de barris, 14%
em terra, 11% em guas rasas, 25% em guas profundas e os 50% restantes em guas ultra-
profundas. Ou seja, as reservas de petrleo e gs em guas profundas e ultra-profundas
representavam ento 75% do total (MARCHIORO et al, 2005).
Com efeito, segundo Ortiz Neto & Dalla Costa (2007, p. 104):
A descoberta do campo de Roncador, na bacia de Campos (RJ), e outras que aconteceram, levou o petrleo marinho a representar no ano de 2000 75% das reservas de petrleo e gs no Brasil. Estes produtos continuaram sendo explorados unicamente pela Petrobras, que obteve um aumento proporcional na produo. Em 1987, apenas 1,7% da produo era marinha, j em 2000, o percentual passou para 55%.
Em fins do ano 2000, a produo brasileira de petrleo era 83% offshore, sendo 19% em
guas rasas e 64% em guas profundas e ultra-profundas (MARCHIORO et al, 2005). E entre
1997 e 2007, a Petrobras multiplicou por 10 vezes os seus lucros, passando a atuar em outros
campos, como energia eltrica e biocombustveis, obtendo autossuficincia em petrleo e o
status de uma das grandes petrolferas do mundo em expanso (DALLA COSTA & SOUZA-
SANTOS, 2009).
At janeiro de 2008, o Brasil ocupava o 16 lugar no ranking das reservas conhecidas de
petrleo. Neste ano, a Petrobras valia no mercado 96 bilhes de dlares; tinha mais de oito
mil postos de abastecimento; contava com 75.240 empregados; tinha 112 plataformas de
produo, com produo mdia de petrleo por dia em 1.855 bbl (barril, uma unidade bbl
equivale a 159 litros); e um investimento planejado de em 174,4 bilhes de dlares entre 2009
e 2013 (DALLA COSTA & SOUZA-SANTOS, 2009).
Sabe-se que, atualmente, 90% dessas reservas encontram-se no mar, sendo que o Pas
possui aproximadamente 105 plataformas de produo offshore, projetadas e construdas
19
para campos que produziro pelo menos por 20 a 30 anos (PIQUET, 2010; SILVA &
MAINIER, 2009).
O quadro atual impe acelerao ao processo exploratrio offshore e um ambiente de
grande competitividade entre a Petrobras e muitas das maiores empresas petrolferas
internacionais que passaram a atuar no Pas sob regime jurdico contratual de concesso aps
a Emenda Constitucional n. 9, de 1995, e a Lei 9.478, de 1997, Lei do Petrleo.6 Esses
diplomas legais determinaram a quebra do monoplio da estatal brasileira sobre a explorao
de hidrocarbonetos e propiciaram Unio contratar com empresas estatais ou privadas a E&P
de petrleo (GUSMO, 2005; LEMOS & VIGNAL, 2011; FERRO & TEIXEIRA, 2009).
Tal situao ampliou-se aps a descoberta em 2007 da chamada camada pr-sal pela
Petrobras, muito embora tenha sido estabelecido para a regio do pr-sal o regime de partilha
de produo, isto , baseado na manuteno da propriedade das reservas sob titularidade do
Brasil, evitando que sejam transferidas s oil companies (LEMOS & VIGNAL, 2011). A ideia
de que as empresas integrantes da partilha ali atuem como parceiras enquanto o Brasil
poder contar com petrleo in natura para comercializao no mercado internacional.
O pr-sal certamente oportunizar um grande impulso nas atividades de E&P offshore
no Brasil. Isso porque possuiria grande magnitude de reservas que permitiria ao Pas
ingressar no rol dos grandes produtores mundiais offshore de hidrocarbonetos. Estimativas
apontam que a camada, no total, pode abrigar algo prximo de 100 bilhes de barris de leo
equivalente em reservas, o que colocaria o Brasil entre os 10 pases que detm as maiores
reservas de petrleo e entre os maiores produtores do mundo, no obstante as informaes
pblicas trazerem certa impreciso propositadamente, pois estas so informaes
estratgicas para as empresas petrolferas e pases produtores (DALLA COSTA & SOUZA-
SANTOS, 2009; JUNIOR, 2010).
