Gabriele Carneiro Feltrin da Silva
A FOTOGRAFIA NA CONSTRUCcedilAtildeO DA ESTEacuteTICA PUBLICITAacuteRIA NO
CINEMA DE FERNANDO MEIRELLES
Santa Maria RS
2010
2
Gabriele Carneiro Feltrin da Silva
A FOTOGRAFIA NA CONSTRUCcedilAtildeO DA ESTEacuteTICA PUBLICITAacuteRIA NO
CINEMA DE FERNANDO MEIRELLES
Trabalho final de graduaccedilatildeo (tfg)
apresentado ao Curso de Comunicaccedilatildeo
Social ndash Publicidade e Propaganda Aacuterea
de Ciecircncias Sociais do Centro
Universitaacuterio Franciscano - Unifra como
requisito parcial para aprovaccedilatildeo na
disciplina Trabalho Final de Graduaccedilatildeo
II
Orientadora Patriacutecia de Oliveira Iuva
Santa Maria RS
2010
3
Gabriele Carneiro Feltrin da Silva
A FOTOGRAFIA NA CONSTRUCcedilAtildeO DA ESTEacuteTICA PUBLICITAacuteRIA NO
CINEMA DE FERNANDO MEIRELLES
Trabalho Final de Graduaccedilatildeo apresentado ao Curso de Publicidade e Propaganda Aacuterea
Ciecircncias Sociais do Centro Universitaacuterio Franciscano ndash Unifra como requisito para
aprovaccedilatildeo parcial para obtenccedilatildeo do grau de Bacharel em Publicidade e Propaganda
________________________________________________________
Patriacutecia de Oliveira Iuva ndash Orientadora (Unifra)
________________________________________________________
Carlos Alberto Badke (Unifra)
________________________________________________________
Pauline Fraga (Unifra)
Aprovado em de de
4
Agradecimentos
Em primeiro lugar quem merece todo meu reconhecimento eacute a minha famiacutelia Em
especial minha Matildee a pessoa mais importante da minha vida e responsaacutevel pelo que sou
por sempre ter acreditado em mim e me apoiado em minhas decisotildees Aos meus familiares
deixo aqui meu muito obrigada pela confianccedila pelo apoio e pela compreensatildeo
Agradeccedilo ainda a famiacutelia formada durante a graduaccedilatildeo aos queridos amigos que
tornaram essa jornada mais alegre e interessante Obrigada por fazerem parte dessa
aventura junto comigo
Ofereccedilo minhas palavras de gratidatildeo agrave minha orientadora Patriacutecia Iuva que ao meu
lado ajudou a construir esse trabalho Agrave professora Taiacutes Ghisleni que me acompanhou
durante o uacuteltimo ano de faculdade atraveacutes da monitoria e soube compreender minhas
duacutevidas sempre com palavras de apoio
Agradeccedilo aos demais mestres responsaacuteveis pela minha formaccedilatildeo Estendo esse
agradecimento a todos que de alguma forma contribuiacuteram para que hoje este sonho se
tornasse realidade
Aos meus amigos queridos que souberam me ouvir pelo incentivo constante e por
estarem sempre presentes nos momentos mais importantes pelos gestos de amizade
Agradeccedilo a Deus por estar sempre presente na minha vida e tornar tudo possiacutevel
5
RESUMO
Este estudo tem como objetivo analisar a fotografia audiovisual mais especificamente na
sua relaccedilatildeo com o a autorialidade de Fernando Meirelles Busca-se compreender como o
autor constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria na fotografia de seus filmes a qual se configura
atraveacutes da interface publicidade e cinema Para isso construiu-se como corpus de anaacutelise
frames ou seja fragmentos de quatro filmes que foram analisados de modo a compreender
a construccedilatildeo e a relaccedilatildeo de sua expressividade bem como seu vieacutes publicitaacuterio A
dimensatildeo da publicidade delineou o foco da pesquisa uma vez que se anseia pela anaacutelise
do caraacuteter publicitaacuterio da fotografia audiovisual Para tanto a relaccedilatildeo existente entre a
esteacutetica audiovisual e a linguagem videograacutefica responsaacutevel pela construccedilatildeo de uma
esteacutetica publicitaacuteria evidenciada na obra fiacutelmica
Palavras-chave fotografia audiovisual esteacutetica publicitaacuteria cinema autoral interfaces
publicidade cinema
ABSTRACT
The objective of this study to analyze the photograph audiovisual more specifically in its
relationship to authorial Fernando Meirelles We seek to understand how the author builds
the aesthetics of advertising photography in his films which is formed through the
interface and cinema advertising For this we constructed a corpus analysis of frames ie
fragments of four films that have been analyzed to understand the relationship building
and its expressivity and its bias in advertising The size of the advertising outlined the
focus of research since it yearns for character analysis audiovisual advertising
photography To this end the relationship between aesthetics and audiovisual video
language responsible for the aesthetics advertising evident in film work
Keywords audiovisual photography advertising aesthetics film copyright interfaces
advertising cinema
6
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas 39
Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas (Plano aberto e plano conjunto) 41
Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas (em sentido horaacuterio
Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal) 42
Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas
quando as personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo 43
Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas 44
Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus (em sentido horaacuterio primeiro meacutedio
em conjunto e dois gerais) 45
Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus (em sentido
horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal) 46
Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus 47
Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus 47
Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela 48
Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus 49
Figura 11 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel 49
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel (em sentido horaacuterio plano meacutedio
em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em plongeacutee e plano aberto em
conjunto)
51
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel (em sentido
horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee) 52
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel (variaccedilatildeo entre suave e dura) 53
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel 54
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a Cegueira 54
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira (Plano geral em conjunto e
grande plano geral) 56
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela
porta de vidro)
56
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira 57
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro
―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel 58
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira 59
7
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO________________________________________________________ 8
1 Linguagem e Esteacutetica Audiovisual________________________________________ 12
11 Interfaces cinema e publicidade________________________________________ 18
2 A fotografia na esteacutetica audiovisual_______________________________________ 21
21 Iluminaccedilatildeo__________________________________________________________ 25
22 Cor_________________________________________________________________ 26
23 Enquadramentos_____________________________________________________ 28
231 Planos_______________________________________________________ 29
232 Acircngulos de Filmagem_________________________________________ 30
233 Movimentos de cacircmera__________________________________________ 30
3 O Cinema de Autor_____________________________________________________ 31
4 Metodologia___________________________________________________________ 37
5 Anaacutelises______________________________________________________________ 39
51 Domeacutesticas__________________________________________________________ 39
52 Cidade de Deus_______________________________________________________ 44
53 O Jardineiro Fiel_____________________________________________________ 49
54 Ensaio sobre a Cegueira_______________________________________________ 54
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS_____________________________________________ 60
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS______________________________________ 63
ANEXOS_______________________________________________________________ 65
8
INTRODUCcedilAtildeO
A esteacutetica publicitaacuteria no cinema surge diante do contexto cultural da diversidade e
da multiplicidade no qual se percebe a fusatildeo entre a linguagem videograacutefica e a fotografia
do cinema Segundo Aumont (1995 p15) ―a esteacutetica do cinema eacute portanto o estudo do
cinema como arte o estudo dos filmes como mensagens artiacutesticas capazes de atrair a
atenccedilatildeo do espectador diante de uma determinada narrativa
O filme como produto cultural de massa atinge puacuteblicos diversificados que
reconhecem os seus coacutedigos suas linguagens e muito dessa adaptaccedilatildeo se deve ao
crescimento da TV e agrave tecnologia do viacutedeo A esteacutetica publicitaacuteria traduz o indiviacuteduo
contemporacircneo multifacetado acostumado com o acuacutemulo cada vez maior de
informaccedilotildees inserido em uma sociedade de massa multimidiaacutetica
A publicidade em relaccedilatildeo agrave sua funcionalidade busca positivar as qualidades e os
atributos dos serviccedilos eou produtos Por meio da persuasatildeo busca vender uma marca
seduzir e influenciar o espectador a consumir um determinado produto ndash tanto no campo
das ideacuteias quanto no campo dos discursos - que representa Nesse sentido ela usa e abusa
de recursos ligados agrave emoccedilatildeo e agrave identificaccedilatildeo sociocultural fazendo com que o
consumidor seja atraiacutedo e se identifique pela criaccedilatildeo Segundo Castells (1999 p22)
―entende-se por identidade a fonte de significado e experiecircncias de um povo
Experiecircncias essas que correspondem ao modo de vida em sociedade aos valores
culturais aos quais os indiviacuteduos estatildeo inseridos e que caracterizam a criaccedilatildeo de tal
identidade Carvalho (1996 p13) acrescenta que ―a publicidade impotildee nas linhas e
entrelinhas valores mitos ideais e outras elaboraccedilotildees simboacutelicas capazes de reformular
as tendecircncias culturais
Enquanto isso o cinema do ponto de vista funcional busca contar uma histoacuteria ndash
ficcional ou natildeo poreacutem como uma produccedilatildeo muitas vezes de entretenimento O objetivo
principal eacute procurar uma identificaccedilatildeo diante de seu puacuteblico divertir emocionar refletir e
transportaacute-los para a tela Stam (2003 p53) destaca que ―o cinema natildeo apenas evidencia o
movimento poeacutetico das coisas do mundo mas traduz as percepccedilotildees modificadas da vida
urbana contemporacircnea criando uma multiplicidade de informaccedilotildees em meio agrave sociedade
de massa Entatildeo como objeto cultural o cinema eacute capaz de entreter e disseminar
ideologias e tendecircncias para um grande nuacutemero de pessoas simultaneamente pois se
caracteriza como um produto coletivo da cultura de massa
9
Este trabalho constroacutei-se no cenaacuterio de interfaces entre publicidade e cinema a
partir da anaacutelise da concepccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria na fotografia dos filmes de
Fernando Meirelles
Vale ressaltar que a fotografia eacute um elemento fundamental na construccedilatildeo da esteacutetica
audiovisual Eacute a partir de sua composiccedilatildeo que o estilo da obra eacute retratado na tela Sendo
assim eacute preciso escolher com cuidado cada um dos componentes fotograacuteficos a fim de se
obter o resultado expressivo desejado Para Martin (2003 p57) a iluminaccedilatildeo ―constitui
um fator decisivo para a criaccedilatildeo da expressividade da imagem Aleacutem disso eacute elemento de
criaccedilatildeo da ―atmosfera da cena A atmosfera cecircnica por sua vez eacute difiacutecil de analisar pois
estaacute atrelada agrave subjetividade ou seja agrave capacidade de percepccedilatildeo de cada espectador tendo
um papel impreciso Natildeo se pode esquecer da utilizaccedilatildeo das cores sejam elas quentes ou
frias conotando reaccedilotildees psicoloacutegicas nos espectadores bem como o contraste cromaacutetico e
luminoso eficaz na significaccedilatildeo de cada cena
De acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber cada vez mais a interferecircncia
da publicidade na atual produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este
papel de fonte de referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem
audiovisual nas produccedilotildees contemporacircneas e diante disso tem-se como objetivo
compreender como o diretor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria na
fotografia de seus filmes Arquiteto por formaccedilatildeo Fernando Meirelles comeccedilou sua
carreira na aacuterea audiovisual realizando viacutedeos experimentais com um grupo de amigos
ainda durante a faculdade Posteriormente fundou a produtora independente Olhar
Eletrocircnico e nunca mais deixou de trabalhar como diretor tanto na publicidade quanto no
cinema No cinema dirigiu os filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O
Jardineiro Fiel (2005) e Ensaio sobre a Cegueira (2008) Esses filmes constituem o objeto
empiacuterico deste trabalho que para alcanccedilar seu objetivo geral busca (1) analisar as
interfaces existentes entre publicidade e cinema (2) estudar a fotografia enquanto
elemento da esteacutetica audiovisual e (3) verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando
Meirelles em seus filmes
Jaacute haacute algum tempo percebe-se um crescente nuacutemero de cineastas com vasta
experiecircncia no mercado publicitaacuterio profissionais que realizaram muitos trabalhos como
diretores de filmes publicitaacuterios e dela migraram para o cinema Possuem portanto uma
visatildeo abrangente da linguagem audiovisual o que possibilita diferentes abordagens
esteacuteticas tanto no cinema quanto na publicidade A existecircncia de profissionais oriundos de
outras aacutereas trabalhando nas produccedilotildees audiovisuais reflete na nova relaccedilatildeo estabelecida
10
entre a noccedilatildeo de arte ciecircncia e tecnologia Esses domiacutenios antes mais distantes agora se
veem envolvidos em processos de troca combinaccedilatildeo fusatildeo Sobre as novas tecnologias
Popper apud Parente (1993) diz que
Em todo caso e em grande parte graccedilas aos novos meacutetodos de transmissatildeo de
imagens e agrave difusatildeo massiva dos conhecimentos e informaccedilotildees entramos no
presente em uma era em que o pensamento teacutecnico e o pensamento simboacutelico se
encontram em que o impacto das novas tecnologias provoca uma mutaccedilatildeo
decisiva na esfera cultural (PARENTE 1993 p213)
Covaleski (2009) acrescenta que tanto a televisatildeo quanto o cinema satildeo os uacutenicos
meios audiovisuais que possibilitam a utilizaccedilatildeo na publicidade da maioria dos elementos
de persuasatildeo e de sentido unindo o som a imagem o movimento e o texto escrito Deste
modo a publicidade trabalha com narrativas sinteacuteticas que se adequam ao tempo reduzido
de 30 eou 45 segundos para vender a ideacuteia do produto que anuncia Em oposiccedilatildeo o
cinema possui em meacutedia cerca de 90 minutos suficientes para mostrar o enredo contar a
histoacuteria apresentar os personagens e desenrolar toda a narrativa
As relaccedilotildees entre cinema e publicidade televisual partem das caracteriacutesticas da
obra final que eacute gerada em cada um desses gecircneros de comunicaccedilatildeo No
cinema a obra cinematograacutefica a peliacutecula de curta meacutedia ou longa-metragem
na publicidade televisual o comercial o filme ou viacutedeo publicitaacuterio que
obedecem aos formatos impostos pelos veiacuteculos de comunicaccedilatildeo Os propoacutesitos
para os quais as obras fiacutelmicas cinematograacuteficas ou publicitaacuterias satildeo geradas
visam a atender interesses e objetivos que vatildeo do comercial ao artiacutestico
(COVALESKI 2009 p93)
Portanto a poacutes-modernidade cultural a qual representa o surgimento de outras
dimensotildees esteacuteticas eacute a grande chave para esta anaacutelise cujo foco recai sobre o elemento
de linguagem fotograacutefica Isto eacute recai na fotografia e na sua capacidade de construir
sentidos acerca de um momento que nunca mais aconteceraacute e ao mesmo tempo congelaacute-
lo possibilitando a representaccedilatildeo desta realidade deste momento uacutenico
Assim tal pesquisa articula a abordagem de temas de grande importacircncia para a
comunicaccedilatildeo audiovisual visto que possibilitam o surgimento de outras tendecircncias nas
produccedilotildees cinematograacuteficas contemporacircneas Para isso a revisatildeo teoacuterica perpassa pela
introduccedilatildeo sobre o tema do trabalho em que as temaacuteticas abordadas satildeo apresentadas bem
como o corpus escolhido para anaacutelise e os objetivos da pesquisa o primeiro capiacutetulo
discute teoricamente a linguagem e a esteacutetica audiovisual bem como as interfaces
existentes entre publicidade e cinema o segundo capiacutetulo aborda a fotografia na esteacutetica
audiovisual enfatizando os elementos expressivos fotograacuteficos ndash iluminaccedilatildeo cor
11
enquadramentos planos acircngulos e movimentos de cacircmera o terceiro capiacutetulo teoriza
sobre o cinema de autor e aborda o autor em questatildeo Fernando Meirelles o quarto
capiacutetulo elucida o processo metodoloacutegico aplicado no desenvolvimento do trabalho o
quinto capiacutetulo encarrega-se de demonstrar os exerciacutecios analiacuteticos empreendidos nos
frames do corpus e o sexto capiacutetulo preocupa-se com as consideraccedilotildees finais da pesquisa
12
1 Linguagem e Esteacutetica Audiovisual
Por poder ser captada simultaneamente pelo olho e pelo ouvido a linguagem
audiovisual permite o envolvimento completo do seu espectador diante da fusatildeo do som e
da imagem em movimento A fusatildeo entre aacuteudio e viacutedeo possibilita um paralelo entre o
racional e o sensorial de modo que a mesma consegue dizer muito mais do que
conseguimos captar pois chega simultaneamente por muito mais caminhos do que
conscientemente percebemos
O viacutedeo incluiacutedo em um meio de comunicaccedilatildeo de massa eacute utilizado como forma
de expressatildeo aleacutem de estruturar novas teacutecnicas tanto no processo de gravaccedilatildeo e de poacutes-
produccedilatildeo Tais teacutecnicas satildeo responsaacuteveis por todo o cruzamento de narrativas hoje
utilizadas pelo cinema e pela publicidade
O viacutedeo eacute um sistema hiacutebrido ele opera com coacutedigos significantes distintos
parte importados do cinema parte importados do teatro da literatura do raacutedio e
mais modernamente da computaccedilatildeo graacutefica aos quais acrescenta alguns
recursos expressivos especiacuteficos alguns modos de formar ideacuteias ou sensaccedilotildees
que lhe satildeo exclusivos (MACHADO 1997 p 190)
Dubois (2004 p77) define a estetizaccedilatildeo videograacutefica como ―uma linguagem (ou
uma esteacutetica) particular (mas de nenhum modo exclusiva) que pertence a loacutegicas
diferentes e potildee em jogo questotildees de ordem muito diversa que as do cinema O
surgimento do viacutedeo possibilitou novas tecnologias como por exemplo a televisatildeo
Diante disso o autor classifica dois modos principais de representaccedilatildeo em viacutedeo
O modo plaacutestico (a ―videoarte em suas formas e tendecircncias muacuteltiplas) e[] o
modo documentaacuterio (o real ndash bruto ou natildeo ndash em todas as suas estrateacutegias de
representaccedilatildeo) E sobretudo ndash eacute o que os une contra a transparecircncia - ambos
com um senso constante do ensaio da experimentaccedilatildeo da pesquisa da inovaccedilatildeo
(DUBOIS 2004 p77)
De acordo com Gutierrez (1992) dentro de noacutes acontece uma repercussatildeo em
imagens baacutesicas centrais simboacutelicas arquetiacutepicas com as quais nos identificamos ou que
se relacionam conosco de alguma forma consistindo na representaccedilatildeo de uma realidade
em movimento
A linguagem audiovisual responsaacutevel por tal representaccedilatildeo eacute constituiacuteda por
alguns elementos fundamentais (1) o plano - cada parte da fita que se apresenta ao
espectador como tendo sido filmada sem interrupccedilotildees (2) a cena - o conjunto de planos
cuja accedilatildeo eacute contiacutenua e decorre numa relativa unidade de tempo e espaccedilo constitui as cenas
13
e as sequumlecircncias (3) o enquadramento - a variaccedilatildeo da longitude da cacircmera agrave cena filmada
por meio de movimento (sem interrupccedilatildeo da filmagem) dentro do mesmo plano a
variaccedilatildeo do enquadramento e (4) a montagem ndash procedimento de organizaccedilatildeo do conjunto
de cenas sequumlecircncias e planos que formam a obra fiacutelmica
Tais elementos audiovisuais estatildeo presentes tanto nas produccedilotildees cinematograacuteficas
quanto nas produccedilotildees publicitaacuterias poreacutem o modo como satildeo utilizados eacute que as difere
Segundo Aumont (1995) inicialmente o cinema era desprovido de uma linguagem pois
apenas refletia o registro de um espetaacuteculo uma simples reproduccedilatildeo do real Entretanto
com o intuito de contar histoacuterias e veicular ideias o cinema precisou utilizar determinados
procedimentos expressivos os quais passaram a constituir sua linguagem
Assim sendo pode-se definir a linguagem cinematograacutefica como ―o conjunto das
mensagens cujo material de expressatildeo compotildee-se de cinco pistas ou canais a imagem
fotograacutefica em movimento os sons foneacuteticos gravados os ruiacutedos gravados o som musical
gravado e a escrita (creacuteditos intertiacutetulos materiais escritos no interior do plano) (STAM
2003 p132) A utilizaccedilatildeo em sinergia desse grande nuacutemero de elementos possibilita uma
maior variedade de abordagens nas produccedilotildees audiovisuais Por exemplo uma montagem
natildeo-linear com ritmo acelerado de troca de planos acircngulos e enquadramentos eacute a marca
das realizaccedilotildees videograacuteficas contemporacircneas
Para Balaacutezs apud Stam (1995) a linguagem cinematograacutefica pode ser definida a
partir de 4 princiacutepios
- no cinema existe uma distacircncia variaacutevel entre espectador e cena representada
daiacute uma dimensatildeo variaacutevel da cena que toma lugar no quadro e na composiccedilatildeo
da imagem
- a imagem total da cena eacute subdividida em uma seacuterie de planos de detalhes
(principio da decupagem)
- existe variaccedilatildeo de enquadramento (acircngulo de visatildeo perspectiva) dos planos de
detalhe no decorrer da mesma cena
- finalmente eacute a operaccedilatildeo da montagem que garante a inserccedilatildeo dos planos de
detalhes em uma sequumlecircncia ordenada na qual natildeo apenas cenas inteiras se
sucedem mas tambeacutem tomadas de detalhes mais miacutenimos de uma mesma cena
A cena em seu conjunto eacute resultado disso como se os elementos de um mosaico
temporal fossem justapostos no tempo (BALAacuteZS apud STAM 1995 p163-
164)
O cinema busca traduzir a realidade atraveacutes da representaccedilatildeo artiacutestica mediante o
uso de teacutecnicas pertencentes agrave linguagem audiovisual Stam (2003 p132) acrescenta que
se torna linguagem a partir do momento em que comunica ―um conjunto de mensagens
formuladas com base em um determinado material de expressatildeo um discurso ou praacutetica
significante caracterizado por codificaccedilotildees e procedimentos ordenatoacuterios especiacuteficos
14
Por volta de 1750 a palavra esteacutetica foi inventada com o intuito de designar uma
―ciecircncia dos sentimentos posteriormente uma ―ciecircncia do belo Atualmente eacute
empregada igualmente no plural para se referir agraves diversas concepccedilotildees do belo e da arte
Segundo Aumont e Marie (2003) natildeo existe esteacutetica constituiacuteda do cinema mas questotildees
de natureza esteacutetica foram frequumlentemente discutidas a respeito dele em torno dos
seguintes problemas
1 O cinema entre as artes natildeo tendo sido o cinema de iniacutecio aceito como
arte (mas como teacutecnica ou como distraccedilatildeo) sua especificidade artiacutestica foi
muitas vezes salientada Em particular ele foi por isso confrontado e
comparado com artes reconhecidas a muacutesica (Gance) a pintura (Bazin
Aumont Bonitzer) o teatro (Pagnol) valorizando a cada vez uma
caracteriacutestica particular do cinema o ritmo o enquadramento a fala a
cenicidade etc
2 A especificidade do fiacutelmico ela diz respeito a alguns traccedilos fundamentais
estudados nos mais das vezes de pontos de vista bem diferentes o
movimento (Munsterberg Deleuze) a mobilidade do ponto de vista
(Souriau Metz Jost Aumont) a sequencialidade e a montagem
(Eisenstein)
3 A possibilidade de uma poeacutetica do cinema ndash ou seja de uma concepccedilatildeo
geral da natureza do cinema da criaccedilatildeo fiacutelmica da relaccedilatildeo do fiacutelmico com o
mundo afilmico ou profilmico etc A respeito desse ponto observa-se uma
grande oposiccedilatildeo entre poeacuteticas realistas ndash o filme como transparecircncia
(Kracauer) a ―liacutengua escrita da realidade (Pasolini) o ―cine-olho
(Vertov) - e poeacuteticas formalistas ndash o ―cinema-linguagem (Eisenstein) a
fotogenia (Epstein) o filme como grande forma (Buch) etc
4 A possibilidade de uma arte de massa imposta pela induacutestria e pela teacutecnica
(Panofsky) (AUMONT MARIE 2003)
Para Covaleski (2009 p77) a esteacutetica do cinema estaacute diretamente relacionada com
a natureza reprodutiva e mecacircnica do meio cinematograacutefico Segundo o autor eacute possiacutevel
destacar duas teorias mesmo que distintas em que se refere agrave natureza reprodutiva do
cinema A primeira de Walter Benjamin afirma que toda a problemaacutetica da esteacutetica
relacionada ao cinema estaacute centrada no ―contexto da crise do sistema tradicional das artes
cuja modalidade de percepccedilatildeo cinematograacutefica essencialmente coletivalsquo e distraiacutedalsquo eacute
sua proacutepria causa e efeito Jaacute a segunda teoria de Andreacute Bazin constata que o problema
esteacutetico estaacute ligado ao caraacuteter mecacircnico da reproduccedilatildeo ou seja ―eacute a ausecircncia de uma
intervenccedilatildeo por parte da interpretante e a deformaccedilatildeo causada pela projeccedilatildeo que teoriza
tal problemaacutetica Jaacute Aumont (2002 p15-16) ressalta que a esteacutetica do cinema confere dois
aspectos ―uma vertente geral que considera o efeito esteacutetico proacuteprio do cinema e uma
vertente especiacutefica centrada na anaacutelise de obras particulares Sendo assim refere-se agrave
anaacutelise de filmes ou a criacutetica no sentido pleno do termo
15
Na obra fiacutelmica os aspectos esteacuteticos satildeo apresentados diante de uma
categorizaccedilatildeo dos elementos que constituem a manifestaccedilatildeo esteacutetica no cinema Segundo
Covaleski (2009) ―tais manifestaccedilotildees se datildeo sobre vaacuterias formas ora icocircnicas ora
focircnicas ora graacuteficas ora oacuteticas ora sonoras ora auditivas e estatildeo em processo de
evoluccedilatildeo devido ao surgimento de novas tecnologias de comunicaccedilatildeo juntamente com
novas manifestaccedilotildees artiacutesticas
No decorrer do seacuteculo XX mediante tais transformaccedilotildees houve a geraccedilatildeo de
novas noccedilotildees de criaccedilatildeo de arte de esteacutetica Conforme Plaza (2000) ocorreu um
―deslocamento das funccedilotildees instauradoras (a poeacutetica do artista) para funccedilotildees de
sensibilidade receptora (esteacutetica) o que produz no meio artiacutestico uma grande confusatildeo
conceitual caracterizada pela mistura e hibridaccedilatildeo de gecircneros poeacuteticas e atitudes
artiacutesticas
Pode-se compreender com base em Covaleski (2009) que a chegada da arte do
cinema agrave tevecirc trouxe tambeacutem padrotildees esteacuteticos que aos poucos foram incorporados ao
meio televisual aleacutem de serem consumidos em larga escala pela publicidade Percebe-se
que boa parte dos comerciais de tevecirc os chamados filmes publicitaacuterios alcanccedilam mais
destaque que a proacutepria programaccedilatildeo devido aos recursos tecnoloacutegicos e a linguagem
adaptada do cinema utilizado em suas produccedilotildees Sendo assim ao serem criados e
produzidos com preocupaccedilotildees esteacuteticas e cuidados artiacutesticos possibilitou gerar um
receptaacuteculo proacuteprio a esteacutetica publicitaacuteria
Diante do debate entre o aspecto utilitaacuterio e o aspecto artiacutestico da mensagem cabe
agrave publicidade recorrer agraves funccedilotildees da linguagem Para o autor natildeo importa se sejam as
poeacuteticas conativas ou referenciais mas sim sua finalidade de elevar e diversificar o
conjunto de repertoacuterios de seu puacuteblico-alvo contribuindo assim para a aceitaccedilatildeo de uma
nova esteacutetica
Tal questatildeo esteacutetica para alguns autores eacute tratada como uma espeacutecie de fetiche
cinematograacutefico Eacute possiacutevel perceber a veneraccedilatildeo e a adoraccedilatildeo de determinados elementos
constituintes da narrativa - do figurino do cenaacuterio ou ateacute mesmo da performance cecircnica
do ator ndash como intuito de simbolizar objeto de culto estabelecer um valor icocircnico a este
Conforme Covaleski (2009 p79-80) desde ―a criaccedilatildeo de mitos do cinema ao lanccedilamento
de moda passando pelo merchandising institucionalizado a esteacutetica cinematograacutefica
contribui na formaccedilatildeo e evoluccedilatildeo de comportamentos fetichistas por parte da sociedade
movida por novos sonhos de consumo e por novas divindades a cultuar
16
A partir da reflexatildeo de Carvalho (2003) a cerca dos estudos de Leacutevi-Strauss pode-
se dizer que a individualizaccedilatildeo da produccedilatildeo demonstrar o aparecimento de uma
consciecircncia criacutetica por parte do receptor que retira da esteacutetica-primitiva o seu dever social
A obra sendo produzida individualmente sem necessidade de bastar a uma sociedade ou
clatilde A esteacutetica-moderna depende apenas da aprovaccedilatildeo ou natildeo de uma clientela ―de classe
(como utiliza o autor) para se firmar como arte
Ao mesmo tempo com a evoluccedilatildeo da criacutetica de arte e o aparecimento do
abstracionismo Leacutevi-Strauss iraacute demonstrar um propoacutesito antimodernista ao perceber a
banalizaccedilatildeo presente na arte do poacutes-guerra Aleacutem da hiper-valorizaccedilatildeo da criacutetica a
representaccedilotildees pictoacutericas sem compromisso artiacutestico Poreacutem dentro desta mesma vertente
podemos repassar seu conceito de arte que funde a ciecircncia e o mito na concepccedilatildeo do
espiacuterito humano (pensamento criador) em outro de seus pensamentos a loacutegica do
sensiacutevel Loacutegica regida pela possibilidade de unir muacutesica e mito ou romance e mito atraveacutes
de uma ―estrutura-funccedilatildeo Todo meio artiacutestico pode ser fundido a outro ou recriado
desde que o estruturalismo presente no espiacuterito humano conceba um fim artiacutestico
A inter-relaccedilatildeo do cinema e da publicidade audiovisual resulta dos aspectos dessa
linguagem pois ambos constituem meios audiovisuais que trabalham a partir de uma
mesma base de composiccedilatildeo e de montagem de elementos expressivos para criar um
determinado plano de conteuacutedo narrativo e de significado o que configura esteacuteticas
diferenciadas
A modernidade da imagem cinematograacutefica eacute reflexo de um processo histoacuterico
em que a arte tenta se renovar em releituras de seus proacuteprios conceitos e criaccedilatildeo
de outros A diversidade estiliacutestica caracteriacutestica do cinema comercial da deacutecada
de 90 retrata uma geraccedilatildeo multimiacutedia de novos profissionais e espectadores que
acabaram por alterar os rumos da cinematografia contemporacircnea
(CARVALHO 2003)
Tais mudanccedilas de abordagem satildeo visiacuteveis natildeo apenas no cinema como tambeacutem nos
videoclipes nos games e na publicidade Refere-se a uma nova perspectiva de criaccedilatildeo
audiovisual na tentativa de romper as barreiras das produccedilotildees tradicionais e enfatizar o
surgimento de novas possibilidades Tais rupturas contribuem para a mudanccedila no
comportamento dos sujeitos contemporacircneos
O pensador de agora jaacute natildeo se senta mais agrave sua escrivaninha diante de seus
livros para dar forma ao seu pensamento mas constroacutei as suas ideias manejando
instrumentos novos ndash a cacircmera a ilha de ediccedilatildeo o computador - invocando
ainda outros suportes de pensamento sua coleccedilatildeo de fotos filmes viacutedeos
discos ndash sua mideoteca enfim (DUBOIS 2004 p19)
17
O pensamento audiovisual contemporacircneo constata essa hibridizaccedilatildeo essa
convergecircncia de elementos responsaacuteveis por uma mudanccedila de conduta Deste modo
Dubois (2004 p25) ressalta a existecircncia do imaginaacuterio cinematograacutefico presente em
todos os lugares e impregnado ―ateacute em nossa maneira de falar ou de ser Quem ao
percorrer de carro um longo trajeto numa vasta paisagem aberta natildeo pensou com a ajuda
da muacutesica no raacutedio numa figura de travelling mergulhando na tela panoracircmica de seu
paacutera-brisa
Em relaccedilatildeo agrave esteacutetica publicitaacuteria Carvalho (2003) ressalta uma possiacutevel ―morte
do cinema Vaacuterios criacuteticos apostam nessa ―morte diante do uso de recursos estiliacutesticos
que estariam se sobressaindo na concepccedilatildeo criadora do filme em contraposiccedilatildeo ao
realismo bem como da evoluccedilatildeo da teacutecnica que distancia o cinema de sua perspectiva
fotograacutefica Resultando assim na valorizaccedilatildeo da imagem em detrimento da representaccedilatildeo
Contudo o autor ressalva que tal concepccedilatildeo de retrato da realidade aleacutem de
ultrapassada estaacute reformulada no estudo do ―espiacuterito humano de Leacutevi-Strauss Este
estudo baseia-se no posicionamento da seacutetima arte como uma visatildeo moderna do homem
diante da realidade a visatildeo em que a cacircmera capta a imagem e natildeo o objeto
Enquanto isso Merquior (1975) busca uma maneira de refletir e re-posicionar as
concepccedilotildees de Leacutevi-Strauss quanto agrave arte contemporacircnea
Em vez de vociferar sobre a verdade factuallsquo da morte da artelsquo conviria
colocar a problemaacutetica implicada por essas teses em relaccedilatildeo a uma das
tendecircncias mais fecundas do estruturalismo ndash sua vontade de ultrapassar as
anaacutelises estanques dos domiacutenios culturais (arte religiatildeo ciecircncia etc) de
encorajar a pesquisa de afinidades estruturais e funcionais entre esses camposlsquo
sem jamais esquecer que satildeo todos faces de uma mesma realidade o espiacuterito
humano (MERQUIOR 1975 p79)
Em seu texto A Dupla Heacutelice Raimond Bellour consegue ver logo no viacutedeo ndash base
da esteacutetica publicitaacuteria ndash e na tecnologia digital o resumo desta realidade emergente
O viacutedeo leva assim agrave sua perda essa capacidade de analogia dilatada agraves
dimensotildees do universo pela primeira vez os corpos e os objetos do mundo satildeo
virtualmente desfiguraacuteveis (e logo refiguraacuteveis) ao sabor de uma potecircncia que
transforma em tempo real ou quase natildeo diferido (e natildeo mais somente como no
cinema por uma lenta elaboraccedilatildeo cujas trucagens constituem o modelo) as
representaccedilotildees que capta seu olho mecacircnico Isso explica o fato de a viacutedeo-
imagem a caccedilula das imagens de reproduccedilatildeo poder aparecer simultaneamente
como uma nova imagem irredutiacutevel ao que a precede mas tambeacutem uma
imagem capaz de atrair de absorver de misturar todas as imagens anteriores
pintura fotografia cinema (BELLOUR Raimond in PARENTE 1993 p223)
18
Em funccedilatildeo disso a esteacutetica publicitaacuteria natildeo passaria apenas de um mero
abstracionismo imageacutetico do cinema mas sim a siacutentese de uma movimentaccedilatildeo esteacutetica que
atravessa todas as artes denominada Poacutes-modernidade Cultural Muito aleacutem de um
recurso estiliacutestico as imagens de ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus entre outros filmes
tachados como videoclipeiros ou publicitaacuterios refletem na representaccedilatildeo do olhar do
homem moderno Toda essa fundamentaccedilatildeo estaacute na fusatildeo da linguagem videograacutefica com
a fotograacutefica do cinema Ao inveacutes de ampliar a visatildeo da rapidez das coisas tenta-se
reduzir o que ocorre agrave nossa volta em conceitos voltado aos meios artiacutesticos
11 Interfaces cinema e publicidade
Com o intuito de construir um sentido proacuteprio para cada filme o cinema atua em
momentos esparsos e depende da disposiccedilatildeo do espectador para que a obra fiacutelmica seja
consumida Em contrapartida a televisatildeo oferece uma programaccedilatildeo diversificada sem
interrupccedilotildees 24h por dia Assim o espectador recebe informaccedilotildees se diverte com
seriados novelas e filmes sem sair de casa
Percebe-se que a origem do discurso nunca eacute autocircnoma mas sim dependente de
outros discursos em que buscou referecircncia Bliskstein (1994 p45) constata que
―suportado por toda uma intertextualidade o discurso natildeo eacute falado por uma uacutenica voz mas
por muitas vozes geradoras de muitos textos que se intercruzam no tempo e no espaccedilo
Na deacutecada de 60 Kristeva introduziu o termo intertextualidade como uma traduccedilatildeo
para ―dialogismo que se refere agrave relaccedilatildeo entre um enunciado e os demais enunciados De
acordo com Stam (2003) a intertextualidade eacute um conceito de valor na medida em que
possibilita relacionar o texto individual com as demais formas de representaccedilatildeo natildeo
somente com outros textos
Intertextualidade eacute vista por Fiorin (2002) como a forma de incorporar um texto em
outro aleacutem de ser polecircmica quando propotildee uma oposiccedilatildeo ao sentido do texto original ou
contratual quando o reforccedila e o enaltece Assim sendo a intertextualidade polecircmica eacute
conhecida como paroacutedia enquanto a intertextualidade contratual como paraacutefrase Aleacutem
disso classifica tambeacutem em
citaccedilatildeo (referecircncia literal a outro texto usando parte deste) alusatildeo (reproduccedilatildeo
de construccedilotildees sintaacuteticas substituindo algumas figuras do texto original por
outras) e estilizaccedilatildeo (reproduccedilatildeo do estilo de outrem no plano da expressatildeo ou
no do conteuacutedo) (FIORIN apud COVALESKI 2009 p 39)
19
A seguir uma abordagem mais detalhada de cada uma das relaccedilotildees intertextuais
entre o cinema e a publicidade televisual na visatildeo de Covaleski (2009)
a) citaccedilatildeo a publicidade desfruta desse recurso criativo com maestria Uma uacutenica
obra cinematograacutefica pode originar uma grande variaccedilatildeo de citaccedilotildees ancoradas
a uma mesma cena claacutessica evidentemente emblemaacutetica contundente o
bastante para se tornar perene no imaginaacuterio coletivo transpondo barreiras
culturais e temporais Pode-se citar como exemplo a cena emblemaacutetica em que
a atriz Marilyn Monroe tem sua saia levantada devido ao deslocamento de ar
durante a passagem do metrocirc no filme O Pecado Mora ao Lado (The Seven
Year Itch de Billy Wilder ndash 1955) Essa cena muito conhecida jaacute foi usada
diversas vezes e de diferentes formas pela publicidade Exemplo disso foi a
colocaccedilatildeo de uma saia ndash a la Marilyn ndash em garrafas de vodka da marca
Absolut
b) alusatildeo mais sutil que a citaccedilatildeo remete a uma obra anterior poreacutem sem fazer
uso de fragmentos dela Utiliza somente uma construccedilatildeo equivalente
substituindo determinadas figuras por outras A alusatildeo recorrente no cinema eacute
facilmente percebida em filmes que pertencem a um mesmo gecircnero
cinematograacutefico Na publicidade a intertextualidade com o cinema utilizando a
alusatildeo aparece em comerciais de anunciantes dos mais diferentes segmentos de
mercado bem como os filmes de onde saiacuteram as inspiraccedilotildees pertencem aos
mais diversos gecircneros O filme francecircs O Fabuloso Destino de Ameacutelie Poulain
(Le Fabuleux Destin drsquoAmeacutelie Poulain de Jean-Pierre Jeunet - 2001) eacute uma
obra com clara influecircncia da linguagem publicitaacuteria Muito disso se deve
devido agrave vivecircncia de Jeunet em meio agrave publicidade Eacute o caso deste trabalho jaacute
que Fernando Meirelles trabalhou com publicidade antes de seguir carreira no
cinema Um exemplo de alusatildeo a este filme se percebe na campanha do
automoacutevel Renault Sceacutenic ndash um anatildeo de jardim eacute sequumlestrado por um grupo de
amigos e aprova seu novo endereccedilo mandando uma carta agrave sua antiga dona
avisando que natildeo voltaraacute mais para casa Deste modo a campanha faz alusatildeo
ao argumento de liberdade explorado na obra francesa
c) estilizaccedilatildeo ato de reproduzir um conjunto de procedimentos de caracteriacutesticas
de formas e de conteuacutedos do discurso de outrem Eacute recorrer agrave estrutura seja no
20
plano da expressatildeo ou no do conteuacutedo produzindo um efeito de
personalizaccedilatildeo muito embora remeta a obra anterior independente de
estabelecer uma relaccedilatildeo polecircmica ou contratual com aquela A estilizaccedilatildeo
intertextual na publicidade com referencial cinematograacutefico eacute constante e
ultrapassa o uso apenas dos elementos de linguagem cinematograacutefica Alguns
filmes publicitaacuterios utilizam em suas produccedilotildees as teacutecnicas de trucagem1 se
aproveitam dos efeitos especiais e ateacute dos estilos lanccedilados pelo cinema Um
bom exemplo dessa estilizaccedilatildeo encontra-se em um comercial da Samsung que
se utilizada da mesma esteacutetica tecnoloacutegia e uso de efeitos especiais do filme
Matrix (The Matrix de Andy e Larry Wachowski - 1999)
No Brasil de acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber tambeacutem um
caminho oposto a esta intertextualidade Cada vez mais a publicidade interfere na atual
produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este papel de fonte de
referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem audiovisual nas
produccedilotildees contemporacircneas como eacute o caso dos filmes ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus
―O Jardineiro Fiel e ―Ensaio sobre a Cegueira de Fernando Meirelles
1 Trucagem A accedilatildeo de modificar imagens previamente filmadas ao vivo tanto em sua forma (cor e
tamanho) como na ordem de sua projeccedilatildeo (congelamento aceleraccedilatildeo inversatildeo) Satildeo possiacuteveis tambeacutem a
superposiccedilatildeo de letreiros a fusatildeo (teacutecnica de escurecer uma cena ao mesmo tempo em que outra vai
surgindo provocando a sobreposiccedilatildeo de uma sobre a outra) e outros efeitos especiais O equipamento
utilizado eacute a truca Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbrmidiaartequadroaquadro gt Acesso em 14
Jun 2010
21
2 A fotografia na esteacutetica audiovisual
A palavra fotografia vem do grego foacutes (luz) e grafis (estilo pincel) ou
grafecirc e significa desenhar com luz e contraste Natildeo eacute possiacutevel definir um uacutenico
inventor pois foram vaacuterios os responsaacuteveis pela sua origem Em 1826 o francecircs Joseph
Niceacutephore Nieacutepce teve sua imagem reconhecida como a primeira fotografia tal imagem
foi produzida mediante o uso de uma placa de estanho coberta com um derivado de
petroacuteleo fotossensiacutevel chamado Betume da Judeacuteia O processo de exposiccedilatildeo agrave luz solar
chamado de heliografia durava cerca de oito horas para que a imagem fosse obtida
Neste mesmo periacuteodo Louis Daguerre deu continuidade aos experimentos
fotograacuteficos de Joseph Niceacutephore Nieacutepce fato este que lhe concedeu uma descoberta
decisiva Em 1835 Daguerre apanhou uma placa revestida de prata sensibilizada com
iodeto de prata que apesar de exposta natildeo apresentava sequer vestiacutegios de imagem
guardou-a displicentemente em um armaacuterio e ao abri-lo no dia seguinte encontrou uma
imagem revelada Fez experiecircncias por eliminaccedilatildeo com os outros produtos que estavam
no armaacuterio para descobrir que a imagem latente tinha sido revelada por accedilatildeo do mercuacuterio
Logo apoacutes o falecimento de Niegravepce Daguerre desenvolveu um processo
conhecido como daguerreotipia no qual era possiacutevel reduzir o tempo de revelaccedilatildeo de
horas para minutos devido a utilizaccedilatildeo de vapor de mercuacuterio Daguerre descreveu seu
processo agrave Academia de Ciecircncias e Belas Artes na Franccedila e logo depois requereu a
patente do seu invento na Inglaterra Breslin possibilita um melhor entendido deste
processo
Os daguerreoacutetipos inventados em 1839 foram os primeiros dentre os processos
fotograacuteficos iniciais a se tornar comercialmente disponiacuteveis O processo utiliza
placas uacutemidas que satildeo placas de cobre cobertas por uma emulsatildeo fotossensiacutevel
agrave base de prata As placas eram reveladas em campo enquanto ainda uacutemidas
criando um negativo Os negativos entatildeo podiam ser trazidos de volta ao
estuacutedio onde um pedaccedilo de papel fotograacutefico era assentado sobre a emulsatildeo do
negativo e exposto ao sol A luz do sol expunha a impressatildeo que era fixada (isto
eacute estabilizada por uma processo quiacutemico) e lavada (BRESLIN 2009 p26)
Jaacute em 1839 o britacircnico William Fox Talbot ao tomar conhecimento dos avanccedilos
de Daguerre decidiu apressar a apresentaccedilatildeo de suas pesquisas com papeacuteis fotossensiacuteveis
agrave Royal Institution e agrave Royal Society com o intuito de garantir os direitos sobre suas
invenccedilotildees No entanto Talbot desenvolveu um processo diferente denominado caloacutetipo -
utilizava folhas de papel cobertas com cloreto de prata que posteriormente eram colocadas
22
em contato com outro papel produzindo assim a imagem positiva Trata-se de um
processo semelhante ao usado atualmente em que utiliza-se um negativo para a obtenccedilatildeo
posterior de imagens positivas
A fotografia entatildeo popularizou-se como produto de consumo a partir de 1888 com
a introduccedilatildeo da cacircmera tipo caixatildeo e pelo filme em rolos substituiacuteveis criados por
George Eastman Desde entatildeo o mercado fotograacutefico tem experimentado uma crescente
evoluccedilatildeo tecnoloacutegica como o estabelecimento do filme colorido como padratildeo e o foco
automaacutetico ou exposiccedilatildeo automaacutetica Essas inovaccedilotildees sem duacutevida facilitam a captaccedilatildeo da
imagem melhoram a qualidade de reproduccedilatildeo ou a rapidez do processamento mas muito
pouco foi alterado nos princiacutepios baacutesicos da fotografia
A grande mudanccedila recente produzida a partir do final do seacuteculo XX foi a
digitalizaccedilatildeo dos sistemas fotograacuteficos A fotografia digital mudou paradigmas no mundo
da fotografia minimizando custos reduzindo etapas acelerando processos e facilitando a
produccedilatildeo manipulaccedilatildeo armazenamento e transmissatildeo de imagens pelo mundo O
aperfeiccediloamento da tecnologia de reproduccedilatildeo de imagens digitais tem quebrado barreiras
de restriccedilatildeo em relaccedilatildeo a este sistema por setores que ainda prestigiam o tradicional filme
e assim irreversivelmente ampliando o domiacutenio da fotografia digital
Natildeo se pode esquecer de salientar que a partir de tais descobertas no ramo da
fotografia eacute que foi possiacutevel a invenccedilatildeo do cinema O instantacircneo a possibilidade de
congelar um instante no fluxo contiacutenuo dos acontecimentos soacute se torna possiacutevel de fato
com o advento da fotografia Sendo assim os estudos de Muybrigde referentes aos
instantacircneos sucessivos associada ao aparato do fuzil fotograacutefico de Marey iratildeo resultar na
invenccedilatildeo do cinema Sabe-se que o cinema confere agrave imagem uma continuidade aparente
pois na verdade trata-se de uma seacuterie de instantacircneos separados por intervalos poreacutem aos
sentidos ele se apresenta de forma lisa e fluida como a proacutepria natureza do movimento
Machado acrescenta que
O cinema mesmo o cinema stricto sensu ou seja o cinema que se constitui a
partir do cinematoacutegrafo de LeRoy Edison Paul Skladanwsky e dos Lumiegravere
natildeo era nos seus primoacuterdios o que hoje chamamos de cinema Ele reunia na
sua base de celuloacuteide vaacuterias modalidades de espetaacuteculos derivadas das formas
populares de cultura como circo o carnaval a magia e a prestidigitaccedilatildeo a
pantomima a feira de atraccedilotildees e aberraccedilotildees etc (MACHADO 1997 p 76)
No iniacutecio os filmes eram de curta duraccedilatildeo nos quais o puacuteblico era composto
basicamente de operaacuterios As exibiccedilotildees eram realizadas em grandes galpotildees durante o
23
intervalo de serviccedilo do proletariado Machado (1997 p79) explica que o cinema era uma
em diversas atraccedilotildees oferecidas pelos vaudevilles pois ―natildeo se havia ainda desenvolvido
um conjunto de teacutecnicas e procedimentos de linguagem apropriados para a elaboraccedilatildeo de
uma narrativa visual que fosse suficientemente autocircnoma a ponto de poder se dispensar a
―explicaccedilatildeo de um apresentador
Atualmente pensa-se primeiramente em imagens forma-se um raciociacutenio a partir
de mosaicos audiovisuais que possibilitam um dado significado Tal modelo de
pensamento atraveacutes da imagem tecnoloacutegica deve-se ao conjunto de referecircncias
adquiridas
Assim sendo a fotografia possui papel fundamental na linguagem audiovisual
Sabe-se que a foi a partir da fotografia que se tornou possiacutevel agrave invenccedilatildeo do cinema
Dubois (2004) assegura que
Com a fotografia a maacutequina natildeo se contenta mais em preacute-ver ela inscreve
tambeacutem a imagem por meio das reaccedilotildees fotossensiacuteveis de certos materiais que
registram por si mesmos as aparecircncias sensiacuteveis geradas pela radiaccedilatildeo luminosa
A maacutequina intervecircm aqui portanto no coraccedilatildeo mesmo do processo de
constituiccedilatildeo da imagem que aparece assim como representaccedilatildeo quase
automaacuteticalsquo objetivalsquo sine manu factalsquo O gesto humano passa a ser mais um
gesto de conduccedilatildeo da maacutequina do que de figuraccedilatildeo direta (DUBOIS 2004
p38)
Em sua brilhante anaacutelise Barthes evidencia o fato de que a fotografia significa
muito mais uma ruptura do que uma continuidade em relaccedilatildeo agrave pintura Isso porque a
reaccedilatildeo quiacutemica dos sais de prata fotossensiacuteveis mediada pelo aparelho oacutetico que projeta a
imagem eacute colocada no centro do dispositivo de criaccedilatildeo da imagem deslocando o papel do
criador que antes que antes tinha que compor o instante representado a partir de instantes
distintos usando os coacutedigos da pintura para unificar a fatura e agora passava a poder
recortar um instante na sua proacutepria duraccedilatildeo com o uso da fotografia Dubois acrescenta
que tal uso
abandona o tempo crocircnico real evolutivo o tempo que passa como um rio
nosso tempo dos seres humanos inscritos na duraccedilatildeo para entrar em uma
temporalidade nova separada e simboacutelica a da foto temporalidade que tambeacutem
dura tatildeo infinita em princiacutepio quanto a primeira mas infinita na imobilidade
total congelada na interminaacutevel duraccedilatildeo das estaacutetuas (DUBOIS 1993 p168)
Com a invenccedilatildeo do instantacircneo fotograacutefico a pose a produccedilatildeo a composiccedilatildeo
elementos proacuteprios agrave linguagem da pintura figurativa satildeo subvertidas datildeo lugar tambeacutem
ao efecircmero ao flagrante agrave espontaneidade
Durante o seacuteculo XIX a fotografia buscou ancorar-se na esteacutetica proacutepria agrave pintura
para almejar sua entrada no panteatildeo das Belas-Artes em um movimento chamado pela
24
historiografia de pictorialismo Como bem analisou Walter Benjamin em sua Pequena
Histoacuteria da Fotografia de 1931 esse movimento se revelou improdutivo jaacute que os
fotoacutegrafos buscavam encaixar-se nos mesmos padrotildees de valoraccedilatildeo esteacutetica que foram
subvertidos com a invenccedilatildeo da fotografia
O discurso sobre a fotografia no seacuteculo XIX ainda estaacute muito contaminado por
valores esteacuteticos que consideram a teacutecnica em oposiccedilatildeo agrave arte ou na melhor das hipoacuteteses
como uma mera serviccedilal da arte Mas a proacutepria invenccedilatildeo da fotografia primeira forma de
produzir imagens completamente mediada pela teacutecnica na qual o ―laacutepis da Natureza
(Talbot) age sozinho sem a ajuda da matildeo do homem estava subvertendo completamente
os valores vigentes instaurando uma estreita ligaccedilatildeo entre teacutecnica e arte
Trazer a teacutecnica para o primeiro plano eacute uma das transformaccedilotildees mais radicais que
a imagem fotograacutefica instaura no campo da produccedilatildeo de imagens Esse tipo de imagem
criada por um aparelho chamada por Vileacutem Flusser de ―imagem teacutecnica foi capaz de
superar oposiccedilotildees vazias entre arte e teacutecnica
Com a virada para o seacuteculo XX se inicia um movimento de valorizaccedilatildeo da
fotografia por suas peculiaridades constitutivas advindas de seu proacuteprio mecanismo de
inscriccedilatildeo da imagem a instantaneidade o corte a conexatildeo fiacutesica com o referente A
chamada fotografia moderna se estabelece em duas frentes nas vanguardas europeacuteias e no
movimento chamado Photo Secession que ocorreu nos Estados Unidos8
A obra de Henri Cartier-Bresson eacute das mais importantes para a afirmaccedilatildeo da
fotografia por suas qualidades constitutivas Ele percebeu a potencialidade do aparato e o
foi um dos primeiros a usar uma cacircmera compacta de pequeno formato para sacar
instantes da realidade ainda na deacutecada de 1930 Com o tempo amadureceu uma filosofia
do chamado ―instante decisivo Para ele o fotoacutegrafo eacute como um flaneur que vaga pelo
mundo em busca daqueles raros momentos em que todos os elementos do enquadramento
se alinham em sua maacutexima expressatildeo dando agrave narrativa um potencial de siacutentese
A partir dessa reflexatildeo pode-se dizer que a fotografia audiovisual possibilita
transmitir ao espectador uma verossimilhanccedila com a realidade A anaacutelise da fotografia no
cinema se faz a partir do conhecimento dos elementos que a compotildee e suas variaccedilotildees
Assim cada elemento seraacute tratado separadamente para que seja possiacutevel uma melhor
explanaccedilatildeo de cada componente da fotografia audiovisual
25
21 Iluminaccedilatildeo
De acordo com Sousa (2004) eacute intuitivo afirmar que no momento em que se
ilumina um determinado objetopersonagem em detrimento de outros revela-se apenas
aquele que estaacute exposto agrave luz No entanto essa natildeo eacute a uacutenica contribuiccedilatildeo da iluminaccedilatildeo
para a construccedilatildeo de sentido a uma imagem Aleacutem disso eacute responsaacutevel por transmitir
noccedilotildees de profundidade e de relevo Segundo Roberts-Breslin (2009) eacute atraveacutes da
iluminaccedilatildeo que satildeo criados os padrotildees de luz e sombra que datildeo sentido ao nosso mundo
como tambeacutem o alto contraste do sol do meio-dia ou o baixo contraste monocromaacutetico
num dia chuvoso Aumont (2004) acrescenta que
A luz no cinema estaacute sempre ali e ateacute mesmo duplamente ali jaacute que a luz do
projetos ndash a luz depois do filme ndash serve para mostrar a luz registrada tal como
ela caiacutea sobre as coisas filmadas ndash a luz de antes do filme Haacute entre as duas uma
conivecircncia inextinguiacutevel jaacute reconhecida aqui mesmo em sua forma negativa ndash o
escuro - e que nutriu com frequecircncia a fantasia (em Murnau em Sternberg ou
Godard) de que uma natildeo eacute senatildeo a continuaccedilatildeo da outra por outros meios
Consequumlecircncia articulaccedilatildeo da diferenccedila a luz do quadro natildeo teve de ser
produzida realmente a do filme foi real Diferenccedila ontoloacutegica que se duplica em
outra infinitamente contingente poreacutem sensiacutevel a luz utilizada na produccedilatildeo do
filme eacute uma luz eleacutetrica seu aspecto eacute particular variaacutevel aliaacutes ao longo da
histoacuteria do cinema (AUMONT 2004 p 172)
As condiccedilotildees de iluminaccedilatildeo satildeo capazes de indicar a hora do dia a eacutepoca do ano e
a parte do planeta em que a imagem estaacute sendo reproduzida A luz ―empresta um tom a um
lugar ou experiecircncia ndash o brilho suave e romacircntico de uma vela as inesperadas e
desconhecidas sombras da noite a firme e escura melancolia do crepuacutesculo do inverno
ou seja possibilita a criaccedilatildeo de um determinado clima agrave cena (Breslin 2009 p87) Moura
afirma que
A fotografia em nada se diferencia da natureza Todas as luzes e efeitos estatildeo agrave
mostra para o olho educado Os efeitos dos filtros os contrastes das luzes as
densidades das cores tudo e todos estatildeo na natureza agrave vista de quem quiser ver
Se vocecirc prestar atenccedilatildeo ao tipo de luz que o sol gera saberaacute qual refletor de
quanto como e onde colocar Se vocecirc se abstrair do tamanho do sol e se
concentrar no efeito da sua luz poderaacute intuir a direccedilatildeo a natureza e a
intensidade da luz que vocecirc precisaraacute para ter o mesmo resultado Afinal de
contas o sol tem que iluminar a terra toda e noacutes soacute um pequeno estuacutedio As
diferenccedilas de tamanho satildeo irrelevantes para o raciociacutenio Para se chegar ao
pequeno partimos do grande Nada no pequeno mundo da fotografia inexiste no
vasto mundo de todos noacutes Talvez a uacutenica coisa que possamos criar e que jaacute natildeo
exista em escala maior e em melhor forma na natureza seja a escrita (MOURA
2001 p 20)
Breslin (2009 p88) acredita que a luz consiste na base da miacutedia visual pois
―tecnicamente a luz fornece a energia que nos permite reproduzir uma imagem
Esteticamente a luz junto com a composiccedilatildeo revela verdades e mentiras criando beleza e
26
feiura dentro do quadro Para Martin (2003 p 71) a iluminaccedilatildeo eacute o ―fator decisivo da
expressividade da imagem poreacutem sua importacircncia natildeo eacute percebida pelo espectador
devido ao fato de possibilitar a criaccedilatildeo de uma atmosferalsquo elemento este dificilmente
analisaacutevel
As sombras criadas com a iluminaccedilatildeo ―ajudam a transmitir profundidade clima e
lugar mas devem ser cuidadosamente controladas A iluminaccedilatildeo na verdade pode ser
definida como lanccedilar e controlar as sombrasrdquo (BRESLIN 2009 p95) Sendo assim a
luz possui vaacuterias caracteriacutesticas essenciais qualidade direccedilatildeosentido contraste
uniformidade cor e intensidade
Conforme Sousa (2004) a qualidade da luz refere-se principalmente ao tipo de
sombra que um objeto iluminado produz seja ela dura e definida ou suave a gradual
Breslin (2009) confirma tal classificaccedilatildeo ao dizer que
A qualidade de uma fonte de luz tem a ver com o modo como as ondas
percorrem o espaccedilo Se elas o fazem em linha reta a partir da fonte ateacute iluminar
o objeto satildeo refletidas de volta para a lente de um olho ou cacircmera em linhas
similarmente retas Isso produz luz dura direta ou localizada A energia
luminosa cobre uma aacuterea relativamente pequena mas manteacutem a intensidade ou
brilho maacuteximos A luz direta enfatiza a textura (BRESLIN 2009 p92)
A autora acrescenta que a luz que atinge um objeto pode ser dura ao produzir
sombras nitidamente definidas e partes mais claras distintas Jaacute quando produz partes
claras e sombras sutis e com uma borda menos definida ela eacute classificada como uma luz
suave Assim a luz comeccedila direta mas suas ondas podem desviar ou refletir de uma a
outra superfiacutecie ateacute que encontram o seu caminho para a lente Dependendo do caminho
percorrido se ―produz luz suave difusa ou lavada Uma fonte de luz difusa cobriraacute uma
aacuterea grande mas eacute menos intensa ou brilhante do que a mesma quantidade inicial de luz
direta na mesma distacircncia do objeto (BRESLIN 2009 p93)
Salles (2006) ressalta que ao iluminar artificialmente uma cena qualquer os planos
de composiccedilatildeo de luz desta cena devem ser cuidadosamente elaborados a fim de que a
fotografia do filme esteja em harmonia esteacutetica com o roteiro e sua proposta
22 Cor
Durante praticamente quarenta anos o cinema se manteve em preto e branco
Qualidade natural dos seres e objetos a cor possibilita maior realismo nas obras fiacutelmicas
pois aumenta a veracidade da imagem
27
Sendo assim a partir de um trabalho manual dos teacutecnicos que coloriam os filmes agrave
matildeo ou com o auxiacutelio de paletas eacute que se tornou possiacutevel colocar cor nas telas mediante
muito trabalho Experiecircncias foram realizadas e tomou-se conhecimento de uma nova
teacutecnica os chamados ―banhos onde a peliacutecula era tingida com cores uniformes com o
intuito de atribuir tanto realismo quanto simbolismo Basicamente era usado azul para
designar a noite e amarelo para as cenas de interiores agrave noite enquanto que para
simbolizar os incecircndios e as revoluccedilotildees optava-se pelo vermelho e para as matas e
paisagens a cor verde (MARTIN 2003) A bicromia e a tricomia comeccedilaram a serem
utilizadas em meados dos anos 30 No entanto eacute apenas na metade dos anos 50 que a cor
passou a ser usada de forma generalizada
Natildeo se pode negar que a cor possui um papel fundamental na composiccedilatildeo da
fotografia cinematograacutefica A partir de sua utilizaccedilatildeo torna-se possiacutevel representar a
realidade com mais perfeiccedilatildeo e precisatildeo Aumont (2003 p63) acrescenta que ―apesar da
especificidade da cor no cinema o modelo criacutetico e esteacutetico foi quase sempre a pintura
Esta circulou enormemente no imaginaacuterio fiacutelmico em trecircs grandes formas a
ficcionalizaccedilatildeo a imitaccedilatildeo e a anaacutelise sendo a base para as futuras produccedilotildees
audiovisuais Contudo o autor ressalta que
a ausecircncia de leis gerais e verificaacuteveis explica a ausecircncia quase total de reflexatildeo
teoacuterica sobre a cor na imagem em movimento As uacutenicas consideraccedilotildees agraves
vezes propostas no tocante ao valor simboacutelico ou expressivo da cor (o vermelho
como siacutembolo de guerra ou de paixatildeo o azul bem como o azul-celeste para a
paz o violeta associado agrave lamentaccedilatildeo funeraacuteria etc) Como tais valores satildeo bem
variaacuteveis conforme as culturas e as eacutepocas Eacute difiacutecil fazer uma teoria deles e a
esteacutetica da cor no cinema confunde-se praticamente com a constataccedilatildeo de
estilos pessoais ou de efeitos de gecircnero (AUMONT 2003 p63)
Ainda em relaccedilatildeo ao uso das cores fala-se em harmonia e contraste cromaacutetico A
harmonia ocorre quando em uma imagem existem cores proacuteximas (laranja amarelo
torrado amarelo e vermelho) Jaacute ao mencionar contraste cromaacutetico se refere quando na
imagem existem cores contrastantes (azul vs Vermelho amarelo vs Violeta por
exemplo) Contudo Sousa (2004) revela outras maneiras de evidenciar contraste
cromaacutetico (a) contraste de cores fortes com cores neutras (por exemplo vermelho vivo vs
cinzento claro) (b) complementaccedilatildeo entre cores claras e cores escuras (por exemplo o
amarelo-limatildeo faz o azul marinho parecer mais escuro) (c) contraste entre tons intensos
da mesma cor (o vermelho carregado contrasta com o vermelho claro)
Sousa (2004) acrescenta que eacute possiacutevel expressar quietude e tranquumlilidade ao
recorrer agrave harmonia cromaacutetica de cores quentes suaves como o castanho-terra suave e o
28
amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada
diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis
Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de
ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem
teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas
especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade
Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores
satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada
espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos
valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem
23 Enquadramentos
O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que
determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo
que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores
O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada
Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira
como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave
objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela
Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos
teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos
notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena
mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar
mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico
Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o
tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos
objetos que constituem a cena
Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees
possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de
detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar
Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma
29
―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para
a tela
231 Planos
O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre
dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no
qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute
determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da
objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da
narrativa que se pretende obter
Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada
autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute
possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos
planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o
observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta
planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os
intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro
plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens
plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por
exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA
(2004 p67-68)
A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano
Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade
fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte
1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro
2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos
joelhos para cima ou da cintura para cima
3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um
pouco abaixo
4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima
5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator
6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na
altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas
30
232 Acircngulos de Filmagem
De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto
que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir
um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo
superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto
que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade
No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de
baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de
superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e
do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do
personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele
em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador
233 Movimentos de Cacircmera
Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por
Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da
ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental
de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a
descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou
uma personagem
Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de
cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o
deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem
constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A
panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio
eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a
trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com
o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural
Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou
complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir
de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um
―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena
31
3 O cinema de autor
No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria
recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas
produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo
(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na
tela diferentes percepccedilotildees diante da trama
Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de
vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de
variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao
participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim
conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro
Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista
produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete
instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs
Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo
No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)
juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores
(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os
produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do
filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas
No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith
4
Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico
2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do
cinema mudo
3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano
um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas
4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de
Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o
movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o
filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)
5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro
de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia
de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou
em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia
32
devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e
dirigindo na publicidade de seus filmes
Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica
quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na
―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do
existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do
autor
Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-
sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e
substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a
atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando
que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo
metafiacutesicas (STAM 2003 p111)
Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo
que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi
responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou
a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras
refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica
abordando o ato de fazer e assistir a um filme
Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita
sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de
determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a
mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais
cineastas
Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers
Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica
Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes
que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar
conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as
filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios
seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma
simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)
Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do
Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os
grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas
6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem
como no sete de filmagem
33
como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o
suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e
o puacuteblico como seu divertimento
Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no
cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes
nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees
inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo
autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de
caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor
(COVALESKI 2009 p83)
Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o
contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa
eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a
obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma
noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a
outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI
2009 p 84)
Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute
responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo
do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute
responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas
necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo
com Bernardet
Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua
maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um
filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que
preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em
perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)
O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem
traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na
direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas
optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas
uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na
direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta
34
Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora
diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior
originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade
crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais
Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de
autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para
Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do
discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia
Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e
situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi
apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser
considerado como tal
O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica
com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra
determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem
defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos
paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor
Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja
autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de
1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e
Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de
presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de
suas matildeos
Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo
(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do
curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos
experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar
Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo
Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se
tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila
Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras
produtoras independentes do paiacutes
No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute
que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal
35
Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam
de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que
Meirelles considera ter feito em sua vida
No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas
publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos
que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar
notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar
e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas
da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para
natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar
em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade
Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a
produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando
Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2
Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no
mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios
internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca
de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio
Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede
Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura
completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um
departamento juriacutedico aacutegil
Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme
foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes
selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival
Internacional de Rotterdam
O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de
20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores
no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais
Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo
internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores
filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro
indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o
filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta
36
Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado
como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no
manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a
pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo
sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No
entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional
Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao
levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner
o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na
categoria de Melhor Diretor
Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando
Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do
romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O
filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14
de maio de 2008
37
4 Metodologia
A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando
compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria
nos filmes de Fernando Meirelles
Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave
argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise
detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades
sociais
Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo
aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de
entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira
indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o
caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como
objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro
Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra
selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes
representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a
esteacutetica publicitaacuteria
Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que
seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem
fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de
expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica
Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do
conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia
e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise
a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e
organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir
das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)
interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em
funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo
Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise
fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra
que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da
38
linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa
fiacutelmica
Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo
1 Preacute-anaacutelise
a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor
enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)
2 Descriccedilatildeo Analiacutetica
a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos
3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando
em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes
Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute
necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo
haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica
efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo
pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando
necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que
considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde
que natildeo descarte as antecedentes
39
5 Anaacutelises
Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica
publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel
a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica
descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo
estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a
narrativa de cada um dos filmes
Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de
Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)
51 Domeacutesticas
Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas
40
Sinopse
Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de
Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada
Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa
sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar
de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute
Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida
Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com
um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por
missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a
mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que
satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se
estivessem dando uma espeacutecie de depoimento
Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas
aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de
emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o
outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das
domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo
Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo
encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas
por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do
plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave
novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um
sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da
profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento
cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes
publicitaacuterios
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Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas
(Plano aberto e plano conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas
com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal
Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos
lateralizados
A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em
plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo
pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee
possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem
disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco
conotando mais tristeza agrave cena
Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e
cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como
acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute
limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera
tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no
estacionamento do preacutedio
Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em
que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a
personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o
deslocamento da personagem daquele mundo
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Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas
(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de
serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves
tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas
com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)
Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em
um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um
domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao
casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte
observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre
sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o
responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua
profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela
As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena
No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo
agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute
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devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de
nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude
alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade
sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento
Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as
personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo
O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo
vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das
diversas dificuldades no seu dia-a-dia
O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano
meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em
meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave
criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)
isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo
dos exageros
Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna
da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores
quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde
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e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila
dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme
Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas
52 Cidade de Deus
Sinopse
O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro
protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou
um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a
estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto
de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante
amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente
suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num
ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele
descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se
fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista
do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos
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principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria
mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um
mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute
Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro
dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto
Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos
bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute
usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute
centralizada e em leve plongeacutee
Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no
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comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo
frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas
casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e
suave
A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do
traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na
criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar
perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-
plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem
Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano
geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo
compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando
naturalidade
Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)
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Iluminaccedilatildeo e cor
Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo
deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute
observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa
frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo
pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo
Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste
elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem
a funccedilatildeo de criar um visual expressivo
Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente
natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a
inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre
dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na
cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute
ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo
consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena
interna e provavelmente noturna
Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua
maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais
frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo
com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute
amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute
modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos
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periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo
publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama
Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante
Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com
a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um
material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a
imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee
com armas em punho apontadas para os policiais
Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela
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Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus
53 O Jardineiro Fiel
Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel
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Sinopse
O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em
Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa
uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem
aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para
substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes
um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute
transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu
idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a
trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin
acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir
na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de
amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa
estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional
envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em
seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a
disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no
Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e
ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar
como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se
para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final
bastante diferente do que seria esperado
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a
imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia
de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio
em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao
lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar
para se proteger
Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem
Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em
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plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades
azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um
embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em
plongeacutee e plano aberto em conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na
figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A
imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano
aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo
dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais
amenos frios
Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada
retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao
receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade
possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento
As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a
imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua
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Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em
leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens
contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante
natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel
perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral
aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores
quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave
luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem
composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local
em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo
A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela
cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A
impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena
que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma
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desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do
ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas
sim no seu proacuteprio lucro
Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de
ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir
contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis
por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele
seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com
movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma
arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite
suavidade e calor agrave cena
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel
(variaccedilatildeo entre suave e dura)
Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando
com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na
lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em
equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira
imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais
onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena
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ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens
em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)
ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem
possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua
composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)
como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel
54 Ensaio sobre a Cegueira
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira
55
Sinopse
O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que
atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas
passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no
tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados
em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a
lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a
uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que
juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute
baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com
o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de
cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo
manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O
enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para
a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e
branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria
compotildee as cenas da trama
Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento
panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da
trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade
esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o
motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa
ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais
Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o
motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo
adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de
quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia
56
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
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Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
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A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
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do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
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64
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Campinas Papirus 2003
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XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e
Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003
65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
2
Gabriele Carneiro Feltrin da Silva
A FOTOGRAFIA NA CONSTRUCcedilAtildeO DA ESTEacuteTICA PUBLICITAacuteRIA NO
CINEMA DE FERNANDO MEIRELLES
Trabalho final de graduaccedilatildeo (tfg)
apresentado ao Curso de Comunicaccedilatildeo
Social ndash Publicidade e Propaganda Aacuterea
de Ciecircncias Sociais do Centro
Universitaacuterio Franciscano - Unifra como
requisito parcial para aprovaccedilatildeo na
disciplina Trabalho Final de Graduaccedilatildeo
II
Orientadora Patriacutecia de Oliveira Iuva
Santa Maria RS
2010
3
Gabriele Carneiro Feltrin da Silva
A FOTOGRAFIA NA CONSTRUCcedilAtildeO DA ESTEacuteTICA PUBLICITAacuteRIA NO
CINEMA DE FERNANDO MEIRELLES
Trabalho Final de Graduaccedilatildeo apresentado ao Curso de Publicidade e Propaganda Aacuterea
Ciecircncias Sociais do Centro Universitaacuterio Franciscano ndash Unifra como requisito para
aprovaccedilatildeo parcial para obtenccedilatildeo do grau de Bacharel em Publicidade e Propaganda
________________________________________________________
Patriacutecia de Oliveira Iuva ndash Orientadora (Unifra)
________________________________________________________
Carlos Alberto Badke (Unifra)
________________________________________________________
Pauline Fraga (Unifra)
Aprovado em de de
4
Agradecimentos
Em primeiro lugar quem merece todo meu reconhecimento eacute a minha famiacutelia Em
especial minha Matildee a pessoa mais importante da minha vida e responsaacutevel pelo que sou
por sempre ter acreditado em mim e me apoiado em minhas decisotildees Aos meus familiares
deixo aqui meu muito obrigada pela confianccedila pelo apoio e pela compreensatildeo
Agradeccedilo ainda a famiacutelia formada durante a graduaccedilatildeo aos queridos amigos que
tornaram essa jornada mais alegre e interessante Obrigada por fazerem parte dessa
aventura junto comigo
Ofereccedilo minhas palavras de gratidatildeo agrave minha orientadora Patriacutecia Iuva que ao meu
lado ajudou a construir esse trabalho Agrave professora Taiacutes Ghisleni que me acompanhou
durante o uacuteltimo ano de faculdade atraveacutes da monitoria e soube compreender minhas
duacutevidas sempre com palavras de apoio
Agradeccedilo aos demais mestres responsaacuteveis pela minha formaccedilatildeo Estendo esse
agradecimento a todos que de alguma forma contribuiacuteram para que hoje este sonho se
tornasse realidade
Aos meus amigos queridos que souberam me ouvir pelo incentivo constante e por
estarem sempre presentes nos momentos mais importantes pelos gestos de amizade
Agradeccedilo a Deus por estar sempre presente na minha vida e tornar tudo possiacutevel
5
RESUMO
Este estudo tem como objetivo analisar a fotografia audiovisual mais especificamente na
sua relaccedilatildeo com o a autorialidade de Fernando Meirelles Busca-se compreender como o
autor constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria na fotografia de seus filmes a qual se configura
atraveacutes da interface publicidade e cinema Para isso construiu-se como corpus de anaacutelise
frames ou seja fragmentos de quatro filmes que foram analisados de modo a compreender
a construccedilatildeo e a relaccedilatildeo de sua expressividade bem como seu vieacutes publicitaacuterio A
dimensatildeo da publicidade delineou o foco da pesquisa uma vez que se anseia pela anaacutelise
do caraacuteter publicitaacuterio da fotografia audiovisual Para tanto a relaccedilatildeo existente entre a
esteacutetica audiovisual e a linguagem videograacutefica responsaacutevel pela construccedilatildeo de uma
esteacutetica publicitaacuteria evidenciada na obra fiacutelmica
Palavras-chave fotografia audiovisual esteacutetica publicitaacuteria cinema autoral interfaces
publicidade cinema
ABSTRACT
The objective of this study to analyze the photograph audiovisual more specifically in its
relationship to authorial Fernando Meirelles We seek to understand how the author builds
the aesthetics of advertising photography in his films which is formed through the
interface and cinema advertising For this we constructed a corpus analysis of frames ie
fragments of four films that have been analyzed to understand the relationship building
and its expressivity and its bias in advertising The size of the advertising outlined the
focus of research since it yearns for character analysis audiovisual advertising
photography To this end the relationship between aesthetics and audiovisual video
language responsible for the aesthetics advertising evident in film work
Keywords audiovisual photography advertising aesthetics film copyright interfaces
advertising cinema
6
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas 39
Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas (Plano aberto e plano conjunto) 41
Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas (em sentido horaacuterio
Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal) 42
Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas
quando as personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo 43
Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas 44
Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus (em sentido horaacuterio primeiro meacutedio
em conjunto e dois gerais) 45
Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus (em sentido
horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal) 46
Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus 47
Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus 47
Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela 48
Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus 49
Figura 11 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel 49
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel (em sentido horaacuterio plano meacutedio
em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em plongeacutee e plano aberto em
conjunto)
51
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel (em sentido
horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee) 52
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel (variaccedilatildeo entre suave e dura) 53
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel 54
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a Cegueira 54
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira (Plano geral em conjunto e
grande plano geral) 56
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela
porta de vidro)
56
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira 57
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro
―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel 58
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira 59
7
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO________________________________________________________ 8
1 Linguagem e Esteacutetica Audiovisual________________________________________ 12
11 Interfaces cinema e publicidade________________________________________ 18
2 A fotografia na esteacutetica audiovisual_______________________________________ 21
21 Iluminaccedilatildeo__________________________________________________________ 25
22 Cor_________________________________________________________________ 26
23 Enquadramentos_____________________________________________________ 28
231 Planos_______________________________________________________ 29
232 Acircngulos de Filmagem_________________________________________ 30
233 Movimentos de cacircmera__________________________________________ 30
3 O Cinema de Autor_____________________________________________________ 31
4 Metodologia___________________________________________________________ 37
5 Anaacutelises______________________________________________________________ 39
51 Domeacutesticas__________________________________________________________ 39
52 Cidade de Deus_______________________________________________________ 44
53 O Jardineiro Fiel_____________________________________________________ 49
54 Ensaio sobre a Cegueira_______________________________________________ 54
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS_____________________________________________ 60
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS______________________________________ 63
ANEXOS_______________________________________________________________ 65
8
INTRODUCcedilAtildeO
A esteacutetica publicitaacuteria no cinema surge diante do contexto cultural da diversidade e
da multiplicidade no qual se percebe a fusatildeo entre a linguagem videograacutefica e a fotografia
do cinema Segundo Aumont (1995 p15) ―a esteacutetica do cinema eacute portanto o estudo do
cinema como arte o estudo dos filmes como mensagens artiacutesticas capazes de atrair a
atenccedilatildeo do espectador diante de uma determinada narrativa
O filme como produto cultural de massa atinge puacuteblicos diversificados que
reconhecem os seus coacutedigos suas linguagens e muito dessa adaptaccedilatildeo se deve ao
crescimento da TV e agrave tecnologia do viacutedeo A esteacutetica publicitaacuteria traduz o indiviacuteduo
