Laurent de Lima Custódio
FRAUDE À EXECUÇÃO NA JUSTIÇA DO TRABALHO
SOLUÇÕES E DEFESAS
CENTRO UNIVERSITÁRIO UNITOLEDO
ARAÇATUBA
2018
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Laurent de Lima Custódio
FRAUDE À EXECUÇÃO NA JUSTIÇA DO TRABALHO
SOLUÇÕES E DEFESAS
Monografia apresentada à Banca Examinadora do
Centro Universitário Toledo, a qual se designa à
obtenção de grau do curso de Bacharel em Direito, sob a
orientação do Professor e Doutor Luiz Gustavo Boiam
Pancotti.
CENTRO UNIVERSITÁRIO UNITOLEDO
ARAÇATUBA
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2018
Banca Examinadora
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AGRADECIMENTOS
Agradeço ao meu Senhor, pois é minha força e meu escudo; nele meu coração confia, e dele
recebo ajuda.
Aos meus pais, Jair e Célia, pelo amor dedicado, sempre e acima de tudo, e pelo incentivo aos
estudos.
Agradeço à minha esposa, Jéssica, por todo amor, companheirismo e compreensão pelos
momentos que me dediquei aos estudos e, principalmente, a essa monografia.
Por fim, agradeço ao meu orientador, o Professor e Doutor Luiz Gustavo Boiam Pancotti, pela
confiança em mim depositada, e aos demais professores, pela sua paciência e disposição de
tempo.
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RESUMO
O presente trabalho objetiva orientar o operador do direito, preferencialmente no
âmbito da Justiça do Trabalho, acerca de um tema de grande repercussão prática, prevenindo-
o de fraudes que impeçam a materialização da pretensão do credor em um momento
culminante do processo, qual seja a execução. Destarte, a fim de que esses operadores não
sofram imensa dificuldade em solucionar tais problemas e, por conseguinte, permitam que
seus clientes suportem uma prestação jurisdicional favorável porém frustrada, esta pesquisa
vislumbra elementos identificadores da fraude à execução, e apresenta ferramentas que
possibilite prevenir ou, até mesmo, resolver o supracitado obste, tema deste artigo. Afinal, a
prestação jurisdicional seria inócua se o Estado não pudesse entregar ao vencedor o que, pela
sua chancela, alcançou por direito.
Palavras-chave: Fraude à execução. Execução trabalhista. Materialização da prestação
jurisdicional. Efetivação da prestação jurisdicional.
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ABSTRACT
This work aims to guide the operator of the law, preferably within the scope of Labor
Justice, on a topic of great practical repercussion, preventing it from frauds that impede the
materialization of the claim of the creditor in a culminating moment of the process, execution.
In order to ensure that these operators do not suffer immense difficulty in solving such
problems and therefore allow their clients to support a favorable but frustrated legal provision,
this research identifies elements that identify execution fraud and presents tools that prevent
or , even, solve the aforementioned obste, theme of this article. After all, the jurisdictional
provision would be innocuous if the State could not deliver to the winner what, by its seal,
reached by right.
Keywords: Execution fraud. Labor execution. Materialization of the judicial service.
Effect of the jurisdictional provision.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................... 9
I. EXECUÇÃO TRABALHISTA ......................................................................................................... 11
1.1. Do conceito de execução trabalhista .................................................................................... 11
1.2. Princípio da responsabilidade patrimonial ........................................................................... 13
1.3. Do dever das partes de boa-fé processual ............................................................................ 15
1.4. Da litigância de má-fé no processo do trabalho ................................................................... 17
II. FRAUDES À RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL ....................................................................... 19
2.1. Breves comentários ............................................................................................................... 19
2.2. Espécies de fraude ................................................................................................................ 20
2.2.1. Fraude contra credores e Fraude à execução ............................................................... 20
2.2.2. Alienação de bem constrito .......................................................................................... 23
III. FRAUDE À EXECUÇÃO............................................................................................................. 24
3.1. Do marco inicial e a evolução histórica da fraude à execução no direito brasileiro ............. 27
3.2. Aplicabilidade da fraude à execução do CPC na Justiça do Trabalho, segundo a nova
legislação processual e a Instrução Normativa 39 do TST ................................................................ 31
3.3. Hipóteses legais ..................................................................................................................... 38
3.3.1. Quando sobre o bem pender ação fundada em direito real ou com pretensão
reipersecutória, desde que a pendência do processo tenha sido averbada no respectivo registro
(art. 792, I) ..................................................................................................................................... 38
3.3.2. Quando tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do processo de
execução, na forma do art. 828 (art. 792, II) ................................................................................. 40
3.3.3. Quando tiver sido averbado, no registro do bem, hipoteca judiciária ou outro ato de
constrição judicial originário do processo onde for arguida a fraude (art. 792, III)...................... 41
3.3.4. Quando, ao tempo da alienação ou da oneração, tramitava contra o devedor ação
capaz de reduzi-lo à insolvência (art. 792, IV) ............................................................................... 44
3.3.5. Nos demais casos expressos em lei (art. 792, V) ........................................................... 51
3.3.6. Quando o sócio da empresa alienar bem particular antes da desconsideração da
personalidade jurídica da empresa (art. 792, § 3º)....................................................................... 52
3.3.7. Quando há apenas compromisso de compra e venda não registrado na matrícula do
imóvel 54
3.3.8. Fraude à execução em relações familiares: renúncia à herança e partilha de bens entre
casais divorciados (doações para parentes ou renúncia a eventuais direitos decorrentes de
herança) 55
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3.3.9. Alienações sucessivas do imóvel a terceiros mediatos (terceiros que adquiriram o bem
de um vendedor – terceiro imediato – que, anteriormente, havia adquirido o bem do
devedor/executado) ...................................................................................................................... 56
3.4. Reflexos práticos ................................................................................................................... 58
IV. DEFESAS E SOLUÇÕES -SISTEMAS E TÉCNICAS DE PREVENÇÃO E DE REMOÇÃO DO ILÍCITO
(FRAUDE À RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL) .......................................................................... 65
4.1. Averbação premonitória ....................................................................................................... 66
4.2. Tutela preventiva .................................................................................................................. 68
4.3. Técnicas de remoção do ilícito .............................................................................................. 69
4.3.1. Tutela de remoção do ilícito antes do ajuizamento da demanda condenatória – ação
pauliana 69
4.5. Sistemas eletrônicos ............................................................................................................. 71
4.5.1. BACENJUD ..................................................................................................................... 71
4.5.2. INFOJUD ........................................................................................................................ 73
4.5.3. RENAJUD........................................................................................................................ 74
4.6. Medidas executivas atípicas (art. 139, IV, CPC/2015) ........................................................... 75
4.7. Hipoteca judiciária do art. 495 da lei 13.105/2015 ............................................................... 78
4.8. Busca de escritura pública em tabelionatos (bens imóveis) ................................................. 80
CONCLUSÃO ............................................................................................................................... 81
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INTRODUÇÃO
Embora na Justiça do Trabalho a fase de cognição seja extremamente célere, tanto em
primeira instância quanto em segunda, o mesmo não se pode dizer da fase de execução, que é,
na prática, a fase mais tempestuosa e negligenciada pelos operadores do direito e seus
clientes, que buscam a efetividade da prestação jurisdicional e atuam sob a presunção de
lealdade entre os sujeitos processuais.
Segundo Relatório Geral da Justiça do Trabalho do ano de 2016, enquanto a fase de
conhecimento tem duração média de 6 meses e 15 dias, a fase de execução desdobra-se por
um período médio de 2 anos e 8 meses. Por esse motivo, as execuções pendentes de anos
anteriores somam às iniciadas a cada ano, totalizando 2.981.156 processos em 2016, dos quais
só 661.850 foram encerrados.
Um número alarmante, haja vista que em mais de 70% dos processos, o credor
trabalhista, vitorioso na fase cognitiva e expectante do crédito de natureza alimentar, não
recebe o que lhe assiste de fato e de direito, porquanto, consoante os dados supracitados, obter
em seu favor uma sentença definitiva não lhe assegura nenhuma satisfação, ou seja, não
garante uma execução efetiva na Justiça do Trabalho, e o resultado lembra o famoso jargão
popular “ganha, mas não leva”.
Destarte, não é incomum encontrar advogados e empregados frustrados, embora
possuam um título executivo judicial e extrajudicial favorável em mãos. A situação se dá em
razão da impossibilidade de alcançar o patrimônio da empresa ou dos sócios devedores, seja
porque a empresa faliu, não existe, é “laranja” – situação corriqueira em grupos econômicos –
ou o patrimônio desta ou dos sócios está em nome de terceiros, cenário este que, no Brasil, é
comum e vem tomando, cada vez mais, espaço.
Assim, a fim de pelejar em favor da efetiva execução do processo trabalhista, a
pesquisa ora apresentada traz à baila a análise da grande mordaça do título executivo judicial
e extrajudicial e um dos mais expressivos motivos da morosidade na fase de execução: a
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fraude à execução. Destarte, é possível antever ou identificar a mácula processual e empregar
instrumentos ou recursos capazes de prevenir ou desfazer os atos astutos do devedor.
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I. EXECUÇÃO TRABALHISTA
1.1. Do conceito de execução trabalhista
Há inúmeros autores que discorrem sobre o conceito de execução trabalhista. Contudo,
todos partem de um princípio basilar de que a execução é a atividade de natureza jurisdicional
(ato estatal) responsável, em tese, por levar a efeito, coercitivamente, o resultado de um ato
juridicamente reconhecido, certificador de um direito (como, por exemplo, uma sentença,
título judicial). Outrossim, para PINTO (2006, p. 23):
Executar é, no sentido comum, realizar, cumprir, levar a efeito. No sentido jurídico,
a palavra assume significado mais apurado, embora conservando a ideia básica de
que, uma vez nascida, por ajuste entre particulares ou por imposição sentencial do
órgão próprio do Estado, a obrigação deve ser cumprida, atingindo-se no último
caso, concretamente, o comando da sentença que a reconheceu ou, no primeiro caso,
o fim para o qual se criou.
No âmbito trabalhista, a atividade jurisdicional, nas palavras de SCHIAVI (2017, p.
26), não é tratada de forma diferente:
[...] a execução trabalhista consiste num conjunto de atos praticados pela Justiça do
Trabalho, mediante regular processo, destinado à satisfação de uma obrigação
consagrada num título executivo judicial ou extrajudicial, da competência da Justiça
do Trabalho, não voluntariamente satisfeita pelo devedor, contra a vontade deste
último.
Ademais, seria inócuo deixar de mencionar que a referida fase processual é dotada de
natureza coercitiva. A execução é, em sua essência, coercitiva e imperativa, uma vez que é
atividade jurisdicional do Estado, desenvolvida por órgão estatal competente, seja de ofício ou
mediante requerimento da parte interessada, a fim de compelir o devedor obrigado a cumprir
com o disposto em título executivo judicial (sentença condenatória transitada em julgado ou
acordo judicial) ou extrajudicial, consoante previsto em lei.
Na prática, após o credor não lograr êxito ao aguardar pacientemente o cumprimento
voluntário do débito assumido pelo devedor, recorre a respectiva atividade jurisdicional, a fim
de alcançar os mesmos efeitos que evidentemente seriam produzidos caso o sujeito passivo da
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relação obrigacional tivesse cumprido voluntariamente com essa obrigação, com a diferença
de que o fim colimado foi, em tese, obtido por intermédio de uma imposição estatal, portanto
forçada, e não de maneira espontânea, pelo obrigado.
Outro aspecto importante da execução é que sem ela o direito não se materializaria.
Isso porque todo o esforço dispendido no transcorrer da fase de cognição, ou em outros meios
de reconhecimento do direito, não adiantariam de nada se este não pudesse ser entregue a
parte vitoriosa, a quem de fato pertence. Por esse motivo, a execução tem papel fundamental
quando a parte, através do título judicial ou extrajudicial, tem seu direito reconhecido.
Nesse sentido, contudo de maneira pormenorizada, mas cabal, preleciona CÂMARA,
(2016, p. 317):
Execução é a atividade processual de transformação da realidade prática. Trata-se de
uma atividade de natureza jurisdicional, destinada a fazer com que aquilo que deve
ser, seja. Dito de outro modo: havendo algum ato certificador de um direito (como
uma sentença, ou algum ato cuja eficácia lhe seja equiparada), a atividade processual
destinada a transformar em realidade prática aquele direito, satisfazendo seu titular,
chama-se execução.
Ressalta-se que a execução se processa mediante processo contencioso, garantidos,
obviamente, o princípio do devido processo legal e o contraditório pelo executado. Isso se
deve porque o devedor, embora não tenha cumprido voluntariamente com a obrigação
consagrada no título, que por si só possui força executiva, tem direitos e garantias
constitucionais que devem ser respeitados. Entretanto, o respeito a esses princípios
fundamentais não devem servir de óbice aos atos da execução, que possuem o objetivo
precípuo de entregar o bem da vida pretendido ao exequente
No âmbito da Justiça do Trabalho, o tema execução é tratado nos artigos 876 a 892 das
Consolidações das Leis Trabalhistas – aplicando-se o Código de Processo Civil de 2015 (arts.
771 e seguintes) tão somente de maneira subsidiária, contanto que não viole os princípios da
legislação trabalhista –, e tem como objetivo cumprir com o comando estabelecido em títulos
judiciais e extrajudiciais que são da competência material da Justiça do Trabalho.
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1.2. Princípio da responsabilidade patrimonial
Antes de adentrarmos ao conceito de responsabilidade patrimonial, é necessário
discorrer acerca do que seja patrimônio. Assim, patrimônio é o conjunto de bens, móveis ou
imóveis, créditos e outros direitos pertencente a uma pessoa, que tenham conteúdo pecuniário
e sejam disponíveis, não compreendendo, pois, todos aqueles que não possuem valor
econômico e que sejam impenhoráveis por determinação legal.
Através do conceito de patrimônio, é possível traçar a lógica de que sendo o débito um
dever para o devedor, para o patrimônio será ele uma responsabilidade, que, quando paira
sobre o conjunto de bens do devedor, perpetua atos que culminem na chamada expropriação
executiva.
Como será mencionado nesta presente monografia, a legislação romana e germânica,
inspiradoras das mais diversas legislações, inclusive a brasileira, traziam em seu bojo a
referida responsabilidade. Contudo, para os romanos e germânicos ela era de cunho pessoal –
também denominada de corporal –, sujeitando a pessoa do devedor às sanções pelo
descumprimento de obrigações por ele assumidas.
Todavia, em decorrência da evolução histórica, que será melhor analisada em capítulo
próprio, e surgimento de direitos e garantias fundamentais, como, por exemplo, o princípio da
dignidade humana, incontestável foi a necessidade de substituição do objeto da execução, de
pessoal para patrimonial, sobrevindo o que, hoje, denomina-se de responsabilidade
patrimonial.
Na legislação brasileira, a execução, mesmo com o advento do CPC/2015, continua
sendo de caráter patrimonial, atingindo os bens do devedor (artigo 789, CPC). Somente
quando o texto constitucional admitir, a execução poderá ser de natureza pessoal, ou seja,
incidirá na pessoa do devedor, privando-o da liberdade (é o caso, por exemplo, da única
ressalva do artigo 5º, inciso LXVII, da Constituição Federal, qual seja: a prisão civil por
inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia, uma vez que houve
revogação tácita do depositário infiel).
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A referida prisão, diferentemente daquelas previstas no âmbito penal, possui natureza
civil e tem como objetivo forçar o devedor de prestação alimentícia a cumpri-la, dispositivo,
inclusive, muito semelhante às previstas nas Ordenações Filipinas portuguesas, que imputava
a respectiva sanção àqueles que alienavam ou oneravam bens, sujeitos à execução,
fraudulosamente.
Já no âmbito trabalhista, a hipótese de prisão até fora uma opção do legislador. O
anteprojeto do Código de Processo do Trabalho (publicação: 1963), elaborado por Mozart
Victor Russomano, previa, em seu artigo 662, sem prejuízo da cobrança em dobro do valor
devido, a responsabilidade pessoal (prisão) “pelo prazo de três a sete dias, nos casos de dívida
salarial, de natureza alimentar, para o devedor não comerciante que não pagasse nem
garantisse a execução” (RUSSOMANO, 1963. p. 92).
Entretanto, ainda que o anteprojeto fosse aprovado, a jurisprudência não permitiria a
prisão do devedor de verba alimentar de natureza trabalhista, porquanto equipara essa espécie
de prisão à figura do devedor comum, segundo o qual, conforme preceitua o próprio Texto
Constitucional de 1988, não será sujeito a prisão civil (art. 5º, LXVII, da CF/88). Outrossim,
atua CPC/2015, de aplicação subsidiária à legislação trabalhista, dispõe que “o devedor
responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e
futuros”, nada mencionando acerca da prisão civil para essa espécie de devedor.
Além disso, argumenta a doutrina que a possibilidade da prisão do devedor trabalhista
de verba alimentar carece de lei específica disciplinando seus requisitos e condições,
violando-se, assim, o princípio da reserva legal, entendimento esse, inclusive, corroborado por
SCHIAVI (2017, p. 40). Nas palavras do autor:
Embora se possa concluir, por critérios de hermenêutica constitucional, que até seja
justificável em alguns casos ao Juiz do Trabalho decretar a prisão do devedor
trabalhista inadimplente de verbas de índole alimentar, há necessidade de legislação
própria que detalhe as condições e o prazo de tal prisão. Por isso, pensamos, por
enquanto, que não é possível a prisão do devedor de dívida trabalhista de natureza
alimentar (SCHIAVI, 2017, p. 40).
Portanto, o que se nota, até mesmo em razão de fundamento constitucional, é uma
predileção da jurisprudência, doutrina e legislação pela sujeitabilidade do patrimônio do
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devedor, e não de sua pessoa, às medidas executórias (responsabilidade patrimonial), uma vez
que refutaram a proposta de prisão no caso de inadimplemento de créditos trabalhistas e,
sobrepujando, subtraíram, tacitamente, uma das pouquíssimas hipóteses trazidas pela Carta
Maior – qual seja a prisão do depositário infiel (Súmula Vinculante 25/STF).
1.3. Do dever das partes de boa-fé processual
Não se pode olvidar que as partes, juízes e procuradores devem atuar com boa-fé
processual. O processo não é instrumento para se levar vantagem ou um jogo de estratégias
em que vencerá o mais dotado de astúcia. Os atores principais, quais sejam autores, réus e
seus respectivos procuradores, devem se pautar acima de tudo pela ética e honestidade,
principalmente, dentro do processo.
É evidente que a compreensão desse princípio processual não se dá tão somente com a
leitura de livros, artigos, teses etc. Contudo, o presente trabalho não poderia deixar de trazer,
pelo menos, noções sobre o tema e questionamentos que provoquem, nos operadores do
direito, reflexões, afinal tentar esgotar o assunto seria prolixo e pouco produtivo, nesta
pesquisa. Destarte, passemos ao que se pretendeu, com o seguinte questionamento: o que é
boa-fé?
Embora a boa-fé, principalmente no âmbito jurídico, seja extremamente subjetivo e
conceituá-la seja uma tarefa árdua para os operadores do direito, algumas doutrinas e
vocabulários jurídicos arriscam-se, tentando definir o comportamento como “[...] intenção
pura, isenta de dolo ou engano, com que a pessoa realiza o negócio ou executa o ato, certa de
que está agindo na conformidade do direito, consequentemente protegida pelos preceitos
legais” (DE PLÁCIDO E SILVA, 2013, p. 225).
Sobre a boa-fé, também é substancial dizer que deve ser tratada como um
comportamento a ser observado por qualquer indivíduo em relação a um todo, a sociedade em
que ele vive. Atuar com boa-fé é o mesmo que atuar com lealdade, conduta honesta, ética
segundo os padrões de conduta aceitos pela sociedade. É agir com seriedade.
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A boa-fé não é uma norma, nem se limita a uma ou mais obrigações, mas é um
princípio jurídico fundamental, isto é, algo que devemos admitir como premissa de todo o
ordenamento jurídico. Esse princípio é aplicável tanto na esfera do direito material quanto na
esfera processual, e precisa ser invocado sempre como meio confiável e ético para obter
créditos, principalmente indispensáveis à sobrevivência das partes hipossuficientes de uma
relação de trabalho, resolvendo-se assim as lides trabalhistas.
A boa-fé tem tamanha relevância no Direito, que em diversas legislações o princípio
está inclusive expresso. É o caso, por exemplo, do Código Civil, que impõe às partes a
observância desse princípio, em seu artigo 422, quando da conclusão e execução dos contratos
em geral: “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em
sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.
É claro que, para o direito, a boa-fé não é uma convicção íntima e particular, às vezes
falsa, sobre o que é certo ou errado, uma crença interna, um estado psicológico maculado ou
não pela ignorância do agente (boa-fé subjetiva), mas um comportamento esperado das partes,
independentemente de seu estado anímico, respalda em um conjunto de valores morais de
toda uma sociedade, responsáveis por alicerçarem o nosso ordenamento jurídico. Nesse
sentido, DINIZ (2014, p. 418):
A boa-fé subjetivo é atinente ao fato de se desconhecer algum vício do negócio
jurídico. E a boa-fé objetiva, prevista no artigo sub examine, é alusiva a um padrão
comportamental a ser seguido baseado na lealdade e na probidade (integridade de
caráter), proibindo o comportamento contraditório, impedindo o exercício abusivo
de direito por parte dos contratantes, no cumprimento não só da obrigação principal,
mas também das acessórias, inclusive do dever de informar, de colaborar e de
atuação diligente.