Os dados atuais indicam a ocorrncia de grandes reservatrios de petrleo e gs natural,
localizados abaixo de uma extensa camada de sal (depositada sob sedimentos orgnicos), que
se estende pelo menos do litoral do Esprito Santo at o litoral de Santa Catarina, incluindo
trs bacias sedimentares: a do Esprito Santo, a de Campos e a de Santos (FERRO &
TEIXEIRA, 2009).
6 Alm da quebra do monoplio, a referida Lei criou a Agncia Nacional do Petrleo (ANP), para regular, contratar e fiscalizar as atividades do setor, e o Conselho Nacional de Poltica Energtica (CNPE), rgo formulador de polticas pblicas de energia no Brasil. (MARCHIORO et al, 2005; GUSMO.2005).
20
Na Figura 4 possvel observar o perfil geolgico das camadas que formam a provncia
do pr-sal, cuja descoberta resultado de anos de esforos da Petrobras e da Agncia Nacional
do Petrleo, Gs Natural e Biocombustveis (ANP, 2010) (FERRO & TEIXEIRA, 2009).
Figura 4 - Perfil geolgico do pr-sal. Fonte: FERRO & TEIXEIRA (2009).
Presume-se que os reservatrios do pr-sal tenham sido formados h cerca de 122
milhes de anos, quando um ambiente lacustre se formou em uma pequena faixa de mar
aberta entre a Amrica e a frica. Com a separao das placas continentais, a entrada de gua
do mar em ambiente quente vaporizou-se e o sal passou a depositar-se sobre as camadas
sedimentares orgnicas. Com a continuao do processo, os sedimentos foram sendo
enterrados a grandes profundidades e submetidos a elevada presso e temperatura,
propiciando a gerao de petrleo e gs (FERRO & TEIXEIRA, 2009).
O fato que a camada do pr-sal tem aproximadamente 800 km de comprimento e, em
algumas reas, 200 km de largura. Estima-se que no total tenha cerca de 112 mil km2 e que a
maior parte dos reservatrios deva estar em lminas dgua superiores a 2000 metros (FERRO
& TEIXEIRA, 2009).
Mas fala-se que a maior parte das reservas localiza-se a profundidades de cinco a sete mil
metros para baixo da camada de sal, que conservaria a qualidade do petrleo, e que o montante
de petrleo nas jazidas seria algo em torno de 50 a 100 bilhes de barris, tambm contando com
quantidade de gs natural de difcil mensurao, mas provavelmente muito grande, porque
21
petrleo, gs e gua de formao costumam ser encontrados em conjunto devido ao processo de
formao das jazidas, sendo necessrio, para a extrao do petrleo, tambm a extrao do gs
natural (JUNIOR, 2010; DALLA COSTA & SOUZA-SANTOS, 2009).
Vrias reservas j foram descobertas no pr-sal, entre elas, Tupi, Franco e Libra, na
Bacia de Santos, Jubarte, Cachalote, Baleia Azul e outras no norte da Bacia de Campos e da
Bacia do Esprito Santo, regio de grande potencial, inclusive porque ali a camada de sal
menos espessa do que na Bacia de Santos, com apenas 200 metros, e os reservatrios so
menos profundos e mais prximos da costa, cerca de 80 km (FERRO & TEIXEIRA, 2009).
E, apesar de informaes preliminares a respeito da quantidade considervel de leo
encontrada nessas reservas, o volume exato s ser conhecido com pesquisas mais
aprofundadas ao longo dos anos, sendo tambm importante para essas pesquisas a
considerao de fatores como a qualidade do leo em relao ao refino e produtividade, o
custo da extrao e perspectivas no longo prazo do preo e consumo desse petrleo no
mercado internacional para verificar sua viabilidade econmico-financeira (DALLA COSTA
& SOUZA-SANTOS, 2009).
O Governo Federal j licitou as primeiras reas do pr-sal sob o novo marco regulatrio
(regime de partilha). 41 milhes de km2 dos 112 mil km2 j estavam sob concesso em 2009,
sendo a Petrobras a operadora da maioria dos blocos da regio j concedidos (JUNIOR, 2010;
FERRO & TEIXEIRA, 2009).