contemporacircneo multifacetado acostumado com o acuacutemulo cada vez maior de
informaccedilotildees inserido em uma sociedade de massa multimidiaacutetica
A publicidade em relaccedilatildeo agrave sua funcionalidade busca positivar as qualidades e os
atributos dos serviccedilos eou produtos Por meio da persuasatildeo busca vender uma marca
seduzir e influenciar o espectador a consumir um determinado produto ndash tanto no campo
das ideacuteias quanto no campo dos discursos - que representa Nesse sentido ela usa e abusa
de recursos ligados agrave emoccedilatildeo e agrave identificaccedilatildeo sociocultural fazendo com que o
consumidor seja atraiacutedo e se identifique pela criaccedilatildeo Segundo Castells (1999 p22)
―entende-se por identidade a fonte de significado e experiecircncias de um povo
Experiecircncias essas que correspondem ao modo de vida em sociedade aos valores
culturais aos quais os indiviacuteduos estatildeo inseridos e que caracterizam a criaccedilatildeo de tal
identidade Carvalho (1996 p13) acrescenta que ―a publicidade impotildee nas linhas e
entrelinhas valores mitos ideais e outras elaboraccedilotildees simboacutelicas capazes de reformular
as tendecircncias culturais
Enquanto isso o cinema do ponto de vista funcional busca contar uma histoacuteria ndash
ficcional ou natildeo poreacutem como uma produccedilatildeo muitas vezes de entretenimento O objetivo
principal eacute procurar uma identificaccedilatildeo diante de seu puacuteblico divertir emocionar refletir e
transportaacute-los para a tela Stam (2003 p53) destaca que ―o cinema natildeo apenas evidencia o
movimento poeacutetico das coisas do mundo mas traduz as percepccedilotildees modificadas da vida
urbana contemporacircnea criando uma multiplicidade de informaccedilotildees em meio agrave sociedade
de massa Entatildeo como objeto cultural o cinema eacute capaz de entreter e disseminar
ideologias e tendecircncias para um grande nuacutemero de pessoas simultaneamente pois se
caracteriza como um produto coletivo da cultura de massa
9
Este trabalho constroacutei-se no cenaacuterio de interfaces entre publicidade e cinema a
partir da anaacutelise da concepccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria na fotografia dos filmes de
Fernando Meirelles
Vale ressaltar que a fotografia eacute um elemento fundamental na construccedilatildeo da esteacutetica
audiovisual Eacute a partir de sua composiccedilatildeo que o estilo da obra eacute retratado na tela Sendo
assim eacute preciso escolher com cuidado cada um dos componentes fotograacuteficos a fim de se
obter o resultado expressivo desejado Para Martin (2003 p57) a iluminaccedilatildeo ―constitui
um fator decisivo para a criaccedilatildeo da expressividade da imagem Aleacutem disso eacute elemento de
criaccedilatildeo da ―atmosfera da cena A atmosfera cecircnica por sua vez eacute difiacutecil de analisar pois
estaacute atrelada agrave subjetividade ou seja agrave capacidade de percepccedilatildeo de cada espectador tendo
um papel impreciso Natildeo se pode esquecer da utilizaccedilatildeo das cores sejam elas quentes ou
frias conotando reaccedilotildees psicoloacutegicas nos espectadores bem como o contraste cromaacutetico e
luminoso eficaz na significaccedilatildeo de cada cena
De acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber cada vez mais a interferecircncia
da publicidade na atual produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este
papel de fonte de referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem
audiovisual nas produccedilotildees contemporacircneas e diante disso tem-se como objetivo
compreender como o diretor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria na
fotografia de seus filmes Arquiteto por formaccedilatildeo Fernando Meirelles comeccedilou sua
carreira na aacuterea audiovisual realizando viacutedeos experimentais com um grupo de amigos
ainda durante a faculdade Posteriormente fundou a produtora independente Olhar
Eletrocircnico e nunca mais deixou de trabalhar como diretor tanto na publicidade quanto no
cinema No cinema dirigiu os filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O
Jardineiro Fiel (2005) e Ensaio sobre a Cegueira (2008) Esses filmes constituem o objeto
empiacuterico deste trabalho que para alcanccedilar seu objetivo geral busca (1) analisar as
interfaces existentes entre publicidade e cinema (2) estudar a fotografia enquanto
elemento da esteacutetica audiovisual e (3) verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando
Meirelles em seus filmes
Jaacute haacute algum tempo percebe-se um crescente nuacutemero de cineastas com vasta
experiecircncia no mercado publicitaacuterio profissionais que realizaram muitos trabalhos como
diretores de filmes publicitaacuterios e dela migraram para o cinema Possuem portanto uma
visatildeo abrangente da linguagem audiovisual o que possibilita diferentes abordagens
esteacuteticas tanto no cinema quanto na publicidade A existecircncia de profissionais oriundos de
outras aacutereas trabalhando nas produccedilotildees audiovisuais reflete na nova relaccedilatildeo estabelecida
10
entre a noccedilatildeo de arte ciecircncia e tecnologia Esses domiacutenios antes mais distantes agora se
veem envolvidos em processos de troca combinaccedilatildeo fusatildeo Sobre as novas tecnologias
Popper apud Parente (1993) diz que
Em todo caso e em grande parte graccedilas aos novos meacutetodos de transmissatildeo de
imagens e agrave difusatildeo massiva dos conhecimentos e informaccedilotildees entramos no
presente em uma era em que o pensamento teacutecnico e o pensamento simboacutelico se
encontram em que o impacto das novas tecnologias provoca uma mutaccedilatildeo
decisiva na esfera cultural (PARENTE 1993 p213)
Covaleski (2009) acrescenta que tanto a televisatildeo quanto o cinema satildeo os uacutenicos
meios audiovisuais que possibilitam a utilizaccedilatildeo na publicidade da maioria dos elementos
de persuasatildeo e de sentido unindo o som a imagem o movimento e o texto escrito Deste
modo a publicidade trabalha com narrativas sinteacuteticas que se adequam ao tempo reduzido
de 30 eou 45 segundos para vender a ideacuteia do produto que anuncia Em oposiccedilatildeo o
cinema possui em meacutedia cerca de 90 minutos suficientes para mostrar o enredo contar a
histoacuteria apresentar os personagens e desenrolar toda a narrativa
As relaccedilotildees entre cinema e publicidade televisual partem das caracteriacutesticas da
obra final que eacute gerada em cada um desses gecircneros de comunicaccedilatildeo No
cinema a obra cinematograacutefica a peliacutecula de curta meacutedia ou longa-metragem
na publicidade televisual o comercial o filme ou viacutedeo publicitaacuterio que
obedecem aos formatos impostos pelos veiacuteculos de comunicaccedilatildeo Os propoacutesitos
para os quais as obras fiacutelmicas cinematograacuteficas ou publicitaacuterias satildeo geradas
visam a atender interesses e objetivos que vatildeo do comercial ao artiacutestico
(COVALESKI 2009 p93)
Portanto a poacutes-modernidade cultural a qual representa o surgimento de outras
dimensotildees esteacuteticas eacute a grande chave para esta anaacutelise cujo foco recai sobre o elemento
de linguagem fotograacutefica Isto eacute recai na fotografia e na sua capacidade de construir
sentidos acerca de um momento que nunca mais aconteceraacute e ao mesmo tempo congelaacute-
lo possibilitando a representaccedilatildeo desta realidade deste momento uacutenico
Assim tal pesquisa articula a abordagem de temas de grande importacircncia para a
comunicaccedilatildeo audiovisual visto que possibilitam o surgimento de outras tendecircncias nas
produccedilotildees cinematograacuteficas contemporacircneas Para isso a revisatildeo teoacuterica perpassa pela
introduccedilatildeo sobre o tema do trabalho em que as temaacuteticas abordadas satildeo apresentadas bem
como o corpus escolhido para anaacutelise e os objetivos da pesquisa o primeiro capiacutetulo
discute teoricamente a linguagem e a esteacutetica audiovisual bem como as interfaces
existentes entre publicidade e cinema o segundo capiacutetulo aborda a fotografia na esteacutetica
audiovisual enfatizando os elementos expressivos fotograacuteficos ndash iluminaccedilatildeo cor
11
enquadramentos planos acircngulos e movimentos de cacircmera o terceiro capiacutetulo teoriza
sobre o cinema de autor e aborda o autor em questatildeo Fernando Meirelles o quarto
capiacutetulo elucida o processo metodoloacutegico aplicado no desenvolvimento do trabalho o
quinto capiacutetulo encarrega-se de demonstrar os exerciacutecios analiacuteticos empreendidos nos
frames do corpus e o sexto capiacutetulo preocupa-se com as consideraccedilotildees finais da pesquisa
12
1 Linguagem e Esteacutetica Audiovisual
Por poder ser captada simultaneamente pelo olho e pelo ouvido a linguagem
audiovisual permite o envolvimento completo do seu espectador diante da fusatildeo do som e
da imagem em movimento A fusatildeo entre aacuteudio e viacutedeo possibilita um paralelo entre o
racional e o sensorial de modo que a mesma consegue dizer muito mais do que
conseguimos captar pois chega simultaneamente por muito mais caminhos do que
conscientemente percebemos
O viacutedeo incluiacutedo em um meio de comunicaccedilatildeo de massa eacute utilizado como forma
de expressatildeo aleacutem de estruturar novas teacutecnicas tanto no processo de gravaccedilatildeo e de poacutes-
produccedilatildeo Tais teacutecnicas satildeo responsaacuteveis por todo o cruzamento de narrativas hoje
utilizadas pelo cinema e pela publicidade
O viacutedeo eacute um sistema hiacutebrido ele opera com coacutedigos significantes distintos
parte importados do cinema parte importados do teatro da literatura do raacutedio e
mais modernamente da computaccedilatildeo graacutefica aos quais acrescenta alguns
recursos expressivos especiacuteficos alguns modos de formar ideacuteias ou sensaccedilotildees
que lhe satildeo exclusivos (MACHADO 1997 p 190)
Dubois (2004 p77) define a estetizaccedilatildeo videograacutefica como ―uma linguagem (ou
uma esteacutetica) particular (mas de nenhum modo exclusiva) que pertence a loacutegicas
diferentes e potildee em jogo questotildees de ordem muito diversa que as do cinema O
surgimento do viacutedeo possibilitou novas tecnologias como por exemplo a televisatildeo
Diante disso o autor classifica dois modos principais de representaccedilatildeo em viacutedeo
O modo plaacutestico (a ―videoarte em suas formas e tendecircncias muacuteltiplas) e[] o
modo documentaacuterio (o real ndash bruto ou natildeo ndash em todas as suas estrateacutegias de
representaccedilatildeo) E sobretudo ndash eacute o que os une contra a transparecircncia - ambos
com um senso constante do ensaio da experimentaccedilatildeo da pesquisa da inovaccedilatildeo
(DUBOIS 2004 p77)
De acordo com Gutierrez (1992) dentro de noacutes acontece uma repercussatildeo em
imagens baacutesicas centrais simboacutelicas arquetiacutepicas com as quais nos identificamos ou que
se relacionam conosco de alguma forma consistindo na representaccedilatildeo de uma realidade
em movimento
A linguagem audiovisual responsaacutevel por tal representaccedilatildeo eacute constituiacuteda por
alguns elementos fundamentais (1) o plano - cada parte da fita que se apresenta ao
espectador como tendo sido filmada sem interrupccedilotildees (2) a cena - o conjunto de planos
cuja accedilatildeo eacute contiacutenua e decorre numa relativa unidade de tempo e espaccedilo constitui as cenas
13
e as sequumlecircncias (3) o enquadramento - a variaccedilatildeo da longitude da cacircmera agrave cena filmada
por meio de movimento (sem interrupccedilatildeo da filmagem) dentro do mesmo plano a
variaccedilatildeo do enquadramento e (4) a montagem ndash procedimento de organizaccedilatildeo do conjunto
de cenas sequumlecircncias e planos que formam a obra fiacutelmica
Tais elementos audiovisuais estatildeo presentes tanto nas produccedilotildees cinematograacuteficas
quanto nas produccedilotildees publicitaacuterias poreacutem o modo como satildeo utilizados eacute que as difere
Segundo Aumont (1995) inicialmente o cinema era desprovido de uma linguagem pois
apenas refletia o registro de um espetaacuteculo uma simples reproduccedilatildeo do real Entretanto
com o intuito de contar histoacuterias e veicular ideias o cinema precisou utilizar determinados
procedimentos expressivos os quais passaram a constituir sua linguagem
Assim sendo pode-se definir a linguagem cinematograacutefica como ―o conjunto das
mensagens cujo material de expressatildeo compotildee-se de cinco pistas ou canais a imagem
fotograacutefica em movimento os sons foneacuteticos gravados os ruiacutedos gravados o som musical
gravado e a escrita (creacuteditos intertiacutetulos materiais escritos no interior do plano) (STAM
2003 p132) A utilizaccedilatildeo em sinergia desse grande nuacutemero de elementos possibilita uma
maior variedade de abordagens nas produccedilotildees audiovisuais Por exemplo uma montagem
natildeo-linear com ritmo acelerado de troca de planos acircngulos e enquadramentos eacute a marca
das realizaccedilotildees videograacuteficas contemporacircneas
Para Balaacutezs apud Stam (1995) a linguagem cinematograacutefica pode ser definida a
partir de 4 princiacutepios
- no cinema existe uma distacircncia variaacutevel entre espectador e cena representada
daiacute uma dimensatildeo variaacutevel da cena que toma lugar no quadro e na composiccedilatildeo
da imagem
- a imagem total da cena eacute subdividida em uma seacuterie de planos de detalhes
(principio da decupagem)
- existe variaccedilatildeo de enquadramento (acircngulo de visatildeo perspectiva) dos planos de
detalhe no decorrer da mesma cena
- finalmente eacute a operaccedilatildeo da montagem que garante a inserccedilatildeo dos planos de
detalhes em uma sequumlecircncia ordenada na qual natildeo apenas cenas inteiras se
sucedem mas tambeacutem tomadas de detalhes mais miacutenimos de uma mesma cena
A cena em seu conjunto eacute resultado disso como se os elementos de um mosaico
temporal fossem justapostos no tempo (BALAacuteZS apud STAM 1995 p163-
164)
O cinema busca traduzir a realidade atraveacutes da representaccedilatildeo artiacutestica mediante o
uso de teacutecnicas pertencentes agrave linguagem audiovisual Stam (2003 p132) acrescenta que
se torna linguagem a partir do momento em que comunica ―um conjunto de mensagens
formuladas com base em um determinado material de expressatildeo um discurso ou praacutetica
significante caracterizado por codificaccedilotildees e procedimentos ordenatoacuterios especiacuteficos
14
Por volta de 1750 a palavra esteacutetica foi inventada com o intuito de designar uma
―ciecircncia dos sentimentos posteriormente uma ―ciecircncia do belo Atualmente eacute
empregada igualmente no plural para se referir agraves diversas concepccedilotildees do belo e da arte
Segundo Aumont e Marie (2003) natildeo existe esteacutetica constituiacuteda do cinema mas questotildees
de natureza esteacutetica foram frequumlentemente discutidas a respeito dele em torno dos
seguintes problemas
1 O cinema entre as artes natildeo tendo sido o cinema de iniacutecio aceito como
arte (mas como teacutecnica ou como distraccedilatildeo) sua especificidade artiacutestica foi
muitas vezes salientada Em particular ele foi por isso confrontado e
comparado com artes reconhecidas a muacutesica (Gance) a pintura (Bazin
Aumont Bonitzer) o teatro (Pagnol) valorizando a cada vez uma
caracteriacutestica particular do cinema o ritmo o enquadramento a fala a
cenicidade etc
2 A especificidade do fiacutelmico ela diz respeito a alguns traccedilos fundamentais
estudados nos mais das vezes de pontos de vista bem diferentes o
movimento (Munsterberg Deleuze) a mobilidade do ponto de vista
(Souriau Metz Jost Aumont) a sequencialidade e a montagem
(Eisenstein)
3 A possibilidade de uma poeacutetica do cinema ndash ou seja de uma concepccedilatildeo
geral da natureza do cinema da criaccedilatildeo fiacutelmica da relaccedilatildeo do fiacutelmico com o
mundo afilmico ou profilmico etc A respeito desse ponto observa-se uma
grande oposiccedilatildeo entre poeacuteticas realistas ndash o filme como transparecircncia
(Kracauer) a ―liacutengua escrita da realidade (Pasolini) o ―cine-olho
(Vertov) - e poeacuteticas formalistas ndash o ―cinema-linguagem (Eisenstein) a
fotogenia (Epstein) o filme como grande forma (Buch) etc
4 A possibilidade de uma arte de massa imposta pela induacutestria e pela teacutecnica
(Panofsky) (AUMONT MARIE 2003)
Para Covaleski (2009 p77) a esteacutetica do cinema estaacute diretamente relacionada com
a natureza reprodutiva e mecacircnica do meio cinematograacutefico Segundo o autor eacute possiacutevel
destacar duas teorias mesmo que distintas em que se refere agrave natureza reprodutiva do
cinema A primeira de Walter Benjamin afirma que toda a problemaacutetica da esteacutetica
relacionada ao cinema estaacute centrada no ―contexto da crise do sistema tradicional das artes
cuja modalidade de percepccedilatildeo cinematograacutefica essencialmente coletivalsquo e distraiacutedalsquo eacute
sua proacutepria causa e efeito Jaacute a segunda teoria de Andreacute Bazin constata que o problema
esteacutetico estaacute ligado ao caraacuteter mecacircnico da reproduccedilatildeo ou seja ―eacute a ausecircncia de uma
intervenccedilatildeo por parte da interpretante e a deformaccedilatildeo causada pela projeccedilatildeo que teoriza
tal problemaacutetica Jaacute Aumont (2002 p15-16) ressalta que a esteacutetica do cinema confere dois
aspectos ―uma vertente geral que considera o efeito esteacutetico proacuteprio do cinema e uma
vertente especiacutefica centrada na anaacutelise de obras particulares Sendo assim refere-se agrave
anaacutelise de filmes ou a criacutetica no sentido pleno do termo
15
Na obra fiacutelmica os aspectos esteacuteticos satildeo apresentados diante de uma
categorizaccedilatildeo dos elementos que constituem a manifestaccedilatildeo esteacutetica no cinema Segundo
Covaleski (2009) ―tais manifestaccedilotildees se datildeo sobre vaacuterias formas ora icocircnicas ora
focircnicas ora graacuteficas ora oacuteticas ora sonoras ora auditivas e estatildeo em processo de
evoluccedilatildeo devido ao surgimento de novas tecnologias de comunicaccedilatildeo juntamente com
novas manifestaccedilotildees artiacutesticas
No decorrer do seacuteculo XX mediante tais transformaccedilotildees houve a geraccedilatildeo de
novas noccedilotildees de criaccedilatildeo de arte de esteacutetica Conforme Plaza (2000) ocorreu um
―deslocamento das funccedilotildees instauradoras (a poeacutetica do artista) para funccedilotildees de
sensibilidade receptora (esteacutetica) o que produz no meio artiacutestico uma grande confusatildeo
conceitual caracterizada pela mistura e hibridaccedilatildeo de gecircneros poeacuteticas e atitudes
artiacutesticas
Pode-se compreender com base em Covaleski (2009) que a chegada da arte do
cinema agrave tevecirc trouxe tambeacutem padrotildees esteacuteticos que aos poucos foram incorporados ao
meio televisual aleacutem de serem consumidos em larga escala pela publicidade Percebe-se
que boa parte dos comerciais de tevecirc os chamados filmes publicitaacuterios alcanccedilam mais
destaque que a proacutepria programaccedilatildeo devido aos recursos tecnoloacutegicos e a linguagem
adaptada do cinema utilizado em suas produccedilotildees Sendo assim ao serem criados e
produzidos com preocupaccedilotildees esteacuteticas e cuidados artiacutesticos possibilitou gerar um
receptaacuteculo proacuteprio a esteacutetica publicitaacuteria
Diante do debate entre o aspecto utilitaacuterio e o aspecto artiacutestico da mensagem cabe
agrave publicidade recorrer agraves funccedilotildees da linguagem Para o autor natildeo importa se sejam as
poeacuteticas conativas ou referenciais mas sim sua finalidade de elevar e diversificar o
conjunto de repertoacuterios de seu puacuteblico-alvo contribuindo assim para a aceitaccedilatildeo de uma
nova esteacutetica
Tal questatildeo esteacutetica para alguns autores eacute tratada como uma espeacutecie de fetiche
cinematograacutefico Eacute possiacutevel perceber a veneraccedilatildeo e a adoraccedilatildeo de determinados elementos
constituintes da narrativa - do figurino do cenaacuterio ou ateacute mesmo da performance cecircnica
do ator ndash como intuito de simbolizar objeto de culto estabelecer um valor icocircnico a este
Conforme Covaleski (2009 p79-80) desde ―a criaccedilatildeo de mitos do cinema ao lanccedilamento
de moda passando pelo merchandising institucionalizado a esteacutetica cinematograacutefica
contribui na formaccedilatildeo e evoluccedilatildeo de comportamentos fetichistas por parte da sociedade
movida por novos sonhos de consumo e por novas divindades a cultuar
16
A partir da reflexatildeo de Carvalho (2003) a cerca dos estudos de Leacutevi-Strauss pode-
se dizer que a individualizaccedilatildeo da produccedilatildeo demonstrar o aparecimento de uma
consciecircncia criacutetica por parte do receptor que retira da esteacutetica-primitiva o seu dever social
A obra sendo produzida individualmente sem necessidade de bastar a uma sociedade ou
clatilde A esteacutetica-moderna depende apenas da aprovaccedilatildeo ou natildeo de uma clientela ―de classe
(como utiliza o autor) para se firmar como arte
Ao mesmo tempo com a evoluccedilatildeo da criacutetica de arte e o aparecimento do
abstracionismo Leacutevi-Strauss iraacute demonstrar um propoacutesito antimodernista ao perceber a
banalizaccedilatildeo presente na arte do poacutes-guerra Aleacutem da hiper-valorizaccedilatildeo da criacutetica a
representaccedilotildees pictoacutericas sem compromisso artiacutestico Poreacutem dentro desta mesma vertente
podemos repassar seu conceito de arte que funde a ciecircncia e o mito na concepccedilatildeo do
espiacuterito humano (pensamento criador) em outro de seus pensamentos a loacutegica do
sensiacutevel Loacutegica regida pela possibilidade de unir muacutesica e mito ou romance e mito atraveacutes
de uma ―estrutura-funccedilatildeo Todo meio artiacutestico pode ser fundido a outro ou recriado
desde que o estruturalismo presente no espiacuterito humano conceba um fim artiacutestico
A inter-relaccedilatildeo do cinema e da publicidade audiovisual resulta dos aspectos dessa
linguagem pois ambos constituem meios audiovisuais que trabalham a partir de uma
mesma base de composiccedilatildeo e de montagem de elementos expressivos para criar um
determinado plano de conteuacutedo narrativo e de significado o que configura esteacuteticas
diferenciadas
A modernidade da imagem cinematograacutefica eacute reflexo de um processo histoacuterico
em que a arte tenta se renovar em releituras de seus proacuteprios conceitos e criaccedilatildeo
de outros A diversidade estiliacutestica caracteriacutestica do cinema comercial da deacutecada
de 90 retrata uma geraccedilatildeo multimiacutedia de novos profissionais e espectadores que
acabaram por alterar os rumos da cinematografia contemporacircnea
(CARVALHO 2003)
Tais mudanccedilas de abordagem satildeo visiacuteveis natildeo apenas no cinema como tambeacutem nos
videoclipes nos games e na publicidade Refere-se a uma nova perspectiva de criaccedilatildeo
audiovisual na tentativa de romper as barreiras das produccedilotildees tradicionais e enfatizar o
surgimento de novas possibilidades Tais rupturas contribuem para a mudanccedila no
comportamento dos sujeitos contemporacircneos
O pensador de agora jaacute natildeo se senta mais agrave sua escrivaninha diante de seus
livros para dar forma ao seu pensamento mas constroacutei as suas ideias manejando
instrumentos novos ndash a cacircmera a ilha de ediccedilatildeo o computador - invocando
ainda outros suportes de pensamento sua coleccedilatildeo de fotos filmes viacutedeos
discos ndash sua mideoteca enfim (DUBOIS 2004 p19)
17
O pensamento audiovisual contemporacircneo constata essa hibridizaccedilatildeo essa
convergecircncia de elementos responsaacuteveis por uma mudanccedila de conduta Deste modo
Dubois (2004 p25) ressalta a existecircncia do imaginaacuterio cinematograacutefico presente em
todos os lugares e impregnado ―ateacute em nossa maneira de falar ou de ser Quem ao
percorrer de carro um longo trajeto numa vasta paisagem aberta natildeo pensou com a ajuda
da muacutesica no raacutedio numa figura de travelling mergulhando na tela panoracircmica de seu
paacutera-brisa
Em relaccedilatildeo agrave esteacutetica publicitaacuteria Carvalho (2003) ressalta uma possiacutevel ―morte
do cinema Vaacuterios criacuteticos apostam nessa ―morte diante do uso de recursos estiliacutesticos
que estariam se sobressaindo na concepccedilatildeo criadora do filme em contraposiccedilatildeo ao
realismo bem como da evoluccedilatildeo da teacutecnica que distancia o cinema de sua perspectiva
fotograacutefica Resultando assim na valorizaccedilatildeo da imagem em detrimento da representaccedilatildeo
Contudo o autor ressalva que tal concepccedilatildeo de retrato da realidade aleacutem de
ultrapassada estaacute reformulada no estudo do ―espiacuterito humano de Leacutevi-Strauss Este
estudo baseia-se no posicionamento da seacutetima arte como uma visatildeo moderna do homem
diante da realidade a visatildeo em que a cacircmera capta a imagem e natildeo o objeto
Enquanto isso Merquior (1975) busca uma maneira de refletir e re-posicionar as
concepccedilotildees de Leacutevi-Strauss quanto agrave arte contemporacircnea
Em vez de vociferar sobre a verdade factuallsquo da morte da artelsquo conviria
colocar a problemaacutetica implicada por essas teses em relaccedilatildeo a uma das
tendecircncias mais fecundas do estruturalismo ndash sua vontade de ultrapassar as
anaacutelises estanques dos domiacutenios culturais (arte religiatildeo ciecircncia etc) de
encorajar a pesquisa de afinidades estruturais e funcionais entre esses camposlsquo
sem jamais esquecer que satildeo todos faces de uma mesma realidade o espiacuterito
humano (MERQUIOR 1975 p79)
Em seu texto A Dupla Heacutelice Raimond Bellour consegue ver logo no viacutedeo ndash base
da esteacutetica publicitaacuteria ndash e na tecnologia digital o resumo desta realidade emergente
O viacutedeo leva assim agrave sua perda essa capacidade de analogia dilatada agraves
dimensotildees do universo pela primeira vez os corpos e os objetos do mundo satildeo
virtualmente desfiguraacuteveis (e logo refiguraacuteveis) ao sabor de uma potecircncia que
transforma em tempo real ou quase natildeo diferido (e natildeo mais somente como no
cinema por uma lenta elaboraccedilatildeo cujas trucagens constituem o modelo) as
representaccedilotildees que capta seu olho mecacircnico Isso explica o fato de a viacutedeo-
imagem a caccedilula das imagens de reproduccedilatildeo poder aparecer simultaneamente
como uma nova imagem irredutiacutevel ao que a precede mas tambeacutem uma
imagem capaz de atrair de absorver de misturar todas as imagens anteriores
pintura fotografia cinema (BELLOUR Raimond in PARENTE 1993 p223)
18
Em funccedilatildeo disso a esteacutetica publicitaacuteria natildeo passaria apenas de um mero
abstracionismo imageacutetico do cinema mas sim a siacutentese de uma movimentaccedilatildeo esteacutetica que
atravessa todas as artes denominada Poacutes-modernidade Cultural Muito aleacutem de um
recurso estiliacutestico as imagens de ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus entre outros filmes
tachados como videoclipeiros ou publicitaacuterios refletem na representaccedilatildeo do olhar do
homem moderno Toda essa fundamentaccedilatildeo estaacute na fusatildeo da linguagem videograacutefica com
a fotograacutefica do cinema Ao inveacutes de ampliar a visatildeo da rapidez das coisas tenta-se
reduzir o que ocorre agrave nossa volta em conceitos voltado aos meios artiacutesticos
11 Interfaces cinema e publicidade
Com o intuito de construir um sentido proacuteprio para cada filme o cinema atua em
momentos esparsos e depende da disposiccedilatildeo do espectador para que a obra fiacutelmica seja
consumida Em contrapartida a televisatildeo oferece uma programaccedilatildeo diversificada sem
interrupccedilotildees 24h por dia Assim o espectador recebe informaccedilotildees se diverte com
seriados novelas e filmes sem sair de casa
Percebe-se que a origem do discurso nunca eacute autocircnoma mas sim dependente de
outros discursos em que buscou referecircncia Bliskstein (1994 p45) constata que
―suportado por toda uma intertextualidade o discurso natildeo eacute falado por uma uacutenica voz mas
por muitas vozes geradoras de muitos textos que se intercruzam no tempo e no espaccedilo
Na deacutecada de 60 Kristeva introduziu o termo intertextualidade como uma traduccedilatildeo
para ―dialogismo que se refere agrave relaccedilatildeo entre um enunciado e os demais enunciados De
acordo com Stam (2003) a intertextualidade eacute um conceito de valor na medida em que
possibilita relacionar o texto individual com as demais formas de representaccedilatildeo natildeo
somente com outros textos
Intertextualidade eacute vista por Fiorin (2002) como a forma de incorporar um texto em
outro aleacutem de ser polecircmica quando propotildee uma oposiccedilatildeo ao sentido do texto original ou
contratual quando o reforccedila e o enaltece Assim sendo a intertextualidade polecircmica eacute
conhecida como paroacutedia enquanto a intertextualidade contratual como paraacutefrase Aleacutem
disso classifica tambeacutem em
citaccedilatildeo (referecircncia literal a outro texto usando parte deste) alusatildeo (reproduccedilatildeo
de construccedilotildees sintaacuteticas substituindo algumas figuras do texto original por
outras) e estilizaccedilatildeo (reproduccedilatildeo do estilo de outrem no plano da expressatildeo ou
no do conteuacutedo) (FIORIN apud COVALESKI 2009 p 39)
19
A seguir uma abordagem mais detalhada de cada uma das relaccedilotildees intertextuais
entre o cinema e a publicidade televisual na visatildeo de Covaleski (2009)
a) citaccedilatildeo a publicidade desfruta desse recurso criativo com maestria Uma uacutenica
obra cinematograacutefica pode originar uma grande variaccedilatildeo de citaccedilotildees ancoradas
a uma mesma cena claacutessica evidentemente emblemaacutetica contundente o
bastante para se tornar perene no imaginaacuterio coletivo transpondo barreiras
culturais e temporais Pode-se citar como exemplo a cena emblemaacutetica em que
a atriz Marilyn Monroe tem sua saia levantada devido ao deslocamento de ar
durante a passagem do metrocirc no filme O Pecado Mora ao Lado (The Seven
Year Itch de Billy Wilder ndash 1955) Essa cena muito conhecida jaacute foi usada
diversas vezes e de diferentes formas pela publicidade Exemplo disso foi a
colocaccedilatildeo de uma saia ndash a la Marilyn ndash em garrafas de vodka da marca
Absolut
b) alusatildeo mais sutil que a citaccedilatildeo remete a uma obra anterior poreacutem sem fazer
uso de fragmentos dela Utiliza somente uma construccedilatildeo equivalente
substituindo determinadas figuras por outras A alusatildeo recorrente no cinema eacute
facilmente percebida em filmes que pertencem a um mesmo gecircnero
cinematograacutefico Na publicidade a intertextualidade com o cinema utilizando a
alusatildeo aparece em comerciais de anunciantes dos mais diferentes segmentos de
mercado bem como os filmes de onde saiacuteram as inspiraccedilotildees pertencem aos
mais diversos gecircneros O filme francecircs O Fabuloso Destino de Ameacutelie Poulain
(Le Fabuleux Destin drsquoAmeacutelie Poulain de Jean-Pierre Jeunet - 2001) eacute uma
obra com clara influecircncia da linguagem publicitaacuteria Muito disso se deve
devido agrave vivecircncia de Jeunet em meio agrave publicidade Eacute o caso deste trabalho jaacute
que Fernando Meirelles trabalhou com publicidade antes de seguir carreira no
cinema Um exemplo de alusatildeo a este filme se percebe na campanha do
automoacutevel Renault Sceacutenic ndash um anatildeo de jardim eacute sequumlestrado por um grupo de
amigos e aprova seu novo endereccedilo mandando uma carta agrave sua antiga dona
avisando que natildeo voltaraacute mais para casa Deste modo a campanha faz alusatildeo
ao argumento de liberdade explorado na obra francesa
c) estilizaccedilatildeo ato de reproduzir um conjunto de procedimentos de caracteriacutesticas
de formas e de conteuacutedos do discurso de outrem Eacute recorrer agrave estrutura seja no
20
plano da expressatildeo ou no do conteuacutedo produzindo um efeito de
personalizaccedilatildeo muito embora remeta a obra anterior independente de
estabelecer uma relaccedilatildeo polecircmica ou contratual com aquela A estilizaccedilatildeo
intertextual na publicidade com referencial cinematograacutefico eacute constante e
ultrapassa o uso apenas dos elementos de linguagem cinematograacutefica Alguns
filmes publicitaacuterios utilizam em suas produccedilotildees as teacutecnicas de trucagem1 se
aproveitam dos efeitos especiais e ateacute dos estilos lanccedilados pelo cinema Um
bom exemplo dessa estilizaccedilatildeo encontra-se em um comercial da Samsung que
se utilizada da mesma esteacutetica tecnoloacutegia e uso de efeitos especiais do filme
Matrix (The Matrix de Andy e Larry Wachowski - 1999)
No Brasil de acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber tambeacutem um
caminho oposto a esta intertextualidade Cada vez mais a publicidade interfere na atual
produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este papel de fonte de
referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem audiovisual nas
produccedilotildees contemporacircneas como eacute o caso dos filmes ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus
―O Jardineiro Fiel e ―Ensaio sobre a Cegueira de Fernando Meirelles
1 Trucagem A accedilatildeo de modificar imagens previamente filmadas ao vivo tanto em sua forma (cor e
tamanho) como na ordem de sua projeccedilatildeo (congelamento aceleraccedilatildeo inversatildeo) Satildeo possiacuteveis tambeacutem a
superposiccedilatildeo de letreiros a fusatildeo (teacutecnica de escurecer uma cena ao mesmo tempo em que outra vai
surgindo provocando a sobreposiccedilatildeo de uma sobre a outra) e outros efeitos especiais O equipamento
utilizado eacute a truca Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbrmidiaartequadroaquadro gt Acesso em 14
Jun 2010
21
2 A fotografia na esteacutetica audiovisual
A palavra fotografia vem do grego foacutes (luz) e grafis (estilo pincel) ou
grafecirc e significa desenhar com luz e contraste Natildeo eacute possiacutevel definir um uacutenico
inventor pois foram vaacuterios os responsaacuteveis pela sua origem Em 1826 o francecircs Joseph
Niceacutephore Nieacutepce teve sua imagem reconhecida como a primeira fotografia tal imagem
foi produzida mediante o uso de uma placa de estanho coberta com um derivado de
petroacuteleo fotossensiacutevel chamado Betume da Judeacuteia O processo de exposiccedilatildeo agrave luz solar
chamado de heliografia durava cerca de oito horas para que a imagem fosse obtida
Neste mesmo periacuteodo Louis Daguerre deu continuidade aos experimentos
fotograacuteficos de Joseph Niceacutephore Nieacutepce fato este que lhe concedeu uma descoberta
decisiva Em 1835 Daguerre apanhou uma placa revestida de prata sensibilizada com
iodeto de prata que apesar de exposta natildeo apresentava sequer vestiacutegios de imagem
guardou-a displicentemente em um armaacuterio e ao abri-lo no dia seguinte encontrou uma
imagem revelada Fez experiecircncias por eliminaccedilatildeo com os outros produtos que estavam
no armaacuterio para descobrir que a imagem latente tinha sido revelada por accedilatildeo do mercuacuterio
Logo apoacutes o falecimento de Niegravepce Daguerre desenvolveu um processo
conhecido como daguerreotipia no qual era possiacutevel reduzir o tempo de revelaccedilatildeo de
horas para minutos devido a utilizaccedilatildeo de vapor de mercuacuterio Daguerre descreveu seu
processo agrave Academia de Ciecircncias e Belas Artes na Franccedila e logo depois requereu a
patente do seu invento na Inglaterra Breslin possibilita um melhor entendido deste
processo
Os daguerreoacutetipos inventados em 1839 foram os primeiros dentre os processos
fotograacuteficos iniciais a se tornar comercialmente disponiacuteveis O processo utiliza
placas uacutemidas que satildeo placas de cobre cobertas por uma emulsatildeo fotossensiacutevel
agrave base de prata As placas eram reveladas em campo enquanto ainda uacutemidas
criando um negativo Os negativos entatildeo podiam ser trazidos de volta ao
estuacutedio onde um pedaccedilo de papel fotograacutefico era assentado sobre a emulsatildeo do
negativo e exposto ao sol A luz do sol expunha a impressatildeo que era fixada (isto
eacute estabilizada por uma processo quiacutemico) e lavada (BRESLIN 2009 p26)
Jaacute em 1839 o britacircnico William Fox Talbot ao tomar conhecimento dos avanccedilos
de Daguerre decidiu apressar a apresentaccedilatildeo de suas pesquisas com papeacuteis fotossensiacuteveis
agrave Royal Institution e agrave Royal Society com o intuito de garantir os direitos sobre suas
invenccedilotildees No entanto Talbot desenvolveu um processo diferente denominado caloacutetipo -
utilizava folhas de papel cobertas com cloreto de prata que posteriormente eram colocadas
22
em contato com outro papel produzindo assim a imagem positiva Trata-se de um
processo semelhante ao usado atualmente em que utiliza-se um negativo para a obtenccedilatildeo
posterior de imagens positivas
A fotografia entatildeo popularizou-se como produto de consumo a partir de 1888 com
a introduccedilatildeo da cacircmera tipo caixatildeo e pelo filme em rolos substituiacuteveis criados por
George Eastman Desde entatildeo o mercado fotograacutefico tem experimentado uma crescente
evoluccedilatildeo tecnoloacutegica como o estabelecimento do filme colorido como padratildeo e o foco
automaacutetico ou exposiccedilatildeo automaacutetica Essas inovaccedilotildees sem duacutevida facilitam a captaccedilatildeo da
imagem melhoram a qualidade de reproduccedilatildeo ou a rapidez do processamento mas muito
pouco foi alterado nos princiacutepios baacutesicos da fotografia
A grande mudanccedila recente produzida a partir do final do seacuteculo XX foi a
digitalizaccedilatildeo dos sistemas fotograacuteficos A fotografia digital mudou paradigmas no mundo
da fotografia minimizando custos reduzindo etapas acelerando processos e facilitando a
produccedilatildeo manipulaccedilatildeo armazenamento e transmissatildeo de imagens pelo mundo O
aperfeiccediloamento da tecnologia de reproduccedilatildeo de imagens digitais tem quebrado barreiras
de restriccedilatildeo em relaccedilatildeo a este sistema por setores que ainda prestigiam o tradicional filme
e assim irreversivelmente ampliando o domiacutenio da fotografia digital
Natildeo se pode esquecer de salientar que a partir de tais descobertas no ramo da
fotografia eacute que foi possiacutevel a invenccedilatildeo do cinema O instantacircneo a possibilidade de
congelar um instante no fluxo contiacutenuo dos acontecimentos soacute se torna possiacutevel de fato
com o advento da fotografia Sendo assim os estudos de Muybrigde referentes aos
instantacircneos sucessivos associada ao aparato do fuzil fotograacutefico de Marey iratildeo resultar na
invenccedilatildeo do cinema Sabe-se que o cinema confere agrave imagem uma continuidade aparente
pois na verdade trata-se de uma seacuterie de instantacircneos separados por intervalos poreacutem aos
sentidos ele se apresenta de forma lisa e fluida como a proacutepria natureza do movimento
Machado acrescenta que
O cinema mesmo o cinema stricto sensu ou seja o cinema que se constitui a
partir do cinematoacutegrafo de LeRoy Edison Paul Skladanwsky e dos Lumiegravere
natildeo era nos seus primoacuterdios o que hoje chamamos de cinema Ele reunia na
sua base de celuloacuteide vaacuterias modalidades de espetaacuteculos derivadas das formas
populares de cultura como circo o carnaval a magia e a prestidigitaccedilatildeo a
pantomima a feira de atraccedilotildees e aberraccedilotildees etc (MACHADO 1997 p 76)
No iniacutecio os filmes eram de curta duraccedilatildeo nos quais o puacuteblico era composto
basicamente de operaacuterios As exibiccedilotildees eram realizadas em grandes galpotildees durante o
23
intervalo de serviccedilo do proletariado Machado (1997 p79) explica que o cinema era uma
em diversas atraccedilotildees oferecidas pelos vaudevilles pois ―natildeo se havia ainda desenvolvido
um conjunto de teacutecnicas e procedimentos de linguagem apropriados para a elaboraccedilatildeo de
uma narrativa visual que fosse suficientemente autocircnoma a ponto de poder se dispensar a
―explicaccedilatildeo de um apresentador
Atualmente pensa-se primeiramente em imagens forma-se um raciociacutenio a partir
de mosaicos audiovisuais que possibilitam um dado significado Tal modelo de
pensamento atraveacutes da imagem tecnoloacutegica deve-se ao conjunto de referecircncias
adquiridas
Assim sendo a fotografia possui papel fundamental na linguagem audiovisual
Sabe-se que a foi a partir da fotografia que se tornou possiacutevel agrave invenccedilatildeo do cinema
Dubois (2004) assegura que
Com a fotografia a maacutequina natildeo se contenta mais em preacute-ver ela inscreve
tambeacutem a imagem por meio das reaccedilotildees fotossensiacuteveis de certos materiais que
registram por si mesmos as aparecircncias sensiacuteveis geradas pela radiaccedilatildeo luminosa
A maacutequina intervecircm aqui portanto no coraccedilatildeo mesmo do processo de
constituiccedilatildeo da imagem que aparece assim como representaccedilatildeo quase
automaacuteticalsquo objetivalsquo sine manu factalsquo O gesto humano passa a ser mais um
gesto de conduccedilatildeo da maacutequina do que de figuraccedilatildeo direta (DUBOIS 2004
p38)
Em sua brilhante anaacutelise Barthes evidencia o fato de que a fotografia significa
muito mais uma ruptura do que uma continuidade em relaccedilatildeo agrave pintura Isso porque a
reaccedilatildeo quiacutemica dos sais de prata fotossensiacuteveis mediada pelo aparelho oacutetico que projeta a
imagem eacute colocada no centro do dispositivo de criaccedilatildeo da imagem deslocando o papel do
criador que antes que antes tinha que compor o instante representado a partir de instantes
distintos usando os coacutedigos da pintura para unificar a fatura e agora passava a poder
recortar um instante na sua proacutepria duraccedilatildeo com o uso da fotografia Dubois acrescenta
que tal uso
abandona o tempo crocircnico real evolutivo o tempo que passa como um rio
nosso tempo dos seres humanos inscritos na duraccedilatildeo para entrar em uma
temporalidade nova separada e simboacutelica a da foto temporalidade que tambeacutem
dura tatildeo infinita em princiacutepio quanto a primeira mas infinita na imobilidade
total congelada na interminaacutevel duraccedilatildeo das estaacutetuas (DUBOIS 1993 p168)
Com a invenccedilatildeo do instantacircneo fotograacutefico a pose a produccedilatildeo a composiccedilatildeo
elementos proacuteprios agrave linguagem da pintura figurativa satildeo subvertidas datildeo lugar tambeacutem
ao efecircmero ao flagrante agrave espontaneidade
Durante o seacuteculo XIX a fotografia buscou ancorar-se na esteacutetica proacutepria agrave pintura
para almejar sua entrada no panteatildeo das Belas-Artes em um movimento chamado pela
24
historiografia de pictorialismo Como bem analisou Walter Benjamin em sua Pequena
Histoacuteria da Fotografia de 1931 esse movimento se revelou improdutivo jaacute que os
fotoacutegrafos buscavam encaixar-se nos mesmos padrotildees de valoraccedilatildeo esteacutetica que foram
subvertidos com a invenccedilatildeo da fotografia
O discurso sobre a fotografia no seacuteculo XIX ainda estaacute muito contaminado por
valores esteacuteticos que consideram a teacutecnica em oposiccedilatildeo agrave arte ou na melhor das hipoacuteteses
como uma mera serviccedilal da arte Mas a proacutepria invenccedilatildeo da fotografia primeira forma de
produzir imagens completamente mediada pela teacutecnica na qual o ―laacutepis da Natureza
(Talbot) age sozinho sem a ajuda da matildeo do homem estava subvertendo completamente
os valores vigentes instaurando uma estreita ligaccedilatildeo entre teacutecnica e arte
Trazer a teacutecnica para o primeiro plano eacute uma das transformaccedilotildees mais radicais que
a imagem fotograacutefica instaura no campo da produccedilatildeo de imagens Esse tipo de imagem
criada por um aparelho chamada por Vileacutem Flusser de ―imagem teacutecnica foi capaz de
superar oposiccedilotildees vazias entre arte e teacutecnica
Com a virada para o seacuteculo XX se inicia um movimento de valorizaccedilatildeo da
fotografia por suas peculiaridades constitutivas advindas de seu proacuteprio mecanismo de
inscriccedilatildeo da imagem a instantaneidade o corte a conexatildeo fiacutesica com o referente A
chamada fotografia moderna se estabelece em duas frentes nas vanguardas europeacuteias e no
movimento chamado Photo Secession que ocorreu nos Estados Unidos8
A obra de Henri Cartier-Bresson eacute das mais importantes para a afirmaccedilatildeo da
fotografia por suas qualidades constitutivas Ele percebeu a potencialidade do aparato e o
foi um dos primeiros a usar uma cacircmera compacta de pequeno formato para sacar
instantes da realidade ainda na deacutecada de 1930 Com o tempo amadureceu uma filosofia
do chamado ―instante decisivo Para ele o fotoacutegrafo eacute como um flaneur que vaga pelo
mundo em busca daqueles raros momentos em que todos os elementos do enquadramento
se alinham em sua maacutexima expressatildeo dando agrave narrativa um potencial de siacutentese
A partir dessa reflexatildeo pode-se dizer que a fotografia audiovisual possibilita
transmitir ao espectador uma verossimilhanccedila com a realidade A anaacutelise da fotografia no
cinema se faz a partir do conhecimento dos elementos que a compotildee e suas variaccedilotildees
Assim cada elemento seraacute tratado separadamente para que seja possiacutevel uma melhor
explanaccedilatildeo de cada componente da fotografia audiovisual
25
21 Iluminaccedilatildeo
De acordo com Sousa (2004) eacute intuitivo afirmar que no momento em que se
ilumina um determinado objetopersonagem em detrimento de outros revela-se apenas
aquele que estaacute exposto agrave luz No entanto essa natildeo eacute a uacutenica contribuiccedilatildeo da iluminaccedilatildeo
para a construccedilatildeo de sentido a uma imagem Aleacutem disso eacute responsaacutevel por transmitir
noccedilotildees de profundidade e de relevo Segundo Roberts-Breslin (2009) eacute atraveacutes da
iluminaccedilatildeo que satildeo criados os padrotildees de luz e sombra que datildeo sentido ao nosso mundo
como tambeacutem o alto contraste do sol do meio-dia ou o baixo contraste monocromaacutetico
num dia chuvoso Aumont (2004) acrescenta que
A luz no cinema estaacute sempre ali e ateacute mesmo duplamente ali jaacute que a luz do
projetos ndash a luz depois do filme ndash serve para mostrar a luz registrada tal como
ela caiacutea sobre as coisas filmadas ndash a luz de antes do filme Haacute entre as duas uma
conivecircncia inextinguiacutevel jaacute reconhecida aqui mesmo em sua forma negativa ndash o
escuro - e que nutriu com frequecircncia a fantasia (em Murnau em Sternberg ou
Godard) de que uma natildeo eacute senatildeo a continuaccedilatildeo da outra por outros meios
Consequumlecircncia articulaccedilatildeo da diferenccedila a luz do quadro natildeo teve de ser
produzida realmente a do filme foi real Diferenccedila ontoloacutegica que se duplica em
outra infinitamente contingente poreacutem sensiacutevel a luz utilizada na produccedilatildeo do
filme eacute uma luz eleacutetrica seu aspecto eacute particular variaacutevel aliaacutes ao longo da
histoacuteria do cinema (AUMONT 2004 p 172)
As condiccedilotildees de iluminaccedilatildeo satildeo capazes de indicar a hora do dia a eacutepoca do ano e
a parte do planeta em que a imagem estaacute sendo reproduzida A luz ―empresta um tom a um
lugar ou experiecircncia ndash o brilho suave e romacircntico de uma vela as inesperadas e
desconhecidas sombras da noite a firme e escura melancolia do crepuacutesculo do inverno
ou seja possibilita a criaccedilatildeo de um determinado clima agrave cena (Breslin 2009 p87) Moura
afirma que
A fotografia em nada se diferencia da natureza Todas as luzes e efeitos estatildeo agrave
mostra para o olho educado Os efeitos dos filtros os contrastes das luzes as
densidades das cores tudo e todos estatildeo na natureza agrave vista de quem quiser ver
Se vocecirc prestar atenccedilatildeo ao tipo de luz que o sol gera saberaacute qual refletor de
quanto como e onde colocar Se vocecirc se abstrair do tamanho do sol e se
concentrar no efeito da sua luz poderaacute intuir a direccedilatildeo a natureza e a
intensidade da luz que vocecirc precisaraacute para ter o mesmo resultado Afinal de
contas o sol tem que iluminar a terra toda e noacutes soacute um pequeno estuacutedio As
diferenccedilas de tamanho satildeo irrelevantes para o raciociacutenio Para se chegar ao
pequeno partimos do grande Nada no pequeno mundo da fotografia inexiste no
vasto mundo de todos noacutes Talvez a uacutenica coisa que possamos criar e que jaacute natildeo
exista em escala maior e em melhor forma na natureza seja a escrita (MOURA
2001 p 20)
Breslin (2009 p88) acredita que a luz consiste na base da miacutedia visual pois
―tecnicamente a luz fornece a energia que nos permite reproduzir uma imagem
Esteticamente a luz junto com a composiccedilatildeo revela verdades e mentiras criando beleza e
26
feiura dentro do quadro Para Martin (2003 p 71) a iluminaccedilatildeo eacute o ―fator decisivo da
expressividade da imagem poreacutem sua importacircncia natildeo eacute percebida pelo espectador
devido ao fato de possibilitar a criaccedilatildeo de uma atmosferalsquo elemento este dificilmente
analisaacutevel
As sombras criadas com a iluminaccedilatildeo ―ajudam a transmitir profundidade clima e
lugar mas devem ser cuidadosamente controladas A iluminaccedilatildeo na verdade pode ser
definida como lanccedilar e controlar as sombrasrdquo (BRESLIN 2009 p95) Sendo assim a
luz possui vaacuterias caracteriacutesticas essenciais qualidade direccedilatildeosentido contraste
uniformidade cor e intensidade
Conforme Sousa (2004) a qualidade da luz refere-se principalmente ao tipo de
sombra que um objeto iluminado produz seja ela dura e definida ou suave a gradual
Breslin (2009) confirma tal classificaccedilatildeo ao dizer que
A qualidade de uma fonte de luz tem a ver com o modo como as ondas
percorrem o espaccedilo Se elas o fazem em linha reta a partir da fonte ateacute iluminar
o objeto satildeo refletidas de volta para a lente de um olho ou cacircmera em linhas
similarmente retas Isso produz luz dura direta ou localizada A energia
luminosa cobre uma aacuterea relativamente pequena mas manteacutem a intensidade ou
brilho maacuteximos A luz direta enfatiza a textura (BRESLIN 2009 p92)
A autora acrescenta que a luz que atinge um objeto pode ser dura ao produzir
sombras nitidamente definidas e partes mais claras distintas Jaacute quando produz partes
claras e sombras sutis e com uma borda menos definida ela eacute classificada como uma luz
suave Assim a luz comeccedila direta mas suas ondas podem desviar ou refletir de uma a
outra superfiacutecie ateacute que encontram o seu caminho para a lente Dependendo do caminho
percorrido se ―produz luz suave difusa ou lavada Uma fonte de luz difusa cobriraacute uma
aacuterea grande mas eacute menos intensa ou brilhante do que a mesma quantidade inicial de luz
direta na mesma distacircncia do objeto (BRESLIN 2009 p93)
Salles (2006) ressalta que ao iluminar artificialmente uma cena qualquer os planos
de composiccedilatildeo de luz desta cena devem ser cuidadosamente elaborados a fim de que a
fotografia do filme esteja em harmonia esteacutetica com o roteiro e sua proposta
22 Cor
Durante praticamente quarenta anos o cinema se manteve em preto e branco
Qualidade natural dos seres e objetos a cor possibilita maior realismo nas obras fiacutelmicas
pois aumenta a veracidade da imagem
27
Sendo assim a partir de um trabalho manual dos teacutecnicos que coloriam os filmes agrave
matildeo ou com o auxiacutelio de paletas eacute que se tornou possiacutevel colocar cor nas telas mediante
muito trabalho Experiecircncias foram realizadas e tomou-se conhecimento de uma nova
teacutecnica os chamados ―banhos onde a peliacutecula era tingida com cores uniformes com o
intuito de atribuir tanto realismo quanto simbolismo Basicamente era usado azul para
designar a noite e amarelo para as cenas de interiores agrave noite enquanto que para
simbolizar os incecircndios e as revoluccedilotildees optava-se pelo vermelho e para as matas e
paisagens a cor verde (MARTIN 2003) A bicromia e a tricomia comeccedilaram a serem
utilizadas em meados dos anos 30 No entanto eacute apenas na metade dos anos 50 que a cor
passou a ser usada de forma generalizada
Natildeo se pode negar que a cor possui um papel fundamental na composiccedilatildeo da
fotografia cinematograacutefica A partir de sua utilizaccedilatildeo torna-se possiacutevel representar a
realidade com mais perfeiccedilatildeo e precisatildeo Aumont (2003 p63) acrescenta que ―apesar da
especificidade da cor no cinema o modelo criacutetico e esteacutetico foi quase sempre a pintura
Esta circulou enormemente no imaginaacuterio fiacutelmico em trecircs grandes formas a
ficcionalizaccedilatildeo a imitaccedilatildeo e a anaacutelise sendo a base para as futuras produccedilotildees
audiovisuais Contudo o autor ressalta que
a ausecircncia de leis gerais e verificaacuteveis explica a ausecircncia quase total de reflexatildeo
teoacuterica sobre a cor na imagem em movimento As uacutenicas consideraccedilotildees agraves
vezes propostas no tocante ao valor simboacutelico ou expressivo da cor (o vermelho
como siacutembolo de guerra ou de paixatildeo o azul bem como o azul-celeste para a
paz o violeta associado agrave lamentaccedilatildeo funeraacuteria etc) Como tais valores satildeo bem
variaacuteveis conforme as culturas e as eacutepocas Eacute difiacutecil fazer uma teoria deles e a
esteacutetica da cor no cinema confunde-se praticamente com a constataccedilatildeo de
estilos pessoais ou de efeitos de gecircnero (AUMONT 2003 p63)
Ainda em relaccedilatildeo ao uso das cores fala-se em harmonia e contraste cromaacutetico A
harmonia ocorre quando em uma imagem existem cores proacuteximas (laranja amarelo
torrado amarelo e vermelho) Jaacute ao mencionar contraste cromaacutetico se refere quando na
imagem existem cores contrastantes (azul vs Vermelho amarelo vs Violeta por
exemplo) Contudo Sousa (2004) revela outras maneiras de evidenciar contraste
cromaacutetico (a) contraste de cores fortes com cores neutras (por exemplo vermelho vivo vs
cinzento claro) (b) complementaccedilatildeo entre cores claras e cores escuras (por exemplo o
amarelo-limatildeo faz o azul marinho parecer mais escuro) (c) contraste entre tons intensos
da mesma cor (o vermelho carregado contrasta com o vermelho claro)
Sousa (2004) acrescenta que eacute possiacutevel expressar quietude e tranquumlilidade ao
recorrer agrave harmonia cromaacutetica de cores quentes suaves como o castanho-terra suave e o
28
amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada
diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis
Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de
ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem
teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas
especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade
Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores
satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada
espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos
valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem
23 Enquadramentos
O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que
determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo
que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores
O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada
Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira
como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave
objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela
Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos
teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos
notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena
mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar
mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico
Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o
tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos
objetos que constituem a cena
Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees
possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de
detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar
Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma
29
―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para
a tela
231 Planos
O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre
dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no
qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute
determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da
objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da
narrativa que se pretende obter
Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada
autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute
possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos
planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o
observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta
planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os
intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro
plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens
plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por
exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA
(2004 p67-68)
A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano
Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade
fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte
1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro
2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos
joelhos para cima ou da cintura para cima
3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um
pouco abaixo
4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima
5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator
6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na
altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas
30
232 Acircngulos de Filmagem
De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto
que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir
um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo
superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto
que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade
No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de
baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de
superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e
do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do
personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele
em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador
233 Movimentos de Cacircmera
Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por
Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da
ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental
de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a
descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou
uma personagem
Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de
cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o
deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem
constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A
panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio
eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a
trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com
o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural
Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou
complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir
de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um
―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena
31
3 O cinema de autor
No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria
recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas
produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo
(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na
tela diferentes percepccedilotildees diante da trama
Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de
vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de
variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao
participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim
conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro
Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista
produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete
instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs
Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo
No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)
juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores
(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os
produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do
filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas
No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith
4
Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico
2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do
cinema mudo
3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano
um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas
4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de
Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o
movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o
filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)
5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro
de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia
de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou
em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia
32
devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e
dirigindo na publicidade de seus filmes
Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica
quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na
―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do
existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do
autor
Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-
sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e
substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a
atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando
que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo
metafiacutesicas (STAM 2003 p111)
Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo
que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi
responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou
a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras
refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica
abordando o ato de fazer e assistir a um filme
Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita
sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de
determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a
mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais
cineastas
Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers
Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica
Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes
que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar
conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as
filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios
seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma
simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)
Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do
Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os
grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas
6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem
como no sete de filmagem
33
como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o
suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e
o puacuteblico como seu divertimento
Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no
cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes
nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees
inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo
autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de
caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor
(COVALESKI 2009 p83)
Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o
contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa
eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a
obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma
noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a
outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI
2009 p 84)
Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute
responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo
do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute
responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas
necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo
com Bernardet
Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua
maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um
filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que
preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em
perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)
O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem
traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na
direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas
optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas
uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na
direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta
34
Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora
diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior
originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade
crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais
Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de
autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para
Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do
discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia
Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e
situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi
apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser
considerado como tal
O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica
com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra
determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem
defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos
paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor
Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja
autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de
1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e
Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de
presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de
suas matildeos
Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo
(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do
curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos
experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar
Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo
Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se
tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila
Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras
produtoras independentes do paiacutes
No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute
que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal
35
Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam
de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que
Meirelles considera ter feito em sua vida
No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas
publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos
que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar
notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar
e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas
da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para
natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar
em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade
Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a
produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando
Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2
Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no
mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios
internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca
de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio
Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede
Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura
completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um
departamento juriacutedico aacutegil
Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme
foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes
selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival
Internacional de Rotterdam
O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de
20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores
no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais
Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo
internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores
filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro
indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o
filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta
36
Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado
como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no
manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a
pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo
sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No
entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional
Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao
levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner
o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na
categoria de Melhor Diretor
Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando
Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do
romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O
filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14
de maio de 2008
37
4 Metodologia
A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando
compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria
nos filmes de Fernando Meirelles
Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave
argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise
detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades
sociais
Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo
aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de
entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira
indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o
caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como
objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro
Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra
selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes
representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a
esteacutetica publicitaacuteria
Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que
seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem
fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de
expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica
Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do
conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia
e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise
a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e
organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir
das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)
interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em
funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo
Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise
fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra
que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da
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linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa
fiacutelmica
Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo
1 Preacute-anaacutelise
a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor
enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)
2 Descriccedilatildeo Analiacutetica
a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos
3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando
em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes
Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute
necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo
haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica
efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo
pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando
necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que
considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde
que natildeo descarte as antecedentes
39
5 Anaacutelises
Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica
publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel
a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica
descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo
estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a
narrativa de cada um dos filmes
Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de
Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)
51 Domeacutesticas
Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas
40
Sinopse
Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de
Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada
Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa
sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar
de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute
Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida
Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com
um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por
missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a
mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que
satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se
estivessem dando uma espeacutecie de depoimento
Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas
aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de
emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o
outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das
domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo
Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo
encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas
por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do
plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave
novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um
sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da
profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento
cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes
publicitaacuterios
41
Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas
(Plano aberto e plano conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas
com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal
Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos
lateralizados
A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em
plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo
pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee
possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem
disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco
conotando mais tristeza agrave cena
Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e
cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como
acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute
limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera
tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no
estacionamento do preacutedio
Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em
que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a
personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o
deslocamento da personagem daquele mundo
42
Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas
(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de
serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves
tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas
com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)
Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em
um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um
domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao
casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte
observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre
sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o
responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua
profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela
As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena
No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo
agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute
43
devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de
nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude
alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade
sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento
Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as
personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo
O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo
vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das
diversas dificuldades no seu dia-a-dia
O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano
meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em
meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave
criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)
isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo
dos exageros
Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna
da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores
quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde
44
e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila
dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme
Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas
52 Cidade de Deus
Sinopse
O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro
protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou
um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a
estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto
de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante
amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente
suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num
ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele
descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se
fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista
do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos
45
principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria
mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um
mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute
Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro
dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto
Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos
bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute
usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute
centralizada e em leve plongeacutee
Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no
46
comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo
frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas
casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e
suave
A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do
traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na
criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar
perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-
plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem
Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano
geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo
compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando
naturalidade
Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)
47
Iluminaccedilatildeo e cor
Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo
deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute
observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa
frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo
pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo
Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste
elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem
a funccedilatildeo de criar um visual expressivo
Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente
natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a
inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre
dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na
cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute
ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo
consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena
interna e provavelmente noturna
Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua
maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais
frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo
com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute
amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute
modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos
48
periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo
publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama
Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante
Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com
a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um
material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a
imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee
com armas em punho apontadas para os policiais
Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela
49
Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus
53 O Jardineiro Fiel
Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel
50
Sinopse
O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em
Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa
uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem
aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para
substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes
um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute
transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu
idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a
trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin
acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir
na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de
amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa
estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional
envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em
seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a
disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no
Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e
ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar
como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se
para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final
bastante diferente do que seria esperado
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a
imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia
de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio
em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao
lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar
para se proteger
Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem
Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em
51
plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades
azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um
embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em
plongeacutee e plano aberto em conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na
figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A
imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano
aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo
dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais
amenos frios
Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada
retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao
receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade
possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento
As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a
imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua
52
Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em
leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens
contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante
natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel
perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral
aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores
quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave
luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem
composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local
em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo
A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela
cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A
impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena
que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma
53
desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do
ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas
sim no seu proacuteprio lucro
Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de
ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir
contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis
por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele
seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com
movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma
arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite
suavidade e calor agrave cena
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel
(variaccedilatildeo entre suave e dura)
Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando
com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na
lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em
equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira
imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais
onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena
54
ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens
em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)
ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem
possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua
composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)
como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel
54 Ensaio sobre a Cegueira
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira
55
Sinopse
O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que
atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas
passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no
tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados
em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a
lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a
uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que
juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute
baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com
o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de
cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo
manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O
enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para
a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e
branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria
compotildee as cenas da trama
Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento
panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da
trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade
esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o
motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa
ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais
Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o
motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo
adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de
quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia
56
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
57
Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
58
A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
59
do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
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XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e
Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003
65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
3
Gabriele Carneiro Feltrin da Silva
A FOTOGRAFIA NA CONSTRUCcedilAtildeO DA ESTEacuteTICA PUBLICITAacuteRIA NO
CINEMA DE FERNANDO MEIRELLES
Trabalho Final de Graduaccedilatildeo apresentado ao Curso de Publicidade e Propaganda Aacuterea
Ciecircncias Sociais do Centro Universitaacuterio Franciscano ndash Unifra como requisito para
aprovaccedilatildeo parcial para obtenccedilatildeo do grau de Bacharel em Publicidade e Propaganda
________________________________________________________
Patriacutecia de Oliveira Iuva ndash Orientadora (Unifra)
________________________________________________________
Carlos Alberto Badke (Unifra)
________________________________________________________
Pauline Fraga (Unifra)
Aprovado em de de
4
Agradecimentos
Em primeiro lugar quem merece todo meu reconhecimento eacute a minha famiacutelia Em
especial minha Matildee a pessoa mais importante da minha vida e responsaacutevel pelo que sou
por sempre ter acreditado em mim e me apoiado em minhas decisotildees Aos meus familiares
deixo aqui meu muito obrigada pela confianccedila pelo apoio e pela compreensatildeo
Agradeccedilo ainda a famiacutelia formada durante a graduaccedilatildeo aos queridos amigos que
tornaram essa jornada mais alegre e interessante Obrigada por fazerem parte dessa
aventura junto comigo
Ofereccedilo minhas palavras de gratidatildeo agrave minha orientadora Patriacutecia Iuva que ao meu
lado ajudou a construir esse trabalho Agrave professora Taiacutes Ghisleni que me acompanhou
durante o uacuteltimo ano de faculdade atraveacutes da monitoria e soube compreender minhas
duacutevidas sempre com palavras de apoio
Agradeccedilo aos demais mestres responsaacuteveis pela minha formaccedilatildeo Estendo esse
agradecimento a todos que de alguma forma contribuiacuteram para que hoje este sonho se
tornasse realidade
Aos meus amigos queridos que souberam me ouvir pelo incentivo constante e por
estarem sempre presentes nos momentos mais importantes pelos gestos de amizade
Agradeccedilo a Deus por estar sempre presente na minha vida e tornar tudo possiacutevel
5
RESUMO
Este estudo tem como objetivo analisar a fotografia audiovisual mais especificamente na
sua relaccedilatildeo com o a autorialidade de Fernando Meirelles Busca-se compreender como o
autor constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria na fotografia de seus filmes a qual se configura
atraveacutes da interface publicidade e cinema Para isso construiu-se como corpus de anaacutelise
frames ou seja fragmentos de quatro filmes que foram analisados de modo a compreender
a construccedilatildeo e a relaccedilatildeo de sua expressividade bem como seu vieacutes publicitaacuterio A
dimensatildeo da publicidade delineou o foco da pesquisa uma vez que se anseia pela anaacutelise
do caraacuteter publicitaacuterio da fotografia audiovisual Para tanto a relaccedilatildeo existente entre a
esteacutetica audiovisual e a linguagem videograacutefica responsaacutevel pela construccedilatildeo de uma
esteacutetica publicitaacuteria evidenciada na obra fiacutelmica
Palavras-chave fotografia audiovisual esteacutetica publicitaacuteria cinema autoral interfaces
publicidade cinema
ABSTRACT
The objective of this study to analyze the photograph audiovisual more specifically in its
relationship to authorial Fernando Meirelles We seek to understand how the author builds
the aesthetics of advertising photography in his films which is formed through the
interface and cinema advertising For this we constructed a corpus analysis of frames ie
fragments of four films that have been analyzed to understand the relationship building
and its expressivity and its bias in advertising The size of the advertising outlined the
focus of research since it yearns for character analysis audiovisual advertising
photography To this end the relationship between aesthetics and audiovisual video
language responsible for the aesthetics advertising evident in film work
Keywords audiovisual photography advertising aesthetics film copyright interfaces
advertising cinema
6
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas 39
Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas (Plano aberto e plano conjunto) 41
Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas (em sentido horaacuterio
Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal) 42
Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas
quando as personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo 43
Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas 44
Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus (em sentido horaacuterio primeiro meacutedio
em conjunto e dois gerais) 45
Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus (em sentido
horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal) 46
Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus 47
Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus 47
Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela 48
Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus 49
Figura 11 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel 49
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel (em sentido horaacuterio plano meacutedio
em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em plongeacutee e plano aberto em
conjunto)
51
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel (em sentido
horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee) 52
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel (variaccedilatildeo entre suave e dura) 53
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel 54
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a Cegueira 54
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira (Plano geral em conjunto e
grande plano geral) 56
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela
porta de vidro)
56
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira 57
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro
―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel 58
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira 59
7
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO________________________________________________________ 8
1 Linguagem e Esteacutetica Audiovisual________________________________________ 12
11 Interfaces cinema e publicidade________________________________________ 18
2 A fotografia na esteacutetica audiovisual_______________________________________ 21
21 Iluminaccedilatildeo__________________________________________________________ 25
22 Cor_________________________________________________________________ 26
23 Enquadramentos_____________________________________________________ 28
231 Planos_______________________________________________________ 29
232 Acircngulos de Filmagem_________________________________________ 30
233 Movimentos de cacircmera__________________________________________ 30
3 O Cinema de Autor_____________________________________________________ 31
4 Metodologia___________________________________________________________ 37
5 Anaacutelises______________________________________________________________ 39
51 Domeacutesticas__________________________________________________________ 39
52 Cidade de Deus_______________________________________________________ 44
53 O Jardineiro Fiel_____________________________________________________ 49
54 Ensaio sobre a Cegueira_______________________________________________ 54
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS_____________________________________________ 60
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS______________________________________ 63
ANEXOS_______________________________________________________________ 65
8
INTRODUCcedilAtildeO
A esteacutetica publicitaacuteria no cinema surge diante do contexto cultural da diversidade e
da multiplicidade no qual se percebe a fusatildeo entre a linguagem videograacutefica e a fotografia
do cinema Segundo Aumont (1995 p15) ―a esteacutetica do cinema eacute portanto o estudo do
cinema como arte o estudo dos filmes como mensagens artiacutesticas capazes de atrair a
atenccedilatildeo do espectador diante de uma determinada narrativa
O filme como produto cultural de massa atinge puacuteblicos diversificados que
reconhecem os seus coacutedigos suas linguagens e muito dessa adaptaccedilatildeo se deve ao
crescimento da TV e agrave tecnologia do viacutedeo A esteacutetica publicitaacuteria traduz o indiviacuteduo
contemporacircneo multifacetado acostumado com o acuacutemulo cada vez maior de
informaccedilotildees inserido em uma sociedade de massa multimidiaacutetica
A publicidade em relaccedilatildeo agrave sua funcionalidade busca positivar as qualidades e os
atributos dos serviccedilos eou produtos Por meio da persuasatildeo busca vender uma marca
seduzir e influenciar o espectador a consumir um determinado produto ndash tanto no campo
das ideacuteias quanto no campo dos discursos - que representa Nesse sentido ela usa e abusa
de recursos ligados agrave emoccedilatildeo e agrave identificaccedilatildeo sociocultural fazendo com que o
consumidor seja atraiacutedo e se identifique pela criaccedilatildeo Segundo Castells (1999 p22)
―entende-se por identidade a fonte de significado e experiecircncias de um povo
Experiecircncias essas que correspondem ao modo de vida em sociedade aos valores
culturais aos quais os indiviacuteduos estatildeo inseridos e que caracterizam a criaccedilatildeo de tal
identidade Carvalho (1996 p13) acrescenta que ―a publicidade impotildee nas linhas e
entrelinhas valores mitos ideais e outras elaboraccedilotildees simboacutelicas capazes de reformular
as tendecircncias culturais
Enquanto isso o cinema do ponto de vista funcional busca contar uma histoacuteria ndash
ficcional ou natildeo poreacutem como uma produccedilatildeo muitas vezes de entretenimento O objetivo
principal eacute procurar uma identificaccedilatildeo diante de seu puacuteblico divertir emocionar refletir e
transportaacute-los para a tela Stam (2003 p53) destaca que ―o cinema natildeo apenas evidencia o
movimento poeacutetico das coisas do mundo mas traduz as percepccedilotildees modificadas da vida
urbana contemporacircnea criando uma multiplicidade de informaccedilotildees em meio agrave sociedade
de massa Entatildeo como objeto cultural o cinema eacute capaz de entreter e disseminar
ideologias e tendecircncias para um grande nuacutemero de pessoas simultaneamente pois se
caracteriza como um produto coletivo da cultura de massa
9
Este trabalho constroacutei-se no cenaacuterio de interfaces entre publicidade e cinema a
partir da anaacutelise da concepccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria na fotografia dos filmes de
Fernando Meirelles
Vale ressaltar que a fotografia eacute um elemento fundamental na construccedilatildeo da esteacutetica
audiovisual Eacute a partir de sua composiccedilatildeo que o estilo da obra eacute retratado na tela Sendo
assim eacute preciso escolher com cuidado cada um dos componentes fotograacuteficos a fim de se
obter o resultado expressivo desejado Para Martin (2003 p57) a iluminaccedilatildeo ―constitui
um fator decisivo para a criaccedilatildeo da expressividade da imagem Aleacutem disso eacute elemento de
criaccedilatildeo da ―atmosfera da cena A atmosfera cecircnica por sua vez eacute difiacutecil de analisar pois
estaacute atrelada agrave subjetividade ou seja agrave capacidade de percepccedilatildeo de cada espectador tendo
um papel impreciso Natildeo se pode esquecer da utilizaccedilatildeo das cores sejam elas quentes ou
frias conotando reaccedilotildees psicoloacutegicas nos espectadores bem como o contraste cromaacutetico e
luminoso eficaz na significaccedilatildeo de cada cena
De acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber cada vez mais a interferecircncia
da publicidade na atual produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este
papel de fonte de referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem
audiovisual nas produccedilotildees contemporacircneas e diante disso tem-se como objetivo
compreender como o diretor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria na
fotografia de seus filmes Arquiteto por formaccedilatildeo Fernando Meirelles comeccedilou sua
carreira na aacuterea audiovisual realizando viacutedeos experimentais com um grupo de amigos
ainda durante a faculdade Posteriormente fundou a produtora independente Olhar
Eletrocircnico e nunca mais deixou de trabalhar como diretor tanto na publicidade quanto no
cinema No cinema dirigiu os filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O
Jardineiro Fiel (2005) e Ensaio sobre a Cegueira (2008) Esses filmes constituem o objeto
empiacuterico deste trabalho que para alcanccedilar seu objetivo geral busca (1) analisar as
interfaces existentes entre publicidade e cinema (2) estudar a fotografia enquanto
elemento da esteacutetica audiovisual e (3) verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando
Meirelles em seus filmes
Jaacute haacute algum tempo percebe-se um crescente nuacutemero de cineastas com vasta
experiecircncia no mercado publicitaacuterio profissionais que realizaram muitos trabalhos como
diretores de filmes publicitaacuterios e dela migraram para o cinema Possuem portanto uma
visatildeo abrangente da linguagem audiovisual o que possibilita diferentes abordagens
esteacuteticas tanto no cinema quanto na publicidade A existecircncia de profissionais oriundos de
outras aacutereas trabalhando nas produccedilotildees audiovisuais reflete na nova relaccedilatildeo estabelecida
10
entre a noccedilatildeo de arte ciecircncia e tecnologia Esses domiacutenios antes mais distantes agora se
veem envolvidos em processos de troca combinaccedilatildeo fusatildeo Sobre as novas tecnologias
Popper apud Parente (1993) diz que
Em todo caso e em grande parte graccedilas aos novos meacutetodos de transmissatildeo de
imagens e agrave difusatildeo massiva dos conhecimentos e informaccedilotildees entramos no
presente em uma era em que o pensamento teacutecnico e o pensamento simboacutelico se
encontram em que o impacto das novas tecnologias provoca uma mutaccedilatildeo
decisiva na esfera cultural (PARENTE 1993 p213)
Covaleski (2009) acrescenta que tanto a televisatildeo quanto o cinema satildeo os uacutenicos
meios audiovisuais que possibilitam a utilizaccedilatildeo na publicidade da maioria dos elementos
de persuasatildeo e de sentido unindo o som a imagem o movimento e o texto escrito Deste
modo a publicidade trabalha com narrativas sinteacuteticas que se adequam ao tempo reduzido
de 30 eou 45 segundos para vender a ideacuteia do produto que anuncia Em oposiccedilatildeo o
cinema possui em meacutedia cerca de 90 minutos suficientes para mostrar o enredo contar a
histoacuteria apresentar os personagens e desenrolar toda a narrativa
As relaccedilotildees entre cinema e publicidade televisual partem das caracteriacutesticas da
obra final que eacute gerada em cada um desses gecircneros de comunicaccedilatildeo No
cinema a obra cinematograacutefica a peliacutecula de curta meacutedia ou longa-metragem
na publicidade televisual o comercial o filme ou viacutedeo publicitaacuterio que
obedecem aos formatos impostos pelos veiacuteculos de comunicaccedilatildeo Os propoacutesitos
para os quais as obras fiacutelmicas cinematograacuteficas ou publicitaacuterias satildeo geradas
visam a atender interesses e objetivos que vatildeo do comercial ao artiacutestico
(COVALESKI 2009 p93)
Portanto a poacutes-modernidade cultural a qual representa o surgimento de outras
dimensotildees esteacuteticas eacute a grande chave para esta anaacutelise cujo foco recai sobre o elemento
de linguagem fotograacutefica Isto eacute recai na fotografia e na sua capacidade de construir
sentidos acerca de um momento que nunca mais aconteceraacute e ao mesmo tempo congelaacute-
lo possibilitando a representaccedilatildeo desta realidade deste momento uacutenico
Assim tal pesquisa articula a abordagem de temas de grande importacircncia para a
comunicaccedilatildeo audiovisual visto que possibilitam o surgimento de outras tendecircncias nas
produccedilotildees cinematograacuteficas contemporacircneas Para isso a revisatildeo teoacuterica perpassa pela
introduccedilatildeo sobre o tema do trabalho em que as temaacuteticas abordadas satildeo apresentadas bem
como o corpus escolhido para anaacutelise e os objetivos da pesquisa o primeiro capiacutetulo
discute teoricamente a linguagem e a esteacutetica audiovisual bem como as interfaces
existentes entre publicidade e cinema o segundo capiacutetulo aborda a fotografia na esteacutetica
audiovisual enfatizando os elementos expressivos fotograacuteficos ndash iluminaccedilatildeo cor
11
enquadramentos planos acircngulos e movimentos de cacircmera o terceiro capiacutetulo teoriza
sobre o cinema de autor e aborda o autor em questatildeo Fernando Meirelles o quarto
capiacutetulo elucida o processo metodoloacutegico aplicado no desenvolvimento do trabalho o
quinto capiacutetulo encarrega-se de demonstrar os exerciacutecios analiacuteticos empreendidos nos
frames do corpus e o sexto capiacutetulo preocupa-se com as consideraccedilotildees finais da pesquisa
12
1 Linguagem e Esteacutetica Audiovisual
Por poder ser captada simultaneamente pelo olho e pelo ouvido a linguagem
audiovisual permite o envolvimento completo do seu espectador diante da fusatildeo do som e
da imagem em movimento A fusatildeo entre aacuteudio e viacutedeo possibilita um paralelo entre o
racional e o sensorial de modo que a mesma consegue dizer muito mais do que
conseguimos captar pois chega simultaneamente por muito mais caminhos do que
conscientemente percebemos
O viacutedeo incluiacutedo em um meio de comunicaccedilatildeo de massa eacute utilizado como forma
de expressatildeo aleacutem de estruturar novas teacutecnicas tanto no processo de gravaccedilatildeo e de poacutes-
produccedilatildeo Tais teacutecnicas satildeo responsaacuteveis por todo o cruzamento de narrativas hoje
utilizadas pelo cinema e pela publicidade
O viacutedeo eacute um sistema hiacutebrido ele opera com coacutedigos significantes distintos
parte importados do cinema parte importados do teatro da literatura do raacutedio e
mais modernamente da computaccedilatildeo graacutefica aos quais acrescenta alguns
recursos expressivos especiacuteficos alguns modos de formar ideacuteias ou sensaccedilotildees
que lhe satildeo exclusivos (MACHADO 1997 p 190)
Dubois (2004 p77) define a estetizaccedilatildeo videograacutefica como ―uma linguagem (ou
uma esteacutetica) particular (mas de nenhum modo exclusiva) que pertence a loacutegicas
diferentes e potildee em jogo questotildees de ordem muito diversa que as do cinema O
surgimento do viacutedeo possibilitou novas tecnologias como por exemplo a televisatildeo
Diante disso o autor classifica dois modos principais de representaccedilatildeo em viacutedeo
O modo plaacutestico (a ―videoarte em suas formas e tendecircncias muacuteltiplas) e[] o
modo documentaacuterio (o real ndash bruto ou natildeo ndash em todas as suas estrateacutegias de