Mas, e a boa-fé sob o aspecto processual? Nas palavras de MITIDIERO (2007 apud
SCHIAVI, 2017, p. 122):
A força normativa da boa-fé no processo civil no seu aspecto ideológico pode ser
sentida a partir de quatro grupos de casos: a) a proibição de criar dolosamente
posições processuais; b) a proibição do venire contra factum propriam; c) a
proibição de abuso dos poderes processuais; e d) a supressão (perda de poderes
processuais em razão do seu não exercício por tempo suficiente para incutir no outro
sujeito a confiança legítima de que esse poder não será mais exercido).
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Portanto, na esfera processual, atuar com boa-fé objetiva é portar-se baseados na
confiança e no respeito, imprimindo na alma da outra parte o mesmo comportamento, sem
que o interesse de qualquer delas desdenhe ou exceda direitos e deveres estabelecidos na
ordem jurídica para ambas, sem que se obtenha vantagem descomunal, desmesurada em
relação ao direito extraviado da outra ou sem que o lesante suporte desvantagem desmedida, a
ponto de transmudar para a condição a quo daquele que alcançou o seu direito.
1.4. Da litigância de má-fé no processo do trabalho
Não houve mudanças significativas com o advento do CPC/2015 no que tange a
litigância de má-fé (conduta que viola os princípios da lealdade e boa-fé processual e atenta
contra a dignidade e seriedade da relação jurídico processual), principalmente ao que se refere
às hipóteses legais previstas no art. 80 da referida legislação processual (antigo art. 17,
CPC/73).
Isso porque, na realidade forense, a prova do inescrupuloso comportamento é de difícil
comprovação diante dos limites de atuação do Poder Judiciário (prazos para cumprir,
tumultuado número de demandas, garantias constitucionais a serem observadas etc.) e o
surgimento dos mais diversificados artifícios para ludibriar o ordenamento jurídico e os
operadores do direito.
Como, por exemplo, no âmbito trabalhista, tanto por parte do reclamante como do
reclamado – já que a finalidade é resguardar a dignidade do processo –, são muito comuns
casos em que o empregador se recusa a receber intimações via postal, com Aviso de
Recebimento, caso típico esse de resistência injustificada ao bom andamento do processo e
litigância de má-fé.
Ademais, o legislador, talvez, um tanto relapso, optou e persistiu na utilização de
medidas sancionatórias moderadas – como a cobrança de multa, de indenização em perdas e
danos, imposição dos honorários advocatícios da parte contrária etc. – a amordaçar e punir
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rigorosamente tais comportamentos, porquanto, quiçá, entendeu serem grandes os riscos de
violar garantias processuais significativas, como o direito de ação e o direito ao contraditório
e à ampla defesa, previstos no artigo 5º, incisos, da CF/88. Trata-se, pois, de obter um
equilíbrio processual, em detrimento de definitivamente erradicar a macula processual.
Destarte, ressalta-se as únicas diferenças imposta pelo legislador de 1973 em relação a
atual legislação: a majoração da multa, que antes não podia ultrapassar 1% do valor da causa,
agora, porém, respeita os limites mínimo de 1% e máximo de 10%, do respectivo valor (art.
81). Também, no que tange à indenização por perdas e danos, que enfrentava limitação legal
no importe de até 20% com antigo código, e não foi reproduzida no atual.
Assim, tais sanções, pouco intensificadas com o advento atual legislação processual,
mostram-se insuficientes nos dias de hoje, uma vez que, por serem tão brandas, prefere o
devedor fraudador correr riscos de suportá-las em vez de submeter-se às determinações
estabelecidas em título judicial ou extrajudicial.
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II. FRAUDES À RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL
2.1. Breves comentários
Há uma imensidão de fraudes identificadas pela Justiça do Trabalho e advogados
trabalhistas, sendo a mais comum delas a transferência gratuita ou onerosa de bens a terceiros.
São frequentes as situações em que o sócio da empresa, réu em ação trabalhista, transfere seus
bens a familiares ou a conhecidos próximos, que, inclusive, não detém renda para a
manutenção da coisa. Nesses casos, o próprio juiz poderá anular o acordo patrimonial,
fazendo com que a coisa alienada ou disposta gratuitamente volte ao complexo de bens do
devedor. Esses atos judiciais conseguem, através daquilo que se apura no campo fático,
alcançar terceiros adquirentes, que em conluio com o devedor, atuaram de má-fé.
Também, comumente é possível identificar outras formas de fraudes à execução, como
a remessa de dinheiros ao exterior, arrematações fraudulentas em leilões judiciais, quando o
devedor, por intermédio de laranjas, tenta adquirir seus próprios bens, a um valor mais baixo,
transferência de bens às empresas do grupo econômico, criação de holdings patrimoniais,
separação matrimonial e alteração do regime de bens seguida ou precedida de transferência de
bens ao (ex)cônjuge, entre outras.
Contudo, existem institutos jurídicos que visam compelir ou amenizar as
consequências provenientes das fraudes à responsabilidade patrimonial. Esses atos ardilosos,
cujo intuito é lesar ou ludibriar aquele que na qualidade de credor persegue seu direito, acaba
por comprometer a função do Estado de dirimir e resolver conflitos que surgem no seu âmbito
de atuação. Por esse motivo, comportamentos desse tipo devem ser investigados, inquiridos e
eliminados, para que a máquina estatal exerça com excelência o contrato social com o qual se
comprometeu, e o credor atue sem qualquer receio, logrando, inclusive, êxito em processos
judiciais.
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Assim, passemos aos institutos já regulamentados em nosso ordenamento jurídico.
2.2. Espécies de fraude
2.2.1. Fraude contra credores e Fraude à execução
Embora sejam semelhantes, fraudes contra credores e à execução, institutos mal
compreendidos pelos operadores do direito, não se confundem. Primeiramente, porque
dispostos em segmentos distintos do Direito: enquanto a fraude contra credores é um instituto
de direito material, estudado no Código Civil, incluído em Capítulo próprio (DOS DEFEITOS
DO NEGÓCIO JURÍDICO), a fraude à execução é um instituto processual, estudado no
Código de Processo Civil. Feitas essas primeiras considerações, a natureza e as consequências
dos institutos passam a ser melhores compreendidas.
A fraude contra credores é um vício que atinge a ordem social, comprometendo a
lisura das relações jurídicas, causando caos e insegurança. Isso porque sua consequência é a
anulação de transmissões, gratuitas ou onerosas, de bens e de remissões de dívidas. O
devedor, com a intenção de prejudicar terceiros, reduz-se à insolvência, para desvencilhar-se
de sua obrigação, sem abrir mão de seu direto. Por outro lado, a fraude à execução,
proveniente do segmento processual, consiste em ato atentatória à dignidade da justiça,
porquanto reconhecida dentro do próprio processo, de forma incidental, seja na fase de
conhecimento ou de execução.
O devedor que, maliciosamente, utiliza-se de meios ardilosos, realizando negócio com
a intenção de dispor, gratuita (remissão ou perdão de dívidas ou doação pura) ou
onerosamente (compra e venda e permuta) de seus bens, reduzindo sua condição a de
insolvente ou na iminência dessa, com o objetivo de obstar, ou até mesmo suprimir, o
exercício de um direito de crédito juridicamente reconhecido, incorre em fraude contra
credores.
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Contudo, para que reste configurado a presente fraude, dois elementos devem ser
demonstrados: o objetivo (eventus damni) que é o dano ou prejuízo causado ao credor
quirografário pela insolvabilidade do devedor, isto é, o esgotamento de seu patrimônio, e o
subjetivo (consilium fraudis), que é a má-fé, ou seja, a intenção de lesar ou frustrar a
pretensão do credor, ilidindo os efeitos da cobrança.
Nesse sentido, destaca NERY JÚNIOR (2007, p. 1.000) que a fraude contra credores
[...] ocorre quando houver ato de liberalidade, alienação ou oneração de bens ou
direitos, capaz de levar o devedor à insolvência, desde que: a) o credor seja
quirografário; b) o crédito seja anterior ao ato de alienação ou oneração
(anterioridade do crédito); c) tenha havido dano ao direito do credor (eventus
damni); d) que a alienação ou oneração tenha levado o devedor à insolvência.
Fato é que, preenchidos os requisitos subjetivo e objetivo, ou tão somente o objetivo
(insolvência) quando se tratar de disposição gratuita ou remissão, a anulação (nulidade
relativa) só será possível com a propositura de uma ação, denominada de ação revocatória ou
ação pauliana, não podendo o juiz pronunciá-la incidentalmente (Súmula nº. 195/STJ). É esse
inclusive o entendimento da doutrina ao mencionar que “[...] não é admissível a discussão da
fraude a credores em sede de embargos de terceiro, porque sem desconstituir a eficácia
secundária do negócio, ele é (ao menos provisoriamente) eficaz apesar da fraude”
(DINAMARCO, 1.998, p. 265).
Ademais, segundo o caput e parágrafos do artigo 158 do Código Civil, o credor, como
dito no parágrafo anterior, poderá ajuizar a ação pauliana, independentemente se o devedor
ignorava a sua condição de insolvência ao tempo da transmissão gratuita do bem ou da
remissão da dívida (ausência de elemento subjetivo), desde que o faça dentro do prazo
decadencial de quatro anos, contados da celebração do negócio jurídico:
Art. 158. Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, se os
praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando o
ignore, poderão ser anulados pelos credores quirografários, como lesivos dos seus
direitos. § 1o Igual direito assiste aos credores cuja garantia se tornar insuficiente. §
2o Só os credores que já o eram ao tempo daqueles atos podem pleitear a anulação
deles (BRASIL, 2002).
Do outro lado, entendido como um instituto assemelhado a fraude contra credores –
uma vez que ambas têm por objeto a proteção do credor contra atos do devedor que visam a
tornar ineficaz o pagamento da dívida – existe a fraude à execução, que, a propósito, possui
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dessemelhanças numerosas quando comparadas ao primeiro, embora a finalidade precípua de
ambas, como discorrido, seja aparentemente similar.
A fraude à execução – diferentemente da fraude contra credores, que é um instituto de
natureza civil, espécie dos defeitos dos negócios jurídicos, prejudicial aos interesses
particulares – é instituto de natureza processual e considerado ato atentatório à dignidade da
justiça (art. 774, I, CPC/2015), motivo pelo qual, inclusive, é tipificado no Código Penal,
artigo 179, como crime contra a justiça, Além disso, enquanto na fraude contra credores esse
particular prejudicado é chamado “credor”, na fraude à execução, o principal lesado é o
Estado e, reflexamente, o exequente.
Outrossim, enquanto na fraude contra credores, é indispensável a propositura de uma
ação autônoma (ação pauliana ou revocatória), para a anulação do negócio jurídico, ficando o
credor incumbido de comprovar nos autos o eventus damni (insolvência) e o consilium fraudis
(intenção do devedor e do adquirente de fraudar o negócio jurídico e lesionar o credor), na
fraude à execução, pode ser arguida por mera petição simples – tendo em vista que já presente
uma ação em trâmite – em qualquer fase processual (cognição ou execução), bastando, na
maioria dos casos, tão somente a demonstração do requisito objetivo (eventus damni).
Por fim, a última distinção está nas consequências de cada instituto. Enquanto na
fraude à execução o negócio jurídico é ineficaz em relação ao credor demandante – gerando
pleno efeito entre o alienante e o adquirente (negócio jurídico existente, válido e eficaz) –, na
fraude contra credores, o ato é inválido (anulável). Logo, presente e reconhecida pelo juiz a
primeira e aludida manobra (fraude à execução), o bem permanecerá na esfera patrimonial do
adquirente – que ingressará no processo como assistente litisconsorcial do devedor
demandado –, embora cativo de eventual penhora em favor do credor demandante,
salientando-se que, quitada a dívida e remanescendo qualquer quantia, ao adquirente será
restituída.
Note-se, então, que na fraude à execução, há uma responsabilidade do adquirente, sem
que esse, contudo, tenha contraído qualquer débito (“haftung” sem “schuld” ou
responsabilidade sem débito). O objeto alienado ou onerado fraudulentamente continuará
sendo perseguido, ainda que esteja, agora, depois de alienado ou onerado, na esfera
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patrimonial de um terceiro. Contudo, não se pode olvidar que, para os eventuais credores
deste terceiro, o bem jamais deverá servir como resguardo do direito creditório.
Diferentemente, na fraude contra credores, o negócio jurídico celebrado entre o
alienante e o adquirente não perdurará, caso seja reconhecida a mácula e anulado o acordo,
retornando o bem ao seu status quo ante – à esfera patrimonial do devedor demandado –, o
que o sujeita às investidas de outros credores do devedor demandado (anulação com efeitos
erga omnes).
Em suma, corroborado com o entendimento da doutrina majoritária, o objetivo da
fraude à execução não é o desfazimento do negócio jurídico, mas a declaração de sua
ineficácia em favor do credor demandante e do Poder Judiciário.
2.2.2. Alienação de bem constrito
A última e, mais grave das modalidades de transmissão fraudulenta, é a alienação de
bem constrito. Embora carente de previsão legal, essa modalidade de fraude é discorrida pela
doutrina como violação à dignidade da justiça e resistência descabida e improcedente à ordem
jurídica e à segurança social. Essa mesma doutrina conceitua o instituto como a alienação ou
oneração de bem do devedor, objeto de penhora, arresto, sequestro ou qualquer outra
constrição judicial, independentemente se esta prática é capaz de reduzir o responsável à
insolvência ou não.
As consequências são semelhantes à fraude à execução. O instituto torna ineficaz o
negócio jurídico maculado perante o credor e o Poder Judiciário, sem a necessidade de que
seja proposta ação autônoma para o seu reconhecimento. Com o efeito da ineficácia ou bem
retornará ao seu estado quo ante e a responsabilidade patrimonial que, antes, recaía sobre o
bem, restabelecer-se-á.
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III. FRAUDE À EXECUÇÃO
Considerando o nome dado ao instituto, arrisca-se dizer que fraude à execução é ato
responsável por macular a fase executiva, uma vez que na nomenclatura o comportamento
ardil (fraude) ocorre na “execução”, tornando esse momento processual inviável ao fim a que
se destina. No entanto, embora presente essa expressão (execução), grande parte da doutrina
entende que o legislador quis alcançar toda e qualquer ação que possa levar o devedor à
insolvência.
A esse respeito, ainda sob a égide do Código anterior, afirmam WAMBIER,
ALMEIDA e TALAMINI (2015, p. 164) que, “para que haja a fraude à execução, não é
preciso que já esteja em curso a execução: é suficiente que esteja pendente ação de
conhecimento”.
Esse entendimento fica mais evidente quando da análise do inciso IV, do art. 792 do
CPC/2015, que se utiliza da sentença “ação capaz de reduzi-lo à insolvência”, situação esta
última que pode ocorrer em qualquer fase processual. Além disso, a única particularidade
atribuída a ação, no referido dispositivo, é de que ela enseja insolvência para o réu-devedor. A
jurisprudência recente é nesse sentido:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO. ALIENAÇÃO DE IMÓVEIS NO
CURSO DO PROCESSO DE CONHECIMENTO COM PREJUÍZO À
EXECUÇÃO. FRAUDE À EXECUÇÃO. RECONHECIMENTO. FIXAÇÃO
DE MULTA INDEFERIDA SOB O FUNDAMENTO DE QUE A CONSTRIÇÃO
ALMEJADA FOI ALCANÇADA. IMPOSSIBILIDADE. PROBIDADE
PROCESSUAL VIOLADA. CONFIGURAÇÃO DE CONDUTA ATENTATÓRIA
À DIGNIDADE DA JUSTIÇA. INTELIGÊNCIA DO ART. 774, PARÁGRAFO
ÚNICO. DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC/2015). APLICAÇÃO DA
MULTA. RECURSO PROVIDO. [...] (TJSP. AGRAVO DE INSTRUMENTO : AI
2033390-97.2018.8.26.0000. Relator: Adilson de Araújo, DJ: 10/04/2018. JusBrasil,
2018. Disponível em: <https://tj-
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sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/565288112/20333909720188260000-sp-
2033390-9720188260000>. Acesso em: 18 ago. 2018). (grifo nosso)
PROCESSO CIVIL. FRAUDE À EXECUÇÃO. EXIGÊNCIA DE CITAÇÃO
VÁLIDA ANTERIOR À ALIENAÇÃO DO BEM. CIRCUNSTÂNCIA FÁTICA
PECULIAR AO CASO CONCRETO. I - Segundo a jurisprudência desta Corte,
apenas se configura a fraude à execução quando a alienação do bem tenha
ocorrido após a existência da demanda com citação válida. [...] (STJ. RECURSO
ESPECIAL : REsp 1067216 PR 2008/0132800-6. Relator: Ministro Sidnei Beneti.
DJ: 26/05/2009. JusBrasil, 2009. Disponível em:
<https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/6064066/recurso-especial-resp-1067216-
pr-2008-0132800-6>. Acesso em: 20 ago. 2018). (grifo nosso)
Ademais, para a configuração da fraude à execução, a “insolvência não deve decorrer
obrigatoriamente da demanda pendente, mas sim do ato de disposição praticado pelo devedor.
Não importa a natureza da ação em curso (pessoal ou real, de condenação ou de execução)
[...]” (THEODORO JÚNIOR, 2016, p. 231).
Contudo, o maior problema não diz respeito a esse último debate, inclusive já
pacificado pela doutrina, mas ao momento em que se pode considerar que “tramita” ação
ajuizada em face do devedor. Ou seja, a partir de que momento a alienação ou oneração
realizada pelo devedor, no curso da demanda, configuraria fraude à execução? Esse
questionamento é objeto de prolixos debates há décadas, e não foi oportunamente solucionado
com o advento do CPC/2015, que utilizou a expressão “correr demanda”, o que é
semanticamente semelhante a utilizada pelo inciso I do art. 593, CPC/73: “pender ação”.
Diante da persistente omissão legislativa, algumas correntes surgiram a respeito do
respectivo termo inicial da fraude à execução, quais sejam: (a) a partir do ajuizamento da
ação; (b) somente depois da citação; (c) só depois da penhora; ou (d) só depois da penhora
registrada.
No que diz respeito aos dois primeiros posicionamentos, com mais força na doutrina
inclusive, o entrave provém do art. 312 do CPC/2015 (antigo art. 263, CPC/73). De acordo
com a mencionada redação considera “proposta a ação quando a petição inicial for
protocolada”. Porém, a segunda parte do dispositivo legal afirma que, “todavia, a propositura
da ação só produz quanto ao réu os efeitos mencionados no art. 240 depois que for
validamente citado”. Por sua vez, o art. 240 (antigo art. 219) estabelece que apenas a partir da
citação válida a ação produzirá seus efeitos. Assim, a princípio, sob uma análise rasa dos
artigos citados, qualquer alienação de bem realizada antes da citação, em um processo de
conhecimento ou de execução, não configuraria fraude à execução.
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O STJ, em 1997, no julgamento do REsp n. 113.871/DF, de relatoria do ministro
César Asfor Rocha, enfrentou o tema e, diferentemente da interpretação adotada à época,
posicionou-se no sentido de que, “em tese, a fraude à execução pode configurar-se já a partir
do momento mesmo em que a ação é aforada, pois desse instante pode-se dizer que já teve
início o processo judicial. É absolutamente, irrelevante, para definição do momento a partir do
qual se pode configurar fraude à execução, perquirir-se se houve ou não a citação, a penhora
ou seu registro” (STJ, 1997, apud MIRANDA FILHO, 2016, P. 108)
Porém, essa conclusão do ex-ministro do STJ destoa do entendimento doutrinário
majoritário atual (b) e da recente jurisprudência do STJ, porquanto, afirmam esses, que,
consoante interpretação dos dispositivos do Código processual, a existência de litispendência
ao tempo da alienação ou oneração do bem é indispensável para a caracterização da fraude à
execução. Nesse sentido, NERY JÚNIOR (2016, p. 1.776):
Litispendência. „Corria contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência‟.
Essa é a locação da lei que precisa ser analisada. Correr demanda significa pender
demanda. Embora o sistema do CPC considere proposta a ação assim que
protocolada a petição inicial (CPC 312), somente se poderá dizer que a ação corre,
isto é, que está pendente, depois que se efetivar a citação válida (CPC 240).Assim,
se o ato de oneração ou alienação se dá depois da propositura da ação, mas antes da
citação, terá havido fraude contra credores, somente declarável por meio de ação
pauliana; se o ato de oneração se deu depois da citação válida, terá havido fraude de
execução, que pode ser reconhecida na execução ou nos embargos, de devedor ou
terceiro. Com a citação válida, presume-se celebrada em fraude de execução
qualquer ato ou negócio jurídico que o devedor venha a praticar com terceiro,
quando o ato for causa eficiente para o devedor tornar-se insolvente.