O fortalecimento da Petrobras uma necessidade, pois a que melhor conhece a
geologia da regio e detm capacidade para viabilizar a explorao de petrleo e gs em guas
profundas e ultra-profundas. Este modelo semelhante ao da Noruega que prev: uma
empresa pblica para gerir contratos e defender os interesses do Estado; a produo partilhada
para que o Estado obtenha maior participao na renda; e a criao de um fundo para reaplicar
os recursos provenientes da explorao e evitar a maldio do petrleo, isto , a manuteno
da pobreza em pases com grandes reservas e produo (DALLA COSTA & SOUZA-
SANTOS, 2009).
Segundo Dalla Costa & Souza-Santos (2009, p. 159):
importante ressaltar que a explorao do pr-sal passa pelo fortalecimento da Petrobras devido s suas grandes vantagens competitivas e ter como grande acionista o Estado brasileiro, mas os investimentos privados e o papel das grandes petroleiras igualmente importante, especialmente no beneficiamento do leo.
22
At o momento, as duas frentes de explorao do pr-sal so a rea denominada cluster,
na Bacia de Santos, que recebe os maiores investimentos, e o Parque das Baleias, ao norte do
litoral do Esprito Santo, uma rea promissora devido s camadas de sal serem menos densas,
menor lmina dgua e prximo ao litoral (DALLA COSTA & SOUZA-SANTOS, 2009).
O mapa a seguir mostra a rea onde podem estar localizados os grandes reservatrios
petrolferos do pr-sal, os blocos exploratrios j concedidos, os campos em produo, os
poos perfurados e os testados.
Segundo estimativas da Petrobras, a rea indicada como cluster (no crculo vermelho)
deve apresentar grandes volumes de petrleo recupervel (Figura 5).
cluster
Figura 5 - Esquema da explorao do pr-sal.
Fonte: FERRO & TEIXEIRA (2009).
No obstante aos dados e estimativas apresentados, os desafios para a E&P offshore no
pr-sal so notadamente a superao de barreiras tcnicas que compem a cadeia de valor da
atividade (adequados equipamentos e dutos que suportem elevadas presses e temperaturas) e
estruturas logsticas, dado que as reservas podem localizar-se a 300 km da costa.
Na prxima seo do estudo, reflete-se sobre os impactos ambientais da E&P offshore
do petrleo, em suas diferentes fases.
23
5. O FATOR AMBIENTAL E IMPACTOS DA ATIVIDADE DE E&P
As teorias econmicas desenvolvidas nos sculos XVI e XVII, que deram origem ao
pensamento econmico capitalista do sculo XX, foram influenciadas, entre outros fatores,
pela disponibilidade de energia no-animal (GUERRA et al, 2006).
Depois da Revoluo Industrial,7 e com o amadurecimento do sistema capitalista, j no
sculo XX, a substituio dos recursos renovveis por combustveis fsseis acirrou-se
enormemente com a utilizao do petrleo em todos os processos produtivos ocidentais,
sobretudo a partir da Segunda Guerra Mundial, quando este recurso tornou-se a maior fonte
de energia. Nesta poca, com a economia mundial, dirigida a um mercado que se definiu pela
produo e consumo de massas, o capitalismo atingia o seu pice (GUERRA et al, 2006;
HARVEY, 2006).
Este modelo de desenvolvimento tornar-se-ia hegemnico. O paradigma de
desenvolvimento atual uma sua continuidade, constatando-se a supremacia da dimenso
econmica sobre as dimenses social e ambiental. Conforme Vitanea-Arana (1999, p. 119):
Aplicando o princpio do mximo lucro, a dimenso econmica suga da dimenso social a fora de trabalho, e, devido ao progresso tecnolgico mal utilizado, d em troca, explorao e excluso social. A dimenso econmica desse modelo tambm suga energia e recursos da dimenso ambiental, devolvendo degradao e poluio.
