FULERAGEM E FALTA DE VERGONHA NA CARA: RELATO DE
EXPERIÊNCIA DA PERFORMANCE PELOS PÊLOS
Pelos pêlos passeio por pássaros
Para perguntar: pra quê ‘proibir’?
Posso perceber pequenas psiquêspiscantes provando puro pelo.
Peluda possibilidade perecível, pura pesquisa própria.
Peito, pêlos, partes... Perceba pelos panfletos: produzem pseudo-problemas..
Pelos próprios pêlos passei paquerando pedaços picantes.
Penetram peles, pinçam percepções
Poder pra paz plena.
Procrio pêlos perenemente.
Permanentemente peluda possivelmente pelada.
(Mariana Brites, 2013)
Alexandra Martins Costa1
Mariana Brites2
Resumo:O presente texto trata-se de um relato de experiência da performancePelos
Pêlos, apresentada durante o evento Corpo, Performance e Política que aconteceu em
Brasília (DF), 2013.A ação foi proposta pela coletiva Tete-a-Teta, formada por
Alexandra Martins e Mariana Brites. A primeira é artista visual e a segunda artista
cênica. Com formações diferentes têm em comum o interesse por desenvolver
performances e intervenções urbanas mesclando essas duas áreas do conhecimento.
Palavras-chave: primeira palavra chave, segunda palavra chave, terceira palavra chave
Um centro comercial em pleno funcionamento, meio dia. Corpos pelados estão
expostos numa vitrine: duas mulheres. Uma terceira habilidosamente e carinhosamente
começa a aplicar mais cabelos aos pelos pubianos, estendendo-os até que um seja capaz
de se amarrar ao outro. A sala cheia de entulho, pela ação se assemelha também a uma
sala de cirurgia. O processo está ali e é tudo.
Muitas pessoas se aglomeravam na porta desta tal vitrine causando um
congestionamento no fluxo de pedestres, uma curiosidade que vai sendo espalhada pelo
1Especialista em Artes Visuais e formada em Comunicação, Jornalismo / [email protected] 2Graduação em Artes Cênicas, pela Universidade de Brasília, pesquisadora do Grupo de Pesquisa Corpos Informáticos desde 2010.
centro comercial. Estão amarradas pelos pêlos. Encaram-se e se reconhecem nesse lugar
onde dois corpos formam um corpo estranho, disposto a ocupar um espaço na rua.
Piadas, comentários e fuxicos já começam a aparecer neste momento. Mesmo dentro da
vitrine é possível escutar o que dizem como se estivéssemos do lado de fora, talvez
realmente já estivéssemos lado a lado dessas pessoas mesmo sem estar lá. Ouvíamos
muitas vozes masculinas e poucas femininas. Os homens nos pareceram aqueles que
mais se sentiram a vontade para expressar qualquer opinião sobre nossos corpos. Em
alguma medida porque acabam sendo criados para terem mais liberdade no espaço
privado e no publico, mesmo que seja sobre outros corpos.
Saímos da vitrine e já na porta presenciamos a multidão que quase não acredita
na inédita “bizarrice” que está para acontecer ali. Como em um lance todos ligam seus
celulares, máquinas e afins e começam a coletar imagens: do corpo e dos que
desesperados de curiosidade o seguem pela rua. Grande parte das pessoas porta
celulares e a partir daí a performance começa a ganhar outros espaços na medida que
essas imagens serão publicadas em redes sociais e blogs.O corpo se veste pra ir pra rua,
tenta se normatizar com as roupas, mas esse novo corpo não se mexe conforme os
outros e sim de uma nova forma, não há roupa que lhe caiba. É feito somente de sangue,
pele e pêlos.
Pelos Pêlos. Foto: LFBacelos. Setor Comercial Sul, Brasília,2013
E assim agiram os corpos. Tanto os nossos corpos quanto o corpo da cidade,
local de comércio e troca-troca, seja o cambio material a partir da venda de dinheiro,
seja a troca material do corpo, do sexo que pede outro sexo. O Setor Comercial Sul,
local onde aconteceu a performance, cotidianamente é inundado de passantes que vão e
vem à todo momento. Deslocamos as cenas revisitadas dia a dia do conglomerado de
pessoas que se amontoam sobre nós. É falta de vergonha na cara e fuleragemque
derrama pelos espaços vazios deixados entre as passadas e paisagens. Espaço-eixo, sem
fundo, sem lenço e sem documento. Sem vergonha na cara e sem sapatos.