Outrossim, o Superior Tribunal de Justiça, sob a égide do Código de 1973, com o
voto-vencedor do ministro João Otávio de Noronha:
PROCESSO CIVIL. RECURSO REPETITIVO. ART. 543-C DO CPC. FRAUDE
DE EXECUÇÃO. EMBARGOS DE TERCEIRO. SÚMULA N. 375/STJ.
CITAÇÃO VÁLIDA. NECESSIDADE. CIÊNCIA DE DEMANDA CAPAZ DE
LEVAR O ALIENANTE À INSOLVÊNCIA. PROVA. ÔNUS DO CREDOR.
REGISTRO DA PENHORA. ART. 659, § 4º, DO CPC. PRESUNÇÃO DE
FRAUDE. ART.615-A, § 3º, DO CPC. 1. Para fins do art. 543-c do CPC, firma-se a
seguinte orientação: 1.1. É indispensável a citação válida para configuração da
fraude de execução, ressalvada a hipótese prevista no § 3º do art. 615-A do CPC.
[...] (STJ. RECURSO ESPECIAL : REsp 956943/PR. Relatora: Ministra Nancy
Andrighi. DJ: 20/08/2014. JusBrasil, 2014. Disponível em:
<https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/154634753/recurso-especial-resp-
956943-pr-2007-0124251-8>. Acesso em: 20 ago. 2018).
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Entretanto, na Justiça do Trabalho, o entendimento de parte da doutrina sobre o termo
inicial da fraude à execução tem contornos um tanto quanto diferentes. Segundo SCHIAVI
(2017, p. 131) “[...], no Direito processual do trabalho, a expressão demanda pendente deve
ser interpretada como a propositura da ação, uma vez que não há o despacho de recebimento
da inicial, sendo a notificação ato do Diretor de Secretaria (art. 841 da CLT)”.
Ademais, ante o considerável quantidade de fraudes grosseiras (v.g. alienação de bens
entre sócios e empresas do mesmo grupo econômico e entre familiares) reconhecidas pelo
Judiciário, independentemente de citação, surge uma corrente mitigada àquelas
supramencionadas, respaldada na não rigorosa indispensabilidade do ato citatório, desde que,
contudo, o devedor-alienante, ao tempo da alienação ou oneração, já tenha conhecimento da
ação proposta, recaindo o ônus da prova dessa ciência sobre quem alega a fraude, ou seja,
sobre o credor (DINAMARCO, 2002, p. 295).
Outrossim, não se pode olvidar, que existem juristas, Mauro Schiavi, Wolney de
Macedo Cordeiro e Luiz Antônio Castro de Miranda Filho, que defendem medidas ainda mais
rígidas frente a devedores astutos, como o reconhecimento da fraude à execução a partir do
ajuizamento da ação (a). No entanto, esse posicionamento será tratado em tópico específico,
neste mesmo capítulo, quando abordarmos a hipótese do art. 792, inciso IV, do CPC/2015.
Ante essa introdução, em que se demonstrou a relevância do instituto – tanto para o
mundo jurídico quanto para os titulares das pretensões que se buscam em juízo –, bem como
os inúmeros conflitos e discussões jurisprudenciais e doutrinárias que o circundam,
passaremos a uma análise mais pormenorizada sobre o assunto, a fim de que se possa traçar
soluções e defesas eficazes à satisfação da pretensão do autor, proteção dos direitos de
terceiros e fomento de debates mais concludentes sobre os conflitos ainda pendentes.
3.1. Do marco inicial e a evolução histórica da fraude à execução no direito brasileiro
Com a Declaração de Independência do Brasil, aquisição da soberania e de um espírito
nacionalista, reclamou-se a criação de um direito pátrio, consentâneo com os seus interesses
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desenvolvimentistas. Eis que, então, o país passou a ter o seu próprio Ordenamento Jurídico,
inclusive, com uma previsão, ainda que não tão aprofundada, do instituto objeto de estudo.
A fraude à execução sempre esteve presente no Ordenamento Jurídico pátrio, como no
Decreto Imperial nº 737 (1850), Consolidação das Leis do Processo Civil/Ribas (1876),
Decreto nº 763 (1890), Código de Processo Civil de 1939, Código de Processo Civil de 1973,
Súmula 375 do Superior Tribunal de Justiça (2009) e, por fim, Novo Código de Processo
Civil (2015), artigo 792, incisos e parágrafos, cujo teor dispõe de conceito (caput), hipóteses
(incisos) e condições (parágrafos) nos quais a fraude ocorre. Contudo, é imperativo voltar no
tempo para compreensão da evolução desse instituto até a sua instalação no direito brasileiro.
Antes e fora do Brasil, o instituto nasceu com Direito Romano primitivo (753, a.C.), e
é de ressaltar que as consequências provenientes desse tipo de fraude eram um tanto mais
rigorosas do que as previstas em nosso atual sistema jurídico. Isso porque a execução não era
regida pelo princípio da responsabilidade patrimonial, o que conferia ao credor, diante do
devedor inadimplente, o poder sobre o corpo do solvens, podendo, inclusive, sujeitá-lo às
condições de escravo.
Essa prerrogativa do credor, em uma sociedade extremamente escravocrata, era aceita,
a ponto de se admitir, inclusive, um concurso de credores sobre o corpo do devedor (Tábula
III – NORMAS CONTRA INADIMPLENTES: “Tertiis nundinis partis secanto; si plus
minusve secuerunt se fraude esto”). Assim, o devedor confesso ou condenado que não
pagasse a dívida no prazo exíguo de 30 dias, ou não contasse com fiador para tal, ou se
tornaria escravo do credor, ou, no caso de concurso de credores, teria seu corpo partido em
tantos pedaços quantos fossem o número de accipiens ou, no melhor das hipóteses e com
consentimento de todos, vendido a um estrangeiro:
“Aeris confessi rebusque iure iudicatis XXX dies iusti sunto”. (Aquele que confessar
divida perante o juiz, ou for condenado, terá trinta dias para pagar).
“Tertiis nundinis partis secanto. Si plus minusve secuerunt, se fraude esto”. (Depois
do terceiro dia de feira, será permitido dividir o corpo do devedor em tantos pedaços
quanto forem os credores, não importando cortar mais ou menos; se os credores
preferirem poderão vender o devedor a um estrangeiro).
Passado o mencionado martírio, com a edição da lei da República Romana
denominada de Lex Poetelia Papiria, em 428, a.C., a responsabilidade deixa seu caráter
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pessoal, e passa a recair sobre o patrimônio do devedor, em razão do hoje denominado de
princípio da humanização da execução. Isso porque a mencionada legislação aboliu o nexum,
ou seja, de maneira rasa, o instituto pelo qual o corpo do devedor, ou do familiar sobre o qual
tinha autoridade, serviria como garantia até que dívida fosse extinta.
Contudo, só em 1804, com a conquista do Direito Moderno, o Código Civil francês,
estabeleceu expressamente e de uma vez por todas, em seu art. 2.093 que “os bens do devedor
são a garantia comum de seus credores” (Código de Napoleão, 1804). Crava-se, a partir de
então, a responsabilidade patrimonial como uma relevante consequência do princípio basilar
do direito denominado de princípio da dignidade humana.
Já, no Brasil, tendo em vista que as relações jurídicas pautavam-se na legislação de
Portugal, o presente instituto, ainda, há época, nesse país, de caráter pessoal, marcou seu
início no bojo das Ordenações Filipinas – legislação portuguesa vigente no país –, que
aplicava sanções graves, como a prisão civil, para quem alienava ou onerava bens sujeitos à
execução, influência do direito canônico e do direito romano:
E se algum devedor, depois de ser condenado em alguma quantia de dinheiro, pão,
vinho ou outra semelhante cousa, que se costuma contar, pesar, ou medir, alhear
seus bens em prejuízo do vencedor, por neles se não fazer execução, seja preso, e o
não soltem até cumpridamente satisfazer ao vencedor, sem poder fazer cessão
(Ordenações Filipinas, 1.603, p. 701)
Tratando-se a prisão civil de uma constrição da liberdade do devedor, o que se nota, a
princípio, é que o objeto da atividade executiva do Estado, naquela época, não era de cunho
patrimonial, mas corporal, similar, embora de maneira mais comedida, ao do direito romano
primitivo.
Por outro lado, alguns dispositivos, presentes no Livro III, Título LXXXVI, das
Ordenações Filipinas, traziam responsabilidades de natureza patrimonial, quando da fraude à
execução, como é o caso, por exemplo, do § 14º (“Dos agravos e das sentenças definitivas”).
Tal comando retratava bem uma espécie de hipoteca judiciária. Esse instituto, por exemplo,
impedia que o devedor, condenado ao pagamento de quantia, que tivesse bens de raiz,
alheassem-nos, durante a demanda, sujeitando-os, imediatamente, a uma hipoteca, para a
garantia do pagamento do título executivo.
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Outrossim, os §§ 15º e 16º, que estabeleciam que o condenado em ação real ou
pessoal, ou para que entregasse coisa certa do vencedor, pagasse ou desse penhores. Caso não
procedesse dessa forma, seja porque escondeu bens, alienou-os em fraude ou não detinha o
suficiente para a satisfação integral do débito, sofreria reiteradas penhoras até que a dívida se
extinguisse por inteira. Dessa forma, a codificação portuguesa nada mais era do que uma
miscelânea de responsabilidades, incluindo tanto a hipótese de responsabilidade pessoal
quanto a patrimonial.
Após a Declaração de Independência do Brasil, em 07 de setembro de 1822, e edição
de sua primeira Carta Política (1824), surge o Decreto Imperial n. 737 (1850), que previu em
seu art. 574 o instituto da fraude à execução, estabelecendo, inclusive, como consequência
dela, a prisão civil. Contudo, o Regulamento 737, embora, imediatamente à sua vigência, só
tenha derrogado parcialmente o Livro II das Ordenações Filipinas, só fora aplicado às causas
processuais cíveis em 19 de setembro de 1989, com a Consolidação Ribas e o Decreto 763,
vigendo até essa data, portanto, a legislação portuguesa e, subsidiariamente o direito romano.
Note-se que, até então, a responsabilidade pessoal ainda era adotada pelo ordenamento
jurídico brasileiro, porquanto previa que a consequência da fraude à execução fosse a prisão
civil. Foram necessários um longo período e a celebração de alguns tratados internacionais
ratificados pelo Brasil sobre direitos humanos, para que o objeto da atividade executiva do
Estado recaísse sobre o patrimônio do devedor, ou de terceiro responsável, e não mais sobre o
seu corpo.
Com a outorga da Constituição de 1937, a União passou a ter competência exclusiva
para legislar sobre direito processual e, por esse motivo, logo depois, em 1939, o primeiro
Código de Processo Civil fora promulgado, trazendo, também, no artigo 895, Livro VIII,
Título II, o instituto da fraude à execução.
Esse dispositivo, que previa a responsabilidade patrimonial, não sofreu significativas
alterações se comparadas ao Código de Processo Civil de 1973, senão que este último, em seu
art. 593, II, passou a considerar fraude à execução não só a alienação como também a
oneração a terceiros, hipótese não prevista pelo Código de 1939. Outrossim, a expressão
“ação real”, prevista no art. 895 do CPC/39, também fora substituída, no art. 593, I, CPC/73,
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por “ação fundada em direito real”, não fazendo a anterior legislação menção à “ação
reipersecutória”.
Hodiernamente, na legislação processual de 2015, o instituto está previsto no artigo
789, caput, perseverando a redação que refuta a prisão civil do devedor como consequência
jurídica da fraude à execução. Entretanto, ainda há autores que instam dizer que a
responsabilidade executiva assume um caráter híbrido (sujeição patrimonial e coerção
pessoal), em razão da execução indireta, que se utiliza medidas coercitivas “psicológicas”,
sobre a pessoa do devedor, evidentemente quando se está diante de uma obrigação não-
patrimonial – como a de fazer ou não fazer –, para forçá-lo a cumprir a obrigação com seu
comportamento, e não com pecúnia.
É claro que execução indireta – provenientes de obrigação de cunho não patrimonial –
relativize o princípio da responsabilidade patrimonial em determinadas situações. Todavia
notório é que, com a Constituição Federal de 1988, art. 5º, LXVII, e a Súmula Vinculante
25/STF, o aludido ato atentatório a dignidade da justiça não mais tende a legitimar sanções
impostas pelo primitivo direito romano, obviamente, e pelas Ordenações Filipinas, afinal,
nosso legislador, um tanto quanto comedido, convenceu-se de que prender o devedor em
determinados casos seria extremamente eficiente e, em outros, nem tanto, optando-se nesse
cenário contrabalançado por resguardar a garantia fundamental do solvens: a liberdade.
3.2. Aplicabilidade da fraude à execução do CPC na Justiça do Trabalho, segundo a
nova legislação processual e a Instrução Normativa 39 do TST
Em 2016, após a entrada em vigor do CPC, o TST editou a IN 39/16. O presente
Regulamento preocupou-se em estabelecer quais artigos do novo Código de Processo Civil
seriam ou não aplicáveis ao Processo do Trabalho, uma vez que, havendo omissão da
legislação trabalhista e compatibilidade com suas normas e princípios, é possível a aplicação
subsidiária de dispositivos da legislação processual civil ordinária.
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Obviamente que a IN 39/16 não conseguiu exaurir todos os dispositivos do CPC/2015,
contudo buscou trazer o mínimo de segurança jurídica ao jurisdicionado e operadores do
direito, tratando daqueles de relevância prática, cujas consequências possam prejudicar o
andamento do processo e violar garantias constitucionais, como o art. 805, caput e parágrafo
único, o qual exige do exequente, ao promover a execução, a escolha do meio, se mais de um,
menos gravoso ao executado. Caso o executado alegue ser a medida escolhida pelo exequente
a mais gravosa, que indique meios mais eficazes e menos onerosos.
No que diz respeito ao tema desta monografia, fraude à execução, a IN 39/16 optou
pela aplicabilidade do art. 792, II e III, do CPC à execução trabalhista. Assim, a averbação de
processo de execução ou de hipoteca judiciária, ou outra constrição, ainda são hipóteses para
caracterização da referida fraude na Justiça do Trabalho. Contudo, a inovação mesmo ficou a
cargo dos bens não sujeitos a registro (v.g. semoventes). No âmbito trabalhista, caberá ao
terceiro adquirente comprovar que agiu de boa-fé (inversão do ônus da prova), e não ao
credor provar a má-fé deste terceiro.
Outros dispositivos, como o art. 854, §§ 1º e 2º (penhora online - BACENJUD) e art.
6º (incidente de desconsideração da personalidade jurídica), com a IN 39/16, também
passaram a ser aplicáveis à execução trabalhista. Contudo, serão vistas em tópicos específicos.
Após a exposição do marco histórico do instituto em análise, no item 3.1., e dos breves
comentários sobre sua aplicabilidade na Justiça do Trabalho, através da IN 39/16, restou
evidente a importância da fraude à execução, uma vez que fora regulamentado desde a
primeira legislação vigente em nosso país, persistindo até os dias de hoje, agora no
CPC/2015, Instrução Normativa 39/16 do TST e demais legislações do nosso Ordenamento
Jurídico pátrio.
Mas, é indispensável compreender de maneira aprofundada o tão requisitado instituto.
Para tanto, propõe-se, de início, a seguinte pergunta: afinal, em termos conceituais, o que é
fraude à execução? Com mais propriedade e de forma concisa, o próprio CPC/2015, artigo
792, caput e incisos, define a fraude à execução como a alienação ou oneração de bens:
quando sobre esses pender ação fundada em direito real ou com pretensão reipersecutória,
desde que a pendência do processo tenha sido averbada no respectivo registro público, se
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houver (I); quando tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do processo de
execução, na forma do art. 828 (II); quando tiver sido averbado, no registro do bem, hipoteca
judiciária ou outro ato de constrição judicial originário do processo onde foi arguida a fraude
(III); quando, ao tempo da alienação ou da oneração, tramitava contra o devedor ação capaz
de reduzi-lo à insolvência (IV); nos demais casos expressos em lei (V).
De maneira mais firme e intransigente, DINAMARCO (1.993, p. 186) refere-se à
fraude à execução como “ato de rebeldia à autoridade estatal exercida pelo juiz no processo”.
O tratamento dado ao instituto por esse autor não é descomedido, já que a conduta fraudulenta
é tão repugnante que o Código Penal, em seu artigo 179, tipificou-a como crime, sujeito a
pena de detenção de seis meses a dois anos, ou multa:
“Fraude à execução
Art. 179 - Fraudar execução, alienando, desviando, destruindo ou danificando
bens, ou simulando dívidas:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.
Parágrafo único - Somente se procede mediante queixa.” (BRASIL, 1940)
Sob uma análise mais técnica acerca do instituto, SCHIAVI (2017, p. 129) explica que
esse caracteriza-se “quando o devedor, diante de uma lide pendente, onera ou grava bens, sem
ficar com patrimônio suficiente para quitar a dívida”.
Salienta-se que não há grandes dúvidas acerca do conceito de fraude à execução.
Entretanto, o tema é recheado de divergências doutrinárias e jurisprudenciais quando
examinado de maneira aprofundada. Exemplo disso são as inovações trazidas pelo Código de
Processo Civil, que deixou de solucionar pontos extremamente relevantes e que, há tempos, é
motivo de embates entre doutrinadores, julgadores e demais operadores do direito.
Uma das primeiras inovações polêmicas foi a estabelecida no art. 792, § 2º. O referido
dispositivo incumbiu ao terceiro adquirente demonstrar sua lisura quando da aquisição do
bem, porquanto previu que “no caso de aquisição de bem não sujeito a registro o terceiro
adquirente tem o ônus de provar que adotou as cautelas necessárias para a aquisição,
mediante a exibição das certidões pertinentes, obtidas no domicílio do vendedor e no local
onde se encontra o bem”.
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No entanto, não era, e ainda não é, esse o entendimento do Superior Tribunal de
Justiça, que, no dia 30 de março de 2009, editou o enunciado 375, cujo teor é no sentido de
que, não havendo registro da penhora, é do credor o ônus de provar a má-fé do terceiro.
A Corte Superior, em detrimento do credor inerte quanto ao seu dever anexo de
cuidado, socorreu eventuais adquirentes de boa-fé (entendimento oriundo da presunção da
boa-fé objetiva), enquanto que o dispositivo supramencionado – seguindo a inteligência dos
códigos processuais anteriores – abrigou o credor, já prejudicado e detentor de um título
executivo, desincumbindo-o do encargo de provar a má-fé do devedor.
Depois de tantas oscilações na compreensão dos imprecisos dispositivos de 1939 e
1973 (arts. 895 e 593, respectivamente), acreditava-se veementemente que o CPC/2015 daria
fim a tão prolongada discussão, com um dispositivo unívoco e completo, seguindo, talvez, até
mesmo o entendimento da aludida Corte. No entanto, para surpresa de todos, o art. 792 – o
que trata da questão no CPC/2015 – manteve a imprecisão do código anterior, dispensando a
oportunidade de cravar o entendimento dominante do STJ em uma lei ordinária, tornando a
recepção da súmula um tanto quanto duvidosa. Afinal, é da vontade do legislador que o
entendimento até então predominante prevalecesse? Se sim, por qual motivo o artigo 792 não
trouxe em seu bojo o teor da Súmula 375/STJ, atribuindo ao credor o ônus de provar a má-fé
do terceiro adquirente?
Portanto, o que se pode aferir dessa situação é que a discordância perdurará até que
seja novamente solucionada pelos tribunais, uma vez que existem autores, como
THEODORO JÚNIOR (2016, p. 230) que desaprovam o clássico pensamento de boa-fé
presumida e má-fé tão somente se provada.
Há, inclusive, quem arrisca dizer que a cognição contida no enunciado da Súmula
375/STJ não prevalecerá, tendo em vista que a ilustre Comissão de juristas encarregada, pelo
Senado Federal, de elaborar o anteprojeto do CPC/15, presidida, inclusive, pelo ministro Luiz
Fux, do Superior Tribunal de Justiça, não incorporou o texto nela contido ao dispositivo 792,
ou a qualquer outro da lei.
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Outro ponto, também polêmico e de extrema relevância, é o elemento subjetivo na
fraude à execução. O Regulamento 737/1850 e os Códigos de Processo Civil Estaduais,
predecessores do CPC/39, previam o elemento subjetivo - que consistia na possibilidade de o
adquirente conhecer da existência de demanda em face do devedor. Com o advento do Código
de Processo Civil de 1939, o elemento subjetivo fora extirpado, bastando, para a configuração
da fraude à execução, inexoravelmente, a alienação ou oneração de bens nas hipóteses do
artigo 895, incisos, isto é, independentemente da comprovação da má ou boa-fé do terceiro
adquirente.