At a dcada de 1960, a percepo ambiental no ganhara ainda contornos de grande
problema social. A partir dos anos 70, no entanto, as primeiras catstrofes ambientais de
grande repercusso mundial foram creditadas ao modelo de desenvolvimento econmico
adotado especialmente pelos pases centrais, responsvel pela degradao ambiental em
curso8 (GARRARD, 2006).
Estabeleciam-se, pela primeira vez, associaes entre o desenvolvimento e a origem dos
problemas ambientais, iniciando-se a conscientizao de que as razes dos problemas
ambientais estavam nas formas de desenvolvimento tecnolgico e econmico, sendo
impossvel o tratamento destes problemas sem uma reflexo (e consequente ao) sobre essas
formas.
7 A Revoluo Industrial teve incio na Inglaterra em 1760 e ocorreu em funo do desenvolvimento cientfico e tecnolgico. Com seu carter tecnicista, atingiu a dimenso econmica e as relaes de produo e trabalho, expandindo a industrializao por todo o Ocidente. (HOBSBAWM, 2009). O novo regime de produo instaurado a partir da Revoluo Industrial originou ao capitalismo. 8 Entre os desastres ambientais de grande porte ocorridos nesta poca e at a dcada de 80 destacam-se: o de Seveso, na Itlia (rompimento de tanques de armazenagem de produtos qumicos); o de Bhopal, na ndia (vazamento numa fbrica de pesticida); o de Chernobyl, (exploso de um reator nuclear); e, o do Alaska, vazamento de petrleo em funo do naufrgio do petroleiro Exxon Valdez. (GARRARD, 2006).
24
As polticas de meio ambiente at ento adotadas no puderam mais ser tratadas [...]
margem dos processos de ao coletiva e de organizao econmica (GODARD, 2002, p.
201). Assim como no poderia se manter a gesto do meio ambiente daquela poca,
caracterizada por uma atitude reativa aos problemas ambientais, voltada, basicamente, para a
adoo de medidas de controle das fontes de poluio (TEIXEIRA, 2008).
Em funo do crescimento dos problemas ambientais e de sua reproduo em diferentes
dimenses, a questo ambiental emergiu como uma crise da civilizao, que se instala quando
se perde de vista o carter relativo, reversvel e recursivo da distino entre ambiente e
sociedade. O que chamamos ambiente uma sociedade de sociedades, como o que
chamamos sociedade um ambiente de ambientes. O que ambiente para uma dada
sociedade ser sociedade para um outro ambiente, e assim por diante (CASTRO, 2008, p.
10).
A crise questionou paradigmas do conhecimento, do modelo societrio, de
comportamentos e das formas hegemnicas de produo e consumo. Segundo Leff (2006, p.
191 - 196):
A crise ambiental a crise do nosso tempo. O risco ecolgico questiona o conhecimento do mundo. Esta crise apresenta-se a ns como um limite no real que ressignifica e reorienta o curso da histria: limite de crescimento econmico e populacional; limite dos desequilbrios ecolgicos e das capacidades de sustentao da vida; limite da pobreza e da desigualdade social [...] a complexidade ambiental implica uma revoluo do pensamento, uma mudana de mentalidade, uma transformao do conhecimento e das prticas educativas, para se construir um novo saber, uma nova racionalidade que orientem a construo de um mundo de sustentabilidade, de equidade, de democracia.
Na viso deste autor, a crise mostrou que era preciso construir uma nova racionalidade
social, [...] orientada por novos valores e saberes; por modos de produo sustentados em
bases ecolgicas e significados culturais; por novas formas de organizao democrtica
(LEFF, 2006, p. 112).
Nos anos subsequentes, a problemtica ambiental foi denunciada pela comunidade
cientfica internacional, atravs da divulgao, em 1972, do Relatrio Os Limites do
Crescimento, do Clube de Roma.
A sua importncia foi incorporada pela Organizao das Naes Unidas (ONU) na I
Conferncia Internacional sobre o Meio Ambiente, realizada no mesmo ano, na qual foi
criado o Programa das Naes Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), marcando a
25
dimenso global que as questes ambientais atingiam (DIAS, 2008; GARRARD, 2006;
LEFF, 2006).9 10
Poucos anos depois, por iniciativa da ONU, surgiria o documento definitivo a respeito
dos problemas socioambientais, o primeiro a sistematiz-los e deline-los em todas as suas
dimenses, contribuindo enormemente para a propagao de sua conscientizao em termos
mundiais.