Ao caminhar pela rua, o corpo estranho, cria uma rede de afeto em
umacaminhada com muitas pessoas. Está protegido por uma malha humana que protege
de violências maiores que a curiosidade: ação policial ou abusadora. Ao revelar nossa
privacidade, desse corpo estranho, abjeto, curiosas duvidas e afetos voluntariamente nos
tornaram vida pública. Ação profética. Ação poética.
O corpo que se comunica com todos por olhar, sente conforto e fica a vontade na
rua. Sem vestes. Expondo a potencialidade da sua intimidade entre nudez e pelos
embaraçados. Desenvolvem um jeito brincante e discreto pela rua. Causam uma brecha
no espaço cotidiano daquelas pessoas sem pedir licença. Exposição e cobertura dos
corpos, um prolongamento visto através da roupa de pelos que não se sabe muito bem o
que é.
- É de verdade? – perguntavam muitos
- Propaganda de xampu? Lâmina de barbear? – outros
Pelo caminho o corpo cruza uma parte da cidade, entra em lojas de cosméticos,
shoppings e galeria de arte, anda no meio da rua e atravessa faixas de pedestres. Dentre
os espaços em que estivemos a área privada demorou um tempo para que seguranças
viessem ver o que ocorria. Todas aquelas pessoas juntas criavam uma rede e nós só
estávamos ali no meio. Quando finalmente conseguimos chegar até a gente,
militarmente reclama sobre o que estaria acontecendo. Nós em um tempo outro,
dilatado, o tempo do corpo que sente na hora, sem resposta: só ação e olhar. Lasca-se
um beijo, inesperado, uma resposta silenciosa de uma pergunta sem por quê.
Adelicadeza e a força desse beijo, de duas mulheres3 já unidas, conduz a ação para fora
daquele estabelecimento repressor e voltamos pra rua.
É importante ressaltar que esse encontro depende muito mais dos modos de
articulação entre o ambiente e o(s) corpo(s) apresentado(s) na medida em que a rua não
é um espaço neutro onde nem todos são passíveis de permanecer e estarem livres. Essa
escolha é realizada em cima de marcas de classe, de raça, de orientação sexual, de
feminilidades e masculinidades que esses corpos carregam.
Das ruas para internet
No caminho da galeria o público vai se descolando também: na padaria, na
parada de ônibus. Volta à vitrine. E voltam também os acompanhantes, ainda se
olhando retiram as madeixas pubianas e a aplicam sobre um lençol que fica estendido
por mais uma semana no mesmo lugar, gerando uma memória visual do fato. Um
acontecimento, burburinho na cidade.
Pelos Pêlos. Foto: LFBacelos. Setor Comercial Sul, Brasília,2013
“A circulação na internet das imagens e impressões da performance Pelos Pêlos, em menos de 24 horas, estava difundida como uma praga
3Fotos e vídeo de Pelos Pêlos, embora tenham sido censuradas em várias plataformas como facebook, youtube e vimeo, ainda resistem na rede nos seguintes endereços: http://vimeo.com/65972905e http://performancecorpolitica.tumblr.com
viral, após digestão das opiniões nos apropriamos dessas palavras de desconhecidos, bem como eles de nossas imagens, e criamos uma poesia que também pelo texto relata a experiência da imagem de pessoas de diferentes lugares. A ação, enquanto não presencial, continua seu percurso pela rede. Porém, seu tempo útil na vida pode ser pouco devido aos padrões da censura virtual que limitam a disseminação da arte e de seus desdobramentos pela internet.”(MEDEIROS, M. B. ; BRITES, 2014, p.7)
Passageiros que passam, param para ver as passantes dos pelos pubianos.
Tentamos encarar essas pessoas que nos seguiam, criar comunicação e afeto pelo olhar,
mas percebemos que isso dificilmente vai acontecer. Durante a caminhada, repetimos a
cena da vitrine: Encaramo-nos, tiramos a roupa e assim ficamos por um tempo. O ritual
de cumplicidade da nossa rede afetiva se repetiu outras vezes. Expor o corpo cru, sem
roupa, sem badulaque nem laquê. O nosso do jeito que é!
Pelos Pêlos. Foto: LFBacelos. Galeria (vitrine) da Casa de Cultura da América Latina,
Brasília,2013
E como pode parecer estúpido certos comentários que escutamos e lemos
posteriormente na internet. Mas, ao mesmo tempo o estado da performance, o
conhecimento próprio do nosso próprio corpo nos fez mais forte, resistindo na rua
permitindo “o aparecimento de discursos não-oficiais da cidade - um local de conflito e
troca -na medida em que as pessoas começam a se apropriar do corpo urbano para
colocar suasreivindicações e criar um deslocamento simbólico” (COSTA, 2013,
p.6).Porque eu sou dela também, ocupo esse espaço.