representaccedilatildeo) E sobretudo ndash eacute o que os une contra a transparecircncia - ambos
com um senso constante do ensaio da experimentaccedilatildeo da pesquisa da inovaccedilatildeo
(DUBOIS 2004 p77)
De acordo com Gutierrez (1992) dentro de noacutes acontece uma repercussatildeo em
imagens baacutesicas centrais simboacutelicas arquetiacutepicas com as quais nos identificamos ou que
se relacionam conosco de alguma forma consistindo na representaccedilatildeo de uma realidade
em movimento
A linguagem audiovisual responsaacutevel por tal representaccedilatildeo eacute constituiacuteda por
alguns elementos fundamentais (1) o plano - cada parte da fita que se apresenta ao
espectador como tendo sido filmada sem interrupccedilotildees (2) a cena - o conjunto de planos
cuja accedilatildeo eacute contiacutenua e decorre numa relativa unidade de tempo e espaccedilo constitui as cenas
13
e as sequumlecircncias (3) o enquadramento - a variaccedilatildeo da longitude da cacircmera agrave cena filmada
por meio de movimento (sem interrupccedilatildeo da filmagem) dentro do mesmo plano a
variaccedilatildeo do enquadramento e (4) a montagem ndash procedimento de organizaccedilatildeo do conjunto
de cenas sequumlecircncias e planos que formam a obra fiacutelmica
Tais elementos audiovisuais estatildeo presentes tanto nas produccedilotildees cinematograacuteficas
quanto nas produccedilotildees publicitaacuterias poreacutem o modo como satildeo utilizados eacute que as difere
Segundo Aumont (1995) inicialmente o cinema era desprovido de uma linguagem pois
apenas refletia o registro de um espetaacuteculo uma simples reproduccedilatildeo do real Entretanto
com o intuito de contar histoacuterias e veicular ideias o cinema precisou utilizar determinados
procedimentos expressivos os quais passaram a constituir sua linguagem
Assim sendo pode-se definir a linguagem cinematograacutefica como ―o conjunto das
mensagens cujo material de expressatildeo compotildee-se de cinco pistas ou canais a imagem
fotograacutefica em movimento os sons foneacuteticos gravados os ruiacutedos gravados o som musical
gravado e a escrita (creacuteditos intertiacutetulos materiais escritos no interior do plano) (STAM
2003 p132) A utilizaccedilatildeo em sinergia desse grande nuacutemero de elementos possibilita uma
maior variedade de abordagens nas produccedilotildees audiovisuais Por exemplo uma montagem
natildeo-linear com ritmo acelerado de troca de planos acircngulos e enquadramentos eacute a marca
das realizaccedilotildees videograacuteficas contemporacircneas
Para Balaacutezs apud Stam (1995) a linguagem cinematograacutefica pode ser definida a
partir de 4 princiacutepios
- no cinema existe uma distacircncia variaacutevel entre espectador e cena representada
daiacute uma dimensatildeo variaacutevel da cena que toma lugar no quadro e na composiccedilatildeo
da imagem
- a imagem total da cena eacute subdividida em uma seacuterie de planos de detalhes
(principio da decupagem)
- existe variaccedilatildeo de enquadramento (acircngulo de visatildeo perspectiva) dos planos de
detalhe no decorrer da mesma cena
- finalmente eacute a operaccedilatildeo da montagem que garante a inserccedilatildeo dos planos de
detalhes em uma sequumlecircncia ordenada na qual natildeo apenas cenas inteiras se
sucedem mas tambeacutem tomadas de detalhes mais miacutenimos de uma mesma cena
A cena em seu conjunto eacute resultado disso como se os elementos de um mosaico
temporal fossem justapostos no tempo (BALAacuteZS apud STAM 1995 p163-
164)
O cinema busca traduzir a realidade atraveacutes da representaccedilatildeo artiacutestica mediante o
uso de teacutecnicas pertencentes agrave linguagem audiovisual Stam (2003 p132) acrescenta que
se torna linguagem a partir do momento em que comunica ―um conjunto de mensagens
formuladas com base em um determinado material de expressatildeo um discurso ou praacutetica
significante caracterizado por codificaccedilotildees e procedimentos ordenatoacuterios especiacuteficos
14
Por volta de 1750 a palavra esteacutetica foi inventada com o intuito de designar uma
―ciecircncia dos sentimentos posteriormente uma ―ciecircncia do belo Atualmente eacute
empregada igualmente no plural para se referir agraves diversas concepccedilotildees do belo e da arte
Segundo Aumont e Marie (2003) natildeo existe esteacutetica constituiacuteda do cinema mas questotildees
de natureza esteacutetica foram frequumlentemente discutidas a respeito dele em torno dos
seguintes problemas
1 O cinema entre as artes natildeo tendo sido o cinema de iniacutecio aceito como
arte (mas como teacutecnica ou como distraccedilatildeo) sua especificidade artiacutestica foi
muitas vezes salientada Em particular ele foi por isso confrontado e
comparado com artes reconhecidas a muacutesica (Gance) a pintura (Bazin
Aumont Bonitzer) o teatro (Pagnol) valorizando a cada vez uma
caracteriacutestica particular do cinema o ritmo o enquadramento a fala a
cenicidade etc
2 A especificidade do fiacutelmico ela diz respeito a alguns traccedilos fundamentais
estudados nos mais das vezes de pontos de vista bem diferentes o
movimento (Munsterberg Deleuze) a mobilidade do ponto de vista
(Souriau Metz Jost Aumont) a sequencialidade e a montagem
(Eisenstein)
3 A possibilidade de uma poeacutetica do cinema ndash ou seja de uma concepccedilatildeo
geral da natureza do cinema da criaccedilatildeo fiacutelmica da relaccedilatildeo do fiacutelmico com o
mundo afilmico ou profilmico etc A respeito desse ponto observa-se uma
grande oposiccedilatildeo entre poeacuteticas realistas ndash o filme como transparecircncia
(Kracauer) a ―liacutengua escrita da realidade (Pasolini) o ―cine-olho
(Vertov) - e poeacuteticas formalistas ndash o ―cinema-linguagem (Eisenstein) a
fotogenia (Epstein) o filme como grande forma (Buch) etc
4 A possibilidade de uma arte de massa imposta pela induacutestria e pela teacutecnica
(Panofsky) (AUMONT MARIE 2003)
Para Covaleski (2009 p77) a esteacutetica do cinema estaacute diretamente relacionada com
a natureza reprodutiva e mecacircnica do meio cinematograacutefico Segundo o autor eacute possiacutevel
destacar duas teorias mesmo que distintas em que se refere agrave natureza reprodutiva do
cinema A primeira de Walter Benjamin afirma que toda a problemaacutetica da esteacutetica
relacionada ao cinema estaacute centrada no ―contexto da crise do sistema tradicional das artes
cuja modalidade de percepccedilatildeo cinematograacutefica essencialmente coletivalsquo e distraiacutedalsquo eacute
sua proacutepria causa e efeito Jaacute a segunda teoria de Andreacute Bazin constata que o problema
esteacutetico estaacute ligado ao caraacuteter mecacircnico da reproduccedilatildeo ou seja ―eacute a ausecircncia de uma
intervenccedilatildeo por parte da interpretante e a deformaccedilatildeo causada pela projeccedilatildeo que teoriza
tal problemaacutetica Jaacute Aumont (2002 p15-16) ressalta que a esteacutetica do cinema confere dois
aspectos ―uma vertente geral que considera o efeito esteacutetico proacuteprio do cinema e uma
vertente especiacutefica centrada na anaacutelise de obras particulares Sendo assim refere-se agrave
anaacutelise de filmes ou a criacutetica no sentido pleno do termo
15
Na obra fiacutelmica os aspectos esteacuteticos satildeo apresentados diante de uma
categorizaccedilatildeo dos elementos que constituem a manifestaccedilatildeo esteacutetica no cinema Segundo
Covaleski (2009) ―tais manifestaccedilotildees se datildeo sobre vaacuterias formas ora icocircnicas ora
focircnicas ora graacuteficas ora oacuteticas ora sonoras ora auditivas e estatildeo em processo de
evoluccedilatildeo devido ao surgimento de novas tecnologias de comunicaccedilatildeo juntamente com
novas manifestaccedilotildees artiacutesticas
No decorrer do seacuteculo XX mediante tais transformaccedilotildees houve a geraccedilatildeo de
novas noccedilotildees de criaccedilatildeo de arte de esteacutetica Conforme Plaza (2000) ocorreu um
―deslocamento das funccedilotildees instauradoras (a poeacutetica do artista) para funccedilotildees de
sensibilidade receptora (esteacutetica) o que produz no meio artiacutestico uma grande confusatildeo
conceitual caracterizada pela mistura e hibridaccedilatildeo de gecircneros poeacuteticas e atitudes
artiacutesticas
Pode-se compreender com base em Covaleski (2009) que a chegada da arte do
cinema agrave tevecirc trouxe tambeacutem padrotildees esteacuteticos que aos poucos foram incorporados ao
meio televisual aleacutem de serem consumidos em larga escala pela publicidade Percebe-se
que boa parte dos comerciais de tevecirc os chamados filmes publicitaacuterios alcanccedilam mais
destaque que a proacutepria programaccedilatildeo devido aos recursos tecnoloacutegicos e a linguagem
adaptada do cinema utilizado em suas produccedilotildees Sendo assim ao serem criados e
produzidos com preocupaccedilotildees esteacuteticas e cuidados artiacutesticos possibilitou gerar um
receptaacuteculo proacuteprio a esteacutetica publicitaacuteria
Diante do debate entre o aspecto utilitaacuterio e o aspecto artiacutestico da mensagem cabe
agrave publicidade recorrer agraves funccedilotildees da linguagem Para o autor natildeo importa se sejam as
poeacuteticas conativas ou referenciais mas sim sua finalidade de elevar e diversificar o
conjunto de repertoacuterios de seu puacuteblico-alvo contribuindo assim para a aceitaccedilatildeo de uma
nova esteacutetica
Tal questatildeo esteacutetica para alguns autores eacute tratada como uma espeacutecie de fetiche
cinematograacutefico Eacute possiacutevel perceber a veneraccedilatildeo e a adoraccedilatildeo de determinados elementos
constituintes da narrativa - do figurino do cenaacuterio ou ateacute mesmo da performance cecircnica
do ator ndash como intuito de simbolizar objeto de culto estabelecer um valor icocircnico a este
Conforme Covaleski (2009 p79-80) desde ―a criaccedilatildeo de mitos do cinema ao lanccedilamento
de moda passando pelo merchandising institucionalizado a esteacutetica cinematograacutefica
contribui na formaccedilatildeo e evoluccedilatildeo de comportamentos fetichistas por parte da sociedade
movida por novos sonhos de consumo e por novas divindades a cultuar
16
A partir da reflexatildeo de Carvalho (2003) a cerca dos estudos de Leacutevi-Strauss pode-
se dizer que a individualizaccedilatildeo da produccedilatildeo demonstrar o aparecimento de uma
consciecircncia criacutetica por parte do receptor que retira da esteacutetica-primitiva o seu dever social
A obra sendo produzida individualmente sem necessidade de bastar a uma sociedade ou
clatilde A esteacutetica-moderna depende apenas da aprovaccedilatildeo ou natildeo de uma clientela ―de classe
(como utiliza o autor) para se firmar como arte
Ao mesmo tempo com a evoluccedilatildeo da criacutetica de arte e o aparecimento do
abstracionismo Leacutevi-Strauss iraacute demonstrar um propoacutesito antimodernista ao perceber a
banalizaccedilatildeo presente na arte do poacutes-guerra Aleacutem da hiper-valorizaccedilatildeo da criacutetica a
representaccedilotildees pictoacutericas sem compromisso artiacutestico Poreacutem dentro desta mesma vertente
podemos repassar seu conceito de arte que funde a ciecircncia e o mito na concepccedilatildeo do
espiacuterito humano (pensamento criador) em outro de seus pensamentos a loacutegica do
sensiacutevel Loacutegica regida pela possibilidade de unir muacutesica e mito ou romance e mito atraveacutes
de uma ―estrutura-funccedilatildeo Todo meio artiacutestico pode ser fundido a outro ou recriado
desde que o estruturalismo presente no espiacuterito humano conceba um fim artiacutestico
A inter-relaccedilatildeo do cinema e da publicidade audiovisual resulta dos aspectos dessa
linguagem pois ambos constituem meios audiovisuais que trabalham a partir de uma
mesma base de composiccedilatildeo e de montagem de elementos expressivos para criar um
determinado plano de conteuacutedo narrativo e de significado o que configura esteacuteticas
diferenciadas
A modernidade da imagem cinematograacutefica eacute reflexo de um processo histoacuterico
em que a arte tenta se renovar em releituras de seus proacuteprios conceitos e criaccedilatildeo
de outros A diversidade estiliacutestica caracteriacutestica do cinema comercial da deacutecada
de 90 retrata uma geraccedilatildeo multimiacutedia de novos profissionais e espectadores que
acabaram por alterar os rumos da cinematografia contemporacircnea
(CARVALHO 2003)
Tais mudanccedilas de abordagem satildeo visiacuteveis natildeo apenas no cinema como tambeacutem nos
videoclipes nos games e na publicidade Refere-se a uma nova perspectiva de criaccedilatildeo
audiovisual na tentativa de romper as barreiras das produccedilotildees tradicionais e enfatizar o
surgimento de novas possibilidades Tais rupturas contribuem para a mudanccedila no
comportamento dos sujeitos contemporacircneos
O pensador de agora jaacute natildeo se senta mais agrave sua escrivaninha diante de seus
livros para dar forma ao seu pensamento mas constroacutei as suas ideias manejando
instrumentos novos ndash a cacircmera a ilha de ediccedilatildeo o computador - invocando
ainda outros suportes de pensamento sua coleccedilatildeo de fotos filmes viacutedeos
discos ndash sua mideoteca enfim (DUBOIS 2004 p19)
17
O pensamento audiovisual contemporacircneo constata essa hibridizaccedilatildeo essa
convergecircncia de elementos responsaacuteveis por uma mudanccedila de conduta Deste modo
Dubois (2004 p25) ressalta a existecircncia do imaginaacuterio cinematograacutefico presente em
todos os lugares e impregnado ―ateacute em nossa maneira de falar ou de ser Quem ao
percorrer de carro um longo trajeto numa vasta paisagem aberta natildeo pensou com a ajuda
da muacutesica no raacutedio numa figura de travelling mergulhando na tela panoracircmica de seu
paacutera-brisa
Em relaccedilatildeo agrave esteacutetica publicitaacuteria Carvalho (2003) ressalta uma possiacutevel ―morte
do cinema Vaacuterios criacuteticos apostam nessa ―morte diante do uso de recursos estiliacutesticos
que estariam se sobressaindo na concepccedilatildeo criadora do filme em contraposiccedilatildeo ao
realismo bem como da evoluccedilatildeo da teacutecnica que distancia o cinema de sua perspectiva
fotograacutefica Resultando assim na valorizaccedilatildeo da imagem em detrimento da representaccedilatildeo
Contudo o autor ressalva que tal concepccedilatildeo de retrato da realidade aleacutem de
ultrapassada estaacute reformulada no estudo do ―espiacuterito humano de Leacutevi-Strauss Este
estudo baseia-se no posicionamento da seacutetima arte como uma visatildeo moderna do homem
diante da realidade a visatildeo em que a cacircmera capta a imagem e natildeo o objeto
Enquanto isso Merquior (1975) busca uma maneira de refletir e re-posicionar as
concepccedilotildees de Leacutevi-Strauss quanto agrave arte contemporacircnea
Em vez de vociferar sobre a verdade factuallsquo da morte da artelsquo conviria
colocar a problemaacutetica implicada por essas teses em relaccedilatildeo a uma das
tendecircncias mais fecundas do estruturalismo ndash sua vontade de ultrapassar as
anaacutelises estanques dos domiacutenios culturais (arte religiatildeo ciecircncia etc) de
encorajar a pesquisa de afinidades estruturais e funcionais entre esses camposlsquo
sem jamais esquecer que satildeo todos faces de uma mesma realidade o espiacuterito
humano (MERQUIOR 1975 p79)
Em seu texto A Dupla Heacutelice Raimond Bellour consegue ver logo no viacutedeo ndash base
da esteacutetica publicitaacuteria ndash e na tecnologia digital o resumo desta realidade emergente
O viacutedeo leva assim agrave sua perda essa capacidade de analogia dilatada agraves
dimensotildees do universo pela primeira vez os corpos e os objetos do mundo satildeo
virtualmente desfiguraacuteveis (e logo refiguraacuteveis) ao sabor de uma potecircncia que
transforma em tempo real ou quase natildeo diferido (e natildeo mais somente como no
cinema por uma lenta elaboraccedilatildeo cujas trucagens constituem o modelo) as
representaccedilotildees que capta seu olho mecacircnico Isso explica o fato de a viacutedeo-
imagem a caccedilula das imagens de reproduccedilatildeo poder aparecer simultaneamente
como uma nova imagem irredutiacutevel ao que a precede mas tambeacutem uma
imagem capaz de atrair de absorver de misturar todas as imagens anteriores
pintura fotografia cinema (BELLOUR Raimond in PARENTE 1993 p223)
18
Em funccedilatildeo disso a esteacutetica publicitaacuteria natildeo passaria apenas de um mero
abstracionismo imageacutetico do cinema mas sim a siacutentese de uma movimentaccedilatildeo esteacutetica que
atravessa todas as artes denominada Poacutes-modernidade Cultural Muito aleacutem de um
recurso estiliacutestico as imagens de ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus entre outros filmes
tachados como videoclipeiros ou publicitaacuterios refletem na representaccedilatildeo do olhar do
homem moderno Toda essa fundamentaccedilatildeo estaacute na fusatildeo da linguagem videograacutefica com
a fotograacutefica do cinema Ao inveacutes de ampliar a visatildeo da rapidez das coisas tenta-se
reduzir o que ocorre agrave nossa volta em conceitos voltado aos meios artiacutesticos
11 Interfaces cinema e publicidade
Com o intuito de construir um sentido proacuteprio para cada filme o cinema atua em
momentos esparsos e depende da disposiccedilatildeo do espectador para que a obra fiacutelmica seja
consumida Em contrapartida a televisatildeo oferece uma programaccedilatildeo diversificada sem
interrupccedilotildees 24h por dia Assim o espectador recebe informaccedilotildees se diverte com
seriados novelas e filmes sem sair de casa
Percebe-se que a origem do discurso nunca eacute autocircnoma mas sim dependente de
outros discursos em que buscou referecircncia Bliskstein (1994 p45) constata que
―suportado por toda uma intertextualidade o discurso natildeo eacute falado por uma uacutenica voz mas
por muitas vozes geradoras de muitos textos que se intercruzam no tempo e no espaccedilo
Na deacutecada de 60 Kristeva introduziu o termo intertextualidade como uma traduccedilatildeo
para ―dialogismo que se refere agrave relaccedilatildeo entre um enunciado e os demais enunciados De
acordo com Stam (2003) a intertextualidade eacute um conceito de valor na medida em que
possibilita relacionar o texto individual com as demais formas de representaccedilatildeo natildeo
somente com outros textos
Intertextualidade eacute vista por Fiorin (2002) como a forma de incorporar um texto em
outro aleacutem de ser polecircmica quando propotildee uma oposiccedilatildeo ao sentido do texto original ou
contratual quando o reforccedila e o enaltece Assim sendo a intertextualidade polecircmica eacute
conhecida como paroacutedia enquanto a intertextualidade contratual como paraacutefrase Aleacutem
disso classifica tambeacutem em
citaccedilatildeo (referecircncia literal a outro texto usando parte deste) alusatildeo (reproduccedilatildeo
de construccedilotildees sintaacuteticas substituindo algumas figuras do texto original por
outras) e estilizaccedilatildeo (reproduccedilatildeo do estilo de outrem no plano da expressatildeo ou
no do conteuacutedo) (FIORIN apud COVALESKI 2009 p 39)
19
A seguir uma abordagem mais detalhada de cada uma das relaccedilotildees intertextuais
entre o cinema e a publicidade televisual na visatildeo de Covaleski (2009)
a) citaccedilatildeo a publicidade desfruta desse recurso criativo com maestria Uma uacutenica
obra cinematograacutefica pode originar uma grande variaccedilatildeo de citaccedilotildees ancoradas
a uma mesma cena claacutessica evidentemente emblemaacutetica contundente o
bastante para se tornar perene no imaginaacuterio coletivo transpondo barreiras
culturais e temporais Pode-se citar como exemplo a cena emblemaacutetica em que
a atriz Marilyn Monroe tem sua saia levantada devido ao deslocamento de ar
durante a passagem do metrocirc no filme O Pecado Mora ao Lado (The Seven
Year Itch de Billy Wilder ndash 1955) Essa cena muito conhecida jaacute foi usada
diversas vezes e de diferentes formas pela publicidade Exemplo disso foi a
colocaccedilatildeo de uma saia ndash a la Marilyn ndash em garrafas de vodka da marca
Absolut
b) alusatildeo mais sutil que a citaccedilatildeo remete a uma obra anterior poreacutem sem fazer
uso de fragmentos dela Utiliza somente uma construccedilatildeo equivalente
substituindo determinadas figuras por outras A alusatildeo recorrente no cinema eacute
facilmente percebida em filmes que pertencem a um mesmo gecircnero
cinematograacutefico Na publicidade a intertextualidade com o cinema utilizando a
alusatildeo aparece em comerciais de anunciantes dos mais diferentes segmentos de
mercado bem como os filmes de onde saiacuteram as inspiraccedilotildees pertencem aos
mais diversos gecircneros O filme francecircs O Fabuloso Destino de Ameacutelie Poulain
(Le Fabuleux Destin drsquoAmeacutelie Poulain de Jean-Pierre Jeunet - 2001) eacute uma
obra com clara influecircncia da linguagem publicitaacuteria Muito disso se deve
devido agrave vivecircncia de Jeunet em meio agrave publicidade Eacute o caso deste trabalho jaacute
que Fernando Meirelles trabalhou com publicidade antes de seguir carreira no
cinema Um exemplo de alusatildeo a este filme se percebe na campanha do
automoacutevel Renault Sceacutenic ndash um anatildeo de jardim eacute sequumlestrado por um grupo de
amigos e aprova seu novo endereccedilo mandando uma carta agrave sua antiga dona
avisando que natildeo voltaraacute mais para casa Deste modo a campanha faz alusatildeo
ao argumento de liberdade explorado na obra francesa
c) estilizaccedilatildeo ato de reproduzir um conjunto de procedimentos de caracteriacutesticas
de formas e de conteuacutedos do discurso de outrem Eacute recorrer agrave estrutura seja no
20
plano da expressatildeo ou no do conteuacutedo produzindo um efeito de
personalizaccedilatildeo muito embora remeta a obra anterior independente de
estabelecer uma relaccedilatildeo polecircmica ou contratual com aquela A estilizaccedilatildeo
intertextual na publicidade com referencial cinematograacutefico eacute constante e
ultrapassa o uso apenas dos elementos de linguagem cinematograacutefica Alguns
filmes publicitaacuterios utilizam em suas produccedilotildees as teacutecnicas de trucagem1 se
aproveitam dos efeitos especiais e ateacute dos estilos lanccedilados pelo cinema Um
bom exemplo dessa estilizaccedilatildeo encontra-se em um comercial da Samsung que
se utilizada da mesma esteacutetica tecnoloacutegia e uso de efeitos especiais do filme
Matrix (The Matrix de Andy e Larry Wachowski - 1999)
No Brasil de acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber tambeacutem um
caminho oposto a esta intertextualidade Cada vez mais a publicidade interfere na atual
produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este papel de fonte de
referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem audiovisual nas
produccedilotildees contemporacircneas como eacute o caso dos filmes ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus
―O Jardineiro Fiel e ―Ensaio sobre a Cegueira de Fernando Meirelles
1 Trucagem A accedilatildeo de modificar imagens previamente filmadas ao vivo tanto em sua forma (cor e
tamanho) como na ordem de sua projeccedilatildeo (congelamento aceleraccedilatildeo inversatildeo) Satildeo possiacuteveis tambeacutem a
superposiccedilatildeo de letreiros a fusatildeo (teacutecnica de escurecer uma cena ao mesmo tempo em que outra vai
surgindo provocando a sobreposiccedilatildeo de uma sobre a outra) e outros efeitos especiais O equipamento
utilizado eacute a truca Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbrmidiaartequadroaquadro gt Acesso em 14
Jun 2010
21
2 A fotografia na esteacutetica audiovisual
A palavra fotografia vem do grego foacutes (luz) e grafis (estilo pincel) ou
grafecirc e significa desenhar com luz e contraste Natildeo eacute possiacutevel definir um uacutenico
inventor pois foram vaacuterios os responsaacuteveis pela sua origem Em 1826 o francecircs Joseph
Niceacutephore Nieacutepce teve sua imagem reconhecida como a primeira fotografia tal imagem
foi produzida mediante o uso de uma placa de estanho coberta com um derivado de
petroacuteleo fotossensiacutevel chamado Betume da Judeacuteia O processo de exposiccedilatildeo agrave luz solar
chamado de heliografia durava cerca de oito horas para que a imagem fosse obtida
Neste mesmo periacuteodo Louis Daguerre deu continuidade aos experimentos
fotograacuteficos de Joseph Niceacutephore Nieacutepce fato este que lhe concedeu uma descoberta
decisiva Em 1835 Daguerre apanhou uma placa revestida de prata sensibilizada com
iodeto de prata que apesar de exposta natildeo apresentava sequer vestiacutegios de imagem
guardou-a displicentemente em um armaacuterio e ao abri-lo no dia seguinte encontrou uma
imagem revelada Fez experiecircncias por eliminaccedilatildeo com os outros produtos que estavam
no armaacuterio para descobrir que a imagem latente tinha sido revelada por accedilatildeo do mercuacuterio
Logo apoacutes o falecimento de Niegravepce Daguerre desenvolveu um processo
conhecido como daguerreotipia no qual era possiacutevel reduzir o tempo de revelaccedilatildeo de
horas para minutos devido a utilizaccedilatildeo de vapor de mercuacuterio Daguerre descreveu seu
processo agrave Academia de Ciecircncias e Belas Artes na Franccedila e logo depois requereu a
patente do seu invento na Inglaterra Breslin possibilita um melhor entendido deste
processo
Os daguerreoacutetipos inventados em 1839 foram os primeiros dentre os processos
fotograacuteficos iniciais a se tornar comercialmente disponiacuteveis O processo utiliza
placas uacutemidas que satildeo placas de cobre cobertas por uma emulsatildeo fotossensiacutevel
agrave base de prata As placas eram reveladas em campo enquanto ainda uacutemidas
criando um negativo Os negativos entatildeo podiam ser trazidos de volta ao
estuacutedio onde um pedaccedilo de papel fotograacutefico era assentado sobre a emulsatildeo do
negativo e exposto ao sol A luz do sol expunha a impressatildeo que era fixada (isto
eacute estabilizada por uma processo quiacutemico) e lavada (BRESLIN 2009 p26)
Jaacute em 1839 o britacircnico William Fox Talbot ao tomar conhecimento dos avanccedilos
de Daguerre decidiu apressar a apresentaccedilatildeo de suas pesquisas com papeacuteis fotossensiacuteveis
agrave Royal Institution e agrave Royal Society com o intuito de garantir os direitos sobre suas
invenccedilotildees No entanto Talbot desenvolveu um processo diferente denominado caloacutetipo -
utilizava folhas de papel cobertas com cloreto de prata que posteriormente eram colocadas
22
em contato com outro papel produzindo assim a imagem positiva Trata-se de um
processo semelhante ao usado atualmente em que utiliza-se um negativo para a obtenccedilatildeo
posterior de imagens positivas
A fotografia entatildeo popularizou-se como produto de consumo a partir de 1888 com
a introduccedilatildeo da cacircmera tipo caixatildeo e pelo filme em rolos substituiacuteveis criados por
George Eastman Desde entatildeo o mercado fotograacutefico tem experimentado uma crescente
evoluccedilatildeo tecnoloacutegica como o estabelecimento do filme colorido como padratildeo e o foco
automaacutetico ou exposiccedilatildeo automaacutetica Essas inovaccedilotildees sem duacutevida facilitam a captaccedilatildeo da
imagem melhoram a qualidade de reproduccedilatildeo ou a rapidez do processamento mas muito
pouco foi alterado nos princiacutepios baacutesicos da fotografia
A grande mudanccedila recente produzida a partir do final do seacuteculo XX foi a
digitalizaccedilatildeo dos sistemas fotograacuteficos A fotografia digital mudou paradigmas no mundo
da fotografia minimizando custos reduzindo etapas acelerando processos e facilitando a
produccedilatildeo manipulaccedilatildeo armazenamento e transmissatildeo de imagens pelo mundo O
aperfeiccediloamento da tecnologia de reproduccedilatildeo de imagens digitais tem quebrado barreiras
de restriccedilatildeo em relaccedilatildeo a este sistema por setores que ainda prestigiam o tradicional filme
e assim irreversivelmente ampliando o domiacutenio da fotografia digital
Natildeo se pode esquecer de salientar que a partir de tais descobertas no ramo da
fotografia eacute que foi possiacutevel a invenccedilatildeo do cinema O instantacircneo a possibilidade de
congelar um instante no fluxo contiacutenuo dos acontecimentos soacute se torna possiacutevel de fato
com o advento da fotografia Sendo assim os estudos de Muybrigde referentes aos
instantacircneos sucessivos associada ao aparato do fuzil fotograacutefico de Marey iratildeo resultar na
invenccedilatildeo do cinema Sabe-se que o cinema confere agrave imagem uma continuidade aparente
pois na verdade trata-se de uma seacuterie de instantacircneos separados por intervalos poreacutem aos
sentidos ele se apresenta de forma lisa e fluida como a proacutepria natureza do movimento
Machado acrescenta que
O cinema mesmo o cinema stricto sensu ou seja o cinema que se constitui a
partir do cinematoacutegrafo de LeRoy Edison Paul Skladanwsky e dos Lumiegravere
natildeo era nos seus primoacuterdios o que hoje chamamos de cinema Ele reunia na
sua base de celuloacuteide vaacuterias modalidades de espetaacuteculos derivadas das formas
populares de cultura como circo o carnaval a magia e a prestidigitaccedilatildeo a
pantomima a feira de atraccedilotildees e aberraccedilotildees etc (MACHADO 1997 p 76)
No iniacutecio os filmes eram de curta duraccedilatildeo nos quais o puacuteblico era composto
basicamente de operaacuterios As exibiccedilotildees eram realizadas em grandes galpotildees durante o
23
intervalo de serviccedilo do proletariado Machado (1997 p79) explica que o cinema era uma
em diversas atraccedilotildees oferecidas pelos vaudevilles pois ―natildeo se havia ainda desenvolvido
um conjunto de teacutecnicas e procedimentos de linguagem apropriados para a elaboraccedilatildeo de
uma narrativa visual que fosse suficientemente autocircnoma a ponto de poder se dispensar a
―explicaccedilatildeo de um apresentador
Atualmente pensa-se primeiramente em imagens forma-se um raciociacutenio a partir
de mosaicos audiovisuais que possibilitam um dado significado Tal modelo de
pensamento atraveacutes da imagem tecnoloacutegica deve-se ao conjunto de referecircncias
adquiridas
Assim sendo a fotografia possui papel fundamental na linguagem audiovisual
Sabe-se que a foi a partir da fotografia que se tornou possiacutevel agrave invenccedilatildeo do cinema
Dubois (2004) assegura que
Com a fotografia a maacutequina natildeo se contenta mais em preacute-ver ela inscreve
tambeacutem a imagem por meio das reaccedilotildees fotossensiacuteveis de certos materiais que
registram por si mesmos as aparecircncias sensiacuteveis geradas pela radiaccedilatildeo luminosa
A maacutequina intervecircm aqui portanto no coraccedilatildeo mesmo do processo de
constituiccedilatildeo da imagem que aparece assim como representaccedilatildeo quase
automaacuteticalsquo objetivalsquo sine manu factalsquo O gesto humano passa a ser mais um
gesto de conduccedilatildeo da maacutequina do que de figuraccedilatildeo direta (DUBOIS 2004
p38)
Em sua brilhante anaacutelise Barthes evidencia o fato de que a fotografia significa
muito mais uma ruptura do que uma continuidade em relaccedilatildeo agrave pintura Isso porque a
reaccedilatildeo quiacutemica dos sais de prata fotossensiacuteveis mediada pelo aparelho oacutetico que projeta a
imagem eacute colocada no centro do dispositivo de criaccedilatildeo da imagem deslocando o papel do
criador que antes que antes tinha que compor o instante representado a partir de instantes
distintos usando os coacutedigos da pintura para unificar a fatura e agora passava a poder
recortar um instante na sua proacutepria duraccedilatildeo com o uso da fotografia Dubois acrescenta
que tal uso
abandona o tempo crocircnico real evolutivo o tempo que passa como um rio
nosso tempo dos seres humanos inscritos na duraccedilatildeo para entrar em uma
temporalidade nova separada e simboacutelica a da foto temporalidade que tambeacutem
dura tatildeo infinita em princiacutepio quanto a primeira mas infinita na imobilidade
total congelada na interminaacutevel duraccedilatildeo das estaacutetuas (DUBOIS 1993 p168)
Com a invenccedilatildeo do instantacircneo fotograacutefico a pose a produccedilatildeo a composiccedilatildeo
elementos proacuteprios agrave linguagem da pintura figurativa satildeo subvertidas datildeo lugar tambeacutem
ao efecircmero ao flagrante agrave espontaneidade
Durante o seacuteculo XIX a fotografia buscou ancorar-se na esteacutetica proacutepria agrave pintura
para almejar sua entrada no panteatildeo das Belas-Artes em um movimento chamado pela
24
historiografia de pictorialismo Como bem analisou Walter Benjamin em sua Pequena
Histoacuteria da Fotografia de 1931 esse movimento se revelou improdutivo jaacute que os
fotoacutegrafos buscavam encaixar-se nos mesmos padrotildees de valoraccedilatildeo esteacutetica que foram
subvertidos com a invenccedilatildeo da fotografia
O discurso sobre a fotografia no seacuteculo XIX ainda estaacute muito contaminado por
valores esteacuteticos que consideram a teacutecnica em oposiccedilatildeo agrave arte ou na melhor das hipoacuteteses
como uma mera serviccedilal da arte Mas a proacutepria invenccedilatildeo da fotografia primeira forma de
produzir imagens completamente mediada pela teacutecnica na qual o ―laacutepis da Natureza
(Talbot) age sozinho sem a ajuda da matildeo do homem estava subvertendo completamente
os valores vigentes instaurando uma estreita ligaccedilatildeo entre teacutecnica e arte
Trazer a teacutecnica para o primeiro plano eacute uma das transformaccedilotildees mais radicais que
a imagem fotograacutefica instaura no campo da produccedilatildeo de imagens Esse tipo de imagem
criada por um aparelho chamada por Vileacutem Flusser de ―imagem teacutecnica foi capaz de
superar oposiccedilotildees vazias entre arte e teacutecnica
Com a virada para o seacuteculo XX se inicia um movimento de valorizaccedilatildeo da
fotografia por suas peculiaridades constitutivas advindas de seu proacuteprio mecanismo de
inscriccedilatildeo da imagem a instantaneidade o corte a conexatildeo fiacutesica com o referente A
chamada fotografia moderna se estabelece em duas frentes nas vanguardas europeacuteias e no
movimento chamado Photo Secession que ocorreu nos Estados Unidos8
A obra de Henri Cartier-Bresson eacute das mais importantes para a afirmaccedilatildeo da
fotografia por suas qualidades constitutivas Ele percebeu a potencialidade do aparato e o
foi um dos primeiros a usar uma cacircmera compacta de pequeno formato para sacar
instantes da realidade ainda na deacutecada de 1930 Com o tempo amadureceu uma filosofia
do chamado ―instante decisivo Para ele o fotoacutegrafo eacute como um flaneur que vaga pelo
mundo em busca daqueles raros momentos em que todos os elementos do enquadramento
se alinham em sua maacutexima expressatildeo dando agrave narrativa um potencial de siacutentese
A partir dessa reflexatildeo pode-se dizer que a fotografia audiovisual possibilita
transmitir ao espectador uma verossimilhanccedila com a realidade A anaacutelise da fotografia no
cinema se faz a partir do conhecimento dos elementos que a compotildee e suas variaccedilotildees
Assim cada elemento seraacute tratado separadamente para que seja possiacutevel uma melhor
explanaccedilatildeo de cada componente da fotografia audiovisual
25
21 Iluminaccedilatildeo
De acordo com Sousa (2004) eacute intuitivo afirmar que no momento em que se
ilumina um determinado objetopersonagem em detrimento de outros revela-se apenas
aquele que estaacute exposto agrave luz No entanto essa natildeo eacute a uacutenica contribuiccedilatildeo da iluminaccedilatildeo
para a construccedilatildeo de sentido a uma imagem Aleacutem disso eacute responsaacutevel por transmitir
noccedilotildees de profundidade e de relevo Segundo Roberts-Breslin (2009) eacute atraveacutes da
iluminaccedilatildeo que satildeo criados os padrotildees de luz e sombra que datildeo sentido ao nosso mundo
como tambeacutem o alto contraste do sol do meio-dia ou o baixo contraste monocromaacutetico
num dia chuvoso Aumont (2004) acrescenta que
A luz no cinema estaacute sempre ali e ateacute mesmo duplamente ali jaacute que a luz do
projetos ndash a luz depois do filme ndash serve para mostrar a luz registrada tal como
ela caiacutea sobre as coisas filmadas ndash a luz de antes do filme Haacute entre as duas uma
conivecircncia inextinguiacutevel jaacute reconhecida aqui mesmo em sua forma negativa ndash o
escuro - e que nutriu com frequecircncia a fantasia (em Murnau em Sternberg ou
Godard) de que uma natildeo eacute senatildeo a continuaccedilatildeo da outra por outros meios
Consequumlecircncia articulaccedilatildeo da diferenccedila a luz do quadro natildeo teve de ser
produzida realmente a do filme foi real Diferenccedila ontoloacutegica que se duplica em
outra infinitamente contingente poreacutem sensiacutevel a luz utilizada na produccedilatildeo do
filme eacute uma luz eleacutetrica seu aspecto eacute particular variaacutevel aliaacutes ao longo da
histoacuteria do cinema (AUMONT 2004 p 172)
As condiccedilotildees de iluminaccedilatildeo satildeo capazes de indicar a hora do dia a eacutepoca do ano e
a parte do planeta em que a imagem estaacute sendo reproduzida A luz ―empresta um tom a um
lugar ou experiecircncia ndash o brilho suave e romacircntico de uma vela as inesperadas e
desconhecidas sombras da noite a firme e escura melancolia do crepuacutesculo do inverno
ou seja possibilita a criaccedilatildeo de um determinado clima agrave cena (Breslin 2009 p87) Moura
afirma que
A fotografia em nada se diferencia da natureza Todas as luzes e efeitos estatildeo agrave
mostra para o olho educado Os efeitos dos filtros os contrastes das luzes as
densidades das cores tudo e todos estatildeo na natureza agrave vista de quem quiser ver
Se vocecirc prestar atenccedilatildeo ao tipo de luz que o sol gera saberaacute qual refletor de
quanto como e onde colocar Se vocecirc se abstrair do tamanho do sol e se
concentrar no efeito da sua luz poderaacute intuir a direccedilatildeo a natureza e a
intensidade da luz que vocecirc precisaraacute para ter o mesmo resultado Afinal de
contas o sol tem que iluminar a terra toda e noacutes soacute um pequeno estuacutedio As
diferenccedilas de tamanho satildeo irrelevantes para o raciociacutenio Para se chegar ao
pequeno partimos do grande Nada no pequeno mundo da fotografia inexiste no
vasto mundo de todos noacutes Talvez a uacutenica coisa que possamos criar e que jaacute natildeo
exista em escala maior e em melhor forma na natureza seja a escrita (MOURA
2001 p 20)
Breslin (2009 p88) acredita que a luz consiste na base da miacutedia visual pois
―tecnicamente a luz fornece a energia que nos permite reproduzir uma imagem
Esteticamente a luz junto com a composiccedilatildeo revela verdades e mentiras criando beleza e
26
feiura dentro do quadro Para Martin (2003 p 71) a iluminaccedilatildeo eacute o ―fator decisivo da
expressividade da imagem poreacutem sua importacircncia natildeo eacute percebida pelo espectador
devido ao fato de possibilitar a criaccedilatildeo de uma atmosferalsquo elemento este dificilmente
analisaacutevel
As sombras criadas com a iluminaccedilatildeo ―ajudam a transmitir profundidade clima e
lugar mas devem ser cuidadosamente controladas A iluminaccedilatildeo na verdade pode ser
definida como lanccedilar e controlar as sombrasrdquo (BRESLIN 2009 p95) Sendo assim a
luz possui vaacuterias caracteriacutesticas essenciais qualidade direccedilatildeosentido contraste
uniformidade cor e intensidade
Conforme Sousa (2004) a qualidade da luz refere-se principalmente ao tipo de
sombra que um objeto iluminado produz seja ela dura e definida ou suave a gradual
Breslin (2009) confirma tal classificaccedilatildeo ao dizer que
A qualidade de uma fonte de luz tem a ver com o modo como as ondas
percorrem o espaccedilo Se elas o fazem em linha reta a partir da fonte ateacute iluminar
o objeto satildeo refletidas de volta para a lente de um olho ou cacircmera em linhas
similarmente retas Isso produz luz dura direta ou localizada A energia
luminosa cobre uma aacuterea relativamente pequena mas manteacutem a intensidade ou
brilho maacuteximos A luz direta enfatiza a textura (BRESLIN 2009 p92)
A autora acrescenta que a luz que atinge um objeto pode ser dura ao produzir
sombras nitidamente definidas e partes mais claras distintas Jaacute quando produz partes
claras e sombras sutis e com uma borda menos definida ela eacute classificada como uma luz
suave Assim a luz comeccedila direta mas suas ondas podem desviar ou refletir de uma a
outra superfiacutecie ateacute que encontram o seu caminho para a lente Dependendo do caminho
percorrido se ―produz luz suave difusa ou lavada Uma fonte de luz difusa cobriraacute uma
aacuterea grande mas eacute menos intensa ou brilhante do que a mesma quantidade inicial de luz
direta na mesma distacircncia do objeto (BRESLIN 2009 p93)
Salles (2006) ressalta que ao iluminar artificialmente uma cena qualquer os planos
de composiccedilatildeo de luz desta cena devem ser cuidadosamente elaborados a fim de que a
fotografia do filme esteja em harmonia esteacutetica com o roteiro e sua proposta
22 Cor
Durante praticamente quarenta anos o cinema se manteve em preto e branco
Qualidade natural dos seres e objetos a cor possibilita maior realismo nas obras fiacutelmicas
pois aumenta a veracidade da imagem
27
Sendo assim a partir de um trabalho manual dos teacutecnicos que coloriam os filmes agrave
matildeo ou com o auxiacutelio de paletas eacute que se tornou possiacutevel colocar cor nas telas mediante
muito trabalho Experiecircncias foram realizadas e tomou-se conhecimento de uma nova
teacutecnica os chamados ―banhos onde a peliacutecula era tingida com cores uniformes com o
intuito de atribuir tanto realismo quanto simbolismo Basicamente era usado azul para
designar a noite e amarelo para as cenas de interiores agrave noite enquanto que para
simbolizar os incecircndios e as revoluccedilotildees optava-se pelo vermelho e para as matas e
paisagens a cor verde (MARTIN 2003) A bicromia e a tricomia comeccedilaram a serem
utilizadas em meados dos anos 30 No entanto eacute apenas na metade dos anos 50 que a cor
passou a ser usada de forma generalizada
Natildeo se pode negar que a cor possui um papel fundamental na composiccedilatildeo da
fotografia cinematograacutefica A partir de sua utilizaccedilatildeo torna-se possiacutevel representar a
realidade com mais perfeiccedilatildeo e precisatildeo Aumont (2003 p63) acrescenta que ―apesar da
especificidade da cor no cinema o modelo criacutetico e esteacutetico foi quase sempre a pintura
Esta circulou enormemente no imaginaacuterio fiacutelmico em trecircs grandes formas a
ficcionalizaccedilatildeo a imitaccedilatildeo e a anaacutelise sendo a base para as futuras produccedilotildees
audiovisuais Contudo o autor ressalta que
a ausecircncia de leis gerais e verificaacuteveis explica a ausecircncia quase total de reflexatildeo
teoacuterica sobre a cor na imagem em movimento As uacutenicas consideraccedilotildees agraves
vezes propostas no tocante ao valor simboacutelico ou expressivo da cor (o vermelho
como siacutembolo de guerra ou de paixatildeo o azul bem como o azul-celeste para a
paz o violeta associado agrave lamentaccedilatildeo funeraacuteria etc) Como tais valores satildeo bem
variaacuteveis conforme as culturas e as eacutepocas Eacute difiacutecil fazer uma teoria deles e a
esteacutetica da cor no cinema confunde-se praticamente com a constataccedilatildeo de
estilos pessoais ou de efeitos de gecircnero (AUMONT 2003 p63)
Ainda em relaccedilatildeo ao uso das cores fala-se em harmonia e contraste cromaacutetico A
harmonia ocorre quando em uma imagem existem cores proacuteximas (laranja amarelo
torrado amarelo e vermelho) Jaacute ao mencionar contraste cromaacutetico se refere quando na
imagem existem cores contrastantes (azul vs Vermelho amarelo vs Violeta por
exemplo) Contudo Sousa (2004) revela outras maneiras de evidenciar contraste
cromaacutetico (a) contraste de cores fortes com cores neutras (por exemplo vermelho vivo vs
cinzento claro) (b) complementaccedilatildeo entre cores claras e cores escuras (por exemplo o
amarelo-limatildeo faz o azul marinho parecer mais escuro) (c) contraste entre tons intensos
da mesma cor (o vermelho carregado contrasta com o vermelho claro)
Sousa (2004) acrescenta que eacute possiacutevel expressar quietude e tranquumlilidade ao
recorrer agrave harmonia cromaacutetica de cores quentes suaves como o castanho-terra suave e o
28
amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada
diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis
Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de
ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem
teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas
especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade
Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores
satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada
espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos
valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem
23 Enquadramentos
O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que
determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo
que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores
O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada
Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira
como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave
objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela
Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos
teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos
notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena
mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar
mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico
Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o
tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos
objetos que constituem a cena
Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees
possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de
detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar
Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma
29
―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para
a tela
231 Planos
O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre
dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no
qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute
determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da
objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da
narrativa que se pretende obter
Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada
autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute
possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos
planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o
observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta
planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os
intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro
plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens
plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por
exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA
(2004 p67-68)
A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano
Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade
fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte
1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro
2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos
joelhos para cima ou da cintura para cima
3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um
pouco abaixo
4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima
5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator
6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na
altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas
30
232 Acircngulos de Filmagem
De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto
que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir
um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo
superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto
que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade
No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de
baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de
superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e
do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do
personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele
em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador
233 Movimentos de Cacircmera
Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por
Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da
ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental
de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a
descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou
uma personagem
Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de
cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o
deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem
constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A
panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio
eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a
trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com
o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural
Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou
complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir
de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um
―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena
31
3 O cinema de autor
No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria
recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas
produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo
(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na
tela diferentes percepccedilotildees diante da trama
Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de
vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de
variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao
participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim
conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro
Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista
produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete
instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs
Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo
No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)
juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores
(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os
produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do
filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas
No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith
4
Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico
2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do
cinema mudo
3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano
um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas
4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de
Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o
movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o
filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)
5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro
de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia
de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou
em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia
32
devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e
dirigindo na publicidade de seus filmes
Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica
quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na
―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do
existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do
autor
Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-
sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e
substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a
atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando
que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo
metafiacutesicas (STAM 2003 p111)
Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo
que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi
responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou
a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras
refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica
abordando o ato de fazer e assistir a um filme
Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita
sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de
determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a
mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais
cineastas
Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers
Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica
Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes
que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar
conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as
filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios
seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma
simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)
Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do
Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os
grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas
6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem
como no sete de filmagem
33
como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o
suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e
o puacuteblico como seu divertimento
Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no
cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes
nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees
inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo
autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de
caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor
(COVALESKI 2009 p83)
Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o
contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa
eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a
obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma
noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a
outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI
2009 p 84)
Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute
responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo
do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute
responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas
necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo
com Bernardet
Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua
maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um
filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que
preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em
perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)
O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem
traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na
direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas
optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas
uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na
direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta
34
Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora
diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior
originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade
crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais
Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de
autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para
Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do
discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia
Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e
situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi
apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser
considerado como tal
O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica
com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra
determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem
defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos
paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor
Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja
autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de
1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e
Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de
presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de
suas matildeos
Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo
(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do
curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos
experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar
Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo
Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se
tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila
Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras
produtoras independentes do paiacutes
No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute
que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal
35
Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam
de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que
Meirelles considera ter feito em sua vida
No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas
publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos
que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar
notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar
e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas
da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para
natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar
em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade
Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a
produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando
Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2
Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no
mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios
internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca
de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio
Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede
Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura
completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um
departamento juriacutedico aacutegil
Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme
foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes
selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival
Internacional de Rotterdam
O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de
20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores
no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais
Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo
internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores
filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro
indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o
filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta
36
Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado
como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no
manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a
pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo
sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No
entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional
Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao
levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner
o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na
categoria de Melhor Diretor
Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando
Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do
romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O
filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14
de maio de 2008
37
4 Metodologia
A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando
compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria
nos filmes de Fernando Meirelles
Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave
argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise
detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades
sociais
Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo
aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de
entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira
indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o
caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como
objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro
Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra
selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes
representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a
esteacutetica publicitaacuteria
Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que
seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem
fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de
expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica
Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do
conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia
e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise
a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e
organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir
das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)
interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em
funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo
Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise
fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra
que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da
38
linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa
fiacutelmica
Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo
1 Preacute-anaacutelise
a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor
enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)
2 Descriccedilatildeo Analiacutetica
a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos
3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando
em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes
Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute
necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo
haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica
efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo
pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando
necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que
considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde
que natildeo descarte as antecedentes
39
5 Anaacutelises
Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica
publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel
a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica
descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo
estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a
narrativa de cada um dos filmes
Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de
Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)
51 Domeacutesticas
Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas
40
Sinopse
Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de
Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada
Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa
sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar
de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute
Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida
Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com
um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por
missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a
mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que
satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se
estivessem dando uma espeacutecie de depoimento
Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas
aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de
emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o
outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das
domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo
Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo
encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas
por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do
plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave
novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um
sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da
profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento
cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes
publicitaacuterios
41
Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas
(Plano aberto e plano conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas
com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal
Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos
lateralizados
A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em
plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo
pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee
possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem
disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco
conotando mais tristeza agrave cena
Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e
cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como
acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute
limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera
tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no
estacionamento do preacutedio
Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em
que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a
personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o
deslocamento da personagem daquele mundo
42
Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas
(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de
serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves
tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas
com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)
Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em
um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um
domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao
casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte
observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre
sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o
responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua
profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela
As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena
No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo
agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute
43
devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de
nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude
alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade
sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento
Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as
personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo
O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo
vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das
diversas dificuldades no seu dia-a-dia
O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano
meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em
meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave
criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)
isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo
dos exageros
Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna
da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores
quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde
44
e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila
dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme
Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas
52 Cidade de Deus
Sinopse
O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro
protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou
um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a
estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto
de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante
amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente
suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num
ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele
descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se
fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista
do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos
45
principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria
mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um
mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute
Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro
dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto
Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos
bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute
usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute
centralizada e em leve plongeacutee
Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no
46
comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo
frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas
casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e
suave
A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do
traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na
criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar
perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-
plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem
Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano
geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo
compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando
naturalidade
Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)
47
Iluminaccedilatildeo e cor
Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo
deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute
observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa
frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo
pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo
Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste
elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem
a funccedilatildeo de criar um visual expressivo
Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente
natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a
inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre
dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na
cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute
ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo
consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena
interna e provavelmente noturna
Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua
maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais
frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo
com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute
amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute
modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos
48
periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo
publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama
Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante
Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com
a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um
material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a
imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee
com armas em punho apontadas para os policiais
Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela
49
Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus
53 O Jardineiro Fiel
Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel
50
Sinopse
O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em
Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa
uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem
aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para
substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes
um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute
transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu
idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a
trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin
acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir
na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de
amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa
estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional
envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em
seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a
disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no
Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e
ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar
como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se
para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final
bastante diferente do que seria esperado
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a
imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia
de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio
em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao
lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar
para se proteger
Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem
Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em
51
plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades
azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um
embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em
plongeacutee e plano aberto em conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na
figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A
imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano
aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo
dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais
amenos frios
Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada
retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao
receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade
possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento
As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a
imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua
52
Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em
leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens
contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante
natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel
perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral
aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores
quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave
luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem
composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local
em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo
A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela
cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A
impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena
que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma
53
desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do
ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas
sim no seu proacuteprio lucro
Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de
ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir
contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis
por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele
seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com
movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma
arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite
suavidade e calor agrave cena
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel
(variaccedilatildeo entre suave e dura)
Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando
com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na
lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em
equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira
imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais
onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena
54
ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens
em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)
ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem
possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua
composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)
como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel
54 Ensaio sobre a Cegueira
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira
55
Sinopse
O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que
atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas
passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no
tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados
em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a
lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a
uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que
juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute
baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com
o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de
cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo
manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O
enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para
a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e
branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria
compotildee as cenas da trama
Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento
panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da
trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade
esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o
motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa
ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais
Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o
motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo
adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de
quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia
56
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
57
Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
58
A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
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do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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64
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XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e
Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003
65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
4
Agradecimentos
Em primeiro lugar quem merece todo meu reconhecimento eacute a minha famiacutelia Em
especial minha Matildee a pessoa mais importante da minha vida e responsaacutevel pelo que sou
por sempre ter acreditado em mim e me apoiado em minhas decisotildees Aos meus familiares
deixo aqui meu muito obrigada pela confianccedila pelo apoio e pela compreensatildeo
Agradeccedilo ainda a famiacutelia formada durante a graduaccedilatildeo aos queridos amigos que
tornaram essa jornada mais alegre e interessante Obrigada por fazerem parte dessa
aventura junto comigo
Ofereccedilo minhas palavras de gratidatildeo agrave minha orientadora Patriacutecia Iuva que ao meu
lado ajudou a construir esse trabalho Agrave professora Taiacutes Ghisleni que me acompanhou
durante o uacuteltimo ano de faculdade atraveacutes da monitoria e soube compreender minhas
duacutevidas sempre com palavras de apoio
Agradeccedilo aos demais mestres responsaacuteveis pela minha formaccedilatildeo Estendo esse
agradecimento a todos que de alguma forma contribuiacuteram para que hoje este sonho se
tornasse realidade
Aos meus amigos queridos que souberam me ouvir pelo incentivo constante e por
estarem sempre presentes nos momentos mais importantes pelos gestos de amizade
Agradeccedilo a Deus por estar sempre presente na minha vida e tornar tudo possiacutevel
5
RESUMO
Este estudo tem como objetivo analisar a fotografia audiovisual mais especificamente na
sua relaccedilatildeo com o a autorialidade de Fernando Meirelles Busca-se compreender como o
autor constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria na fotografia de seus filmes a qual se configura
atraveacutes da interface publicidade e cinema Para isso construiu-se como corpus de anaacutelise
frames ou seja fragmentos de quatro filmes que foram analisados de modo a compreender
a construccedilatildeo e a relaccedilatildeo de sua expressividade bem como seu vieacutes publicitaacuterio A
dimensatildeo da publicidade delineou o foco da pesquisa uma vez que se anseia pela anaacutelise
do caraacuteter publicitaacuterio da fotografia audiovisual Para tanto a relaccedilatildeo existente entre a
esteacutetica audiovisual e a linguagem videograacutefica responsaacutevel pela construccedilatildeo de uma
esteacutetica publicitaacuteria evidenciada na obra fiacutelmica
Palavras-chave fotografia audiovisual esteacutetica publicitaacuteria cinema autoral interfaces
publicidade cinema
ABSTRACT
The objective of this study to analyze the photograph audiovisual more specifically in its
relationship to authorial Fernando Meirelles We seek to understand how the author builds
the aesthetics of advertising photography in his films which is formed through the
interface and cinema advertising For this we constructed a corpus analysis of frames ie
fragments of four films that have been analyzed to understand the relationship building
and its expressivity and its bias in advertising The size of the advertising outlined the
focus of research since it yearns for character analysis audiovisual advertising
photography To this end the relationship between aesthetics and audiovisual video
language responsible for the aesthetics advertising evident in film work
Keywords audiovisual photography advertising aesthetics film copyright interfaces
advertising cinema
6
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas 39
Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas (Plano aberto e plano conjunto) 41
Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas (em sentido horaacuterio
Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal) 42
Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas
quando as personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo 43
Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas 44
Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus (em sentido horaacuterio primeiro meacutedio
em conjunto e dois gerais) 45
Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus (em sentido
horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal) 46
Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus 47
Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus 47
Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela 48
Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus 49
Figura 11 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel 49
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel (em sentido horaacuterio plano meacutedio
em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em plongeacutee e plano aberto em
conjunto)
51
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel (em sentido
horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee) 52
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel (variaccedilatildeo entre suave e dura) 53
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel 54
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a Cegueira 54
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira (Plano geral em conjunto e
grande plano geral) 56
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela
porta de vidro)
56
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira 57
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro
―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel 58
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira 59
7
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO________________________________________________________ 8
1 Linguagem e Esteacutetica Audiovisual________________________________________ 12
11 Interfaces cinema e publicidade________________________________________ 18
2 A fotografia na esteacutetica audiovisual_______________________________________ 21
21 Iluminaccedilatildeo__________________________________________________________ 25
22 Cor_________________________________________________________________ 26
23 Enquadramentos_____________________________________________________ 28
231 Planos_______________________________________________________ 29
232 Acircngulos de Filmagem_________________________________________ 30
233 Movimentos de cacircmera__________________________________________ 30
3 O Cinema de Autor_____________________________________________________ 31
4 Metodologia___________________________________________________________ 37
5 Anaacutelises______________________________________________________________ 39
51 Domeacutesticas__________________________________________________________ 39
52 Cidade de Deus_______________________________________________________ 44
53 O Jardineiro Fiel_____________________________________________________ 49
54 Ensaio sobre a Cegueira_______________________________________________ 54
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS_____________________________________________ 60
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS______________________________________ 63
ANEXOS_______________________________________________________________ 65
8
INTRODUCcedilAtildeO
A esteacutetica publicitaacuteria no cinema surge diante do contexto cultural da diversidade e
da multiplicidade no qual se percebe a fusatildeo entre a linguagem videograacutefica e a fotografia
do cinema Segundo Aumont (1995 p15) ―a esteacutetica do cinema eacute portanto o estudo do
cinema como arte o estudo dos filmes como mensagens artiacutesticas capazes de atrair a
atenccedilatildeo do espectador diante de uma determinada narrativa
O filme como produto cultural de massa atinge puacuteblicos diversificados que
reconhecem os seus coacutedigos suas linguagens e muito dessa adaptaccedilatildeo se deve ao
crescimento da TV e agrave tecnologia do viacutedeo A esteacutetica publicitaacuteria traduz o indiviacuteduo
contemporacircneo multifacetado acostumado com o acuacutemulo cada vez maior de
informaccedilotildees inserido em uma sociedade de massa multimidiaacutetica
A publicidade em relaccedilatildeo agrave sua funcionalidade busca positivar as qualidades e os
atributos dos serviccedilos eou produtos Por meio da persuasatildeo busca vender uma marca
seduzir e influenciar o espectador a consumir um determinado produto ndash tanto no campo
das ideacuteias quanto no campo dos discursos - que representa Nesse sentido ela usa e abusa
de recursos ligados agrave emoccedilatildeo e agrave identificaccedilatildeo sociocultural fazendo com que o
consumidor seja atraiacutedo e se identifique pela criaccedilatildeo Segundo Castells (1999 p22)
―entende-se por identidade a fonte de significado e experiecircncias de um povo
Experiecircncias essas que correspondem ao modo de vida em sociedade aos valores
culturais aos quais os indiviacuteduos estatildeo inseridos e que caracterizam a criaccedilatildeo de tal
identidade Carvalho (1996 p13) acrescenta que ―a publicidade impotildee nas linhas e
entrelinhas valores mitos ideais e outras elaboraccedilotildees simboacutelicas capazes de reformular
as tendecircncias culturais
Enquanto isso o cinema do ponto de vista funcional busca contar uma histoacuteria ndash
ficcional ou natildeo poreacutem como uma produccedilatildeo muitas vezes de entretenimento O objetivo
principal eacute procurar uma identificaccedilatildeo diante de seu puacuteblico divertir emocionar refletir e
transportaacute-los para a tela Stam (2003 p53) destaca que ―o cinema natildeo apenas evidencia o
movimento poeacutetico das coisas do mundo mas traduz as percepccedilotildees modificadas da vida
urbana contemporacircnea criando uma multiplicidade de informaccedilotildees em meio agrave sociedade
de massa Entatildeo como objeto cultural o cinema eacute capaz de entreter e disseminar
ideologias e tendecircncias para um grande nuacutemero de pessoas simultaneamente pois se
caracteriza como um produto coletivo da cultura de massa
9
Este trabalho constroacutei-se no cenaacuterio de interfaces entre publicidade e cinema a
partir da anaacutelise da concepccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria na fotografia dos filmes de
Fernando Meirelles
Vale ressaltar que a fotografia eacute um elemento fundamental na construccedilatildeo da esteacutetica
audiovisual Eacute a partir de sua composiccedilatildeo que o estilo da obra eacute retratado na tela Sendo
assim eacute preciso escolher com cuidado cada um dos componentes fotograacuteficos a fim de se
obter o resultado expressivo desejado Para Martin (2003 p57) a iluminaccedilatildeo ―constitui
um fator decisivo para a criaccedilatildeo da expressividade da imagem Aleacutem disso eacute elemento de
criaccedilatildeo da ―atmosfera da cena A atmosfera cecircnica por sua vez eacute difiacutecil de analisar pois
estaacute atrelada agrave subjetividade ou seja agrave capacidade de percepccedilatildeo de cada espectador tendo
um papel impreciso Natildeo se pode esquecer da utilizaccedilatildeo das cores sejam elas quentes ou
frias conotando reaccedilotildees psicoloacutegicas nos espectadores bem como o contraste cromaacutetico e
luminoso eficaz na significaccedilatildeo de cada cena
De acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber cada vez mais a interferecircncia
da publicidade na atual produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este
papel de fonte de referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem
audiovisual nas produccedilotildees contemporacircneas e diante disso tem-se como objetivo
compreender como o diretor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria na
fotografia de seus filmes Arquiteto por formaccedilatildeo Fernando Meirelles comeccedilou sua
carreira na aacuterea audiovisual realizando viacutedeos experimentais com um grupo de amigos
ainda durante a faculdade Posteriormente fundou a produtora independente Olhar
Eletrocircnico e nunca mais deixou de trabalhar como diretor tanto na publicidade quanto no
cinema No cinema dirigiu os filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O
Jardineiro Fiel (2005) e Ensaio sobre a Cegueira (2008) Esses filmes constituem o objeto
empiacuterico deste trabalho que para alcanccedilar seu objetivo geral busca (1) analisar as
interfaces existentes entre publicidade e cinema (2) estudar a fotografia enquanto
elemento da esteacutetica audiovisual e (3) verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando
Meirelles em seus filmes
Jaacute haacute algum tempo percebe-se um crescente nuacutemero de cineastas com vasta
experiecircncia no mercado publicitaacuterio profissionais que realizaram muitos trabalhos como
diretores de filmes publicitaacuterios e dela migraram para o cinema Possuem portanto uma
visatildeo abrangente da linguagem audiovisual o que possibilita diferentes abordagens
esteacuteticas tanto no cinema quanto na publicidade A existecircncia de profissionais oriundos de
outras aacutereas trabalhando nas produccedilotildees audiovisuais reflete na nova relaccedilatildeo estabelecida
10
entre a noccedilatildeo de arte ciecircncia e tecnologia Esses domiacutenios antes mais distantes agora se
veem envolvidos em processos de troca combinaccedilatildeo fusatildeo Sobre as novas tecnologias
Popper apud Parente (1993) diz que
Em todo caso e em grande parte graccedilas aos novos meacutetodos de transmissatildeo de
imagens e agrave difusatildeo massiva dos conhecimentos e informaccedilotildees entramos no
presente em uma era em que o pensamento teacutecnico e o pensamento simboacutelico se
encontram em que o impacto das novas tecnologias provoca uma mutaccedilatildeo
decisiva na esfera cultural (PARENTE 1993 p213)
Covaleski (2009) acrescenta que tanto a televisatildeo quanto o cinema satildeo os uacutenicos
meios audiovisuais que possibilitam a utilizaccedilatildeo na publicidade da maioria dos elementos
de persuasatildeo e de sentido unindo o som a imagem o movimento e o texto escrito Deste
modo a publicidade trabalha com narrativas sinteacuteticas que se adequam ao tempo reduzido
de 30 eou 45 segundos para vender a ideacuteia do produto que anuncia Em oposiccedilatildeo o
cinema possui em meacutedia cerca de 90 minutos suficientes para mostrar o enredo contar a
histoacuteria apresentar os personagens e desenrolar toda a narrativa
As relaccedilotildees entre cinema e publicidade televisual partem das caracteriacutesticas da
obra final que eacute gerada em cada um desses gecircneros de comunicaccedilatildeo No
cinema a obra cinematograacutefica a peliacutecula de curta meacutedia ou longa-metragem
na publicidade televisual o comercial o filme ou viacutedeo publicitaacuterio que
obedecem aos formatos impostos pelos veiacuteculos de comunicaccedilatildeo Os propoacutesitos
para os quais as obras fiacutelmicas cinematograacuteficas ou publicitaacuterias satildeo geradas
visam a atender interesses e objetivos que vatildeo do comercial ao artiacutestico
(COVALESKI 2009 p93)
Portanto a poacutes-modernidade cultural a qual representa o surgimento de outras
dimensotildees esteacuteticas eacute a grande chave para esta anaacutelise cujo foco recai sobre o elemento
de linguagem fotograacutefica Isto eacute recai na fotografia e na sua capacidade de construir
sentidos acerca de um momento que nunca mais aconteceraacute e ao mesmo tempo congelaacute-
lo possibilitando a representaccedilatildeo desta realidade deste momento uacutenico
Assim tal pesquisa articula a abordagem de temas de grande importacircncia para a
comunicaccedilatildeo audiovisual visto que possibilitam o surgimento de outras tendecircncias nas
produccedilotildees cinematograacuteficas contemporacircneas Para isso a revisatildeo teoacuterica perpassa pela
introduccedilatildeo sobre o tema do trabalho em que as temaacuteticas abordadas satildeo apresentadas bem
como o corpus escolhido para anaacutelise e os objetivos da pesquisa o primeiro capiacutetulo
discute teoricamente a linguagem e a esteacutetica audiovisual bem como as interfaces
existentes entre publicidade e cinema o segundo capiacutetulo aborda a fotografia na esteacutetica
audiovisual enfatizando os elementos expressivos fotograacuteficos ndash iluminaccedilatildeo cor
11
enquadramentos planos acircngulos e movimentos de cacircmera o terceiro capiacutetulo teoriza
sobre o cinema de autor e aborda o autor em questatildeo Fernando Meirelles o quarto
capiacutetulo elucida o processo metodoloacutegico aplicado no desenvolvimento do trabalho o
quinto capiacutetulo encarrega-se de demonstrar os exerciacutecios analiacuteticos empreendidos nos
frames do corpus e o sexto capiacutetulo preocupa-se com as consideraccedilotildees finais da pesquisa
12
1 Linguagem e Esteacutetica Audiovisual
Por poder ser captada simultaneamente pelo olho e pelo ouvido a linguagem
audiovisual permite o envolvimento completo do seu espectador diante da fusatildeo do som e
da imagem em movimento A fusatildeo entre aacuteudio e viacutedeo possibilita um paralelo entre o
racional e o sensorial de modo que a mesma consegue dizer muito mais do que
conseguimos captar pois chega simultaneamente por muito mais caminhos do que
conscientemente percebemos
O viacutedeo incluiacutedo em um meio de comunicaccedilatildeo de massa eacute utilizado como forma
de expressatildeo aleacutem de estruturar novas teacutecnicas tanto no processo de gravaccedilatildeo e de poacutes-
produccedilatildeo Tais teacutecnicas satildeo responsaacuteveis por todo o cruzamento de narrativas hoje
utilizadas pelo cinema e pela publicidade
O viacutedeo eacute um sistema hiacutebrido ele opera com coacutedigos significantes distintos
parte importados do cinema parte importados do teatro da literatura do raacutedio e
mais modernamente da computaccedilatildeo graacutefica aos quais acrescenta alguns
recursos expressivos especiacuteficos alguns modos de formar ideacuteias ou sensaccedilotildees
que lhe satildeo exclusivos (MACHADO 1997 p 190)
Dubois (2004 p77) define a estetizaccedilatildeo videograacutefica como ―uma linguagem (ou
uma esteacutetica) particular (mas de nenhum modo exclusiva) que pertence a loacutegicas
diferentes e potildee em jogo questotildees de ordem muito diversa que as do cinema O
surgimento do viacutedeo possibilitou novas tecnologias como por exemplo a televisatildeo
Diante disso o autor classifica dois modos principais de representaccedilatildeo em viacutedeo
O modo plaacutestico (a ―videoarte em suas formas e tendecircncias muacuteltiplas) e[] o
modo documentaacuterio (o real ndash bruto ou natildeo ndash em todas as suas estrateacutegias de
representaccedilatildeo) E sobretudo ndash eacute o que os une contra a transparecircncia - ambos
com um senso constante do ensaio da experimentaccedilatildeo da pesquisa da inovaccedilatildeo
(DUBOIS 2004 p77)
De acordo com Gutierrez (1992) dentro de noacutes acontece uma repercussatildeo em
imagens baacutesicas centrais simboacutelicas arquetiacutepicas com as quais nos identificamos ou que
se relacionam conosco de alguma forma consistindo na representaccedilatildeo de uma realidade
em movimento
A linguagem audiovisual responsaacutevel por tal representaccedilatildeo eacute constituiacuteda por
alguns elementos fundamentais (1) o plano - cada parte da fita que se apresenta ao
espectador como tendo sido filmada sem interrupccedilotildees (2) a cena - o conjunto de planos
cuja accedilatildeo eacute contiacutenua e decorre numa relativa unidade de tempo e espaccedilo constitui as cenas
13
e as sequumlecircncias (3) o enquadramento - a variaccedilatildeo da longitude da cacircmera agrave cena filmada
por meio de movimento (sem interrupccedilatildeo da filmagem) dentro do mesmo plano a
variaccedilatildeo do enquadramento e (4) a montagem ndash procedimento de organizaccedilatildeo do conjunto
de cenas sequumlecircncias e planos que formam a obra fiacutelmica
Tais elementos audiovisuais estatildeo presentes tanto nas produccedilotildees cinematograacuteficas
quanto nas produccedilotildees publicitaacuterias poreacutem o modo como satildeo utilizados eacute que as difere
Segundo Aumont (1995) inicialmente o cinema era desprovido de uma linguagem pois
apenas refletia o registro de um espetaacuteculo uma simples reproduccedilatildeo do real Entretanto
com o intuito de contar histoacuterias e veicular ideias o cinema precisou utilizar determinados
procedimentos expressivos os quais passaram a constituir sua linguagem
Assim sendo pode-se definir a linguagem cinematograacutefica como ―o conjunto das
mensagens cujo material de expressatildeo compotildee-se de cinco pistas ou canais a imagem
fotograacutefica em movimento os sons foneacuteticos gravados os ruiacutedos gravados o som musical
gravado e a escrita (creacuteditos intertiacutetulos materiais escritos no interior do plano) (STAM
2003 p132) A utilizaccedilatildeo em sinergia desse grande nuacutemero de elementos possibilita uma
maior variedade de abordagens nas produccedilotildees audiovisuais Por exemplo uma montagem
natildeo-linear com ritmo acelerado de troca de planos acircngulos e enquadramentos eacute a marca
das realizaccedilotildees videograacuteficas contemporacircneas
Para Balaacutezs apud Stam (1995) a linguagem cinematograacutefica pode ser definida a
partir de 4 princiacutepios
- no cinema existe uma distacircncia variaacutevel entre espectador e cena representada
daiacute uma dimensatildeo variaacutevel da cena que toma lugar no quadro e na composiccedilatildeo
da imagem
- a imagem total da cena eacute subdividida em uma seacuterie de planos de detalhes
(principio da decupagem)
- existe variaccedilatildeo de enquadramento (acircngulo de visatildeo perspectiva) dos planos de
detalhe no decorrer da mesma cena
- finalmente eacute a operaccedilatildeo da montagem que garante a inserccedilatildeo dos planos de
detalhes em uma sequumlecircncia ordenada na qual natildeo apenas cenas inteiras se
sucedem mas tambeacutem tomadas de detalhes mais miacutenimos de uma mesma cena
A cena em seu conjunto eacute resultado disso como se os elementos de um mosaico
temporal fossem justapostos no tempo (BALAacuteZS apud STAM 1995 p163-
164)
O cinema busca traduzir a realidade atraveacutes da representaccedilatildeo artiacutestica mediante o
uso de teacutecnicas pertencentes agrave linguagem audiovisual Stam (2003 p132) acrescenta que
se torna linguagem a partir do momento em que comunica ―um conjunto de mensagens
formuladas com base em um determinado material de expressatildeo um discurso ou praacutetica
significante caracterizado por codificaccedilotildees e procedimentos ordenatoacuterios especiacuteficos
14
Por volta de 1750 a palavra esteacutetica foi inventada com o intuito de designar uma
―ciecircncia dos sentimentos posteriormente uma ―ciecircncia do belo Atualmente eacute
empregada igualmente no plural para se referir agraves diversas concepccedilotildees do belo e da arte
Segundo Aumont e Marie (2003) natildeo existe esteacutetica constituiacuteda do cinema mas questotildees
de natureza esteacutetica foram frequumlentemente discutidas a respeito dele em torno dos
seguintes problemas
1 O cinema entre as artes natildeo tendo sido o cinema de iniacutecio aceito como
arte (mas como teacutecnica ou como distraccedilatildeo) sua especificidade artiacutestica foi
muitas vezes salientada Em particular ele foi por isso confrontado e
comparado com artes reconhecidas a muacutesica (Gance) a pintura (Bazin
Aumont Bonitzer) o teatro (Pagnol) valorizando a cada vez uma
caracteriacutestica particular do cinema o ritmo o enquadramento a fala a
cenicidade etc
2 A especificidade do fiacutelmico ela diz respeito a alguns traccedilos fundamentais
estudados nos mais das vezes de pontos de vista bem diferentes o
movimento (Munsterberg Deleuze) a mobilidade do ponto de vista
(Souriau Metz Jost Aumont) a sequencialidade e a montagem
(Eisenstein)
3 A possibilidade de uma poeacutetica do cinema ndash ou seja de uma concepccedilatildeo
geral da natureza do cinema da criaccedilatildeo fiacutelmica da relaccedilatildeo do fiacutelmico com o
mundo afilmico ou profilmico etc A respeito desse ponto observa-se uma
grande oposiccedilatildeo entre poeacuteticas realistas ndash o filme como transparecircncia
(Kracauer) a ―liacutengua escrita da realidade (Pasolini) o ―cine-olho
(Vertov) - e poeacuteticas formalistas ndash o ―cinema-linguagem (Eisenstein) a
fotogenia (Epstein) o filme como grande forma (Buch) etc
4 A possibilidade de uma arte de massa imposta pela induacutestria e pela teacutecnica
(Panofsky) (AUMONT MARIE 2003)
Para Covaleski (2009 p77) a esteacutetica do cinema estaacute diretamente relacionada com
a natureza reprodutiva e mecacircnica do meio cinematograacutefico Segundo o autor eacute possiacutevel
destacar duas teorias mesmo que distintas em que se refere agrave natureza reprodutiva do
cinema A primeira de Walter Benjamin afirma que toda a problemaacutetica da esteacutetica
relacionada ao cinema estaacute centrada no ―contexto da crise do sistema tradicional das artes
cuja modalidade de percepccedilatildeo cinematograacutefica essencialmente coletivalsquo e distraiacutedalsquo eacute
sua proacutepria causa e efeito Jaacute a segunda teoria de Andreacute Bazin constata que o problema
esteacutetico estaacute ligado ao caraacuteter mecacircnico da reproduccedilatildeo ou seja ―eacute a ausecircncia de uma
intervenccedilatildeo por parte da interpretante e a deformaccedilatildeo causada pela projeccedilatildeo que teoriza
tal problemaacutetica Jaacute Aumont (2002 p15-16) ressalta que a esteacutetica do cinema confere dois
aspectos ―uma vertente geral que considera o efeito esteacutetico proacuteprio do cinema e uma
vertente especiacutefica centrada na anaacutelise de obras particulares Sendo assim refere-se agrave
anaacutelise de filmes ou a criacutetica no sentido pleno do termo
15
Na obra fiacutelmica os aspectos esteacuteticos satildeo apresentados diante de uma
categorizaccedilatildeo dos elementos que constituem a manifestaccedilatildeo esteacutetica no cinema Segundo
Covaleski (2009) ―tais manifestaccedilotildees se datildeo sobre vaacuterias formas ora icocircnicas ora
focircnicas ora graacuteficas ora oacuteticas ora sonoras ora auditivas e estatildeo em processo de
evoluccedilatildeo devido ao surgimento de novas tecnologias de comunicaccedilatildeo juntamente com
novas manifestaccedilotildees artiacutesticas
No decorrer do seacuteculo XX mediante tais transformaccedilotildees houve a geraccedilatildeo de
novas noccedilotildees de criaccedilatildeo de arte de esteacutetica Conforme Plaza (2000) ocorreu um
―deslocamento das funccedilotildees instauradoras (a poeacutetica do artista) para funccedilotildees de
sensibilidade receptora (esteacutetica) o que produz no meio artiacutestico uma grande confusatildeo
conceitual caracterizada pela mistura e hibridaccedilatildeo de gecircneros poeacuteticas e atitudes
artiacutesticas
Pode-se compreender com base em Covaleski (2009) que a chegada da arte do
cinema agrave tevecirc trouxe tambeacutem padrotildees esteacuteticos que aos poucos foram incorporados ao
meio televisual aleacutem de serem consumidos em larga escala pela publicidade Percebe-se
que boa parte dos comerciais de tevecirc os chamados filmes publicitaacuterios alcanccedilam mais
destaque que a proacutepria programaccedilatildeo devido aos recursos tecnoloacutegicos e a linguagem
adaptada do cinema utilizado em suas produccedilotildees Sendo assim ao serem criados e
produzidos com preocupaccedilotildees esteacuteticas e cuidados artiacutesticos possibilitou gerar um
receptaacuteculo proacuteprio a esteacutetica publicitaacuteria
Diante do debate entre o aspecto utilitaacuterio e o aspecto artiacutestico da mensagem cabe
agrave publicidade recorrer agraves funccedilotildees da linguagem Para o autor natildeo importa se sejam as
poeacuteticas conativas ou referenciais mas sim sua finalidade de elevar e diversificar o
conjunto de repertoacuterios de seu puacuteblico-alvo contribuindo assim para a aceitaccedilatildeo de uma
nova esteacutetica
Tal questatildeo esteacutetica para alguns autores eacute tratada como uma espeacutecie de fetiche
cinematograacutefico Eacute possiacutevel perceber a veneraccedilatildeo e a adoraccedilatildeo de determinados elementos
constituintes da narrativa - do figurino do cenaacuterio ou ateacute mesmo da performance cecircnica
do ator ndash como intuito de simbolizar objeto de culto estabelecer um valor icocircnico a este
Conforme Covaleski (2009 p79-80) desde ―a criaccedilatildeo de mitos do cinema ao lanccedilamento
de moda passando pelo merchandising institucionalizado a esteacutetica cinematograacutefica
contribui na formaccedilatildeo e evoluccedilatildeo de comportamentos fetichistas por parte da sociedade
movida por novos sonhos de consumo e por novas divindades a cultuar
16
A partir da reflexatildeo de Carvalho (2003) a cerca dos estudos de Leacutevi-Strauss pode-
se dizer que a individualizaccedilatildeo da produccedilatildeo demonstrar o aparecimento de uma
consciecircncia criacutetica por parte do receptor que retira da esteacutetica-primitiva o seu dever social
A obra sendo produzida individualmente sem necessidade de bastar a uma sociedade ou
clatilde A esteacutetica-moderna depende apenas da aprovaccedilatildeo ou natildeo de uma clientela ―de classe
(como utiliza o autor) para se firmar como arte
Ao mesmo tempo com a evoluccedilatildeo da criacutetica de arte e o aparecimento do
abstracionismo Leacutevi-Strauss iraacute demonstrar um propoacutesito antimodernista ao perceber a
banalizaccedilatildeo presente na arte do poacutes-guerra Aleacutem da hiper-valorizaccedilatildeo da criacutetica a
representaccedilotildees pictoacutericas sem compromisso artiacutestico Poreacutem dentro desta mesma vertente
podemos repassar seu conceito de arte que funde a ciecircncia e o mito na concepccedilatildeo do