A realidade sócio-jurídica na vigência do CPC/39 privilegiava o credor em prol do
terceiro adquirente, mitigando as consequências da fraude à execução, quando de fato ela
ocorria. Por outro lado, o referido código imputava ao terceiro adquirente um encargo, há
época, de difícil observância - qual seja de ser diligente ao realizar um negócio jurídico -,
ocasionando uma insegurança jurídica nos contratos de compra e venda. Preocupados com
esta última situação, julgadores e doutrinadores, nos anos seguintes à vigência da referida
legislação processual, reintroduziram o elemento subjetivo, atribuindo ao credor a
responsabilidade de comprovar a efetiva ciência do adquirente de que sobre o bem pendia
demanda que impossibilitava a sua alienação ou oneração.
O CPC/73 não reformou o texto do Código de 1939, deixando de consolidar o
entendimento da doutrina e jurisprudência. Contudo, a Lei de Registros Públicos (Lei nº.
6.015/73), no mesmo ano, alterou significativamente o art. 659, § 4º, CPC/73. Com a edição
da referida lei, passou a prevalecer a necessidade de averbação da penhora, ou citação do
devedor na execução para que a fraude à execução restasse configurada. Tendo em vista que a
averbação possui eficácia erga omnes, a ciência do adquirente acerca da existência de
demanda em face do devedor seria evidente e absolutamente presumida. Por outro lado, se o
credor deixasse de realizar a averbação, deveria dispor de esforços para provar que o terceiro
adquirente tinha efetiva ciência acerca da existência da pendência ou ação que poderia levar o
devedor à insolvência (boa-fé presumida do adquirente), sob pena de não ter reconhecida a
respectiva fraude.
Esse entendimento, de presumir a boa-fé do adquirente e imputar ao credor o ônus de
averbar a penhora, fora cristalizado em 2009, na Súmula 375/STJ, cujo teor ainda dispõe que
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“o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou
da prova de má-fé do terceiro adquirente”.
Ainda assim, havia dissonância entre alguns julgados e a aludida súmula. Diante dessa
peleja, que perdura há décadas, esperava-se que o CPC/2015, em mais essa hipótese,
estabelecesse um equilíbrio – proteger o terceiro adquirente de boa-fé sem, contudo,
traspassar os direitos do credor –, alinhando-se, inclusive, ao entendimento da Súmula
375/STJ.
No entanto, embora seja notório a existência de duas espécies de presunção nas
hipóteses do art. 792, incisos – quais sejam presunção absoluta de má-fé do adquirente, no
caso de registro da penhora, e presunção relativa de má-fé do adquirente, quando ausente o
registro –, percebe-se, com a leitura do § 2º do respectivo artigo, que mesmo na hipótese de
“bem não sujeito a registro, o terceiro adquirente tem o ônus de provar que adotou as cautelas
necessárias para a aquisição, mediante a exibição das certidões, pertinentes, obtidas no
domicílio do vendedor e no local onde se encontra o bem”. Ou seja, de acordo com o referido
parágrafo, mesmo nos casos em que o bem não possa ser objeto de registro, presume-se a má-
fé do terceiro adquirente, devendo este demonstrar que não tinha a intenção de fraudar, o que
contraria o teor da Súmula 375/STJ.
No que diz respeito à má-fé, prevista na Súmula 375/STJ, não houve inovações. O
CPC/2015 perdeu a oportunidade de conceituá-la e, por conseguinte, definir o momento ou
comportamento a partir do qual essa ocorreria. Contudo, é possível delinear tal conceito por
meio da menção ao princípio da boa-fé feita pelo art. 422 do Código Civil: “os contratantes
são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os
princípios de probidade e boa-fé” (BRASIL, 2002).
Por meio de uma análise semântica do referido dispositivo, observa-se que o legislador
exige dos contratantes um comportamento dirigido aos valores éticos-jurídicos da probidade,
honestidade, lealdade e da consideração às legítimas expectativas da outra parte, sem que
fosse eivado de propósitos ardilosos, a fim de prejudicar o negócio jurídico ou as partes que
dele participem. Outrossim, a doutrina, como já visto, tem traçado conceitos sobre o princípio
que ajudam na elucidação do que seria a má-fé.
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A contrarium sensu, é possível extrair um conceito de má-fé, para a constatação da
fraude à execução, uma vez que, no mencionado instituto, o comportamento antagônico à
boa-fé objetiva pode ser compreendido como a falta de diligência do comprador, que deixou
de obter informações acerca de eventual gravame sobre o bem ou, até mesmo, ação (ou ações)
ajuizada(s) em face do alienante devedor, bem como a ciência desse acerca do gravame, antes
da realização do negócio jurídico, o que retira a demasiada subjetividade desse elemento,
tornando-o mais objetivo.
Mas, o que se nota da atual legislação processual é a despreocupação com que a
Comissão de juristas responsável pela criação do anteprojeto do Código de Processo Civil de
2015 teve ao deixar de conceituar o principal elemento da fraude à execução, – a má-fé –,
tornando mais custoso para o operador do direito identificar o negócio maculado, qual o
comportamento está eivado de má-fé – já que essa tem origem no âmago do ímprobo – e mais
prolixas os debates sobre o assunto.
Por fim, no que diz respeito as hipóteses de fraude à execução, o CPC/2015 teve seu
rol ampliado se comparado ao Código de 1973. Foram dispostas nos incisos II e III do art.
792 situações que antes não estavam previstos no art. 593, incisos, da legislação precedente.
Ademais, o legislador acrescentou quatro parágrafos e, quanto ao inciso I do mencionado
artigo, uma enorme gama de situações passaram a ser previstas como uma possível fraude
quando nele previu ações “com pretensão reipersecutória”.
Lembremos que, como afirmava OLIVEIRA (1988, p. 72):
A lei processual, ao elencar as possibilidades da configuração da fraude à execução,
não quis dar conotação de que as mesmas se tratassem de numerus clausus, de sorte
que esse dispositivo deixa em aberto todas as demais possibilidades previstas em
outras legislações, inclusive as que porventura vierem a vigorar.
Analisemos, assim, as hipóteses de fraude à execução:
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3.3. Hipóteses legais
3.3.1. Quando sobre o bem pender ação fundada em direito real ou com pretensão
reipersecutória, desde que a pendência do processo tenha sido averbada no respectivo
registro (art. 792, I)
A referida norma encontrava-se no artigo 593, I, do CPC/73. Com o advento do
Código de 2015, o texto legal foi alterado significativamente e prenunciado no artigo 792,
inciso I, da legislação processual. Destarte, é indispensável a análise dessa nova redação e de
seus reflexos no mundo jurídico, ainda que não seja matéria de competência da Justiça do
Trabalho.
A primeira alteração notável diz respeito à averbação, no registro público, da
pendência de ação fundada em direito real ou com pretensão reipersecutória, como condição
caracterizadora da fraude. Diferentemente do código atual, o CPC/73 previa tão somente a
pendência da ação para que a fraude restasse configurada. A averbação atinge diretamente o
bem – objeto vinculado a pretensão posta em juízo –, tornando-o inalienável, sob pena de
frustrar o desígnio da ação proposta, que é de dá-lo ou devolvê-lo ao credor, ou persegui-lo na
posse de quem é que esteja.
Ademais, com a averbação da pendência da ação no registro do bem, o credor
desincumbe-se de comprovar qual o estado financeiro do devedor-alienante, se solvente ou
insolvente, porquanto, para fins de ineficácia do ato de disposição patrimonial, nesse caso, a
insolvência do devedor é irrelevante, já que o bem encontra-se apensado à pretensão da ação
real ou reipersecutória e o resultado dessa operação no patrimônio total do devedor é
indiferente, importando apenas que o credor obtenha-o para a satisfação de seu direito.
Ressalta-se, contudo, que a averbação, nessa e nas demais hipóteses (II e III), não é
requisito indispensável para a configuração da fraude à execução. Ela, tão somente, dispensa a
prova de insolvência do devedor e, inclusive, a de má-fé do terceiro adquirente, presumindo-
se, absolutamente, que este último tenha conhecimento acerca da pendência de ação, e que,
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com a aquisição do bem, está assumindo os riscos da invalidade do negócio. Essa
compreensão da norma corrobora com a redação do art. 844 do CPC/2015:
Art. 844. Para presunção absoluta de conhecimento por terceiros, cabe ao exequente
providenciar a averbação do arresto ou da penhora no registro competente, mediante
apresentação de cópia do auto ou do termo, independentemente de mandado judicial
(BRASIL, 2015).
É claro que não se pode olvidar que a primeira parte da Súmula 375 do STJ já previa
que “o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem
alienado”. Do contrário, ao credor, caberia apenas a “prova de má-fé do terceiro adquirente”
(segunda parte da referida súmula).
Assim, o aprimoramento da norma, embora tenha atribuído um ônus estafante ao
credor, conferiu maior segurança jurídica às partes envolvidas e potencialmente sujeitas ao
prejuízo, caso ocorra uma eventual fraude, quais sejam o credor e o terceiro adquirente. Isso
porque, se o credor cumprir com o encargo que lhe foi atribuído, revestirá o bem de toda
proteção necessária para inibir futuras e eventuais alienações ou onerações, tendo, por
conseguinte, ao final, satisfeitos todos os seus créditos. No entanto, se deixar de averbar a
pendência da ação real ou pretensão reipersecutória no registro do bem e não conseguir
provar, quando da aquisição deste, a má fé do terceiro adquirente, quem deleitar-se-á da
segurança do negócio jurídico é o próprio comprador, já que presume-se, no caso, a sua boa-
fé.
Em conclusão concisa, THEODORO JÚNIOR (2016, p. 229):
O regime adotado pelo NCPC, como se deduz do inciso I do art. 792, é muito mais
rígido do que o do Código anterior, para o qual a averbação do processo facilitava o
reconhecimento da fraude mas não era tratado como requisito indispensável. Agora,
havendo registro público (e não apenas registro de imóveis) para a inscrição do bem
disputado em ação real ou reipersecutória, a aquisição do bem litigioso por terceiro
somente será qualificada como em fraude à execução se atendida a exigência da
prévia averbação do processo no mesmo registro. Não há mais lugar, portanto, para
se distinguir entre terceiro de boa-fé ou de má-fé. Se há averbação da ação, a
alienação do bem litigioso será sempre fraudulenta; se não há, não cabe cogitar-se de
fraude à execução, na hipótese identificada no inciso I do art. 792. De qualquer
maneira, o dispositivo em questão trata objetivamente de fraude, sem correlacioná-la
com o elemento subjetivo qualificador da conduta do terceiro adquirente.
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Antes da vigência da atual codificação, esse já era o entendimento da doutrina como
bem elucida ANDRIGHI (2014, p. 360):
Em conclusão, a fraude à execução disciplinada no art. 808, I, do novo CPC restará
caracterizada diante da pendência de pretensão reipersecutória, com averbação no
registro público competente, independentemente de cognição acerca do elemento
subjetivo do vendedor-devedor.
No que tange ao direito do trabalho, salienta-se que o dispositivo em análise não tem
qualquer aplicação prática. Isso porque as ações reais e de natureza reipersecutória não se
subsomem ao art. 114 da Constituição Federal, ou seja, não são da competência material da
Justiça do Trabalho, o que torna quase nula a possibilidade de sua apreciação por esse ramo
do judiciário brasileiro. Nesse sentido, SCHIAVI (2017, p. 130) alude que “o inciso I do art.
792 não se aplica ao direito processual do trabalho, pois a Justiça do Trabalho não detém
competência material para ações fundadas em direito real”.
3.3.2. Quando tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do processo de
execução, na forma do art. 828 (art. 792, II)
O mencionado art. 828 do CPC, que regula o sistema de averbação da execução no
registro de bens suscetíveis de penhora no processo de execução, é quase uma reprodução na
íntegra do art. 615-A do CPC/1973, com alterações estabelecidas pela Lei n.º 11.382,
06.12.2006. Sobretudo, na atual legislação processual, permite-se que “[...] se obtenha a
certidão desde que admitida a execução, e não apenas distribuída, como faz o CPC de 1973,
[...]” (TERESA WAMBIER, 2016, p. 2001).
Esse sistema de averbação dá publicidade a todos da existência de um gravame
oriundo de uma pretensão executiva, resguardando o interesse de eventual terceiro adquirente
e invalidando qualquer alegação de desconhecimento da pendência sobre o bem, como afirma
ASSIS (2007, p. 260):
[...] feita a averbação há eficácia perante o terceiro que não poderá alegar o
desconhecimento da pendência. Logo, a presunção de fraude é jure et de jure. A
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disposição antecipada a eficácia perante terceiros que se originaria da averbação da
penhora.
Assim, obtida a certidão pelo credor – poder potestativo desse que independe de
decisão judicial, porquanto solicitada ao escrivão (art. 152, V) – e efetivada a averbação em
órgão de registro do bem, o conhecimento acerca de pendência de execução em face do
executado e gravame sobre o bem são absolutamente presumidos. Uma eventual e posterior
alienação caracterizará fraude à execução e, por conseguinte, tornará ineficaz o negócio
jurídico entre o executado e o terceiro adquirente para o credor.
Por fim, é de se ressaltar que, diferentemente do que ocorre no inciso anterior, o
cabimento dessa forma de averbação no âmbito do direito processual do trabalho é
inegavelmente possível, já que não existe impedimento legal ou constitucional para o credor
trabalhista obter tal provimento
3.3.3. Quando tiver sido averbado, no registro do bem, hipoteca judiciária ou outro ato
de constrição judicial originário do processo onde for arguida a fraude (art. 792, III)
Conforme exposto por CORDEIRO (2017, p. 173), nesta hipótese, diferentemente da
anterior:
[...], não há necessidade de início da tutela executiva, bastando a prolação de
sentença que preveja o cumprimento de obrigação de pagar. Logo, a alienação de
patrimônio afetado pela hipoteca judiciária conduz inexoravelmente à fraude de
execução, independentemente da demonstração de má-fé do adquirente, ou mesmo
insolvência do devedor.
Na vigência do CPC/73, uma parcela da doutrina e da jurisprudência não associavam a
alienação de bem penhorado, ou sujeito a outra constrição judicial, à fraude à execução,
embora admitiam para ambas o mesmo efeito, qual seja a ineficácia do negócio em face do
credor. Em contrapartida, uma outra corrente considerava a alienação de bem penhorado
fraude à execução. Esse último entendimento é o que prevaleceu com o advento do CPC/2015
(art. 792, III), cuja previsão é categórica ao afirmar que reconhece a fraude à execução
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“quando tiver sido averbado, no registro do bem, hipoteca judiciária ou outro ato de
constrição judicial [...]” (BRASIL, 2015).
Assevera NERY JÚNIOR (2016, p. 1.778) que alienação de bem constrito, inclusive,
“é forma grave de fraude de execução, que se caracteriza independentemente de o devedor
estar ou não insolvente: o terceiro adquirente não pode opor sua posse ou propriedade ao
credor e ao juízo da penhora, que continua hígida”.
De acordo com o autor, o gravame judicial (penhora, arresto ou sequestro) perseguirá
o bem no poder de terceiro, independentemente se o devedor alienante é ou não solvente. Esse
entendimento, inclusive, é corroborado por THEODORO JÚNIOR (2016, p. 231). O autor
aduz que “[...] a caracterização da fraude de execução independe de qualquer outra prova. O
gravame judicial acompanha o bem, perseguindo-o no poder de quem quer que o detenha,
mesmo que o alienante seja um devedor solvente”.
Sobretudo, ainda que, por alguma hipótese, a legislação processual vigente não
previsse como fraude à execução a alienação de bem sujeito a constrição judicial (art. 792,
inciso III), o ato ainda assim se enquadraria como atentatório à dignidade da justiça,
resultando na ineficácia do negócio jurídico, consoante estabelece o art. 139, III e art. 774,
ambos da legislação processual vigente.
Outrossim, não se pode olvidar de outro instituto patente com a redação disposta no
art. 792, inciso III, e possível causador da fraude à execução: a hipoteca judiciária. O referido
dispositivo não deixa dúvidas de que caracterizará fraude à execução a alienação de bem em
cujo registro foi averbado hipoteca judiciária, independentemente de demonstração de má-fé
do adquirente, ou mesmo de insolvência do devedor.
O instituto é um efeito anexo da sentença que condena o vencido (e não só o réu) a
pagar prestação pecuniária ou que determina, mediante requerimento do credor ou por
impossibilidade de seu cumprimento (CPC, art. 499), a conversão de prestação de fazer, de
não fazer ou de entregar coisa em prestação pecuniária (CPC, art. 495). E, por ser
consequência de uma determinação normativa, independe de pedido da parte e da
manifestação do juiz. Dessa forma, estamos diante de uma hipótese que dispensa o início da
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tutela executiva, já que ela ocorre antes, com a prolação da sentença que estabelece o
cumprimento de obrigação de pagar prestação pecuniária.
Por fim, pondera CORDEIRO (2017, p. 173), sobre o instituto no âmbito do processo
do trabalho, que “não há qualquer impedimento de índole sistêmica na aplicação da hipoteca
judiciária, tendo inclusive essa possibilidade sido chancelada pela jurisprudência do TST,
mesmo por atuação de ofício do órgão judicial prolator da decisão”. Cita, ainda, o autor os
seguintes julgados, em sua obra:
„[...] Hipoteca judiciária. Aplicabilidade na justiça do trabalho. 1. Hipótese em que o
tribunal regional decreta a hipoteca judiciária dos bens do devedor, na forma da Lei
dos registros públicos. 2. Alegação recursal de nulidade do acórdão, porque
inexistente pedido específico do reclamante quanto à hipoteca. 3. É pacífico o
entendimento deste tribunal superior, de que aplicável o artigo 466 do CPC ao
processo trabalhista, sendo possível ao magistrado, em qualquer grau de
jurisdição e independentemente de pedido da parte interessada, declarar a
hipoteca judiciária, não havendo falar, pois, em julgamento fora dos limites da
lide. 4. Decisão regional em harmonia com a iterativa jurisprudência desta corte
superior. 5. Incidência da Súmula nº 333 e do artigo 896, § 4º, da CLT. Recurso de
revista integralmente não conhecido. (TST; RR 0001563-12.2011.5.08.0126;
Primeira Turma; Rel. Min. Hugo Carlos Scheuermann; DEJT 05/09/2014).‟
„[...] 6. Hipoteca judiciária. A hipoteca judiciária é efeito da sentença condenatória
proferida, estatuído em Lei, daí decorrendo a possibilidade de sua concessão de
ofício pelo julgador. Inteligência do art. 466 do CPC, de aplicação subsidiária ao
processo do trabalho. Recurso de revisto não conhecido. (TST; Ag-RR 0000431-
70.2012.5.04.0521; Terceira Turma; Rel. Min. Alberto Bresciani; DEJT
29/08/2014).‟
„[...]A jurisprudência desta corte adota o entendimento de que a hipoteca
judiciária de que trata o artigo 466 do CPC é compatível com o processo do
trabalho, não havendo óbice para sua declaração. Esta corte também firmou a
tese da possibilidade da declaração de ofício da hipoteca judiciária. Dessa forma,
como este tribunal adota o entendimento de que é aplicável a hipoteca judiciária,
prevista no artigo 466 do CPC, ao processo trabalhista, conforme a jurisprudência
transcrita, não se verifica ofensa ao artigo 899, § 1º, da CLT. Por outro lado, como
é possível a declaração de ofício da hipoteca judiciária, conforme exposto, não
há falar em julgamento extra petita e, em consequência, em ofensa aos artigos
128 e 460 do CPC e 899 da CLT. Precedentes.[...] (TST; RR 0053100-
08.2009.5.03.0045; Segunda Turma; Rel. Min. José Roberto Freire Pimenta; DEJT
22/08/2014).‟”
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3.3.4. Quando, ao tempo da alienação ou da oneração, tramitava contra o devedor ação
capaz de reduzi-lo à insolvência (art. 792, IV)
O inciso IV do art. 792 é hipótese mais comum de fraude à execução, pois abrange
ação condenatória de qualquer natureza, sem registro de pendência sobre o bem e desde que
essa seja capaz de reduzir o réu a insolvência. Além disso, é a hipótese de maior controvérsia
na doutrina e jurisprudência, porquanto, diferentemente dos incisos anteriores, o inciso IV
está fora do rigor exigido pela sistemática consolidada pela Lei 13.097/15, que, embora destoa
do art. 593, II, CPC/73, é o corolário de alterações que se iniciaram em 2006, com a Lei
11.382/06 – responsável pela mitigação do ônus do adquirente de boa-fé – e perdurou, em
2009, com a edição da súmula 375/STJ.
Pela regra do art. 593, II, CPC/73, parte da doutrina e da jurisprudência percebeu que
um ônus árduo recaía sobre o terceiro adquirente. Isso porque, embora esse estivesse de boa-
fé e tomasse todas a cautelas necessárias – como a obtenção de certidões negativas (certidão
de protesto, certidão de distribuição, certidão negativa de impostos etc.), no local da situação
do imóvel ou no domicílio do devedor –, ainda assim poderia ser surpreendido por pendências
judiciais do devedor, capazes de levá-lo à insolvência, não averbadas em registro público, o
que passaria despercebido até mesmo pelo mais diligente dos homens.