Trata-se do Relatrio Brundtland (Our Common Future), de 1987, que estabeleceu e
tornou pblico o conceito de desenvolvimento sustentvel como um marco indissocivel da
sobrevivncia da coletividade, um projeto social (DIAS, 2008; GARRARD, 2006; LEFF,
2006).
Neste relatrio, o desenvolvimento sustentvel foi definido como aquele que [...]
atende s necessidades do presente sem comprometer a possibilidade das geraes futuras
atenderem s prprias necessidades (WCE, 1987).
O documento conjugou dois conjuntos de problemas: (i) aqueles propriamente
ambientais do mundo natural, decorrentes das aes humanas (uso excessivo de recursos
naturais provocando escassez, extino de espcies, poluio, contaminao, aquecimento
global, desertificao, etc.); e (ii) os propriamente sociais (doena, fome, pobreza, excluso,
etc)., tendo sido saudado por vrios autores.
O socilogo ingls Anthony Giddens, por exemplo, (apud DE BORTOLI, 2007)
considerou que o conceito de desenvolvimento sustentvel introduzido pelo Relatrio
Brudtland contribuiu para a promoo de conceitos importantes para sociedade, para os
governos e nas atividades econmicas, entre eles:
9 O Clube de Roma foi fundado em 1968 por um grupo de 30 pessoas de vrias nacionalidades e atividades profissionais se propondo a investigar grandes problemas da humanidade e chamar a ateno dos governos para eles. Os temas da agenda do Clube de Roma eram, entre outros: pobreza; deteriorao do meio ambiente; problemas econmicos e monetrios e expanso urbana descontrolada (GARRARD, 2006). 10 Oportuno mencionar que a ideia de limite do crescimento j estava presente nos trabalhos do economista brasileiro Celso Furtado nesta poca, quando argumentou que a noo de desenvolvimento econmico, privilegiando objetivos abstratos, como investimentos, exportaes e crescimento econmico, era um mito, pois desviava as atenes de tarefas bsicas, como a identificao das necessidades fundamentais do ser humano; e as possibilidades que o avano da cincia poderia trazer para supri-las. Para Furtado, a ideia de limite de crescimento seria a nica forma de destruir esse mito, que, na sua percepo, seria um dos pilares que servem de cobertura para a dominao dos pases centrais sobre os perifricos, dentro da estrutura do sistema capitalista (VEIGA, 2006).
26
O de eco eficincia, referente ao desenvolvimento de tecnologias eficazes em termos
de crescimento econmico, mas com custos mnimos para o ambiente (compatibilizando
formas de desenvolvimento industrial com a proteo ambiental); e
O de modernizao ecolgica, isto , a utilizao de tecnologias eco eficientes para
produzir formas de desenvolvimento econmico que conjugassem o crescimento com
polticas socioambientais positivas.
Fato que, a partir da publicao do Relatrio Brundtland, criaram-se as bases para
inmeros encontros internacionais que nos anos subsequentes produziram importantes
documentos orientadores a respeito do tema meio ambiente, entre eles a Agenda 21, em
1992, o Protocolo de Kyoto, em 1997, o Rio+10, em 2002 (DIAS, 2008).
Sobretudo porque, conforme Barbieri & Cajazeira (apud VIEIRA, 2010, p. 173), o
movimento do desenvolvimento sustentvel baseou-se na percepo de que a capacidade de
carga da Terra no poderia ser ultrapassada sem que ocorressem grandes catstrofes sociais e
ambientais, como de fato aconteceu:
[...] j h sinais evidentes de que em muitos casos os limites aceitveis foram ultrapassados, como atestam diversos problemas ambientais gravssimos, como aquecimento global, a destruio da camada de oznio estratosfrico, a poluio dos rios e oceanos, extino acelerada de espcies vivas, bem como os srios problemas sociais.