espiacuterito humano (pensamento criador) em outro de seus pensamentos a loacutegica do
sensiacutevel Loacutegica regida pela possibilidade de unir muacutesica e mito ou romance e mito atraveacutes
de uma ―estrutura-funccedilatildeo Todo meio artiacutestico pode ser fundido a outro ou recriado
desde que o estruturalismo presente no espiacuterito humano conceba um fim artiacutestico
A inter-relaccedilatildeo do cinema e da publicidade audiovisual resulta dos aspectos dessa
linguagem pois ambos constituem meios audiovisuais que trabalham a partir de uma
mesma base de composiccedilatildeo e de montagem de elementos expressivos para criar um
determinado plano de conteuacutedo narrativo e de significado o que configura esteacuteticas
diferenciadas
A modernidade da imagem cinematograacutefica eacute reflexo de um processo histoacuterico
em que a arte tenta se renovar em releituras de seus proacuteprios conceitos e criaccedilatildeo
de outros A diversidade estiliacutestica caracteriacutestica do cinema comercial da deacutecada
de 90 retrata uma geraccedilatildeo multimiacutedia de novos profissionais e espectadores que
acabaram por alterar os rumos da cinematografia contemporacircnea
(CARVALHO 2003)
Tais mudanccedilas de abordagem satildeo visiacuteveis natildeo apenas no cinema como tambeacutem nos
videoclipes nos games e na publicidade Refere-se a uma nova perspectiva de criaccedilatildeo
audiovisual na tentativa de romper as barreiras das produccedilotildees tradicionais e enfatizar o
surgimento de novas possibilidades Tais rupturas contribuem para a mudanccedila no
comportamento dos sujeitos contemporacircneos
O pensador de agora jaacute natildeo se senta mais agrave sua escrivaninha diante de seus
livros para dar forma ao seu pensamento mas constroacutei as suas ideias manejando
instrumentos novos ndash a cacircmera a ilha de ediccedilatildeo o computador - invocando
ainda outros suportes de pensamento sua coleccedilatildeo de fotos filmes viacutedeos
discos ndash sua mideoteca enfim (DUBOIS 2004 p19)
17
O pensamento audiovisual contemporacircneo constata essa hibridizaccedilatildeo essa
convergecircncia de elementos responsaacuteveis por uma mudanccedila de conduta Deste modo
Dubois (2004 p25) ressalta a existecircncia do imaginaacuterio cinematograacutefico presente em
todos os lugares e impregnado ―ateacute em nossa maneira de falar ou de ser Quem ao
percorrer de carro um longo trajeto numa vasta paisagem aberta natildeo pensou com a ajuda
da muacutesica no raacutedio numa figura de travelling mergulhando na tela panoracircmica de seu
paacutera-brisa
Em relaccedilatildeo agrave esteacutetica publicitaacuteria Carvalho (2003) ressalta uma possiacutevel ―morte
do cinema Vaacuterios criacuteticos apostam nessa ―morte diante do uso de recursos estiliacutesticos
que estariam se sobressaindo na concepccedilatildeo criadora do filme em contraposiccedilatildeo ao
realismo bem como da evoluccedilatildeo da teacutecnica que distancia o cinema de sua perspectiva
fotograacutefica Resultando assim na valorizaccedilatildeo da imagem em detrimento da representaccedilatildeo
Contudo o autor ressalva que tal concepccedilatildeo de retrato da realidade aleacutem de
ultrapassada estaacute reformulada no estudo do ―espiacuterito humano de Leacutevi-Strauss Este
estudo baseia-se no posicionamento da seacutetima arte como uma visatildeo moderna do homem
diante da realidade a visatildeo em que a cacircmera capta a imagem e natildeo o objeto
Enquanto isso Merquior (1975) busca uma maneira de refletir e re-posicionar as
concepccedilotildees de Leacutevi-Strauss quanto agrave arte contemporacircnea
Em vez de vociferar sobre a verdade factuallsquo da morte da artelsquo conviria
colocar a problemaacutetica implicada por essas teses em relaccedilatildeo a uma das
tendecircncias mais fecundas do estruturalismo ndash sua vontade de ultrapassar as
anaacutelises estanques dos domiacutenios culturais (arte religiatildeo ciecircncia etc) de
encorajar a pesquisa de afinidades estruturais e funcionais entre esses camposlsquo
sem jamais esquecer que satildeo todos faces de uma mesma realidade o espiacuterito
humano (MERQUIOR 1975 p79)
Em seu texto A Dupla Heacutelice Raimond Bellour consegue ver logo no viacutedeo ndash base
da esteacutetica publicitaacuteria ndash e na tecnologia digital o resumo desta realidade emergente
O viacutedeo leva assim agrave sua perda essa capacidade de analogia dilatada agraves
dimensotildees do universo pela primeira vez os corpos e os objetos do mundo satildeo
virtualmente desfiguraacuteveis (e logo refiguraacuteveis) ao sabor de uma potecircncia que
transforma em tempo real ou quase natildeo diferido (e natildeo mais somente como no
cinema por uma lenta elaboraccedilatildeo cujas trucagens constituem o modelo) as
representaccedilotildees que capta seu olho mecacircnico Isso explica o fato de a viacutedeo-
imagem a caccedilula das imagens de reproduccedilatildeo poder aparecer simultaneamente
como uma nova imagem irredutiacutevel ao que a precede mas tambeacutem uma
imagem capaz de atrair de absorver de misturar todas as imagens anteriores
pintura fotografia cinema (BELLOUR Raimond in PARENTE 1993 p223)
18
Em funccedilatildeo disso a esteacutetica publicitaacuteria natildeo passaria apenas de um mero
abstracionismo imageacutetico do cinema mas sim a siacutentese de uma movimentaccedilatildeo esteacutetica que
atravessa todas as artes denominada Poacutes-modernidade Cultural Muito aleacutem de um
recurso estiliacutestico as imagens de ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus entre outros filmes
tachados como videoclipeiros ou publicitaacuterios refletem na representaccedilatildeo do olhar do
homem moderno Toda essa fundamentaccedilatildeo estaacute na fusatildeo da linguagem videograacutefica com
a fotograacutefica do cinema Ao inveacutes de ampliar a visatildeo da rapidez das coisas tenta-se
reduzir o que ocorre agrave nossa volta em conceitos voltado aos meios artiacutesticos
11 Interfaces cinema e publicidade
Com o intuito de construir um sentido proacuteprio para cada filme o cinema atua em
momentos esparsos e depende da disposiccedilatildeo do espectador para que a obra fiacutelmica seja
consumida Em contrapartida a televisatildeo oferece uma programaccedilatildeo diversificada sem
interrupccedilotildees 24h por dia Assim o espectador recebe informaccedilotildees se diverte com
seriados novelas e filmes sem sair de casa
Percebe-se que a origem do discurso nunca eacute autocircnoma mas sim dependente de
outros discursos em que buscou referecircncia Bliskstein (1994 p45) constata que
―suportado por toda uma intertextualidade o discurso natildeo eacute falado por uma uacutenica voz mas
por muitas vozes geradoras de muitos textos que se intercruzam no tempo e no espaccedilo
Na deacutecada de 60 Kristeva introduziu o termo intertextualidade como uma traduccedilatildeo
para ―dialogismo que se refere agrave relaccedilatildeo entre um enunciado e os demais enunciados De
acordo com Stam (2003) a intertextualidade eacute um conceito de valor na medida em que
possibilita relacionar o texto individual com as demais formas de representaccedilatildeo natildeo
somente com outros textos
Intertextualidade eacute vista por Fiorin (2002) como a forma de incorporar um texto em
outro aleacutem de ser polecircmica quando propotildee uma oposiccedilatildeo ao sentido do texto original ou
contratual quando o reforccedila e o enaltece Assim sendo a intertextualidade polecircmica eacute
conhecida como paroacutedia enquanto a intertextualidade contratual como paraacutefrase Aleacutem
disso classifica tambeacutem em
citaccedilatildeo (referecircncia literal a outro texto usando parte deste) alusatildeo (reproduccedilatildeo
de construccedilotildees sintaacuteticas substituindo algumas figuras do texto original por
outras) e estilizaccedilatildeo (reproduccedilatildeo do estilo de outrem no plano da expressatildeo ou
no do conteuacutedo) (FIORIN apud COVALESKI 2009 p 39)
19
A seguir uma abordagem mais detalhada de cada uma das relaccedilotildees intertextuais
entre o cinema e a publicidade televisual na visatildeo de Covaleski (2009)
a) citaccedilatildeo a publicidade desfruta desse recurso criativo com maestria Uma uacutenica
obra cinematograacutefica pode originar uma grande variaccedilatildeo de citaccedilotildees ancoradas
a uma mesma cena claacutessica evidentemente emblemaacutetica contundente o
bastante para se tornar perene no imaginaacuterio coletivo transpondo barreiras
culturais e temporais Pode-se citar como exemplo a cena emblemaacutetica em que
a atriz Marilyn Monroe tem sua saia levantada devido ao deslocamento de ar
durante a passagem do metrocirc no filme O Pecado Mora ao Lado (The Seven
Year Itch de Billy Wilder ndash 1955) Essa cena muito conhecida jaacute foi usada
diversas vezes e de diferentes formas pela publicidade Exemplo disso foi a
colocaccedilatildeo de uma saia ndash a la Marilyn ndash em garrafas de vodka da marca
Absolut
b) alusatildeo mais sutil que a citaccedilatildeo remete a uma obra anterior poreacutem sem fazer
uso de fragmentos dela Utiliza somente uma construccedilatildeo equivalente
substituindo determinadas figuras por outras A alusatildeo recorrente no cinema eacute
facilmente percebida em filmes que pertencem a um mesmo gecircnero
cinematograacutefico Na publicidade a intertextualidade com o cinema utilizando a
alusatildeo aparece em comerciais de anunciantes dos mais diferentes segmentos de
mercado bem como os filmes de onde saiacuteram as inspiraccedilotildees pertencem aos
mais diversos gecircneros O filme francecircs O Fabuloso Destino de Ameacutelie Poulain
(Le Fabuleux Destin drsquoAmeacutelie Poulain de Jean-Pierre Jeunet - 2001) eacute uma
obra com clara influecircncia da linguagem publicitaacuteria Muito disso se deve
devido agrave vivecircncia de Jeunet em meio agrave publicidade Eacute o caso deste trabalho jaacute
que Fernando Meirelles trabalhou com publicidade antes de seguir carreira no
cinema Um exemplo de alusatildeo a este filme se percebe na campanha do
automoacutevel Renault Sceacutenic ndash um anatildeo de jardim eacute sequumlestrado por um grupo de
amigos e aprova seu novo endereccedilo mandando uma carta agrave sua antiga dona
avisando que natildeo voltaraacute mais para casa Deste modo a campanha faz alusatildeo
ao argumento de liberdade explorado na obra francesa
c) estilizaccedilatildeo ato de reproduzir um conjunto de procedimentos de caracteriacutesticas
de formas e de conteuacutedos do discurso de outrem Eacute recorrer agrave estrutura seja no
20
plano da expressatildeo ou no do conteuacutedo produzindo um efeito de
personalizaccedilatildeo muito embora remeta a obra anterior independente de
estabelecer uma relaccedilatildeo polecircmica ou contratual com aquela A estilizaccedilatildeo
intertextual na publicidade com referencial cinematograacutefico eacute constante e
ultrapassa o uso apenas dos elementos de linguagem cinematograacutefica Alguns
filmes publicitaacuterios utilizam em suas produccedilotildees as teacutecnicas de trucagem1 se
aproveitam dos efeitos especiais e ateacute dos estilos lanccedilados pelo cinema Um
bom exemplo dessa estilizaccedilatildeo encontra-se em um comercial da Samsung que
se utilizada da mesma esteacutetica tecnoloacutegia e uso de efeitos especiais do filme
Matrix (The Matrix de Andy e Larry Wachowski - 1999)
No Brasil de acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber tambeacutem um
caminho oposto a esta intertextualidade Cada vez mais a publicidade interfere na atual
produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este papel de fonte de
referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem audiovisual nas
produccedilotildees contemporacircneas como eacute o caso dos filmes ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus
―O Jardineiro Fiel e ―Ensaio sobre a Cegueira de Fernando Meirelles
1 Trucagem A accedilatildeo de modificar imagens previamente filmadas ao vivo tanto em sua forma (cor e
tamanho) como na ordem de sua projeccedilatildeo (congelamento aceleraccedilatildeo inversatildeo) Satildeo possiacuteveis tambeacutem a
superposiccedilatildeo de letreiros a fusatildeo (teacutecnica de escurecer uma cena ao mesmo tempo em que outra vai
surgindo provocando a sobreposiccedilatildeo de uma sobre a outra) e outros efeitos especiais O equipamento
utilizado eacute a truca Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbrmidiaartequadroaquadro gt Acesso em 14
Jun 2010
21
2 A fotografia na esteacutetica audiovisual
A palavra fotografia vem do grego foacutes (luz) e grafis (estilo pincel) ou
grafecirc e significa desenhar com luz e contraste Natildeo eacute possiacutevel definir um uacutenico
inventor pois foram vaacuterios os responsaacuteveis pela sua origem Em 1826 o francecircs Joseph
Niceacutephore Nieacutepce teve sua imagem reconhecida como a primeira fotografia tal imagem
foi produzida mediante o uso de uma placa de estanho coberta com um derivado de
petroacuteleo fotossensiacutevel chamado Betume da Judeacuteia O processo de exposiccedilatildeo agrave luz solar
chamado de heliografia durava cerca de oito horas para que a imagem fosse obtida
Neste mesmo periacuteodo Louis Daguerre deu continuidade aos experimentos
fotograacuteficos de Joseph Niceacutephore Nieacutepce fato este que lhe concedeu uma descoberta
decisiva Em 1835 Daguerre apanhou uma placa revestida de prata sensibilizada com
iodeto de prata que apesar de exposta natildeo apresentava sequer vestiacutegios de imagem
guardou-a displicentemente em um armaacuterio e ao abri-lo no dia seguinte encontrou uma
imagem revelada Fez experiecircncias por eliminaccedilatildeo com os outros produtos que estavam
no armaacuterio para descobrir que a imagem latente tinha sido revelada por accedilatildeo do mercuacuterio
Logo apoacutes o falecimento de Niegravepce Daguerre desenvolveu um processo
conhecido como daguerreotipia no qual era possiacutevel reduzir o tempo de revelaccedilatildeo de
horas para minutos devido a utilizaccedilatildeo de vapor de mercuacuterio Daguerre descreveu seu
processo agrave Academia de Ciecircncias e Belas Artes na Franccedila e logo depois requereu a
patente do seu invento na Inglaterra Breslin possibilita um melhor entendido deste
processo
Os daguerreoacutetipos inventados em 1839 foram os primeiros dentre os processos
fotograacuteficos iniciais a se tornar comercialmente disponiacuteveis O processo utiliza
placas uacutemidas que satildeo placas de cobre cobertas por uma emulsatildeo fotossensiacutevel
agrave base de prata As placas eram reveladas em campo enquanto ainda uacutemidas
criando um negativo Os negativos entatildeo podiam ser trazidos de volta ao
estuacutedio onde um pedaccedilo de papel fotograacutefico era assentado sobre a emulsatildeo do
negativo e exposto ao sol A luz do sol expunha a impressatildeo que era fixada (isto
eacute estabilizada por uma processo quiacutemico) e lavada (BRESLIN 2009 p26)
Jaacute em 1839 o britacircnico William Fox Talbot ao tomar conhecimento dos avanccedilos
de Daguerre decidiu apressar a apresentaccedilatildeo de suas pesquisas com papeacuteis fotossensiacuteveis
agrave Royal Institution e agrave Royal Society com o intuito de garantir os direitos sobre suas
invenccedilotildees No entanto Talbot desenvolveu um processo diferente denominado caloacutetipo -
utilizava folhas de papel cobertas com cloreto de prata que posteriormente eram colocadas
22
em contato com outro papel produzindo assim a imagem positiva Trata-se de um
processo semelhante ao usado atualmente em que utiliza-se um negativo para a obtenccedilatildeo
posterior de imagens positivas
A fotografia entatildeo popularizou-se como produto de consumo a partir de 1888 com
a introduccedilatildeo da cacircmera tipo caixatildeo e pelo filme em rolos substituiacuteveis criados por
George Eastman Desde entatildeo o mercado fotograacutefico tem experimentado uma crescente
evoluccedilatildeo tecnoloacutegica como o estabelecimento do filme colorido como padratildeo e o foco
automaacutetico ou exposiccedilatildeo automaacutetica Essas inovaccedilotildees sem duacutevida facilitam a captaccedilatildeo da
imagem melhoram a qualidade de reproduccedilatildeo ou a rapidez do processamento mas muito
pouco foi alterado nos princiacutepios baacutesicos da fotografia
A grande mudanccedila recente produzida a partir do final do seacuteculo XX foi a
digitalizaccedilatildeo dos sistemas fotograacuteficos A fotografia digital mudou paradigmas no mundo
da fotografia minimizando custos reduzindo etapas acelerando processos e facilitando a
produccedilatildeo manipulaccedilatildeo armazenamento e transmissatildeo de imagens pelo mundo O
aperfeiccediloamento da tecnologia de reproduccedilatildeo de imagens digitais tem quebrado barreiras
de restriccedilatildeo em relaccedilatildeo a este sistema por setores que ainda prestigiam o tradicional filme
e assim irreversivelmente ampliando o domiacutenio da fotografia digital
Natildeo se pode esquecer de salientar que a partir de tais descobertas no ramo da
fotografia eacute que foi possiacutevel a invenccedilatildeo do cinema O instantacircneo a possibilidade de
congelar um instante no fluxo contiacutenuo dos acontecimentos soacute se torna possiacutevel de fato
com o advento da fotografia Sendo assim os estudos de Muybrigde referentes aos
instantacircneos sucessivos associada ao aparato do fuzil fotograacutefico de Marey iratildeo resultar na
invenccedilatildeo do cinema Sabe-se que o cinema confere agrave imagem uma continuidade aparente
pois na verdade trata-se de uma seacuterie de instantacircneos separados por intervalos poreacutem aos
sentidos ele se apresenta de forma lisa e fluida como a proacutepria natureza do movimento
Machado acrescenta que
O cinema mesmo o cinema stricto sensu ou seja o cinema que se constitui a
partir do cinematoacutegrafo de LeRoy Edison Paul Skladanwsky e dos Lumiegravere
natildeo era nos seus primoacuterdios o que hoje chamamos de cinema Ele reunia na
sua base de celuloacuteide vaacuterias modalidades de espetaacuteculos derivadas das formas
populares de cultura como circo o carnaval a magia e a prestidigitaccedilatildeo a
pantomima a feira de atraccedilotildees e aberraccedilotildees etc (MACHADO 1997 p 76)
No iniacutecio os filmes eram de curta duraccedilatildeo nos quais o puacuteblico era composto
basicamente de operaacuterios As exibiccedilotildees eram realizadas em grandes galpotildees durante o
23
intervalo de serviccedilo do proletariado Machado (1997 p79) explica que o cinema era uma
em diversas atraccedilotildees oferecidas pelos vaudevilles pois ―natildeo se havia ainda desenvolvido
um conjunto de teacutecnicas e procedimentos de linguagem apropriados para a elaboraccedilatildeo de
uma narrativa visual que fosse suficientemente autocircnoma a ponto de poder se dispensar a
―explicaccedilatildeo de um apresentador
Atualmente pensa-se primeiramente em imagens forma-se um raciociacutenio a partir
de mosaicos audiovisuais que possibilitam um dado significado Tal modelo de
pensamento atraveacutes da imagem tecnoloacutegica deve-se ao conjunto de referecircncias
adquiridas
Assim sendo a fotografia possui papel fundamental na linguagem audiovisual
Sabe-se que a foi a partir da fotografia que se tornou possiacutevel agrave invenccedilatildeo do cinema
Dubois (2004) assegura que
Com a fotografia a maacutequina natildeo se contenta mais em preacute-ver ela inscreve
tambeacutem a imagem por meio das reaccedilotildees fotossensiacuteveis de certos materiais que
registram por si mesmos as aparecircncias sensiacuteveis geradas pela radiaccedilatildeo luminosa
A maacutequina intervecircm aqui portanto no coraccedilatildeo mesmo do processo de
constituiccedilatildeo da imagem que aparece assim como representaccedilatildeo quase
automaacuteticalsquo objetivalsquo sine manu factalsquo O gesto humano passa a ser mais um
gesto de conduccedilatildeo da maacutequina do que de figuraccedilatildeo direta (DUBOIS 2004
p38)
Em sua brilhante anaacutelise Barthes evidencia o fato de que a fotografia significa
muito mais uma ruptura do que uma continuidade em relaccedilatildeo agrave pintura Isso porque a
reaccedilatildeo quiacutemica dos sais de prata fotossensiacuteveis mediada pelo aparelho oacutetico que projeta a
imagem eacute colocada no centro do dispositivo de criaccedilatildeo da imagem deslocando o papel do
criador que antes que antes tinha que compor o instante representado a partir de instantes
distintos usando os coacutedigos da pintura para unificar a fatura e agora passava a poder
recortar um instante na sua proacutepria duraccedilatildeo com o uso da fotografia Dubois acrescenta
que tal uso
abandona o tempo crocircnico real evolutivo o tempo que passa como um rio
nosso tempo dos seres humanos inscritos na duraccedilatildeo para entrar em uma
temporalidade nova separada e simboacutelica a da foto temporalidade que tambeacutem
dura tatildeo infinita em princiacutepio quanto a primeira mas infinita na imobilidade
total congelada na interminaacutevel duraccedilatildeo das estaacutetuas (DUBOIS 1993 p168)
Com a invenccedilatildeo do instantacircneo fotograacutefico a pose a produccedilatildeo a composiccedilatildeo
elementos proacuteprios agrave linguagem da pintura figurativa satildeo subvertidas datildeo lugar tambeacutem
ao efecircmero ao flagrante agrave espontaneidade
Durante o seacuteculo XIX a fotografia buscou ancorar-se na esteacutetica proacutepria agrave pintura
para almejar sua entrada no panteatildeo das Belas-Artes em um movimento chamado pela
24
historiografia de pictorialismo Como bem analisou Walter Benjamin em sua Pequena
Histoacuteria da Fotografia de 1931 esse movimento se revelou improdutivo jaacute que os
fotoacutegrafos buscavam encaixar-se nos mesmos padrotildees de valoraccedilatildeo esteacutetica que foram
subvertidos com a invenccedilatildeo da fotografia
O discurso sobre a fotografia no seacuteculo XIX ainda estaacute muito contaminado por
valores esteacuteticos que consideram a teacutecnica em oposiccedilatildeo agrave arte ou na melhor das hipoacuteteses
como uma mera serviccedilal da arte Mas a proacutepria invenccedilatildeo da fotografia primeira forma de
produzir imagens completamente mediada pela teacutecnica na qual o ―laacutepis da Natureza
(Talbot) age sozinho sem a ajuda da matildeo do homem estava subvertendo completamente
os valores vigentes instaurando uma estreita ligaccedilatildeo entre teacutecnica e arte
Trazer a teacutecnica para o primeiro plano eacute uma das transformaccedilotildees mais radicais que
a imagem fotograacutefica instaura no campo da produccedilatildeo de imagens Esse tipo de imagem
criada por um aparelho chamada por Vileacutem Flusser de ―imagem teacutecnica foi capaz de
superar oposiccedilotildees vazias entre arte e teacutecnica
Com a virada para o seacuteculo XX se inicia um movimento de valorizaccedilatildeo da
fotografia por suas peculiaridades constitutivas advindas de seu proacuteprio mecanismo de
inscriccedilatildeo da imagem a instantaneidade o corte a conexatildeo fiacutesica com o referente A
chamada fotografia moderna se estabelece em duas frentes nas vanguardas europeacuteias e no
movimento chamado Photo Secession que ocorreu nos Estados Unidos8
A obra de Henri Cartier-Bresson eacute das mais importantes para a afirmaccedilatildeo da
fotografia por suas qualidades constitutivas Ele percebeu a potencialidade do aparato e o
foi um dos primeiros a usar uma cacircmera compacta de pequeno formato para sacar
instantes da realidade ainda na deacutecada de 1930 Com o tempo amadureceu uma filosofia
do chamado ―instante decisivo Para ele o fotoacutegrafo eacute como um flaneur que vaga pelo
mundo em busca daqueles raros momentos em que todos os elementos do enquadramento
se alinham em sua maacutexima expressatildeo dando agrave narrativa um potencial de siacutentese
A partir dessa reflexatildeo pode-se dizer que a fotografia audiovisual possibilita
transmitir ao espectador uma verossimilhanccedila com a realidade A anaacutelise da fotografia no
cinema se faz a partir do conhecimento dos elementos que a compotildee e suas variaccedilotildees
Assim cada elemento seraacute tratado separadamente para que seja possiacutevel uma melhor
explanaccedilatildeo de cada componente da fotografia audiovisual
25
21 Iluminaccedilatildeo
De acordo com Sousa (2004) eacute intuitivo afirmar que no momento em que se
ilumina um determinado objetopersonagem em detrimento de outros revela-se apenas
aquele que estaacute exposto agrave luz No entanto essa natildeo eacute a uacutenica contribuiccedilatildeo da iluminaccedilatildeo
para a construccedilatildeo de sentido a uma imagem Aleacutem disso eacute responsaacutevel por transmitir
noccedilotildees de profundidade e de relevo Segundo Roberts-Breslin (2009) eacute atraveacutes da
iluminaccedilatildeo que satildeo criados os padrotildees de luz e sombra que datildeo sentido ao nosso mundo
como tambeacutem o alto contraste do sol do meio-dia ou o baixo contraste monocromaacutetico
num dia chuvoso Aumont (2004) acrescenta que
A luz no cinema estaacute sempre ali e ateacute mesmo duplamente ali jaacute que a luz do
projetos ndash a luz depois do filme ndash serve para mostrar a luz registrada tal como
ela caiacutea sobre as coisas filmadas ndash a luz de antes do filme Haacute entre as duas uma
conivecircncia inextinguiacutevel jaacute reconhecida aqui mesmo em sua forma negativa ndash o
escuro - e que nutriu com frequecircncia a fantasia (em Murnau em Sternberg ou
Godard) de que uma natildeo eacute senatildeo a continuaccedilatildeo da outra por outros meios
Consequumlecircncia articulaccedilatildeo da diferenccedila a luz do quadro natildeo teve de ser
produzida realmente a do filme foi real Diferenccedila ontoloacutegica que se duplica em
outra infinitamente contingente poreacutem sensiacutevel a luz utilizada na produccedilatildeo do
filme eacute uma luz eleacutetrica seu aspecto eacute particular variaacutevel aliaacutes ao longo da
histoacuteria do cinema (AUMONT 2004 p 172)
As condiccedilotildees de iluminaccedilatildeo satildeo capazes de indicar a hora do dia a eacutepoca do ano e
a parte do planeta em que a imagem estaacute sendo reproduzida A luz ―empresta um tom a um
lugar ou experiecircncia ndash o brilho suave e romacircntico de uma vela as inesperadas e
desconhecidas sombras da noite a firme e escura melancolia do crepuacutesculo do inverno
ou seja possibilita a criaccedilatildeo de um determinado clima agrave cena (Breslin 2009 p87) Moura
afirma que
A fotografia em nada se diferencia da natureza Todas as luzes e efeitos estatildeo agrave
mostra para o olho educado Os efeitos dos filtros os contrastes das luzes as
densidades das cores tudo e todos estatildeo na natureza agrave vista de quem quiser ver
Se vocecirc prestar atenccedilatildeo ao tipo de luz que o sol gera saberaacute qual refletor de
quanto como e onde colocar Se vocecirc se abstrair do tamanho do sol e se
concentrar no efeito da sua luz poderaacute intuir a direccedilatildeo a natureza e a
intensidade da luz que vocecirc precisaraacute para ter o mesmo resultado Afinal de
contas o sol tem que iluminar a terra toda e noacutes soacute um pequeno estuacutedio As
diferenccedilas de tamanho satildeo irrelevantes para o raciociacutenio Para se chegar ao
pequeno partimos do grande Nada no pequeno mundo da fotografia inexiste no
vasto mundo de todos noacutes Talvez a uacutenica coisa que possamos criar e que jaacute natildeo
exista em escala maior e em melhor forma na natureza seja a escrita (MOURA
2001 p 20)
Breslin (2009 p88) acredita que a luz consiste na base da miacutedia visual pois
―tecnicamente a luz fornece a energia que nos permite reproduzir uma imagem
Esteticamente a luz junto com a composiccedilatildeo revela verdades e mentiras criando beleza e
26
feiura dentro do quadro Para Martin (2003 p 71) a iluminaccedilatildeo eacute o ―fator decisivo da
expressividade da imagem poreacutem sua importacircncia natildeo eacute percebida pelo espectador
devido ao fato de possibilitar a criaccedilatildeo de uma atmosferalsquo elemento este dificilmente
analisaacutevel
As sombras criadas com a iluminaccedilatildeo ―ajudam a transmitir profundidade clima e
lugar mas devem ser cuidadosamente controladas A iluminaccedilatildeo na verdade pode ser
definida como lanccedilar e controlar as sombrasrdquo (BRESLIN 2009 p95) Sendo assim a
luz possui vaacuterias caracteriacutesticas essenciais qualidade direccedilatildeosentido contraste
uniformidade cor e intensidade
Conforme Sousa (2004) a qualidade da luz refere-se principalmente ao tipo de
sombra que um objeto iluminado produz seja ela dura e definida ou suave a gradual
Breslin (2009) confirma tal classificaccedilatildeo ao dizer que
A qualidade de uma fonte de luz tem a ver com o modo como as ondas
percorrem o espaccedilo Se elas o fazem em linha reta a partir da fonte ateacute iluminar
o objeto satildeo refletidas de volta para a lente de um olho ou cacircmera em linhas
similarmente retas Isso produz luz dura direta ou localizada A energia
luminosa cobre uma aacuterea relativamente pequena mas manteacutem a intensidade ou
brilho maacuteximos A luz direta enfatiza a textura (BRESLIN 2009 p92)
A autora acrescenta que a luz que atinge um objeto pode ser dura ao produzir
sombras nitidamente definidas e partes mais claras distintas Jaacute quando produz partes
claras e sombras sutis e com uma borda menos definida ela eacute classificada como uma luz
suave Assim a luz comeccedila direta mas suas ondas podem desviar ou refletir de uma a
outra superfiacutecie ateacute que encontram o seu caminho para a lente Dependendo do caminho
percorrido se ―produz luz suave difusa ou lavada Uma fonte de luz difusa cobriraacute uma
aacuterea grande mas eacute menos intensa ou brilhante do que a mesma quantidade inicial de luz
direta na mesma distacircncia do objeto (BRESLIN 2009 p93)
Salles (2006) ressalta que ao iluminar artificialmente uma cena qualquer os planos
de composiccedilatildeo de luz desta cena devem ser cuidadosamente elaborados a fim de que a
fotografia do filme esteja em harmonia esteacutetica com o roteiro e sua proposta
22 Cor
Durante praticamente quarenta anos o cinema se manteve em preto e branco
Qualidade natural dos seres e objetos a cor possibilita maior realismo nas obras fiacutelmicas
pois aumenta a veracidade da imagem
27
Sendo assim a partir de um trabalho manual dos teacutecnicos que coloriam os filmes agrave
matildeo ou com o auxiacutelio de paletas eacute que se tornou possiacutevel colocar cor nas telas mediante
muito trabalho Experiecircncias foram realizadas e tomou-se conhecimento de uma nova
teacutecnica os chamados ―banhos onde a peliacutecula era tingida com cores uniformes com o
intuito de atribuir tanto realismo quanto simbolismo Basicamente era usado azul para
designar a noite e amarelo para as cenas de interiores agrave noite enquanto que para
simbolizar os incecircndios e as revoluccedilotildees optava-se pelo vermelho e para as matas e
paisagens a cor verde (MARTIN 2003) A bicromia e a tricomia comeccedilaram a serem
utilizadas em meados dos anos 30 No entanto eacute apenas na metade dos anos 50 que a cor
passou a ser usada de forma generalizada
Natildeo se pode negar que a cor possui um papel fundamental na composiccedilatildeo da
fotografia cinematograacutefica A partir de sua utilizaccedilatildeo torna-se possiacutevel representar a
realidade com mais perfeiccedilatildeo e precisatildeo Aumont (2003 p63) acrescenta que ―apesar da
especificidade da cor no cinema o modelo criacutetico e esteacutetico foi quase sempre a pintura
Esta circulou enormemente no imaginaacuterio fiacutelmico em trecircs grandes formas a
ficcionalizaccedilatildeo a imitaccedilatildeo e a anaacutelise sendo a base para as futuras produccedilotildees
audiovisuais Contudo o autor ressalta que
a ausecircncia de leis gerais e verificaacuteveis explica a ausecircncia quase total de reflexatildeo
teoacuterica sobre a cor na imagem em movimento As uacutenicas consideraccedilotildees agraves
vezes propostas no tocante ao valor simboacutelico ou expressivo da cor (o vermelho
como siacutembolo de guerra ou de paixatildeo o azul bem como o azul-celeste para a
paz o violeta associado agrave lamentaccedilatildeo funeraacuteria etc) Como tais valores satildeo bem
variaacuteveis conforme as culturas e as eacutepocas Eacute difiacutecil fazer uma teoria deles e a
esteacutetica da cor no cinema confunde-se praticamente com a constataccedilatildeo de
estilos pessoais ou de efeitos de gecircnero (AUMONT 2003 p63)
Ainda em relaccedilatildeo ao uso das cores fala-se em harmonia e contraste cromaacutetico A
harmonia ocorre quando em uma imagem existem cores proacuteximas (laranja amarelo
torrado amarelo e vermelho) Jaacute ao mencionar contraste cromaacutetico se refere quando na
imagem existem cores contrastantes (azul vs Vermelho amarelo vs Violeta por
exemplo) Contudo Sousa (2004) revela outras maneiras de evidenciar contraste
cromaacutetico (a) contraste de cores fortes com cores neutras (por exemplo vermelho vivo vs
cinzento claro) (b) complementaccedilatildeo entre cores claras e cores escuras (por exemplo o
amarelo-limatildeo faz o azul marinho parecer mais escuro) (c) contraste entre tons intensos
da mesma cor (o vermelho carregado contrasta com o vermelho claro)
Sousa (2004) acrescenta que eacute possiacutevel expressar quietude e tranquumlilidade ao
recorrer agrave harmonia cromaacutetica de cores quentes suaves como o castanho-terra suave e o
28
amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada
diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis
Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de
ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem
teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas
especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade
Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores
satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada
espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos
valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem
23 Enquadramentos
O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que
determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo
que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores
O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada
Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira
como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave
objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela
Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos
teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos
notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena
mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar
mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico
Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o
tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos
objetos que constituem a cena
Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees
possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de
detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar
Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma
29
―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para
a tela
231 Planos
O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre
dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no
qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute
determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da
objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da
narrativa que se pretende obter
Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada
autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute
possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos
planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o
observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta
planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os
intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro
plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens
plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por
exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA
(2004 p67-68)
A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano
Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade
fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte
1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro
2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos
joelhos para cima ou da cintura para cima
3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um
pouco abaixo
4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima
5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator
6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na
altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas
30
232 Acircngulos de Filmagem
De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto
que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir
um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo
superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto
que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade
No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de
baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de
superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e
do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do
personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele
em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador
233 Movimentos de Cacircmera
Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por
Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da
ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental
de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a
descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou
uma personagem
Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de
cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o
deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem
constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A
panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio
eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a
trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com
o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural
Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou
complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir
de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um
―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena
31
3 O cinema de autor
No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria
recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas
produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo
(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na
tela diferentes percepccedilotildees diante da trama
Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de
vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de
variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao
participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim
conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro
Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista
produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete
instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs
Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo
No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)
juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores
(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os
produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do
filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas
No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith
4
Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico
2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do
cinema mudo
3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano
um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas
4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de
Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o
movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o
filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)
5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro
de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia
de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou
em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia
32
devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e
dirigindo na publicidade de seus filmes
Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica
quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na
―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do
existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do
autor
Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-
sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e
substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a
atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando
que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo
metafiacutesicas (STAM 2003 p111)
Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo
que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi
responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou
a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras
refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica
abordando o ato de fazer e assistir a um filme
Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita
sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de
determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a
mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais
cineastas
Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers
Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica
Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes
que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar
conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as
filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios
seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma
simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)
Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do
Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os
grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas
6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem
como no sete de filmagem
33
como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o
suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e
o puacuteblico como seu divertimento
Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no
cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes
nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees
inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo
autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de
caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor
(COVALESKI 2009 p83)
Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o
contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa
eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a
obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma
noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a
outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI
2009 p 84)
Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute
responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo
do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute
responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas
necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo
com Bernardet
Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua
maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um
filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que
preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em
perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)
O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem
traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na
direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas
optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas
uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na
direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta
34
Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora
diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior
originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade
crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais
Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de
autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para
Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do
discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia
Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e
situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi
apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser
considerado como tal
O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica
com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra
determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem
defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos
paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor
Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja
autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de
1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e
Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de
presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de
suas matildeos
Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo
(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do
curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos
experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar
Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo
Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se
tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila
Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras
produtoras independentes do paiacutes
No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute
que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal
35
Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam
de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que
Meirelles considera ter feito em sua vida
No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas
publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos
que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar
notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar
e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas
da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para
natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar
em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade
Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a
produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando
Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2
Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no
mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios
internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca
de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio
Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede
Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura
completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um
departamento juriacutedico aacutegil
Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme
foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes
selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival
Internacional de Rotterdam
O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de
20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores
no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais
Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo
internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores
filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro
indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o
filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta
36
Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado
como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no
manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a
pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo
sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No
entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional
Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao
levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner
o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na
categoria de Melhor Diretor
Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando
Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do
romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O
filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14
de maio de 2008
37
4 Metodologia
A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando
compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria
nos filmes de Fernando Meirelles
Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave
argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise
detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades
sociais
Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo
aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de
entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira
indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o
caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como
objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro
Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra
selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes
representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a
esteacutetica publicitaacuteria
Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que
seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem
fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de
expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica
Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do
conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia
e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise
a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e
organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir
das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)
interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em
funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo
Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise
fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra
que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da
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linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa
fiacutelmica
Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo
1 Preacute-anaacutelise
a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor
enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)
2 Descriccedilatildeo Analiacutetica
a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos
3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando
em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes
Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute
necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo
haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica
efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo
pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando
necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que
considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde
que natildeo descarte as antecedentes
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5 Anaacutelises
Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica
publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel
a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica
descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo
estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a
narrativa de cada um dos filmes
Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de
Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)
51 Domeacutesticas
Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas
40
Sinopse
Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de
Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada
Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa
sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar
de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute
Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida
Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com
um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por
missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a
mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que
satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se
estivessem dando uma espeacutecie de depoimento
Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas
aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de
emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o
outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das
domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo
Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo
encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas
por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do
plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave
novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um
sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da
profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento
cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes
publicitaacuterios
41
Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas
(Plano aberto e plano conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas
com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal
Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos
lateralizados
A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em
plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo
pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee
possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem
disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco
conotando mais tristeza agrave cena
Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e
cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como
acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute
limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera
tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no
estacionamento do preacutedio
Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em
que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a
personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o
deslocamento da personagem daquele mundo
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Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas
(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de
serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves
tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas
com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)
Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em
um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um
domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao
casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte
observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre
sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o
responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua
profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela
As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena
No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo
agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute
43
devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de
nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude
alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade
sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento
Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as
personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo
O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo
vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das
diversas dificuldades no seu dia-a-dia
O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano
meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em
meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave
criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)
isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo
dos exageros
Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna
da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores
quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde
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e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila
dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme
Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas
52 Cidade de Deus
Sinopse
O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro
protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou
um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a
estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto
de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante
amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente
suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num
ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele
descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se
fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista
do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos
45
principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria
mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um
mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute
Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro
dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto
Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos
bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute
usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute
centralizada e em leve plongeacutee
Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no
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comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo
frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas
casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e
suave
A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do
traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na
criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar
perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-
plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem
Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano
geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo
compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando
naturalidade
Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)
47
Iluminaccedilatildeo e cor
Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo
deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute
observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa
frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo
pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo
Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste
elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem
a funccedilatildeo de criar um visual expressivo
Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente
natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a
inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre
dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na
cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute
ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo
consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena
interna e provavelmente noturna
Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua
maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais
frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo
com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute
amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute
modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos
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periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo
publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama
Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante
Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com
a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um
material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a
imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee
com armas em punho apontadas para os policiais
Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela
49
Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus
53 O Jardineiro Fiel
Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel
50
Sinopse
O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em
Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa
uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem
aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para
substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes
um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute
transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu
idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a
trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin
acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir
na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de
amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa
estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional
envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em
seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a
disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no
Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e
ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar
como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se
para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final
bastante diferente do que seria esperado
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a
imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia
de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio
em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao
lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar
para se proteger
Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem
Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em
51
plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades
azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um
embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em
plongeacutee e plano aberto em conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na
figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A
imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano
aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo
dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais
amenos frios
Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada
retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao
receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade
possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento
As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a
imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua
52
Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em
leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens
contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante
natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel
perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral
aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores
quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave
luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem
composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local
em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo
A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela
cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A
impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena
que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma
53
desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do
ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas
sim no seu proacuteprio lucro
Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de
ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir
contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis
por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele
seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com
movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma
arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite
suavidade e calor agrave cena
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel
(variaccedilatildeo entre suave e dura)
Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando
com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na
lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em
equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira
imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais
onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena
54
ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens
em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)
ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem
possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua
composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)
como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel
54 Ensaio sobre a Cegueira
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira
55
Sinopse
O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que
atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas
passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no
tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados
em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a
lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a
uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que
juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute
baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com
o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de
cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo
manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O
enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para
a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e
branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria
compotildee as cenas da trama
Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento
panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da
trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade
esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o
motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa
ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais
Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o
motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo
adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de
quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia
56
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
57
Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
58
A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
59
do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
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XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e
Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003
65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
5
RESUMO
Este estudo tem como objetivo analisar a fotografia audiovisual mais especificamente na
sua relaccedilatildeo com o a autorialidade de Fernando Meirelles Busca-se compreender como o
autor constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria na fotografia de seus filmes a qual se configura
atraveacutes da interface publicidade e cinema Para isso construiu-se como corpus de anaacutelise
frames ou seja fragmentos de quatro filmes que foram analisados de modo a compreender
a construccedilatildeo e a relaccedilatildeo de sua expressividade bem como seu vieacutes publicitaacuterio A
dimensatildeo da publicidade delineou o foco da pesquisa uma vez que se anseia pela anaacutelise
do caraacuteter publicitaacuterio da fotografia audiovisual Para tanto a relaccedilatildeo existente entre a
esteacutetica audiovisual e a linguagem videograacutefica responsaacutevel pela construccedilatildeo de uma
esteacutetica publicitaacuteria evidenciada na obra fiacutelmica
Palavras-chave fotografia audiovisual esteacutetica publicitaacuteria cinema autoral interfaces
publicidade cinema
ABSTRACT
The objective of this study to analyze the photograph audiovisual more specifically in its
relationship to authorial Fernando Meirelles We seek to understand how the author builds
the aesthetics of advertising photography in his films which is formed through the
interface and cinema advertising For this we constructed a corpus analysis of frames ie
fragments of four films that have been analyzed to understand the relationship building
and its expressivity and its bias in advertising The size of the advertising outlined the
focus of research since it yearns for character analysis audiovisual advertising
photography To this end the relationship between aesthetics and audiovisual video
language responsible for the aesthetics advertising evident in film work
Keywords audiovisual photography advertising aesthetics film copyright interfaces
advertising cinema
6
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas 39
Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas (Plano aberto e plano conjunto) 41
Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas (em sentido horaacuterio
Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal) 42
Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas
quando as personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo 43
Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas 44
Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus (em sentido horaacuterio primeiro meacutedio
em conjunto e dois gerais) 45
Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus (em sentido
horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal) 46
Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus 47
Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus 47
Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela 48
Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus 49
Figura 11 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel 49
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel (em sentido horaacuterio plano meacutedio
em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em plongeacutee e plano aberto em
conjunto)
51
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel (em sentido
horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee) 52
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel (variaccedilatildeo entre suave e dura) 53
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel 54
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a Cegueira 54
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira (Plano geral em conjunto e
grande plano geral) 56
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela
porta de vidro)
56
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira 57
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro
―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel 58
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira 59
7
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO________________________________________________________ 8
1 Linguagem e Esteacutetica Audiovisual________________________________________ 12
11 Interfaces cinema e publicidade________________________________________ 18
2 A fotografia na esteacutetica audiovisual_______________________________________ 21
21 Iluminaccedilatildeo__________________________________________________________ 25
22 Cor_________________________________________________________________ 26
23 Enquadramentos_____________________________________________________ 28
231 Planos_______________________________________________________ 29
232 Acircngulos de Filmagem_________________________________________ 30
233 Movimentos de cacircmera__________________________________________ 30
3 O Cinema de Autor_____________________________________________________ 31
4 Metodologia___________________________________________________________ 37
5 Anaacutelises______________________________________________________________ 39
51 Domeacutesticas__________________________________________________________ 39
52 Cidade de Deus_______________________________________________________ 44
53 O Jardineiro Fiel_____________________________________________________ 49
54 Ensaio sobre a Cegueira_______________________________________________ 54
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS_____________________________________________ 60
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS______________________________________ 63
ANEXOS_______________________________________________________________ 65
8
INTRODUCcedilAtildeO
A esteacutetica publicitaacuteria no cinema surge diante do contexto cultural da diversidade e
da multiplicidade no qual se percebe a fusatildeo entre a linguagem videograacutefica e a fotografia
do cinema Segundo Aumont (1995 p15) ―a esteacutetica do cinema eacute portanto o estudo do
cinema como arte o estudo dos filmes como mensagens artiacutesticas capazes de atrair a
atenccedilatildeo do espectador diante de uma determinada narrativa
O filme como produto cultural de massa atinge puacuteblicos diversificados que
reconhecem os seus coacutedigos suas linguagens e muito dessa adaptaccedilatildeo se deve ao
crescimento da TV e agrave tecnologia do viacutedeo A esteacutetica publicitaacuteria traduz o indiviacuteduo
contemporacircneo multifacetado acostumado com o acuacutemulo cada vez maior de
informaccedilotildees inserido em uma sociedade de massa multimidiaacutetica
A publicidade em relaccedilatildeo agrave sua funcionalidade busca positivar as qualidades e os
atributos dos serviccedilos eou produtos Por meio da persuasatildeo busca vender uma marca
seduzir e influenciar o espectador a consumir um determinado produto ndash tanto no campo
das ideacuteias quanto no campo dos discursos - que representa Nesse sentido ela usa e abusa
de recursos ligados agrave emoccedilatildeo e agrave identificaccedilatildeo sociocultural fazendo com que o
consumidor seja atraiacutedo e se identifique pela criaccedilatildeo Segundo Castells (1999 p22)
―entende-se por identidade a fonte de significado e experiecircncias de um povo
Experiecircncias essas que correspondem ao modo de vida em sociedade aos valores
culturais aos quais os indiviacuteduos estatildeo inseridos e que caracterizam a criaccedilatildeo de tal
identidade Carvalho (1996 p13) acrescenta que ―a publicidade impotildee nas linhas e
entrelinhas valores mitos ideais e outras elaboraccedilotildees simboacutelicas capazes de reformular
as tendecircncias culturais
Enquanto isso o cinema do ponto de vista funcional busca contar uma histoacuteria ndash
ficcional ou natildeo poreacutem como uma produccedilatildeo muitas vezes de entretenimento O objetivo
principal eacute procurar uma identificaccedilatildeo diante de seu puacuteblico divertir emocionar refletir e
transportaacute-los para a tela Stam (2003 p53) destaca que ―o cinema natildeo apenas evidencia o
movimento poeacutetico das coisas do mundo mas traduz as percepccedilotildees modificadas da vida
urbana contemporacircnea criando uma multiplicidade de informaccedilotildees em meio agrave sociedade
de massa Entatildeo como objeto cultural o cinema eacute capaz de entreter e disseminar
ideologias e tendecircncias para um grande nuacutemero de pessoas simultaneamente pois se
caracteriza como um produto coletivo da cultura de massa
9
Este trabalho constroacutei-se no cenaacuterio de interfaces entre publicidade e cinema a
partir da anaacutelise da concepccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria na fotografia dos filmes de
Fernando Meirelles
Vale ressaltar que a fotografia eacute um elemento fundamental na construccedilatildeo da esteacutetica
audiovisual Eacute a partir de sua composiccedilatildeo que o estilo da obra eacute retratado na tela Sendo
assim eacute preciso escolher com cuidado cada um dos componentes fotograacuteficos a fim de se
obter o resultado expressivo desejado Para Martin (2003 p57) a iluminaccedilatildeo ―constitui
um fator decisivo para a criaccedilatildeo da expressividade da imagem Aleacutem disso eacute elemento de
criaccedilatildeo da ―atmosfera da cena A atmosfera cecircnica por sua vez eacute difiacutecil de analisar pois
estaacute atrelada agrave subjetividade ou seja agrave capacidade de percepccedilatildeo de cada espectador tendo
um papel impreciso Natildeo se pode esquecer da utilizaccedilatildeo das cores sejam elas quentes ou
frias conotando reaccedilotildees psicoloacutegicas nos espectadores bem como o contraste cromaacutetico e
luminoso eficaz na significaccedilatildeo de cada cena
De acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber cada vez mais a interferecircncia
da publicidade na atual produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este
papel de fonte de referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem
audiovisual nas produccedilotildees contemporacircneas e diante disso tem-se como objetivo
compreender como o diretor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria na
fotografia de seus filmes Arquiteto por formaccedilatildeo Fernando Meirelles comeccedilou sua
carreira na aacuterea audiovisual realizando viacutedeos experimentais com um grupo de amigos
ainda durante a faculdade Posteriormente fundou a produtora independente Olhar
Eletrocircnico e nunca mais deixou de trabalhar como diretor tanto na publicidade quanto no
cinema No cinema dirigiu os filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O
Jardineiro Fiel (2005) e Ensaio sobre a Cegueira (2008) Esses filmes constituem o objeto
empiacuterico deste trabalho que para alcanccedilar seu objetivo geral busca (1) analisar as
interfaces existentes entre publicidade e cinema (2) estudar a fotografia enquanto
elemento da esteacutetica audiovisual e (3) verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando
Meirelles em seus filmes
Jaacute haacute algum tempo percebe-se um crescente nuacutemero de cineastas com vasta
experiecircncia no mercado publicitaacuterio profissionais que realizaram muitos trabalhos como
diretores de filmes publicitaacuterios e dela migraram para o cinema Possuem portanto uma
visatildeo abrangente da linguagem audiovisual o que possibilita diferentes abordagens
esteacuteticas tanto no cinema quanto na publicidade A existecircncia de profissionais oriundos de
outras aacutereas trabalhando nas produccedilotildees audiovisuais reflete na nova relaccedilatildeo estabelecida
10
entre a noccedilatildeo de arte ciecircncia e tecnologia Esses domiacutenios antes mais distantes agora se
veem envolvidos em processos de troca combinaccedilatildeo fusatildeo Sobre as novas tecnologias
Popper apud Parente (1993) diz que
Em todo caso e em grande parte graccedilas aos novos meacutetodos de transmissatildeo de
imagens e agrave difusatildeo massiva dos conhecimentos e informaccedilotildees entramos no
presente em uma era em que o pensamento teacutecnico e o pensamento simboacutelico se
encontram em que o impacto das novas tecnologias provoca uma mutaccedilatildeo
decisiva na esfera cultural (PARENTE 1993 p213)
Covaleski (2009) acrescenta que tanto a televisatildeo quanto o cinema satildeo os uacutenicos
meios audiovisuais que possibilitam a utilizaccedilatildeo na publicidade da maioria dos elementos
de persuasatildeo e de sentido unindo o som a imagem o movimento e o texto escrito Deste
modo a publicidade trabalha com narrativas sinteacuteticas que se adequam ao tempo reduzido
de 30 eou 45 segundos para vender a ideacuteia do produto que anuncia Em oposiccedilatildeo o
cinema possui em meacutedia cerca de 90 minutos suficientes para mostrar o enredo contar a
histoacuteria apresentar os personagens e desenrolar toda a narrativa
As relaccedilotildees entre cinema e publicidade televisual partem das caracteriacutesticas da
obra final que eacute gerada em cada um desses gecircneros de comunicaccedilatildeo No
cinema a obra cinematograacutefica a peliacutecula de curta meacutedia ou longa-metragem
na publicidade televisual o comercial o filme ou viacutedeo publicitaacuterio que
obedecem aos formatos impostos pelos veiacuteculos de comunicaccedilatildeo Os propoacutesitos
para os quais as obras fiacutelmicas cinematograacuteficas ou publicitaacuterias satildeo geradas
visam a atender interesses e objetivos que vatildeo do comercial ao artiacutestico
(COVALESKI 2009 p93)
Portanto a poacutes-modernidade cultural a qual representa o surgimento de outras
dimensotildees esteacuteticas eacute a grande chave para esta anaacutelise cujo foco recai sobre o elemento
de linguagem fotograacutefica Isto eacute recai na fotografia e na sua capacidade de construir
sentidos acerca de um momento que nunca mais aconteceraacute e ao mesmo tempo congelaacute-
lo possibilitando a representaccedilatildeo desta realidade deste momento uacutenico
Assim tal pesquisa articula a abordagem de temas de grande importacircncia para a
comunicaccedilatildeo audiovisual visto que possibilitam o surgimento de outras tendecircncias nas
produccedilotildees cinematograacuteficas contemporacircneas Para isso a revisatildeo teoacuterica perpassa pela
introduccedilatildeo sobre o tema do trabalho em que as temaacuteticas abordadas satildeo apresentadas bem
como o corpus escolhido para anaacutelise e os objetivos da pesquisa o primeiro capiacutetulo
discute teoricamente a linguagem e a esteacutetica audiovisual bem como as interfaces
existentes entre publicidade e cinema o segundo capiacutetulo aborda a fotografia na esteacutetica
audiovisual enfatizando os elementos expressivos fotograacuteficos ndash iluminaccedilatildeo cor
11
enquadramentos planos acircngulos e movimentos de cacircmera o terceiro capiacutetulo teoriza
sobre o cinema de autor e aborda o autor em questatildeo Fernando Meirelles o quarto
capiacutetulo elucida o processo metodoloacutegico aplicado no desenvolvimento do trabalho o
quinto capiacutetulo encarrega-se de demonstrar os exerciacutecios analiacuteticos empreendidos nos
frames do corpus e o sexto capiacutetulo preocupa-se com as consideraccedilotildees finais da pesquisa
12
1 Linguagem e Esteacutetica Audiovisual
Por poder ser captada simultaneamente pelo olho e pelo ouvido a linguagem
audiovisual permite o envolvimento completo do seu espectador diante da fusatildeo do som e
da imagem em movimento A fusatildeo entre aacuteudio e viacutedeo possibilita um paralelo entre o
racional e o sensorial de modo que a mesma consegue dizer muito mais do que
conseguimos captar pois chega simultaneamente por muito mais caminhos do que
conscientemente percebemos
O viacutedeo incluiacutedo em um meio de comunicaccedilatildeo de massa eacute utilizado como forma
de expressatildeo aleacutem de estruturar novas teacutecnicas tanto no processo de gravaccedilatildeo e de poacutes-
produccedilatildeo Tais teacutecnicas satildeo responsaacuteveis por todo o cruzamento de narrativas hoje
utilizadas pelo cinema e pela publicidade
O viacutedeo eacute um sistema hiacutebrido ele opera com coacutedigos significantes distintos
parte importados do cinema parte importados do teatro da literatura do raacutedio e
mais modernamente da computaccedilatildeo graacutefica aos quais acrescenta alguns
recursos expressivos especiacuteficos alguns modos de formar ideacuteias ou sensaccedilotildees
que lhe satildeo exclusivos (MACHADO 1997 p 190)
Dubois (2004 p77) define a estetizaccedilatildeo videograacutefica como ―uma linguagem (ou
uma esteacutetica) particular (mas de nenhum modo exclusiva) que pertence a loacutegicas
diferentes e potildee em jogo questotildees de ordem muito diversa que as do cinema O
surgimento do viacutedeo possibilitou novas tecnologias como por exemplo a televisatildeo
Diante disso o autor classifica dois modos principais de representaccedilatildeo em viacutedeo
O modo plaacutestico (a ―videoarte em suas formas e tendecircncias muacuteltiplas) e[] o
modo documentaacuterio (o real ndash bruto ou natildeo ndash em todas as suas estrateacutegias de
representaccedilatildeo) E sobretudo ndash eacute o que os une contra a transparecircncia - ambos
com um senso constante do ensaio da experimentaccedilatildeo da pesquisa da inovaccedilatildeo
(DUBOIS 2004 p77)
De acordo com Gutierrez (1992) dentro de noacutes acontece uma repercussatildeo em
imagens baacutesicas centrais simboacutelicas arquetiacutepicas com as quais nos identificamos ou que
se relacionam conosco de alguma forma consistindo na representaccedilatildeo de uma realidade
em movimento
A linguagem audiovisual responsaacutevel por tal representaccedilatildeo eacute constituiacuteda por
alguns elementos fundamentais (1) o plano - cada parte da fita que se apresenta ao
espectador como tendo sido filmada sem interrupccedilotildees (2) a cena - o conjunto de planos
cuja accedilatildeo eacute contiacutenua e decorre numa relativa unidade de tempo e espaccedilo constitui as cenas
13
e as sequumlecircncias (3) o enquadramento - a variaccedilatildeo da longitude da cacircmera agrave cena filmada
por meio de movimento (sem interrupccedilatildeo da filmagem) dentro do mesmo plano a
variaccedilatildeo do enquadramento e (4) a montagem ndash procedimento de organizaccedilatildeo do conjunto
de cenas sequumlecircncias e planos que formam a obra fiacutelmica
Tais elementos audiovisuais estatildeo presentes tanto nas produccedilotildees cinematograacuteficas
quanto nas produccedilotildees publicitaacuterias poreacutem o modo como satildeo utilizados eacute que as difere
Segundo Aumont (1995) inicialmente o cinema era desprovido de uma linguagem pois
apenas refletia o registro de um espetaacuteculo uma simples reproduccedilatildeo do real Entretanto
com o intuito de contar histoacuterias e veicular ideias o cinema precisou utilizar determinados
procedimentos expressivos os quais passaram a constituir sua linguagem
Assim sendo pode-se definir a linguagem cinematograacutefica como ―o conjunto das
mensagens cujo material de expressatildeo compotildee-se de cinco pistas ou canais a imagem
fotograacutefica em movimento os sons foneacuteticos gravados os ruiacutedos gravados o som musical
gravado e a escrita (creacuteditos intertiacutetulos materiais escritos no interior do plano) (STAM
2003 p132) A utilizaccedilatildeo em sinergia desse grande nuacutemero de elementos possibilita uma
maior variedade de abordagens nas produccedilotildees audiovisuais Por exemplo uma montagem
natildeo-linear com ritmo acelerado de troca de planos acircngulos e enquadramentos eacute a marca
das realizaccedilotildees videograacuteficas contemporacircneas
Para Balaacutezs apud Stam (1995) a linguagem cinematograacutefica pode ser definida a
partir de 4 princiacutepios
- no cinema existe uma distacircncia variaacutevel entre espectador e cena representada
daiacute uma dimensatildeo variaacutevel da cena que toma lugar no quadro e na composiccedilatildeo
da imagem
- a imagem total da cena eacute subdividida em uma seacuterie de planos de detalhes
(principio da decupagem)
- existe variaccedilatildeo de enquadramento (acircngulo de visatildeo perspectiva) dos planos de
detalhe no decorrer da mesma cena
- finalmente eacute a operaccedilatildeo da montagem que garante a inserccedilatildeo dos planos de
detalhes em uma sequumlecircncia ordenada na qual natildeo apenas cenas inteiras se
sucedem mas tambeacutem tomadas de detalhes mais miacutenimos de uma mesma cena
A cena em seu conjunto eacute resultado disso como se os elementos de um mosaico
temporal fossem justapostos no tempo (BALAacuteZS apud STAM 1995 p163-
164)
O cinema busca traduzir a realidade atraveacutes da representaccedilatildeo artiacutestica mediante o
uso de teacutecnicas pertencentes agrave linguagem audiovisual Stam (2003 p132) acrescenta que
se torna linguagem a partir do momento em que comunica ―um conjunto de mensagens
formuladas com base em um determinado material de expressatildeo um discurso ou praacutetica
significante caracterizado por codificaccedilotildees e procedimentos ordenatoacuterios especiacuteficos
14
Por volta de 1750 a palavra esteacutetica foi inventada com o intuito de designar uma
―ciecircncia dos sentimentos posteriormente uma ―ciecircncia do belo Atualmente eacute
empregada igualmente no plural para se referir agraves diversas concepccedilotildees do belo e da arte
Segundo Aumont e Marie (2003) natildeo existe esteacutetica constituiacuteda do cinema mas questotildees
de natureza esteacutetica foram frequumlentemente discutidas a respeito dele em torno dos
seguintes problemas
1 O cinema entre as artes natildeo tendo sido o cinema de iniacutecio aceito como
arte (mas como teacutecnica ou como distraccedilatildeo) sua especificidade artiacutestica foi
muitas vezes salientada Em particular ele foi por isso confrontado e
comparado com artes reconhecidas a muacutesica (Gance) a pintura (Bazin
Aumont Bonitzer) o teatro (Pagnol) valorizando a cada vez uma
caracteriacutestica particular do cinema o ritmo o enquadramento a fala a
cenicidade etc
2 A especificidade do fiacutelmico ela diz respeito a alguns traccedilos fundamentais
estudados nos mais das vezes de pontos de vista bem diferentes o
movimento (Munsterberg Deleuze) a mobilidade do ponto de vista
(Souriau Metz Jost Aumont) a sequencialidade e a montagem
(Eisenstein)
3 A possibilidade de uma poeacutetica do cinema ndash ou seja de uma concepccedilatildeo
geral da natureza do cinema da criaccedilatildeo fiacutelmica da relaccedilatildeo do fiacutelmico com o
mundo afilmico ou profilmico etc A respeito desse ponto observa-se uma
grande oposiccedilatildeo entre poeacuteticas realistas ndash o filme como transparecircncia
(Kracauer) a ―liacutengua escrita da realidade (Pasolini) o ―cine-olho
(Vertov) - e poeacuteticas formalistas ndash o ―cinema-linguagem (Eisenstein) a
fotogenia (Epstein) o filme como grande forma (Buch) etc
4 A possibilidade de uma arte de massa imposta pela induacutestria e pela teacutecnica
(Panofsky) (AUMONT MARIE 2003)
Para Covaleski (2009 p77) a esteacutetica do cinema estaacute diretamente relacionada com
a natureza reprodutiva e mecacircnica do meio cinematograacutefico Segundo o autor eacute possiacutevel
destacar duas teorias mesmo que distintas em que se refere agrave natureza reprodutiva do
cinema A primeira de Walter Benjamin afirma que toda a problemaacutetica da esteacutetica
relacionada ao cinema estaacute centrada no ―contexto da crise do sistema tradicional das artes
cuja modalidade de percepccedilatildeo cinematograacutefica essencialmente coletivalsquo e distraiacutedalsquo eacute
sua proacutepria causa e efeito Jaacute a segunda teoria de Andreacute Bazin constata que o problema
esteacutetico estaacute ligado ao caraacuteter mecacircnico da reproduccedilatildeo ou seja ―eacute a ausecircncia de uma
intervenccedilatildeo por parte da interpretante e a deformaccedilatildeo causada pela projeccedilatildeo que teoriza
tal problemaacutetica Jaacute Aumont (2002 p15-16) ressalta que a esteacutetica do cinema confere dois
aspectos ―uma vertente geral que considera o efeito esteacutetico proacuteprio do cinema e uma
vertente especiacutefica centrada na anaacutelise de obras particulares Sendo assim refere-se agrave
anaacutelise de filmes ou a criacutetica no sentido pleno do termo
15
Na obra fiacutelmica os aspectos esteacuteticos satildeo apresentados diante de uma
categorizaccedilatildeo dos elementos que constituem a manifestaccedilatildeo esteacutetica no cinema Segundo
Covaleski (2009) ―tais manifestaccedilotildees se datildeo sobre vaacuterias formas ora icocircnicas ora
focircnicas ora graacuteficas ora oacuteticas ora sonoras ora auditivas e estatildeo em processo de
evoluccedilatildeo devido ao surgimento de novas tecnologias de comunicaccedilatildeo juntamente com
novas manifestaccedilotildees artiacutesticas
No decorrer do seacuteculo XX mediante tais transformaccedilotildees houve a geraccedilatildeo de
novas noccedilotildees de criaccedilatildeo de arte de esteacutetica Conforme Plaza (2000) ocorreu um
―deslocamento das funccedilotildees instauradoras (a poeacutetica do artista) para funccedilotildees de
sensibilidade receptora (esteacutetica) o que produz no meio artiacutestico uma grande confusatildeo
conceitual caracterizada pela mistura e hibridaccedilatildeo de gecircneros poeacuteticas e atitudes
artiacutesticas
Pode-se compreender com base em Covaleski (2009) que a chegada da arte do
cinema agrave tevecirc trouxe tambeacutem padrotildees esteacuteticos que aos poucos foram incorporados ao
meio televisual aleacutem de serem consumidos em larga escala pela publicidade Percebe-se
que boa parte dos comerciais de tevecirc os chamados filmes publicitaacuterios alcanccedilam mais
destaque que a proacutepria programaccedilatildeo devido aos recursos tecnoloacutegicos e a linguagem
adaptada do cinema utilizado em suas produccedilotildees Sendo assim ao serem criados e
produzidos com preocupaccedilotildees esteacuteticas e cuidados artiacutesticos possibilitou gerar um
receptaacuteculo proacuteprio a esteacutetica publicitaacuteria
Diante do debate entre o aspecto utilitaacuterio e o aspecto artiacutestico da mensagem cabe
agrave publicidade recorrer agraves funccedilotildees da linguagem Para o autor natildeo importa se sejam as
poeacuteticas conativas ou referenciais mas sim sua finalidade de elevar e diversificar o
conjunto de repertoacuterios de seu puacuteblico-alvo contribuindo assim para a aceitaccedilatildeo de uma
nova esteacutetica
Tal questatildeo esteacutetica para alguns autores eacute tratada como uma espeacutecie de fetiche
cinematograacutefico Eacute possiacutevel perceber a veneraccedilatildeo e a adoraccedilatildeo de determinados elementos
constituintes da narrativa - do figurino do cenaacuterio ou ateacute mesmo da performance cecircnica
do ator ndash como intuito de simbolizar objeto de culto estabelecer um valor icocircnico a este
Conforme Covaleski (2009 p79-80) desde ―a criaccedilatildeo de mitos do cinema ao lanccedilamento
de moda passando pelo merchandising institucionalizado a esteacutetica cinematograacutefica
contribui na formaccedilatildeo e evoluccedilatildeo de comportamentos fetichistas por parte da sociedade
movida por novos sonhos de consumo e por novas divindades a cultuar
16
A partir da reflexatildeo de Carvalho (2003) a cerca dos estudos de Leacutevi-Strauss pode-
se dizer que a individualizaccedilatildeo da produccedilatildeo demonstrar o aparecimento de uma
consciecircncia criacutetica por parte do receptor que retira da esteacutetica-primitiva o seu dever social
A obra sendo produzida individualmente sem necessidade de bastar a uma sociedade ou
clatilde A esteacutetica-moderna depende apenas da aprovaccedilatildeo ou natildeo de uma clientela ―de classe
(como utiliza o autor) para se firmar como arte
Ao mesmo tempo com a evoluccedilatildeo da criacutetica de arte e o aparecimento do
abstracionismo Leacutevi-Strauss iraacute demonstrar um propoacutesito antimodernista ao perceber a
banalizaccedilatildeo presente na arte do poacutes-guerra Aleacutem da hiper-valorizaccedilatildeo da criacutetica a
representaccedilotildees pictoacutericas sem compromisso artiacutestico Poreacutem dentro desta mesma vertente
podemos repassar seu conceito de arte que funde a ciecircncia e o mito na concepccedilatildeo do
espiacuterito humano (pensamento criador) em outro de seus pensamentos a loacutegica do
sensiacutevel Loacutegica regida pela possibilidade de unir muacutesica e mito ou romance e mito atraveacutes
de uma ―estrutura-funccedilatildeo Todo meio artiacutestico pode ser fundido a outro ou recriado
desde que o estruturalismo presente no espiacuterito humano conceba um fim artiacutestico
A inter-relaccedilatildeo do cinema e da publicidade audiovisual resulta dos aspectos dessa
linguagem pois ambos constituem meios audiovisuais que trabalham a partir de uma
mesma base de composiccedilatildeo e de montagem de elementos expressivos para criar um
determinado plano de conteuacutedo narrativo e de significado o que configura esteacuteticas
diferenciadas
A modernidade da imagem cinematograacutefica eacute reflexo de um processo histoacuterico
em que a arte tenta se renovar em releituras de seus proacuteprios conceitos e criaccedilatildeo
de outros A diversidade estiliacutestica caracteriacutestica do cinema comercial da deacutecada
de 90 retrata uma geraccedilatildeo multimiacutedia de novos profissionais e espectadores que
acabaram por alterar os rumos da cinematografia contemporacircnea
(CARVALHO 2003)
Tais mudanccedilas de abordagem satildeo visiacuteveis natildeo apenas no cinema como tambeacutem nos
videoclipes nos games e na publicidade Refere-se a uma nova perspectiva de criaccedilatildeo
audiovisual na tentativa de romper as barreiras das produccedilotildees tradicionais e enfatizar o
surgimento de novas possibilidades Tais rupturas contribuem para a mudanccedila no
comportamento dos sujeitos contemporacircneos
O pensador de agora jaacute natildeo se senta mais agrave sua escrivaninha diante de seus
livros para dar forma ao seu pensamento mas constroacutei as suas ideias manejando
instrumentos novos ndash a cacircmera a ilha de ediccedilatildeo o computador - invocando
ainda outros suportes de pensamento sua coleccedilatildeo de fotos filmes viacutedeos
discos ndash sua mideoteca enfim (DUBOIS 2004 p19)
17
O pensamento audiovisual contemporacircneo constata essa hibridizaccedilatildeo essa
convergecircncia de elementos responsaacuteveis por uma mudanccedila de conduta Deste modo
Dubois (2004 p25) ressalta a existecircncia do imaginaacuterio cinematograacutefico presente em
todos os lugares e impregnado ―ateacute em nossa maneira de falar ou de ser Quem ao
percorrer de carro um longo trajeto numa vasta paisagem aberta natildeo pensou com a ajuda
da muacutesica no raacutedio numa figura de travelling mergulhando na tela panoracircmica de seu
paacutera-brisa
Em relaccedilatildeo agrave esteacutetica publicitaacuteria Carvalho (2003) ressalta uma possiacutevel ―morte
do cinema Vaacuterios criacuteticos apostam nessa ―morte diante do uso de recursos estiliacutesticos
que estariam se sobressaindo na concepccedilatildeo criadora do filme em contraposiccedilatildeo ao
realismo bem como da evoluccedilatildeo da teacutecnica que distancia o cinema de sua perspectiva
fotograacutefica Resultando assim na valorizaccedilatildeo da imagem em detrimento da representaccedilatildeo
Contudo o autor ressalva que tal concepccedilatildeo de retrato da realidade aleacutem de
ultrapassada estaacute reformulada no estudo do ―espiacuterito humano de Leacutevi-Strauss Este
estudo baseia-se no posicionamento da seacutetima arte como uma visatildeo moderna do homem
diante da realidade a visatildeo em que a cacircmera capta a imagem e natildeo o objeto
Enquanto isso Merquior (1975) busca uma maneira de refletir e re-posicionar as
concepccedilotildees de Leacutevi-Strauss quanto agrave arte contemporacircnea
Em vez de vociferar sobre a verdade factuallsquo da morte da artelsquo conviria
colocar a problemaacutetica implicada por essas teses em relaccedilatildeo a uma das
tendecircncias mais fecundas do estruturalismo ndash sua vontade de ultrapassar as
anaacutelises estanques dos domiacutenios culturais (arte religiatildeo ciecircncia etc) de
encorajar a pesquisa de afinidades estruturais e funcionais entre esses camposlsquo
sem jamais esquecer que satildeo todos faces de uma mesma realidade o espiacuterito
humano (MERQUIOR 1975 p79)
Em seu texto A Dupla Heacutelice Raimond Bellour consegue ver logo no viacutedeo ndash base
da esteacutetica publicitaacuteria ndash e na tecnologia digital o resumo desta realidade emergente
O viacutedeo leva assim agrave sua perda essa capacidade de analogia dilatada agraves
dimensotildees do universo pela primeira vez os corpos e os objetos do mundo satildeo
virtualmente desfiguraacuteveis (e logo refiguraacuteveis) ao sabor de uma potecircncia que
transforma em tempo real ou quase natildeo diferido (e natildeo mais somente como no
cinema por uma lenta elaboraccedilatildeo cujas trucagens constituem o modelo) as
representaccedilotildees que capta seu olho mecacircnico Isso explica o fato de a viacutedeo-
imagem a caccedilula das imagens de reproduccedilatildeo poder aparecer simultaneamente
como uma nova imagem irredutiacutevel ao que a precede mas tambeacutem uma
imagem capaz de atrair de absorver de misturar todas as imagens anteriores
pintura fotografia cinema (BELLOUR Raimond in PARENTE 1993 p223)
18
Em funccedilatildeo disso a esteacutetica publicitaacuteria natildeo passaria apenas de um mero
abstracionismo imageacutetico do cinema mas sim a siacutentese de uma movimentaccedilatildeo esteacutetica que
atravessa todas as artes denominada Poacutes-modernidade Cultural Muito aleacutem de um
recurso estiliacutestico as imagens de ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus entre outros filmes
tachados como videoclipeiros ou publicitaacuterios refletem na representaccedilatildeo do olhar do
homem moderno Toda essa fundamentaccedilatildeo estaacute na fusatildeo da linguagem videograacutefica com
a fotograacutefica do cinema Ao inveacutes de ampliar a visatildeo da rapidez das coisas tenta-se
reduzir o que ocorre agrave nossa volta em conceitos voltado aos meios artiacutesticos
11 Interfaces cinema e publicidade
Com o intuito de construir um sentido proacuteprio para cada filme o cinema atua em
momentos esparsos e depende da disposiccedilatildeo do espectador para que a obra fiacutelmica seja
consumida Em contrapartida a televisatildeo oferece uma programaccedilatildeo diversificada sem
interrupccedilotildees 24h por dia Assim o espectador recebe informaccedilotildees se diverte com
seriados novelas e filmes sem sair de casa
Percebe-se que a origem do discurso nunca eacute autocircnoma mas sim dependente de
outros discursos em que buscou referecircncia Bliskstein (1994 p45) constata que
―suportado por toda uma intertextualidade o discurso natildeo eacute falado por uma uacutenica voz mas
por muitas vozes geradoras de muitos textos que se intercruzam no tempo e no espaccedilo
Na deacutecada de 60 Kristeva introduziu o termo intertextualidade como uma traduccedilatildeo
para ―dialogismo que se refere agrave relaccedilatildeo entre um enunciado e os demais enunciados De
acordo com Stam (2003) a intertextualidade eacute um conceito de valor na medida em que
possibilita relacionar o texto individual com as demais formas de representaccedilatildeo natildeo
somente com outros textos
Intertextualidade eacute vista por Fiorin (2002) como a forma de incorporar um texto em
outro aleacutem de ser polecircmica quando propotildee uma oposiccedilatildeo ao sentido do texto original ou
contratual quando o reforccedila e o enaltece Assim sendo a intertextualidade polecircmica eacute
conhecida como paroacutedia enquanto a intertextualidade contratual como paraacutefrase Aleacutem
disso classifica tambeacutem em
citaccedilatildeo (referecircncia literal a outro texto usando parte deste) alusatildeo (reproduccedilatildeo
de construccedilotildees sintaacuteticas substituindo algumas figuras do texto original por
outras) e estilizaccedilatildeo (reproduccedilatildeo do estilo de outrem no plano da expressatildeo ou
no do conteuacutedo) (FIORIN apud COVALESKI 2009 p 39)
19
A seguir uma abordagem mais detalhada de cada uma das relaccedilotildees intertextuais
entre o cinema e a publicidade televisual na visatildeo de Covaleski (2009)
a) citaccedilatildeo a publicidade desfruta desse recurso criativo com maestria Uma uacutenica
obra cinematograacutefica pode originar uma grande variaccedilatildeo de citaccedilotildees ancoradas
a uma mesma cena claacutessica evidentemente emblemaacutetica contundente o
bastante para se tornar perene no imaginaacuterio coletivo transpondo barreiras
culturais e temporais Pode-se citar como exemplo a cena emblemaacutetica em que
a atriz Marilyn Monroe tem sua saia levantada devido ao deslocamento de ar
durante a passagem do metrocirc no filme O Pecado Mora ao Lado (The Seven
Year Itch de Billy Wilder ndash 1955) Essa cena muito conhecida jaacute foi usada
diversas vezes e de diferentes formas pela publicidade Exemplo disso foi a
colocaccedilatildeo de uma saia ndash a la Marilyn ndash em garrafas de vodka da marca
Absolut
b) alusatildeo mais sutil que a citaccedilatildeo remete a uma obra anterior poreacutem sem fazer
uso de fragmentos dela Utiliza somente uma construccedilatildeo equivalente
substituindo determinadas figuras por outras A alusatildeo recorrente no cinema eacute
facilmente percebida em filmes que pertencem a um mesmo gecircnero
cinematograacutefico Na publicidade a intertextualidade com o cinema utilizando a
alusatildeo aparece em comerciais de anunciantes dos mais diferentes segmentos de
mercado bem como os filmes de onde saiacuteram as inspiraccedilotildees pertencem aos
mais diversos gecircneros O filme francecircs O Fabuloso Destino de Ameacutelie Poulain
(Le Fabuleux Destin drsquoAmeacutelie Poulain de Jean-Pierre Jeunet - 2001) eacute uma
obra com clara influecircncia da linguagem publicitaacuteria Muito disso se deve
devido agrave vivecircncia de Jeunet em meio agrave publicidade Eacute o caso deste trabalho jaacute
que Fernando Meirelles trabalhou com publicidade antes de seguir carreira no
cinema Um exemplo de alusatildeo a este filme se percebe na campanha do
automoacutevel Renault Sceacutenic ndash um anatildeo de jardim eacute sequumlestrado por um grupo de
amigos e aprova seu novo endereccedilo mandando uma carta agrave sua antiga dona
avisando que natildeo voltaraacute mais para casa Deste modo a campanha faz alusatildeo
ao argumento de liberdade explorado na obra francesa
c) estilizaccedilatildeo ato de reproduzir um conjunto de procedimentos de caracteriacutesticas
de formas e de conteuacutedos do discurso de outrem Eacute recorrer agrave estrutura seja no
20
plano da expressatildeo ou no do conteuacutedo produzindo um efeito de
personalizaccedilatildeo muito embora remeta a obra anterior independente de
estabelecer uma relaccedilatildeo polecircmica ou contratual com aquela A estilizaccedilatildeo
intertextual na publicidade com referencial cinematograacutefico eacute constante e
ultrapassa o uso apenas dos elementos de linguagem cinematograacutefica Alguns
filmes publicitaacuterios utilizam em suas produccedilotildees as teacutecnicas de trucagem1 se
aproveitam dos efeitos especiais e ateacute dos estilos lanccedilados pelo cinema Um
bom exemplo dessa estilizaccedilatildeo encontra-se em um comercial da Samsung que
se utilizada da mesma esteacutetica tecnoloacutegia e uso de efeitos especiais do filme
Matrix (The Matrix de Andy e Larry Wachowski - 1999)
No Brasil de acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber tambeacutem um
caminho oposto a esta intertextualidade Cada vez mais a publicidade interfere na atual
produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este papel de fonte de
referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem audiovisual nas
produccedilotildees contemporacircneas como eacute o caso dos filmes ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus
―O Jardineiro Fiel e ―Ensaio sobre a Cegueira de Fernando Meirelles
1 Trucagem A accedilatildeo de modificar imagens previamente filmadas ao vivo tanto em sua forma (cor e
tamanho) como na ordem de sua projeccedilatildeo (congelamento aceleraccedilatildeo inversatildeo) Satildeo possiacuteveis tambeacutem a
superposiccedilatildeo de letreiros a fusatildeo (teacutecnica de escurecer uma cena ao mesmo tempo em que outra vai
surgindo provocando a sobreposiccedilatildeo de uma sobre a outra) e outros efeitos especiais O equipamento