Assim, o legislador, preocupado com tamanha insegurança que a regra do antigo
código causava, trouxe alterações significativas ao texto do CPC/73, por meio da Lei
11.382/06, dentre as quais: a faculdade do exequente de obter certidão da execução, a fim de
promover a averbação em registro público (caput, art. 615-A); a presunção de fraude à
execução, na hipótese de alienação ou oneração de bens efetuada após a averbação (§3º, art.
615-A); e a presunção absoluta de conhecimento por terceiros da existência de registro de
penhora no ofício imobiliário (§4º, art. 659).
Em 2009, corroborando com as alterações trazidas pela referida lei, o Superior
Tribunal de Justiça sumulou o prestígio ao terceiro adquirente de boa-fé, ao prever que: “o
reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da
prova de má-fé do terceiro adquirente” (Súmula 375/STJ).
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Em 19 de janeiro de 2015, a Lei 13.097/15 – que é fruto da conversão da MP 656/14,
cujo um dos objetivos precípuos era “aprimorar a legislação de registro públicos de imóveis”,
“retomando, assim, o espírito de certas alterações promovidas na Lei nº. 5.869 de 11 de
janeiro de 1973 (Código de Processo Civil – CPC), pela Lei nº. 11.382, de 6 de dezembro de
2006”, conforme consta do relatório produzido pelo Senado Federal para justificar sua edição
– buscou depurar, de vez, o que, aparentemente, havia-se tornado uma vertente para Corte
Superior, dispondo em seus artigos 54 e 55:
Art. 54. Os negócios jurídicos que tenham por fim constituir, transferir ou modificar
direitos reais sobre imóveis são eficazes em relação a atos jurídicos precedentes, nas
hipóteses em que não tenham sido registradas ou averbadas na matrícula do imóvel
as seguintes informações:
I - registro de citação de ações reais ou pessoais reipersecutórias;
II - averbação, por solicitação do interessado, de constrição judicial, do ajuizamento
de ação de execução ou de fase de cumprimento de sentença, procedendo-se nos
termos previstos do art. 615-A da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código
de Processo Civil;
III - averbação de restrição administrativa ou convencional ao gozo de direitos
registrados, de indisponibilidade ou de outros ônus quando previstos em lei; e
IV - averbação, mediante decisão judicial, da existência de outro tipo de ação cujos
resultados ou responsabilidade patrimonial possam reduzir seu proprietário à
insolvência, nos termos do inciso II do art. 593 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de
1973 - Código de Processo Civil.
Parágrafo único. Não poderão ser opostas situações jurídicas não constantes da
matrícula no Registro de Imóveis, inclusive para fins de evicção, ao terceiro de boa-
fé que adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre o imóvel, ressalvados o
disposto nos arts. 129 e 130 da Lei no 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, e as
hipóteses de aquisição e extinção da propriedade que independam de registro de
título de imóvel.
Art. 55. A alienação ou oneração de unidades autônomas integrantes de
incorporação imobiliária, parcelamento do solo ou condomínio edilício,
devidamente registrada, não poderá ser objeto de evicção ou de decretação de
ineficácia, mas eventuais credores do alienante ficam sub-rogados no preço ou no
eventual crédito imobiliário, sem prejuízo das perdas e danos imputáveis ao
incorporador ou empreendedor, decorrentes de seu dolo ou culpa, bem como da
aplicação das disposições constantes da Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990
(BRASIL, 2006).
Entretanto, com a entrada em vigor da Lei 13.105/2015 – cujo trâmite ocorreu quase
que paralelamente a Lei 13.097/15, tendo em vista a proximidade de suas publicações –, o que
se nota é que o legislador desdenhou de tudo que foi construído por outros legisladores e por
julgadores nos últimos anos (2006 a 2009), uma vez que foi silente, mantendo quase que a
redação do Código anterior. A nova redação, diferenciando-se da anterior (art. 593, II,
CPC/73), tão somente substituiu o verbo “correr” por “tramitar”, o que, sob uma análise
semasiológica, sequer trouxe mudanças, especialmente para o âmbito da justiça do trabalho.
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Verifica-se, claramente, desse texto legal, que existem dois fatores determinantes para
a configuração dessa hipótese de fraude à execução: pendência de ação em face do devedor e
seu ímpeto em reduzi-lo à condição de insolvente. Porém, a omissão deixou dúvidas quanto a
outros fatores, também determinantes: como a quem compete o ônus de provar a real intenção
que circunda a realização da transação patrimonial, quando não há averbação no registro do
bem – se ao terceiro adquirente (como previa o art. 593, II, CPC/73) ou ao credor (Lei nº
13.097/15) –, ademais a quem compete demonstrar a potencialidade da insolvência em face
do ato de disposição praticado pelo devedor e se o instituto da fraude à execução restaria
configurada se a alienação ou oneração ocorresse no período compreendido entre a
propositura da ação e a citação do réu.
Assim, para os operadores do direito, com o advento do Código de 2015, o que restou
indelével é que a mera alienação ou oneração patrimonial durante o trâmite da ação não
inquinará o negócio jurídico – é imprescindível que o ato de disposição patrimonial seja capaz
de levar o devedor a insolvência –, no mais, restará à doutrina e à jurisprudência solucionar,
até que o legislador defina, com exatidão e de forma pormenorizada, a vertente aspirada.
A doutrina em geral sugere que o juízo sopese as circunstâncias da causa, ou seja,
analise minuciosamente caso a caso e extraia dos fatos elementos cruciais que circundam o
negócio jurídico, como em que condições o terceiro adquiriu o bem, qual a relação deste com
o devedor, se foi diligente, colhendo informações acerca do alienante, entre outras prudências
mais.
Entretanto, dada a oportunidade, é importante salientar algumas posições doutrinárias
que vem ganhando destaque, no direito processual do trabalho. Uma das primeiras questões
polêmicas levantadas com a entrada em vigor do dispositivo em análise é a quem incumbe
demonstrar a potencialidade da ação em reduzir o devedor a insolvência. Para o respeitado
jurista CORDEIRO (2017, p. 175):
Não é, portanto, razoável imputar ao credor o ônus da demonstração da insolvência
do devedor, que deverá comprovar perante o juízo a higidez da transação realizada
no curso da ação. Logo, nem todo ato negocial de disposição patrimonial, realizado
no curso do procedimento judicial em face do devedor, pode ser considerado em
fraude de execução, desde que o devedor demonstra que a transação não o conduziu
à insolvência. Caso não proceda dessa forma, há de se presumir a insolvência.
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Em relação ao tema, e em conformidade com o entendimento supracitado, afirma
DINAMARCO (2000, p. 282) que “não sendo encontrado outros bens a penhorar além
daqueles que o devedor alienou ou gravou no curso do processo, a insolvência é presumida
por lei [...]”.
Outra dúvida levantada pela doutrina e não esclarecida pelo CPC/2015 diz respeito a
quem compete demonstrar o desígnio com que se pretendeu dispor do bem. Ao credor, ao
terceiro adquirente ou ao devedor? Mais rígida que os processualistas civis, a doutrina
trabalhista ressalta “a desnecessidade, no âmbito da fraude de execução, da mensuração da
intenção do devedor quando da realização da transação patrimonial”. Diz mais, “é suficiente a
demonstração de que o negócio jurídico indicativo da insolvência ocorreu no marco temporal
fixado pela norma, não havendo a imposição de se demonstrar a má-fé das partes envolvidas
no negócio jurídico” (CORDEIRO, 2017, p. 175).
Assim, tratando-se de alienação ou oneração de bens não submetidos a registro
durante a tramitação do processo, caberá ao terceiro adquirente comprovar que agiu de boa-fé,
invertendo-se o ônus, uma vez que a má-fé, nessa hipótese, é presumida para o presente autor,
na Justiça do Trabalho.
Contudo, para que se possa exaurir todas as dúvidas sobre o tema, é imprescindível
que se defina o marco temporal destinado à caracterização da fraude à execução, afinal o
legislador foi novamente impreciso ao utilizar a palavra “tramitava”, não esclarecendo ao
certo se o termo inicial abrange o período compreendido entre a propositura da ação, ou se só
é possível a configuração da fraude após citação válida do devedor.
Surge, então, um enorme problema quando o negócio jurídico de disposição
patrimonial ocorre no período compreendido entre a propositura da ação e a citação do réu.
Na doutrina processual civil o tema é inclusive palco de inúmeras discussões, sem resultados
claros sobre o assunto. De um lado, aqueles que sustentam a impossibilidade de a ação
proposta gerar os efeitos da fraude à execução antes da concretização da citação válida
(SLAMACHA, 2007, p. 24). De outro, alguns processualistas de renome optam pela
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relativização da obrigatoriedade da citação válida para a caracterização da fraude à execução
(ASSIS, 2007, p. 246 e seguintes).
Todavia, o que tem prevalecido na esfera processual civil, é que somente após a
citação válida do devedor é que a fraude à execução restará configurada, porquanto só a partir
desse momento, consoante inteligência do art. 240, caput, CPC/2015, é que os efeitos do
ingresso da ação serão observáveis, como, por exemplo, a litispendência, a coisa litigiosa e a
possível mora do devedor. Nesse sentido, retratando o entendimento do Superior Tribunal de
Justiça, inclusive, ASSIS (2007, p. 246-247):
Inaugura-se a litispendência, segundo os arts. 263, 2ª parte e 219 do CPC, mediante
citação válida. Este efeito, que se destina a produzir a pendência da lide perante o
réu, não se relaciona, absolutamente, com a constituição da relação processual, que
já existe, mas entre autor e o Estado, desde a distribuição (art. 263, 1ª parte). Mas o
art. 593, II não alude à litispendência, empregando uma fórmula ambígua: “quando
ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda”. Por isso, a
interpretação de que basta o ajuizamento, pois não interessa ao terceiro se ocorreu a
citação, exibe seu mérito. Acontece que, uniformizando a interpretação do
dispositivo, a jurisprudência do STJ estima imprescindível a citação.
Entretanto, para CORDEIRO (2017, p. 175), esse debate “não apresenta qualquer
reflexo diante da tessitura do direito processual do trabalho”. Para o jurista “[...], a citação,
embora tenha uma importância ímpar na integralização da relação processual, não é
fundamental para o reconhecimento dos efeitos da ação proposta”, isso porque “a notificação
inicial não depende de deliberação jurisdicional (CLT, art. 841), sendo que a mera propositura
da ação já é suficiente para caracterizar todos os efeitos processuais relacionados à
litispendência, prevenção e interrupção da prescrição”.
Dessa forma, para o autor, não possuindo a notificação, no processo do trabalho, os
mesmos atributos da citação, no processo civil, não há motivos para que a fraude só possa ser
reconhecida após o ato de conhecimento. Para essa corrente, basta, na Justiça do Trabalho, a
propositura da respectiva demanda, isto é, que inicial seja protocolizada em juízo e
distribuída, pouco importando a citação válida do reclamado. Nessa mesma perspectiva
posiciona-se SCHIAVI (2017, p. 131):
Pensamos que, no Direito processual do trabalho, a expressão demanda pendente
deve ser interpretada como a propositura da ação, uma vez que não há o despacho de
recebimento da inicial, sendo a notificação inicial ato do Diretor de Secretaria (art.
841 da CLT).
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Embora os argumentos dos ilustres juristas e magistrados sejam lógicos e compatíveis
com a celeridade processual – princípio basilar do direito processual do trabalho – vários são
os julgados recentes, respaldados no entendimento da Corte Superior (STJ), em sentido
contrário, como se observa das seguintes ementas:
AGRAVO DE PETIÇÃO. TERCEIRO ADQUIRENTE DE BOA FÉ.
INEXISTÊNCIA DE FRAUDE À EXECUÇÃO. A fraude à execução somente
pode ser reconhecida a partir da citação da parte contra a qual se pretende
desconsiderar a personalidade, nos termos do art. 792, § 3º, NCPC, aplicável ao
processo do trabalho, conforme art. 3º, XIII, IN 39 do C. TST. (...) Assim,
impõe-se reconhecer que os adquirentes são detentores de boa-fé, haja vista que à
época da concretização do negócio jurídico em questão, não era possível verificar
eventuais causas impeditivas ou ônus sobre o bem, vez que ausentes quaisquer
elementos caracterizadores da fraude à execução pretendida pela agravante. E
mesmo que se considera-se o inciso IV do supracitado artigo (quando, ao tempo da
alienação ou oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à
insolvência), também não se caracterizaria a fraude à execução, posto que, como
visto acima, na data da venda do imóvel nem sequer havia demanda proposta ou em
curso, em face da empresa ré. Apelo do exequente a que se nega provimento.
(TRT2. AGRAVO DE PETIÇÃO : AP 0000003-92.2017.5.02.0481. Relator: Valdir
Florindo. DJ: 06/03/2018. JusBrasil, 2018. Disponível em: <https://trt-
2.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/559806281/39220175020481-sao-vicente-
sp/inteiro-teor-559806291>. Acesso em: 19 ago. 2018).
AGRAVO DE PETIÇÃO. EMBARGOS DE TERCEIRO. ALIENAÇÃO DE
VEÍCULO EM MOMENTO ANTERIOR A CITAÇÃO DO SÓCIO
EXECUTADO. FRAUDE À EXECUÇÃO NÃO CONFIGURADA. A Agravante
conseguiu demonstrar que a compra do veículo se deu em momento anterior à
citação do sócio executado, o que de monstra que a Empresa Agravante adquiriu o
bem de boa-fé. Observe-se, inclusive, que não havia qualquer restrição à
transferência no prontuário do veículo no DETRAN, quando do fechamento do
negócio entre a Agravante e o Sócio Executado. Desse modo, ao não ser registrado o
gravame sobre o veículo junto ao Órgão de Trânsito, antes da alienação e não
existindo a demonstração da má-fé da compradora, não há como se reconhecer a
fraude. Nesse sentido, encontram-se as disposições contidas no art. 792 do NCPC,
que vieram a suprir lacunas no antigo Código de Ritos. Ademais, a circunstância de
não ter havido a transferência formal do registro do veículo junto ao DETRAN, para
a Agravante, não tem o condão de lhe impedir de exercitar o seu direito pleno da
propriedade do bem em questão, pois as infrações por ela cometidas se acham
apenas na esfera administrativa. Agravo de Petição provido. (TRT6. AGRAVO DE
PETIÇÃO : AP 0001014-63.2015.5.06.0143. Relator: Eneida Melo Correia de
Araujo. DJ: 26/10/2016. JusBrasil, 2016. Disponível em: <https://trt-
6.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/418485676/agravo-de-peticao-ap-
10146320155060143/inteiro-teor-418485685>. Acesso em: 19 ago. 2018).
Para fins de comparação, segue o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça:
REGIMENTAL. ALIENAÇÃO DE BENS ANTES DA CITAÇÃO VÁLIDA.
FRAUDE A EXECUÇÃO NÃO CARACTERIZADA. A alienação ou oneração de
bens, antes da citação válida, não configura fraude de execução. (STJ. AGRAVO
REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO : AgRg no Ag 677.200 MG
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2005/0071187-0. Relator: Ministro Humberto Gomes de Barros. DJ: 19/03/2007.
JusBrasil, 2007. Disponível em:
<https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/8980513/agravo-regimental-no-agravo-
de-instrumento-agrg-no-ag-677200-mg-2005-0071187-0?ref=juris-tabs>. Acesso
em: 19 ago. 2018)
Tece-se aqui breves comentários acerca do primeiro julgado, de relatoria do
Desembargador Valdir Florindo. Fundamenta o magistrado, diferentemente dos demais, sua
decisão na Instrução Normativa 39 do TST, art.3º, XIII, com o objetivo de descaracterizar a
fraude quando praticada antes da citação válida, embora após a propositura da reclamação
trabalhista.
Ocorre que o presente dispositivo prevê a aplicabilidade dos arts. 789 a 796 do
CPC/2015 ao Processo do Trabalho. Entretanto, como já vistos, os mencionados artigos são
omissos quanto à citação válida como marco inicial da fraude à execução. Mais coeso seria se
Sua Excelência motivasse sua decisão utilizando-se do art. 240 do CPC/2015, acompanhando
o posicionamento do STJ. Contudo, ainda assim, não seria possível invocar a IN 39/TST para
alicerçar seu entendimento, porquanto tal Regulamento não previu, em seu bojo, essa
hipótese.
Além disso, embora a egrégia Corte tenha um entendimento consolidado acerca do
tema, não se pode olvidar que algumas de suas Turmas já relativizaram a obrigatoriedade da
citação válida, para o reconhecimento da fraude à execução, desde que demonstrado o
conhecimento inequívoco do réu acerca de demanda proposta em seu desfavor:
PROCESSO CIVIL. FRAUDE À EXECUÇÃO. EXIGÊNCIA DE CITAÇÃO
VÁLIDA ANTERIOR À ALIENAÇÃO DO BEM. CIRCUNSTÂNCIA FÁTICA
PECULIAR AO CASO CONCRETO. I – Segundo a jurisprudência desta Corte,
apenas se configura fraude à execução quando a alienação do bem tenha ocorrido
após a existência da demanda com citação válida. II – No caso dos autos, a citação
pessoal da alienante ora Recorrente é posterior à alienação dos imóveis em
litígio. Sucede, porém, que, antes disso ela já havia sido citada na condição de
representante do espólio do seu pai, a quem pertenciam originariamente os
imóveis e contra quem havia sido proposta originariamente a execução. Tal
circunstância revela-se suficiente para que se tenha por satisfeita a exigência
jurisprudencial do conhecimento prévio. [...]. Recurso Especial não conhecido. (STJ.
RECURSO ESPECIAL : REsp 1067216 PR 2008/0132800-6. Relator: Ministro
Sidnei Beneti. DJ: 26/05/2009. JusBrasil, 2009. Disponível em:
<https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/6064066/recurso-especial-resp-1067216-
pr-2008-0132800-6-stj/relatorio-e-voto-12203062?ref=juris-tabs>. Acesso em: 20
ago. 2018). (grifo nosso)
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Ainda, como paradigma transcrito pela recorrente para admissibilidade do recurso
especial:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. FRAUDE À EXECUÇÃO. INEFICÁCIA DE
DOAÇÃO. INSOLVÊNCIA. DECISÃO ACERTADA. RECURSO DESPROVIDO.
Por um realista princípio ético que deve presidir as interpretações jurídicas, estando
inequivocamente ciente o demandado da demanda proposta, fica o ato
inquinado de fraude à execução apesar de ainda não citado. Sua efetiva ciência
basta para deixar clara a intenção fraudulenta com que tenha desfalcado seu
patrimônio. (TJPR. AGRAVO DE INSTRUMENTO : AI 4044073 PR 0404407-3.
Relator: Glademir Vidal Antunes Panizzi. DJ: 16/05/2007. JusBrasil, 2007.
Disponível em: < https://tj-pr.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/6240352/agravo-de-
instrumento-ai-4044073-pr-0404407-3>. Acesso em: 20 ago. 2018). (grifo nosso)
Contudo, até o momento, o que é indiscutível para os operadores do direito, no que diz
respeito ao polêmico termo inicial da fraude à execução, é a hipótese bem esclarecida pelo art.
792, § 3º, CPC/2015, cuja previsão é no sentido de que, “nos casos de desconsideração da
personalidade jurídica, a fraude à execução verifica-se a partir da citação da parte cuja
personalidade se pretende desconsiderar”, dispositivo esse aplicável também à Justiça do
Trabalho, pela IN 39/TST. No mais, ficará a cargo da doutrina e jurisprudência trabalhista a
solução das divergências, dobrando-se ou não ao entendimento do STJ, ou até mesmo
mitigando-o, quando do conhecimento inequívoco do reclamado.
3.3.5. Nos demais casos expressos em lei (art. 792, V)
MIRANDA FILHO (2016, p.76) em sua dissertação, cujo tema é “Fraude à execução
pela insolvência do executado e o confronto entre as posições do exequente e do terceiro
adquirente”, arrola algumas das hipóteses de fraude à execução previstas expressamente em
lei e tratadas pela doutrina:
[...]: i) alienação ou oneração de bens do sujeito passivo da dívida ativa, nos termos
do art. 185, do CTN; ii) quitação do débito pelo credor em conluio com o devedor;
negativa do crédito pelo credor em conluio com o executado (art. 856, § 3º, NCPC);
iii) a contratação ou a prorrogação de locação por prazo superior a um ano do bem
objeto da propriedade fiduciária sem a concordância por escrito do credor (art. 37-B
da Lei 9.514/1997, com a redação da Lei 10.931/2004); iv) a alienação de bens em
relação à massa falida (art. 129, da Lei 11.101/2005); e v) transferência da
residência familiar para imóvel valioso adquirido pelo devedor mesmo sabendo-se
insolvente (art. 4º da Lei n. 8.009/1990).
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3.3.6. Quando o sócio da empresa alienar bem particular antes da desconsideração da
personalidade jurídica da empresa (art. 792, § 3º)
O CPC/2015 inovou ao regulamentar o procedimento do incidente de desconsideração
da personalidade jurídica. Além de outras peculiaridades, os artigos previstos no Capítulo IV
(DO INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA) do
CPC/2015 estabeleceu que são legitimados para pedir a instauração do incidente de
desconsideração da personalidade jurídica a parte ou o Ministério Público (art. 133), em
qualquer fase processual, seja ela a de conhecimento, de cumprimento de sentença ou de
execução de título extrajudicial (art. 134), devendo a instauração do incidente ser
“imediatamente comunicada ao distribuidor para as anotações devidas” (§ 1º do art. 134).