O ataque das Black-ceta
Com as palavras através das sensações geradas pelas imagens presente nos
comentários, um novo texto sobre a performance foi construído, somente reordenando
os comentários à quatro mãos. Esse texto, de escrita coletiva involuntária ou não-
avisada, possui autoria compartilhada entre pessoas de vários locais misturadas pelas
notícias encontradas na rede virtual. A poesia foi livremente inspirada na canção
Tribunal de Feicebuqui4, do cantor e compositor Tom Zé:
Black-ceta As pererecas piram! SETOR COMERCIAL SUL e suas coisas esquisitas de sempre, WTF? TINHA QUE SER NO SETOR COMERCIAL!... Alguns dizem que é protesto... MAS PROTESTO DE QUÊ MEU DEUS?!?! NÃO! Nossa isso é verdade? NÃO! É uma caranguejeira???? Bin Laden é você? NÃO! Parente da rapunzel essa ai??? NÃO! Oooooooooooooooooooootah porra NÃO! Isso é falta de homem...Mulher que tem homem é limpinha... NÃO! Mano, Se for doar Presto barba para essa moça depila ia ter
que gasta muito viu Rapa mulher com gilete azul, rapa as pernas, a suvaca e os cabelo do cu! CARAAAAAAAAAALEEEEEEOOOOO!!!!!!!!!!!!!!! Essa moça tem um pênis ou eu tô viajando? kkkkkkkkkkkkkk ;x que isso novinha ! Que capeta é esse? kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk ECAAAA! kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
4A música é escrita como forma de resposta artística às críticas que o artista sofreu virtualmente por uma propaganda que fez. Em ambos os casos um exemplo de apropriação de palavras e nova construção com as palavras sintetizando os acontecimentos e sensações.
Sempre somos surpreendidos... Tremendo mal gosto, deve ter piolho Chato Tuim Chatuim Nossa senhora das PERIQUITAS acode essa mulher com um CORTADOR DE GRAMA Imaginem a carniça após o uso da privada do marido dela que sofre pra axar o trem lá lá embaixo abaixo da depilação, abaixo da Gilette abaixo do prestobarba e abaixo do corte asa delta! Pode fechar a internet, tchau! Espero que nem salve essa gente que diz: NOJO! NÃO! ECAAAA! Só um aviso: NOÇÃO MANDOU LEMBRANÇA Cabulosas cabeludas. A prova tá ae depilar é pras fracas! บา้หรือเปล่าาาามนัยาวขนาดน๊านนนนนนน
Pelos Pêlos. Foto: LFBacelos. Shopping. Brasília,2013
Acionar essas intervenções urbanas como estratégias de inserção na cidade abre
reflexões sobre o processo de mercantilização da vida urbana enquanto objeto cultural,
que transforma as cidades em empresas (cidade-museu, cidade-parque-temático, cidade-
shopping, cidade-espetáculo) cujo objetivo é atrair investimentos em curto prazo,
resolvendo demandas de grandes empresas e corporações privadas. Constituindo ao
espaço público um lugar de muitas passagens e poucas paisagens, de muitos trânsitos
que possibilitam poucos encontros, onde a pressa têm nos transformado em presas de
operações cada vez mais controlado em prol de um conforto consumista, de um apelo
econômico global. Se num primeiro momento a cidade aparenta ser carente de
inquietações, algumas manifestações visuais demonstram o contrário: que no concreto
da cidade é possível encontrar revelações artísticas e provocações por parte de quem às
produzem.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
MEDEIROS, M. B. ; BRITES, Mariana . Corpos Informáticos. A escrita poética como
escrita da arte. 19º. Congresso de Iniciação Científica da UnB. In: 19º. Congresso de
Iniciação Científica da UnB, 2013, BRASILIA. 19º. Congresso de Iniciação Científica
da UnB. Brasília: UnB, 2013. v. 1. p. 1-7.
COSTA, Alexandra Martins. Pequenas Solidões. Avaliação crítica da obra Intimidades,
Série Orgasmo 8. COLETIVO DA PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTE: LUGAR IN
COMUM, 2013, Brasília. Anais... Brasília: IdA/UnB, 2013.
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