A condio de extrair, produzir e consumir recursos naturais que pareciam inesgotveis
transformou-se irremediavelmente; a natureza, que assimilava sem traumas as necessidades
do desenvolvimento, se mostrou [...] totalmente vulnervel s mega-agresses de uma
populao que, neste impreciso perodo, dobrou, triplicou e logo vai quadruplicar (VALLE
apud VIEIRA, 2010, p. 177).
O fator ambiental passou a repercutir fortemente e ainda hoje repercute. A preocupao
com a questo ambiental cresce a cada dia, pois a disponibilidade de muitos recursos naturais
comprometeu-se devido contaminao do meio ambiente, advinda essencialmente do
impacto ambiental11 negativo das atividades antrpicas de produo e consumo.
11 O Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), na Resoluo n. 001, de 23 de janeiro de 1986, define impacto ambiental como qualquer alterao das propriedades fsicas, qumicas e biolgicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam: (i) a sade, a segurana e o bem-estar da populao; (ii) as atividades sociais e econmicas; (iii) a biota; (iv) as condies estticas e sanitrias do meio ambiente; e (v) a qualidade dos recursos ambientais (BRASIL, 1986).
27
Em regra, essas atividades geram efeitos adversos que no se refletem diretamente no
mercado. Esses efeitos so conhecidos como externalidades negativas - ao ou
interferncia prejudicial que determinados sistemas de produo causam sobre o sistema
ambiental, influenciando a sua qualidade (MOURA, 2003; CARDOSO, 2004).
Na prxima seo abordam-se os impactos ambientais provenientes das atividades de
explorao e produo de petrleo offshore.
5.1. IMPACTOS AMBIENTAIS DA E&P OFFSHORE
Segundo Moraes (2001), a contaminao ambiental nitidamente observada em
ambientes aquticos, muitos deles j em processo de degradao em decorrncia da atividade
humana. Nesses ambientes, os ecossistemas recebem cargas constantes de substncias
contaminantes e poluentes, orgnicas e inorgnicas, atravs do lanamento direto de efluentes
domsticos e industriais.
As descargas nos rios, baas, nas costas abertas e na prpria atmosfera tm sempre como
fim o mar (GRIMONI, et al, 2004). Devido sua vastido, o ambiente marinho sempre
absorveu concentraes elevadas de substncias estranhas, produzindo contaminao, isto , a
presena de concentraes elevadas de substncias, sedimentos ou organismos nas guas cuja
presena supera os nveis naturais para determinada rea ou organismo especfico
(MONTEIRO, 2003).
A poluio marinha definida pelo artigo 1 da Conveno das Naes Unidas sobre o
Direito do Mar (CNUDM), celebrada na Jamaica em 1982, como:
A introduo pelo homem, direta ou indiretamente, de substncias ou de energia no meio marinho, inclusive os esturios, sempre que essa introduo provocar ou vier a provocar efeitos nocivos vida marinha; riscos sade do homem; entrave s atividades marinhas, entre elas a pesca e outras utilizaes legtimas do mar; e alteraes na qualidade da gua do mar no que se refere sua utilizao ou deteriorao dos locais de recreio (TOMMASI, 2008, p. 160).
A poluio do mar pode ter diferentes origens, tais como: fontes naturais, poluio
atmosfrica, produo costeira, resduos municipais, industriais e vazamentos, e transporte
martimo (GRIMONI et al, 2004).
As quantidades provveis destas fontes no ambiente marinho podem ser observadas na
tabela abaixo (Tabela 1).
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Tabela 1 - Fontes de hidrocarbonetos de petrleo no ambiente marinho.
FONTE QUANTIDADE PROVVEL (em milhes de toneladas por ano) Fontes naturais 0,025 a 2,5 Poluio atmosfrica 0,05 a 0,5 Produo costeira 0,04 a 0,06 Resduos municipais, industriais e vazamentos 0,585 a 3,21 Transporte marinho 1,00 a 2,60 TOTAL 1,7 a 8,8
Fonte: GRIMONI et al (2004).
O petrleo, no obstante a sua importncia, por constituir-se ainda a principal fonte de
energia, parte importante nesse processo, por ser uma substncia potencialmente poluidora
(GOMES et al, 2006). Os efeitos indesejados das atividades relacionadas ao petrleo recaem
sobre o meio ambiente aqutico/marinho, a ela submetido, e a qualidade de vida.