Após a instauração do referido incidente, o sócio – ou a pessoa jurídica, na
desconsideração inversa – deverá ser citado para manifestar-se no prazo de 15 dias (art. 135)
(respeito aos arts. 1º e 7º, in fine, do CPC/2015), haja vista que “acolhido o pedido de
desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será
ineficaz em relação ao requerente” (art. 137)
Já no que tange ao momento em que a fraude à execução se configura, na hipótese de
desconsideração da personalidade jurídica, o referido Capítulo IV foi omisso. Isso porque o
legislador optou por trazer a solução no capítulo seguinte, que trata DA
RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL (CAPÍTULO V). Dispõe o art. 792, § 3º, deste
capítulo, que “nos casos de desconsideração da personalidade jurídica, a fraude à execução
verifica-se a partir da citação da parte cuja personalidade se pretende desconsiderar”.
Para ABELHA (2016. p. 107 ), “a solução preconizada no art. 790, § 3.º [...] é de uma
ingenuidade absurda por parte do legislador, simplesmente porque pode ser facilmente
driblada pelo devedor, pois, segundo o dispositivo, „nos casos de desconsideração da
personalidade jurídica, a fraude à execução verifica-se a partir da citação da parte cuja
personalidade se pretende desconsiderar‟”. Assim, alude o autor, “se o exequente não
encontrar bens no patrimônio do executado e requerer a instauração do incidente de
desconsideração da personalidade jurídica, [...], segundo o § 3.º supra, a fraude à execução se
verificará a partir da citação da pessoa jurídica nesse incidente”.
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O jurista trata o problema com toda razão. Isso porque o devedor, atuando no processo
como representante legal da pessoa jurídica ré, não só tomará conhecimento prévio (desde a
citação válida da ação principal) da existência da demanda capaz de levá-la à insolvência,
como terá tempo suficiente para se antecipar e dispender de seus bens muito antes da
instauração do incidente, uma vez que o credor, provavelmente, requererá a instauração do
incidente, para alcançar o patrimônio particular da pessoa física (executado). Dessa forma, o
mais correto seria se o legislador tivesse definido como marco inicial da fraude à execução, a
primeira citação – a da ação principal –, e não a citação da parte cuja personalidade se
pretende desconsiderar, evitando, assim, que o devedor conte com tempo suficiente, em que
está incólume, para manipular seus bens particulares.
Embora existam posicionamentos doutrinários diversos do que a legislação processual
prevê, é indispensável, também, que o terceiro adquirente, como nos demais incisos, realize as
diligências mínimas para comprovar sua boa-fé no negócio jurídico, como, por exemplo, a
obtenção de certidões de praxe em nome do devedor, o que é possível antes mesmo da citação
do executado. Isso porque, o juiz, ao deferir o processamento do incidente de desconsideração
da personalidade jurídica, terá determinado a comunicação imediata ao distribuidor da
instauração do incidente para as anotações devidas, consoante § 1º do art. 134, CPC, e,
atendida tal determinação, qualquer terceiro de boa-fé poderá verificar a existência de
eventual ação ou incidente de desconsideração da personalidade jurídica da empresa cujo
alienante seja sócio.
Ademais, embora o instituto tenha sido bem recepcionado no processo civil, nem tanto
foi pelo processo do trabalho. Na Justiça do Trabalho, a regulamentação e aplicação do
CPC/2015 ao instituto da desconsideração da personalidade jurídica não foi tão ovacionado,
porquanto a legislação processual civil traz regras – como a verificação da fraude à execução
a partir da citação (§ 3º, art. 792) e o contraditório, a ser apresentado pelo sócio no prazo de
15 dias (caput, art. 135) – que inviabilizam um princípio relevante e norteador do direito
processual do trabalho, qual seja a celeridade processual. Contudo, para a outra parcela da
doutrina, a regulamentação impedirá que injustiças, como os pedidos desenfreados de
desconsideração e o cerceamento de defesa, ocorram, o que acontecida sob a égide do
CPC/73.
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No entanto, ficará a cargo dos tribunais, observada a Instrução Normativa 39 de 2016
do TST, dirimir conflitos e consolidar entendimentos sobre esses e outros dispositivos que
ferem as normas e os princípios trabalhistas, tornando a execução célere, efetiva e,
principalmente, compatível com as garantias constitucionais (do acesso à justiça, do
contraditório e ampla defesa e da razoável duração do processo).
3.3.7. Quando há apenas compromisso de compra e venda não registrado na matrícula
do imóvel
Consoante já pacificado pelo STJ, mediante a Súmula 84, o promitente comprador
poderá opor “embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda de compromisso
de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido de registro”, para a defesa de seus
direitos sobre o imóvel. Ou seja, a ausência do registro do compromisso de compra e venda na
matrícula do bem não impede que o compromissário comprador, que esteja na posse do
imóvel, oponha embargos de terceiro para desconstituir eventual constrição judicial (art. 674,
CPC/2015). Dá-se dessa forma porque o compromisso de compra e venda não exige forma ou
solenidade para sua celebração (TJSP, 2016, on-line).
Entretanto, a oposição desses embargos pelo compromissário comprador, por si só,
não é suficiente para que a ação seja julgada procedente ou, mesmo, que a fraude à execução
seja afastada. Para que isso ocorra, é indispensável que o compromisso de compra e venda
seja celebrado antes da penhora do imóvel, ou mesmo da própria citação do devedor. No
entato, é evidente que o devedor pode conhecer da constrição ou da ação antes mesmo de uma
eventual penhora ou citação, e, com o intuito de evitar o arrebatamento de seu bem, forjar um
compromisso de compra e venda com um terceiro, impedindo a satisfação dos direitos do
credor.
Ciente dessa hipótese, a jurisprudência tem reconhecido a fraude à execução em
diversas circunstâncias envolvendo compromisso de compra e venda, por exemplo, quando
houver dúvida acerca da existência do compromisso, quando presentes divergências entre o
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instrumento de compromisso e a escritura levada posteriormente a registro, por falta de
declaração do bem no imposto de renda, por extratos de conta corrente, em razão de
celebração do referido instrumento após a penhora do bem no processo, entre outras situações
corriqueiras.
Assim, para que não fique caracterizado a fraude à execução na hipótese de
compromisso de compra e venda não levado a registro pelo adquirente, a jurisprudência é no
sentido de que esse seja efetivamente celebrado em momento pretérito ao do ajuizamento da
ação responsável pela constrição do bem. Caso contrário, se o compromisso de compra e
venda for celebrado após o ajuizamento da respectiva ação, o juiz poderá deferir a fraude,
levando em consideração as peculiaridades do caso, como a não obtenção de certidões de
praxe pelo terceiro adquirente, a existência de averbação de constrição no registro do bem etc.
Por fim, situação distinta, conquanto ainda mais frequente, é a do compromisso de
compra e venda não levado a registro. É possível que o devedor, a fim de omitir de seus
credores imóvel sobre sua “posse”, deixe, propositalmente, de registrar o compromisso de
compra e venda (do qual esse bem é objeto) no Cartório de Registro de Imóvel, uma vez que
apenas o respectivo registro confere ao compromissário comprador direito real sobre o tal.
Embora, aqui, o devedor seja considerado proprietário de fato do bem (e não de direito), o que
poucos sabem é que a sua condição furtiva não afasta o reconhecimento da fraude à execução
pelo juiz, bastando para isso que o magistrado seja informado de que o executado é, ainda que
de fato, proprietário do imóvel e o alienou durante a pendência de demanda.
3.3.8. Fraude à execução em relações familiares: renúncia à herança e partilha de bens
entre casais divorciados (doações para parentes ou renúncia a eventuais direitos
decorrentes de herança)
Quando existir demanda em face do herdeiro insolvente, a renúncia desse à herança
caracterizará fraude à execução. O mesmo ocorre com a doação entre familiares. A
jurisprudência do STJ reconhece a fraude à execução nessas hipóteses, independentemente
das exigências previstas na Súmula 375: registo da penhora ou da prova de má-fé do terceiro.
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Isso se dá em razão das previsões dos arts. 1.813 e 158, ambos do CC: “quando o
herdeiro prejudicar os seus credores, renunciando à herança, poderão eles, com autorização do
juiz, aceitá-la em nome do renunciante”; “os negócios de transmissão gratuita de bens ou
remissão de dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência,
ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores quirografários, como lesivos dos
seus direitos” (BRASIL, 2002).
Entende-se, em muitos casos, que o negócio jurídico entre familiares, prejudiciais a
credores (como doações ou renúncia à herança), são realizados com a finalidade de fraudar a
execução e, por conseguinte, seu reconhecimento é presumido, bastando para tal apenas a
condição de insolvência do devedor. A relação jurídica, aqui, é indubitavelmente o meio mais
pertinente, fácil e rápido de inibir os efeitos de uma futura e eventual execução. A
cumplicidade desse conluio é muito maior do que entre sujeitos que não possuem laços
familiares. A cooperação, conjuração e prontidão de um parente, em tese, seria,
consideravelmente, maior do que a de um terceiro estranho, o que tornaria ainda mais difícil
perquirir a fraude.
3.3.9. Alienações sucessivas do imóvel a terceiros mediatos (terceiros que adquiriram o
bem de um vendedor – terceiro imediato – que, anteriormente, havia adquirido o bem
do devedor/executado)
Como a própria nomenclatura sugere, alienações sucessivas nada mais são do que
aquelas transferências realizadas após a primeira, entre devedor e terceiro adquirente
(adquirente imediato). Essas alienações, no passado, eram tratadas pela Corte Superior com
rigor descomedido. O STJ condicionava sua validade e a eficácia à das aquisições anteriores,
uma vez que “a fraude de execução contamina as alienações posteriores, independentemente
do registro da penhora que sobre o mesmo bem foi efetivada” (STJ, 3ª T., REsp 34.189/RS,
rel. Min. Dias Trindade, j. 14.03.94).
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Tendo em vista que esse posicionamento, na prática, privilegiava, de maneira
excessiva o credor, em detrimento do terceiro adquirente de boa-fé, a jurisprudência,
paulatinamente, foi reformando o entendimento imponderado, de modo que passou a
considerar a presunção de boa-fé dos adquirentes mediatos, que, a partir de então, apenas
ficariam incumbidos de obter certidões de praxe relativos ao alienante imediato, não sendo
razoável exigir desses a obtenção de certidões dos antigos proprietários.
Nesse sentido, ASSIS (2016, p. 398-399) assevera que, “o registro se mostra fator de
eficácia da penhora perante o subadquirentes, a teor do art. 240 da Lei 6.015/1973”,
ressalvando que “incumbirá ao exequente produzir prova hábil de que o subadquirente não
poderia ignorar a litispendência, invocando o costume como fonte supletiva do art. 792, IV”.
Por outro lado, se comprovar a má-fé do terceiro imediato é difícil, o que se dirá do
mediato, na alienação sucessiva. Destarte, alguns autores, como MIRANDA JÚNIOR (2016,
p. 99), propõe medidas mais contidas em face do atual entendimento:
Quando se trata de alienação de bem imóvel, o adquirente também poderá encontrar,
na matrícula do bem, as informações de todos aqueles que, um dia, foram
proprietários do imóvel a ser adquirido, nada impedindo que, de forma diligente,
obtenha as certidões de praxe também dos antigos proprietários, limitado ao período
dos últimos 10 anos (período de abrangência suficiente para a certidão – cf. item 3.3
infra).
Sobretudo, há julgados adotando nova postura com relação ao tema, qual seja o
reconhecimento da fraude à execução em hipóteses que a alienação ocorre em períodos curtos
de tempo ou quando realizadas entre familiares, como exposto a seguir (MIRANDA FILHO,
2016, p. 100):
Aquisição sucessiva – Prevalência do voto condutor do acórdão embargado –
Circunstâncias fáticas reveladoras da extensão da fraude à aquisição pelo terceiro –
Incapacidade econômico-financeira da adquirente, aquisição por valor aquém ao de
mercado e não adoção das cautelas necessárias à aquisição imobiliária, ainda que
sucessiva (...) Esse breve lapso temporal repita-se, menos de 05 meses não tem
como ser desconsiderado, porquanto exigia da embargante maior atenção na
verificação da situação dos proprietários originários. (TJSP. 14ª Câm. Dir. Priv, Ap.
0078790-75.2012.8.26.0002, rel. Des. 06.07.16, j. 06.07.16).
Má-fé caracterizada – Boa-fé presumida inexistente – Alienação sucessiva –
Regresso – Possibilidade do levantamento da sobra em eventual praceamento –
Execução que tramita há mais de 20 anos (...) Os codevedores solidários, quase uma
década depois de citados, transferiram um apartamento encerrando área de mais de
200m2 e quatro vagas de garagem, no bairro do Morumbi, a favor de Claudina, pelo
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preço de R$ 330.000,00, matrícula 66.473. Poucos meses depois, em maio de 2008,
a terceira embargante, Maria Beatriz Davis Horn, comprou o imóvel pelo valor de
R$ 360.000,00 (fls. 33), à vista. (....) Causa estranheza a velocidade da venda em
relação à terceira embargante, à época, com 78 anos de idade, comprando imóvel
dispondo de quatro vagas de garagem (sic), na condição de viúva. (TEJSP, 14ª Câm.
Dir. Priv. Ap. 0078790-75.2012.8.26.0002, rel. Des. Carlos Abrão, j. 09.03.16)
Alienações sucessivas de imóvel de pai para filho e para terceiro, enquanto pendia
contra o primeiro demanda capaz de levá-lo à insolvência. Informação pública
constante no Distribuidor Cível da própria Comarca do imóvel (...) Ora, tanto o
imóvel quanto a execução estão situados nesta Comarca da Capital, a alienação
anterior fora feita de pai para filho e, repito, este alienou o imóvel mais uma vez
poucos meses depois. Ademais, ainda que a fraude de execução inicialmente
perpetrada por Fabio Ortega (e agora continuada por Fabio Ortega Filho) apenas
tinha sido reconhecida em juízo em 02-12-2011, fato é que se o embargante tivesse
sido minimamente diligente e solicitado certidões negativas do Distribuidor Cível da
Comarca da Capital, teria tomado conhecimento dessa demanda e, prudentemente,
abandonado o negócio. Se obteve essa certidão e, ainda assim, firmo contrato, então
assumiu conscientemente o risco da fraude (TJSP, 28ª Câm. Dir. Priv. Ap. 1024171-
44.2013.8.26.0100, rel. Des. Gilson Delgado Miranda, j. 24.02.15)
3.4. Reflexos práticos
Segundo RELATÓRIO GERAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO (2016, pág. 6), da
Coordenadoria de Estatística e Pesquisa do TST, em 2016, “foram julgados 4.061.588
processos, 95,0% do total recebido. Nas Varas do Trabalho esse percentual alcançou 96,4%”.
Embora o percentual de conciliação fora o mais baixo desde 2006 (38,8%), “as execuções
iniciadas somadas às execuções pendentes de anos anteriores - pendentes de execução e em
arquivo provisório - totalizaram 2.981.156 processos” (724.491 execuções iniciadas somadas
aos 2.256.665 resíduos de 2015) (Figura 1), sendo que desse total, foram encerradas 661.850,
22,2%, conforme pode se notar da tabela a seguir:
Tabela 1 – Total de processos a executar em 2016
Região
Judiciária
Resíduo em
2015
Execuções
Iniciadas
Total a
Executar
em 2016
Execuções
Encerradas
Resíduo
em 2016
1ª – RJ 287.272 71.277 358.549 46.703 301.794
2ª - SP 274.866 62.756 337.622 125.315 468.775
3ª - MG 204.119 57.166 261.285 46.728 206.394
4ª - RS 223.346 63.001 286.347 43.997 233.490
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5ª - BA 168.891 45.455 214.346 41.562 165.359
6ª - PE 45.026 36.163 81.189 24.797 66.653
7ª - CE 77.746 24.952 102.698 23.192 78.379
8ª - PA e AP 42.850 23.055 65.905 16.980 49.267
9ª - PR 198.578 52.015 250.593 36.139 204.180
10ª - DF e TO 63.520 20.540 84.060 14.223 75.717
11ª - AM e RR 17.538 15.162 32.700 14.454 22.051
12ª - SC 61.629 28.752 90.381 22.654 67.756
13ª - PB 18.967 10.427 29.394 8.142 21.502
14ª - RO e AC 20.515 8.578 29.093 7.060 22.399
15ª-Camp./SP 208.915 90.951 299.866 100.033 178.990
16ª - MA 49.635 11.699 61.334 9.644 50.715
17ª - ES 25.263 15.180 40.443 12.971 29.516
18ª - GO 47.797 24.369 72.166 19.266 52.761
19ª - AL 54.474 11.907 66.381 5.386 55.563
20ª - SE 25.386 7.375 32.761 6.516 26.943
21ª - RN 50.042 12.309 62.351 13.522 43.943
22ª - PI 27.455 9.666 37.121 8.177 28.365
23ª - MT 37.710 11.671 49.381 8.124 40.556
24ª - MS 25.125 10.065 35.190 6.265 27.669
País 2.256.665 724.491 2.981.156 661.850 2.518.737
Nota: No Resíduo, estão incluídos os Processos em arquivo provisório.
Figura 1 - Total de processos a executar. 2016
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Sobre o cômputo médio do tempo entre o ajuizamento de uma ação e o seu
encerramento, a pesquisa aponta que enquanto no TST, esse prazo foi de 1 ano, 6 meses e 12
dias; nos Tribunais Regionais do Trabalho, de 8 meses e 3 dias e, nas Varas do Trabalho, de 6
meses e 15 dias na Fase de Conhecimento, na Fase de Execução, esse prazo é um tanto
moroso em face dos demais: de 2 anos, 8 meses e 6 dias (Figura 2).
Figura 2 – Cômputo médio de tempo do processo em todas as instâncias.
Fonte: RGJT (2016, p. 96)
2.256.665
Resíduo Anterior
724.491
Execuções Iniciadas
2.981.156 Total a Executar
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Ademais, o estudo aponta, ainda, que nas Varas do Trabalho, “[...] a Recorribilidade
para os TRTs, na Fase de Conhecimento, foi da ordem de 60,0% das sentenças proferidas e,
na Fase de Execução, foi de 84,9% das decisões em Embargos à Execução” de um total de
761.035 recursos interpostos, “sendo 621.096 Recursos Ordinários, 39.436 Recursos
Adesivos, 12.283 Agravos de Instrumento, 4.063 Reexames Necessários e 84.157 Agravos de
Petição. Houve aumento de 11,9% em relação a 2015” (Figura 3)
Figura 3 – Percentual de recorribilidade de uma instância a outra.
Fonte: RGJT (2016, p. 99)
Ressalta-se também que, mesmo com o fomento das soluções consensuais de
conflitos, a execução continua sendo o meio mais eficiente, no âmbito da Justiça do Trabalho,
para o cumprimento das obrigações entre empregados e empregadores (Figura 4):
Figura 4 – Valores Pagos aos Reclamantes (em Milhões de Reais). 2007-2016.
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Figura 5 – Percentual de Conciliação. 2016
Fonte: RGJT (2016, p. 78)
Figura 6 – Percentual de Conciliações na 1ª instância. 2007-2016
7.437 6849 7086 7929 10725 13155 13624 9398 9061
12872 2456 3158 3142 3358
4033 5466 6287
6122 7161
9029
0 0 0 0 0
0 749 825 1258
[VALOR]
9.894 10.007 10.229 11.287
14.758
18.628 20.659
16.345 17.480
24.359
0
10.000
20.000
30.000
40.000
50.000
60.000
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
Figura 4 - Valores Pagos aos Reclamantes (em Milhões de Reais). 2007-2016
Execução Acordos Pagamentos Espontâneos Total
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Fonte: RGJT (2016, p. 78)
Do total de R$ 24.358.563.331,43 pagos aos reclamantes, 37,1% decorreram de
acordos judiciais (aumento de 18,0% em relação ao ano de 2015) e 52,8% de execução de
sentença (aumento de 33,0%), ocorrendo apenas 2.458 pagamentos espontâneos no presente
ano, segundo o órgão responsável pela pesquisa. Dessa forma, nota-se que a execução,
embora seja excruciante, em relação às demais formas de solução de conflitos, ainda é
extremamente relevante para a Justiça do Trabalho (Figura 7).
Figura 7 – Percentual de valores pagos aos reclamantes. 2016.
37%
10%
53%
Valores Pagos aos Reclamantes em 2016
Decorrentes deAcordo
Decorrentes dePagamentoEspontâneo
Decorrentes deExecução
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Tendo tudo isso em vista – a importância dessa fase para a satisfação dos créditos
trabalhistas, a morosidade com que ela se desenvolve (nem sempre pela interposição ou
oposição de recursos) e, por conseguinte, o gigantesco número de resíduos que se acumulam
de um ano para o outro –, não seria razoável absolver um dos maiores responsáveis pelas
máculas que acometem a fase de execução no atual cenário da Justiça do Trabalho, abarrotada
de demandas judiciais atravancadas e insolúveis.