utilizado eacute a truca Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbrmidiaartequadroaquadro gt Acesso em 14
Jun 2010
21
2 A fotografia na esteacutetica audiovisual
A palavra fotografia vem do grego foacutes (luz) e grafis (estilo pincel) ou
grafecirc e significa desenhar com luz e contraste Natildeo eacute possiacutevel definir um uacutenico
inventor pois foram vaacuterios os responsaacuteveis pela sua origem Em 1826 o francecircs Joseph
Niceacutephore Nieacutepce teve sua imagem reconhecida como a primeira fotografia tal imagem
foi produzida mediante o uso de uma placa de estanho coberta com um derivado de
petroacuteleo fotossensiacutevel chamado Betume da Judeacuteia O processo de exposiccedilatildeo agrave luz solar
chamado de heliografia durava cerca de oito horas para que a imagem fosse obtida
Neste mesmo periacuteodo Louis Daguerre deu continuidade aos experimentos
fotograacuteficos de Joseph Niceacutephore Nieacutepce fato este que lhe concedeu uma descoberta
decisiva Em 1835 Daguerre apanhou uma placa revestida de prata sensibilizada com
iodeto de prata que apesar de exposta natildeo apresentava sequer vestiacutegios de imagem
guardou-a displicentemente em um armaacuterio e ao abri-lo no dia seguinte encontrou uma
imagem revelada Fez experiecircncias por eliminaccedilatildeo com os outros produtos que estavam
no armaacuterio para descobrir que a imagem latente tinha sido revelada por accedilatildeo do mercuacuterio
Logo apoacutes o falecimento de Niegravepce Daguerre desenvolveu um processo
conhecido como daguerreotipia no qual era possiacutevel reduzir o tempo de revelaccedilatildeo de
horas para minutos devido a utilizaccedilatildeo de vapor de mercuacuterio Daguerre descreveu seu
processo agrave Academia de Ciecircncias e Belas Artes na Franccedila e logo depois requereu a
patente do seu invento na Inglaterra Breslin possibilita um melhor entendido deste
processo
Os daguerreoacutetipos inventados em 1839 foram os primeiros dentre os processos
fotograacuteficos iniciais a se tornar comercialmente disponiacuteveis O processo utiliza
placas uacutemidas que satildeo placas de cobre cobertas por uma emulsatildeo fotossensiacutevel
agrave base de prata As placas eram reveladas em campo enquanto ainda uacutemidas
criando um negativo Os negativos entatildeo podiam ser trazidos de volta ao
estuacutedio onde um pedaccedilo de papel fotograacutefico era assentado sobre a emulsatildeo do
negativo e exposto ao sol A luz do sol expunha a impressatildeo que era fixada (isto
eacute estabilizada por uma processo quiacutemico) e lavada (BRESLIN 2009 p26)
Jaacute em 1839 o britacircnico William Fox Talbot ao tomar conhecimento dos avanccedilos
de Daguerre decidiu apressar a apresentaccedilatildeo de suas pesquisas com papeacuteis fotossensiacuteveis
agrave Royal Institution e agrave Royal Society com o intuito de garantir os direitos sobre suas
invenccedilotildees No entanto Talbot desenvolveu um processo diferente denominado caloacutetipo -
utilizava folhas de papel cobertas com cloreto de prata que posteriormente eram colocadas
22
em contato com outro papel produzindo assim a imagem positiva Trata-se de um
processo semelhante ao usado atualmente em que utiliza-se um negativo para a obtenccedilatildeo
posterior de imagens positivas
A fotografia entatildeo popularizou-se como produto de consumo a partir de 1888 com
a introduccedilatildeo da cacircmera tipo caixatildeo e pelo filme em rolos substituiacuteveis criados por
George Eastman Desde entatildeo o mercado fotograacutefico tem experimentado uma crescente
evoluccedilatildeo tecnoloacutegica como o estabelecimento do filme colorido como padratildeo e o foco
automaacutetico ou exposiccedilatildeo automaacutetica Essas inovaccedilotildees sem duacutevida facilitam a captaccedilatildeo da
imagem melhoram a qualidade de reproduccedilatildeo ou a rapidez do processamento mas muito
pouco foi alterado nos princiacutepios baacutesicos da fotografia
A grande mudanccedila recente produzida a partir do final do seacuteculo XX foi a
digitalizaccedilatildeo dos sistemas fotograacuteficos A fotografia digital mudou paradigmas no mundo
da fotografia minimizando custos reduzindo etapas acelerando processos e facilitando a
produccedilatildeo manipulaccedilatildeo armazenamento e transmissatildeo de imagens pelo mundo O
aperfeiccediloamento da tecnologia de reproduccedilatildeo de imagens digitais tem quebrado barreiras
de restriccedilatildeo em relaccedilatildeo a este sistema por setores que ainda prestigiam o tradicional filme
e assim irreversivelmente ampliando o domiacutenio da fotografia digital
Natildeo se pode esquecer de salientar que a partir de tais descobertas no ramo da
fotografia eacute que foi possiacutevel a invenccedilatildeo do cinema O instantacircneo a possibilidade de
congelar um instante no fluxo contiacutenuo dos acontecimentos soacute se torna possiacutevel de fato
com o advento da fotografia Sendo assim os estudos de Muybrigde referentes aos
instantacircneos sucessivos associada ao aparato do fuzil fotograacutefico de Marey iratildeo resultar na
invenccedilatildeo do cinema Sabe-se que o cinema confere agrave imagem uma continuidade aparente
pois na verdade trata-se de uma seacuterie de instantacircneos separados por intervalos poreacutem aos
sentidos ele se apresenta de forma lisa e fluida como a proacutepria natureza do movimento
Machado acrescenta que
O cinema mesmo o cinema stricto sensu ou seja o cinema que se constitui a
partir do cinematoacutegrafo de LeRoy Edison Paul Skladanwsky e dos Lumiegravere
natildeo era nos seus primoacuterdios o que hoje chamamos de cinema Ele reunia na
sua base de celuloacuteide vaacuterias modalidades de espetaacuteculos derivadas das formas
populares de cultura como circo o carnaval a magia e a prestidigitaccedilatildeo a
pantomima a feira de atraccedilotildees e aberraccedilotildees etc (MACHADO 1997 p 76)
No iniacutecio os filmes eram de curta duraccedilatildeo nos quais o puacuteblico era composto
basicamente de operaacuterios As exibiccedilotildees eram realizadas em grandes galpotildees durante o
23
intervalo de serviccedilo do proletariado Machado (1997 p79) explica que o cinema era uma
em diversas atraccedilotildees oferecidas pelos vaudevilles pois ―natildeo se havia ainda desenvolvido
um conjunto de teacutecnicas e procedimentos de linguagem apropriados para a elaboraccedilatildeo de
uma narrativa visual que fosse suficientemente autocircnoma a ponto de poder se dispensar a
―explicaccedilatildeo de um apresentador
Atualmente pensa-se primeiramente em imagens forma-se um raciociacutenio a partir
de mosaicos audiovisuais que possibilitam um dado significado Tal modelo de
pensamento atraveacutes da imagem tecnoloacutegica deve-se ao conjunto de referecircncias
adquiridas
Assim sendo a fotografia possui papel fundamental na linguagem audiovisual
Sabe-se que a foi a partir da fotografia que se tornou possiacutevel agrave invenccedilatildeo do cinema
Dubois (2004) assegura que
Com a fotografia a maacutequina natildeo se contenta mais em preacute-ver ela inscreve
tambeacutem a imagem por meio das reaccedilotildees fotossensiacuteveis de certos materiais que
registram por si mesmos as aparecircncias sensiacuteveis geradas pela radiaccedilatildeo luminosa
A maacutequina intervecircm aqui portanto no coraccedilatildeo mesmo do processo de
constituiccedilatildeo da imagem que aparece assim como representaccedilatildeo quase
automaacuteticalsquo objetivalsquo sine manu factalsquo O gesto humano passa a ser mais um
gesto de conduccedilatildeo da maacutequina do que de figuraccedilatildeo direta (DUBOIS 2004
p38)
Em sua brilhante anaacutelise Barthes evidencia o fato de que a fotografia significa
muito mais uma ruptura do que uma continuidade em relaccedilatildeo agrave pintura Isso porque a
reaccedilatildeo quiacutemica dos sais de prata fotossensiacuteveis mediada pelo aparelho oacutetico que projeta a
imagem eacute colocada no centro do dispositivo de criaccedilatildeo da imagem deslocando o papel do
criador que antes que antes tinha que compor o instante representado a partir de instantes
distintos usando os coacutedigos da pintura para unificar a fatura e agora passava a poder
recortar um instante na sua proacutepria duraccedilatildeo com o uso da fotografia Dubois acrescenta
que tal uso
abandona o tempo crocircnico real evolutivo o tempo que passa como um rio
nosso tempo dos seres humanos inscritos na duraccedilatildeo para entrar em uma
temporalidade nova separada e simboacutelica a da foto temporalidade que tambeacutem
dura tatildeo infinita em princiacutepio quanto a primeira mas infinita na imobilidade
total congelada na interminaacutevel duraccedilatildeo das estaacutetuas (DUBOIS 1993 p168)
Com a invenccedilatildeo do instantacircneo fotograacutefico a pose a produccedilatildeo a composiccedilatildeo
elementos proacuteprios agrave linguagem da pintura figurativa satildeo subvertidas datildeo lugar tambeacutem
ao efecircmero ao flagrante agrave espontaneidade
Durante o seacuteculo XIX a fotografia buscou ancorar-se na esteacutetica proacutepria agrave pintura
para almejar sua entrada no panteatildeo das Belas-Artes em um movimento chamado pela
24
historiografia de pictorialismo Como bem analisou Walter Benjamin em sua Pequena
Histoacuteria da Fotografia de 1931 esse movimento se revelou improdutivo jaacute que os
fotoacutegrafos buscavam encaixar-se nos mesmos padrotildees de valoraccedilatildeo esteacutetica que foram
subvertidos com a invenccedilatildeo da fotografia
O discurso sobre a fotografia no seacuteculo XIX ainda estaacute muito contaminado por
valores esteacuteticos que consideram a teacutecnica em oposiccedilatildeo agrave arte ou na melhor das hipoacuteteses
como uma mera serviccedilal da arte Mas a proacutepria invenccedilatildeo da fotografia primeira forma de
produzir imagens completamente mediada pela teacutecnica na qual o ―laacutepis da Natureza
(Talbot) age sozinho sem a ajuda da matildeo do homem estava subvertendo completamente
os valores vigentes instaurando uma estreita ligaccedilatildeo entre teacutecnica e arte
Trazer a teacutecnica para o primeiro plano eacute uma das transformaccedilotildees mais radicais que
a imagem fotograacutefica instaura no campo da produccedilatildeo de imagens Esse tipo de imagem
criada por um aparelho chamada por Vileacutem Flusser de ―imagem teacutecnica foi capaz de
superar oposiccedilotildees vazias entre arte e teacutecnica
Com a virada para o seacuteculo XX se inicia um movimento de valorizaccedilatildeo da
fotografia por suas peculiaridades constitutivas advindas de seu proacuteprio mecanismo de
inscriccedilatildeo da imagem a instantaneidade o corte a conexatildeo fiacutesica com o referente A
chamada fotografia moderna se estabelece em duas frentes nas vanguardas europeacuteias e no
movimento chamado Photo Secession que ocorreu nos Estados Unidos8
A obra de Henri Cartier-Bresson eacute das mais importantes para a afirmaccedilatildeo da
fotografia por suas qualidades constitutivas Ele percebeu a potencialidade do aparato e o
foi um dos primeiros a usar uma cacircmera compacta de pequeno formato para sacar
instantes da realidade ainda na deacutecada de 1930 Com o tempo amadureceu uma filosofia
do chamado ―instante decisivo Para ele o fotoacutegrafo eacute como um flaneur que vaga pelo
mundo em busca daqueles raros momentos em que todos os elementos do enquadramento
se alinham em sua maacutexima expressatildeo dando agrave narrativa um potencial de siacutentese
A partir dessa reflexatildeo pode-se dizer que a fotografia audiovisual possibilita
transmitir ao espectador uma verossimilhanccedila com a realidade A anaacutelise da fotografia no
cinema se faz a partir do conhecimento dos elementos que a compotildee e suas variaccedilotildees
Assim cada elemento seraacute tratado separadamente para que seja possiacutevel uma melhor
explanaccedilatildeo de cada componente da fotografia audiovisual
25
21 Iluminaccedilatildeo
De acordo com Sousa (2004) eacute intuitivo afirmar que no momento em que se
ilumina um determinado objetopersonagem em detrimento de outros revela-se apenas
aquele que estaacute exposto agrave luz No entanto essa natildeo eacute a uacutenica contribuiccedilatildeo da iluminaccedilatildeo
para a construccedilatildeo de sentido a uma imagem Aleacutem disso eacute responsaacutevel por transmitir
noccedilotildees de profundidade e de relevo Segundo Roberts-Breslin (2009) eacute atraveacutes da
iluminaccedilatildeo que satildeo criados os padrotildees de luz e sombra que datildeo sentido ao nosso mundo
como tambeacutem o alto contraste do sol do meio-dia ou o baixo contraste monocromaacutetico
num dia chuvoso Aumont (2004) acrescenta que
A luz no cinema estaacute sempre ali e ateacute mesmo duplamente ali jaacute que a luz do
projetos ndash a luz depois do filme ndash serve para mostrar a luz registrada tal como
ela caiacutea sobre as coisas filmadas ndash a luz de antes do filme Haacute entre as duas uma
conivecircncia inextinguiacutevel jaacute reconhecida aqui mesmo em sua forma negativa ndash o
escuro - e que nutriu com frequecircncia a fantasia (em Murnau em Sternberg ou
Godard) de que uma natildeo eacute senatildeo a continuaccedilatildeo da outra por outros meios
Consequumlecircncia articulaccedilatildeo da diferenccedila a luz do quadro natildeo teve de ser
produzida realmente a do filme foi real Diferenccedila ontoloacutegica que se duplica em
outra infinitamente contingente poreacutem sensiacutevel a luz utilizada na produccedilatildeo do
filme eacute uma luz eleacutetrica seu aspecto eacute particular variaacutevel aliaacutes ao longo da
histoacuteria do cinema (AUMONT 2004 p 172)
As condiccedilotildees de iluminaccedilatildeo satildeo capazes de indicar a hora do dia a eacutepoca do ano e
a parte do planeta em que a imagem estaacute sendo reproduzida A luz ―empresta um tom a um
lugar ou experiecircncia ndash o brilho suave e romacircntico de uma vela as inesperadas e
desconhecidas sombras da noite a firme e escura melancolia do crepuacutesculo do inverno
ou seja possibilita a criaccedilatildeo de um determinado clima agrave cena (Breslin 2009 p87) Moura
afirma que
A fotografia em nada se diferencia da natureza Todas as luzes e efeitos estatildeo agrave
mostra para o olho educado Os efeitos dos filtros os contrastes das luzes as
densidades das cores tudo e todos estatildeo na natureza agrave vista de quem quiser ver
Se vocecirc prestar atenccedilatildeo ao tipo de luz que o sol gera saberaacute qual refletor de
quanto como e onde colocar Se vocecirc se abstrair do tamanho do sol e se
concentrar no efeito da sua luz poderaacute intuir a direccedilatildeo a natureza e a
intensidade da luz que vocecirc precisaraacute para ter o mesmo resultado Afinal de
contas o sol tem que iluminar a terra toda e noacutes soacute um pequeno estuacutedio As
diferenccedilas de tamanho satildeo irrelevantes para o raciociacutenio Para se chegar ao
pequeno partimos do grande Nada no pequeno mundo da fotografia inexiste no
vasto mundo de todos noacutes Talvez a uacutenica coisa que possamos criar e que jaacute natildeo
exista em escala maior e em melhor forma na natureza seja a escrita (MOURA
2001 p 20)
Breslin (2009 p88) acredita que a luz consiste na base da miacutedia visual pois
―tecnicamente a luz fornece a energia que nos permite reproduzir uma imagem
Esteticamente a luz junto com a composiccedilatildeo revela verdades e mentiras criando beleza e
26
feiura dentro do quadro Para Martin (2003 p 71) a iluminaccedilatildeo eacute o ―fator decisivo da
expressividade da imagem poreacutem sua importacircncia natildeo eacute percebida pelo espectador
devido ao fato de possibilitar a criaccedilatildeo de uma atmosferalsquo elemento este dificilmente
analisaacutevel
As sombras criadas com a iluminaccedilatildeo ―ajudam a transmitir profundidade clima e
lugar mas devem ser cuidadosamente controladas A iluminaccedilatildeo na verdade pode ser
definida como lanccedilar e controlar as sombrasrdquo (BRESLIN 2009 p95) Sendo assim a
luz possui vaacuterias caracteriacutesticas essenciais qualidade direccedilatildeosentido contraste
uniformidade cor e intensidade
Conforme Sousa (2004) a qualidade da luz refere-se principalmente ao tipo de
sombra que um objeto iluminado produz seja ela dura e definida ou suave a gradual
Breslin (2009) confirma tal classificaccedilatildeo ao dizer que
A qualidade de uma fonte de luz tem a ver com o modo como as ondas
percorrem o espaccedilo Se elas o fazem em linha reta a partir da fonte ateacute iluminar
o objeto satildeo refletidas de volta para a lente de um olho ou cacircmera em linhas
similarmente retas Isso produz luz dura direta ou localizada A energia
luminosa cobre uma aacuterea relativamente pequena mas manteacutem a intensidade ou
brilho maacuteximos A luz direta enfatiza a textura (BRESLIN 2009 p92)
A autora acrescenta que a luz que atinge um objeto pode ser dura ao produzir
sombras nitidamente definidas e partes mais claras distintas Jaacute quando produz partes
claras e sombras sutis e com uma borda menos definida ela eacute classificada como uma luz
suave Assim a luz comeccedila direta mas suas ondas podem desviar ou refletir de uma a
outra superfiacutecie ateacute que encontram o seu caminho para a lente Dependendo do caminho
percorrido se ―produz luz suave difusa ou lavada Uma fonte de luz difusa cobriraacute uma
aacuterea grande mas eacute menos intensa ou brilhante do que a mesma quantidade inicial de luz
direta na mesma distacircncia do objeto (BRESLIN 2009 p93)
Salles (2006) ressalta que ao iluminar artificialmente uma cena qualquer os planos
de composiccedilatildeo de luz desta cena devem ser cuidadosamente elaborados a fim de que a
fotografia do filme esteja em harmonia esteacutetica com o roteiro e sua proposta
22 Cor
Durante praticamente quarenta anos o cinema se manteve em preto e branco
Qualidade natural dos seres e objetos a cor possibilita maior realismo nas obras fiacutelmicas
pois aumenta a veracidade da imagem
27
Sendo assim a partir de um trabalho manual dos teacutecnicos que coloriam os filmes agrave
matildeo ou com o auxiacutelio de paletas eacute que se tornou possiacutevel colocar cor nas telas mediante
muito trabalho Experiecircncias foram realizadas e tomou-se conhecimento de uma nova
teacutecnica os chamados ―banhos onde a peliacutecula era tingida com cores uniformes com o
intuito de atribuir tanto realismo quanto simbolismo Basicamente era usado azul para
designar a noite e amarelo para as cenas de interiores agrave noite enquanto que para
simbolizar os incecircndios e as revoluccedilotildees optava-se pelo vermelho e para as matas e
paisagens a cor verde (MARTIN 2003) A bicromia e a tricomia comeccedilaram a serem
utilizadas em meados dos anos 30 No entanto eacute apenas na metade dos anos 50 que a cor
passou a ser usada de forma generalizada
Natildeo se pode negar que a cor possui um papel fundamental na composiccedilatildeo da
fotografia cinematograacutefica A partir de sua utilizaccedilatildeo torna-se possiacutevel representar a
realidade com mais perfeiccedilatildeo e precisatildeo Aumont (2003 p63) acrescenta que ―apesar da
especificidade da cor no cinema o modelo criacutetico e esteacutetico foi quase sempre a pintura
Esta circulou enormemente no imaginaacuterio fiacutelmico em trecircs grandes formas a
ficcionalizaccedilatildeo a imitaccedilatildeo e a anaacutelise sendo a base para as futuras produccedilotildees
audiovisuais Contudo o autor ressalta que
a ausecircncia de leis gerais e verificaacuteveis explica a ausecircncia quase total de reflexatildeo
teoacuterica sobre a cor na imagem em movimento As uacutenicas consideraccedilotildees agraves
vezes propostas no tocante ao valor simboacutelico ou expressivo da cor (o vermelho
como siacutembolo de guerra ou de paixatildeo o azul bem como o azul-celeste para a
paz o violeta associado agrave lamentaccedilatildeo funeraacuteria etc) Como tais valores satildeo bem
variaacuteveis conforme as culturas e as eacutepocas Eacute difiacutecil fazer uma teoria deles e a
esteacutetica da cor no cinema confunde-se praticamente com a constataccedilatildeo de
estilos pessoais ou de efeitos de gecircnero (AUMONT 2003 p63)
Ainda em relaccedilatildeo ao uso das cores fala-se em harmonia e contraste cromaacutetico A
harmonia ocorre quando em uma imagem existem cores proacuteximas (laranja amarelo
torrado amarelo e vermelho) Jaacute ao mencionar contraste cromaacutetico se refere quando na
imagem existem cores contrastantes (azul vs Vermelho amarelo vs Violeta por
exemplo) Contudo Sousa (2004) revela outras maneiras de evidenciar contraste
cromaacutetico (a) contraste de cores fortes com cores neutras (por exemplo vermelho vivo vs
cinzento claro) (b) complementaccedilatildeo entre cores claras e cores escuras (por exemplo o
amarelo-limatildeo faz o azul marinho parecer mais escuro) (c) contraste entre tons intensos
da mesma cor (o vermelho carregado contrasta com o vermelho claro)
Sousa (2004) acrescenta que eacute possiacutevel expressar quietude e tranquumlilidade ao
recorrer agrave harmonia cromaacutetica de cores quentes suaves como o castanho-terra suave e o
28
amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada
diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis
Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de
ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem
teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas
especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade
Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores
satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada
espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos
valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem
23 Enquadramentos
O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que
determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo
que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores
O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada
Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira
como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave
objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela
Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos
teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos
notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena
mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar
mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico
Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o
tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos
objetos que constituem a cena
Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees
possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de
detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar
Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma
29
―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para
a tela
231 Planos
O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre
dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no
qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute
determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da
objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da
narrativa que se pretende obter
Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada
autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute
possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos
planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o
observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta
planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os
intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro
plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens
plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por
exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA
(2004 p67-68)
A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano
Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade
fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte
1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro
2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos
joelhos para cima ou da cintura para cima
3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um
pouco abaixo
4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima
5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator
6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na
altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas
30
232 Acircngulos de Filmagem
De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto
que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir
um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo
superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto
que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade
No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de
baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de
superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e
do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do
personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele
em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador
233 Movimentos de Cacircmera
Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por
Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da
ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental
de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a
descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou
uma personagem
Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de
cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o
deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem
constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A
panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio
eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a
trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com
o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural
Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou
complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir
de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um
―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena
31
3 O cinema de autor
No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria
recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas
produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo
(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na
tela diferentes percepccedilotildees diante da trama
Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de
vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de
variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao
participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim
conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro
Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista
produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete
instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs
Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo
No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)
juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores
(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os
produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do
filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas
No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith
4
Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico
2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do
cinema mudo
3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano
um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas
4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de
Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o
movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o
filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)
5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro
de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia
de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou
em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia
32
devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e
dirigindo na publicidade de seus filmes
Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica
quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na
―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do
existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do
autor
Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-
sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e
substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a
atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando
que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo
metafiacutesicas (STAM 2003 p111)
Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo
que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi
responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou
a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras
refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica
abordando o ato de fazer e assistir a um filme
Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita
sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de
determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a
mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais
cineastas
Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers
Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica
Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes
que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar
conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as
filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios
seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma
simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)
Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do
Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os
grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas
6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem
como no sete de filmagem
33
como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o
suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e
o puacuteblico como seu divertimento
Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no
cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes
nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees
inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo
autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de
caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor
(COVALESKI 2009 p83)
Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o
contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa
eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a
obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma
noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a
outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI
2009 p 84)
Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute
responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo
do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute
responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas
necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo
com Bernardet
Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua
maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um
filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que
preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em
perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)
O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem
traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na
direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas
optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas
uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na
direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta
34
Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora
diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior
originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade
crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais
Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de
autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para
Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do
discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia
Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e
situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi
apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser
considerado como tal
O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica
com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra
determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem
defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos
paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor
Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja
autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de
1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e
Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de
presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de
suas matildeos
Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo
(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do
curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos
experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar
Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo
Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se
tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila
Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras
produtoras independentes do paiacutes
No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute
que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal
35
Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam
de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que
Meirelles considera ter feito em sua vida
No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas
publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos
que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar
notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar
e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas
da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para
natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar
em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade
Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a
produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando
Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2
Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no
mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios
internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca
de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio
Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede
Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura
completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um
departamento juriacutedico aacutegil
Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme
foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes
selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival
Internacional de Rotterdam
O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de
20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores
no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais
Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo
internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores
filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro
indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o
filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta
36
Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado
como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no
manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a
pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo
sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No
entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional
Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao
levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner
o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na
categoria de Melhor Diretor
Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando
Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do
romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O
filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14
de maio de 2008
37
4 Metodologia
A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando
compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria
nos filmes de Fernando Meirelles
Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave
argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise
detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades
sociais
Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo
aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de
entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira
indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o
caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como
objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro
Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra
selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes
representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a
esteacutetica publicitaacuteria
Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que
seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem
fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de
expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica
Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do
conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia
e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise
a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e
organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir
das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)
interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em
funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo
Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise
fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra
que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da
38
linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa
fiacutelmica
Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo
1 Preacute-anaacutelise
a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor
enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)
2 Descriccedilatildeo Analiacutetica
a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos
3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando
em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes
Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute
necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo
haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica
efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo
pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando
necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que
considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde
que natildeo descarte as antecedentes
39
5 Anaacutelises
Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica
publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel
a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica
descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo
estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a
narrativa de cada um dos filmes
Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de
Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)
51 Domeacutesticas
Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas
40
Sinopse
Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de
Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada
Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa
sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar
de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute
Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida
Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com
um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por
missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a
mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que
satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se
estivessem dando uma espeacutecie de depoimento
Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas
aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de
emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o
outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das
domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo
Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo
encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas
por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do
plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave
novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um
sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da
profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento
cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes
publicitaacuterios
41
Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas
(Plano aberto e plano conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas
com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal
Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos
lateralizados
A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em
plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo
pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee
possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem
disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco
conotando mais tristeza agrave cena
Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e
cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como
acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute
limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera
tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no
estacionamento do preacutedio
Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em
que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a
personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o
deslocamento da personagem daquele mundo
42
Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas
(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de
serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves
tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas
com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)
Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em
um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um
domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao
casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte
observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre
sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o
responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua
profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela
As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena
No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo
agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute
43
devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de
nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude
alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade
sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento
Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as
personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo
O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo
vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das
diversas dificuldades no seu dia-a-dia
O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano
meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em
meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave
criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)
isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo
dos exageros
Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna
da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores
quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde
44
e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila
dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme
Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas
52 Cidade de Deus
Sinopse
O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro
protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou
um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a
estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto
de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante
amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente
suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num
ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele
descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se
fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista
do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos
45
principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria
mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um
mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute
Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro
dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto
Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos
bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute
usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute
centralizada e em leve plongeacutee
Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no
46
comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo
frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas
casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e
suave
A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do
traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na
criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar
perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-
plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem
Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano
geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo
compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando
naturalidade
Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)
47
Iluminaccedilatildeo e cor
Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo
deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute
observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa
frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo
pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo
Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste
elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem
a funccedilatildeo de criar um visual expressivo
Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente
natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a
inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre
dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na
cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute
ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo
consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena
interna e provavelmente noturna
Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua
maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais
frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo
com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute
amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute
modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos
48
periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo
publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama
Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante
Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com
a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um
material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a
imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee
com armas em punho apontadas para os policiais
Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela
49
Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus
53 O Jardineiro Fiel
Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel
50
Sinopse
O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em
Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa
uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem
aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para
substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes
um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute
transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu
idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a
trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin
acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir
na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de
amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa
estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional
envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em
seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a
disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no
Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e
ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar
como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se
para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final
bastante diferente do que seria esperado
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a
imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia
de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio
em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao
lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar
para se proteger
Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem
Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em
51
plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades
azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um
embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em
plongeacutee e plano aberto em conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na
figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A
imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano
aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo
dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais
amenos frios
Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada
retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao
receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade
possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento
As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a
imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua
52
Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em
leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens
contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante
natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel
perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral
aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores
quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave
luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem
composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local
em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo
A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela
cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A
impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena
que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma
53
desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do
ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas
sim no seu proacuteprio lucro
Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de
ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir
contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis
por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele
seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com
movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma
arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite
suavidade e calor agrave cena
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel
(variaccedilatildeo entre suave e dura)
Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando
com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na
lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em
equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira
imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais
onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena
54
ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens
em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)
ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem
possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua
composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)
como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel
54 Ensaio sobre a Cegueira
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira
55
Sinopse
O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que
atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas
passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no
tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados
em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a
lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a
uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que
juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute
baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com
o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de
cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo
manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O
enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para
a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e
branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria
compotildee as cenas da trama
Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento
panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da
trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade
esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o
motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa
ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais
Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o
motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo
adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de
quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia
56
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
57
Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
58
A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
59
do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos
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XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e
Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003
65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
6
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas 39
Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas (Plano aberto e plano conjunto) 41
Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas (em sentido horaacuterio
Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal) 42
Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas
quando as personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo 43
Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas 44
Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus (em sentido horaacuterio primeiro meacutedio
em conjunto e dois gerais) 45
Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus (em sentido
horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal) 46
Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus 47
Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus 47
Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela 48
Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus 49
Figura 11 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel 49
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel (em sentido horaacuterio plano meacutedio
em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em plongeacutee e plano aberto em
conjunto)
51
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel (em sentido
horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee) 52
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel (variaccedilatildeo entre suave e dura) 53
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel 54
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a Cegueira 54
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira (Plano geral em conjunto e
grande plano geral) 56
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela
porta de vidro)
56
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira 57
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro
―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel 58
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira 59
7
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO________________________________________________________ 8
1 Linguagem e Esteacutetica Audiovisual________________________________________ 12
11 Interfaces cinema e publicidade________________________________________ 18
2 A fotografia na esteacutetica audiovisual_______________________________________ 21
21 Iluminaccedilatildeo__________________________________________________________ 25
22 Cor_________________________________________________________________ 26
23 Enquadramentos_____________________________________________________ 28
231 Planos_______________________________________________________ 29
232 Acircngulos de Filmagem_________________________________________ 30
233 Movimentos de cacircmera__________________________________________ 30
3 O Cinema de Autor_____________________________________________________ 31
4 Metodologia___________________________________________________________ 37
5 Anaacutelises______________________________________________________________ 39
51 Domeacutesticas__________________________________________________________ 39
52 Cidade de Deus_______________________________________________________ 44
53 O Jardineiro Fiel_____________________________________________________ 49
54 Ensaio sobre a Cegueira_______________________________________________ 54
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS_____________________________________________ 60
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS______________________________________ 63
ANEXOS_______________________________________________________________ 65
8
INTRODUCcedilAtildeO
A esteacutetica publicitaacuteria no cinema surge diante do contexto cultural da diversidade e
da multiplicidade no qual se percebe a fusatildeo entre a linguagem videograacutefica e a fotografia
do cinema Segundo Aumont (1995 p15) ―a esteacutetica do cinema eacute portanto o estudo do
cinema como arte o estudo dos filmes como mensagens artiacutesticas capazes de atrair a
atenccedilatildeo do espectador diante de uma determinada narrativa
O filme como produto cultural de massa atinge puacuteblicos diversificados que
reconhecem os seus coacutedigos suas linguagens e muito dessa adaptaccedilatildeo se deve ao
crescimento da TV e agrave tecnologia do viacutedeo A esteacutetica publicitaacuteria traduz o indiviacuteduo
contemporacircneo multifacetado acostumado com o acuacutemulo cada vez maior de
informaccedilotildees inserido em uma sociedade de massa multimidiaacutetica
A publicidade em relaccedilatildeo agrave sua funcionalidade busca positivar as qualidades e os
atributos dos serviccedilos eou produtos Por meio da persuasatildeo busca vender uma marca
seduzir e influenciar o espectador a consumir um determinado produto ndash tanto no campo
das ideacuteias quanto no campo dos discursos - que representa Nesse sentido ela usa e abusa
de recursos ligados agrave emoccedilatildeo e agrave identificaccedilatildeo sociocultural fazendo com que o
consumidor seja atraiacutedo e se identifique pela criaccedilatildeo Segundo Castells (1999 p22)
―entende-se por identidade a fonte de significado e experiecircncias de um povo
Experiecircncias essas que correspondem ao modo de vida em sociedade aos valores
culturais aos quais os indiviacuteduos estatildeo inseridos e que caracterizam a criaccedilatildeo de tal
identidade Carvalho (1996 p13) acrescenta que ―a publicidade impotildee nas linhas e
entrelinhas valores mitos ideais e outras elaboraccedilotildees simboacutelicas capazes de reformular
as tendecircncias culturais
Enquanto isso o cinema do ponto de vista funcional busca contar uma histoacuteria ndash
ficcional ou natildeo poreacutem como uma produccedilatildeo muitas vezes de entretenimento O objetivo
principal eacute procurar uma identificaccedilatildeo diante de seu puacuteblico divertir emocionar refletir e
transportaacute-los para a tela Stam (2003 p53) destaca que ―o cinema natildeo apenas evidencia o
movimento poeacutetico das coisas do mundo mas traduz as percepccedilotildees modificadas da vida
urbana contemporacircnea criando uma multiplicidade de informaccedilotildees em meio agrave sociedade
de massa Entatildeo como objeto cultural o cinema eacute capaz de entreter e disseminar
ideologias e tendecircncias para um grande nuacutemero de pessoas simultaneamente pois se
caracteriza como um produto coletivo da cultura de massa
9
Este trabalho constroacutei-se no cenaacuterio de interfaces entre publicidade e cinema a
partir da anaacutelise da concepccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria na fotografia dos filmes de
Fernando Meirelles
Vale ressaltar que a fotografia eacute um elemento fundamental na construccedilatildeo da esteacutetica
audiovisual Eacute a partir de sua composiccedilatildeo que o estilo da obra eacute retratado na tela Sendo
assim eacute preciso escolher com cuidado cada um dos componentes fotograacuteficos a fim de se
obter o resultado expressivo desejado Para Martin (2003 p57) a iluminaccedilatildeo ―constitui
um fator decisivo para a criaccedilatildeo da expressividade da imagem Aleacutem disso eacute elemento de
criaccedilatildeo da ―atmosfera da cena A atmosfera cecircnica por sua vez eacute difiacutecil de analisar pois
estaacute atrelada agrave subjetividade ou seja agrave capacidade de percepccedilatildeo de cada espectador tendo
um papel impreciso Natildeo se pode esquecer da utilizaccedilatildeo das cores sejam elas quentes ou
frias conotando reaccedilotildees psicoloacutegicas nos espectadores bem como o contraste cromaacutetico e
luminoso eficaz na significaccedilatildeo de cada cena
De acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber cada vez mais a interferecircncia
da publicidade na atual produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este
papel de fonte de referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem
audiovisual nas produccedilotildees contemporacircneas e diante disso tem-se como objetivo
compreender como o diretor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria na
fotografia de seus filmes Arquiteto por formaccedilatildeo Fernando Meirelles comeccedilou sua
carreira na aacuterea audiovisual realizando viacutedeos experimentais com um grupo de amigos
ainda durante a faculdade Posteriormente fundou a produtora independente Olhar
Eletrocircnico e nunca mais deixou de trabalhar como diretor tanto na publicidade quanto no
cinema No cinema dirigiu os filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O
Jardineiro Fiel (2005) e Ensaio sobre a Cegueira (2008) Esses filmes constituem o objeto
empiacuterico deste trabalho que para alcanccedilar seu objetivo geral busca (1) analisar as
interfaces existentes entre publicidade e cinema (2) estudar a fotografia enquanto
elemento da esteacutetica audiovisual e (3) verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando
Meirelles em seus filmes
Jaacute haacute algum tempo percebe-se um crescente nuacutemero de cineastas com vasta
experiecircncia no mercado publicitaacuterio profissionais que realizaram muitos trabalhos como
diretores de filmes publicitaacuterios e dela migraram para o cinema Possuem portanto uma
visatildeo abrangente da linguagem audiovisual o que possibilita diferentes abordagens
esteacuteticas tanto no cinema quanto na publicidade A existecircncia de profissionais oriundos de
outras aacutereas trabalhando nas produccedilotildees audiovisuais reflete na nova relaccedilatildeo estabelecida
10
entre a noccedilatildeo de arte ciecircncia e tecnologia Esses domiacutenios antes mais distantes agora se
veem envolvidos em processos de troca combinaccedilatildeo fusatildeo Sobre as novas tecnologias
Popper apud Parente (1993) diz que
Em todo caso e em grande parte graccedilas aos novos meacutetodos de transmissatildeo de
imagens e agrave difusatildeo massiva dos conhecimentos e informaccedilotildees entramos no
presente em uma era em que o pensamento teacutecnico e o pensamento simboacutelico se
encontram em que o impacto das novas tecnologias provoca uma mutaccedilatildeo
decisiva na esfera cultural (PARENTE 1993 p213)
Covaleski (2009) acrescenta que tanto a televisatildeo quanto o cinema satildeo os uacutenicos
meios audiovisuais que possibilitam a utilizaccedilatildeo na publicidade da maioria dos elementos
de persuasatildeo e de sentido unindo o som a imagem o movimento e o texto escrito Deste
modo a publicidade trabalha com narrativas sinteacuteticas que se adequam ao tempo reduzido
de 30 eou 45 segundos para vender a ideacuteia do produto que anuncia Em oposiccedilatildeo o
cinema possui em meacutedia cerca de 90 minutos suficientes para mostrar o enredo contar a
histoacuteria apresentar os personagens e desenrolar toda a narrativa
As relaccedilotildees entre cinema e publicidade televisual partem das caracteriacutesticas da
obra final que eacute gerada em cada um desses gecircneros de comunicaccedilatildeo No
cinema a obra cinematograacutefica a peliacutecula de curta meacutedia ou longa-metragem
na publicidade televisual o comercial o filme ou viacutedeo publicitaacuterio que
obedecem aos formatos impostos pelos veiacuteculos de comunicaccedilatildeo Os propoacutesitos
para os quais as obras fiacutelmicas cinematograacuteficas ou publicitaacuterias satildeo geradas
visam a atender interesses e objetivos que vatildeo do comercial ao artiacutestico
(COVALESKI 2009 p93)
Portanto a poacutes-modernidade cultural a qual representa o surgimento de outras
dimensotildees esteacuteticas eacute a grande chave para esta anaacutelise cujo foco recai sobre o elemento
de linguagem fotograacutefica Isto eacute recai na fotografia e na sua capacidade de construir
sentidos acerca de um momento que nunca mais aconteceraacute e ao mesmo tempo congelaacute-
lo possibilitando a representaccedilatildeo desta realidade deste momento uacutenico
Assim tal pesquisa articula a abordagem de temas de grande importacircncia para a
comunicaccedilatildeo audiovisual visto que possibilitam o surgimento de outras tendecircncias nas
produccedilotildees cinematograacuteficas contemporacircneas Para isso a revisatildeo teoacuterica perpassa pela
introduccedilatildeo sobre o tema do trabalho em que as temaacuteticas abordadas satildeo apresentadas bem
como o corpus escolhido para anaacutelise e os objetivos da pesquisa o primeiro capiacutetulo
discute teoricamente a linguagem e a esteacutetica audiovisual bem como as interfaces
existentes entre publicidade e cinema o segundo capiacutetulo aborda a fotografia na esteacutetica
audiovisual enfatizando os elementos expressivos fotograacuteficos ndash iluminaccedilatildeo cor
11
enquadramentos planos acircngulos e movimentos de cacircmera o terceiro capiacutetulo teoriza
sobre o cinema de autor e aborda o autor em questatildeo Fernando Meirelles o quarto
capiacutetulo elucida o processo metodoloacutegico aplicado no desenvolvimento do trabalho o
quinto capiacutetulo encarrega-se de demonstrar os exerciacutecios analiacuteticos empreendidos nos
frames do corpus e o sexto capiacutetulo preocupa-se com as consideraccedilotildees finais da pesquisa
12
1 Linguagem e Esteacutetica Audiovisual
Por poder ser captada simultaneamente pelo olho e pelo ouvido a linguagem
audiovisual permite o envolvimento completo do seu espectador diante da fusatildeo do som e
da imagem em movimento A fusatildeo entre aacuteudio e viacutedeo possibilita um paralelo entre o
racional e o sensorial de modo que a mesma consegue dizer muito mais do que
conseguimos captar pois chega simultaneamente por muito mais caminhos do que
conscientemente percebemos
O viacutedeo incluiacutedo em um meio de comunicaccedilatildeo de massa eacute utilizado como forma
de expressatildeo aleacutem de estruturar novas teacutecnicas tanto no processo de gravaccedilatildeo e de poacutes-
produccedilatildeo Tais teacutecnicas satildeo responsaacuteveis por todo o cruzamento de narrativas hoje
utilizadas pelo cinema e pela publicidade
O viacutedeo eacute um sistema hiacutebrido ele opera com coacutedigos significantes distintos
parte importados do cinema parte importados do teatro da literatura do raacutedio e
mais modernamente da computaccedilatildeo graacutefica aos quais acrescenta alguns
recursos expressivos especiacuteficos alguns modos de formar ideacuteias ou sensaccedilotildees
que lhe satildeo exclusivos (MACHADO 1997 p 190)
Dubois (2004 p77) define a estetizaccedilatildeo videograacutefica como ―uma linguagem (ou
uma esteacutetica) particular (mas de nenhum modo exclusiva) que pertence a loacutegicas
diferentes e potildee em jogo questotildees de ordem muito diversa que as do cinema O
surgimento do viacutedeo possibilitou novas tecnologias como por exemplo a televisatildeo
Diante disso o autor classifica dois modos principais de representaccedilatildeo em viacutedeo
O modo plaacutestico (a ―videoarte em suas formas e tendecircncias muacuteltiplas) e[] o
modo documentaacuterio (o real ndash bruto ou natildeo ndash em todas as suas estrateacutegias de
representaccedilatildeo) E sobretudo ndash eacute o que os une contra a transparecircncia - ambos
com um senso constante do ensaio da experimentaccedilatildeo da pesquisa da inovaccedilatildeo
(DUBOIS 2004 p77)
De acordo com Gutierrez (1992) dentro de noacutes acontece uma repercussatildeo em
imagens baacutesicas centrais simboacutelicas arquetiacutepicas com as quais nos identificamos ou que
se relacionam conosco de alguma forma consistindo na representaccedilatildeo de uma realidade
em movimento
A linguagem audiovisual responsaacutevel por tal representaccedilatildeo eacute constituiacuteda por
alguns elementos fundamentais (1) o plano - cada parte da fita que se apresenta ao
espectador como tendo sido filmada sem interrupccedilotildees (2) a cena - o conjunto de planos
cuja accedilatildeo eacute contiacutenua e decorre numa relativa unidade de tempo e espaccedilo constitui as cenas
13
e as sequumlecircncias (3) o enquadramento - a variaccedilatildeo da longitude da cacircmera agrave cena filmada
por meio de movimento (sem interrupccedilatildeo da filmagem) dentro do mesmo plano a
variaccedilatildeo do enquadramento e (4) a montagem ndash procedimento de organizaccedilatildeo do conjunto
de cenas sequumlecircncias e planos que formam a obra fiacutelmica
Tais elementos audiovisuais estatildeo presentes tanto nas produccedilotildees cinematograacuteficas
quanto nas produccedilotildees publicitaacuterias poreacutem o modo como satildeo utilizados eacute que as difere
Segundo Aumont (1995) inicialmente o cinema era desprovido de uma linguagem pois
apenas refletia o registro de um espetaacuteculo uma simples reproduccedilatildeo do real Entretanto
com o intuito de contar histoacuterias e veicular ideias o cinema precisou utilizar determinados
procedimentos expressivos os quais passaram a constituir sua linguagem
Assim sendo pode-se definir a linguagem cinematograacutefica como ―o conjunto das
mensagens cujo material de expressatildeo compotildee-se de cinco pistas ou canais a imagem
fotograacutefica em movimento os sons foneacuteticos gravados os ruiacutedos gravados o som musical
gravado e a escrita (creacuteditos intertiacutetulos materiais escritos no interior do plano) (STAM
2003 p132) A utilizaccedilatildeo em sinergia desse grande nuacutemero de elementos possibilita uma
maior variedade de abordagens nas produccedilotildees audiovisuais Por exemplo uma montagem
natildeo-linear com ritmo acelerado de troca de planos acircngulos e enquadramentos eacute a marca
das realizaccedilotildees videograacuteficas contemporacircneas
Para Balaacutezs apud Stam (1995) a linguagem cinematograacutefica pode ser definida a
partir de 4 princiacutepios
- no cinema existe uma distacircncia variaacutevel entre espectador e cena representada
daiacute uma dimensatildeo variaacutevel da cena que toma lugar no quadro e na composiccedilatildeo
da imagem
- a imagem total da cena eacute subdividida em uma seacuterie de planos de detalhes
(principio da decupagem)
- existe variaccedilatildeo de enquadramento (acircngulo de visatildeo perspectiva) dos planos de
detalhe no decorrer da mesma cena
- finalmente eacute a operaccedilatildeo da montagem que garante a inserccedilatildeo dos planos de
detalhes em uma sequumlecircncia ordenada na qual natildeo apenas cenas inteiras se
sucedem mas tambeacutem tomadas de detalhes mais miacutenimos de uma mesma cena
A cena em seu conjunto eacute resultado disso como se os elementos de um mosaico
temporal fossem justapostos no tempo (BALAacuteZS apud STAM 1995 p163-
164)
O cinema busca traduzir a realidade atraveacutes da representaccedilatildeo artiacutestica mediante o
uso de teacutecnicas pertencentes agrave linguagem audiovisual Stam (2003 p132) acrescenta que
se torna linguagem a partir do momento em que comunica ―um conjunto de mensagens
formuladas com base em um determinado material de expressatildeo um discurso ou praacutetica
significante caracterizado por codificaccedilotildees e procedimentos ordenatoacuterios especiacuteficos
14
Por volta de 1750 a palavra esteacutetica foi inventada com o intuito de designar uma
―ciecircncia dos sentimentos posteriormente uma ―ciecircncia do belo Atualmente eacute
empregada igualmente no plural para se referir agraves diversas concepccedilotildees do belo e da arte
Segundo Aumont e Marie (2003) natildeo existe esteacutetica constituiacuteda do cinema mas questotildees
de natureza esteacutetica foram frequumlentemente discutidas a respeito dele em torno dos
seguintes problemas
1 O cinema entre as artes natildeo tendo sido o cinema de iniacutecio aceito como
arte (mas como teacutecnica ou como distraccedilatildeo) sua especificidade artiacutestica foi
muitas vezes salientada Em particular ele foi por isso confrontado e
comparado com artes reconhecidas a muacutesica (Gance) a pintura (Bazin
Aumont Bonitzer) o teatro (Pagnol) valorizando a cada vez uma
caracteriacutestica particular do cinema o ritmo o enquadramento a fala a
cenicidade etc
2 A especificidade do fiacutelmico ela diz respeito a alguns traccedilos fundamentais
estudados nos mais das vezes de pontos de vista bem diferentes o
movimento (Munsterberg Deleuze) a mobilidade do ponto de vista
(Souriau Metz Jost Aumont) a sequencialidade e a montagem
(Eisenstein)
3 A possibilidade de uma poeacutetica do cinema ndash ou seja de uma concepccedilatildeo
geral da natureza do cinema da criaccedilatildeo fiacutelmica da relaccedilatildeo do fiacutelmico com o
mundo afilmico ou profilmico etc A respeito desse ponto observa-se uma
grande oposiccedilatildeo entre poeacuteticas realistas ndash o filme como transparecircncia
(Kracauer) a ―liacutengua escrita da realidade (Pasolini) o ―cine-olho
(Vertov) - e poeacuteticas formalistas ndash o ―cinema-linguagem (Eisenstein) a
fotogenia (Epstein) o filme como grande forma (Buch) etc
4 A possibilidade de uma arte de massa imposta pela induacutestria e pela teacutecnica
(Panofsky) (AUMONT MARIE 2003)
Para Covaleski (2009 p77) a esteacutetica do cinema estaacute diretamente relacionada com
a natureza reprodutiva e mecacircnica do meio cinematograacutefico Segundo o autor eacute possiacutevel
destacar duas teorias mesmo que distintas em que se refere agrave natureza reprodutiva do
cinema A primeira de Walter Benjamin afirma que toda a problemaacutetica da esteacutetica
relacionada ao cinema estaacute centrada no ―contexto da crise do sistema tradicional das artes
cuja modalidade de percepccedilatildeo cinematograacutefica essencialmente coletivalsquo e distraiacutedalsquo eacute
sua proacutepria causa e efeito Jaacute a segunda teoria de Andreacute Bazin constata que o problema
esteacutetico estaacute ligado ao caraacuteter mecacircnico da reproduccedilatildeo ou seja ―eacute a ausecircncia de uma
intervenccedilatildeo por parte da interpretante e a deformaccedilatildeo causada pela projeccedilatildeo que teoriza
tal problemaacutetica Jaacute Aumont (2002 p15-16) ressalta que a esteacutetica do cinema confere dois
aspectos ―uma vertente geral que considera o efeito esteacutetico proacuteprio do cinema e uma
vertente especiacutefica centrada na anaacutelise de obras particulares Sendo assim refere-se agrave
anaacutelise de filmes ou a criacutetica no sentido pleno do termo
15
Na obra fiacutelmica os aspectos esteacuteticos satildeo apresentados diante de uma
categorizaccedilatildeo dos elementos que constituem a manifestaccedilatildeo esteacutetica no cinema Segundo
Covaleski (2009) ―tais manifestaccedilotildees se datildeo sobre vaacuterias formas ora icocircnicas ora
focircnicas ora graacuteficas ora oacuteticas ora sonoras ora auditivas e estatildeo em processo de
evoluccedilatildeo devido ao surgimento de novas tecnologias de comunicaccedilatildeo juntamente com
novas manifestaccedilotildees artiacutesticas
No decorrer do seacuteculo XX mediante tais transformaccedilotildees houve a geraccedilatildeo de
novas noccedilotildees de criaccedilatildeo de arte de esteacutetica Conforme Plaza (2000) ocorreu um
―deslocamento das funccedilotildees instauradoras (a poeacutetica do artista) para funccedilotildees de
sensibilidade receptora (esteacutetica) o que produz no meio artiacutestico uma grande confusatildeo
conceitual caracterizada pela mistura e hibridaccedilatildeo de gecircneros poeacuteticas e atitudes
artiacutesticas
Pode-se compreender com base em Covaleski (2009) que a chegada da arte do
cinema agrave tevecirc trouxe tambeacutem padrotildees esteacuteticos que aos poucos foram incorporados ao
meio televisual aleacutem de serem consumidos em larga escala pela publicidade Percebe-se
que boa parte dos comerciais de tevecirc os chamados filmes publicitaacuterios alcanccedilam mais
destaque que a proacutepria programaccedilatildeo devido aos recursos tecnoloacutegicos e a linguagem
adaptada do cinema utilizado em suas produccedilotildees Sendo assim ao serem criados e
produzidos com preocupaccedilotildees esteacuteticas e cuidados artiacutesticos possibilitou gerar um
receptaacuteculo proacuteprio a esteacutetica publicitaacuteria
Diante do debate entre o aspecto utilitaacuterio e o aspecto artiacutestico da mensagem cabe
agrave publicidade recorrer agraves funccedilotildees da linguagem Para o autor natildeo importa se sejam as
poeacuteticas conativas ou referenciais mas sim sua finalidade de elevar e diversificar o
conjunto de repertoacuterios de seu puacuteblico-alvo contribuindo assim para a aceitaccedilatildeo de uma
nova esteacutetica
Tal questatildeo esteacutetica para alguns autores eacute tratada como uma espeacutecie de fetiche
cinematograacutefico Eacute possiacutevel perceber a veneraccedilatildeo e a adoraccedilatildeo de determinados elementos
constituintes da narrativa - do figurino do cenaacuterio ou ateacute mesmo da performance cecircnica
do ator ndash como intuito de simbolizar objeto de culto estabelecer um valor icocircnico a este
Conforme Covaleski (2009 p79-80) desde ―a criaccedilatildeo de mitos do cinema ao lanccedilamento
de moda passando pelo merchandising institucionalizado a esteacutetica cinematograacutefica
contribui na formaccedilatildeo e evoluccedilatildeo de comportamentos fetichistas por parte da sociedade
movida por novos sonhos de consumo e por novas divindades a cultuar
16
A partir da reflexatildeo de Carvalho (2003) a cerca dos estudos de Leacutevi-Strauss pode-
se dizer que a individualizaccedilatildeo da produccedilatildeo demonstrar o aparecimento de uma
consciecircncia criacutetica por parte do receptor que retira da esteacutetica-primitiva o seu dever social
A obra sendo produzida individualmente sem necessidade de bastar a uma sociedade ou
clatilde A esteacutetica-moderna depende apenas da aprovaccedilatildeo ou natildeo de uma clientela ―de classe
(como utiliza o autor) para se firmar como arte
Ao mesmo tempo com a evoluccedilatildeo da criacutetica de arte e o aparecimento do
abstracionismo Leacutevi-Strauss iraacute demonstrar um propoacutesito antimodernista ao perceber a
banalizaccedilatildeo presente na arte do poacutes-guerra Aleacutem da hiper-valorizaccedilatildeo da criacutetica a
representaccedilotildees pictoacutericas sem compromisso artiacutestico Poreacutem dentro desta mesma vertente
podemos repassar seu conceito de arte que funde a ciecircncia e o mito na concepccedilatildeo do
espiacuterito humano (pensamento criador) em outro de seus pensamentos a loacutegica do
sensiacutevel Loacutegica regida pela possibilidade de unir muacutesica e mito ou romance e mito atraveacutes
de uma ―estrutura-funccedilatildeo Todo meio artiacutestico pode ser fundido a outro ou recriado
desde que o estruturalismo presente no espiacuterito humano conceba um fim artiacutestico
A inter-relaccedilatildeo do cinema e da publicidade audiovisual resulta dos aspectos dessa
linguagem pois ambos constituem meios audiovisuais que trabalham a partir de uma
mesma base de composiccedilatildeo e de montagem de elementos expressivos para criar um
determinado plano de conteuacutedo narrativo e de significado o que configura esteacuteticas
diferenciadas
A modernidade da imagem cinematograacutefica eacute reflexo de um processo histoacuterico
em que a arte tenta se renovar em releituras de seus proacuteprios conceitos e criaccedilatildeo
de outros A diversidade estiliacutestica caracteriacutestica do cinema comercial da deacutecada
de 90 retrata uma geraccedilatildeo multimiacutedia de novos profissionais e espectadores que
acabaram por alterar os rumos da cinematografia contemporacircnea
(CARVALHO 2003)
Tais mudanccedilas de abordagem satildeo visiacuteveis natildeo apenas no cinema como tambeacutem nos
videoclipes nos games e na publicidade Refere-se a uma nova perspectiva de criaccedilatildeo
audiovisual na tentativa de romper as barreiras das produccedilotildees tradicionais e enfatizar o
surgimento de novas possibilidades Tais rupturas contribuem para a mudanccedila no
comportamento dos sujeitos contemporacircneos
O pensador de agora jaacute natildeo se senta mais agrave sua escrivaninha diante de seus
livros para dar forma ao seu pensamento mas constroacutei as suas ideias manejando
instrumentos novos ndash a cacircmera a ilha de ediccedilatildeo o computador - invocando
ainda outros suportes de pensamento sua coleccedilatildeo de fotos filmes viacutedeos
discos ndash sua mideoteca enfim (DUBOIS 2004 p19)
17
O pensamento audiovisual contemporacircneo constata essa hibridizaccedilatildeo essa
convergecircncia de elementos responsaacuteveis por uma mudanccedila de conduta Deste modo
Dubois (2004 p25) ressalta a existecircncia do imaginaacuterio cinematograacutefico presente em
todos os lugares e impregnado ―ateacute em nossa maneira de falar ou de ser Quem ao
percorrer de carro um longo trajeto numa vasta paisagem aberta natildeo pensou com a ajuda
da muacutesica no raacutedio numa figura de travelling mergulhando na tela panoracircmica de seu
paacutera-brisa
Em relaccedilatildeo agrave esteacutetica publicitaacuteria Carvalho (2003) ressalta uma possiacutevel ―morte
do cinema Vaacuterios criacuteticos apostam nessa ―morte diante do uso de recursos estiliacutesticos
que estariam se sobressaindo na concepccedilatildeo criadora do filme em contraposiccedilatildeo ao
realismo bem como da evoluccedilatildeo da teacutecnica que distancia o cinema de sua perspectiva
fotograacutefica Resultando assim na valorizaccedilatildeo da imagem em detrimento da representaccedilatildeo
Contudo o autor ressalva que tal concepccedilatildeo de retrato da realidade aleacutem de
ultrapassada estaacute reformulada no estudo do ―espiacuterito humano de Leacutevi-Strauss Este
estudo baseia-se no posicionamento da seacutetima arte como uma visatildeo moderna do homem
diante da realidade a visatildeo em que a cacircmera capta a imagem e natildeo o objeto
Enquanto isso Merquior (1975) busca uma maneira de refletir e re-posicionar as
concepccedilotildees de Leacutevi-Strauss quanto agrave arte contemporacircnea
Em vez de vociferar sobre a verdade factuallsquo da morte da artelsquo conviria
colocar a problemaacutetica implicada por essas teses em relaccedilatildeo a uma das
tendecircncias mais fecundas do estruturalismo ndash sua vontade de ultrapassar as
anaacutelises estanques dos domiacutenios culturais (arte religiatildeo ciecircncia etc) de
encorajar a pesquisa de afinidades estruturais e funcionais entre esses camposlsquo
sem jamais esquecer que satildeo todos faces de uma mesma realidade o espiacuterito
humano (MERQUIOR 1975 p79)
Em seu texto A Dupla Heacutelice Raimond Bellour consegue ver logo no viacutedeo ndash base
da esteacutetica publicitaacuteria ndash e na tecnologia digital o resumo desta realidade emergente
O viacutedeo leva assim agrave sua perda essa capacidade de analogia dilatada agraves
dimensotildees do universo pela primeira vez os corpos e os objetos do mundo satildeo
virtualmente desfiguraacuteveis (e logo refiguraacuteveis) ao sabor de uma potecircncia que
transforma em tempo real ou quase natildeo diferido (e natildeo mais somente como no
cinema por uma lenta elaboraccedilatildeo cujas trucagens constituem o modelo) as
representaccedilotildees que capta seu olho mecacircnico Isso explica o fato de a viacutedeo-
imagem a caccedilula das imagens de reproduccedilatildeo poder aparecer simultaneamente
como uma nova imagem irredutiacutevel ao que a precede mas tambeacutem uma
imagem capaz de atrair de absorver de misturar todas as imagens anteriores
pintura fotografia cinema (BELLOUR Raimond in PARENTE 1993 p223)
18
Em funccedilatildeo disso a esteacutetica publicitaacuteria natildeo passaria apenas de um mero
abstracionismo imageacutetico do cinema mas sim a siacutentese de uma movimentaccedilatildeo esteacutetica que
atravessa todas as artes denominada Poacutes-modernidade Cultural Muito aleacutem de um
recurso estiliacutestico as imagens de ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus entre outros filmes
tachados como videoclipeiros ou publicitaacuterios refletem na representaccedilatildeo do olhar do
homem moderno Toda essa fundamentaccedilatildeo estaacute na fusatildeo da linguagem videograacutefica com
a fotograacutefica do cinema Ao inveacutes de ampliar a visatildeo da rapidez das coisas tenta-se
reduzir o que ocorre agrave nossa volta em conceitos voltado aos meios artiacutesticos
11 Interfaces cinema e publicidade
Com o intuito de construir um sentido proacuteprio para cada filme o cinema atua em
momentos esparsos e depende da disposiccedilatildeo do espectador para que a obra fiacutelmica seja
consumida Em contrapartida a televisatildeo oferece uma programaccedilatildeo diversificada sem
interrupccedilotildees 24h por dia Assim o espectador recebe informaccedilotildees se diverte com
seriados novelas e filmes sem sair de casa
Percebe-se que a origem do discurso nunca eacute autocircnoma mas sim dependente de
outros discursos em que buscou referecircncia Bliskstein (1994 p45) constata que
―suportado por toda uma intertextualidade o discurso natildeo eacute falado por uma uacutenica voz mas
por muitas vozes geradoras de muitos textos que se intercruzam no tempo e no espaccedilo
Na deacutecada de 60 Kristeva introduziu o termo intertextualidade como uma traduccedilatildeo
para ―dialogismo que se refere agrave relaccedilatildeo entre um enunciado e os demais enunciados De
acordo com Stam (2003) a intertextualidade eacute um conceito de valor na medida em que
possibilita relacionar o texto individual com as demais formas de representaccedilatildeo natildeo
somente com outros textos
Intertextualidade eacute vista por Fiorin (2002) como a forma de incorporar um texto em
outro aleacutem de ser polecircmica quando propotildee uma oposiccedilatildeo ao sentido do texto original ou
contratual quando o reforccedila e o enaltece Assim sendo a intertextualidade polecircmica eacute
conhecida como paroacutedia enquanto a intertextualidade contratual como paraacutefrase Aleacutem
disso classifica tambeacutem em
citaccedilatildeo (referecircncia literal a outro texto usando parte deste) alusatildeo (reproduccedilatildeo
de construccedilotildees sintaacuteticas substituindo algumas figuras do texto original por
outras) e estilizaccedilatildeo (reproduccedilatildeo do estilo de outrem no plano da expressatildeo ou
no do conteuacutedo) (FIORIN apud COVALESKI 2009 p 39)
19
A seguir uma abordagem mais detalhada de cada uma das relaccedilotildees intertextuais
entre o cinema e a publicidade televisual na visatildeo de Covaleski (2009)
a) citaccedilatildeo a publicidade desfruta desse recurso criativo com maestria Uma uacutenica
obra cinematograacutefica pode originar uma grande variaccedilatildeo de citaccedilotildees ancoradas
a uma mesma cena claacutessica evidentemente emblemaacutetica contundente o
bastante para se tornar perene no imaginaacuterio coletivo transpondo barreiras
culturais e temporais Pode-se citar como exemplo a cena emblemaacutetica em que
a atriz Marilyn Monroe tem sua saia levantada devido ao deslocamento de ar
durante a passagem do metrocirc no filme O Pecado Mora ao Lado (The Seven
Year Itch de Billy Wilder ndash 1955) Essa cena muito conhecida jaacute foi usada
diversas vezes e de diferentes formas pela publicidade Exemplo disso foi a
colocaccedilatildeo de uma saia ndash a la Marilyn ndash em garrafas de vodka da marca
Absolut
b) alusatildeo mais sutil que a citaccedilatildeo remete a uma obra anterior poreacutem sem fazer
uso de fragmentos dela Utiliza somente uma construccedilatildeo equivalente
substituindo determinadas figuras por outras A alusatildeo recorrente no cinema eacute
facilmente percebida em filmes que pertencem a um mesmo gecircnero
cinematograacutefico Na publicidade a intertextualidade com o cinema utilizando a
alusatildeo aparece em comerciais de anunciantes dos mais diferentes segmentos de
mercado bem como os filmes de onde saiacuteram as inspiraccedilotildees pertencem aos
mais diversos gecircneros O filme francecircs O Fabuloso Destino de Ameacutelie Poulain
(Le Fabuleux Destin drsquoAmeacutelie Poulain de Jean-Pierre Jeunet - 2001) eacute uma
obra com clara influecircncia da linguagem publicitaacuteria Muito disso se deve
devido agrave vivecircncia de Jeunet em meio agrave publicidade Eacute o caso deste trabalho jaacute
que Fernando Meirelles trabalhou com publicidade antes de seguir carreira no
cinema Um exemplo de alusatildeo a este filme se percebe na campanha do
automoacutevel Renault Sceacutenic ndash um anatildeo de jardim eacute sequumlestrado por um grupo de
amigos e aprova seu novo endereccedilo mandando uma carta agrave sua antiga dona
avisando que natildeo voltaraacute mais para casa Deste modo a campanha faz alusatildeo
ao argumento de liberdade explorado na obra francesa
c) estilizaccedilatildeo ato de reproduzir um conjunto de procedimentos de caracteriacutesticas
de formas e de conteuacutedos do discurso de outrem Eacute recorrer agrave estrutura seja no
20
plano da expressatildeo ou no do conteuacutedo produzindo um efeito de
personalizaccedilatildeo muito embora remeta a obra anterior independente de
estabelecer uma relaccedilatildeo polecircmica ou contratual com aquela A estilizaccedilatildeo
intertextual na publicidade com referencial cinematograacutefico eacute constante e
ultrapassa o uso apenas dos elementos de linguagem cinematograacutefica Alguns
filmes publicitaacuterios utilizam em suas produccedilotildees as teacutecnicas de trucagem1 se
aproveitam dos efeitos especiais e ateacute dos estilos lanccedilados pelo cinema Um
bom exemplo dessa estilizaccedilatildeo encontra-se em um comercial da Samsung que
se utilizada da mesma esteacutetica tecnoloacutegia e uso de efeitos especiais do filme
Matrix (The Matrix de Andy e Larry Wachowski - 1999)
No Brasil de acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber tambeacutem um
caminho oposto a esta intertextualidade Cada vez mais a publicidade interfere na atual
produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este papel de fonte de
referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem audiovisual nas
produccedilotildees contemporacircneas como eacute o caso dos filmes ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus
―O Jardineiro Fiel e ―Ensaio sobre a Cegueira de Fernando Meirelles
1 Trucagem A accedilatildeo de modificar imagens previamente filmadas ao vivo tanto em sua forma (cor e
tamanho) como na ordem de sua projeccedilatildeo (congelamento aceleraccedilatildeo inversatildeo) Satildeo possiacuteveis tambeacutem a
superposiccedilatildeo de letreiros a fusatildeo (teacutecnica de escurecer uma cena ao mesmo tempo em que outra vai
surgindo provocando a sobreposiccedilatildeo de uma sobre a outra) e outros efeitos especiais O equipamento
utilizado eacute a truca Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbrmidiaartequadroaquadro gt Acesso em 14
Jun 2010
21
2 A fotografia na esteacutetica audiovisual
A palavra fotografia vem do grego foacutes (luz) e grafis (estilo pincel) ou
grafecirc e significa desenhar com luz e contraste Natildeo eacute possiacutevel definir um uacutenico
inventor pois foram vaacuterios os responsaacuteveis pela sua origem Em 1826 o francecircs Joseph
Niceacutephore Nieacutepce teve sua imagem reconhecida como a primeira fotografia tal imagem
foi produzida mediante o uso de uma placa de estanho coberta com um derivado de
petroacuteleo fotossensiacutevel chamado Betume da Judeacuteia O processo de exposiccedilatildeo agrave luz solar
chamado de heliografia durava cerca de oito horas para que a imagem fosse obtida
Neste mesmo periacuteodo Louis Daguerre deu continuidade aos experimentos
fotograacuteficos de Joseph Niceacutephore Nieacutepce fato este que lhe concedeu uma descoberta
decisiva Em 1835 Daguerre apanhou uma placa revestida de prata sensibilizada com
iodeto de prata que apesar de exposta natildeo apresentava sequer vestiacutegios de imagem
guardou-a displicentemente em um armaacuterio e ao abri-lo no dia seguinte encontrou uma
imagem revelada Fez experiecircncias por eliminaccedilatildeo com os outros produtos que estavam
no armaacuterio para descobrir que a imagem latente tinha sido revelada por accedilatildeo do mercuacuterio
Logo apoacutes o falecimento de Niegravepce Daguerre desenvolveu um processo
conhecido como daguerreotipia no qual era possiacutevel reduzir o tempo de revelaccedilatildeo de
horas para minutos devido a utilizaccedilatildeo de vapor de mercuacuterio Daguerre descreveu seu
processo agrave Academia de Ciecircncias e Belas Artes na Franccedila e logo depois requereu a
patente do seu invento na Inglaterra Breslin possibilita um melhor entendido deste
processo
Os daguerreoacutetipos inventados em 1839 foram os primeiros dentre os processos
fotograacuteficos iniciais a se tornar comercialmente disponiacuteveis O processo utiliza
placas uacutemidas que satildeo placas de cobre cobertas por uma emulsatildeo fotossensiacutevel
agrave base de prata As placas eram reveladas em campo enquanto ainda uacutemidas
criando um negativo Os negativos entatildeo podiam ser trazidos de volta ao
estuacutedio onde um pedaccedilo de papel fotograacutefico era assentado sobre a emulsatildeo do
negativo e exposto ao sol A luz do sol expunha a impressatildeo que era fixada (isto
eacute estabilizada por uma processo quiacutemico) e lavada (BRESLIN 2009 p26)
Jaacute em 1839 o britacircnico William Fox Talbot ao tomar conhecimento dos avanccedilos
de Daguerre decidiu apressar a apresentaccedilatildeo de suas pesquisas com papeacuteis fotossensiacuteveis
agrave Royal Institution e agrave Royal Society com o intuito de garantir os direitos sobre suas
invenccedilotildees No entanto Talbot desenvolveu um processo diferente denominado caloacutetipo -
utilizava folhas de papel cobertas com cloreto de prata que posteriormente eram colocadas
22
em contato com outro papel produzindo assim a imagem positiva Trata-se de um
processo semelhante ao usado atualmente em que utiliza-se um negativo para a obtenccedilatildeo
posterior de imagens positivas
A fotografia entatildeo popularizou-se como produto de consumo a partir de 1888 com
a introduccedilatildeo da cacircmera tipo caixatildeo e pelo filme em rolos substituiacuteveis criados por
George Eastman Desde entatildeo o mercado fotograacutefico tem experimentado uma crescente
evoluccedilatildeo tecnoloacutegica como o estabelecimento do filme colorido como padratildeo e o foco
automaacutetico ou exposiccedilatildeo automaacutetica Essas inovaccedilotildees sem duacutevida facilitam a captaccedilatildeo da
imagem melhoram a qualidade de reproduccedilatildeo ou a rapidez do processamento mas muito
pouco foi alterado nos princiacutepios baacutesicos da fotografia
A grande mudanccedila recente produzida a partir do final do seacuteculo XX foi a
digitalizaccedilatildeo dos sistemas fotograacuteficos A fotografia digital mudou paradigmas no mundo
da fotografia minimizando custos reduzindo etapas acelerando processos e facilitando a
produccedilatildeo manipulaccedilatildeo armazenamento e transmissatildeo de imagens pelo mundo O
aperfeiccediloamento da tecnologia de reproduccedilatildeo de imagens digitais tem quebrado barreiras
de restriccedilatildeo em relaccedilatildeo a este sistema por setores que ainda prestigiam o tradicional filme
e assim irreversivelmente ampliando o domiacutenio da fotografia digital
Natildeo se pode esquecer de salientar que a partir de tais descobertas no ramo da
fotografia eacute que foi possiacutevel a invenccedilatildeo do cinema O instantacircneo a possibilidade de
congelar um instante no fluxo contiacutenuo dos acontecimentos soacute se torna possiacutevel de fato
com o advento da fotografia Sendo assim os estudos de Muybrigde referentes aos
instantacircneos sucessivos associada ao aparato do fuzil fotograacutefico de Marey iratildeo resultar na
invenccedilatildeo do cinema Sabe-se que o cinema confere agrave imagem uma continuidade aparente
pois na verdade trata-se de uma seacuterie de instantacircneos separados por intervalos poreacutem aos
sentidos ele se apresenta de forma lisa e fluida como a proacutepria natureza do movimento
Machado acrescenta que
O cinema mesmo o cinema stricto sensu ou seja o cinema que se constitui a
partir do cinematoacutegrafo de LeRoy Edison Paul Skladanwsky e dos Lumiegravere
natildeo era nos seus primoacuterdios o que hoje chamamos de cinema Ele reunia na
sua base de celuloacuteide vaacuterias modalidades de espetaacuteculos derivadas das formas
populares de cultura como circo o carnaval a magia e a prestidigitaccedilatildeo a
pantomima a feira de atraccedilotildees e aberraccedilotildees etc (MACHADO 1997 p 76)
No iniacutecio os filmes eram de curta duraccedilatildeo nos quais o puacuteblico era composto
basicamente de operaacuterios As exibiccedilotildees eram realizadas em grandes galpotildees durante o
23
intervalo de serviccedilo do proletariado Machado (1997 p79) explica que o cinema era uma
em diversas atraccedilotildees oferecidas pelos vaudevilles pois ―natildeo se havia ainda desenvolvido
um conjunto de teacutecnicas e procedimentos de linguagem apropriados para a elaboraccedilatildeo de
uma narrativa visual que fosse suficientemente autocircnoma a ponto de poder se dispensar a
―explicaccedilatildeo de um apresentador
Atualmente pensa-se primeiramente em imagens forma-se um raciociacutenio a partir
de mosaicos audiovisuais que possibilitam um dado significado Tal modelo de
pensamento atraveacutes da imagem tecnoloacutegica deve-se ao conjunto de referecircncias
adquiridas
Assim sendo a fotografia possui papel fundamental na linguagem audiovisual
Sabe-se que a foi a partir da fotografia que se tornou possiacutevel agrave invenccedilatildeo do cinema
Dubois (2004) assegura que
Com a fotografia a maacutequina natildeo se contenta mais em preacute-ver ela inscreve
tambeacutem a imagem por meio das reaccedilotildees fotossensiacuteveis de certos materiais que
registram por si mesmos as aparecircncias sensiacuteveis geradas pela radiaccedilatildeo luminosa
A maacutequina intervecircm aqui portanto no coraccedilatildeo mesmo do processo de
constituiccedilatildeo da imagem que aparece assim como representaccedilatildeo quase
automaacuteticalsquo objetivalsquo sine manu factalsquo O gesto humano passa a ser mais um
gesto de conduccedilatildeo da maacutequina do que de figuraccedilatildeo direta (DUBOIS 2004
p38)
Em sua brilhante anaacutelise Barthes evidencia o fato de que a fotografia significa
muito mais uma ruptura do que uma continuidade em relaccedilatildeo agrave pintura Isso porque a
reaccedilatildeo quiacutemica dos sais de prata fotossensiacuteveis mediada pelo aparelho oacutetico que projeta a
imagem eacute colocada no centro do dispositivo de criaccedilatildeo da imagem deslocando o papel do
criador que antes que antes tinha que compor o instante representado a partir de instantes
distintos usando os coacutedigos da pintura para unificar a fatura e agora passava a poder
recortar um instante na sua proacutepria duraccedilatildeo com o uso da fotografia Dubois acrescenta
que tal uso
abandona o tempo crocircnico real evolutivo o tempo que passa como um rio
nosso tempo dos seres humanos inscritos na duraccedilatildeo para entrar em uma
temporalidade nova separada e simboacutelica a da foto temporalidade que tambeacutem
dura tatildeo infinita em princiacutepio quanto a primeira mas infinita na imobilidade
total congelada na interminaacutevel duraccedilatildeo das estaacutetuas (DUBOIS 1993 p168)
Com a invenccedilatildeo do instantacircneo fotograacutefico a pose a produccedilatildeo a composiccedilatildeo
elementos proacuteprios agrave linguagem da pintura figurativa satildeo subvertidas datildeo lugar tambeacutem
ao efecircmero ao flagrante agrave espontaneidade
Durante o seacuteculo XIX a fotografia buscou ancorar-se na esteacutetica proacutepria agrave pintura
para almejar sua entrada no panteatildeo das Belas-Artes em um movimento chamado pela
24
historiografia de pictorialismo Como bem analisou Walter Benjamin em sua Pequena
Histoacuteria da Fotografia de 1931 esse movimento se revelou improdutivo jaacute que os
fotoacutegrafos buscavam encaixar-se nos mesmos padrotildees de valoraccedilatildeo esteacutetica que foram
subvertidos com a invenccedilatildeo da fotografia
O discurso sobre a fotografia no seacuteculo XIX ainda estaacute muito contaminado por
valores esteacuteticos que consideram a teacutecnica em oposiccedilatildeo agrave arte ou na melhor das hipoacuteteses
como uma mera serviccedilal da arte Mas a proacutepria invenccedilatildeo da fotografia primeira forma de
produzir imagens completamente mediada pela teacutecnica na qual o ―laacutepis da Natureza
(Talbot) age sozinho sem a ajuda da matildeo do homem estava subvertendo completamente
os valores vigentes instaurando uma estreita ligaccedilatildeo entre teacutecnica e arte
Trazer a teacutecnica para o primeiro plano eacute uma das transformaccedilotildees mais radicais que
a imagem fotograacutefica instaura no campo da produccedilatildeo de imagens Esse tipo de imagem
criada por um aparelho chamada por Vileacutem Flusser de ―imagem teacutecnica foi capaz de
superar oposiccedilotildees vazias entre arte e teacutecnica
Com a virada para o seacuteculo XX se inicia um movimento de valorizaccedilatildeo da
fotografia por suas peculiaridades constitutivas advindas de seu proacuteprio mecanismo de
inscriccedilatildeo da imagem a instantaneidade o corte a conexatildeo fiacutesica com o referente A
chamada fotografia moderna se estabelece em duas frentes nas vanguardas europeacuteias e no
movimento chamado Photo Secession que ocorreu nos Estados Unidos8
A obra de Henri Cartier-Bresson eacute das mais importantes para a afirmaccedilatildeo da
fotografia por suas qualidades constitutivas Ele percebeu a potencialidade do aparato e o
foi um dos primeiros a usar uma cacircmera compacta de pequeno formato para sacar
instantes da realidade ainda na deacutecada de 1930 Com o tempo amadureceu uma filosofia
do chamado ―instante decisivo Para ele o fotoacutegrafo eacute como um flaneur que vaga pelo
mundo em busca daqueles raros momentos em que todos os elementos do enquadramento
se alinham em sua maacutexima expressatildeo dando agrave narrativa um potencial de siacutentese
A partir dessa reflexatildeo pode-se dizer que a fotografia audiovisual possibilita
transmitir ao espectador uma verossimilhanccedila com a realidade A anaacutelise da fotografia no
cinema se faz a partir do conhecimento dos elementos que a compotildee e suas variaccedilotildees
Assim cada elemento seraacute tratado separadamente para que seja possiacutevel uma melhor
explanaccedilatildeo de cada componente da fotografia audiovisual
25
21 Iluminaccedilatildeo
De acordo com Sousa (2004) eacute intuitivo afirmar que no momento em que se
ilumina um determinado objetopersonagem em detrimento de outros revela-se apenas
aquele que estaacute exposto agrave luz No entanto essa natildeo eacute a uacutenica contribuiccedilatildeo da iluminaccedilatildeo
para a construccedilatildeo de sentido a uma imagem Aleacutem disso eacute responsaacutevel por transmitir
noccedilotildees de profundidade e de relevo Segundo Roberts-Breslin (2009) eacute atraveacutes da
iluminaccedilatildeo que satildeo criados os padrotildees de luz e sombra que datildeo sentido ao nosso mundo
como tambeacutem o alto contraste do sol do meio-dia ou o baixo contraste monocromaacutetico
num dia chuvoso Aumont (2004) acrescenta que
A luz no cinema estaacute sempre ali e ateacute mesmo duplamente ali jaacute que a luz do
projetos ndash a luz depois do filme ndash serve para mostrar a luz registrada tal como
ela caiacutea sobre as coisas filmadas ndash a luz de antes do filme Haacute entre as duas uma
conivecircncia inextinguiacutevel jaacute reconhecida aqui mesmo em sua forma negativa ndash o
escuro - e que nutriu com frequecircncia a fantasia (em Murnau em Sternberg ou
Godard) de que uma natildeo eacute senatildeo a continuaccedilatildeo da outra por outros meios
Consequumlecircncia articulaccedilatildeo da diferenccedila a luz do quadro natildeo teve de ser
produzida realmente a do filme foi real Diferenccedila ontoloacutegica que se duplica em
outra infinitamente contingente poreacutem sensiacutevel a luz utilizada na produccedilatildeo do
filme eacute uma luz eleacutetrica seu aspecto eacute particular variaacutevel aliaacutes ao longo da
histoacuteria do cinema (AUMONT 2004 p 172)
As condiccedilotildees de iluminaccedilatildeo satildeo capazes de indicar a hora do dia a eacutepoca do ano e
a parte do planeta em que a imagem estaacute sendo reproduzida A luz ―empresta um tom a um
lugar ou experiecircncia ndash o brilho suave e romacircntico de uma vela as inesperadas e
desconhecidas sombras da noite a firme e escura melancolia do crepuacutesculo do inverno
ou seja possibilita a criaccedilatildeo de um determinado clima agrave cena (Breslin 2009 p87) Moura
afirma que
A fotografia em nada se diferencia da natureza Todas as luzes e efeitos estatildeo agrave
mostra para o olho educado Os efeitos dos filtros os contrastes das luzes as
densidades das cores tudo e todos estatildeo na natureza agrave vista de quem quiser ver
Se vocecirc prestar atenccedilatildeo ao tipo de luz que o sol gera saberaacute qual refletor de
quanto como e onde colocar Se vocecirc se abstrair do tamanho do sol e se
concentrar no efeito da sua luz poderaacute intuir a direccedilatildeo a natureza e a