Cerca de metade do petrleo consumido hoje no mundo transportada pelo mar. Por
isso, so frequentes os derramamentos de petrleo. A poluio causada por esses
derramamentos nos mares muito visvel e causa srios danos fauna e flora marinhas e s
populaes costeiras localizadas prximas s reas onde ocorrem (GRIMONI et al, 2004).
Com efeito, os derramamentos repercutem grandemente sobre os oceanos e localidades
costeiras.
Afirma Tommasi (2008) que os extratos solveis na gua so txicos para os
organismos marinhos e que o recobrimento de animais e algas pelo petrleo txico e mortal
para os organismos atingidos. Alm disso, na gua do mar os componentes do petrleo sofrem
vrios processos (como evaporao, ao de microorganismos naturais e espalhamento) que
ocasionam a formao de piche nas areias das praias, composto basicamente por
hidrocarbonetos mais pesados.
Informam Aleixo et al (2007) que os derramamentos de petrleo relacionados a
atividades de transporte tiveram, nas ltimas dcadas, reduo significativa em termos
quantitativos: estimativas de 1981 apontavam que 3,2 milhes de toneladas de leo entravam
no ambiente marinho anualmente, sendo 46% deste total devido a essas atividades, enquanto
que em 1990 esse valor foi de 2,35 milhes de toneladas. Entre 1980 e 1990, os
derramamentos de petrleo nos mares devido ao transporte foram reduzidos em mais de dois
teros (GRIMONI et al, 2004). No obstante, continuam ocorrendo e quando isso acontece
continuam atingindo grandes reas martimas e causando prejuzos s vezes irreparveis no
curto ou mdio prazo (GRIMONI et al, 2004).
29
Cerca de 600 mil toneladas de petrleo so despejadas no mar anualmente em
decorrncia de operaes normais de transporte martimo, descargas ilegais e acidentes
(ARAJO, 2006).
Esses eventos so causadores de contaminao e consequente poluio. Mas, a poluio
crnica das operaes rotineiras dos petroleiros (cujo volume de carregamento aumentado a
cada ano em funo da reduo de custos) - perturbaes persistentes e continuadas
provocando efeitos pronunciados e prolongados nas comunidades biolgicas - representa
perigo maior do que a poluio aguda dos acidentes - que ocorre repentina e isoladamente, em
curto espao de tempo (MONTEIRO, 2003).
Observa-se que as atividades porturias em geral so fontes poluentes da gua do mar.
Alm do derramamento de leo, produtos qumicos e cargas perigosas, relacionam-se aos
resduos dos navios que circulam pelos portos (responsveis pela liberao de pinturas anti-
incrustantes e transferncia de organismos indesejados principalmente atravs da gua de
lastro); s operaes de rotina (como a dragagem do canal de acesso, operao de
equipamentos e docagens dos navios); e descarte de lixo e esgoto sanitrio (MOURA &
VIEIRA, 2010).
Outras formas de agresso ao ambiente marinho so tambm causadas por atividades
relacionadas com o petrleo, nomeadamente as atividades de explorao e produo, muito
embora no representem a principal ameaa biodiversidade (TEIXEIRA, 2008).
Segundo Calixto (apud MOURA & VIEIRA, 2010), a poluio do mar tem trs origens
fundamentais: atividades baseadas em terra; atividades martimas; e aquelas relacionadas com
a explorao offshore de leo e gs.
E, apesar da percepo generalizada de que o transporte de petrleo a atividade
responsvel pelos maiores impactos sobre o ambiente marinho, numa escala percentual
comparativa entre fontes de poluio do mar, ele corresponde a 12% dos impactos, conforme
grfico abaixo (MOURA & VIEIRA, 2010).
A Figura 6 confirma a literatura (ARAJO, 2006; TEIXEIRA, 2008; CALIXTO, apud
MOURA & VIEIRA, 2010), pois evidencia que as atividades terrestres correspondem a 44%
da poluio marinha, sendo a principal fonte de
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