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IV. DEFESAS E SOLUÇÕES -SISTEMAS E TÉCNICAS DE
PREVENÇÃO E DE REMOÇÃO DO ILÍCITO (FRAUDE À
RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL)
A difusão do conhecimento jurídico e, por conseguinte, de suas inúmeras lacunas e
imperfeições somadas à saturação de profissionais advogados no mercado, lutando com
“unhas e dentes”, cada qual, pelo seu espaço, transformaram as lides em campos de batalhas
sem limites. O importante é alcançar a vitória tão almejada, nem que para isso advogados e
clientes desdenhe normas vigentes e desenvolvam técnicas para ludibriar o ordenamento
pátrio, com suas fraudes, simulações e os mais variados atos inescrupulosos possíveis de
serem arquitetados.
Tendo tudo isso em vista e, por conseguinte, instalada a insegurança jurídica, a justiça
clamou por soluções. Foi necessária, e continua sendo, uma evolução normativa incessante,
capaz de impedir que tais práticas ocorram ou, ocorrendo, subsistam. Esse trabalho não cabe
tão somente aos legisladores. É indispensável que o assunto seja rediscutido reiteradamente
pelos operadores do direito, a fim de cercar tais práticas e reeducar os sujeitos litigantes, que
não devem utilizar-se de ilícitos para blindar-se de suas obrigações.
Quanto ao patrono do autor e julgadores, a primeira preocupação deve ser de evitar o
desfalque patrimonial – que se dá pela alienação ou oneração ilícita do devedor – caso esse
ainda não tenha ocorrido. Caso o ardil já tenha ocorrido, o operador precisa identificar o
momento do ultimato – se durante a fase de conhecimento, de um cumprimento de sentença
ou de um processo de execução, ou se depois de qualquer dessas fases – e, assim, valer-se da
técnica de remoção mais apropriada e eficaz.
Por esse motivo, o presente trabalho propôs a rediscussão de técnicas preventivas e de
remoção desses ilícitos. Para isso, de imediato foi necessário adotar um critério de solução,
qual seja o cronológico, isso é, identificar o momento em que a fraude instalou-se. Assim, o
sensato operador do direito poderá, de forma efetiva, utilizar-se de ferramentas inibidoras ou
arrebatadoras da mácula processual, contribuindo para a plena satisfação do direito do credor.
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Passemos então a análise desses mecanismos:
4.1. Averbação premonitória
A averbação, ou anotação, no registro público do bem continua sendo a técnica de
proteção da responsabilidade patrimonial mais importante e eficiente prevista em nosso
ordenamento jurídico pátrio. Esse instrumento processual é apto a aumentar as chances de
eficácia da execução, consideravelmente. Isso ocorre porque a mera pendência do processo,
desde que averbado em registro, fada eventuais alienações do devedor de ineficácia, uma vez
que a fraude – como é tratada pela legislação processual esse comportamento – é
absolutamente presumida, consoante art. 844.
Embora o artigo 828, caput, CPC/2015, (averbação premonitória), encontra-se no
Título II, do Livro II, da legislação processual vigente (Livro que rege o chamado “processo
de execução”), a jurisprudência e doutrina, interpretando a regra de forma que se lhe dê maior
eficácia e maior proveito, tem entendido que é possível sua aplicação também no processo de
conhecimento (interpretação analógica do art. 828), e não somente no processo de execução,
desde que, todavia, estejam presentes os requisitos autorizadores da tutela cautelar, nos termos
do art. 300 e 301 da mesma legislação. Afinal, a fraude à execução pode ocorrer também na
fase de conhecimento, e se a averbação premonitória é técnica que permite inibir o ato
fraudulento, nada mais lógico que também seja admitido no processo cognitivo. Nesse
sentido, o presente julgado:
Agravo de Instrumento. Alienação Fiduciária de imóvel. Ação Declaratória de
Nulidade de Atos Jurídicos. Tutela provisória indeferida em Primeiro Grau.
Pretensão à averbação premonitória em fase de conhecimento. Possibilidade.
Art. 828, CPC. Aplicação subsidiária das regras que regem o processo de
execução. Ausência de incompatibilidade. Decisão reformada. Recurso provido”
(TJSP. AGRAVO DE INSTRUMENTO : AI 2089244-13-2017.8.26.0000. Relator:
Bonilha Filho. DJ: 22/06/2017. JusBrasil, 2017. Disponível em: <https://tj-
sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/471919149/agravo-de-instrumento-ai-
20892441320178260000-sp-2089244-1320178260000/inteiro-teor-471919168>.
Acesso em: 20 ago. 2018).
Dessa forma, mesmo que o credor não possua ainda um título executivo em mãos, é
possível que ele faça uso da averbação premonitória para resguardar seu direito e se precaver
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de eventual alienação fraudulenta pelo devedor. Para isso, é facultado a ele obter certidão de
distribuição para respectiva averbação em órgão de registro do bem, seja ele Cartório de
Registro de Imóveis (para imóveis), Detran (para veículos), Comissão de Valores Mobiliários
(para ações e outros valores imobiliários), entre outros.
Todavia, o art. 828 exige que, para obtenção dessa certidão de distribuição, a execução
seja pelo menos admitida pelo juiz (passe pelo juízo de admissibilidade), a fim de que se evite
prejuízos em casos de execuções evidentemente infundadas (diferentemente do que ocorria no
CPC/73). Também, que dela conste o nome das partes e valor da causa (e, obviamente, que a
indicação dos dados que permitam a identificação do processo).
Ademais, uma das principais finalidades desse ato, consoante art. 799, IX, CPC/2015,
é dar conhecimento a terceiros da existência de pendência sobre o bem do executado. Dessa
forma, o terceiro não poderá sustentar que estava de boa-fé e, por conseguinte, toda e
qualquer alienação do bem pelo devedor será considerada tentativa de fraudar a execução
(presunção absoluta).
Por fim, no que tange aos bens não sujeito a registros, o artigo 792, § 2º, da legislação
processual é categórico ao afirmar que o “terceiro adquirente tem ônus de provar que adotou
as cautelas necessárias para a aquisição, mediante a exibição das certidões pertinentes, obtidas
no domicílio do vendedor e no local onde se encontra o bem”. Nesse sentido, também, a
jurisprudência trabalhista:
AGRAVO DE PETIÇÃO – FRAUDE À EXECUÃO – ÔNUS DA PROVA – De
acordo com o parágrafo segundo do art. 792 do CPC de 2015, no caso de
aquisição de bem não sujeito a registro, constitui ônus do terceiro adquirente
provar que adotou as cautelas necessárias para a aquisição, mediante a exibição
das certidões pertinentes, obtidas no domicílio do vendedor e no local onde se
encontra o bem. Ao atribuir o ônus da prova ao terceiro adquirente, o novo CPC
observou o princípio da aptidão da prova, revertendo ao comprador o encargo de
demonstrar que agiu de boa-fé, por meio da comprovação de que se acautelou
dos cuidados necessários à aquisição do bem de alto valor monetário. “In casu”,
não restou demonstrado que o bem sob o qual recaiu a constrição fosse o adquirido
pela embargante. Contudo, restou evidenciado que a agravante/adquirente tinha
conhecimento ou, no mínimo, teria condições de averiguar que, à época da
alienação, tramitava contra a alienante ação capaz de reduzi-la à insolvência (art.
792, IV, do CPC de 2015), porque esta estava encerrando as suas atividades no local
do estabelecimento empresarial. Portanto, é irrelevante a comprovação de que a
máquina adquirida pela embargante era ou não a mesma do auto de penhora,
porquanto esta não comprovou a adoção das devidas cautelas, imprescindíveis à
aquisição de bem móvel de elevado custo, com o intuito de verificar a saúde
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financeira da alienante. Nesse contexto, não pode ser prejudicado o crédito do
embargado, apurado nos autos do processo principal, pela alienação realizada pelo
devedor, o qual encontra-se inadimplente com diversas obrigações trabalhistas,
circunstância que configura a fraude à execução. Agravo conhecido e improvido.
(TRT7. AGRAVO DE PETIÇÃO : AP 0000370-07.2016.5.07.0031. Relator: Regina
Glaucia Cavalcante Nepomuceno. DJ: 17/08/2016. JusBrasil, 2016. Disponível em:
<https://trt-7.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/392811123/agravo-de-peticao-ap-
3700720165070031>. Acesso em: 20 ago. 2018)
4.2. Tutela preventiva
Há casos, em que o devedor, ressabido e perspicaz, prevendo as consequências de seu
inadimplemento obrigacional, passa a dispender de seus bens, antes mesmo de instaurada
demanda em seu desfavor, a fim de evitar eventual e futura execução que arrebate seu
patrimônio. Ocorre que tal circunstâncias, embora corriqueira, ainda é muito negligenciada
pelos operadores do direito e pelos seus clientes credores.
A fim de não deixar barato, o CPC/2015 adotou tutelas preventivas, embora
provisórias, para conservação do patrimônio do devedor responsável, até mesmo antes da
instauração de processo judicial, como é o caso da tutela de urgência. O artigo 301 do novel
diploma dispõe que a referida medida, quando de natureza cautelar, “pode ser efetivada
mediante arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem
e qualquer outra medida idônea para asseguração do direito” (BRASIL, 2015).
A tutela de urgência, da qual são espécies a cautelar e a antecipada, é uma garantia de
natureza processual – diferentemente das garantias materiais, como, por exemplo, a hipoteca e
o penhor –, cujo desígnio é proteger o resultado final estabelecido em favor do credor, até que
a tutela jurisdicional definitiva lhe seja entregue, ao findo processo. Isso porque esperar o seu
término pode gerar consequências desastrosas e irreparáveis ao titular de direito, e, por esse
motivo, a única solução razoável para o caso seria permitir, excepcionalmente, a entrega
antecipada dessa proteção.
Mas, como essa medida poderia ser útil antes da instauração de um processo judicial?
O legislador, preocupado com a destreza do inadimplente, que, a mais das vezes, desfaz de
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seu patrimônio antes mesmo da propositura de uma demanda, permitiu ao credor antecipar-se
a esse comportamento ilícito, impedindo-o quando da iminência da alienação ou oneração.
Essa tutela, requerida antes mesmo da existência de um processo (tutela de urgência, cautelar
ou antecipada, requerida em caráter antecedente), inibi o ilícito (desfalque patrimonial) e
acaba por garantir que a responsabilidade recaia sobre o patrimônio do devedor.
Assim, preenchidos os requisitos da ferramenta processual, previstos no art. 300,
caput, do CPC/2015 – quais sejam a “probabilidade do direito” e o “perigo de dano ou risco
ao resultado útil do processo” –, tem o patrono a oportunidade de requerer a imediata
intervenção do Judiciário, mediante a apresentação de provas que evidencie o direito de seu
cliente em face do devedor, como títulos executivos, judiciais ou extrajudiciais, e o prejuízo
que suportaria se por acaso o devedor resolvesse dispor do escasso patrimônio que tem.
4.3. Técnicas de remoção do ilícito
As técnicas de remoção do ilícito são cabíveis quando o ato fraudulento já tenha sido
cometido pelo devedor. Nesse caso, deve-se diligentemente observar qual o momento exato
em que ocorreu: se antes do ajuizamento de ação condenatória, que será sucedida de um
cumprimento de sentença ou um processo de execução, contra o devedor; ou se após à
propositura da respectiva demanda.
4.3.1. Tutela de remoção do ilícito antes do ajuizamento da demanda condenatória –
ação pauliana
Se a responsabilidade patrimonial, com o dispêndio do patrimônio do devedor, foi
comprometida antes do ajuizamento de uma demanda que dará ensejo ao cumprimento de
sentença (como, por exemplo, ação de cobrança), ou um processo de execução, o credor
poderá propor ação pauliana contra o devedor insolvente e também contra o(s) terceiro(s)
(litisconsórcio necessário unitário), para o qual (ou os quais) foi transferido o bem.
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Embora o supramencionado provimento judicial não seja o objeto principal desta
pesquisa, assim como a tutela analisada no item anterior, produz em face dele reflexos
importantíssimos, como sua prevenção, por exemplo. Isso porque o provimento dessa ação é
no sentido de restabelecer o patrimônio dentro dos limites da responsabilidade patrimonial,
declarando inválido o negócio jurídico pactuado entre o devedor e o terceiro, e, por
conseguinte, impedindo uma futura e provável fraude à execução. Aqui, o credor terá a
pretensão de remover o ilícito cometido sobre a responsabilidade patrimonial no exato limite
da garantia para a qual ele servia, contudo, antes da propositura de uma demanda qualquer.
Não se pode olvidar que o limite da responsabilidade patrimonial deve ser respeitado
por ambas as partes (credor e devedor). Primeiramente, o negócio jurídico firmado entre o
devedor e o terceiro adquirente não pode ultrapassar os limites dessa responsabilidade do
devedor, ou seja, a alienação ou oneração não pode ser capaz de reduzir esse devedor a
insolvência. Em segundo lugar, ocorrendo o ilícito (instalada a fraude contra credores), a
invalidade do negócio jurídico e restauração do patrimônio desfalcado atinge tão somente o
respectivo limite da responsabilidade patrimonial do devedor.
Por fim, para a configuração da fraude contra credores, o patrono deve demonstrar que
houve conluio entre devedor e terceiro adquirente, com a intenção de fraudar o adimplemento
da obrigação, ou pelo menos que este tenha conhecimento que a alienação resultaria para
aquele desfalque patrimonial, comprometendo a garantia desse dever obrigacional (consilium
fraudis), e prejuízo, com a alienação do bem, a ser suportado pelo credor (eventus damni).
4.4. Tutela de remoção do ilícito após o ajuizamento da demanda condenatória –
fraude à execução
Na maioria das vezes, a fraude à execução é realizada às escondidas, justamente para
que o credor não tome conhecimento e utilize-se das medidas preventivas anteriormente
discorridas. É durante o processo, momento em que credor lança sua pretensão, a fim de obter
a concretização do seu direito, que ele se depara com a indesejável inexistência de bens no
patrimônio do devedor. É a partir de uma sentença favorável, ou antes dela, de uma eventual
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expropriação de bens (penhora) ou, até mesmo, no ápice do desapossamento (entrega
“voluntária” do bem), tanto na fase de conhecimento quanto no cumprimento de sentença ou
processo de execução, é que o exequente toma conhecimento da dolorosa fraude à execução.
Contudo, embora “prevenir seja melhor do que remediar”, o ordenamento jurídico não
permitiu que o autor ou exequente ficasse desamparado em meio a essa situação. O
prejudicado, tomando conhecimento de alienação durante o processo, poderá valer-se de um
instrumento processual denominado de “objeto de ordem pública”, mediante simples petição
nos autos, instrumento esse que oportuniza ao juiz avaliar a alienação e reconhecer a fraude à
execução. Pode esse também reconhecer a referida fraude de ofício, uma vez que o vício que
macula o negócio jurídico é de ordem pública.
Evidentemente que a presença da averbação, como já dito, é imprescindível para que o
autor ou exequente desincumba-se do ônus estafante que é provar a fraude à execução. Esse
presente dado pelo legislador inviabiliza qualquer objeção que circunda os seguintes
elementos de prova: (a) se, em razão da existência ou não de citação, havia pendência de uma
demanda judicial condenatória ou executória em desfavor do devedor; (b) se, há época da
venda, oneração ou transferência o devedor encontrava-se em condição de insolvência; (c) se
o terceiro adquirente agiu, de fato, de má-fé.
4.5. Sistemas eletrônicos
4.5.1. BACENJUD
O BacenJud, também conhecido como “penhora on-line”, é um sistema concebido por
um convênio entre o Poder Judiciário e o Banco Central do Brasil, e tem como objetivo
interligar aquele a este, bem como às demais instituições bancárias, permitindo uma rápida
solicitação e troca de informações entre o Poder Judiciário e essas instituições financeiras
sobre movimentação de seus clientes e o envio, via internet, de determinações judiciais –
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como a penhora online ou outros procedimentos judiciais – ao Sistema Financeiro Nacional.
Com esse repasse eletrônico da ordem judicial para as instituições financeiras, reduz-se o
tempo de tramitação da solicitação de informação ou bloqueio e, por conseguinte, dos
processos.
Os dispositivos que regulam a penhora on-line (BACENJUD) são o 854, §§ 1º e 2º, do
CPC/2015, cuja aplicabilidade à execução trabalhista foi autorizada pela Instrução Normativa
39 do TST (2016). O teor diz respeito a possibilidade de indisponibilidade de ativos
financeiros em nome do executado no prazo de 24 horas sem prévio conhecimento desse.
Somente após tornado indisponíveis os ativos, é que o executado será informado da
determinação do juiz às instituições financeiras, para que exerça seu direito de defesa. A
agilidade com que os atos ocorrem e a procrastinação da manifestação para depois da penhora
tem como finalidade resguardar as garantias constitucionais e princípios trabalhistas da
celeridade e efetividade do processo judicial.
A efetividade se dá pois a ferramenta permite que o magistrado, com ajuda das
instituições bancárias, realize inúmeras operações eletronicamente, como, por exemplo, a
quebra de sigilo bancário, bloqueio de numerários objeto da execução de todo e qualquer
ativo financeiro sob a titularidade do devedor (conta-corrente, conta-poupança, fundo de
investimento, renda fixa e variável), sem envio de ofício ou requisições em papel, via correio,
bem como comando de bloqueio (penhora on-line), retenção e transferência de valores do
patrimônio do devedor, o que facilita o cumprimento das ordens judicias e, por conseguinte, a
garantia das execuções.
Aqui, o ofício ou requisição, desde a saída do cartório, não precisa circular por outras
repartições, pelos departamentos do Banco Central e, inclusive, passar pelas mãos do gerente
da agência bancária do qual o executado é cliente, situação, essa última, pela qual, antes,
permitia-se que o devedor fosse informado sobre a diligência, dando-lhe tempo de
providenciar a retirada do numerário, fraudando assim a execução. Portanto, o sistema
eletrônico em análise cumpre com o propósito pelo qual foi criado, afinal dificulta ações ardis
do executado, uma vez que nem o gerente do banco toma conhecimento de que a conta será
bloqueada, e torna a fase de execução mais célere, já que tudo é feito eletronicamente e
diretamente pelo juiz.
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4.5.2. INFOJUD
Outro sistema muito utilizado pela Justiça do Trabalho e que vem desempenhando
papel importante na remoção de ilícitos como a fraude à execução é o Sistema de Informações
ao Judiciário, conhecido pela comunidade jurídica por INFOJUD. O INFOJUD tem como
objetivo permitir que juízes e serventuários previamente cadastrados para esse fim acessem,
solicitem e consultem, online, dados cadastrais de contribuintes (CPF e CNPJ), declarações de
pessoas físicas (DIRPF e DITR) ou de pessoas jurídicas (DIPJ, PJ Simplificada e DITR), bem
como declarações de Imposto de Renda (IR) e de Imposto Territorial Rural (ITR), na base de
dados da Receita Federal, substituindo o procedimento de envio de ofícios em papel às
Delegacias da SRF.
Outrossim, o Poder Judiciário tem reconhecido a importância da utilização do sistema
eletrônico para perquirir fraudes à execução, consoante nota-se do seguinte julgado, no
Tribunal de Justiça de São Paulo, recentemente no ano de 2017:
AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL –
PRETENSÃO À REFORMA DA DECISÃO QUE INDEFERIU O PEDIDO DE
REALIZAÇÃO DE PESQUISAS VIA SISTEMA INFOJUD A FIM DE OBTER
OS DADOS DAS DECLARAÇÕES DE IMPOSTO DE RENDA DO
EXECUTADO NOS EXERCÍCIOS DE 2008 A 2011, COM O INTUITO DE
VERIFICAR SUSPEITA OCORRÊNCIA DE FRAUDE À EXECUÇÃO –
CABIMENTO – DILIGÊNCIA QUE A PARTE NÃO PODE EFETUAR
DIRETAMENTE E ESTÁ EM CONFORMIDADE COM A LEI – MEDIDA QUE
VISA ASSEGURAR NÃO SÓ A SATISFAÇÃO DO CRÉDITO DA
AGRAVANETE, MAS TAMBÉM A EFETIVIDADE DA TUTELA
JURISDICIONAL – DECISÃO REFORMADA – RECURSO PROVIDO. (TJSP.
AGRAVO DE INSTRUMENTO : AI 2150081-34.2017.8.26.0000. Relator: Paulo
Roberto de Santana. DJ: 28/09/2017. JusBrasil, 2017. Disponível em: < https://tj-
sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/505047155/21500813420178260000-sp-
2150081-3420178260000>. Acesso em: 20 ago. 2018). (grifo nosso)
Por fim, destaca-se outra importante e atual decisão, dessa vez da Corte Superior, no
Agravo em Recurso Especial nº. 458.537 – RJ (2014/0001176-2), de relatoria do Ministro Og
Fernandes, prolatada em 20 de fevereiro de 2018, quanto a desnecessidade de esgotamento de
todas as diligências para a utilização dos sistemas BACENJUD, RENAJUD e INFOJUD:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SISTEMAS
BACEN-JUD, RENAJUD OU INFOJUD. ESGOTAMENTO DE DILIGÊNCIAS.