intensidade da luz que vocecirc precisaraacute para ter o mesmo resultado Afinal de
contas o sol tem que iluminar a terra toda e noacutes soacute um pequeno estuacutedio As
diferenccedilas de tamanho satildeo irrelevantes para o raciociacutenio Para se chegar ao
pequeno partimos do grande Nada no pequeno mundo da fotografia inexiste no
vasto mundo de todos noacutes Talvez a uacutenica coisa que possamos criar e que jaacute natildeo
exista em escala maior e em melhor forma na natureza seja a escrita (MOURA
2001 p 20)
Breslin (2009 p88) acredita que a luz consiste na base da miacutedia visual pois
―tecnicamente a luz fornece a energia que nos permite reproduzir uma imagem
Esteticamente a luz junto com a composiccedilatildeo revela verdades e mentiras criando beleza e
26
feiura dentro do quadro Para Martin (2003 p 71) a iluminaccedilatildeo eacute o ―fator decisivo da
expressividade da imagem poreacutem sua importacircncia natildeo eacute percebida pelo espectador
devido ao fato de possibilitar a criaccedilatildeo de uma atmosferalsquo elemento este dificilmente
analisaacutevel
As sombras criadas com a iluminaccedilatildeo ―ajudam a transmitir profundidade clima e
lugar mas devem ser cuidadosamente controladas A iluminaccedilatildeo na verdade pode ser
definida como lanccedilar e controlar as sombrasrdquo (BRESLIN 2009 p95) Sendo assim a
luz possui vaacuterias caracteriacutesticas essenciais qualidade direccedilatildeosentido contraste
uniformidade cor e intensidade
Conforme Sousa (2004) a qualidade da luz refere-se principalmente ao tipo de
sombra que um objeto iluminado produz seja ela dura e definida ou suave a gradual
Breslin (2009) confirma tal classificaccedilatildeo ao dizer que
A qualidade de uma fonte de luz tem a ver com o modo como as ondas
percorrem o espaccedilo Se elas o fazem em linha reta a partir da fonte ateacute iluminar
o objeto satildeo refletidas de volta para a lente de um olho ou cacircmera em linhas
similarmente retas Isso produz luz dura direta ou localizada A energia
luminosa cobre uma aacuterea relativamente pequena mas manteacutem a intensidade ou
brilho maacuteximos A luz direta enfatiza a textura (BRESLIN 2009 p92)
A autora acrescenta que a luz que atinge um objeto pode ser dura ao produzir
sombras nitidamente definidas e partes mais claras distintas Jaacute quando produz partes
claras e sombras sutis e com uma borda menos definida ela eacute classificada como uma luz
suave Assim a luz comeccedila direta mas suas ondas podem desviar ou refletir de uma a
outra superfiacutecie ateacute que encontram o seu caminho para a lente Dependendo do caminho
percorrido se ―produz luz suave difusa ou lavada Uma fonte de luz difusa cobriraacute uma
aacuterea grande mas eacute menos intensa ou brilhante do que a mesma quantidade inicial de luz
direta na mesma distacircncia do objeto (BRESLIN 2009 p93)
Salles (2006) ressalta que ao iluminar artificialmente uma cena qualquer os planos
de composiccedilatildeo de luz desta cena devem ser cuidadosamente elaborados a fim de que a
fotografia do filme esteja em harmonia esteacutetica com o roteiro e sua proposta
22 Cor
Durante praticamente quarenta anos o cinema se manteve em preto e branco
Qualidade natural dos seres e objetos a cor possibilita maior realismo nas obras fiacutelmicas
pois aumenta a veracidade da imagem
27
Sendo assim a partir de um trabalho manual dos teacutecnicos que coloriam os filmes agrave
matildeo ou com o auxiacutelio de paletas eacute que se tornou possiacutevel colocar cor nas telas mediante
muito trabalho Experiecircncias foram realizadas e tomou-se conhecimento de uma nova
teacutecnica os chamados ―banhos onde a peliacutecula era tingida com cores uniformes com o
intuito de atribuir tanto realismo quanto simbolismo Basicamente era usado azul para
designar a noite e amarelo para as cenas de interiores agrave noite enquanto que para
simbolizar os incecircndios e as revoluccedilotildees optava-se pelo vermelho e para as matas e
paisagens a cor verde (MARTIN 2003) A bicromia e a tricomia comeccedilaram a serem
utilizadas em meados dos anos 30 No entanto eacute apenas na metade dos anos 50 que a cor
passou a ser usada de forma generalizada
Natildeo se pode negar que a cor possui um papel fundamental na composiccedilatildeo da
fotografia cinematograacutefica A partir de sua utilizaccedilatildeo torna-se possiacutevel representar a
realidade com mais perfeiccedilatildeo e precisatildeo Aumont (2003 p63) acrescenta que ―apesar da
especificidade da cor no cinema o modelo criacutetico e esteacutetico foi quase sempre a pintura
Esta circulou enormemente no imaginaacuterio fiacutelmico em trecircs grandes formas a
ficcionalizaccedilatildeo a imitaccedilatildeo e a anaacutelise sendo a base para as futuras produccedilotildees
audiovisuais Contudo o autor ressalta que
a ausecircncia de leis gerais e verificaacuteveis explica a ausecircncia quase total de reflexatildeo
teoacuterica sobre a cor na imagem em movimento As uacutenicas consideraccedilotildees agraves
vezes propostas no tocante ao valor simboacutelico ou expressivo da cor (o vermelho
como siacutembolo de guerra ou de paixatildeo o azul bem como o azul-celeste para a
paz o violeta associado agrave lamentaccedilatildeo funeraacuteria etc) Como tais valores satildeo bem
variaacuteveis conforme as culturas e as eacutepocas Eacute difiacutecil fazer uma teoria deles e a
esteacutetica da cor no cinema confunde-se praticamente com a constataccedilatildeo de
estilos pessoais ou de efeitos de gecircnero (AUMONT 2003 p63)
Ainda em relaccedilatildeo ao uso das cores fala-se em harmonia e contraste cromaacutetico A
harmonia ocorre quando em uma imagem existem cores proacuteximas (laranja amarelo
torrado amarelo e vermelho) Jaacute ao mencionar contraste cromaacutetico se refere quando na
imagem existem cores contrastantes (azul vs Vermelho amarelo vs Violeta por
exemplo) Contudo Sousa (2004) revela outras maneiras de evidenciar contraste
cromaacutetico (a) contraste de cores fortes com cores neutras (por exemplo vermelho vivo vs
cinzento claro) (b) complementaccedilatildeo entre cores claras e cores escuras (por exemplo o
amarelo-limatildeo faz o azul marinho parecer mais escuro) (c) contraste entre tons intensos
da mesma cor (o vermelho carregado contrasta com o vermelho claro)
Sousa (2004) acrescenta que eacute possiacutevel expressar quietude e tranquumlilidade ao
recorrer agrave harmonia cromaacutetica de cores quentes suaves como o castanho-terra suave e o
28
amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada
diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis
Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de
ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem
teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas
especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade
Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores
satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada
espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos
valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem
23 Enquadramentos
O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que
determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo
que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores
O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada
Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira
como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave
objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela
Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos
teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos
notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena
mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar
mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico
Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o
tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos
objetos que constituem a cena
Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees
possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de
detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar
Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma
29
―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para
a tela
231 Planos
O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre
dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no
qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute
determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da
objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da
narrativa que se pretende obter
Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada
autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute
possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos
planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o
observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta
planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os
intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro
plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens
plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por
exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA
(2004 p67-68)
A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano
Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade
fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte
1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro
2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos
joelhos para cima ou da cintura para cima
3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um
pouco abaixo
4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima
5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator
6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na
altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas
30
232 Acircngulos de Filmagem
De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto
que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir
um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo
superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto
que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade
No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de
baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de
superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e
do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do
personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele
em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador
233 Movimentos de Cacircmera
Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por
Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da
ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental
de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a
descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou
uma personagem
Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de
cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o
deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem
constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A
panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio
eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a
trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com
o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural
Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou
complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir
de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um
―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena
31
3 O cinema de autor
No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria
recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas
produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo
(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na
tela diferentes percepccedilotildees diante da trama
Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de
vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de
variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao
participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim
conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro
Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista
produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete
instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs
Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo
No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)
juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores
(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os
produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do
filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas
No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith
4
Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico
2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do
cinema mudo
3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano
um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas
4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de
Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o
movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o
filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)
5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro
de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia
de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou
em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia
32
devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e
dirigindo na publicidade de seus filmes
Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica
quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na
―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do
existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do
autor
Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-
sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e
substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a
atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando
que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo
metafiacutesicas (STAM 2003 p111)
Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo
que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi
responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou
a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras
refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica
abordando o ato de fazer e assistir a um filme
Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita
sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de
determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a
mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais
cineastas
Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers
Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica
Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes
que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar
conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as
filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios
seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma
simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)
Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do
Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os
grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas
6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem
como no sete de filmagem
33
como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o
suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e
o puacuteblico como seu divertimento
Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no
cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes
nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees
inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo
autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de
caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor
(COVALESKI 2009 p83)
Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o
contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa
eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a
obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma
noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a
outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI
2009 p 84)
Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute
responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo
do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute
responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas
necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo
com Bernardet
Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua
maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um
filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que
preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em
perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)
O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem
traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na
direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas
optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas
uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na
direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta
34
Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora
diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior
originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade
crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais
Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de
autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para
Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do
discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia
Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e
situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi
apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser
considerado como tal
O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica
com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra
determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem
defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos
paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor
Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja
autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de
1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e
Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de
presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de
suas matildeos
Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo
(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do
curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos
experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar
Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo
Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se
tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila
Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras
produtoras independentes do paiacutes
No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute
que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal
35
Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam
de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que
Meirelles considera ter feito em sua vida
No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas
publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos
que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar
notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar
e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas
da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para
natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar
em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade
Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a
produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando
Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2
Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no
mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios
internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca
de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio
Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede
Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura
completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um
departamento juriacutedico aacutegil
Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme
foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes
selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival
Internacional de Rotterdam
O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de
20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores
no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais
Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo
internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores
filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro
indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o
filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta
36
Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado
como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no
manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a
pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo
sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No
entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional
Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao
levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner
o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na
categoria de Melhor Diretor
Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando
Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do
romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O
filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14
de maio de 2008
37
4 Metodologia
A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando
compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria
nos filmes de Fernando Meirelles
Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave
argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise
detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades
sociais
Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo
aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de
entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira
indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o
caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como
objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro
Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra
selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes
representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a
esteacutetica publicitaacuteria
Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que
seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem
fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de
expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica
Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do
conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia
e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise
a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e
organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir
das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)
interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em
funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo
Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise
fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra
que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da
38
linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa
fiacutelmica
Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo
1 Preacute-anaacutelise
a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor
enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)
2 Descriccedilatildeo Analiacutetica
a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos
3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando
em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes
Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute
necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo
haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica
efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo
pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando
necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que
considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde
que natildeo descarte as antecedentes
39
5 Anaacutelises
Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica
publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel
a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica
descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo
estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a
narrativa de cada um dos filmes
Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de
Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)
51 Domeacutesticas
Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas
40
Sinopse
Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de
Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada
Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa
sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar
de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute
Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida
Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com
um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por
missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a
mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que
satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se
estivessem dando uma espeacutecie de depoimento
Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas
aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de
emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o
outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das
domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo
Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo
encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas
por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do
plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave
novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um
sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da
profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento
cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes
publicitaacuterios
41
Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas
(Plano aberto e plano conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas
com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal
Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos
lateralizados
A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em
plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo
pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee
possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem
disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco
conotando mais tristeza agrave cena
Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e
cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como
acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute
limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera
tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no
estacionamento do preacutedio
Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em
que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a
personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o
deslocamento da personagem daquele mundo
42
Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas
(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de
serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves
tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas
com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)
Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em
um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um
domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao
casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte
observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre
sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o
responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua
profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela
As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena
No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo
agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute
43
devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de
nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude
alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade
sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento
Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as
personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo
O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo
vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das
diversas dificuldades no seu dia-a-dia
O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano
meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em
meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave
criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)
isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo
dos exageros
Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna
da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores
quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde
44
e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila
dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme
Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas
52 Cidade de Deus
Sinopse
O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro
protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou
um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a
estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto
de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante
amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente
suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num
ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele
descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se
fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista
do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos
45
principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria
mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um
mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute
Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro
dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto
Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos
bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute
usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute
centralizada e em leve plongeacutee
Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no
46
comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo
frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas
casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e
suave
A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do
traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na
criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar
perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-
plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem
Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano
geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo
compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando
naturalidade
Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)
47
Iluminaccedilatildeo e cor
Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo
deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute
observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa
frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo
pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo
Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste
elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem
a funccedilatildeo de criar um visual expressivo
Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente
natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a
inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre
dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na
cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute
ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo
consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena
interna e provavelmente noturna
Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua
maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais
frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo
com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute
amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute
modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos
48
periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo
publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama
Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante
Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com
a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um
material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a
imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee
com armas em punho apontadas para os policiais
Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela
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Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus
53 O Jardineiro Fiel
Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel
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Sinopse
O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em
Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa
uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem
aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para
substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes
um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute
transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu
idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a
trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin
acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir
na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de
amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa
estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional
envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em
seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a
disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no
Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e
ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar
como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se
para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final
bastante diferente do que seria esperado
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a
imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia
de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio
em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao
lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar
para se proteger
Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem
Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em
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plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades
azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um
embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em
plongeacutee e plano aberto em conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na
figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A
imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano
aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo
dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais
amenos frios
Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada
retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao
receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade
possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento
As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a
imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua
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Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em
leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens
contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante
natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel
perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral
aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores
quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave
luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem
composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local
em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo
A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela
cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A
impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena
que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma
53
desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do
ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas
sim no seu proacuteprio lucro
Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de
ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir
contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis
por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele
seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com
movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma
arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite
suavidade e calor agrave cena
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel
(variaccedilatildeo entre suave e dura)
Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando
com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na
lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em
equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira
imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais
onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena
54
ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens
em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)
ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem
possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua
composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)
como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel
54 Ensaio sobre a Cegueira
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira
55
Sinopse
O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que
atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas
passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no
tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados
em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a
lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a
uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que
juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute
baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com
o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de
cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo
manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O
enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para
a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e
branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria
compotildee as cenas da trama
Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento
panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da
trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade
esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o
motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa
ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais
Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o
motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo
adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de
quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia
56
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
57
Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
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A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
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do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e
Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003
65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
7
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO________________________________________________________ 8
1 Linguagem e Esteacutetica Audiovisual________________________________________ 12
11 Interfaces cinema e publicidade________________________________________ 18
2 A fotografia na esteacutetica audiovisual_______________________________________ 21
21 Iluminaccedilatildeo__________________________________________________________ 25
22 Cor_________________________________________________________________ 26
23 Enquadramentos_____________________________________________________ 28
231 Planos_______________________________________________________ 29
232 Acircngulos de Filmagem_________________________________________ 30
233 Movimentos de cacircmera__________________________________________ 30
3 O Cinema de Autor_____________________________________________________ 31
4 Metodologia___________________________________________________________ 37
5 Anaacutelises______________________________________________________________ 39
51 Domeacutesticas__________________________________________________________ 39
52 Cidade de Deus_______________________________________________________ 44
53 O Jardineiro Fiel_____________________________________________________ 49
54 Ensaio sobre a Cegueira_______________________________________________ 54
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS_____________________________________________ 60
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS______________________________________ 63
ANEXOS_______________________________________________________________ 65
8
INTRODUCcedilAtildeO
A esteacutetica publicitaacuteria no cinema surge diante do contexto cultural da diversidade e
da multiplicidade no qual se percebe a fusatildeo entre a linguagem videograacutefica e a fotografia
do cinema Segundo Aumont (1995 p15) ―a esteacutetica do cinema eacute portanto o estudo do
cinema como arte o estudo dos filmes como mensagens artiacutesticas capazes de atrair a
atenccedilatildeo do espectador diante de uma determinada narrativa
O filme como produto cultural de massa atinge puacuteblicos diversificados que
reconhecem os seus coacutedigos suas linguagens e muito dessa adaptaccedilatildeo se deve ao
crescimento da TV e agrave tecnologia do viacutedeo A esteacutetica publicitaacuteria traduz o indiviacuteduo
contemporacircneo multifacetado acostumado com o acuacutemulo cada vez maior de
informaccedilotildees inserido em uma sociedade de massa multimidiaacutetica
A publicidade em relaccedilatildeo agrave sua funcionalidade busca positivar as qualidades e os
atributos dos serviccedilos eou produtos Por meio da persuasatildeo busca vender uma marca
seduzir e influenciar o espectador a consumir um determinado produto ndash tanto no campo
das ideacuteias quanto no campo dos discursos - que representa Nesse sentido ela usa e abusa
de recursos ligados agrave emoccedilatildeo e agrave identificaccedilatildeo sociocultural fazendo com que o
consumidor seja atraiacutedo e se identifique pela criaccedilatildeo Segundo Castells (1999 p22)
―entende-se por identidade a fonte de significado e experiecircncias de um povo
Experiecircncias essas que correspondem ao modo de vida em sociedade aos valores
culturais aos quais os indiviacuteduos estatildeo inseridos e que caracterizam a criaccedilatildeo de tal
identidade Carvalho (1996 p13) acrescenta que ―a publicidade impotildee nas linhas e
entrelinhas valores mitos ideais e outras elaboraccedilotildees simboacutelicas capazes de reformular
as tendecircncias culturais
Enquanto isso o cinema do ponto de vista funcional busca contar uma histoacuteria ndash
ficcional ou natildeo poreacutem como uma produccedilatildeo muitas vezes de entretenimento O objetivo
principal eacute procurar uma identificaccedilatildeo diante de seu puacuteblico divertir emocionar refletir e
transportaacute-los para a tela Stam (2003 p53) destaca que ―o cinema natildeo apenas evidencia o
movimento poeacutetico das coisas do mundo mas traduz as percepccedilotildees modificadas da vida
urbana contemporacircnea criando uma multiplicidade de informaccedilotildees em meio agrave sociedade
de massa Entatildeo como objeto cultural o cinema eacute capaz de entreter e disseminar
ideologias e tendecircncias para um grande nuacutemero de pessoas simultaneamente pois se
caracteriza como um produto coletivo da cultura de massa
9
Este trabalho constroacutei-se no cenaacuterio de interfaces entre publicidade e cinema a
partir da anaacutelise da concepccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria na fotografia dos filmes de
Fernando Meirelles
Vale ressaltar que a fotografia eacute um elemento fundamental na construccedilatildeo da esteacutetica
audiovisual Eacute a partir de sua composiccedilatildeo que o estilo da obra eacute retratado na tela Sendo
assim eacute preciso escolher com cuidado cada um dos componentes fotograacuteficos a fim de se
obter o resultado expressivo desejado Para Martin (2003 p57) a iluminaccedilatildeo ―constitui
um fator decisivo para a criaccedilatildeo da expressividade da imagem Aleacutem disso eacute elemento de
criaccedilatildeo da ―atmosfera da cena A atmosfera cecircnica por sua vez eacute difiacutecil de analisar pois
estaacute atrelada agrave subjetividade ou seja agrave capacidade de percepccedilatildeo de cada espectador tendo
um papel impreciso Natildeo se pode esquecer da utilizaccedilatildeo das cores sejam elas quentes ou
frias conotando reaccedilotildees psicoloacutegicas nos espectadores bem como o contraste cromaacutetico e
luminoso eficaz na significaccedilatildeo de cada cena
De acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber cada vez mais a interferecircncia
da publicidade na atual produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este
papel de fonte de referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem
audiovisual nas produccedilotildees contemporacircneas e diante disso tem-se como objetivo
compreender como o diretor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria na
fotografia de seus filmes Arquiteto por formaccedilatildeo Fernando Meirelles comeccedilou sua
carreira na aacuterea audiovisual realizando viacutedeos experimentais com um grupo de amigos
ainda durante a faculdade Posteriormente fundou a produtora independente Olhar
Eletrocircnico e nunca mais deixou de trabalhar como diretor tanto na publicidade quanto no
cinema No cinema dirigiu os filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O
Jardineiro Fiel (2005) e Ensaio sobre a Cegueira (2008) Esses filmes constituem o objeto
empiacuterico deste trabalho que para alcanccedilar seu objetivo geral busca (1) analisar as
interfaces existentes entre publicidade e cinema (2) estudar a fotografia enquanto
elemento da esteacutetica audiovisual e (3) verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando
Meirelles em seus filmes
Jaacute haacute algum tempo percebe-se um crescente nuacutemero de cineastas com vasta
experiecircncia no mercado publicitaacuterio profissionais que realizaram muitos trabalhos como
diretores de filmes publicitaacuterios e dela migraram para o cinema Possuem portanto uma
visatildeo abrangente da linguagem audiovisual o que possibilita diferentes abordagens
esteacuteticas tanto no cinema quanto na publicidade A existecircncia de profissionais oriundos de
outras aacutereas trabalhando nas produccedilotildees audiovisuais reflete na nova relaccedilatildeo estabelecida
10
entre a noccedilatildeo de arte ciecircncia e tecnologia Esses domiacutenios antes mais distantes agora se
veem envolvidos em processos de troca combinaccedilatildeo fusatildeo Sobre as novas tecnologias
Popper apud Parente (1993) diz que
Em todo caso e em grande parte graccedilas aos novos meacutetodos de transmissatildeo de
imagens e agrave difusatildeo massiva dos conhecimentos e informaccedilotildees entramos no
presente em uma era em que o pensamento teacutecnico e o pensamento simboacutelico se
encontram em que o impacto das novas tecnologias provoca uma mutaccedilatildeo
decisiva na esfera cultural (PARENTE 1993 p213)
Covaleski (2009) acrescenta que tanto a televisatildeo quanto o cinema satildeo os uacutenicos
meios audiovisuais que possibilitam a utilizaccedilatildeo na publicidade da maioria dos elementos
de persuasatildeo e de sentido unindo o som a imagem o movimento e o texto escrito Deste
modo a publicidade trabalha com narrativas sinteacuteticas que se adequam ao tempo reduzido
de 30 eou 45 segundos para vender a ideacuteia do produto que anuncia Em oposiccedilatildeo o
cinema possui em meacutedia cerca de 90 minutos suficientes para mostrar o enredo contar a
histoacuteria apresentar os personagens e desenrolar toda a narrativa
As relaccedilotildees entre cinema e publicidade televisual partem das caracteriacutesticas da
obra final que eacute gerada em cada um desses gecircneros de comunicaccedilatildeo No
cinema a obra cinematograacutefica a peliacutecula de curta meacutedia ou longa-metragem
na publicidade televisual o comercial o filme ou viacutedeo publicitaacuterio que
obedecem aos formatos impostos pelos veiacuteculos de comunicaccedilatildeo Os propoacutesitos
para os quais as obras fiacutelmicas cinematograacuteficas ou publicitaacuterias satildeo geradas
visam a atender interesses e objetivos que vatildeo do comercial ao artiacutestico
(COVALESKI 2009 p93)
Portanto a poacutes-modernidade cultural a qual representa o surgimento de outras
dimensotildees esteacuteticas eacute a grande chave para esta anaacutelise cujo foco recai sobre o elemento
de linguagem fotograacutefica Isto eacute recai na fotografia e na sua capacidade de construir
sentidos acerca de um momento que nunca mais aconteceraacute e ao mesmo tempo congelaacute-
lo possibilitando a representaccedilatildeo desta realidade deste momento uacutenico
Assim tal pesquisa articula a abordagem de temas de grande importacircncia para a
comunicaccedilatildeo audiovisual visto que possibilitam o surgimento de outras tendecircncias nas
produccedilotildees cinematograacuteficas contemporacircneas Para isso a revisatildeo teoacuterica perpassa pela
introduccedilatildeo sobre o tema do trabalho em que as temaacuteticas abordadas satildeo apresentadas bem
como o corpus escolhido para anaacutelise e os objetivos da pesquisa o primeiro capiacutetulo
discute teoricamente a linguagem e a esteacutetica audiovisual bem como as interfaces
existentes entre publicidade e cinema o segundo capiacutetulo aborda a fotografia na esteacutetica
audiovisual enfatizando os elementos expressivos fotograacuteficos ndash iluminaccedilatildeo cor
11
enquadramentos planos acircngulos e movimentos de cacircmera o terceiro capiacutetulo teoriza
sobre o cinema de autor e aborda o autor em questatildeo Fernando Meirelles o quarto
capiacutetulo elucida o processo metodoloacutegico aplicado no desenvolvimento do trabalho o
quinto capiacutetulo encarrega-se de demonstrar os exerciacutecios analiacuteticos empreendidos nos
frames do corpus e o sexto capiacutetulo preocupa-se com as consideraccedilotildees finais da pesquisa
12
1 Linguagem e Esteacutetica Audiovisual
Por poder ser captada simultaneamente pelo olho e pelo ouvido a linguagem
audiovisual permite o envolvimento completo do seu espectador diante da fusatildeo do som e
da imagem em movimento A fusatildeo entre aacuteudio e viacutedeo possibilita um paralelo entre o
racional e o sensorial de modo que a mesma consegue dizer muito mais do que
conseguimos captar pois chega simultaneamente por muito mais caminhos do que
conscientemente percebemos
O viacutedeo incluiacutedo em um meio de comunicaccedilatildeo de massa eacute utilizado como forma
de expressatildeo aleacutem de estruturar novas teacutecnicas tanto no processo de gravaccedilatildeo e de poacutes-
produccedilatildeo Tais teacutecnicas satildeo responsaacuteveis por todo o cruzamento de narrativas hoje
utilizadas pelo cinema e pela publicidade
O viacutedeo eacute um sistema hiacutebrido ele opera com coacutedigos significantes distintos
parte importados do cinema parte importados do teatro da literatura do raacutedio e
mais modernamente da computaccedilatildeo graacutefica aos quais acrescenta alguns
recursos expressivos especiacuteficos alguns modos de formar ideacuteias ou sensaccedilotildees
que lhe satildeo exclusivos (MACHADO 1997 p 190)
Dubois (2004 p77) define a estetizaccedilatildeo videograacutefica como ―uma linguagem (ou
uma esteacutetica) particular (mas de nenhum modo exclusiva) que pertence a loacutegicas
diferentes e potildee em jogo questotildees de ordem muito diversa que as do cinema O
surgimento do viacutedeo possibilitou novas tecnologias como por exemplo a televisatildeo
Diante disso o autor classifica dois modos principais de representaccedilatildeo em viacutedeo
O modo plaacutestico (a ―videoarte em suas formas e tendecircncias muacuteltiplas) e[] o
modo documentaacuterio (o real ndash bruto ou natildeo ndash em todas as suas estrateacutegias de
representaccedilatildeo) E sobretudo ndash eacute o que os une contra a transparecircncia - ambos
com um senso constante do ensaio da experimentaccedilatildeo da pesquisa da inovaccedilatildeo
(DUBOIS 2004 p77)
De acordo com Gutierrez (1992) dentro de noacutes acontece uma repercussatildeo em
imagens baacutesicas centrais simboacutelicas arquetiacutepicas com as quais nos identificamos ou que
se relacionam conosco de alguma forma consistindo na representaccedilatildeo de uma realidade
em movimento
A linguagem audiovisual responsaacutevel por tal representaccedilatildeo eacute constituiacuteda por
alguns elementos fundamentais (1) o plano - cada parte da fita que se apresenta ao
espectador como tendo sido filmada sem interrupccedilotildees (2) a cena - o conjunto de planos
cuja accedilatildeo eacute contiacutenua e decorre numa relativa unidade de tempo e espaccedilo constitui as cenas
13
e as sequumlecircncias (3) o enquadramento - a variaccedilatildeo da longitude da cacircmera agrave cena filmada
por meio de movimento (sem interrupccedilatildeo da filmagem) dentro do mesmo plano a
variaccedilatildeo do enquadramento e (4) a montagem ndash procedimento de organizaccedilatildeo do conjunto
de cenas sequumlecircncias e planos que formam a obra fiacutelmica
Tais elementos audiovisuais estatildeo presentes tanto nas produccedilotildees cinematograacuteficas
quanto nas produccedilotildees publicitaacuterias poreacutem o modo como satildeo utilizados eacute que as difere
Segundo Aumont (1995) inicialmente o cinema era desprovido de uma linguagem pois
apenas refletia o registro de um espetaacuteculo uma simples reproduccedilatildeo do real Entretanto
com o intuito de contar histoacuterias e veicular ideias o cinema precisou utilizar determinados
procedimentos expressivos os quais passaram a constituir sua linguagem
Assim sendo pode-se definir a linguagem cinematograacutefica como ―o conjunto das
mensagens cujo material de expressatildeo compotildee-se de cinco pistas ou canais a imagem
fotograacutefica em movimento os sons foneacuteticos gravados os ruiacutedos gravados o som musical
gravado e a escrita (creacuteditos intertiacutetulos materiais escritos no interior do plano) (STAM
2003 p132) A utilizaccedilatildeo em sinergia desse grande nuacutemero de elementos possibilita uma
maior variedade de abordagens nas produccedilotildees audiovisuais Por exemplo uma montagem
natildeo-linear com ritmo acelerado de troca de planos acircngulos e enquadramentos eacute a marca
das realizaccedilotildees videograacuteficas contemporacircneas
Para Balaacutezs apud Stam (1995) a linguagem cinematograacutefica pode ser definida a
partir de 4 princiacutepios
- no cinema existe uma distacircncia variaacutevel entre espectador e cena representada
daiacute uma dimensatildeo variaacutevel da cena que toma lugar no quadro e na composiccedilatildeo
da imagem
- a imagem total da cena eacute subdividida em uma seacuterie de planos de detalhes
(principio da decupagem)
- existe variaccedilatildeo de enquadramento (acircngulo de visatildeo perspectiva) dos planos de
detalhe no decorrer da mesma cena
- finalmente eacute a operaccedilatildeo da montagem que garante a inserccedilatildeo dos planos de
detalhes em uma sequumlecircncia ordenada na qual natildeo apenas cenas inteiras se
sucedem mas tambeacutem tomadas de detalhes mais miacutenimos de uma mesma cena
A cena em seu conjunto eacute resultado disso como se os elementos de um mosaico
temporal fossem justapostos no tempo (BALAacuteZS apud STAM 1995 p163-
164)
O cinema busca traduzir a realidade atraveacutes da representaccedilatildeo artiacutestica mediante o
uso de teacutecnicas pertencentes agrave linguagem audiovisual Stam (2003 p132) acrescenta que
se torna linguagem a partir do momento em que comunica ―um conjunto de mensagens
formuladas com base em um determinado material de expressatildeo um discurso ou praacutetica
significante caracterizado por codificaccedilotildees e procedimentos ordenatoacuterios especiacuteficos
14
Por volta de 1750 a palavra esteacutetica foi inventada com o intuito de designar uma
―ciecircncia dos sentimentos posteriormente uma ―ciecircncia do belo Atualmente eacute
empregada igualmente no plural para se referir agraves diversas concepccedilotildees do belo e da arte
Segundo Aumont e Marie (2003) natildeo existe esteacutetica constituiacuteda do cinema mas questotildees
de natureza esteacutetica foram frequumlentemente discutidas a respeito dele em torno dos
seguintes problemas
1 O cinema entre as artes natildeo tendo sido o cinema de iniacutecio aceito como
arte (mas como teacutecnica ou como distraccedilatildeo) sua especificidade artiacutestica foi
muitas vezes salientada Em particular ele foi por isso confrontado e
comparado com artes reconhecidas a muacutesica (Gance) a pintura (Bazin
Aumont Bonitzer) o teatro (Pagnol) valorizando a cada vez uma
caracteriacutestica particular do cinema o ritmo o enquadramento a fala a
cenicidade etc
2 A especificidade do fiacutelmico ela diz respeito a alguns traccedilos fundamentais
estudados nos mais das vezes de pontos de vista bem diferentes o
movimento (Munsterberg Deleuze) a mobilidade do ponto de vista
(Souriau Metz Jost Aumont) a sequencialidade e a montagem
(Eisenstein)
3 A possibilidade de uma poeacutetica do cinema ndash ou seja de uma concepccedilatildeo
geral da natureza do cinema da criaccedilatildeo fiacutelmica da relaccedilatildeo do fiacutelmico com o
mundo afilmico ou profilmico etc A respeito desse ponto observa-se uma
grande oposiccedilatildeo entre poeacuteticas realistas ndash o filme como transparecircncia
(Kracauer) a ―liacutengua escrita da realidade (Pasolini) o ―cine-olho
(Vertov) - e poeacuteticas formalistas ndash o ―cinema-linguagem (Eisenstein) a
fotogenia (Epstein) o filme como grande forma (Buch) etc
4 A possibilidade de uma arte de massa imposta pela induacutestria e pela teacutecnica
(Panofsky) (AUMONT MARIE 2003)
Para Covaleski (2009 p77) a esteacutetica do cinema estaacute diretamente relacionada com
a natureza reprodutiva e mecacircnica do meio cinematograacutefico Segundo o autor eacute possiacutevel
destacar duas teorias mesmo que distintas em que se refere agrave natureza reprodutiva do
cinema A primeira de Walter Benjamin afirma que toda a problemaacutetica da esteacutetica
relacionada ao cinema estaacute centrada no ―contexto da crise do sistema tradicional das artes
cuja modalidade de percepccedilatildeo cinematograacutefica essencialmente coletivalsquo e distraiacutedalsquo eacute
sua proacutepria causa e efeito Jaacute a segunda teoria de Andreacute Bazin constata que o problema
esteacutetico estaacute ligado ao caraacuteter mecacircnico da reproduccedilatildeo ou seja ―eacute a ausecircncia de uma
intervenccedilatildeo por parte da interpretante e a deformaccedilatildeo causada pela projeccedilatildeo que teoriza
tal problemaacutetica Jaacute Aumont (2002 p15-16) ressalta que a esteacutetica do cinema confere dois
aspectos ―uma vertente geral que considera o efeito esteacutetico proacuteprio do cinema e uma
vertente especiacutefica centrada na anaacutelise de obras particulares Sendo assim refere-se agrave
anaacutelise de filmes ou a criacutetica no sentido pleno do termo
15
Na obra fiacutelmica os aspectos esteacuteticos satildeo apresentados diante de uma
categorizaccedilatildeo dos elementos que constituem a manifestaccedilatildeo esteacutetica no cinema Segundo
Covaleski (2009) ―tais manifestaccedilotildees se datildeo sobre vaacuterias formas ora icocircnicas ora
focircnicas ora graacuteficas ora oacuteticas ora sonoras ora auditivas e estatildeo em processo de
evoluccedilatildeo devido ao surgimento de novas tecnologias de comunicaccedilatildeo juntamente com
novas manifestaccedilotildees artiacutesticas
No decorrer do seacuteculo XX mediante tais transformaccedilotildees houve a geraccedilatildeo de
novas noccedilotildees de criaccedilatildeo de arte de esteacutetica Conforme Plaza (2000) ocorreu um
―deslocamento das funccedilotildees instauradoras (a poeacutetica do artista) para funccedilotildees de
sensibilidade receptora (esteacutetica) o que produz no meio artiacutestico uma grande confusatildeo
conceitual caracterizada pela mistura e hibridaccedilatildeo de gecircneros poeacuteticas e atitudes
artiacutesticas
Pode-se compreender com base em Covaleski (2009) que a chegada da arte do
cinema agrave tevecirc trouxe tambeacutem padrotildees esteacuteticos que aos poucos foram incorporados ao
meio televisual aleacutem de serem consumidos em larga escala pela publicidade Percebe-se
que boa parte dos comerciais de tevecirc os chamados filmes publicitaacuterios alcanccedilam mais
destaque que a proacutepria programaccedilatildeo devido aos recursos tecnoloacutegicos e a linguagem
adaptada do cinema utilizado em suas produccedilotildees Sendo assim ao serem criados e
produzidos com preocupaccedilotildees esteacuteticas e cuidados artiacutesticos possibilitou gerar um
receptaacuteculo proacuteprio a esteacutetica publicitaacuteria
Diante do debate entre o aspecto utilitaacuterio e o aspecto artiacutestico da mensagem cabe
agrave publicidade recorrer agraves funccedilotildees da linguagem Para o autor natildeo importa se sejam as
poeacuteticas conativas ou referenciais mas sim sua finalidade de elevar e diversificar o
conjunto de repertoacuterios de seu puacuteblico-alvo contribuindo assim para a aceitaccedilatildeo de uma
nova esteacutetica
Tal questatildeo esteacutetica para alguns autores eacute tratada como uma espeacutecie de fetiche
cinematograacutefico Eacute possiacutevel perceber a veneraccedilatildeo e a adoraccedilatildeo de determinados elementos
constituintes da narrativa - do figurino do cenaacuterio ou ateacute mesmo da performance cecircnica
do ator ndash como intuito de simbolizar objeto de culto estabelecer um valor icocircnico a este
Conforme Covaleski (2009 p79-80) desde ―a criaccedilatildeo de mitos do cinema ao lanccedilamento
de moda passando pelo merchandising institucionalizado a esteacutetica cinematograacutefica
contribui na formaccedilatildeo e evoluccedilatildeo de comportamentos fetichistas por parte da sociedade
movida por novos sonhos de consumo e por novas divindades a cultuar
16
A partir da reflexatildeo de Carvalho (2003) a cerca dos estudos de Leacutevi-Strauss pode-
se dizer que a individualizaccedilatildeo da produccedilatildeo demonstrar o aparecimento de uma
consciecircncia criacutetica por parte do receptor que retira da esteacutetica-primitiva o seu dever social
A obra sendo produzida individualmente sem necessidade de bastar a uma sociedade ou
clatilde A esteacutetica-moderna depende apenas da aprovaccedilatildeo ou natildeo de uma clientela ―de classe
(como utiliza o autor) para se firmar como arte
Ao mesmo tempo com a evoluccedilatildeo da criacutetica de arte e o aparecimento do
abstracionismo Leacutevi-Strauss iraacute demonstrar um propoacutesito antimodernista ao perceber a
banalizaccedilatildeo presente na arte do poacutes-guerra Aleacutem da hiper-valorizaccedilatildeo da criacutetica a
representaccedilotildees pictoacutericas sem compromisso artiacutestico Poreacutem dentro desta mesma vertente
podemos repassar seu conceito de arte que funde a ciecircncia e o mito na concepccedilatildeo do
espiacuterito humano (pensamento criador) em outro de seus pensamentos a loacutegica do
sensiacutevel Loacutegica regida pela possibilidade de unir muacutesica e mito ou romance e mito atraveacutes
de uma ―estrutura-funccedilatildeo Todo meio artiacutestico pode ser fundido a outro ou recriado
desde que o estruturalismo presente no espiacuterito humano conceba um fim artiacutestico
A inter-relaccedilatildeo do cinema e da publicidade audiovisual resulta dos aspectos dessa
linguagem pois ambos constituem meios audiovisuais que trabalham a partir de uma
mesma base de composiccedilatildeo e de montagem de elementos expressivos para criar um
determinado plano de conteuacutedo narrativo e de significado o que configura esteacuteticas
diferenciadas
A modernidade da imagem cinematograacutefica eacute reflexo de um processo histoacuterico
em que a arte tenta se renovar em releituras de seus proacuteprios conceitos e criaccedilatildeo
de outros A diversidade estiliacutestica caracteriacutestica do cinema comercial da deacutecada
de 90 retrata uma geraccedilatildeo multimiacutedia de novos profissionais e espectadores que
acabaram por alterar os rumos da cinematografia contemporacircnea
(CARVALHO 2003)
Tais mudanccedilas de abordagem satildeo visiacuteveis natildeo apenas no cinema como tambeacutem nos
videoclipes nos games e na publicidade Refere-se a uma nova perspectiva de criaccedilatildeo
audiovisual na tentativa de romper as barreiras das produccedilotildees tradicionais e enfatizar o
surgimento de novas possibilidades Tais rupturas contribuem para a mudanccedila no
comportamento dos sujeitos contemporacircneos
O pensador de agora jaacute natildeo se senta mais agrave sua escrivaninha diante de seus
livros para dar forma ao seu pensamento mas constroacutei as suas ideias manejando
instrumentos novos ndash a cacircmera a ilha de ediccedilatildeo o computador - invocando
ainda outros suportes de pensamento sua coleccedilatildeo de fotos filmes viacutedeos
discos ndash sua mideoteca enfim (DUBOIS 2004 p19)
17
O pensamento audiovisual contemporacircneo constata essa hibridizaccedilatildeo essa
convergecircncia de elementos responsaacuteveis por uma mudanccedila de conduta Deste modo
Dubois (2004 p25) ressalta a existecircncia do imaginaacuterio cinematograacutefico presente em
todos os lugares e impregnado ―ateacute em nossa maneira de falar ou de ser Quem ao
percorrer de carro um longo trajeto numa vasta paisagem aberta natildeo pensou com a ajuda
da muacutesica no raacutedio numa figura de travelling mergulhando na tela panoracircmica de seu
paacutera-brisa
Em relaccedilatildeo agrave esteacutetica publicitaacuteria Carvalho (2003) ressalta uma possiacutevel ―morte
do cinema Vaacuterios criacuteticos apostam nessa ―morte diante do uso de recursos estiliacutesticos
que estariam se sobressaindo na concepccedilatildeo criadora do filme em contraposiccedilatildeo ao
realismo bem como da evoluccedilatildeo da teacutecnica que distancia o cinema de sua perspectiva
fotograacutefica Resultando assim na valorizaccedilatildeo da imagem em detrimento da representaccedilatildeo
Contudo o autor ressalva que tal concepccedilatildeo de retrato da realidade aleacutem de
ultrapassada estaacute reformulada no estudo do ―espiacuterito humano de Leacutevi-Strauss Este
estudo baseia-se no posicionamento da seacutetima arte como uma visatildeo moderna do homem
diante da realidade a visatildeo em que a cacircmera capta a imagem e natildeo o objeto
Enquanto isso Merquior (1975) busca uma maneira de refletir e re-posicionar as
concepccedilotildees de Leacutevi-Strauss quanto agrave arte contemporacircnea
Em vez de vociferar sobre a verdade factuallsquo da morte da artelsquo conviria
colocar a problemaacutetica implicada por essas teses em relaccedilatildeo a uma das
tendecircncias mais fecundas do estruturalismo ndash sua vontade de ultrapassar as
anaacutelises estanques dos domiacutenios culturais (arte religiatildeo ciecircncia etc) de
encorajar a pesquisa de afinidades estruturais e funcionais entre esses camposlsquo
sem jamais esquecer que satildeo todos faces de uma mesma realidade o espiacuterito
humano (MERQUIOR 1975 p79)
Em seu texto A Dupla Heacutelice Raimond Bellour consegue ver logo no viacutedeo ndash base
da esteacutetica publicitaacuteria ndash e na tecnologia digital o resumo desta realidade emergente
O viacutedeo leva assim agrave sua perda essa capacidade de analogia dilatada agraves
dimensotildees do universo pela primeira vez os corpos e os objetos do mundo satildeo
virtualmente desfiguraacuteveis (e logo refiguraacuteveis) ao sabor de uma potecircncia que
transforma em tempo real ou quase natildeo diferido (e natildeo mais somente como no
cinema por uma lenta elaboraccedilatildeo cujas trucagens constituem o modelo) as
representaccedilotildees que capta seu olho mecacircnico Isso explica o fato de a viacutedeo-
imagem a caccedilula das imagens de reproduccedilatildeo poder aparecer simultaneamente
como uma nova imagem irredutiacutevel ao que a precede mas tambeacutem uma
imagem capaz de atrair de absorver de misturar todas as imagens anteriores
pintura fotografia cinema (BELLOUR Raimond in PARENTE 1993 p223)
18
Em funccedilatildeo disso a esteacutetica publicitaacuteria natildeo passaria apenas de um mero
abstracionismo imageacutetico do cinema mas sim a siacutentese de uma movimentaccedilatildeo esteacutetica que
atravessa todas as artes denominada Poacutes-modernidade Cultural Muito aleacutem de um
recurso estiliacutestico as imagens de ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus entre outros filmes
tachados como videoclipeiros ou publicitaacuterios refletem na representaccedilatildeo do olhar do
homem moderno Toda essa fundamentaccedilatildeo estaacute na fusatildeo da linguagem videograacutefica com
a fotograacutefica do cinema Ao inveacutes de ampliar a visatildeo da rapidez das coisas tenta-se
reduzir o que ocorre agrave nossa volta em conceitos voltado aos meios artiacutesticos
11 Interfaces cinema e publicidade
Com o intuito de construir um sentido proacuteprio para cada filme o cinema atua em
momentos esparsos e depende da disposiccedilatildeo do espectador para que a obra fiacutelmica seja
consumida Em contrapartida a televisatildeo oferece uma programaccedilatildeo diversificada sem
interrupccedilotildees 24h por dia Assim o espectador recebe informaccedilotildees se diverte com
seriados novelas e filmes sem sair de casa
Percebe-se que a origem do discurso nunca eacute autocircnoma mas sim dependente de
outros discursos em que buscou referecircncia Bliskstein (1994 p45) constata que
―suportado por toda uma intertextualidade o discurso natildeo eacute falado por uma uacutenica voz mas
por muitas vozes geradoras de muitos textos que se intercruzam no tempo e no espaccedilo
Na deacutecada de 60 Kristeva introduziu o termo intertextualidade como uma traduccedilatildeo
para ―dialogismo que se refere agrave relaccedilatildeo entre um enunciado e os demais enunciados De
acordo com Stam (2003) a intertextualidade eacute um conceito de valor na medida em que
possibilita relacionar o texto individual com as demais formas de representaccedilatildeo natildeo
somente com outros textos
Intertextualidade eacute vista por Fiorin (2002) como a forma de incorporar um texto em
outro aleacutem de ser polecircmica quando propotildee uma oposiccedilatildeo ao sentido do texto original ou
contratual quando o reforccedila e o enaltece Assim sendo a intertextualidade polecircmica eacute
conhecida como paroacutedia enquanto a intertextualidade contratual como paraacutefrase Aleacutem
disso classifica tambeacutem em
citaccedilatildeo (referecircncia literal a outro texto usando parte deste) alusatildeo (reproduccedilatildeo
de construccedilotildees sintaacuteticas substituindo algumas figuras do texto original por
outras) e estilizaccedilatildeo (reproduccedilatildeo do estilo de outrem no plano da expressatildeo ou
no do conteuacutedo) (FIORIN apud COVALESKI 2009 p 39)
19
A seguir uma abordagem mais detalhada de cada uma das relaccedilotildees intertextuais
entre o cinema e a publicidade televisual na visatildeo de Covaleski (2009)
a) citaccedilatildeo a publicidade desfruta desse recurso criativo com maestria Uma uacutenica
obra cinematograacutefica pode originar uma grande variaccedilatildeo de citaccedilotildees ancoradas
a uma mesma cena claacutessica evidentemente emblemaacutetica contundente o
bastante para se tornar perene no imaginaacuterio coletivo transpondo barreiras
culturais e temporais Pode-se citar como exemplo a cena emblemaacutetica em que
a atriz Marilyn Monroe tem sua saia levantada devido ao deslocamento de ar
durante a passagem do metrocirc no filme O Pecado Mora ao Lado (The Seven
Year Itch de Billy Wilder ndash 1955) Essa cena muito conhecida jaacute foi usada
diversas vezes e de diferentes formas pela publicidade Exemplo disso foi a
colocaccedilatildeo de uma saia ndash a la Marilyn ndash em garrafas de vodka da marca
Absolut
b) alusatildeo mais sutil que a citaccedilatildeo remete a uma obra anterior poreacutem sem fazer
uso de fragmentos dela Utiliza somente uma construccedilatildeo equivalente
substituindo determinadas figuras por outras A alusatildeo recorrente no cinema eacute
facilmente percebida em filmes que pertencem a um mesmo gecircnero
cinematograacutefico Na publicidade a intertextualidade com o cinema utilizando a
alusatildeo aparece em comerciais de anunciantes dos mais diferentes segmentos de
mercado bem como os filmes de onde saiacuteram as inspiraccedilotildees pertencem aos
mais diversos gecircneros O filme francecircs O Fabuloso Destino de Ameacutelie Poulain
(Le Fabuleux Destin drsquoAmeacutelie Poulain de Jean-Pierre Jeunet - 2001) eacute uma
obra com clara influecircncia da linguagem publicitaacuteria Muito disso se deve
devido agrave vivecircncia de Jeunet em meio agrave publicidade Eacute o caso deste trabalho jaacute
que Fernando Meirelles trabalhou com publicidade antes de seguir carreira no
cinema Um exemplo de alusatildeo a este filme se percebe na campanha do
automoacutevel Renault Sceacutenic ndash um anatildeo de jardim eacute sequumlestrado por um grupo de
amigos e aprova seu novo endereccedilo mandando uma carta agrave sua antiga dona
avisando que natildeo voltaraacute mais para casa Deste modo a campanha faz alusatildeo
ao argumento de liberdade explorado na obra francesa
c) estilizaccedilatildeo ato de reproduzir um conjunto de procedimentos de caracteriacutesticas
de formas e de conteuacutedos do discurso de outrem Eacute recorrer agrave estrutura seja no
20
plano da expressatildeo ou no do conteuacutedo produzindo um efeito de
personalizaccedilatildeo muito embora remeta a obra anterior independente de
estabelecer uma relaccedilatildeo polecircmica ou contratual com aquela A estilizaccedilatildeo
intertextual na publicidade com referencial cinematograacutefico eacute constante e
ultrapassa o uso apenas dos elementos de linguagem cinematograacutefica Alguns
filmes publicitaacuterios utilizam em suas produccedilotildees as teacutecnicas de trucagem1 se
aproveitam dos efeitos especiais e ateacute dos estilos lanccedilados pelo cinema Um
bom exemplo dessa estilizaccedilatildeo encontra-se em um comercial da Samsung que
se utilizada da mesma esteacutetica tecnoloacutegia e uso de efeitos especiais do filme
Matrix (The Matrix de Andy e Larry Wachowski - 1999)
No Brasil de acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber tambeacutem um
caminho oposto a esta intertextualidade Cada vez mais a publicidade interfere na atual
produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este papel de fonte de
referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem audiovisual nas
produccedilotildees contemporacircneas como eacute o caso dos filmes ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus
―O Jardineiro Fiel e ―Ensaio sobre a Cegueira de Fernando Meirelles
1 Trucagem A accedilatildeo de modificar imagens previamente filmadas ao vivo tanto em sua forma (cor e
tamanho) como na ordem de sua projeccedilatildeo (congelamento aceleraccedilatildeo inversatildeo) Satildeo possiacuteveis tambeacutem a
superposiccedilatildeo de letreiros a fusatildeo (teacutecnica de escurecer uma cena ao mesmo tempo em que outra vai
surgindo provocando a sobreposiccedilatildeo de uma sobre a outra) e outros efeitos especiais O equipamento
utilizado eacute a truca Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbrmidiaartequadroaquadro gt Acesso em 14
Jun 2010
21
2 A fotografia na esteacutetica audiovisual
A palavra fotografia vem do grego foacutes (luz) e grafis (estilo pincel) ou
grafecirc e significa desenhar com luz e contraste Natildeo eacute possiacutevel definir um uacutenico
inventor pois foram vaacuterios os responsaacuteveis pela sua origem Em 1826 o francecircs Joseph
Niceacutephore Nieacutepce teve sua imagem reconhecida como a primeira fotografia tal imagem
foi produzida mediante o uso de uma placa de estanho coberta com um derivado de
petroacuteleo fotossensiacutevel chamado Betume da Judeacuteia O processo de exposiccedilatildeo agrave luz solar
chamado de heliografia durava cerca de oito horas para que a imagem fosse obtida
Neste mesmo periacuteodo Louis Daguerre deu continuidade aos experimentos
fotograacuteficos de Joseph Niceacutephore Nieacutepce fato este que lhe concedeu uma descoberta
decisiva Em 1835 Daguerre apanhou uma placa revestida de prata sensibilizada com
iodeto de prata que apesar de exposta natildeo apresentava sequer vestiacutegios de imagem
guardou-a displicentemente em um armaacuterio e ao abri-lo no dia seguinte encontrou uma
imagem revelada Fez experiecircncias por eliminaccedilatildeo com os outros produtos que estavam
no armaacuterio para descobrir que a imagem latente tinha sido revelada por accedilatildeo do mercuacuterio
Logo apoacutes o falecimento de Niegravepce Daguerre desenvolveu um processo
conhecido como daguerreotipia no qual era possiacutevel reduzir o tempo de revelaccedilatildeo de
horas para minutos devido a utilizaccedilatildeo de vapor de mercuacuterio Daguerre descreveu seu
processo agrave Academia de Ciecircncias e Belas Artes na Franccedila e logo depois requereu a
patente do seu invento na Inglaterra Breslin possibilita um melhor entendido deste
processo
Os daguerreoacutetipos inventados em 1839 foram os primeiros dentre os processos
fotograacuteficos iniciais a se tornar comercialmente disponiacuteveis O processo utiliza
placas uacutemidas que satildeo placas de cobre cobertas por uma emulsatildeo fotossensiacutevel
agrave base de prata As placas eram reveladas em campo enquanto ainda uacutemidas
criando um negativo Os negativos entatildeo podiam ser trazidos de volta ao
estuacutedio onde um pedaccedilo de papel fotograacutefico era assentado sobre a emulsatildeo do
negativo e exposto ao sol A luz do sol expunha a impressatildeo que era fixada (isto
eacute estabilizada por uma processo quiacutemico) e lavada (BRESLIN 2009 p26)
Jaacute em 1839 o britacircnico William Fox Talbot ao tomar conhecimento dos avanccedilos
de Daguerre decidiu apressar a apresentaccedilatildeo de suas pesquisas com papeacuteis fotossensiacuteveis
agrave Royal Institution e agrave Royal Society com o intuito de garantir os direitos sobre suas
invenccedilotildees No entanto Talbot desenvolveu um processo diferente denominado caloacutetipo -
utilizava folhas de papel cobertas com cloreto de prata que posteriormente eram colocadas
22
em contato com outro papel produzindo assim a imagem positiva Trata-se de um
processo semelhante ao usado atualmente em que utiliza-se um negativo para a obtenccedilatildeo
posterior de imagens positivas
A fotografia entatildeo popularizou-se como produto de consumo a partir de 1888 com
a introduccedilatildeo da cacircmera tipo caixatildeo e pelo filme em rolos substituiacuteveis criados por
George Eastman Desde entatildeo o mercado fotograacutefico tem experimentado uma crescente
evoluccedilatildeo tecnoloacutegica como o estabelecimento do filme colorido como padratildeo e o foco
automaacutetico ou exposiccedilatildeo automaacutetica Essas inovaccedilotildees sem duacutevida facilitam a captaccedilatildeo da
imagem melhoram a qualidade de reproduccedilatildeo ou a rapidez do processamento mas muito
pouco foi alterado nos princiacutepios baacutesicos da fotografia
A grande mudanccedila recente produzida a partir do final do seacuteculo XX foi a
digitalizaccedilatildeo dos sistemas fotograacuteficos A fotografia digital mudou paradigmas no mundo
da fotografia minimizando custos reduzindo etapas acelerando processos e facilitando a
produccedilatildeo manipulaccedilatildeo armazenamento e transmissatildeo de imagens pelo mundo O
aperfeiccediloamento da tecnologia de reproduccedilatildeo de imagens digitais tem quebrado barreiras
de restriccedilatildeo em relaccedilatildeo a este sistema por setores que ainda prestigiam o tradicional filme
e assim irreversivelmente ampliando o domiacutenio da fotografia digital
Natildeo se pode esquecer de salientar que a partir de tais descobertas no ramo da
fotografia eacute que foi possiacutevel a invenccedilatildeo do cinema O instantacircneo a possibilidade de
congelar um instante no fluxo contiacutenuo dos acontecimentos soacute se torna possiacutevel de fato
com o advento da fotografia Sendo assim os estudos de Muybrigde referentes aos
instantacircneos sucessivos associada ao aparato do fuzil fotograacutefico de Marey iratildeo resultar na
invenccedilatildeo do cinema Sabe-se que o cinema confere agrave imagem uma continuidade aparente
pois na verdade trata-se de uma seacuterie de instantacircneos separados por intervalos poreacutem aos
sentidos ele se apresenta de forma lisa e fluida como a proacutepria natureza do movimento
Machado acrescenta que
O cinema mesmo o cinema stricto sensu ou seja o cinema que se constitui a
partir do cinematoacutegrafo de LeRoy Edison Paul Skladanwsky e dos Lumiegravere
natildeo era nos seus primoacuterdios o que hoje chamamos de cinema Ele reunia na
sua base de celuloacuteide vaacuterias modalidades de espetaacuteculos derivadas das formas
populares de cultura como circo o carnaval a magia e a prestidigitaccedilatildeo a
pantomima a feira de atraccedilotildees e aberraccedilotildees etc (MACHADO 1997 p 76)
No iniacutecio os filmes eram de curta duraccedilatildeo nos quais o puacuteblico era composto
basicamente de operaacuterios As exibiccedilotildees eram realizadas em grandes galpotildees durante o
23
intervalo de serviccedilo do proletariado Machado (1997 p79) explica que o cinema era uma
em diversas atraccedilotildees oferecidas pelos vaudevilles pois ―natildeo se havia ainda desenvolvido
um conjunto de teacutecnicas e procedimentos de linguagem apropriados para a elaboraccedilatildeo de
uma narrativa visual que fosse suficientemente autocircnoma a ponto de poder se dispensar a
―explicaccedilatildeo de um apresentador
Atualmente pensa-se primeiramente em imagens forma-se um raciociacutenio a partir
de mosaicos audiovisuais que possibilitam um dado significado Tal modelo de
pensamento atraveacutes da imagem tecnoloacutegica deve-se ao conjunto de referecircncias
adquiridas
Assim sendo a fotografia possui papel fundamental na linguagem audiovisual
Sabe-se que a foi a partir da fotografia que se tornou possiacutevel agrave invenccedilatildeo do cinema
Dubois (2004) assegura que
Com a fotografia a maacutequina natildeo se contenta mais em preacute-ver ela inscreve
tambeacutem a imagem por meio das reaccedilotildees fotossensiacuteveis de certos materiais que
registram por si mesmos as aparecircncias sensiacuteveis geradas pela radiaccedilatildeo luminosa
A maacutequina intervecircm aqui portanto no coraccedilatildeo mesmo do processo de
constituiccedilatildeo da imagem que aparece assim como representaccedilatildeo quase
automaacuteticalsquo objetivalsquo sine manu factalsquo O gesto humano passa a ser mais um
gesto de conduccedilatildeo da maacutequina do que de figuraccedilatildeo direta (DUBOIS 2004
p38)
Em sua brilhante anaacutelise Barthes evidencia o fato de que a fotografia significa
muito mais uma ruptura do que uma continuidade em relaccedilatildeo agrave pintura Isso porque a
reaccedilatildeo quiacutemica dos sais de prata fotossensiacuteveis mediada pelo aparelho oacutetico que projeta a
imagem eacute colocada no centro do dispositivo de criaccedilatildeo da imagem deslocando o papel do
criador que antes que antes tinha que compor o instante representado a partir de instantes
distintos usando os coacutedigos da pintura para unificar a fatura e agora passava a poder
recortar um instante na sua proacutepria duraccedilatildeo com o uso da fotografia Dubois acrescenta
que tal uso
abandona o tempo crocircnico real evolutivo o tempo que passa como um rio
nosso tempo dos seres humanos inscritos na duraccedilatildeo para entrar em uma
temporalidade nova separada e simboacutelica a da foto temporalidade que tambeacutem
dura tatildeo infinita em princiacutepio quanto a primeira mas infinita na imobilidade
total congelada na interminaacutevel duraccedilatildeo das estaacutetuas (DUBOIS 1993 p168)
Com a invenccedilatildeo do instantacircneo fotograacutefico a pose a produccedilatildeo a composiccedilatildeo
elementos proacuteprios agrave linguagem da pintura figurativa satildeo subvertidas datildeo lugar tambeacutem
ao efecircmero ao flagrante agrave espontaneidade
Durante o seacuteculo XIX a fotografia buscou ancorar-se na esteacutetica proacutepria agrave pintura
para almejar sua entrada no panteatildeo das Belas-Artes em um movimento chamado pela
24
historiografia de pictorialismo Como bem analisou Walter Benjamin em sua Pequena
Histoacuteria da Fotografia de 1931 esse movimento se revelou improdutivo jaacute que os
fotoacutegrafos buscavam encaixar-se nos mesmos padrotildees de valoraccedilatildeo esteacutetica que foram
subvertidos com a invenccedilatildeo da fotografia
O discurso sobre a fotografia no seacuteculo XIX ainda estaacute muito contaminado por
valores esteacuteticos que consideram a teacutecnica em oposiccedilatildeo agrave arte ou na melhor das hipoacuteteses
como uma mera serviccedilal da arte Mas a proacutepria invenccedilatildeo da fotografia primeira forma de
produzir imagens completamente mediada pela teacutecnica na qual o ―laacutepis da Natureza
(Talbot) age sozinho sem a ajuda da matildeo do homem estava subvertendo completamente
os valores vigentes instaurando uma estreita ligaccedilatildeo entre teacutecnica e arte
Trazer a teacutecnica para o primeiro plano eacute uma das transformaccedilotildees mais radicais que
a imagem fotograacutefica instaura no campo da produccedilatildeo de imagens Esse tipo de imagem
criada por um aparelho chamada por Vileacutem Flusser de ―imagem teacutecnica foi capaz de
superar oposiccedilotildees vazias entre arte e teacutecnica
Com a virada para o seacuteculo XX se inicia um movimento de valorizaccedilatildeo da
fotografia por suas peculiaridades constitutivas advindas de seu proacuteprio mecanismo de
inscriccedilatildeo da imagem a instantaneidade o corte a conexatildeo fiacutesica com o referente A
chamada fotografia moderna se estabelece em duas frentes nas vanguardas europeacuteias e no
movimento chamado Photo Secession que ocorreu nos Estados Unidos8
A obra de Henri Cartier-Bresson eacute das mais importantes para a afirmaccedilatildeo da
fotografia por suas qualidades constitutivas Ele percebeu a potencialidade do aparato e o
foi um dos primeiros a usar uma cacircmera compacta de pequeno formato para sacar
instantes da realidade ainda na deacutecada de 1930 Com o tempo amadureceu uma filosofia
do chamado ―instante decisivo Para ele o fotoacutegrafo eacute como um flaneur que vaga pelo
mundo em busca daqueles raros momentos em que todos os elementos do enquadramento
se alinham em sua maacutexima expressatildeo dando agrave narrativa um potencial de siacutentese
A partir dessa reflexatildeo pode-se dizer que a fotografia audiovisual possibilita
transmitir ao espectador uma verossimilhanccedila com a realidade A anaacutelise da fotografia no
cinema se faz a partir do conhecimento dos elementos que a compotildee e suas variaccedilotildees
Assim cada elemento seraacute tratado separadamente para que seja possiacutevel uma melhor
explanaccedilatildeo de cada componente da fotografia audiovisual
25
21 Iluminaccedilatildeo
De acordo com Sousa (2004) eacute intuitivo afirmar que no momento em que se
ilumina um determinado objetopersonagem em detrimento de outros revela-se apenas
aquele que estaacute exposto agrave luz No entanto essa natildeo eacute a uacutenica contribuiccedilatildeo da iluminaccedilatildeo
para a construccedilatildeo de sentido a uma imagem Aleacutem disso eacute responsaacutevel por transmitir
noccedilotildees de profundidade e de relevo Segundo Roberts-Breslin (2009) eacute atraveacutes da
iluminaccedilatildeo que satildeo criados os padrotildees de luz e sombra que datildeo sentido ao nosso mundo
como tambeacutem o alto contraste do sol do meio-dia ou o baixo contraste monocromaacutetico
num dia chuvoso Aumont (2004) acrescenta que
A luz no cinema estaacute sempre ali e ateacute mesmo duplamente ali jaacute que a luz do
projetos ndash a luz depois do filme ndash serve para mostrar a luz registrada tal como
ela caiacutea sobre as coisas filmadas ndash a luz de antes do filme Haacute entre as duas uma
conivecircncia inextinguiacutevel jaacute reconhecida aqui mesmo em sua forma negativa ndash o
escuro - e que nutriu com frequecircncia a fantasia (em Murnau em Sternberg ou
Godard) de que uma natildeo eacute senatildeo a continuaccedilatildeo da outra por outros meios
Consequumlecircncia articulaccedilatildeo da diferenccedila a luz do quadro natildeo teve de ser
produzida realmente a do filme foi real Diferenccedila ontoloacutegica que se duplica em
outra infinitamente contingente poreacutem sensiacutevel a luz utilizada na produccedilatildeo do
filme eacute uma luz eleacutetrica seu aspecto eacute particular variaacutevel aliaacutes ao longo da
histoacuteria do cinema (AUMONT 2004 p 172)
As condiccedilotildees de iluminaccedilatildeo satildeo capazes de indicar a hora do dia a eacutepoca do ano e
a parte do planeta em que a imagem estaacute sendo reproduzida A luz ―empresta um tom a um
lugar ou experiecircncia ndash o brilho suave e romacircntico de uma vela as inesperadas e
desconhecidas sombras da noite a firme e escura melancolia do crepuacutesculo do inverno
ou seja possibilita a criaccedilatildeo de um determinado clima agrave cena (Breslin 2009 p87) Moura
afirma que
A fotografia em nada se diferencia da natureza Todas as luzes e efeitos estatildeo agrave
mostra para o olho educado Os efeitos dos filtros os contrastes das luzes as
densidades das cores tudo e todos estatildeo na natureza agrave vista de quem quiser ver
Se vocecirc prestar atenccedilatildeo ao tipo de luz que o sol gera saberaacute qual refletor de
quanto como e onde colocar Se vocecirc se abstrair do tamanho do sol e se
concentrar no efeito da sua luz poderaacute intuir a direccedilatildeo a natureza e a
intensidade da luz que vocecirc precisaraacute para ter o mesmo resultado Afinal de
contas o sol tem que iluminar a terra toda e noacutes soacute um pequeno estuacutedio As
diferenccedilas de tamanho satildeo irrelevantes para o raciociacutenio Para se chegar ao
pequeno partimos do grande Nada no pequeno mundo da fotografia inexiste no
vasto mundo de todos noacutes Talvez a uacutenica coisa que possamos criar e que jaacute natildeo
exista em escala maior e em melhor forma na natureza seja a escrita (MOURA
2001 p 20)
Breslin (2009 p88) acredita que a luz consiste na base da miacutedia visual pois
―tecnicamente a luz fornece a energia que nos permite reproduzir uma imagem
Esteticamente a luz junto com a composiccedilatildeo revela verdades e mentiras criando beleza e
26
feiura dentro do quadro Para Martin (2003 p 71) a iluminaccedilatildeo eacute o ―fator decisivo da
expressividade da imagem poreacutem sua importacircncia natildeo eacute percebida pelo espectador
devido ao fato de possibilitar a criaccedilatildeo de uma atmosferalsquo elemento este dificilmente
analisaacutevel
As sombras criadas com a iluminaccedilatildeo ―ajudam a transmitir profundidade clima e
lugar mas devem ser cuidadosamente controladas A iluminaccedilatildeo na verdade pode ser
definida como lanccedilar e controlar as sombrasrdquo (BRESLIN 2009 p95) Sendo assim a
luz possui vaacuterias caracteriacutesticas essenciais qualidade direccedilatildeosentido contraste
uniformidade cor e intensidade
Conforme Sousa (2004) a qualidade da luz refere-se principalmente ao tipo de
sombra que um objeto iluminado produz seja ela dura e definida ou suave a gradual
Breslin (2009) confirma tal classificaccedilatildeo ao dizer que
A qualidade de uma fonte de luz tem a ver com o modo como as ondas
percorrem o espaccedilo Se elas o fazem em linha reta a partir da fonte ateacute iluminar
o objeto satildeo refletidas de volta para a lente de um olho ou cacircmera em linhas
similarmente retas Isso produz luz dura direta ou localizada A energia
luminosa cobre uma aacuterea relativamente pequena mas manteacutem a intensidade ou
brilho maacuteximos A luz direta enfatiza a textura (BRESLIN 2009 p92)
A autora acrescenta que a luz que atinge um objeto pode ser dura ao produzir
sombras nitidamente definidas e partes mais claras distintas Jaacute quando produz partes
claras e sombras sutis e com uma borda menos definida ela eacute classificada como uma luz
suave Assim a luz comeccedila direta mas suas ondas podem desviar ou refletir de uma a
outra superfiacutecie ateacute que encontram o seu caminho para a lente Dependendo do caminho
percorrido se ―produz luz suave difusa ou lavada Uma fonte de luz difusa cobriraacute uma
aacuterea grande mas eacute menos intensa ou brilhante do que a mesma quantidade inicial de luz
direta na mesma distacircncia do objeto (BRESLIN 2009 p93)
Salles (2006) ressalta que ao iluminar artificialmente uma cena qualquer os planos
de composiccedilatildeo de luz desta cena devem ser cuidadosamente elaborados a fim de que a
fotografia do filme esteja em harmonia esteacutetica com o roteiro e sua proposta
22 Cor
Durante praticamente quarenta anos o cinema se manteve em preto e branco
Qualidade natural dos seres e objetos a cor possibilita maior realismo nas obras fiacutelmicas
pois aumenta a veracidade da imagem
27
Sendo assim a partir de um trabalho manual dos teacutecnicos que coloriam os filmes agrave
matildeo ou com o auxiacutelio de paletas eacute que se tornou possiacutevel colocar cor nas telas mediante
muito trabalho Experiecircncias foram realizadas e tomou-se conhecimento de uma nova
teacutecnica os chamados ―banhos onde a peliacutecula era tingida com cores uniformes com o
intuito de atribuir tanto realismo quanto simbolismo Basicamente era usado azul para
designar a noite e amarelo para as cenas de interiores agrave noite enquanto que para
simbolizar os incecircndios e as revoluccedilotildees optava-se pelo vermelho e para as matas e
paisagens a cor verde (MARTIN 2003) A bicromia e a tricomia comeccedilaram a serem
utilizadas em meados dos anos 30 No entanto eacute apenas na metade dos anos 50 que a cor
passou a ser usada de forma generalizada
Natildeo se pode negar que a cor possui um papel fundamental na composiccedilatildeo da
fotografia cinematograacutefica A partir de sua utilizaccedilatildeo torna-se possiacutevel representar a
realidade com mais perfeiccedilatildeo e precisatildeo Aumont (2003 p63) acrescenta que ―apesar da
especificidade da cor no cinema o modelo criacutetico e esteacutetico foi quase sempre a pintura
Esta circulou enormemente no imaginaacuterio fiacutelmico em trecircs grandes formas a
ficcionalizaccedilatildeo a imitaccedilatildeo e a anaacutelise sendo a base para as futuras produccedilotildees
audiovisuais Contudo o autor ressalta que
a ausecircncia de leis gerais e verificaacuteveis explica a ausecircncia quase total de reflexatildeo
teoacuterica sobre a cor na imagem em movimento As uacutenicas consideraccedilotildees agraves
vezes propostas no tocante ao valor simboacutelico ou expressivo da cor (o vermelho
como siacutembolo de guerra ou de paixatildeo o azul bem como o azul-celeste para a
paz o violeta associado agrave lamentaccedilatildeo funeraacuteria etc) Como tais valores satildeo bem
variaacuteveis conforme as culturas e as eacutepocas Eacute difiacutecil fazer uma teoria deles e a
esteacutetica da cor no cinema confunde-se praticamente com a constataccedilatildeo de
estilos pessoais ou de efeitos de gecircnero (AUMONT 2003 p63)
Ainda em relaccedilatildeo ao uso das cores fala-se em harmonia e contraste cromaacutetico A
harmonia ocorre quando em uma imagem existem cores proacuteximas (laranja amarelo
torrado amarelo e vermelho) Jaacute ao mencionar contraste cromaacutetico se refere quando na
imagem existem cores contrastantes (azul vs Vermelho amarelo vs Violeta por
exemplo) Contudo Sousa (2004) revela outras maneiras de evidenciar contraste
cromaacutetico (a) contraste de cores fortes com cores neutras (por exemplo vermelho vivo vs
cinzento claro) (b) complementaccedilatildeo entre cores claras e cores escuras (por exemplo o
amarelo-limatildeo faz o azul marinho parecer mais escuro) (c) contraste entre tons intensos
da mesma cor (o vermelho carregado contrasta com o vermelho claro)
Sousa (2004) acrescenta que eacute possiacutevel expressar quietude e tranquumlilidade ao
recorrer agrave harmonia cromaacutetica de cores quentes suaves como o castanho-terra suave e o
28
amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada
diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis
Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de
ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem
teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas
especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade
Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores
satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada
espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos
valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem
23 Enquadramentos
O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que
determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo
que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores
O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada
Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira
como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave
objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela
Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos
teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos
notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena
mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar
mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico
Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o
tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos
objetos que constituem a cena
Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees
possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de
detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar
Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma
29
―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para
a tela
231 Planos
O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre
dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no
qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute
determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da
objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da
narrativa que se pretende obter
Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada
autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute
possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos
planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o
observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta
planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os
intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro
plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens
plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por
exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA
(2004 p67-68)
A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano
Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade
fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte
1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro
2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos
joelhos para cima ou da cintura para cima
3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um
pouco abaixo
4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima
5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator
6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na
altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas
30
232 Acircngulos de Filmagem
De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto
que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir
um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo
superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto
que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade
No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de
baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de
superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e
do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do
personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele
em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador
233 Movimentos de Cacircmera
Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por
Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da
ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental
de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a
descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou
uma personagem
Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de
cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o
deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem
constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A
panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio
eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a
trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com
o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural
Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou
complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir
de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um
―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena
31
3 O cinema de autor
No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria
recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas
produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo
(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na
tela diferentes percepccedilotildees diante da trama
Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de
vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de
variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao
participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim
conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro
Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista
produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete
instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs
Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo
No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)
juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores
(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os
produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do
filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas
No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith
4
Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico
2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do
cinema mudo
3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano
um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas
4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de
Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o
movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o
filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)
5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro
de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia
de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou
em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia
32
devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e
dirigindo na publicidade de seus filmes
Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica
quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na
―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do
existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do
autor
Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-
sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e
substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a
atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando
que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo
metafiacutesicas (STAM 2003 p111)
Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo
que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi
responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou
a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras
refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica
abordando o ato de fazer e assistir a um filme
Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita
sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de
determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a
mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais
cineastas
Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers
Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica
Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes
que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar
conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as
filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios
seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma
simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)
Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do
Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os
grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas
6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem
como no sete de filmagem
33
como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o
suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e
o puacuteblico como seu divertimento
Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no
cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes
nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees
inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo
autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de
caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor
(COVALESKI 2009 p83)
Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o
contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa
eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a
obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma
noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a
outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI
2009 p 84)
Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute
responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo
do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute
responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas
necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo
com Bernardet
Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua
maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um
filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que
preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em
perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)
O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem
traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na
direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas
optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas
uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na
direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta
34
Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora
diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior
originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade
crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais
Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de
autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para
Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do
discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia
Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e
situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi
apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser
considerado como tal
O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica
com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra
determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem
defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos
paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor
Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja
autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de
1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e
Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de
presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de
suas matildeos
Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo
(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do
curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos
experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar
Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo
Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se
tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila
Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras
produtoras independentes do paiacutes
No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute
que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal
35
Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam
de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que
Meirelles considera ter feito em sua vida
No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas
publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos
que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar
notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar
e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas
da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para
natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar
em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade
Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a
produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando
Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2
Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no
mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios
internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca
de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio
Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede
Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura
completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um
departamento juriacutedico aacutegil
Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme
foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes
selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival
Internacional de Rotterdam
O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de
20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores
no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais
Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo
internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores
filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro
indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o
filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta
36
Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado
como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no
manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a
pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo
sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No
entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional
Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao
levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner
o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na
categoria de Melhor Diretor
Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando
Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do
romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O
filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14
de maio de 2008
37
4 Metodologia
A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando
compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria
nos filmes de Fernando Meirelles
Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave
argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise
detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades
sociais
Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo
aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de
entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira
indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o
caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como
objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro
Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra
selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes
representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a
esteacutetica publicitaacuteria
Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que
seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem
fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de
expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica
Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do
conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia
e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise
a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e
organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir
das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)
interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em
funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo
Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise
fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra
que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da
38
linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa
fiacutelmica
Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo
1 Preacute-anaacutelise
a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor
enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)
2 Descriccedilatildeo Analiacutetica
a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos
3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando
em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes
Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute
necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo
haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica
efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo
pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando
necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que
considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde
que natildeo descarte as antecedentes
39
5 Anaacutelises
Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica
publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel
a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica
descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo
estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a
narrativa de cada um dos filmes
Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de
Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)
51 Domeacutesticas
Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas
40
Sinopse
Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de
Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada
Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa
sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar
de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute
Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida
Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com
um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por
missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a
mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que
satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se
estivessem dando uma espeacutecie de depoimento
Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas
aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de
emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o
outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das
domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo
Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo
encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas
por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do
plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave
novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um
sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da
profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento
cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes
publicitaacuterios
41
Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas
(Plano aberto e plano conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas
com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal
Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos
lateralizados
A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em
plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo
pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee
possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem
disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco
conotando mais tristeza agrave cena
Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e
cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como
acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute
limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera
tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no
estacionamento do preacutedio
Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em
que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a
personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o
deslocamento da personagem daquele mundo
42
Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas
(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de
serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves
tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas
com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)
Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em
um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um
domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao
casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte
observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre
sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o
responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua
profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela
As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena
No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo
agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute
43
devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de
nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude
alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade
sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento
Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as
personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo
O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo
vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das
diversas dificuldades no seu dia-a-dia
O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano
meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em
meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave
criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)
isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo
dos exageros
Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna
da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores
quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde
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e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila
dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme
Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas
52 Cidade de Deus
Sinopse
O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro
protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou
um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a
estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto
de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante
amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente
suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num
ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele
descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se
fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista
do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos
45
principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria
mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um
mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute
Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro
dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto
Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos
bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute
usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute
centralizada e em leve plongeacutee
Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no
46
comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo
frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas
casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e
suave
A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do
traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na
criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar
perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-
plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem
Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano
geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo
compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando
naturalidade
Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)
47
Iluminaccedilatildeo e cor
Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo
deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute
observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa
frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo
pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo
Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste
elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem
a funccedilatildeo de criar um visual expressivo
Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente
natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a
inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre
dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na
cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute
ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo
consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena
interna e provavelmente noturna
Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua
maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais
frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo
com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute
amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute
modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos
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periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo
publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama
Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante
Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com
a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um
material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a
imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee
com armas em punho apontadas para os policiais
Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela
49
Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus
53 O Jardineiro Fiel
Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel
50
Sinopse
O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em
Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa
uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem
aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para
substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes
um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute
transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu
idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a
trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin
acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir
na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de
amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa
estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional
envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em
seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a
disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no
Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e
ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar
como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se
para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final
bastante diferente do que seria esperado
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a
imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia
de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio
em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao
lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar
para se proteger
Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem
Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em
51
plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades
azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um
embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em
plongeacutee e plano aberto em conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na
figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A
imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano
aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo
dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais
amenos frios
Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada
retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao
receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade
possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento
As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a
imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua
52
Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em
leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens
contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante
natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel
perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral
aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores
quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave
luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem
composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local
em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo
A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela
cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A
impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena
que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma
53
desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do
ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas
sim no seu proacuteprio lucro
Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de
ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir
contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis
por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele
seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com
movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma
arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite
suavidade e calor agrave cena
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel
(variaccedilatildeo entre suave e dura)
Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando
com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na
lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em
equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira
imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais
onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena
54
ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens
em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)
ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem
possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua
composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)
como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel
54 Ensaio sobre a Cegueira
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira
55
Sinopse
O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que
atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas
passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no
tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados
em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a
lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a
uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que
juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute
baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com
o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de
cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo
manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O
enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para
a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e
branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria
compotildee as cenas da trama
Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento
panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da
trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade
esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o
motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa
ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais
Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o
motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo
adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de
quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia
56
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
57
Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
58
A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
59
do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
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65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
8
INTRODUCcedilAtildeO
A esteacutetica publicitaacuteria no cinema surge diante do contexto cultural da diversidade e
da multiplicidade no qual se percebe a fusatildeo entre a linguagem videograacutefica e a fotografia
do cinema Segundo Aumont (1995 p15) ―a esteacutetica do cinema eacute portanto o estudo do
cinema como arte o estudo dos filmes como mensagens artiacutesticas capazes de atrair a
atenccedilatildeo do espectador diante de uma determinada narrativa
O filme como produto cultural de massa atinge puacuteblicos diversificados que
reconhecem os seus coacutedigos suas linguagens e muito dessa adaptaccedilatildeo se deve ao
crescimento da TV e agrave tecnologia do viacutedeo A esteacutetica publicitaacuteria traduz o indiviacuteduo
contemporacircneo multifacetado acostumado com o acuacutemulo cada vez maior de
informaccedilotildees inserido em uma sociedade de massa multimidiaacutetica
A publicidade em relaccedilatildeo agrave sua funcionalidade busca positivar as qualidades e os
atributos dos serviccedilos eou produtos Por meio da persuasatildeo busca vender uma marca
seduzir e influenciar o espectador a consumir um determinado produto ndash tanto no campo
das ideacuteias quanto no campo dos discursos - que representa Nesse sentido ela usa e abusa
de recursos ligados agrave emoccedilatildeo e agrave identificaccedilatildeo sociocultural fazendo com que o
consumidor seja atraiacutedo e se identifique pela criaccedilatildeo Segundo Castells (1999 p22)
―entende-se por identidade a fonte de significado e experiecircncias de um povo
Experiecircncias essas que correspondem ao modo de vida em sociedade aos valores
culturais aos quais os indiviacuteduos estatildeo inseridos e que caracterizam a criaccedilatildeo de tal
identidade Carvalho (1996 p13) acrescenta que ―a publicidade impotildee nas linhas e
entrelinhas valores mitos ideais e outras elaboraccedilotildees simboacutelicas capazes de reformular
as tendecircncias culturais
Enquanto isso o cinema do ponto de vista funcional busca contar uma histoacuteria ndash
ficcional ou natildeo poreacutem como uma produccedilatildeo muitas vezes de entretenimento O objetivo
principal eacute procurar uma identificaccedilatildeo diante de seu puacuteblico divertir emocionar refletir e
transportaacute-los para a tela Stam (2003 p53) destaca que ―o cinema natildeo apenas evidencia o
movimento poeacutetico das coisas do mundo mas traduz as percepccedilotildees modificadas da vida
urbana contemporacircnea criando uma multiplicidade de informaccedilotildees em meio agrave sociedade
de massa Entatildeo como objeto cultural o cinema eacute capaz de entreter e disseminar
ideologias e tendecircncias para um grande nuacutemero de pessoas simultaneamente pois se
caracteriza como um produto coletivo da cultura de massa
9
Este trabalho constroacutei-se no cenaacuterio de interfaces entre publicidade e cinema a
partir da anaacutelise da concepccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria na fotografia dos filmes de
Fernando Meirelles
Vale ressaltar que a fotografia eacute um elemento fundamental na construccedilatildeo da esteacutetica
audiovisual Eacute a partir de sua composiccedilatildeo que o estilo da obra eacute retratado na tela Sendo
assim eacute preciso escolher com cuidado cada um dos componentes fotograacuteficos a fim de se
obter o resultado expressivo desejado Para Martin (2003 p57) a iluminaccedilatildeo ―constitui
um fator decisivo para a criaccedilatildeo da expressividade da imagem Aleacutem disso eacute elemento de
criaccedilatildeo da ―atmosfera da cena A atmosfera cecircnica por sua vez eacute difiacutecil de analisar pois
estaacute atrelada agrave subjetividade ou seja agrave capacidade de percepccedilatildeo de cada espectador tendo
um papel impreciso Natildeo se pode esquecer da utilizaccedilatildeo das cores sejam elas quentes ou
frias conotando reaccedilotildees psicoloacutegicas nos espectadores bem como o contraste cromaacutetico e
luminoso eficaz na significaccedilatildeo de cada cena
De acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber cada vez mais a interferecircncia
da publicidade na atual produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este
papel de fonte de referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem
audiovisual nas produccedilotildees contemporacircneas e diante disso tem-se como objetivo
compreender como o diretor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria na
fotografia de seus filmes Arquiteto por formaccedilatildeo Fernando Meirelles comeccedilou sua
carreira na aacuterea audiovisual realizando viacutedeos experimentais com um grupo de amigos
ainda durante a faculdade Posteriormente fundou a produtora independente Olhar
Eletrocircnico e nunca mais deixou de trabalhar como diretor tanto na publicidade quanto no
cinema No cinema dirigiu os filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O
Jardineiro Fiel (2005) e Ensaio sobre a Cegueira (2008) Esses filmes constituem o objeto
empiacuterico deste trabalho que para alcanccedilar seu objetivo geral busca (1) analisar as
interfaces existentes entre publicidade e cinema (2) estudar a fotografia enquanto
elemento da esteacutetica audiovisual e (3) verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando
Meirelles em seus filmes
Jaacute haacute algum tempo percebe-se um crescente nuacutemero de cineastas com vasta
experiecircncia no mercado publicitaacuterio profissionais que realizaram muitos trabalhos como
diretores de filmes publicitaacuterios e dela migraram para o cinema Possuem portanto uma
visatildeo abrangente da linguagem audiovisual o que possibilita diferentes abordagens
esteacuteticas tanto no cinema quanto na publicidade A existecircncia de profissionais oriundos de
outras aacutereas trabalhando nas produccedilotildees audiovisuais reflete na nova relaccedilatildeo estabelecida
10
entre a noccedilatildeo de arte ciecircncia e tecnologia Esses domiacutenios antes mais distantes agora se
veem envolvidos em processos de troca combinaccedilatildeo fusatildeo Sobre as novas tecnologias
Popper apud Parente (1993) diz que
Em todo caso e em grande parte graccedilas aos novos meacutetodos de transmissatildeo de
imagens e agrave difusatildeo massiva dos conhecimentos e informaccedilotildees entramos no
presente em uma era em que o pensamento teacutecnico e o pensamento simboacutelico se
encontram em que o impacto das novas tecnologias provoca uma mutaccedilatildeo
decisiva na esfera cultural (PARENTE 1993 p213)
Covaleski (2009) acrescenta que tanto a televisatildeo quanto o cinema satildeo os uacutenicos
meios audiovisuais que possibilitam a utilizaccedilatildeo na publicidade da maioria dos elementos
de persuasatildeo e de sentido unindo o som a imagem o movimento e o texto escrito Deste
modo a publicidade trabalha com narrativas sinteacuteticas que se adequam ao tempo reduzido
de 30 eou 45 segundos para vender a ideacuteia do produto que anuncia Em oposiccedilatildeo o
cinema possui em meacutedia cerca de 90 minutos suficientes para mostrar o enredo contar a
histoacuteria apresentar os personagens e desenrolar toda a narrativa
As relaccedilotildees entre cinema e publicidade televisual partem das caracteriacutesticas da
obra final que eacute gerada em cada um desses gecircneros de comunicaccedilatildeo No
cinema a obra cinematograacutefica a peliacutecula de curta meacutedia ou longa-metragem
na publicidade televisual o comercial o filme ou viacutedeo publicitaacuterio que
obedecem aos formatos impostos pelos veiacuteculos de comunicaccedilatildeo Os propoacutesitos
para os quais as obras fiacutelmicas cinematograacuteficas ou publicitaacuterias satildeo geradas
visam a atender interesses e objetivos que vatildeo do comercial ao artiacutestico
(COVALESKI 2009 p93)
Portanto a poacutes-modernidade cultural a qual representa o surgimento de outras
dimensotildees esteacuteticas eacute a grande chave para esta anaacutelise cujo foco recai sobre o elemento
de linguagem fotograacutefica Isto eacute recai na fotografia e na sua capacidade de construir
sentidos acerca de um momento que nunca mais aconteceraacute e ao mesmo tempo congelaacute-
lo possibilitando a representaccedilatildeo desta realidade deste momento uacutenico
Assim tal pesquisa articula a abordagem de temas de grande importacircncia para a
comunicaccedilatildeo audiovisual visto que possibilitam o surgimento de outras tendecircncias nas
produccedilotildees cinematograacuteficas contemporacircneas Para isso a revisatildeo teoacuterica perpassa pela
introduccedilatildeo sobre o tema do trabalho em que as temaacuteticas abordadas satildeo apresentadas bem
como o corpus escolhido para anaacutelise e os objetivos da pesquisa o primeiro capiacutetulo
discute teoricamente a linguagem e a esteacutetica audiovisual bem como as interfaces
existentes entre publicidade e cinema o segundo capiacutetulo aborda a fotografia na esteacutetica
audiovisual enfatizando os elementos expressivos fotograacuteficos ndash iluminaccedilatildeo cor
11
enquadramentos planos acircngulos e movimentos de cacircmera o terceiro capiacutetulo teoriza
sobre o cinema de autor e aborda o autor em questatildeo Fernando Meirelles o quarto
capiacutetulo elucida o processo metodoloacutegico aplicado no desenvolvimento do trabalho o
quinto capiacutetulo encarrega-se de demonstrar os exerciacutecios analiacuteticos empreendidos nos
frames do corpus e o sexto capiacutetulo preocupa-se com as consideraccedilotildees finais da pesquisa
12
1 Linguagem e Esteacutetica Audiovisual
Por poder ser captada simultaneamente pelo olho e pelo ouvido a linguagem
audiovisual permite o envolvimento completo do seu espectador diante da fusatildeo do som e
da imagem em movimento A fusatildeo entre aacuteudio e viacutedeo possibilita um paralelo entre o
racional e o sensorial de modo que a mesma consegue dizer muito mais do que
conseguimos captar pois chega simultaneamente por muito mais caminhos do que
conscientemente percebemos
O viacutedeo incluiacutedo em um meio de comunicaccedilatildeo de massa eacute utilizado como forma
de expressatildeo aleacutem de estruturar novas teacutecnicas tanto no processo de gravaccedilatildeo e de poacutes-
produccedilatildeo Tais teacutecnicas satildeo responsaacuteveis por todo o cruzamento de narrativas hoje
utilizadas pelo cinema e pela publicidade
O viacutedeo eacute um sistema hiacutebrido ele opera com coacutedigos significantes distintos
parte importados do cinema parte importados do teatro da literatura do raacutedio e
mais modernamente da computaccedilatildeo graacutefica aos quais acrescenta alguns
recursos expressivos especiacuteficos alguns modos de formar ideacuteias ou sensaccedilotildees
que lhe satildeo exclusivos (MACHADO 1997 p 190)
Dubois (2004 p77) define a estetizaccedilatildeo videograacutefica como ―uma linguagem (ou
uma esteacutetica) particular (mas de nenhum modo exclusiva) que pertence a loacutegicas
diferentes e potildee em jogo questotildees de ordem muito diversa que as do cinema O
surgimento do viacutedeo possibilitou novas tecnologias como por exemplo a televisatildeo
Diante disso o autor classifica dois modos principais de representaccedilatildeo em viacutedeo
O modo plaacutestico (a ―videoarte em suas formas e tendecircncias muacuteltiplas) e[] o
modo documentaacuterio (o real ndash bruto ou natildeo ndash em todas as suas estrateacutegias de
representaccedilatildeo) E sobretudo ndash eacute o que os une contra a transparecircncia - ambos
com um senso constante do ensaio da experimentaccedilatildeo da pesquisa da inovaccedilatildeo
(DUBOIS 2004 p77)
De acordo com Gutierrez (1992) dentro de noacutes acontece uma repercussatildeo em
imagens baacutesicas centrais simboacutelicas arquetiacutepicas com as quais nos identificamos ou que
se relacionam conosco de alguma forma consistindo na representaccedilatildeo de uma realidade
em movimento
A linguagem audiovisual responsaacutevel por tal representaccedilatildeo eacute constituiacuteda por
alguns elementos fundamentais (1) o plano - cada parte da fita que se apresenta ao
espectador como tendo sido filmada sem interrupccedilotildees (2) a cena - o conjunto de planos
cuja accedilatildeo eacute contiacutenua e decorre numa relativa unidade de tempo e espaccedilo constitui as cenas
13
e as sequumlecircncias (3) o enquadramento - a variaccedilatildeo da longitude da cacircmera agrave cena filmada
por meio de movimento (sem interrupccedilatildeo da filmagem) dentro do mesmo plano a
variaccedilatildeo do enquadramento e (4) a montagem ndash procedimento de organizaccedilatildeo do conjunto
de cenas sequumlecircncias e planos que formam a obra fiacutelmica
Tais elementos audiovisuais estatildeo presentes tanto nas produccedilotildees cinematograacuteficas
quanto nas produccedilotildees publicitaacuterias poreacutem o modo como satildeo utilizados eacute que as difere
Segundo Aumont (1995) inicialmente o cinema era desprovido de uma linguagem pois
apenas refletia o registro de um espetaacuteculo uma simples reproduccedilatildeo do real Entretanto
com o intuito de contar histoacuterias e veicular ideias o cinema precisou utilizar determinados
procedimentos expressivos os quais passaram a constituir sua linguagem
Assim sendo pode-se definir a linguagem cinematograacutefica como ―o conjunto das
mensagens cujo material de expressatildeo compotildee-se de cinco pistas ou canais a imagem
fotograacutefica em movimento os sons foneacuteticos gravados os ruiacutedos gravados o som musical
gravado e a escrita (creacuteditos intertiacutetulos materiais escritos no interior do plano) (STAM
2003 p132) A utilizaccedilatildeo em sinergia desse grande nuacutemero de elementos possibilita uma
maior variedade de abordagens nas produccedilotildees audiovisuais Por exemplo uma montagem
natildeo-linear com ritmo acelerado de troca de planos acircngulos e enquadramentos eacute a marca
das realizaccedilotildees videograacuteficas contemporacircneas
Para Balaacutezs apud Stam (1995) a linguagem cinematograacutefica pode ser definida a
partir de 4 princiacutepios
- no cinema existe uma distacircncia variaacutevel entre espectador e cena representada
daiacute uma dimensatildeo variaacutevel da cena que toma lugar no quadro e na composiccedilatildeo
da imagem
- a imagem total da cena eacute subdividida em uma seacuterie de planos de detalhes
(principio da decupagem)
- existe variaccedilatildeo de enquadramento (acircngulo de visatildeo perspectiva) dos planos de
detalhe no decorrer da mesma cena
- finalmente eacute a operaccedilatildeo da montagem que garante a inserccedilatildeo dos planos de
detalhes em uma sequumlecircncia ordenada na qual natildeo apenas cenas inteiras se
sucedem mas tambeacutem tomadas de detalhes mais miacutenimos de uma mesma cena
A cena em seu conjunto eacute resultado disso como se os elementos de um mosaico
temporal fossem justapostos no tempo (BALAacuteZS apud STAM 1995 p163-
164)
O cinema busca traduzir a realidade atraveacutes da representaccedilatildeo artiacutestica mediante o
uso de teacutecnicas pertencentes agrave linguagem audiovisual Stam (2003 p132) acrescenta que
se torna linguagem a partir do momento em que comunica ―um conjunto de mensagens
formuladas com base em um determinado material de expressatildeo um discurso ou praacutetica
significante caracterizado por codificaccedilotildees e procedimentos ordenatoacuterios especiacuteficos
14
Por volta de 1750 a palavra esteacutetica foi inventada com o intuito de designar uma
―ciecircncia dos sentimentos posteriormente uma ―ciecircncia do belo Atualmente eacute
empregada igualmente no plural para se referir agraves diversas concepccedilotildees do belo e da arte
Segundo Aumont e Marie (2003) natildeo existe esteacutetica constituiacuteda do cinema mas questotildees
de natureza esteacutetica foram frequumlentemente discutidas a respeito dele em torno dos
seguintes problemas
1 O cinema entre as artes natildeo tendo sido o cinema de iniacutecio aceito como
arte (mas como teacutecnica ou como distraccedilatildeo) sua especificidade artiacutestica foi
muitas vezes salientada Em particular ele foi por isso confrontado e
comparado com artes reconhecidas a muacutesica (Gance) a pintura (Bazin
Aumont Bonitzer) o teatro (Pagnol) valorizando a cada vez uma
caracteriacutestica particular do cinema o ritmo o enquadramento a fala a
cenicidade etc
2 A especificidade do fiacutelmico ela diz respeito a alguns traccedilos fundamentais
estudados nos mais das vezes de pontos de vista bem diferentes o
movimento (Munsterberg Deleuze) a mobilidade do ponto de vista
(Souriau Metz Jost Aumont) a sequencialidade e a montagem
(Eisenstein)
3 A possibilidade de uma poeacutetica do cinema ndash ou seja de uma concepccedilatildeo
geral da natureza do cinema da criaccedilatildeo fiacutelmica da relaccedilatildeo do fiacutelmico com o
mundo afilmico ou profilmico etc A respeito desse ponto observa-se uma
grande oposiccedilatildeo entre poeacuteticas realistas ndash o filme como transparecircncia
(Kracauer) a ―liacutengua escrita da realidade (Pasolini) o ―cine-olho
(Vertov) - e poeacuteticas formalistas ndash o ―cinema-linguagem (Eisenstein) a
fotogenia (Epstein) o filme como grande forma (Buch) etc
4 A possibilidade de uma arte de massa imposta pela induacutestria e pela teacutecnica
(Panofsky) (AUMONT MARIE 2003)
Para Covaleski (2009 p77) a esteacutetica do cinema estaacute diretamente relacionada com
a natureza reprodutiva e mecacircnica do meio cinematograacutefico Segundo o autor eacute possiacutevel
destacar duas teorias mesmo que distintas em que se refere agrave natureza reprodutiva do
cinema A primeira de Walter Benjamin afirma que toda a problemaacutetica da esteacutetica
relacionada ao cinema estaacute centrada no ―contexto da crise do sistema tradicional das artes
cuja modalidade de percepccedilatildeo cinematograacutefica essencialmente coletivalsquo e distraiacutedalsquo eacute
sua proacutepria causa e efeito Jaacute a segunda teoria de Andreacute Bazin constata que o problema
esteacutetico estaacute ligado ao caraacuteter mecacircnico da reproduccedilatildeo ou seja ―eacute a ausecircncia de uma
intervenccedilatildeo por parte da interpretante e a deformaccedilatildeo causada pela projeccedilatildeo que teoriza
tal problemaacutetica Jaacute Aumont (2002 p15-16) ressalta que a esteacutetica do cinema confere dois
aspectos ―uma vertente geral que considera o efeito esteacutetico proacuteprio do cinema e uma
vertente especiacutefica centrada na anaacutelise de obras particulares Sendo assim refere-se agrave
anaacutelise de filmes ou a criacutetica no sentido pleno do termo
15
Na obra fiacutelmica os aspectos esteacuteticos satildeo apresentados diante de uma
categorizaccedilatildeo dos elementos que constituem a manifestaccedilatildeo esteacutetica no cinema Segundo
Covaleski (2009) ―tais manifestaccedilotildees se datildeo sobre vaacuterias formas ora icocircnicas ora
focircnicas ora graacuteficas ora oacuteticas ora sonoras ora auditivas e estatildeo em processo de
evoluccedilatildeo devido ao surgimento de novas tecnologias de comunicaccedilatildeo juntamente com
novas manifestaccedilotildees artiacutesticas
No decorrer do seacuteculo XX mediante tais transformaccedilotildees houve a geraccedilatildeo de
novas noccedilotildees de criaccedilatildeo de arte de esteacutetica Conforme Plaza (2000) ocorreu um
―deslocamento das funccedilotildees instauradoras (a poeacutetica do artista) para funccedilotildees de
sensibilidade receptora (esteacutetica) o que produz no meio artiacutestico uma grande confusatildeo
conceitual caracterizada pela mistura e hibridaccedilatildeo de gecircneros poeacuteticas e atitudes
artiacutesticas
Pode-se compreender com base em Covaleski (2009) que a chegada da arte do
cinema agrave tevecirc trouxe tambeacutem padrotildees esteacuteticos que aos poucos foram incorporados ao
meio televisual aleacutem de serem consumidos em larga escala pela publicidade Percebe-se
que boa parte dos comerciais de tevecirc os chamados filmes publicitaacuterios alcanccedilam mais
destaque que a proacutepria programaccedilatildeo devido aos recursos tecnoloacutegicos e a linguagem
adaptada do cinema utilizado em suas produccedilotildees Sendo assim ao serem criados e
produzidos com preocupaccedilotildees esteacuteticas e cuidados artiacutesticos possibilitou gerar um
receptaacuteculo proacuteprio a esteacutetica publicitaacuteria
Diante do debate entre o aspecto utilitaacuterio e o aspecto artiacutestico da mensagem cabe
agrave publicidade recorrer agraves funccedilotildees da linguagem Para o autor natildeo importa se sejam as
poeacuteticas conativas ou referenciais mas sim sua finalidade de elevar e diversificar o
conjunto de repertoacuterios de seu puacuteblico-alvo contribuindo assim para a aceitaccedilatildeo de uma
nova esteacutetica
Tal questatildeo esteacutetica para alguns autores eacute tratada como uma espeacutecie de fetiche
cinematograacutefico Eacute possiacutevel perceber a veneraccedilatildeo e a adoraccedilatildeo de determinados elementos
constituintes da narrativa - do figurino do cenaacuterio ou ateacute mesmo da performance cecircnica
do ator ndash como intuito de simbolizar objeto de culto estabelecer um valor icocircnico a este
Conforme Covaleski (2009 p79-80) desde ―a criaccedilatildeo de mitos do cinema ao lanccedilamento
de moda passando pelo merchandising institucionalizado a esteacutetica cinematograacutefica
contribui na formaccedilatildeo e evoluccedilatildeo de comportamentos fetichistas por parte da sociedade
movida por novos sonhos de consumo e por novas divindades a cultuar
16
A partir da reflexatildeo de Carvalho (2003) a cerca dos estudos de Leacutevi-Strauss pode-
se dizer que a individualizaccedilatildeo da produccedilatildeo demonstrar o aparecimento de uma
consciecircncia criacutetica por parte do receptor que retira da esteacutetica-primitiva o seu dever social
A obra sendo produzida individualmente sem necessidade de bastar a uma sociedade ou
clatilde A esteacutetica-moderna depende apenas da aprovaccedilatildeo ou natildeo de uma clientela ―de classe
(como utiliza o autor) para se firmar como arte
Ao mesmo tempo com a evoluccedilatildeo da criacutetica de arte e o aparecimento do
abstracionismo Leacutevi-Strauss iraacute demonstrar um propoacutesito antimodernista ao perceber a
banalizaccedilatildeo presente na arte do poacutes-guerra Aleacutem da hiper-valorizaccedilatildeo da criacutetica a
representaccedilotildees pictoacutericas sem compromisso artiacutestico Poreacutem dentro desta mesma vertente
podemos repassar seu conceito de arte que funde a ciecircncia e o mito na concepccedilatildeo do
espiacuterito humano (pensamento criador) em outro de seus pensamentos a loacutegica do
sensiacutevel Loacutegica regida pela possibilidade de unir muacutesica e mito ou romance e mito atraveacutes
de uma ―estrutura-funccedilatildeo Todo meio artiacutestico pode ser fundido a outro ou recriado
desde que o estruturalismo presente no espiacuterito humano conceba um fim artiacutestico
A inter-relaccedilatildeo do cinema e da publicidade audiovisual resulta dos aspectos dessa
linguagem pois ambos constituem meios audiovisuais que trabalham a partir de uma
mesma base de composiccedilatildeo e de montagem de elementos expressivos para criar um
determinado plano de conteuacutedo narrativo e de significado o que configura esteacuteticas
diferenciadas
A modernidade da imagem cinematograacutefica eacute reflexo de um processo histoacuterico
em que a arte tenta se renovar em releituras de seus proacuteprios conceitos e criaccedilatildeo
de outros A diversidade estiliacutestica caracteriacutestica do cinema comercial da deacutecada
de 90 retrata uma geraccedilatildeo multimiacutedia de novos profissionais e espectadores que
acabaram por alterar os rumos da cinematografia contemporacircnea
(CARVALHO 2003)
Tais mudanccedilas de abordagem satildeo visiacuteveis natildeo apenas no cinema como tambeacutem nos
videoclipes nos games e na publicidade Refere-se a uma nova perspectiva de criaccedilatildeo
audiovisual na tentativa de romper as barreiras das produccedilotildees tradicionais e enfatizar o
surgimento de novas possibilidades Tais rupturas contribuem para a mudanccedila no
comportamento dos sujeitos contemporacircneos
O pensador de agora jaacute natildeo se senta mais agrave sua escrivaninha diante de seus
livros para dar forma ao seu pensamento mas constroacutei as suas ideias manejando
instrumentos novos ndash a cacircmera a ilha de ediccedilatildeo o computador - invocando
ainda outros suportes de pensamento sua coleccedilatildeo de fotos filmes viacutedeos
discos ndash sua mideoteca enfim (DUBOIS 2004 p19)
17
O pensamento audiovisual contemporacircneo constata essa hibridizaccedilatildeo essa
convergecircncia de elementos responsaacuteveis por uma mudanccedila de conduta Deste modo
Dubois (2004 p25) ressalta a existecircncia do imaginaacuterio cinematograacutefico presente em
todos os lugares e impregnado ―ateacute em nossa maneira de falar ou de ser Quem ao
percorrer de carro um longo trajeto numa vasta paisagem aberta natildeo pensou com a ajuda
da muacutesica no raacutedio numa figura de travelling mergulhando na tela panoracircmica de seu
paacutera-brisa
Em relaccedilatildeo agrave esteacutetica publicitaacuteria Carvalho (2003) ressalta uma possiacutevel ―morte
do cinema Vaacuterios criacuteticos apostam nessa ―morte diante do uso de recursos estiliacutesticos
que estariam se sobressaindo na concepccedilatildeo criadora do filme em contraposiccedilatildeo ao
realismo bem como da evoluccedilatildeo da teacutecnica que distancia o cinema de sua perspectiva
fotograacutefica Resultando assim na valorizaccedilatildeo da imagem em detrimento da representaccedilatildeo
Contudo o autor ressalva que tal concepccedilatildeo de retrato da realidade aleacutem de
ultrapassada estaacute reformulada no estudo do ―espiacuterito humano de Leacutevi-Strauss Este
estudo baseia-se no posicionamento da seacutetima arte como uma visatildeo moderna do homem
diante da realidade a visatildeo em que a cacircmera capta a imagem e natildeo o objeto
Enquanto isso Merquior (1975) busca uma maneira de refletir e re-posicionar as
concepccedilotildees de Leacutevi-Strauss quanto agrave arte contemporacircnea
Em vez de vociferar sobre a verdade factuallsquo da morte da artelsquo conviria
colocar a problemaacutetica implicada por essas teses em relaccedilatildeo a uma das
tendecircncias mais fecundas do estruturalismo ndash sua vontade de ultrapassar as
anaacutelises estanques dos domiacutenios culturais (arte religiatildeo ciecircncia etc) de
encorajar a pesquisa de afinidades estruturais e funcionais entre esses camposlsquo
sem jamais esquecer que satildeo todos faces de uma mesma realidade o espiacuterito
humano (MERQUIOR 1975 p79)
Em seu texto A Dupla Heacutelice Raimond Bellour consegue ver logo no viacutedeo ndash base
da esteacutetica publicitaacuteria ndash e na tecnologia digital o resumo desta realidade emergente
O viacutedeo leva assim agrave sua perda essa capacidade de analogia dilatada agraves
dimensotildees do universo pela primeira vez os corpos e os objetos do mundo satildeo
virtualmente desfiguraacuteveis (e logo refiguraacuteveis) ao sabor de uma potecircncia que
transforma em tempo real ou quase natildeo diferido (e natildeo mais somente como no
cinema por uma lenta elaboraccedilatildeo cujas trucagens constituem o modelo) as
representaccedilotildees que capta seu olho mecacircnico Isso explica o fato de a viacutedeo-
imagem a caccedilula das imagens de reproduccedilatildeo poder aparecer simultaneamente
como uma nova imagem irredutiacutevel ao que a precede mas tambeacutem uma
imagem capaz de atrair de absorver de misturar todas as imagens anteriores
pintura fotografia cinema (BELLOUR Raimond in PARENTE 1993 p223)
18
Em funccedilatildeo disso a esteacutetica publicitaacuteria natildeo passaria apenas de um mero
abstracionismo imageacutetico do cinema mas sim a siacutentese de uma movimentaccedilatildeo esteacutetica que
atravessa todas as artes denominada Poacutes-modernidade Cultural Muito aleacutem de um
recurso estiliacutestico as imagens de ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus entre outros filmes
tachados como videoclipeiros ou publicitaacuterios refletem na representaccedilatildeo do olhar do
homem moderno Toda essa fundamentaccedilatildeo estaacute na fusatildeo da linguagem videograacutefica com
a fotograacutefica do cinema Ao inveacutes de ampliar a visatildeo da rapidez das coisas tenta-se
reduzir o que ocorre agrave nossa volta em conceitos voltado aos meios artiacutesticos
11 Interfaces cinema e publicidade
Com o intuito de construir um sentido proacuteprio para cada filme o cinema atua em
momentos esparsos e depende da disposiccedilatildeo do espectador para que a obra fiacutelmica seja
consumida Em contrapartida a televisatildeo oferece uma programaccedilatildeo diversificada sem
interrupccedilotildees 24h por dia Assim o espectador recebe informaccedilotildees se diverte com
seriados novelas e filmes sem sair de casa
Percebe-se que a origem do discurso nunca eacute autocircnoma mas sim dependente de
outros discursos em que buscou referecircncia Bliskstein (1994 p45) constata que
―suportado por toda uma intertextualidade o discurso natildeo eacute falado por uma uacutenica voz mas
por muitas vozes geradoras de muitos textos que se intercruzam no tempo e no espaccedilo
Na deacutecada de 60 Kristeva introduziu o termo intertextualidade como uma traduccedilatildeo
para ―dialogismo que se refere agrave relaccedilatildeo entre um enunciado e os demais enunciados De
acordo com Stam (2003) a intertextualidade eacute um conceito de valor na medida em que
possibilita relacionar o texto individual com as demais formas de representaccedilatildeo natildeo
somente com outros textos
Intertextualidade eacute vista por Fiorin (2002) como a forma de incorporar um texto em
outro aleacutem de ser polecircmica quando propotildee uma oposiccedilatildeo ao sentido do texto original ou
contratual quando o reforccedila e o enaltece Assim sendo a intertextualidade polecircmica eacute
conhecida como paroacutedia enquanto a intertextualidade contratual como paraacutefrase Aleacutem
disso classifica tambeacutem em
citaccedilatildeo (referecircncia literal a outro texto usando parte deste) alusatildeo (reproduccedilatildeo
de construccedilotildees sintaacuteticas substituindo algumas figuras do texto original por
outras) e estilizaccedilatildeo (reproduccedilatildeo do estilo de outrem no plano da expressatildeo ou
no do conteuacutedo) (FIORIN apud COVALESKI 2009 p 39)
19
A seguir uma abordagem mais detalhada de cada uma das relaccedilotildees intertextuais
entre o cinema e a publicidade televisual na visatildeo de Covaleski (2009)
a) citaccedilatildeo a publicidade desfruta desse recurso criativo com maestria Uma uacutenica
obra cinematograacutefica pode originar uma grande variaccedilatildeo de citaccedilotildees ancoradas
a uma mesma cena claacutessica evidentemente emblemaacutetica contundente o
bastante para se tornar perene no imaginaacuterio coletivo transpondo barreiras
culturais e temporais Pode-se citar como exemplo a cena emblemaacutetica em que
a atriz Marilyn Monroe tem sua saia levantada devido ao deslocamento de ar
durante a passagem do metrocirc no filme O Pecado Mora ao Lado (The Seven
Year Itch de Billy Wilder ndash 1955) Essa cena muito conhecida jaacute foi usada
diversas vezes e de diferentes formas pela publicidade Exemplo disso foi a
colocaccedilatildeo de uma saia ndash a la Marilyn ndash em garrafas de vodka da marca
Absolut
b) alusatildeo mais sutil que a citaccedilatildeo remete a uma obra anterior poreacutem sem fazer
uso de fragmentos dela Utiliza somente uma construccedilatildeo equivalente
substituindo determinadas figuras por outras A alusatildeo recorrente no cinema eacute
facilmente percebida em filmes que pertencem a um mesmo gecircnero
cinematograacutefico Na publicidade a intertextualidade com o cinema utilizando a
alusatildeo aparece em comerciais de anunciantes dos mais diferentes segmentos de
mercado bem como os filmes de onde saiacuteram as inspiraccedilotildees pertencem aos
mais diversos gecircneros O filme francecircs O Fabuloso Destino de Ameacutelie Poulain
(Le Fabuleux Destin drsquoAmeacutelie Poulain de Jean-Pierre Jeunet - 2001) eacute uma
obra com clara influecircncia da linguagem publicitaacuteria Muito disso se deve
devido agrave vivecircncia de Jeunet em meio agrave publicidade Eacute o caso deste trabalho jaacute
que Fernando Meirelles trabalhou com publicidade antes de seguir carreira no
cinema Um exemplo de alusatildeo a este filme se percebe na campanha do
automoacutevel Renault Sceacutenic ndash um anatildeo de jardim eacute sequumlestrado por um grupo de
amigos e aprova seu novo endereccedilo mandando uma carta agrave sua antiga dona
avisando que natildeo voltaraacute mais para casa Deste modo a campanha faz alusatildeo
ao argumento de liberdade explorado na obra francesa
c) estilizaccedilatildeo ato de reproduzir um conjunto de procedimentos de caracteriacutesticas
de formas e de conteuacutedos do discurso de outrem Eacute recorrer agrave estrutura seja no
20
plano da expressatildeo ou no do conteuacutedo produzindo um efeito de
personalizaccedilatildeo muito embora remeta a obra anterior independente de
estabelecer uma relaccedilatildeo polecircmica ou contratual com aquela A estilizaccedilatildeo
intertextual na publicidade com referencial cinematograacutefico eacute constante e
ultrapassa o uso apenas dos elementos de linguagem cinematograacutefica Alguns
filmes publicitaacuterios utilizam em suas produccedilotildees as teacutecnicas de trucagem1 se
aproveitam dos efeitos especiais e ateacute dos estilos lanccedilados pelo cinema Um
bom exemplo dessa estilizaccedilatildeo encontra-se em um comercial da Samsung que
se utilizada da mesma esteacutetica tecnoloacutegia e uso de efeitos especiais do filme
Matrix (The Matrix de Andy e Larry Wachowski - 1999)
No Brasil de acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber tambeacutem um
caminho oposto a esta intertextualidade Cada vez mais a publicidade interfere na atual
produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este papel de fonte de
referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem audiovisual nas
produccedilotildees contemporacircneas como eacute o caso dos filmes ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus
―O Jardineiro Fiel e ―Ensaio sobre a Cegueira de Fernando Meirelles
1 Trucagem A accedilatildeo de modificar imagens previamente filmadas ao vivo tanto em sua forma (cor e
tamanho) como na ordem de sua projeccedilatildeo (congelamento aceleraccedilatildeo inversatildeo) Satildeo possiacuteveis tambeacutem a
superposiccedilatildeo de letreiros a fusatildeo (teacutecnica de escurecer uma cena ao mesmo tempo em que outra vai
surgindo provocando a sobreposiccedilatildeo de uma sobre a outra) e outros efeitos especiais O equipamento
utilizado eacute a truca Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbrmidiaartequadroaquadro gt Acesso em 14
Jun 2010
21
2 A fotografia na esteacutetica audiovisual
A palavra fotografia vem do grego foacutes (luz) e grafis (estilo pincel) ou
grafecirc e significa desenhar com luz e contraste Natildeo eacute possiacutevel definir um uacutenico
inventor pois foram vaacuterios os responsaacuteveis pela sua origem Em 1826 o francecircs Joseph
Niceacutephore Nieacutepce teve sua imagem reconhecida como a primeira fotografia tal imagem
foi produzida mediante o uso de uma placa de estanho coberta com um derivado de
petroacuteleo fotossensiacutevel chamado Betume da Judeacuteia O processo de exposiccedilatildeo agrave luz solar
chamado de heliografia durava cerca de oito horas para que a imagem fosse obtida
Neste mesmo periacuteodo Louis Daguerre deu continuidade aos experimentos
fotograacuteficos de Joseph Niceacutephore Nieacutepce fato este que lhe concedeu uma descoberta
decisiva Em 1835 Daguerre apanhou uma placa revestida de prata sensibilizada com
iodeto de prata que apesar de exposta natildeo apresentava sequer vestiacutegios de imagem
guardou-a displicentemente em um armaacuterio e ao abri-lo no dia seguinte encontrou uma
imagem revelada Fez experiecircncias por eliminaccedilatildeo com os outros produtos que estavam
no armaacuterio para descobrir que a imagem latente tinha sido revelada por accedilatildeo do mercuacuterio
Logo apoacutes o falecimento de Niegravepce Daguerre desenvolveu um processo
conhecido como daguerreotipia no qual era possiacutevel reduzir o tempo de revelaccedilatildeo de
horas para minutos devido a utilizaccedilatildeo de vapor de mercuacuterio Daguerre descreveu seu
processo agrave Academia de Ciecircncias e Belas Artes na Franccedila e logo depois requereu a
patente do seu invento na Inglaterra Breslin possibilita um melhor entendido deste
processo
Os daguerreoacutetipos inventados em 1839 foram os primeiros dentre os processos
fotograacuteficos iniciais a se tornar comercialmente disponiacuteveis O processo utiliza
placas uacutemidas que satildeo placas de cobre cobertas por uma emulsatildeo fotossensiacutevel
agrave base de prata As placas eram reveladas em campo enquanto ainda uacutemidas
criando um negativo Os negativos entatildeo podiam ser trazidos de volta ao
estuacutedio onde um pedaccedilo de papel fotograacutefico era assentado sobre a emulsatildeo do
negativo e exposto ao sol A luz do sol expunha a impressatildeo que era fixada (isto
eacute estabilizada por uma processo quiacutemico) e lavada (BRESLIN 2009 p26)
Jaacute em 1839 o britacircnico William Fox Talbot ao tomar conhecimento dos avanccedilos
de Daguerre decidiu apressar a apresentaccedilatildeo de suas pesquisas com papeacuteis fotossensiacuteveis
agrave Royal Institution e agrave Royal Society com o intuito de garantir os direitos sobre suas
invenccedilotildees No entanto Talbot desenvolveu um processo diferente denominado caloacutetipo -
utilizava folhas de papel cobertas com cloreto de prata que posteriormente eram colocadas
22
em contato com outro papel produzindo assim a imagem positiva Trata-se de um
processo semelhante ao usado atualmente em que utiliza-se um negativo para a obtenccedilatildeo
posterior de imagens positivas
A fotografia entatildeo popularizou-se como produto de consumo a partir de 1888 com
a introduccedilatildeo da cacircmera tipo caixatildeo e pelo filme em rolos substituiacuteveis criados por
George Eastman Desde entatildeo o mercado fotograacutefico tem experimentado uma crescente
evoluccedilatildeo tecnoloacutegica como o estabelecimento do filme colorido como padratildeo e o foco
automaacutetico ou exposiccedilatildeo automaacutetica Essas inovaccedilotildees sem duacutevida facilitam a captaccedilatildeo da
imagem melhoram a qualidade de reproduccedilatildeo ou a rapidez do processamento mas muito
pouco foi alterado nos princiacutepios baacutesicos da fotografia
A grande mudanccedila recente produzida a partir do final do seacuteculo XX foi a
digitalizaccedilatildeo dos sistemas fotograacuteficos A fotografia digital mudou paradigmas no mundo
da fotografia minimizando custos reduzindo etapas acelerando processos e facilitando a
produccedilatildeo manipulaccedilatildeo armazenamento e transmissatildeo de imagens pelo mundo O
aperfeiccediloamento da tecnologia de reproduccedilatildeo de imagens digitais tem quebrado barreiras
de restriccedilatildeo em relaccedilatildeo a este sistema por setores que ainda prestigiam o tradicional filme
e assim irreversivelmente ampliando o domiacutenio da fotografia digital
Natildeo se pode esquecer de salientar que a partir de tais descobertas no ramo da
fotografia eacute que foi possiacutevel a invenccedilatildeo do cinema O instantacircneo a possibilidade de
congelar um instante no fluxo contiacutenuo dos acontecimentos soacute se torna possiacutevel de fato
com o advento da fotografia Sendo assim os estudos de Muybrigde referentes aos
instantacircneos sucessivos associada ao aparato do fuzil fotograacutefico de Marey iratildeo resultar na
invenccedilatildeo do cinema Sabe-se que o cinema confere agrave imagem uma continuidade aparente
pois na verdade trata-se de uma seacuterie de instantacircneos separados por intervalos poreacutem aos
sentidos ele se apresenta de forma lisa e fluida como a proacutepria natureza do movimento
Machado acrescenta que
O cinema mesmo o cinema stricto sensu ou seja o cinema que se constitui a
partir do cinematoacutegrafo de LeRoy Edison Paul Skladanwsky e dos Lumiegravere
natildeo era nos seus primoacuterdios o que hoje chamamos de cinema Ele reunia na
sua base de celuloacuteide vaacuterias modalidades de espetaacuteculos derivadas das formas
populares de cultura como circo o carnaval a magia e a prestidigitaccedilatildeo a
pantomima a feira de atraccedilotildees e aberraccedilotildees etc (MACHADO 1997 p 76)
No iniacutecio os filmes eram de curta duraccedilatildeo nos quais o puacuteblico era composto
basicamente de operaacuterios As exibiccedilotildees eram realizadas em grandes galpotildees durante o
23
intervalo de serviccedilo do proletariado Machado (1997 p79) explica que o cinema era uma
em diversas atraccedilotildees oferecidas pelos vaudevilles pois ―natildeo se havia ainda desenvolvido
um conjunto de teacutecnicas e procedimentos de linguagem apropriados para a elaboraccedilatildeo de
uma narrativa visual que fosse suficientemente autocircnoma a ponto de poder se dispensar a
―explicaccedilatildeo de um apresentador
Atualmente pensa-se primeiramente em imagens forma-se um raciociacutenio a partir
de mosaicos audiovisuais que possibilitam um dado significado Tal modelo de
pensamento atraveacutes da imagem tecnoloacutegica deve-se ao conjunto de referecircncias
adquiridas
Assim sendo a fotografia possui papel fundamental na linguagem audiovisual
Sabe-se que a foi a partir da fotografia que se tornou possiacutevel agrave invenccedilatildeo do cinema
Dubois (2004) assegura que
Com a fotografia a maacutequina natildeo se contenta mais em preacute-ver ela inscreve
tambeacutem a imagem por meio das reaccedilotildees fotossensiacuteveis de certos materiais que
registram por si mesmos as aparecircncias sensiacuteveis geradas pela radiaccedilatildeo luminosa
A maacutequina intervecircm aqui portanto no coraccedilatildeo mesmo do processo de
constituiccedilatildeo da imagem que aparece assim como representaccedilatildeo quase
automaacuteticalsquo objetivalsquo sine manu factalsquo O gesto humano passa a ser mais um
gesto de conduccedilatildeo da maacutequina do que de figuraccedilatildeo direta (DUBOIS 2004
p38)
Em sua brilhante anaacutelise Barthes evidencia o fato de que a fotografia significa
muito mais uma ruptura do que uma continuidade em relaccedilatildeo agrave pintura Isso porque a
reaccedilatildeo quiacutemica dos sais de prata fotossensiacuteveis mediada pelo aparelho oacutetico que projeta a
imagem eacute colocada no centro do dispositivo de criaccedilatildeo da imagem deslocando o papel do
criador que antes que antes tinha que compor o instante representado a partir de instantes
distintos usando os coacutedigos da pintura para unificar a fatura e agora passava a poder
recortar um instante na sua proacutepria duraccedilatildeo com o uso da fotografia Dubois acrescenta
que tal uso
abandona o tempo crocircnico real evolutivo o tempo que passa como um rio
nosso tempo dos seres humanos inscritos na duraccedilatildeo para entrar em uma
temporalidade nova separada e simboacutelica a da foto temporalidade que tambeacutem
dura tatildeo infinita em princiacutepio quanto a primeira mas infinita na imobilidade
total congelada na interminaacutevel duraccedilatildeo das estaacutetuas (DUBOIS 1993 p168)
Com a invenccedilatildeo do instantacircneo fotograacutefico a pose a produccedilatildeo a composiccedilatildeo
elementos proacuteprios agrave linguagem da pintura figurativa satildeo subvertidas datildeo lugar tambeacutem
ao efecircmero ao flagrante agrave espontaneidade
Durante o seacuteculo XIX a fotografia buscou ancorar-se na esteacutetica proacutepria agrave pintura
para almejar sua entrada no panteatildeo das Belas-Artes em um movimento chamado pela
24
historiografia de pictorialismo Como bem analisou Walter Benjamin em sua Pequena
Histoacuteria da Fotografia de 1931 esse movimento se revelou improdutivo jaacute que os
fotoacutegrafos buscavam encaixar-se nos mesmos padrotildees de valoraccedilatildeo esteacutetica que foram
subvertidos com a invenccedilatildeo da fotografia
O discurso sobre a fotografia no seacuteculo XIX ainda estaacute muito contaminado por
valores esteacuteticos que consideram a teacutecnica em oposiccedilatildeo agrave arte ou na melhor das hipoacuteteses
como uma mera serviccedilal da arte Mas a proacutepria invenccedilatildeo da fotografia primeira forma de
produzir imagens completamente mediada pela teacutecnica na qual o ―laacutepis da Natureza
(Talbot) age sozinho sem a ajuda da matildeo do homem estava subvertendo completamente
os valores vigentes instaurando uma estreita ligaccedilatildeo entre teacutecnica e arte
Trazer a teacutecnica para o primeiro plano eacute uma das transformaccedilotildees mais radicais que
a imagem fotograacutefica instaura no campo da produccedilatildeo de imagens Esse tipo de imagem
criada por um aparelho chamada por Vileacutem Flusser de ―imagem teacutecnica foi capaz de
superar oposiccedilotildees vazias entre arte e teacutecnica
Com a virada para o seacuteculo XX se inicia um movimento de valorizaccedilatildeo da
fotografia por suas peculiaridades constitutivas advindas de seu proacuteprio mecanismo de
inscriccedilatildeo da imagem a instantaneidade o corte a conexatildeo fiacutesica com o referente A
chamada fotografia moderna se estabelece em duas frentes nas vanguardas europeacuteias e no
movimento chamado Photo Secession que ocorreu nos Estados Unidos8
A obra de Henri Cartier-Bresson eacute das mais importantes para a afirmaccedilatildeo da
fotografia por suas qualidades constitutivas Ele percebeu a potencialidade do aparato e o
foi um dos primeiros a usar uma cacircmera compacta de pequeno formato para sacar
instantes da realidade ainda na deacutecada de 1930 Com o tempo amadureceu uma filosofia
do chamado ―instante decisivo Para ele o fotoacutegrafo eacute como um flaneur que vaga pelo
mundo em busca daqueles raros momentos em que todos os elementos do enquadramento
se alinham em sua maacutexima expressatildeo dando agrave narrativa um potencial de siacutentese
A partir dessa reflexatildeo pode-se dizer que a fotografia audiovisual possibilita
transmitir ao espectador uma verossimilhanccedila com a realidade A anaacutelise da fotografia no
cinema se faz a partir do conhecimento dos elementos que a compotildee e suas variaccedilotildees
Assim cada elemento seraacute tratado separadamente para que seja possiacutevel uma melhor
explanaccedilatildeo de cada componente da fotografia audiovisual
25
21 Iluminaccedilatildeo
De acordo com Sousa (2004) eacute intuitivo afirmar que no momento em que se
ilumina um determinado objetopersonagem em detrimento de outros revela-se apenas
aquele que estaacute exposto agrave luz No entanto essa natildeo eacute a uacutenica contribuiccedilatildeo da iluminaccedilatildeo
para a construccedilatildeo de sentido a uma imagem Aleacutem disso eacute responsaacutevel por transmitir
noccedilotildees de profundidade e de relevo Segundo Roberts-Breslin (2009) eacute atraveacutes da
iluminaccedilatildeo que satildeo criados os padrotildees de luz e sombra que datildeo sentido ao nosso mundo
como tambeacutem o alto contraste do sol do meio-dia ou o baixo contraste monocromaacutetico
num dia chuvoso Aumont (2004) acrescenta que
A luz no cinema estaacute sempre ali e ateacute mesmo duplamente ali jaacute que a luz do
projetos ndash a luz depois do filme ndash serve para mostrar a luz registrada tal como
ela caiacutea sobre as coisas filmadas ndash a luz de antes do filme Haacute entre as duas uma
conivecircncia inextinguiacutevel jaacute reconhecida aqui mesmo em sua forma negativa ndash o
escuro - e que nutriu com frequecircncia a fantasia (em Murnau em Sternberg ou
Godard) de que uma natildeo eacute senatildeo a continuaccedilatildeo da outra por outros meios
Consequumlecircncia articulaccedilatildeo da diferenccedila a luz do quadro natildeo teve de ser
produzida realmente a do filme foi real Diferenccedila ontoloacutegica que se duplica em
outra infinitamente contingente poreacutem sensiacutevel a luz utilizada na produccedilatildeo do
filme eacute uma luz eleacutetrica seu aspecto eacute particular variaacutevel aliaacutes ao longo da
histoacuteria do cinema (AUMONT 2004 p 172)
As condiccedilotildees de iluminaccedilatildeo satildeo capazes de indicar a hora do dia a eacutepoca do ano e
a parte do planeta em que a imagem estaacute sendo reproduzida A luz ―empresta um tom a um
lugar ou experiecircncia ndash o brilho suave e romacircntico de uma vela as inesperadas e
desconhecidas sombras da noite a firme e escura melancolia do crepuacutesculo do inverno
ou seja possibilita a criaccedilatildeo de um determinado clima agrave cena (Breslin 2009 p87) Moura
afirma que
A fotografia em nada se diferencia da natureza Todas as luzes e efeitos estatildeo agrave
mostra para o olho educado Os efeitos dos filtros os contrastes das luzes as
densidades das cores tudo e todos estatildeo na natureza agrave vista de quem quiser ver
Se vocecirc prestar atenccedilatildeo ao tipo de luz que o sol gera saberaacute qual refletor de
quanto como e onde colocar Se vocecirc se abstrair do tamanho do sol e se
concentrar no efeito da sua luz poderaacute intuir a direccedilatildeo a natureza e a
intensidade da luz que vocecirc precisaraacute para ter o mesmo resultado Afinal de
contas o sol tem que iluminar a terra toda e noacutes soacute um pequeno estuacutedio As
diferenccedilas de tamanho satildeo irrelevantes para o raciociacutenio Para se chegar ao
pequeno partimos do grande Nada no pequeno mundo da fotografia inexiste no
vasto mundo de todos noacutes Talvez a uacutenica coisa que possamos criar e que jaacute natildeo
exista em escala maior e em melhor forma na natureza seja a escrita (MOURA
2001 p 20)
Breslin (2009 p88) acredita que a luz consiste na base da miacutedia visual pois
―tecnicamente a luz fornece a energia que nos permite reproduzir uma imagem
Esteticamente a luz junto com a composiccedilatildeo revela verdades e mentiras criando beleza e
26
feiura dentro do quadro Para Martin (2003 p 71) a iluminaccedilatildeo eacute o ―fator decisivo da
expressividade da imagem poreacutem sua importacircncia natildeo eacute percebida pelo espectador
devido ao fato de possibilitar a criaccedilatildeo de uma atmosferalsquo elemento este dificilmente
analisaacutevel
As sombras criadas com a iluminaccedilatildeo ―ajudam a transmitir profundidade clima e
lugar mas devem ser cuidadosamente controladas A iluminaccedilatildeo na verdade pode ser
definida como lanccedilar e controlar as sombrasrdquo (BRESLIN 2009 p95) Sendo assim a
luz possui vaacuterias caracteriacutesticas essenciais qualidade direccedilatildeosentido contraste
uniformidade cor e intensidade
Conforme Sousa (2004) a qualidade da luz refere-se principalmente ao tipo de
sombra que um objeto iluminado produz seja ela dura e definida ou suave a gradual
Breslin (2009) confirma tal classificaccedilatildeo ao dizer que
A qualidade de uma fonte de luz tem a ver com o modo como as ondas
percorrem o espaccedilo Se elas o fazem em linha reta a partir da fonte ateacute iluminar
o objeto satildeo refletidas de volta para a lente de um olho ou cacircmera em linhas
similarmente retas Isso produz luz dura direta ou localizada A energia
luminosa cobre uma aacuterea relativamente pequena mas manteacutem a intensidade ou
brilho maacuteximos A luz direta enfatiza a textura (BRESLIN 2009 p92)
A autora acrescenta que a luz que atinge um objeto pode ser dura ao produzir
sombras nitidamente definidas e partes mais claras distintas Jaacute quando produz partes
claras e sombras sutis e com uma borda menos definida ela eacute classificada como uma luz
suave Assim a luz comeccedila direta mas suas ondas podem desviar ou refletir de uma a
outra superfiacutecie ateacute que encontram o seu caminho para a lente Dependendo do caminho
percorrido se ―produz luz suave difusa ou lavada Uma fonte de luz difusa cobriraacute uma
aacuterea grande mas eacute menos intensa ou brilhante do que a mesma quantidade inicial de luz
direta na mesma distacircncia do objeto (BRESLIN 2009 p93)
Salles (2006) ressalta que ao iluminar artificialmente uma cena qualquer os planos
de composiccedilatildeo de luz desta cena devem ser cuidadosamente elaborados a fim de que a
fotografia do filme esteja em harmonia esteacutetica com o roteiro e sua proposta
22 Cor
Durante praticamente quarenta anos o cinema se manteve em preto e branco
Qualidade natural dos seres e objetos a cor possibilita maior realismo nas obras fiacutelmicas
pois aumenta a veracidade da imagem
27
Sendo assim a partir de um trabalho manual dos teacutecnicos que coloriam os filmes agrave
matildeo ou com o auxiacutelio de paletas eacute que se tornou possiacutevel colocar cor nas telas mediante
muito trabalho Experiecircncias foram realizadas e tomou-se conhecimento de uma nova
teacutecnica os chamados ―banhos onde a peliacutecula era tingida com cores uniformes com o
intuito de atribuir tanto realismo quanto simbolismo Basicamente era usado azul para
designar a noite e amarelo para as cenas de interiores agrave noite enquanto que para
simbolizar os incecircndios e as revoluccedilotildees optava-se pelo vermelho e para as matas e
paisagens a cor verde (MARTIN 2003) A bicromia e a tricomia comeccedilaram a serem
utilizadas em meados dos anos 30 No entanto eacute apenas na metade dos anos 50 que a cor
passou a ser usada de forma generalizada
Natildeo se pode negar que a cor possui um papel fundamental na composiccedilatildeo da
fotografia cinematograacutefica A partir de sua utilizaccedilatildeo torna-se possiacutevel representar a
realidade com mais perfeiccedilatildeo e precisatildeo Aumont (2003 p63) acrescenta que ―apesar da
especificidade da cor no cinema o modelo criacutetico e esteacutetico foi quase sempre a pintura
Esta circulou enormemente no imaginaacuterio fiacutelmico em trecircs grandes formas a
ficcionalizaccedilatildeo a imitaccedilatildeo e a anaacutelise sendo a base para as futuras produccedilotildees
audiovisuais Contudo o autor ressalta que
a ausecircncia de leis gerais e verificaacuteveis explica a ausecircncia quase total de reflexatildeo
teoacuterica sobre a cor na imagem em movimento As uacutenicas consideraccedilotildees agraves
vezes propostas no tocante ao valor simboacutelico ou expressivo da cor (o vermelho
como siacutembolo de guerra ou de paixatildeo o azul bem como o azul-celeste para a
paz o violeta associado agrave lamentaccedilatildeo funeraacuteria etc) Como tais valores satildeo bem
variaacuteveis conforme as culturas e as eacutepocas Eacute difiacutecil fazer uma teoria deles e a
esteacutetica da cor no cinema confunde-se praticamente com a constataccedilatildeo de
estilos pessoais ou de efeitos de gecircnero (AUMONT 2003 p63)
Ainda em relaccedilatildeo ao uso das cores fala-se em harmonia e contraste cromaacutetico A
harmonia ocorre quando em uma imagem existem cores proacuteximas (laranja amarelo
torrado amarelo e vermelho) Jaacute ao mencionar contraste cromaacutetico se refere quando na
imagem existem cores contrastantes (azul vs Vermelho amarelo vs Violeta por
exemplo) Contudo Sousa (2004) revela outras maneiras de evidenciar contraste
cromaacutetico (a) contraste de cores fortes com cores neutras (por exemplo vermelho vivo vs
cinzento claro) (b) complementaccedilatildeo entre cores claras e cores escuras (por exemplo o
amarelo-limatildeo faz o azul marinho parecer mais escuro) (c) contraste entre tons intensos
da mesma cor (o vermelho carregado contrasta com o vermelho claro)
Sousa (2004) acrescenta que eacute possiacutevel expressar quietude e tranquumlilidade ao
recorrer agrave harmonia cromaacutetica de cores quentes suaves como o castanho-terra suave e o
28
amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada
diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis
Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de
ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem
teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas
especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade
Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores
satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada
espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos
valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem
23 Enquadramentos
O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que
determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo
que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores
O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada
Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira
como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave
objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela
Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos
teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos
notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena
mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar
mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico
Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o
tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos
objetos que constituem a cena
Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees
possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de
detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar
Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma
29
―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para
a tela
231 Planos
O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre
dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no
qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute
determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da
objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da
narrativa que se pretende obter
Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada
autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute
possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos
planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o
observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta
planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os
intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro
plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens
plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por
exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA
(2004 p67-68)
A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano
Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade
fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte
1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro
2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos
joelhos para cima ou da cintura para cima
3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um
pouco abaixo
4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima
5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator
6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na
altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas
30
232 Acircngulos de Filmagem
De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto
que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir
um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo
superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto
que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade
No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de
baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de
superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e
do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do
personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele
em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador
233 Movimentos de Cacircmera
Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por
Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da
ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental
de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a
descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou
uma personagem
Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de
cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o
deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem
constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A
panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio
eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a
trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com
o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural
Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou
complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir
de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um
―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena
31
3 O cinema de autor
No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria
recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas
produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo
(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na
tela diferentes percepccedilotildees diante da trama
Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de
vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de
variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao
participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim
conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro
Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista
produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete
instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs
Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo
No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)
juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores
(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os
produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do
filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas
No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith
4
Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico
2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do
cinema mudo
3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano
um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas
4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de
Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o
movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o
filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)
5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro
de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia
de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou
em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia
32
devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e
dirigindo na publicidade de seus filmes
Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica
quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na
―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do
existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do
autor
Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-
sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e
substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a
atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando
que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo
metafiacutesicas (STAM 2003 p111)
Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo
que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi
responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou
a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras
refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica
abordando o ato de fazer e assistir a um filme
Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita
sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de
determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a
mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais
cineastas
Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers
Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica
Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes
que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar
conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as
filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios
seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma
simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)
Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do
Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os
grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas
6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem
como no sete de filmagem
33
como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o
suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e
o puacuteblico como seu divertimento
Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no
cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes
nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees
inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo
autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de
caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor
(COVALESKI 2009 p83)
Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o
contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa
eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a
obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma
noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a
outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI
2009 p 84)
Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute
responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo
do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute
responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas
necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo
com Bernardet
Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua
maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um
filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que
preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em
perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)
O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem
traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na
direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas
optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas
uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na
direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta
34
Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora
diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior
originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade
crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais
Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de
autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para
Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do
discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia
Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e
situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi
apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser
considerado como tal
O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica
com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra
determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem
defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos
paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor
Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja
autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de
1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e
Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de
presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de
suas matildeos
Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo
(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do
curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos
experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar
Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo
Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se
tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila
Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras
produtoras independentes do paiacutes
No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute
que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal
35
Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam
de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que
Meirelles considera ter feito em sua vida
No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas
publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos
que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar
notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar
e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas
da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para
natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar
em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade
Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a
produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando
Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2
Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no
mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios
internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca
de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio
Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede
Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura
completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um
departamento juriacutedico aacutegil
Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme
foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes
selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival
Internacional de Rotterdam
O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de
20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores
no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais
Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo
internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores
filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro
indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o
filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta
36
Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado
como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no
manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a
pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo
sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No
entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional
Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao
levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner
o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na
categoria de Melhor Diretor
Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando
Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do
romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O
filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14
de maio de 2008
37
4 Metodologia
A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando
compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria
nos filmes de Fernando Meirelles
Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave
argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise
detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades
sociais
Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo
aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de
entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira
indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o
caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como
objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro
Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra
selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes
representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a
esteacutetica publicitaacuteria
Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que
seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem
fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de
expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica
Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do
conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia
e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise
a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e
organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir
das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)
interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em
funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo
Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise
fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra
que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da
38
linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa
fiacutelmica
Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo
1 Preacute-anaacutelise
a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor
enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)
2 Descriccedilatildeo Analiacutetica
a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos
3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando
em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes
Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute
necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo
haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica
efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo
pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando
necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que
considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde
que natildeo descarte as antecedentes
39
5 Anaacutelises
Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica
publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel
a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica
descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo
estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a
narrativa de cada um dos filmes
Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de
Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)
51 Domeacutesticas
Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas
40
Sinopse
Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de
Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada
Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa
sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar
de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute
Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida
Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com
um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por
missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a
mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que
satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se
estivessem dando uma espeacutecie de depoimento
Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas
aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de
emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o
outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das
domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo
Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo
encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas
por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do
plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave
novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um
sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da
profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento
cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes
publicitaacuterios
41
Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas
(Plano aberto e plano conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas
com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal
Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos
lateralizados
A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em
plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo
pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee
possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem
disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco
conotando mais tristeza agrave cena
Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e
cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como
acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute
limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera
tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no
estacionamento do preacutedio
Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em
que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a
personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o
deslocamento da personagem daquele mundo
42
Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas
(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de
serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves
tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas
com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)
Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em
um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um
domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao
casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte
observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre
sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o
responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua
profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela
As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena
No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo
agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute
43
devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de
nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude
alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade
sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento
Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as
personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo
O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo
vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das
diversas dificuldades no seu dia-a-dia
O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano
meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em
meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave
criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)
isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo
dos exageros
Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna
da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores
quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde
44
e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila
dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme
Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas
52 Cidade de Deus
Sinopse
O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro
protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou
um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a
estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto
de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante
amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente
suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num
ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele
descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se
fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista
do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos
45
principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria
mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um
mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute
Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro
dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto
Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos
bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute
usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute
centralizada e em leve plongeacutee
Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no
46
comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo
frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas
casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e
suave
A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do
traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na
criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar
perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-
plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem
Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano
geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo
compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando
naturalidade
Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)
47
Iluminaccedilatildeo e cor
Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo
deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute
observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa
frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo
pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo
Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste
elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem
a funccedilatildeo de criar um visual expressivo
Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente
natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a
inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre
dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na
cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute
ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo
consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena
interna e provavelmente noturna
Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua
maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais
frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo
com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute
amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute
modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos
48
periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo
publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama
Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante
Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com
a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um
material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a
imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee
com armas em punho apontadas para os policiais
Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela
49
Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus
53 O Jardineiro Fiel
Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel
50
Sinopse
O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em
Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa
uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem
aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para
substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes
um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute
transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu
idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a
trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin
acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir
na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de
amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa
estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional
envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em
seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a
disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no
Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e
ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar
como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se
para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final
bastante diferente do que seria esperado