DESNECESSIDADE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. A jurisprudência do
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STJ é no sentido de que a utilização dos sistemas BACEN-JUD, RENAJUD ou
INFOJUD não estaria condicionada ao esgotamento de diligências. 2. O
Tribunal a quo, ao concluir pelo esgotamento de diligências para a utilização do
sistema INFOJUD, decidiu em confronto com a jurisprudência desta Corte. Nesse
sentido: AgRg no REsp 1.322.436, Rel. Min. Assusete Magalhães, DJe 17/8/2015;
REsp 1.522.644, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 1º/7/2015; AgRg no REsp
1.522.840; Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 10/6/2015; REsp 1.522.678,
Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 18/5/2015. 3. Agravo conhecido para dar
provimento ao recurso especial (STJ. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL :
AREsp 458537 RJ 2014/0001176. Relator Ministro Og Fernandes. DJ: 20/02/2018.
JusBrasil, 2018. Disponível em: <
https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/551805684/agravo-em-recurso-especial-
aresp-458537-rj-2014-0001176-2>. Acesso em: 20 ago. 2018). (grifo nosso)
4.5.3. RENAJUD
O RENAJUD é outro sistema eletrônico de restrição judicial criado pelo Conselho
Nacional de Justiça – CNJ, assim como o BACENJUD e o INFOJUD. Contudo, aqui o Poder
Judiciário interliga-se ao Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN), permitindo que
juízes e serventuários autorizados insiram e retirem restrições de veículos na Base Índice
Nacional (BIN) do Sistema RENAVAM e, enfim, repasse ao DETRAN do estado em que o
veículo esteja registrado.
Antes da presente ferramenta, a fim de se obter informações sobre veículos
automotores, o juiz enviava ofício, em papel, para os vinte e sete DETRAN‟s de todo o país, e
somente após a resposta do órgão do estado em que o veículo estava registrado é que se
conseguia proceder a restrição judicial, o que era extremamente moroso e inviável para uma
fase executória.
Salienta-se, também, que o RENAJUD não será a primeira opção do magistrado,
quando se pretende a penhora de veículo de via terrestre. Isso porque, consoante o art. 835,
IV, do CPC/2015, que trata da ordem preferencial da penhora, esse bem só poderá sofrer
constrição após tentativa de penhora de dinheiro, títulos da dívida pública e títulos e valores
mobiliários, nessa sequência. Ademais, deve o patrono verificar se o veículo terrestre, em
nome do executado, pode ser objeto de penhora. Afinal, quando esse presta-se ao exercício da
profissão do executado, não poderá ser submetido a restrição judicial, conforme dispõe o art.
833, V, CPC/2015.
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Observadas essas peculiaridades, o juiz, após pesquisa via sistema RENAJUD na base
de dados do Registro Nacional de Veículos (RENAVAM), com fornecimento do nome
completo do devedor e seu Cadastro de Pessoa Física (CPF), ou Cadastro Nacional de Pessoa
Jurídica (CNPJ), quando pessoa jurídica, poderá consultar, inserir e retirar restrições judiciais
de transferência, licenciamento e circulação, bem como de registrar penhora no registro do
veículo.
Quando a restrição recai sobre a transferência de veículo, o executado ficará impedido
de realizar alterações em sua propriedade. Nos casos de restringir o licenciamento, o devedor,
além de não conseguir alterar a propriedade, também não poderá proceder a um novo
licenciamento desse veículo. Se restrição de circulação, todas as consequências anteriores
mais a impossibilidade de circular com veículo, autorizando, inclusive o recolhimento desse
ao depósito. E, por fim, o registro da penhora, permite que conste no sistema RENAVAM a
constrição efetivada em processo judicial, bem como valor da avaliação, data da penhora,
valor da execução e data da atualização do valor da execução.
Entretanto, as restrições supracitadas devem ser feitas com cautela, sem que incorra
em excessos. Exemplificando, configuraria violação aos princípios informadores do processo
de execução, impedir que o executado circule com o veículo se esse colaborou com a justiça,
não escondendo-o ou impedindo a avaliação e penhora pelo oficial de justiça.
Por fim, ressalta-se que, ao contrário do que ocorre com o sistema BACENJUD, o
RENAJUD só tem como desígnio a inserção e retirada das restrições sobre o veículo de via
terrestre, sendo de competência do oficial de justiça o ato de avaliação e penhora.
4.6. Medidas executivas atípicas (art. 139, IV, CPC/2015)
Tema extremamente atual diz respeito as medidas coercitivas atípicas autorizadas pelo
Código de Processo Civil de 2015 e determinadas pelos magistrados. A Quarta Turma do
Superior Tribunal de Justiça, de relatoria do Ministro Luís Felipe Salomão, autorizou o
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recolhimento da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) de inadimplente que não regularizou
seus débitos.
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO DE TÍTULO
EXTRAJUDICIAL. MEDIDAS COERCITIVAS ATÍPICAS. CPC/2015.
INTERPRETAÇÃO CONSENTÂNEA COM O ORDENAMENTO
CONSTITUCIONAL. SUBSIDIARIEDADE, NECESSIDADE, ADEQUAÇÃO E
PROPORCIONALIDADE. RETENÇÃO DE PASSAPORTE. COAÇÃO
ILEGAL. CONCESSÃO DA ORDEM. SUSPENSÃO DA CNH. NÃO
CONHECIMENTO. (...) 11. A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido
de que a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação não configura ameaça
ao direito de ir e vir do titular, sendo, assim, inadequada a utilização do habeas
corpus, impedindo seu conhecimento. É fato que a retenção desse documento tem
potencial para causar embaraços consideráveis a qualquer pessoa e, a alguns
determinados grupos, ainda de forma mais drástica, caso de profissionais, que tem
na condução de veículos, a fonte de sustento. É fato também que, se detectada esta
condição particular, no entanto, a possibilidade de impugnação da decisão é certa,
todavia por via diversa do habeas corpus, porque sua razão não será a coação ilegal
ou arbitrária ao direito de locomoção, mas inadequação de outra natureza. 12.
Recurso ordinário parcialmente conhecido (STJ. RECURSO ORDINÁRIO EM
HABEAS CORPUS : RHC 97876 SP 2018/0104023-6. Relator: Ministro Luis
Felipe Salomão. DJ: 05/06/2018. JusBrasil, 2018. Disponível em:
<https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/611423833/recurso-ordinario-em-habeas-
corpus-rhc-97876-sp-2018-0104023-6?ref=topic_feed>. Acesso em: 20 ago. 2018).
De acordo com a jurisprudência da Corte Superior, a medida coercitiva é
constitucional, porquanto não impede a circulação do réu (o direito de ir e vir), mas tão
somente a condução do veículo para o qual foi habilitado. Ademais, seu fundamento consta
do art. 139, inciso IV, CPC/2015, que permite o juiz “determinar todas as medidas indutivas,
coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de
ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária” (BRASIL,
2015).
Embora a legislação processual tenha sido admitida pela Turma como parâmetro para
a suspensão da CNH, no mesmo Habeas Corpus, para passaporte, a medida coercitiva foi
rejeitada por unanimidade pelos ministros. A Quarta Turma alude que “o acautelamento de
passaporte é medida que limita a liberdade de locomoção, que pode, no caso concreto,
significar constrangimento ilegal e arbitrário” (STJ, 2018, on-line). (grifo nosso)
Além disso, nas palavras do colegiado, “revela-se ilegal e arbitrária a medida
coercitiva de suspensão do passaporte proferida no bojo de execução por título extrajudicial
(duplicata de prestação de serviço), por restringir direito fundamental de ir e vir de forma
desproporcional e não razoável. Não tendo sido demonstrado o esgotamento dos meios
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tradicionais de satisfação, a medida não se comprova necessária” (STJ, 2018, on-line).
(grifo nosso)
Entretanto, nota-se, com a ementa do RHC 97876, que a colenda Turma pretende
tratar a conveniência da medida coercitiva caso a caso, e não de maneira genérica, porquanto
afirma que “o reconhecimento da ilegalidade da medida consistente na apreensão do
passaporte do paciente, na hipótese em apreço, não tem qualquer pretensão em afirmar
a impossibilidade dessa providência coercitiva em outros casos e de maneira genérica. A
medida poderá eventualmente ser utilizada, desde que obedecido o contraditório e
fundamentada e adequada a decisão, verificada também a proporcionalidade da
providência” (STJ, 2018, on-line). (grifo nosso)
Assim, uma vez que a decisão servirá como precedente, a suspensão do passaporte
eventualmente poderá ser utilizada como medida coercitiva atípica em face daqueles que
persistirem com sua inadimplência, observados nesses casos a proporcionalidade da
providência – isto é, se a medida com que se busca proteger o direito do credor é proporcional
àquele que se pretende restringir, se houve o esgotamento ou ineficiência das medidas
executivas típicas e/ou o devedor comportou-se de forma ardil, fraudando à execução, por
exemplo etc. –, decisão fundamentada e sujeita ao contraditório e, até mesmo, respaldada em
urgência, como receio de fuga para fora do país, casos de créditos de natureza alimentar
imprescindíveis a subsistência do credor, entre outros.
Nessa mesma linha de raciocínio, advogados e juízes, valendo-se da “liberdade” dada
pelo art. 139, IV, CPC, buscam definir quais diligências poderiam ser utilizadas como
medidas coercitivas eficientes em face do devedor mal-intencionado, sem contudo violar
direitos e garantias constitucionais. Destarte, passa-se a leitura do julgado que autorizou o
bloqueio de cartões de crédito, ou débito, como possível medida coercitiva para satisfação da
pretensão do autor:
HABEAS CORPUS - RESTRIÇÃO DE SAÍDA DO PAÍS SEM PRÉVIA
GARANTIA DA EXECUÇÃO – BLOQUEIO DE CARTÕES DE CRÉDITO –
BLOQUEIO DE ATIVOS FINANCEIROS – SUSPENSÃO DA CNH - MEDIDAS
ALICERÇADAS NO ART. 139, IV, DO NCPC. 1 - Paciente que nos autos da ação
de execução de título extrajudicial não nomeou bens para garantia do Juízo. Medida
adotada como meio de satisfação da execução, legalmente disponibilizada no
ordenamento (art. 139, IV, do NCPC). Ausência de ilegalidade, arbitrariedade, efeito
teratológico ou mesmo impedimento ao regular direito de ir e vir do paciente.
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Habeas corpus que não se presta como sucedâneo recursal. Inadequação da via
eleita. "MANDAMUS" NÃO CONHECIDO (TJSP. HABEAS CORPUS : HC
2177783-52.2017.8.26.0000. Relator: Maria Lúcia Pizzotti. DJ: 08/11/2017.
JusBrasil, 2017. Disponível em: < https://tj-
sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/521080257/21777835220178260000-sp-
2177783-5220178260000?ref=juris-tabs>. Acesso em: 20 ago. 2018).
Portanto, embora as medidas indutivas ou coercitivas sejam recursos últimos do qual o
credor pode valer-se (medidas excepcionais), inadmissível que deixassem de ser utilizadas
para assegurar o cumprimento de determinação judicial que reconheça e imponha o
cumprimento da obrigação, quando não for possível pelos meios tradicionais. Afinal, não
bastasse a autorização legal para seu emprego, é importante ressaltar que o credor não conta
com mais ninguém além do Estado, ao qual ambas as partes, e não só uma, devem respeito e
colaboração.
4.7. Hipoteca judiciária do art. 495 da lei 13.105/2015
Embora a hipoteca judiciária seja muito semelhante a averbação premonitória,
porquanto ambos têm como objetivo prevenir a fraude à execução na medida em que o
CPC/2015 presume sua existência quando da alienação ou oneração de bens efetuada após a
averbação (tanto da premonitória quanto da hipoteca judiciária, a teor do art. 828, § 4º, CPC),
os institutos diferem-se em alguns aspectos.
Considera-se que o instituto é uma espécie de penhora antecipada ou “pré-penhora”,
uma vez que o credor antecipa o referido ato executivo, que é próprio do cumprimento de
sentença ou da execução. Entretanto, já que é realizada em momento processual pretérito ao
da penhora – logo após a prolação da sentença, na fase de conhecimento –, não se destina
apenas à satisfação do crédito, mas, também à inibição de fraudes praticadas pelo devedor.
Para que se proceda à hipoteca judiciária, é necessária decisão judicial de natureza
condenatória ou, se não for o caso, condenação que determine a conversão de prestação de
fazer ou de não fazer em prestação pecuniária. Por isso falar que se trata de um efeito
imediato da sentença ou, como denominado por muitos de “pré-penhora” ou “penhora
antecipada”, porquanto antes da fase executória.
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Na vigência do CPC/73 o instituto havia perdido sua eficácia prática, posto que, era
necessário que o credor requisitasse a inscrição da hipoteca no registro de imóvel. O que de
fato acontecia é que quando o réu interpunha uma apelação, por exemplo, ou o credor se
esquecia de requisitar a autorização judicial, ou, requisitando-a, o Judiciário deixava de
apreciá-la, uma vez que o recurso tomava toda a atenção do órgão jurisdicional. Assim, o
devedor gozava de um tempo considerável para se desfazer do bem, frustrando lá na frente a
execução.
Todavia, com entrada em vigência do CPC/2015, art. 495, § 2º, a requisição deixou de
ser indispensável. Dessa forma, hoje, para que seja realizado gravame da hipoteca judiciária
na matrícula do imóvel, exige o referido dispositivo apenas que cópia da decisão seja levada
ao Cartório de Registro de Imóveis, sem que com isso seja necessário qualquer ordem ou
declaração do juiz, demonstração de urgência, trânsito em julgado dessa sentença ou
pendência de julgamento de recurso.
Com a hipoteca judiciária, o bem do devedor e/ou direito sobre eles passa(m) a ficar
vinculado(s) ao cumprimento de obrigação pecuniária (pagamento de prestação consistente
em dinheiro e a que determinar a conversão de prestação de fazer, não fazer ou de dar coisa
em prestação pecuniária). Por esse motivo, o art. 792, III, CPC/2015, previu a fraude à
execução na hipótese de alienação ou oneração de bem em cujo registro for averbado hipoteca
judiciária.
Salienta-se, ainda, outra vantagem gozada pelo credor com a utilização do referido
instituto. Uma vez constituída a hipoteca judiciária, o credor hipotecário preterirá aos demais,
na ordem de pagamento, ainda que, para isso, obviamente deva informar ao juízo, no prazo de
15 dias, contados da sua realização, o registro.
Portanto, percebe-se da análise do instituto que a hipoteca judiciária, com as alterações
trazidas pelo CPC/2015, tornou-se, ainda que menos do que a averbação premonitória,
mecanismo de defesa poderoso para repelir a prática de fraudes à execução, já que antepõe os
efeitos da penhora em momento processual imediato à prolação de sentenças condenatórias,
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ou seja, antes do início do cumprimento de sentença, fase em que de fato o ato executivo é
invocado.
4.8. Busca de escritura pública em tabelionatos (bens imóveis)
É possível que depois de todas as diligências feitas pelo patrono, não se ache bens em
nome do devedor. Isso porque houve aumento da informalidade, no Brasil, no que diz respeito
à celebração de negócios jurídicos. Quando tecido comentários sobre a hipótese de
compromisso de compra e venda não submetido a registro (item 3.3.7.), ficou evidente que o
devedor, a fim de esconder bens de credores, celebra contratos de compra venda ou de seu
compromisso, mediante instrumento público ou particular (escritura ou contrato particular),
sem levá-lo a Cartório de Registro de Imóveis, para o seu devido registro.
Obviamente, que o registro é imprescindível para transferência do direito de
propriedade sobre o imóvel. Contudo, devedores preferem arriscar-se com a propriedade
informal do bem do que submetê-lo a registro e, consequentemente, suportar, eventual e
futuro processo de execução (ou cumprimento de sentença) e penhora. Com essa hipótese,
inúmeros tabelionatos de notas e títulos espalhados pelo país detém cada vez mais grande
número de documentos pendentes de registro.
Tendo em vista que a escritura pública é uma declaração de direito sobre bem imóvel
(direito de posse), e a posse é penhorável, o patrono, não logrando êxito com a busca de bens
sobre a propriedade do devedor, poderá requisitar, nas serventias, buscas de escrituras
públicas em nome do mal pagador.
Assim, recebendo resposta positiva do notário, o advogado poderá apontar, por
simples petição nos autos, o direito de posse que o devedor tem sobre o imóvel, requerendo ao
juiz a imediata penhora sobre esse direito. Com isso, o credor poderá morar no bem, colher
seus frutos, consumindo-os, sem precisar indenizá-los (art. 1.214 e 1.216, CC), exercer
direitos em relação às benfeitorias, à proteção possessória, à usucapião e aos benefícios
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processuais, bem como locá-lo e providenciar, desde que a escritura esteja quitada, o seu
registro em nome do devedor e em seguida em seu nome.
CONCLUSÃO
Tendo como proposta de reflexão o problema fraude à execução na Justiça Trabalho,
propusemos assim o referido título “Fraude à execução na Justiça do Trabalho – Defesas e
Soluções”. Assim feito, após analisar o instituto, objeto desta monografia, desde o Direito
Romano primitivo até os dias atuais, chegamos às seguintes conclusões.
Ato atentatório à dignidade da justiça, a fraude à execução é, na prática, uma das
manobras mais utilizadas pelo devedor, cujo desígnio, quando da sua prática é frustrar sua
responsabilidade patrimonial e prejudicar seus credores, durante o trâmite de processo
judicial. A fraude e a execução sempre coexistiram e sobre esta sempre trouxe consequências
negativas.
Contudo, antes, no direito romano primitivo, penas muito mais severas eram
imputadas para comportamentos menos ardis. Com o passar do tempo e a concepção do
princípio da humanização e demais garantias constitucionais, as penas mais duras,
provenientes da responsabilidade pessoal, foram extirpadas do ordenamento jurídico, já
pátrio, dando espaço a outras, mais tênues, protegendo-se, assim, a dignidade da pessoa
humana, ainda que esta pessoa seja o perspicaz devedor.
Ocorre que penas brandas, como a cobrança de multas ou de indenizações, apenas, dão
ensejo a comportamentos mais astutos. O número de fraudes cresceu, e os operadores do
direito, diante da atual legislação, não conseguiram organizar-se para criarem ferramentas
capazes de erradicar o problema. Com o crescente número de demandas e, em consequência
delas, de execuções compelindo o devedor a responder por meio de seus bens
(responsabilidade patrimonial), o mais variados conluios e estratégias foram arquitetados para
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frustrarem a fase de concretização da pretensão do autor/exequente, o que resultou em um
caos jurídico, com acumulação de resíduos (execuções passadas), a cada ano que se passava.
A legislação processual vigente há época, um tanto quanto tímida, não era suficiente
para inibir a mácula processual e, diante desse fato (e outros, como os debates prolixos da
doutrina e da jurisprudência sobre o tema, sem qualquer resultado feraz), operadores do
direito deixaram de dar a importância devida ao instituto, limitando-se tão somente a discutir
o marco inicial da fraude e a necessidade da presença do elemento subjetivo para sua
caracterização.
Entretanto, conforme visto nos capítulos desta monografia, a execução, na Justiça do
Trabalho ainda é a opção da maioria dos credores que pretendem a satisfação de seus créditos,
superando até mesmo a tão fomentada conciliação, que teve redução considerável, no período
compreendido entre 2006 a 2016.
Destarte, ante a confiança que credores e exequentes depositaram nesta fase, esperava-
se que o tão ovacionado Código de Processo Civil trouxesse soluções fidedignas, inclusive
corroborando com o mais recente entendimento da jurisprudência (Súmula 375 do STJ – que
exige o registro ou a prova de má-fé para configuração da fraude à execução –, dispensando-
se tais exigências nas hipóteses de alienação em períodos curtos de tempo, quando realizadas
entre familiares ou outras hipóteses em que haja manifesta existência da fraude).
Ocorre que o legislador não só perdeu a oportunidade de solucionar conflitos
doutrinários e jurisprudenciais, como concebeu a mais outros, quando omitiu-se em parte, e,
em outras, tomou caminho diverso daquele trilhado pelos nossos tribunais.
Por outro lado, a atual legislação processual permitiu que mecanismos, alguns um
tanto quanto polêmicos, fossem criados para flagrar as astutas ciladas dos fraudadores,
trabalho que já havia sido concebido pelo Conselho Nacional de Justiça e judiciário em
parceria com outros órgãos oficiais, como, por exemplo, bancos e órgãos competentes para o
registro de bens.
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Dessa forma, é possível interromper o contínuo crescimento de fraudes à execução que
estafam patronos e credores durante o trâmite processual. Os referidos mecanismos, pouco
invocados na prática, têm-se mostrado eficientes no combate às práticas fraudatórias e, por
valerem-se de sistemas eletrônicos, seus resultados passaram a ser imediatos, coadunando
com princípios basilares do direito processual do trabalho, como o da celeridade.
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