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a
imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia
de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio
em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao
lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar
para se proteger
Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem
Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em
51
plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades
azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um
embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em
plongeacutee e plano aberto em conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na
figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A
imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano
aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo
dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais
amenos frios
Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada
retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao
receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade
possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento
As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a
imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua
52
Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em
leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens
contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante
natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel
perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral
aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores
quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave
luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem
composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local
em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo
A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela
cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A
impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena
que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma
53
desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do
ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas
sim no seu proacuteprio lucro
Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de
ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir
contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis
por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele
seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com
movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma
arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite
suavidade e calor agrave cena
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel
(variaccedilatildeo entre suave e dura)
Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando
com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na
lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em
equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira
imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais
onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena
54
ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens
em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)
ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem
possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua
composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)
como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel
54 Ensaio sobre a Cegueira
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira
55
Sinopse
O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que
atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas
passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no
tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados
em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a
lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a
uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que
juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute
baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com
o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de
cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo
manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O
enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para
a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e
branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria
compotildee as cenas da trama
Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento
panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da
trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade
esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o
motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa
ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais
Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o
motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo
adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de
quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia
56
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
57
Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
58
A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
59
do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
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65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
9
Este trabalho constroacutei-se no cenaacuterio de interfaces entre publicidade e cinema a
partir da anaacutelise da concepccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria na fotografia dos filmes de
Fernando Meirelles
Vale ressaltar que a fotografia eacute um elemento fundamental na construccedilatildeo da esteacutetica
audiovisual Eacute a partir de sua composiccedilatildeo que o estilo da obra eacute retratado na tela Sendo
assim eacute preciso escolher com cuidado cada um dos componentes fotograacuteficos a fim de se
obter o resultado expressivo desejado Para Martin (2003 p57) a iluminaccedilatildeo ―constitui
um fator decisivo para a criaccedilatildeo da expressividade da imagem Aleacutem disso eacute elemento de
criaccedilatildeo da ―atmosfera da cena A atmosfera cecircnica por sua vez eacute difiacutecil de analisar pois
estaacute atrelada agrave subjetividade ou seja agrave capacidade de percepccedilatildeo de cada espectador tendo
um papel impreciso Natildeo se pode esquecer da utilizaccedilatildeo das cores sejam elas quentes ou
frias conotando reaccedilotildees psicoloacutegicas nos espectadores bem como o contraste cromaacutetico e
luminoso eficaz na significaccedilatildeo de cada cena
De acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber cada vez mais a interferecircncia
da publicidade na atual produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este
papel de fonte de referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem
audiovisual nas produccedilotildees contemporacircneas e diante disso tem-se como objetivo
compreender como o diretor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria na
fotografia de seus filmes Arquiteto por formaccedilatildeo Fernando Meirelles comeccedilou sua
carreira na aacuterea audiovisual realizando viacutedeos experimentais com um grupo de amigos
ainda durante a faculdade Posteriormente fundou a produtora independente Olhar
Eletrocircnico e nunca mais deixou de trabalhar como diretor tanto na publicidade quanto no
cinema No cinema dirigiu os filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O
Jardineiro Fiel (2005) e Ensaio sobre a Cegueira (2008) Esses filmes constituem o objeto
empiacuterico deste trabalho que para alcanccedilar seu objetivo geral busca (1) analisar as
interfaces existentes entre publicidade e cinema (2) estudar a fotografia enquanto
elemento da esteacutetica audiovisual e (3) verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando
Meirelles em seus filmes
Jaacute haacute algum tempo percebe-se um crescente nuacutemero de cineastas com vasta
experiecircncia no mercado publicitaacuterio profissionais que realizaram muitos trabalhos como
diretores de filmes publicitaacuterios e dela migraram para o cinema Possuem portanto uma
visatildeo abrangente da linguagem audiovisual o que possibilita diferentes abordagens
esteacuteticas tanto no cinema quanto na publicidade A existecircncia de profissionais oriundos de
outras aacutereas trabalhando nas produccedilotildees audiovisuais reflete na nova relaccedilatildeo estabelecida
10
entre a noccedilatildeo de arte ciecircncia e tecnologia Esses domiacutenios antes mais distantes agora se
veem envolvidos em processos de troca combinaccedilatildeo fusatildeo Sobre as novas tecnologias
Popper apud Parente (1993) diz que
Em todo caso e em grande parte graccedilas aos novos meacutetodos de transmissatildeo de
imagens e agrave difusatildeo massiva dos conhecimentos e informaccedilotildees entramos no
presente em uma era em que o pensamento teacutecnico e o pensamento simboacutelico se
encontram em que o impacto das novas tecnologias provoca uma mutaccedilatildeo
decisiva na esfera cultural (PARENTE 1993 p213)
Covaleski (2009) acrescenta que tanto a televisatildeo quanto o cinema satildeo os uacutenicos
meios audiovisuais que possibilitam a utilizaccedilatildeo na publicidade da maioria dos elementos
de persuasatildeo e de sentido unindo o som a imagem o movimento e o texto escrito Deste
modo a publicidade trabalha com narrativas sinteacuteticas que se adequam ao tempo reduzido
de 30 eou 45 segundos para vender a ideacuteia do produto que anuncia Em oposiccedilatildeo o
cinema possui em meacutedia cerca de 90 minutos suficientes para mostrar o enredo contar a
histoacuteria apresentar os personagens e desenrolar toda a narrativa
As relaccedilotildees entre cinema e publicidade televisual partem das caracteriacutesticas da
obra final que eacute gerada em cada um desses gecircneros de comunicaccedilatildeo No
cinema a obra cinematograacutefica a peliacutecula de curta meacutedia ou longa-metragem
na publicidade televisual o comercial o filme ou viacutedeo publicitaacuterio que
obedecem aos formatos impostos pelos veiacuteculos de comunicaccedilatildeo Os propoacutesitos
para os quais as obras fiacutelmicas cinematograacuteficas ou publicitaacuterias satildeo geradas
visam a atender interesses e objetivos que vatildeo do comercial ao artiacutestico
(COVALESKI 2009 p93)
Portanto a poacutes-modernidade cultural a qual representa o surgimento de outras
dimensotildees esteacuteticas eacute a grande chave para esta anaacutelise cujo foco recai sobre o elemento
de linguagem fotograacutefica Isto eacute recai na fotografia e na sua capacidade de construir
sentidos acerca de um momento que nunca mais aconteceraacute e ao mesmo tempo congelaacute-
lo possibilitando a representaccedilatildeo desta realidade deste momento uacutenico
Assim tal pesquisa articula a abordagem de temas de grande importacircncia para a
comunicaccedilatildeo audiovisual visto que possibilitam o surgimento de outras tendecircncias nas
produccedilotildees cinematograacuteficas contemporacircneas Para isso a revisatildeo teoacuterica perpassa pela
introduccedilatildeo sobre o tema do trabalho em que as temaacuteticas abordadas satildeo apresentadas bem
como o corpus escolhido para anaacutelise e os objetivos da pesquisa o primeiro capiacutetulo
discute teoricamente a linguagem e a esteacutetica audiovisual bem como as interfaces
existentes entre publicidade e cinema o segundo capiacutetulo aborda a fotografia na esteacutetica
audiovisual enfatizando os elementos expressivos fotograacuteficos ndash iluminaccedilatildeo cor
11
enquadramentos planos acircngulos e movimentos de cacircmera o terceiro capiacutetulo teoriza
sobre o cinema de autor e aborda o autor em questatildeo Fernando Meirelles o quarto
capiacutetulo elucida o processo metodoloacutegico aplicado no desenvolvimento do trabalho o
quinto capiacutetulo encarrega-se de demonstrar os exerciacutecios analiacuteticos empreendidos nos
frames do corpus e o sexto capiacutetulo preocupa-se com as consideraccedilotildees finais da pesquisa
12
1 Linguagem e Esteacutetica Audiovisual
Por poder ser captada simultaneamente pelo olho e pelo ouvido a linguagem
audiovisual permite o envolvimento completo do seu espectador diante da fusatildeo do som e
da imagem em movimento A fusatildeo entre aacuteudio e viacutedeo possibilita um paralelo entre o
racional e o sensorial de modo que a mesma consegue dizer muito mais do que
conseguimos captar pois chega simultaneamente por muito mais caminhos do que
conscientemente percebemos
O viacutedeo incluiacutedo em um meio de comunicaccedilatildeo de massa eacute utilizado como forma
de expressatildeo aleacutem de estruturar novas teacutecnicas tanto no processo de gravaccedilatildeo e de poacutes-
produccedilatildeo Tais teacutecnicas satildeo responsaacuteveis por todo o cruzamento de narrativas hoje
utilizadas pelo cinema e pela publicidade
O viacutedeo eacute um sistema hiacutebrido ele opera com coacutedigos significantes distintos
parte importados do cinema parte importados do teatro da literatura do raacutedio e
mais modernamente da computaccedilatildeo graacutefica aos quais acrescenta alguns
recursos expressivos especiacuteficos alguns modos de formar ideacuteias ou sensaccedilotildees
que lhe satildeo exclusivos (MACHADO 1997 p 190)
Dubois (2004 p77) define a estetizaccedilatildeo videograacutefica como ―uma linguagem (ou
uma esteacutetica) particular (mas de nenhum modo exclusiva) que pertence a loacutegicas
diferentes e potildee em jogo questotildees de ordem muito diversa que as do cinema O
surgimento do viacutedeo possibilitou novas tecnologias como por exemplo a televisatildeo
Diante disso o autor classifica dois modos principais de representaccedilatildeo em viacutedeo
O modo plaacutestico (a ―videoarte em suas formas e tendecircncias muacuteltiplas) e[] o
modo documentaacuterio (o real ndash bruto ou natildeo ndash em todas as suas estrateacutegias de
representaccedilatildeo) E sobretudo ndash eacute o que os une contra a transparecircncia - ambos
com um senso constante do ensaio da experimentaccedilatildeo da pesquisa da inovaccedilatildeo
(DUBOIS 2004 p77)
De acordo com Gutierrez (1992) dentro de noacutes acontece uma repercussatildeo em
imagens baacutesicas centrais simboacutelicas arquetiacutepicas com as quais nos identificamos ou que
se relacionam conosco de alguma forma consistindo na representaccedilatildeo de uma realidade
em movimento
A linguagem audiovisual responsaacutevel por tal representaccedilatildeo eacute constituiacuteda por
alguns elementos fundamentais (1) o plano - cada parte da fita que se apresenta ao
espectador como tendo sido filmada sem interrupccedilotildees (2) a cena - o conjunto de planos
cuja accedilatildeo eacute contiacutenua e decorre numa relativa unidade de tempo e espaccedilo constitui as cenas
13
e as sequumlecircncias (3) o enquadramento - a variaccedilatildeo da longitude da cacircmera agrave cena filmada
por meio de movimento (sem interrupccedilatildeo da filmagem) dentro do mesmo plano a
variaccedilatildeo do enquadramento e (4) a montagem ndash procedimento de organizaccedilatildeo do conjunto
de cenas sequumlecircncias e planos que formam a obra fiacutelmica
Tais elementos audiovisuais estatildeo presentes tanto nas produccedilotildees cinematograacuteficas
quanto nas produccedilotildees publicitaacuterias poreacutem o modo como satildeo utilizados eacute que as difere
Segundo Aumont (1995) inicialmente o cinema era desprovido de uma linguagem pois
apenas refletia o registro de um espetaacuteculo uma simples reproduccedilatildeo do real Entretanto
com o intuito de contar histoacuterias e veicular ideias o cinema precisou utilizar determinados
procedimentos expressivos os quais passaram a constituir sua linguagem
Assim sendo pode-se definir a linguagem cinematograacutefica como ―o conjunto das
mensagens cujo material de expressatildeo compotildee-se de cinco pistas ou canais a imagem
fotograacutefica em movimento os sons foneacuteticos gravados os ruiacutedos gravados o som musical
gravado e a escrita (creacuteditos intertiacutetulos materiais escritos no interior do plano) (STAM
2003 p132) A utilizaccedilatildeo em sinergia desse grande nuacutemero de elementos possibilita uma
maior variedade de abordagens nas produccedilotildees audiovisuais Por exemplo uma montagem
natildeo-linear com ritmo acelerado de troca de planos acircngulos e enquadramentos eacute a marca
das realizaccedilotildees videograacuteficas contemporacircneas
Para Balaacutezs apud Stam (1995) a linguagem cinematograacutefica pode ser definida a
partir de 4 princiacutepios
- no cinema existe uma distacircncia variaacutevel entre espectador e cena representada
daiacute uma dimensatildeo variaacutevel da cena que toma lugar no quadro e na composiccedilatildeo
da imagem
- a imagem total da cena eacute subdividida em uma seacuterie de planos de detalhes
(principio da decupagem)
- existe variaccedilatildeo de enquadramento (acircngulo de visatildeo perspectiva) dos planos de
detalhe no decorrer da mesma cena
- finalmente eacute a operaccedilatildeo da montagem que garante a inserccedilatildeo dos planos de
detalhes em uma sequumlecircncia ordenada na qual natildeo apenas cenas inteiras se
sucedem mas tambeacutem tomadas de detalhes mais miacutenimos de uma mesma cena
A cena em seu conjunto eacute resultado disso como se os elementos de um mosaico
temporal fossem justapostos no tempo (BALAacuteZS apud STAM 1995 p163-
164)
O cinema busca traduzir a realidade atraveacutes da representaccedilatildeo artiacutestica mediante o
uso de teacutecnicas pertencentes agrave linguagem audiovisual Stam (2003 p132) acrescenta que
se torna linguagem a partir do momento em que comunica ―um conjunto de mensagens
formuladas com base em um determinado material de expressatildeo um discurso ou praacutetica
significante caracterizado por codificaccedilotildees e procedimentos ordenatoacuterios especiacuteficos
14
Por volta de 1750 a palavra esteacutetica foi inventada com o intuito de designar uma
―ciecircncia dos sentimentos posteriormente uma ―ciecircncia do belo Atualmente eacute
empregada igualmente no plural para se referir agraves diversas concepccedilotildees do belo e da arte
Segundo Aumont e Marie (2003) natildeo existe esteacutetica constituiacuteda do cinema mas questotildees
de natureza esteacutetica foram frequumlentemente discutidas a respeito dele em torno dos
seguintes problemas
1 O cinema entre as artes natildeo tendo sido o cinema de iniacutecio aceito como
arte (mas como teacutecnica ou como distraccedilatildeo) sua especificidade artiacutestica foi
muitas vezes salientada Em particular ele foi por isso confrontado e
comparado com artes reconhecidas a muacutesica (Gance) a pintura (Bazin
Aumont Bonitzer) o teatro (Pagnol) valorizando a cada vez uma
caracteriacutestica particular do cinema o ritmo o enquadramento a fala a
cenicidade etc
2 A especificidade do fiacutelmico ela diz respeito a alguns traccedilos fundamentais
estudados nos mais das vezes de pontos de vista bem diferentes o
movimento (Munsterberg Deleuze) a mobilidade do ponto de vista
(Souriau Metz Jost Aumont) a sequencialidade e a montagem
(Eisenstein)
3 A possibilidade de uma poeacutetica do cinema ndash ou seja de uma concepccedilatildeo
geral da natureza do cinema da criaccedilatildeo fiacutelmica da relaccedilatildeo do fiacutelmico com o
mundo afilmico ou profilmico etc A respeito desse ponto observa-se uma
grande oposiccedilatildeo entre poeacuteticas realistas ndash o filme como transparecircncia
(Kracauer) a ―liacutengua escrita da realidade (Pasolini) o ―cine-olho
(Vertov) - e poeacuteticas formalistas ndash o ―cinema-linguagem (Eisenstein) a
fotogenia (Epstein) o filme como grande forma (Buch) etc
4 A possibilidade de uma arte de massa imposta pela induacutestria e pela teacutecnica
(Panofsky) (AUMONT MARIE 2003)
Para Covaleski (2009 p77) a esteacutetica do cinema estaacute diretamente relacionada com
a natureza reprodutiva e mecacircnica do meio cinematograacutefico Segundo o autor eacute possiacutevel
destacar duas teorias mesmo que distintas em que se refere agrave natureza reprodutiva do
cinema A primeira de Walter Benjamin afirma que toda a problemaacutetica da esteacutetica
relacionada ao cinema estaacute centrada no ―contexto da crise do sistema tradicional das artes
cuja modalidade de percepccedilatildeo cinematograacutefica essencialmente coletivalsquo e distraiacutedalsquo eacute
sua proacutepria causa e efeito Jaacute a segunda teoria de Andreacute Bazin constata que o problema
esteacutetico estaacute ligado ao caraacuteter mecacircnico da reproduccedilatildeo ou seja ―eacute a ausecircncia de uma
intervenccedilatildeo por parte da interpretante e a deformaccedilatildeo causada pela projeccedilatildeo que teoriza
tal problemaacutetica Jaacute Aumont (2002 p15-16) ressalta que a esteacutetica do cinema confere dois
aspectos ―uma vertente geral que considera o efeito esteacutetico proacuteprio do cinema e uma
vertente especiacutefica centrada na anaacutelise de obras particulares Sendo assim refere-se agrave
anaacutelise de filmes ou a criacutetica no sentido pleno do termo
15
Na obra fiacutelmica os aspectos esteacuteticos satildeo apresentados diante de uma
categorizaccedilatildeo dos elementos que constituem a manifestaccedilatildeo esteacutetica no cinema Segundo
Covaleski (2009) ―tais manifestaccedilotildees se datildeo sobre vaacuterias formas ora icocircnicas ora
focircnicas ora graacuteficas ora oacuteticas ora sonoras ora auditivas e estatildeo em processo de
evoluccedilatildeo devido ao surgimento de novas tecnologias de comunicaccedilatildeo juntamente com
novas manifestaccedilotildees artiacutesticas
No decorrer do seacuteculo XX mediante tais transformaccedilotildees houve a geraccedilatildeo de
novas noccedilotildees de criaccedilatildeo de arte de esteacutetica Conforme Plaza (2000) ocorreu um
―deslocamento das funccedilotildees instauradoras (a poeacutetica do artista) para funccedilotildees de
sensibilidade receptora (esteacutetica) o que produz no meio artiacutestico uma grande confusatildeo
conceitual caracterizada pela mistura e hibridaccedilatildeo de gecircneros poeacuteticas e atitudes
artiacutesticas
Pode-se compreender com base em Covaleski (2009) que a chegada da arte do
cinema agrave tevecirc trouxe tambeacutem padrotildees esteacuteticos que aos poucos foram incorporados ao
meio televisual aleacutem de serem consumidos em larga escala pela publicidade Percebe-se
que boa parte dos comerciais de tevecirc os chamados filmes publicitaacuterios alcanccedilam mais
destaque que a proacutepria programaccedilatildeo devido aos recursos tecnoloacutegicos e a linguagem
adaptada do cinema utilizado em suas produccedilotildees Sendo assim ao serem criados e
produzidos com preocupaccedilotildees esteacuteticas e cuidados artiacutesticos possibilitou gerar um
receptaacuteculo proacuteprio a esteacutetica publicitaacuteria
Diante do debate entre o aspecto utilitaacuterio e o aspecto artiacutestico da mensagem cabe
agrave publicidade recorrer agraves funccedilotildees da linguagem Para o autor natildeo importa se sejam as
poeacuteticas conativas ou referenciais mas sim sua finalidade de elevar e diversificar o
conjunto de repertoacuterios de seu puacuteblico-alvo contribuindo assim para a aceitaccedilatildeo de uma
nova esteacutetica
Tal questatildeo esteacutetica para alguns autores eacute tratada como uma espeacutecie de fetiche
cinematograacutefico Eacute possiacutevel perceber a veneraccedilatildeo e a adoraccedilatildeo de determinados elementos
constituintes da narrativa - do figurino do cenaacuterio ou ateacute mesmo da performance cecircnica
do ator ndash como intuito de simbolizar objeto de culto estabelecer um valor icocircnico a este
Conforme Covaleski (2009 p79-80) desde ―a criaccedilatildeo de mitos do cinema ao lanccedilamento
de moda passando pelo merchandising institucionalizado a esteacutetica cinematograacutefica
contribui na formaccedilatildeo e evoluccedilatildeo de comportamentos fetichistas por parte da sociedade
movida por novos sonhos de consumo e por novas divindades a cultuar
16
A partir da reflexatildeo de Carvalho (2003) a cerca dos estudos de Leacutevi-Strauss pode-
se dizer que a individualizaccedilatildeo da produccedilatildeo demonstrar o aparecimento de uma
consciecircncia criacutetica por parte do receptor que retira da esteacutetica-primitiva o seu dever social
A obra sendo produzida individualmente sem necessidade de bastar a uma sociedade ou
clatilde A esteacutetica-moderna depende apenas da aprovaccedilatildeo ou natildeo de uma clientela ―de classe
(como utiliza o autor) para se firmar como arte
Ao mesmo tempo com a evoluccedilatildeo da criacutetica de arte e o aparecimento do
abstracionismo Leacutevi-Strauss iraacute demonstrar um propoacutesito antimodernista ao perceber a
banalizaccedilatildeo presente na arte do poacutes-guerra Aleacutem da hiper-valorizaccedilatildeo da criacutetica a
representaccedilotildees pictoacutericas sem compromisso artiacutestico Poreacutem dentro desta mesma vertente
podemos repassar seu conceito de arte que funde a ciecircncia e o mito na concepccedilatildeo do
espiacuterito humano (pensamento criador) em outro de seus pensamentos a loacutegica do
sensiacutevel Loacutegica regida pela possibilidade de unir muacutesica e mito ou romance e mito atraveacutes
de uma ―estrutura-funccedilatildeo Todo meio artiacutestico pode ser fundido a outro ou recriado
desde que o estruturalismo presente no espiacuterito humano conceba um fim artiacutestico
A inter-relaccedilatildeo do cinema e da publicidade audiovisual resulta dos aspectos dessa
linguagem pois ambos constituem meios audiovisuais que trabalham a partir de uma
mesma base de composiccedilatildeo e de montagem de elementos expressivos para criar um
determinado plano de conteuacutedo narrativo e de significado o que configura esteacuteticas
diferenciadas
A modernidade da imagem cinematograacutefica eacute reflexo de um processo histoacuterico
em que a arte tenta se renovar em releituras de seus proacuteprios conceitos e criaccedilatildeo
de outros A diversidade estiliacutestica caracteriacutestica do cinema comercial da deacutecada
de 90 retrata uma geraccedilatildeo multimiacutedia de novos profissionais e espectadores que
acabaram por alterar os rumos da cinematografia contemporacircnea
(CARVALHO 2003)
Tais mudanccedilas de abordagem satildeo visiacuteveis natildeo apenas no cinema como tambeacutem nos
videoclipes nos games e na publicidade Refere-se a uma nova perspectiva de criaccedilatildeo
audiovisual na tentativa de romper as barreiras das produccedilotildees tradicionais e enfatizar o
surgimento de novas possibilidades Tais rupturas contribuem para a mudanccedila no
comportamento dos sujeitos contemporacircneos
O pensador de agora jaacute natildeo se senta mais agrave sua escrivaninha diante de seus
livros para dar forma ao seu pensamento mas constroacutei as suas ideias manejando
instrumentos novos ndash a cacircmera a ilha de ediccedilatildeo o computador - invocando
ainda outros suportes de pensamento sua coleccedilatildeo de fotos filmes viacutedeos
discos ndash sua mideoteca enfim (DUBOIS 2004 p19)
17
O pensamento audiovisual contemporacircneo constata essa hibridizaccedilatildeo essa
convergecircncia de elementos responsaacuteveis por uma mudanccedila de conduta Deste modo
Dubois (2004 p25) ressalta a existecircncia do imaginaacuterio cinematograacutefico presente em
todos os lugares e impregnado ―ateacute em nossa maneira de falar ou de ser Quem ao
percorrer de carro um longo trajeto numa vasta paisagem aberta natildeo pensou com a ajuda
da muacutesica no raacutedio numa figura de travelling mergulhando na tela panoracircmica de seu
paacutera-brisa
Em relaccedilatildeo agrave esteacutetica publicitaacuteria Carvalho (2003) ressalta uma possiacutevel ―morte
do cinema Vaacuterios criacuteticos apostam nessa ―morte diante do uso de recursos estiliacutesticos
que estariam se sobressaindo na concepccedilatildeo criadora do filme em contraposiccedilatildeo ao
realismo bem como da evoluccedilatildeo da teacutecnica que distancia o cinema de sua perspectiva
fotograacutefica Resultando assim na valorizaccedilatildeo da imagem em detrimento da representaccedilatildeo
Contudo o autor ressalva que tal concepccedilatildeo de retrato da realidade aleacutem de
ultrapassada estaacute reformulada no estudo do ―espiacuterito humano de Leacutevi-Strauss Este
estudo baseia-se no posicionamento da seacutetima arte como uma visatildeo moderna do homem
diante da realidade a visatildeo em que a cacircmera capta a imagem e natildeo o objeto
Enquanto isso Merquior (1975) busca uma maneira de refletir e re-posicionar as
concepccedilotildees de Leacutevi-Strauss quanto agrave arte contemporacircnea
Em vez de vociferar sobre a verdade factuallsquo da morte da artelsquo conviria
colocar a problemaacutetica implicada por essas teses em relaccedilatildeo a uma das
tendecircncias mais fecundas do estruturalismo ndash sua vontade de ultrapassar as
anaacutelises estanques dos domiacutenios culturais (arte religiatildeo ciecircncia etc) de
encorajar a pesquisa de afinidades estruturais e funcionais entre esses camposlsquo
sem jamais esquecer que satildeo todos faces de uma mesma realidade o espiacuterito
humano (MERQUIOR 1975 p79)
Em seu texto A Dupla Heacutelice Raimond Bellour consegue ver logo no viacutedeo ndash base
da esteacutetica publicitaacuteria ndash e na tecnologia digital o resumo desta realidade emergente
O viacutedeo leva assim agrave sua perda essa capacidade de analogia dilatada agraves
dimensotildees do universo pela primeira vez os corpos e os objetos do mundo satildeo
virtualmente desfiguraacuteveis (e logo refiguraacuteveis) ao sabor de uma potecircncia que
transforma em tempo real ou quase natildeo diferido (e natildeo mais somente como no
cinema por uma lenta elaboraccedilatildeo cujas trucagens constituem o modelo) as
representaccedilotildees que capta seu olho mecacircnico Isso explica o fato de a viacutedeo-
imagem a caccedilula das imagens de reproduccedilatildeo poder aparecer simultaneamente
como uma nova imagem irredutiacutevel ao que a precede mas tambeacutem uma
imagem capaz de atrair de absorver de misturar todas as imagens anteriores
pintura fotografia cinema (BELLOUR Raimond in PARENTE 1993 p223)
18
Em funccedilatildeo disso a esteacutetica publicitaacuteria natildeo passaria apenas de um mero
abstracionismo imageacutetico do cinema mas sim a siacutentese de uma movimentaccedilatildeo esteacutetica que
atravessa todas as artes denominada Poacutes-modernidade Cultural Muito aleacutem de um
recurso estiliacutestico as imagens de ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus entre outros filmes
tachados como videoclipeiros ou publicitaacuterios refletem na representaccedilatildeo do olhar do
homem moderno Toda essa fundamentaccedilatildeo estaacute na fusatildeo da linguagem videograacutefica com
a fotograacutefica do cinema Ao inveacutes de ampliar a visatildeo da rapidez das coisas tenta-se
reduzir o que ocorre agrave nossa volta em conceitos voltado aos meios artiacutesticos
11 Interfaces cinema e publicidade
Com o intuito de construir um sentido proacuteprio para cada filme o cinema atua em
momentos esparsos e depende da disposiccedilatildeo do espectador para que a obra fiacutelmica seja
consumida Em contrapartida a televisatildeo oferece uma programaccedilatildeo diversificada sem
interrupccedilotildees 24h por dia Assim o espectador recebe informaccedilotildees se diverte com
seriados novelas e filmes sem sair de casa
Percebe-se que a origem do discurso nunca eacute autocircnoma mas sim dependente de
outros discursos em que buscou referecircncia Bliskstein (1994 p45) constata que
―suportado por toda uma intertextualidade o discurso natildeo eacute falado por uma uacutenica voz mas
por muitas vozes geradoras de muitos textos que se intercruzam no tempo e no espaccedilo
Na deacutecada de 60 Kristeva introduziu o termo intertextualidade como uma traduccedilatildeo
para ―dialogismo que se refere agrave relaccedilatildeo entre um enunciado e os demais enunciados De
acordo com Stam (2003) a intertextualidade eacute um conceito de valor na medida em que
possibilita relacionar o texto individual com as demais formas de representaccedilatildeo natildeo
somente com outros textos
Intertextualidade eacute vista por Fiorin (2002) como a forma de incorporar um texto em
outro aleacutem de ser polecircmica quando propotildee uma oposiccedilatildeo ao sentido do texto original ou
contratual quando o reforccedila e o enaltece Assim sendo a intertextualidade polecircmica eacute
conhecida como paroacutedia enquanto a intertextualidade contratual como paraacutefrase Aleacutem
disso classifica tambeacutem em
citaccedilatildeo (referecircncia literal a outro texto usando parte deste) alusatildeo (reproduccedilatildeo
de construccedilotildees sintaacuteticas substituindo algumas figuras do texto original por
outras) e estilizaccedilatildeo (reproduccedilatildeo do estilo de outrem no plano da expressatildeo ou
no do conteuacutedo) (FIORIN apud COVALESKI 2009 p 39)
19
A seguir uma abordagem mais detalhada de cada uma das relaccedilotildees intertextuais
entre o cinema e a publicidade televisual na visatildeo de Covaleski (2009)
a) citaccedilatildeo a publicidade desfruta desse recurso criativo com maestria Uma uacutenica
obra cinematograacutefica pode originar uma grande variaccedilatildeo de citaccedilotildees ancoradas
a uma mesma cena claacutessica evidentemente emblemaacutetica contundente o
bastante para se tornar perene no imaginaacuterio coletivo transpondo barreiras
culturais e temporais Pode-se citar como exemplo a cena emblemaacutetica em que
a atriz Marilyn Monroe tem sua saia levantada devido ao deslocamento de ar
durante a passagem do metrocirc no filme O Pecado Mora ao Lado (The Seven
Year Itch de Billy Wilder ndash 1955) Essa cena muito conhecida jaacute foi usada
diversas vezes e de diferentes formas pela publicidade Exemplo disso foi a
colocaccedilatildeo de uma saia ndash a la Marilyn ndash em garrafas de vodka da marca
Absolut
b) alusatildeo mais sutil que a citaccedilatildeo remete a uma obra anterior poreacutem sem fazer
uso de fragmentos dela Utiliza somente uma construccedilatildeo equivalente
substituindo determinadas figuras por outras A alusatildeo recorrente no cinema eacute
facilmente percebida em filmes que pertencem a um mesmo gecircnero
cinematograacutefico Na publicidade a intertextualidade com o cinema utilizando a
alusatildeo aparece em comerciais de anunciantes dos mais diferentes segmentos de
mercado bem como os filmes de onde saiacuteram as inspiraccedilotildees pertencem aos
mais diversos gecircneros O filme francecircs O Fabuloso Destino de Ameacutelie Poulain
(Le Fabuleux Destin drsquoAmeacutelie Poulain de Jean-Pierre Jeunet - 2001) eacute uma
obra com clara influecircncia da linguagem publicitaacuteria Muito disso se deve
devido agrave vivecircncia de Jeunet em meio agrave publicidade Eacute o caso deste trabalho jaacute
que Fernando Meirelles trabalhou com publicidade antes de seguir carreira no
cinema Um exemplo de alusatildeo a este filme se percebe na campanha do
automoacutevel Renault Sceacutenic ndash um anatildeo de jardim eacute sequumlestrado por um grupo de
amigos e aprova seu novo endereccedilo mandando uma carta agrave sua antiga dona
avisando que natildeo voltaraacute mais para casa Deste modo a campanha faz alusatildeo
ao argumento de liberdade explorado na obra francesa
c) estilizaccedilatildeo ato de reproduzir um conjunto de procedimentos de caracteriacutesticas
de formas e de conteuacutedos do discurso de outrem Eacute recorrer agrave estrutura seja no
20
plano da expressatildeo ou no do conteuacutedo produzindo um efeito de
personalizaccedilatildeo muito embora remeta a obra anterior independente de
estabelecer uma relaccedilatildeo polecircmica ou contratual com aquela A estilizaccedilatildeo
intertextual na publicidade com referencial cinematograacutefico eacute constante e
ultrapassa o uso apenas dos elementos de linguagem cinematograacutefica Alguns
filmes publicitaacuterios utilizam em suas produccedilotildees as teacutecnicas de trucagem1 se
aproveitam dos efeitos especiais e ateacute dos estilos lanccedilados pelo cinema Um
bom exemplo dessa estilizaccedilatildeo encontra-se em um comercial da Samsung que
se utilizada da mesma esteacutetica tecnoloacutegia e uso de efeitos especiais do filme
Matrix (The Matrix de Andy e Larry Wachowski - 1999)
No Brasil de acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber tambeacutem um
caminho oposto a esta intertextualidade Cada vez mais a publicidade interfere na atual
produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este papel de fonte de
referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem audiovisual nas
produccedilotildees contemporacircneas como eacute o caso dos filmes ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus
―O Jardineiro Fiel e ―Ensaio sobre a Cegueira de Fernando Meirelles
1 Trucagem A accedilatildeo de modificar imagens previamente filmadas ao vivo tanto em sua forma (cor e
tamanho) como na ordem de sua projeccedilatildeo (congelamento aceleraccedilatildeo inversatildeo) Satildeo possiacuteveis tambeacutem a
superposiccedilatildeo de letreiros a fusatildeo (teacutecnica de escurecer uma cena ao mesmo tempo em que outra vai
surgindo provocando a sobreposiccedilatildeo de uma sobre a outra) e outros efeitos especiais O equipamento
utilizado eacute a truca Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbrmidiaartequadroaquadro gt Acesso em 14
Jun 2010
21
2 A fotografia na esteacutetica audiovisual
A palavra fotografia vem do grego foacutes (luz) e grafis (estilo pincel) ou
grafecirc e significa desenhar com luz e contraste Natildeo eacute possiacutevel definir um uacutenico
inventor pois foram vaacuterios os responsaacuteveis pela sua origem Em 1826 o francecircs Joseph
Niceacutephore Nieacutepce teve sua imagem reconhecida como a primeira fotografia tal imagem
foi produzida mediante o uso de uma placa de estanho coberta com um derivado de
petroacuteleo fotossensiacutevel chamado Betume da Judeacuteia O processo de exposiccedilatildeo agrave luz solar
chamado de heliografia durava cerca de oito horas para que a imagem fosse obtida
Neste mesmo periacuteodo Louis Daguerre deu continuidade aos experimentos
fotograacuteficos de Joseph Niceacutephore Nieacutepce fato este que lhe concedeu uma descoberta
decisiva Em 1835 Daguerre apanhou uma placa revestida de prata sensibilizada com
iodeto de prata que apesar de exposta natildeo apresentava sequer vestiacutegios de imagem
guardou-a displicentemente em um armaacuterio e ao abri-lo no dia seguinte encontrou uma
imagem revelada Fez experiecircncias por eliminaccedilatildeo com os outros produtos que estavam
no armaacuterio para descobrir que a imagem latente tinha sido revelada por accedilatildeo do mercuacuterio
Logo apoacutes o falecimento de Niegravepce Daguerre desenvolveu um processo
conhecido como daguerreotipia no qual era possiacutevel reduzir o tempo de revelaccedilatildeo de
horas para minutos devido a utilizaccedilatildeo de vapor de mercuacuterio Daguerre descreveu seu
processo agrave Academia de Ciecircncias e Belas Artes na Franccedila e logo depois requereu a
patente do seu invento na Inglaterra Breslin possibilita um melhor entendido deste
processo
Os daguerreoacutetipos inventados em 1839 foram os primeiros dentre os processos
fotograacuteficos iniciais a se tornar comercialmente disponiacuteveis O processo utiliza
placas uacutemidas que satildeo placas de cobre cobertas por uma emulsatildeo fotossensiacutevel
agrave base de prata As placas eram reveladas em campo enquanto ainda uacutemidas
criando um negativo Os negativos entatildeo podiam ser trazidos de volta ao
estuacutedio onde um pedaccedilo de papel fotograacutefico era assentado sobre a emulsatildeo do
negativo e exposto ao sol A luz do sol expunha a impressatildeo que era fixada (isto
eacute estabilizada por uma processo quiacutemico) e lavada (BRESLIN 2009 p26)
Jaacute em 1839 o britacircnico William Fox Talbot ao tomar conhecimento dos avanccedilos
de Daguerre decidiu apressar a apresentaccedilatildeo de suas pesquisas com papeacuteis fotossensiacuteveis
agrave Royal Institution e agrave Royal Society com o intuito de garantir os direitos sobre suas
invenccedilotildees No entanto Talbot desenvolveu um processo diferente denominado caloacutetipo -
utilizava folhas de papel cobertas com cloreto de prata que posteriormente eram colocadas
22
em contato com outro papel produzindo assim a imagem positiva Trata-se de um
processo semelhante ao usado atualmente em que utiliza-se um negativo para a obtenccedilatildeo
posterior de imagens positivas
A fotografia entatildeo popularizou-se como produto de consumo a partir de 1888 com
a introduccedilatildeo da cacircmera tipo caixatildeo e pelo filme em rolos substituiacuteveis criados por
George Eastman Desde entatildeo o mercado fotograacutefico tem experimentado uma crescente
evoluccedilatildeo tecnoloacutegica como o estabelecimento do filme colorido como padratildeo e o foco
automaacutetico ou exposiccedilatildeo automaacutetica Essas inovaccedilotildees sem duacutevida facilitam a captaccedilatildeo da
imagem melhoram a qualidade de reproduccedilatildeo ou a rapidez do processamento mas muito
pouco foi alterado nos princiacutepios baacutesicos da fotografia
A grande mudanccedila recente produzida a partir do final do seacuteculo XX foi a
digitalizaccedilatildeo dos sistemas fotograacuteficos A fotografia digital mudou paradigmas no mundo
da fotografia minimizando custos reduzindo etapas acelerando processos e facilitando a
produccedilatildeo manipulaccedilatildeo armazenamento e transmissatildeo de imagens pelo mundo O
aperfeiccediloamento da tecnologia de reproduccedilatildeo de imagens digitais tem quebrado barreiras
de restriccedilatildeo em relaccedilatildeo a este sistema por setores que ainda prestigiam o tradicional filme
e assim irreversivelmente ampliando o domiacutenio da fotografia digital
Natildeo se pode esquecer de salientar que a partir de tais descobertas no ramo da
fotografia eacute que foi possiacutevel a invenccedilatildeo do cinema O instantacircneo a possibilidade de
congelar um instante no fluxo contiacutenuo dos acontecimentos soacute se torna possiacutevel de fato
com o advento da fotografia Sendo assim os estudos de Muybrigde referentes aos
instantacircneos sucessivos associada ao aparato do fuzil fotograacutefico de Marey iratildeo resultar na
invenccedilatildeo do cinema Sabe-se que o cinema confere agrave imagem uma continuidade aparente
pois na verdade trata-se de uma seacuterie de instantacircneos separados por intervalos poreacutem aos
sentidos ele se apresenta de forma lisa e fluida como a proacutepria natureza do movimento
Machado acrescenta que
O cinema mesmo o cinema stricto sensu ou seja o cinema que se constitui a
partir do cinematoacutegrafo de LeRoy Edison Paul Skladanwsky e dos Lumiegravere
natildeo era nos seus primoacuterdios o que hoje chamamos de cinema Ele reunia na
sua base de celuloacuteide vaacuterias modalidades de espetaacuteculos derivadas das formas
populares de cultura como circo o carnaval a magia e a prestidigitaccedilatildeo a
pantomima a feira de atraccedilotildees e aberraccedilotildees etc (MACHADO 1997 p 76)
No iniacutecio os filmes eram de curta duraccedilatildeo nos quais o puacuteblico era composto
basicamente de operaacuterios As exibiccedilotildees eram realizadas em grandes galpotildees durante o
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intervalo de serviccedilo do proletariado Machado (1997 p79) explica que o cinema era uma
em diversas atraccedilotildees oferecidas pelos vaudevilles pois ―natildeo se havia ainda desenvolvido
um conjunto de teacutecnicas e procedimentos de linguagem apropriados para a elaboraccedilatildeo de
uma narrativa visual que fosse suficientemente autocircnoma a ponto de poder se dispensar a
―explicaccedilatildeo de um apresentador
Atualmente pensa-se primeiramente em imagens forma-se um raciociacutenio a partir
de mosaicos audiovisuais que possibilitam um dado significado Tal modelo de
pensamento atraveacutes da imagem tecnoloacutegica deve-se ao conjunto de referecircncias
adquiridas
Assim sendo a fotografia possui papel fundamental na linguagem audiovisual
Sabe-se que a foi a partir da fotografia que se tornou possiacutevel agrave invenccedilatildeo do cinema
Dubois (2004) assegura que
Com a fotografia a maacutequina natildeo se contenta mais em preacute-ver ela inscreve
tambeacutem a imagem por meio das reaccedilotildees fotossensiacuteveis de certos materiais que
registram por si mesmos as aparecircncias sensiacuteveis geradas pela radiaccedilatildeo luminosa
A maacutequina intervecircm aqui portanto no coraccedilatildeo mesmo do processo de
constituiccedilatildeo da imagem que aparece assim como representaccedilatildeo quase
automaacuteticalsquo objetivalsquo sine manu factalsquo O gesto humano passa a ser mais um
gesto de conduccedilatildeo da maacutequina do que de figuraccedilatildeo direta (DUBOIS 2004
p38)
Em sua brilhante anaacutelise Barthes evidencia o fato de que a fotografia significa
muito mais uma ruptura do que uma continuidade em relaccedilatildeo agrave pintura Isso porque a
reaccedilatildeo quiacutemica dos sais de prata fotossensiacuteveis mediada pelo aparelho oacutetico que projeta a
imagem eacute colocada no centro do dispositivo de criaccedilatildeo da imagem deslocando o papel do
criador que antes que antes tinha que compor o instante representado a partir de instantes
distintos usando os coacutedigos da pintura para unificar a fatura e agora passava a poder
recortar um instante na sua proacutepria duraccedilatildeo com o uso da fotografia Dubois acrescenta
que tal uso
abandona o tempo crocircnico real evolutivo o tempo que passa como um rio
nosso tempo dos seres humanos inscritos na duraccedilatildeo para entrar em uma
temporalidade nova separada e simboacutelica a da foto temporalidade que tambeacutem
dura tatildeo infinita em princiacutepio quanto a primeira mas infinita na imobilidade
total congelada na interminaacutevel duraccedilatildeo das estaacutetuas (DUBOIS 1993 p168)
Com a invenccedilatildeo do instantacircneo fotograacutefico a pose a produccedilatildeo a composiccedilatildeo
elementos proacuteprios agrave linguagem da pintura figurativa satildeo subvertidas datildeo lugar tambeacutem
ao efecircmero ao flagrante agrave espontaneidade
Durante o seacuteculo XIX a fotografia buscou ancorar-se na esteacutetica proacutepria agrave pintura
para almejar sua entrada no panteatildeo das Belas-Artes em um movimento chamado pela
24
historiografia de pictorialismo Como bem analisou Walter Benjamin em sua Pequena
Histoacuteria da Fotografia de 1931 esse movimento se revelou improdutivo jaacute que os
fotoacutegrafos buscavam encaixar-se nos mesmos padrotildees de valoraccedilatildeo esteacutetica que foram
subvertidos com a invenccedilatildeo da fotografia
O discurso sobre a fotografia no seacuteculo XIX ainda estaacute muito contaminado por
valores esteacuteticos que consideram a teacutecnica em oposiccedilatildeo agrave arte ou na melhor das hipoacuteteses
como uma mera serviccedilal da arte Mas a proacutepria invenccedilatildeo da fotografia primeira forma de
produzir imagens completamente mediada pela teacutecnica na qual o ―laacutepis da Natureza
(Talbot) age sozinho sem a ajuda da matildeo do homem estava subvertendo completamente
os valores vigentes instaurando uma estreita ligaccedilatildeo entre teacutecnica e arte
Trazer a teacutecnica para o primeiro plano eacute uma das transformaccedilotildees mais radicais que
a imagem fotograacutefica instaura no campo da produccedilatildeo de imagens Esse tipo de imagem
criada por um aparelho chamada por Vileacutem Flusser de ―imagem teacutecnica foi capaz de
superar oposiccedilotildees vazias entre arte e teacutecnica
Com a virada para o seacuteculo XX se inicia um movimento de valorizaccedilatildeo da
fotografia por suas peculiaridades constitutivas advindas de seu proacuteprio mecanismo de
inscriccedilatildeo da imagem a instantaneidade o corte a conexatildeo fiacutesica com o referente A
chamada fotografia moderna se estabelece em duas frentes nas vanguardas europeacuteias e no
movimento chamado Photo Secession que ocorreu nos Estados Unidos8
A obra de Henri Cartier-Bresson eacute das mais importantes para a afirmaccedilatildeo da
fotografia por suas qualidades constitutivas Ele percebeu a potencialidade do aparato e o
foi um dos primeiros a usar uma cacircmera compacta de pequeno formato para sacar
instantes da realidade ainda na deacutecada de 1930 Com o tempo amadureceu uma filosofia
do chamado ―instante decisivo Para ele o fotoacutegrafo eacute como um flaneur que vaga pelo
mundo em busca daqueles raros momentos em que todos os elementos do enquadramento
se alinham em sua maacutexima expressatildeo dando agrave narrativa um potencial de siacutentese
A partir dessa reflexatildeo pode-se dizer que a fotografia audiovisual possibilita
transmitir ao espectador uma verossimilhanccedila com a realidade A anaacutelise da fotografia no
cinema se faz a partir do conhecimento dos elementos que a compotildee e suas variaccedilotildees
Assim cada elemento seraacute tratado separadamente para que seja possiacutevel uma melhor
explanaccedilatildeo de cada componente da fotografia audiovisual
25
21 Iluminaccedilatildeo
De acordo com Sousa (2004) eacute intuitivo afirmar que no momento em que se
ilumina um determinado objetopersonagem em detrimento de outros revela-se apenas
aquele que estaacute exposto agrave luz No entanto essa natildeo eacute a uacutenica contribuiccedilatildeo da iluminaccedilatildeo
para a construccedilatildeo de sentido a uma imagem Aleacutem disso eacute responsaacutevel por transmitir
noccedilotildees de profundidade e de relevo Segundo Roberts-Breslin (2009) eacute atraveacutes da
iluminaccedilatildeo que satildeo criados os padrotildees de luz e sombra que datildeo sentido ao nosso mundo
como tambeacutem o alto contraste do sol do meio-dia ou o baixo contraste monocromaacutetico
num dia chuvoso Aumont (2004) acrescenta que
A luz no cinema estaacute sempre ali e ateacute mesmo duplamente ali jaacute que a luz do
projetos ndash a luz depois do filme ndash serve para mostrar a luz registrada tal como
ela caiacutea sobre as coisas filmadas ndash a luz de antes do filme Haacute entre as duas uma
conivecircncia inextinguiacutevel jaacute reconhecida aqui mesmo em sua forma negativa ndash o
escuro - e que nutriu com frequecircncia a fantasia (em Murnau em Sternberg ou
Godard) de que uma natildeo eacute senatildeo a continuaccedilatildeo da outra por outros meios
Consequumlecircncia articulaccedilatildeo da diferenccedila a luz do quadro natildeo teve de ser
produzida realmente a do filme foi real Diferenccedila ontoloacutegica que se duplica em
outra infinitamente contingente poreacutem sensiacutevel a luz utilizada na produccedilatildeo do
filme eacute uma luz eleacutetrica seu aspecto eacute particular variaacutevel aliaacutes ao longo da
histoacuteria do cinema (AUMONT 2004 p 172)
As condiccedilotildees de iluminaccedilatildeo satildeo capazes de indicar a hora do dia a eacutepoca do ano e
a parte do planeta em que a imagem estaacute sendo reproduzida A luz ―empresta um tom a um
lugar ou experiecircncia ndash o brilho suave e romacircntico de uma vela as inesperadas e
desconhecidas sombras da noite a firme e escura melancolia do crepuacutesculo do inverno
ou seja possibilita a criaccedilatildeo de um determinado clima agrave cena (Breslin 2009 p87) Moura
afirma que
A fotografia em nada se diferencia da natureza Todas as luzes e efeitos estatildeo agrave
mostra para o olho educado Os efeitos dos filtros os contrastes das luzes as
densidades das cores tudo e todos estatildeo na natureza agrave vista de quem quiser ver
Se vocecirc prestar atenccedilatildeo ao tipo de luz que o sol gera saberaacute qual refletor de
quanto como e onde colocar Se vocecirc se abstrair do tamanho do sol e se
concentrar no efeito da sua luz poderaacute intuir a direccedilatildeo a natureza e a
intensidade da luz que vocecirc precisaraacute para ter o mesmo resultado Afinal de
contas o sol tem que iluminar a terra toda e noacutes soacute um pequeno estuacutedio As
diferenccedilas de tamanho satildeo irrelevantes para o raciociacutenio Para se chegar ao
pequeno partimos do grande Nada no pequeno mundo da fotografia inexiste no
vasto mundo de todos noacutes Talvez a uacutenica coisa que possamos criar e que jaacute natildeo
exista em escala maior e em melhor forma na natureza seja a escrita (MOURA
2001 p 20)
Breslin (2009 p88) acredita que a luz consiste na base da miacutedia visual pois
―tecnicamente a luz fornece a energia que nos permite reproduzir uma imagem
Esteticamente a luz junto com a composiccedilatildeo revela verdades e mentiras criando beleza e
26
feiura dentro do quadro Para Martin (2003 p 71) a iluminaccedilatildeo eacute o ―fator decisivo da
expressividade da imagem poreacutem sua importacircncia natildeo eacute percebida pelo espectador
devido ao fato de possibilitar a criaccedilatildeo de uma atmosferalsquo elemento este dificilmente
analisaacutevel
As sombras criadas com a iluminaccedilatildeo ―ajudam a transmitir profundidade clima e
lugar mas devem ser cuidadosamente controladas A iluminaccedilatildeo na verdade pode ser
definida como lanccedilar e controlar as sombrasrdquo (BRESLIN 2009 p95) Sendo assim a
luz possui vaacuterias caracteriacutesticas essenciais qualidade direccedilatildeosentido contraste
uniformidade cor e intensidade
Conforme Sousa (2004) a qualidade da luz refere-se principalmente ao tipo de
sombra que um objeto iluminado produz seja ela dura e definida ou suave a gradual
Breslin (2009) confirma tal classificaccedilatildeo ao dizer que
A qualidade de uma fonte de luz tem a ver com o modo como as ondas
percorrem o espaccedilo Se elas o fazem em linha reta a partir da fonte ateacute iluminar
o objeto satildeo refletidas de volta para a lente de um olho ou cacircmera em linhas
similarmente retas Isso produz luz dura direta ou localizada A energia
luminosa cobre uma aacuterea relativamente pequena mas manteacutem a intensidade ou
brilho maacuteximos A luz direta enfatiza a textura (BRESLIN 2009 p92)
A autora acrescenta que a luz que atinge um objeto pode ser dura ao produzir
sombras nitidamente definidas e partes mais claras distintas Jaacute quando produz partes
claras e sombras sutis e com uma borda menos definida ela eacute classificada como uma luz
suave Assim a luz comeccedila direta mas suas ondas podem desviar ou refletir de uma a
outra superfiacutecie ateacute que encontram o seu caminho para a lente Dependendo do caminho
percorrido se ―produz luz suave difusa ou lavada Uma fonte de luz difusa cobriraacute uma
aacuterea grande mas eacute menos intensa ou brilhante do que a mesma quantidade inicial de luz
direta na mesma distacircncia do objeto (BRESLIN 2009 p93)
Salles (2006) ressalta que ao iluminar artificialmente uma cena qualquer os planos
de composiccedilatildeo de luz desta cena devem ser cuidadosamente elaborados a fim de que a
fotografia do filme esteja em harmonia esteacutetica com o roteiro e sua proposta
22 Cor
Durante praticamente quarenta anos o cinema se manteve em preto e branco
Qualidade natural dos seres e objetos a cor possibilita maior realismo nas obras fiacutelmicas
pois aumenta a veracidade da imagem
27
Sendo assim a partir de um trabalho manual dos teacutecnicos que coloriam os filmes agrave
matildeo ou com o auxiacutelio de paletas eacute que se tornou possiacutevel colocar cor nas telas mediante
muito trabalho Experiecircncias foram realizadas e tomou-se conhecimento de uma nova
teacutecnica os chamados ―banhos onde a peliacutecula era tingida com cores uniformes com o
intuito de atribuir tanto realismo quanto simbolismo Basicamente era usado azul para
designar a noite e amarelo para as cenas de interiores agrave noite enquanto que para
simbolizar os incecircndios e as revoluccedilotildees optava-se pelo vermelho e para as matas e
paisagens a cor verde (MARTIN 2003) A bicromia e a tricomia comeccedilaram a serem
utilizadas em meados dos anos 30 No entanto eacute apenas na metade dos anos 50 que a cor
passou a ser usada de forma generalizada
Natildeo se pode negar que a cor possui um papel fundamental na composiccedilatildeo da
fotografia cinematograacutefica A partir de sua utilizaccedilatildeo torna-se possiacutevel representar a
realidade com mais perfeiccedilatildeo e precisatildeo Aumont (2003 p63) acrescenta que ―apesar da
especificidade da cor no cinema o modelo criacutetico e esteacutetico foi quase sempre a pintura
Esta circulou enormemente no imaginaacuterio fiacutelmico em trecircs grandes formas a
ficcionalizaccedilatildeo a imitaccedilatildeo e a anaacutelise sendo a base para as futuras produccedilotildees
audiovisuais Contudo o autor ressalta que
a ausecircncia de leis gerais e verificaacuteveis explica a ausecircncia quase total de reflexatildeo
teoacuterica sobre a cor na imagem em movimento As uacutenicas consideraccedilotildees agraves
vezes propostas no tocante ao valor simboacutelico ou expressivo da cor (o vermelho
como siacutembolo de guerra ou de paixatildeo o azul bem como o azul-celeste para a
paz o violeta associado agrave lamentaccedilatildeo funeraacuteria etc) Como tais valores satildeo bem
variaacuteveis conforme as culturas e as eacutepocas Eacute difiacutecil fazer uma teoria deles e a
esteacutetica da cor no cinema confunde-se praticamente com a constataccedilatildeo de
estilos pessoais ou de efeitos de gecircnero (AUMONT 2003 p63)
Ainda em relaccedilatildeo ao uso das cores fala-se em harmonia e contraste cromaacutetico A
harmonia ocorre quando em uma imagem existem cores proacuteximas (laranja amarelo
torrado amarelo e vermelho) Jaacute ao mencionar contraste cromaacutetico se refere quando na
imagem existem cores contrastantes (azul vs Vermelho amarelo vs Violeta por
exemplo) Contudo Sousa (2004) revela outras maneiras de evidenciar contraste
cromaacutetico (a) contraste de cores fortes com cores neutras (por exemplo vermelho vivo vs
cinzento claro) (b) complementaccedilatildeo entre cores claras e cores escuras (por exemplo o
amarelo-limatildeo faz o azul marinho parecer mais escuro) (c) contraste entre tons intensos
da mesma cor (o vermelho carregado contrasta com o vermelho claro)
Sousa (2004) acrescenta que eacute possiacutevel expressar quietude e tranquumlilidade ao
recorrer agrave harmonia cromaacutetica de cores quentes suaves como o castanho-terra suave e o
28
amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada
diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis
Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de
ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem
teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas
especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade
Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores
satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada
espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos
valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem
23 Enquadramentos
O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que
determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo
que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores
O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada
Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira
como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave
objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela
Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos
teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos
notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena
mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar
mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico
Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o
tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos
objetos que constituem a cena
Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees
possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de
detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar
Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma
29
―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para
a tela
231 Planos
O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre
dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no
qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute
determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da
objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da
narrativa que se pretende obter
Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada
autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute
possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos
planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o
observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta
planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os
intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro
plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens
plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por
exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA
(2004 p67-68)
A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano
Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade
fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte
1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro
2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos
joelhos para cima ou da cintura para cima
3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um
pouco abaixo
4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima
5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator
6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na
altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas
30
232 Acircngulos de Filmagem
De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto
que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir
um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo
superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto
que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade
No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de
baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de
superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e
do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do
personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele
em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador
233 Movimentos de Cacircmera
Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por
Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da
ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental
de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a
descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou
uma personagem
Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de
cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o
deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem
constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A
panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio
eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a
trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com
o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural
Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou
complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir
de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um
―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena
31
3 O cinema de autor
No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria
recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas
produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo
(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na
tela diferentes percepccedilotildees diante da trama
Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de
vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de
variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao
participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim
conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro
Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista
produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete
instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs
Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo
No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)
juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores
(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os
produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do
filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas
No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith
4
Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico
2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do
cinema mudo
3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano
um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas
4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de
Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o
movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o
filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)
5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro
de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia
de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou
em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia
32
devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e
dirigindo na publicidade de seus filmes
Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica
quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na
―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do
existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do
autor
Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-
sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e
substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a
atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando
que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo
metafiacutesicas (STAM 2003 p111)
Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo
que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi
responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou
a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras
refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica
abordando o ato de fazer e assistir a um filme
Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita
sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de
determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a
mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais
cineastas
Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers
Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica
Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes
que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar
conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as
filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios
seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma
simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)
Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do
Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os
grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas
6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem
como no sete de filmagem
33
como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o
suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e
o puacuteblico como seu divertimento
Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no
cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes
nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees
inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo
autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de
caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor
(COVALESKI 2009 p83)
Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o
contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa
eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a
obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma
noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a
outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI
2009 p 84)
Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute
responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo
do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute
responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas
necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo
com Bernardet
Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua
maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um
filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que
preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em
perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)
O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem
traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na
direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas
optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas
uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na
direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta
34
Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora
diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior
originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade
crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais
Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de
autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para
Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do
discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia
Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e
situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi
apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser
considerado como tal
O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica
com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra
determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem
defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos
paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor
Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja
autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de
1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e
Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de
presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de
suas matildeos
Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo
(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do
curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos
experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar
Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo
Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se
tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila
Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras
produtoras independentes do paiacutes
No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute
que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal
35
Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam
de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que
Meirelles considera ter feito em sua vida
No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas
publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos
que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar
notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar
e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas
da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para
natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar
em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade
Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a
produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando
Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2
Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no
mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios
internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca
de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio
Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede
Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura
completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um
departamento juriacutedico aacutegil
Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme
foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes
selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival
Internacional de Rotterdam
O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de
20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores
no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais
Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo
internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores
filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro
indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o
filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta
36
Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado
como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no
manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a
pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo
sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No
entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional
Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao
levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner
o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na
categoria de Melhor Diretor
Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando
Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do
romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O
filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14
de maio de 2008
37
4 Metodologia
A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando
compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria
nos filmes de Fernando Meirelles
Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave
argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise
detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades
sociais
Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo
aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de
entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira
indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o
caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como
objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro
Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra
selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes
representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a
esteacutetica publicitaacuteria
Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que
seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem
fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de
expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica
Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do
conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia
e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise
a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e
organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir
das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)
interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em
funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo
Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise
fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra
que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da
38
linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa
fiacutelmica
Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo
1 Preacute-anaacutelise
a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor
enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)
2 Descriccedilatildeo Analiacutetica
a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos
3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando
em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes
Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute
necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo
haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica
efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo
pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando
necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que
considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde
que natildeo descarte as antecedentes
39
5 Anaacutelises
Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica
publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel
a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica
descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo
estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a
narrativa de cada um dos filmes
Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de
Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)
51 Domeacutesticas
Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas
40
Sinopse
Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de
Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada
Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa
sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar
de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute
Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida
Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com
um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por
missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a
mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que
satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se
estivessem dando uma espeacutecie de depoimento
Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas
aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de
emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o
outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das
domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo
Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo
encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas
por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do
plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave
novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um
sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da
profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento
cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes
publicitaacuterios
41
Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas
(Plano aberto e plano conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas
com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal
Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos
lateralizados
A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em
plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo
pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee
possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem
disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco
conotando mais tristeza agrave cena
Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e
cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como
acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute
limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera
tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no
estacionamento do preacutedio
Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em
que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a
personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o
deslocamento da personagem daquele mundo
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Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas
(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de
serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves
tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas
com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)
Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em
um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um
domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao
casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte
observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre
sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o
responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua
profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela
As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena
No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo
agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute
43
devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de
nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude
alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade
sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento
Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as
personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo
O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo
vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das
diversas dificuldades no seu dia-a-dia
O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano
meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em
meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave
criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)
isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo
dos exageros
Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna
da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores
quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde
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e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila
dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme
Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas
52 Cidade de Deus
Sinopse
O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro
protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou
um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a
estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto
de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante
amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente
suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num
ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele
descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se
fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista
do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos
45
principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria
mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um
mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute
Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro
dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto
Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos
bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute
usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute
centralizada e em leve plongeacutee
Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no
46
comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo
frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas
casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e
suave
A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do
traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na
criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar
perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-
plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem
Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano
geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo
compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando
naturalidade
Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)
47
Iluminaccedilatildeo e cor
Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo
deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute
observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa
frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo
pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo
Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste
elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem
a funccedilatildeo de criar um visual expressivo
Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente
natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a
inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre
dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na
cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute
ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo
consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena
interna e provavelmente noturna
Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua
maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais
frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo
com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute
amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute
modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos
48
periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo
publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama
Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante
Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com
a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um
material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a
imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee
com armas em punho apontadas para os policiais
Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela
49
Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus
53 O Jardineiro Fiel
Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel
50
Sinopse
O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em
Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa
uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem
aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para
substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes
um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute
transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu
idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a
trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin
acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir
na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de
amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa
estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional
envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em
seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a
disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no
Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e
ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar
como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se
para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final
bastante diferente do que seria esperado
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a
imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia
de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio
em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao
lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar
para se proteger
Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem
Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em
51
plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades
azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um
embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em
plongeacutee e plano aberto em conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na
figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A
imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano
aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo
dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais
amenos frios
Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada
retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao
receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade
possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento
As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a
imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua
52
Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em
leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens
contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante
natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel
perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral
aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores
quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave
luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem
composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local
em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo
A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela
cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A
impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena
que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma
53
desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do
ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas
sim no seu proacuteprio lucro
Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de
ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir
contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis
por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele
seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com
movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma
arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite
suavidade e calor agrave cena
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel
(variaccedilatildeo entre suave e dura)
Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando
com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na
lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em
equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira
imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais
onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena
54
ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens
em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)
ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem
possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua
composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)
como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel
54 Ensaio sobre a Cegueira
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira
55
Sinopse
O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que
atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas
passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no
tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados
em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a
lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a
uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que
juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute
baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com
o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de
cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo
manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O
enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para
a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e
branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria
compotildee as cenas da trama
Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento
panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da
trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade
esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o
motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa
ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais
Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o
motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo
adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de
quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia
56
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
57
Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
58
A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
59
do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
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65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
10
entre a noccedilatildeo de arte ciecircncia e tecnologia Esses domiacutenios antes mais distantes agora se
veem envolvidos em processos de troca combinaccedilatildeo fusatildeo Sobre as novas tecnologias
Popper apud Parente (1993) diz que
Em todo caso e em grande parte graccedilas aos novos meacutetodos de transmissatildeo de
imagens e agrave difusatildeo massiva dos conhecimentos e informaccedilotildees entramos no
presente em uma era em que o pensamento teacutecnico e o pensamento simboacutelico se
encontram em que o impacto das novas tecnologias provoca uma mutaccedilatildeo
decisiva na esfera cultural (PARENTE 1993 p213)
Covaleski (2009) acrescenta que tanto a televisatildeo quanto o cinema satildeo os uacutenicos
meios audiovisuais que possibilitam a utilizaccedilatildeo na publicidade da maioria dos elementos
de persuasatildeo e de sentido unindo o som a imagem o movimento e o texto escrito Deste
modo a publicidade trabalha com narrativas sinteacuteticas que se adequam ao tempo reduzido
de 30 eou 45 segundos para vender a ideacuteia do produto que anuncia Em oposiccedilatildeo o
cinema possui em meacutedia cerca de 90 minutos suficientes para mostrar o enredo contar a
histoacuteria apresentar os personagens e desenrolar toda a narrativa
As relaccedilotildees entre cinema e publicidade televisual partem das caracteriacutesticas da
obra final que eacute gerada em cada um desses gecircneros de comunicaccedilatildeo No
cinema a obra cinematograacutefica a peliacutecula de curta meacutedia ou longa-metragem
na publicidade televisual o comercial o filme ou viacutedeo publicitaacuterio que
obedecem aos formatos impostos pelos veiacuteculos de comunicaccedilatildeo Os propoacutesitos
para os quais as obras fiacutelmicas cinematograacuteficas ou publicitaacuterias satildeo geradas
visam a atender interesses e objetivos que vatildeo do comercial ao artiacutestico
(COVALESKI 2009 p93)
Portanto a poacutes-modernidade cultural a qual representa o surgimento de outras
dimensotildees esteacuteticas eacute a grande chave para esta anaacutelise cujo foco recai sobre o elemento
de linguagem fotograacutefica Isto eacute recai na fotografia e na sua capacidade de construir
sentidos acerca de um momento que nunca mais aconteceraacute e ao mesmo tempo congelaacute-
lo possibilitando a representaccedilatildeo desta realidade deste momento uacutenico
Assim tal pesquisa articula a abordagem de temas de grande importacircncia para a
comunicaccedilatildeo audiovisual visto que possibilitam o surgimento de outras tendecircncias nas
produccedilotildees cinematograacuteficas contemporacircneas Para isso a revisatildeo teoacuterica perpassa pela
introduccedilatildeo sobre o tema do trabalho em que as temaacuteticas abordadas satildeo apresentadas bem
como o corpus escolhido para anaacutelise e os objetivos da pesquisa o primeiro capiacutetulo
discute teoricamente a linguagem e a esteacutetica audiovisual bem como as interfaces
existentes entre publicidade e cinema o segundo capiacutetulo aborda a fotografia na esteacutetica
audiovisual enfatizando os elementos expressivos fotograacuteficos ndash iluminaccedilatildeo cor
11
enquadramentos planos acircngulos e movimentos de cacircmera o terceiro capiacutetulo teoriza
sobre o cinema de autor e aborda o autor em questatildeo Fernando Meirelles o quarto
capiacutetulo elucida o processo metodoloacutegico aplicado no desenvolvimento do trabalho o
quinto capiacutetulo encarrega-se de demonstrar os exerciacutecios analiacuteticos empreendidos nos
frames do corpus e o sexto capiacutetulo preocupa-se com as consideraccedilotildees finais da pesquisa
12
1 Linguagem e Esteacutetica Audiovisual
Por poder ser captada simultaneamente pelo olho e pelo ouvido a linguagem
audiovisual permite o envolvimento completo do seu espectador diante da fusatildeo do som e
da imagem em movimento A fusatildeo entre aacuteudio e viacutedeo possibilita um paralelo entre o
racional e o sensorial de modo que a mesma consegue dizer muito mais do que
conseguimos captar pois chega simultaneamente por muito mais caminhos do que
conscientemente percebemos
O viacutedeo incluiacutedo em um meio de comunicaccedilatildeo de massa eacute utilizado como forma
de expressatildeo aleacutem de estruturar novas teacutecnicas tanto no processo de gravaccedilatildeo e de poacutes-
produccedilatildeo Tais teacutecnicas satildeo responsaacuteveis por todo o cruzamento de narrativas hoje
utilizadas pelo cinema e pela publicidade
O viacutedeo eacute um sistema hiacutebrido ele opera com coacutedigos significantes distintos
parte importados do cinema parte importados do teatro da literatura do raacutedio e
mais modernamente da computaccedilatildeo graacutefica aos quais acrescenta alguns
recursos expressivos especiacuteficos alguns modos de formar ideacuteias ou sensaccedilotildees
que lhe satildeo exclusivos (MACHADO 1997 p 190)
Dubois (2004 p77) define a estetizaccedilatildeo videograacutefica como ―uma linguagem (ou
uma esteacutetica) particular (mas de nenhum modo exclusiva) que pertence a loacutegicas
diferentes e potildee em jogo questotildees de ordem muito diversa que as do cinema O
surgimento do viacutedeo possibilitou novas tecnologias como por exemplo a televisatildeo
Diante disso o autor classifica dois modos principais de representaccedilatildeo em viacutedeo
O modo plaacutestico (a ―videoarte em suas formas e tendecircncias muacuteltiplas) e[] o
modo documentaacuterio (o real ndash bruto ou natildeo ndash em todas as suas estrateacutegias de
representaccedilatildeo) E sobretudo ndash eacute o que os une contra a transparecircncia - ambos
com um senso constante do ensaio da experimentaccedilatildeo da pesquisa da inovaccedilatildeo
(DUBOIS 2004 p77)
De acordo com Gutierrez (1992) dentro de noacutes acontece uma repercussatildeo em
imagens baacutesicas centrais simboacutelicas arquetiacutepicas com as quais nos identificamos ou que
se relacionam conosco de alguma forma consistindo na representaccedilatildeo de uma realidade
em movimento
A linguagem audiovisual responsaacutevel por tal representaccedilatildeo eacute constituiacuteda por
alguns elementos fundamentais (1) o plano - cada parte da fita que se apresenta ao
espectador como tendo sido filmada sem interrupccedilotildees (2) a cena - o conjunto de planos
cuja accedilatildeo eacute contiacutenua e decorre numa relativa unidade de tempo e espaccedilo constitui as cenas
13
e as sequumlecircncias (3) o enquadramento - a variaccedilatildeo da longitude da cacircmera agrave cena filmada
por meio de movimento (sem interrupccedilatildeo da filmagem) dentro do mesmo plano a
variaccedilatildeo do enquadramento e (4) a montagem ndash procedimento de organizaccedilatildeo do conjunto
de cenas sequumlecircncias e planos que formam a obra fiacutelmica
Tais elementos audiovisuais estatildeo presentes tanto nas produccedilotildees cinematograacuteficas
quanto nas produccedilotildees publicitaacuterias poreacutem o modo como satildeo utilizados eacute que as difere
Segundo Aumont (1995) inicialmente o cinema era desprovido de uma linguagem pois
apenas refletia o registro de um espetaacuteculo uma simples reproduccedilatildeo do real Entretanto
com o intuito de contar histoacuterias e veicular ideias o cinema precisou utilizar determinados
procedimentos expressivos os quais passaram a constituir sua linguagem
Assim sendo pode-se definir a linguagem cinematograacutefica como ―o conjunto das
mensagens cujo material de expressatildeo compotildee-se de cinco pistas ou canais a imagem
fotograacutefica em movimento os sons foneacuteticos gravados os ruiacutedos gravados o som musical
gravado e a escrita (creacuteditos intertiacutetulos materiais escritos no interior do plano) (STAM
2003 p132) A utilizaccedilatildeo em sinergia desse grande nuacutemero de elementos possibilita uma
maior variedade de abordagens nas produccedilotildees audiovisuais Por exemplo uma montagem
natildeo-linear com ritmo acelerado de troca de planos acircngulos e enquadramentos eacute a marca
das realizaccedilotildees videograacuteficas contemporacircneas
Para Balaacutezs apud Stam (1995) a linguagem cinematograacutefica pode ser definida a
partir de 4 princiacutepios
- no cinema existe uma distacircncia variaacutevel entre espectador e cena representada
daiacute uma dimensatildeo variaacutevel da cena que toma lugar no quadro e na composiccedilatildeo
da imagem
- a imagem total da cena eacute subdividida em uma seacuterie de planos de detalhes
(principio da decupagem)
- existe variaccedilatildeo de enquadramento (acircngulo de visatildeo perspectiva) dos planos de
detalhe no decorrer da mesma cena
- finalmente eacute a operaccedilatildeo da montagem que garante a inserccedilatildeo dos planos de
detalhes em uma sequumlecircncia ordenada na qual natildeo apenas cenas inteiras se
sucedem mas tambeacutem tomadas de detalhes mais miacutenimos de uma mesma cena
A cena em seu conjunto eacute resultado disso como se os elementos de um mosaico
temporal fossem justapostos no tempo (BALAacuteZS apud STAM 1995 p163-
164)
O cinema busca traduzir a realidade atraveacutes da representaccedilatildeo artiacutestica mediante o
uso de teacutecnicas pertencentes agrave linguagem audiovisual Stam (2003 p132) acrescenta que
se torna linguagem a partir do momento em que comunica ―um conjunto de mensagens
formuladas com base em um determinado material de expressatildeo um discurso ou praacutetica
significante caracterizado por codificaccedilotildees e procedimentos ordenatoacuterios especiacuteficos
14
Por volta de 1750 a palavra esteacutetica foi inventada com o intuito de designar uma
―ciecircncia dos sentimentos posteriormente uma ―ciecircncia do belo Atualmente eacute
empregada igualmente no plural para se referir agraves diversas concepccedilotildees do belo e da arte
Segundo Aumont e Marie (2003) natildeo existe esteacutetica constituiacuteda do cinema mas questotildees
de natureza esteacutetica foram frequumlentemente discutidas a respeito dele em torno dos
seguintes problemas
1 O cinema entre as artes natildeo tendo sido o cinema de iniacutecio aceito como
arte (mas como teacutecnica ou como distraccedilatildeo) sua especificidade artiacutestica foi
muitas vezes salientada Em particular ele foi por isso confrontado e
comparado com artes reconhecidas a muacutesica (Gance) a pintura (Bazin
Aumont Bonitzer) o teatro (Pagnol) valorizando a cada vez uma
caracteriacutestica particular do cinema o ritmo o enquadramento a fala a
cenicidade etc
2 A especificidade do fiacutelmico ela diz respeito a alguns traccedilos fundamentais
estudados nos mais das vezes de pontos de vista bem diferentes o
movimento (Munsterberg Deleuze) a mobilidade do ponto de vista
(Souriau Metz Jost Aumont) a sequencialidade e a montagem
(Eisenstein)
3 A possibilidade de uma poeacutetica do cinema ndash ou seja de uma concepccedilatildeo
geral da natureza do cinema da criaccedilatildeo fiacutelmica da relaccedilatildeo do fiacutelmico com o
mundo afilmico ou profilmico etc A respeito desse ponto observa-se uma
grande oposiccedilatildeo entre poeacuteticas realistas ndash o filme como transparecircncia
(Kracauer) a ―liacutengua escrita da realidade (Pasolini) o ―cine-olho
(Vertov) - e poeacuteticas formalistas ndash o ―cinema-linguagem (Eisenstein) a
fotogenia (Epstein) o filme como grande forma (Buch) etc
4 A possibilidade de uma arte de massa imposta pela induacutestria e pela teacutecnica
(Panofsky) (AUMONT MARIE 2003)
Para Covaleski (2009 p77) a esteacutetica do cinema estaacute diretamente relacionada com
a natureza reprodutiva e mecacircnica do meio cinematograacutefico Segundo o autor eacute possiacutevel
destacar duas teorias mesmo que distintas em que se refere agrave natureza reprodutiva do
cinema A primeira de Walter Benjamin afirma que toda a problemaacutetica da esteacutetica
relacionada ao cinema estaacute centrada no ―contexto da crise do sistema tradicional das artes
cuja modalidade de percepccedilatildeo cinematograacutefica essencialmente coletivalsquo e distraiacutedalsquo eacute
sua proacutepria causa e efeito Jaacute a segunda teoria de Andreacute Bazin constata que o problema
esteacutetico estaacute ligado ao caraacuteter mecacircnico da reproduccedilatildeo ou seja ―eacute a ausecircncia de uma
intervenccedilatildeo por parte da interpretante e a deformaccedilatildeo causada pela projeccedilatildeo que teoriza
tal problemaacutetica Jaacute Aumont (2002 p15-16) ressalta que a esteacutetica do cinema confere dois
aspectos ―uma vertente geral que considera o efeito esteacutetico proacuteprio do cinema e uma
vertente especiacutefica centrada na anaacutelise de obras particulares Sendo assim refere-se agrave
anaacutelise de filmes ou a criacutetica no sentido pleno do termo
15
Na obra fiacutelmica os aspectos esteacuteticos satildeo apresentados diante de uma
categorizaccedilatildeo dos elementos que constituem a manifestaccedilatildeo esteacutetica no cinema Segundo
Covaleski (2009) ―tais manifestaccedilotildees se datildeo sobre vaacuterias formas ora icocircnicas ora
focircnicas ora graacuteficas ora oacuteticas ora sonoras ora auditivas e estatildeo em processo de
evoluccedilatildeo devido ao surgimento de novas tecnologias de comunicaccedilatildeo juntamente com
novas manifestaccedilotildees artiacutesticas
No decorrer do seacuteculo XX mediante tais transformaccedilotildees houve a geraccedilatildeo de
novas noccedilotildees de criaccedilatildeo de arte de esteacutetica Conforme Plaza (2000) ocorreu um
―deslocamento das funccedilotildees instauradoras (a poeacutetica do artista) para funccedilotildees de
sensibilidade receptora (esteacutetica) o que produz no meio artiacutestico uma grande confusatildeo
conceitual caracterizada pela mistura e hibridaccedilatildeo de gecircneros poeacuteticas e atitudes
artiacutesticas
Pode-se compreender com base em Covaleski (2009) que a chegada da arte do
cinema agrave tevecirc trouxe tambeacutem padrotildees esteacuteticos que aos poucos foram incorporados ao
meio televisual aleacutem de serem consumidos em larga escala pela publicidade Percebe-se
que boa parte dos comerciais de tevecirc os chamados filmes publicitaacuterios alcanccedilam mais
destaque que a proacutepria programaccedilatildeo devido aos recursos tecnoloacutegicos e a linguagem
adaptada do cinema utilizado em suas produccedilotildees Sendo assim ao serem criados e
produzidos com preocupaccedilotildees esteacuteticas e cuidados artiacutesticos possibilitou gerar um
receptaacuteculo proacuteprio a esteacutetica publicitaacuteria
Diante do debate entre o aspecto utilitaacuterio e o aspecto artiacutestico da mensagem cabe
agrave publicidade recorrer agraves funccedilotildees da linguagem Para o autor natildeo importa se sejam as
poeacuteticas conativas ou referenciais mas sim sua finalidade de elevar e diversificar o
conjunto de repertoacuterios de seu puacuteblico-alvo contribuindo assim para a aceitaccedilatildeo de uma
nova esteacutetica
Tal questatildeo esteacutetica para alguns autores eacute tratada como uma espeacutecie de fetiche
cinematograacutefico Eacute possiacutevel perceber a veneraccedilatildeo e a adoraccedilatildeo de determinados elementos
constituintes da narrativa - do figurino do cenaacuterio ou ateacute mesmo da performance cecircnica
do ator ndash como intuito de simbolizar objeto de culto estabelecer um valor icocircnico a este
Conforme Covaleski (2009 p79-80) desde ―a criaccedilatildeo de mitos do cinema ao lanccedilamento
de moda passando pelo merchandising institucionalizado a esteacutetica cinematograacutefica
contribui na formaccedilatildeo e evoluccedilatildeo de comportamentos fetichistas por parte da sociedade
movida por novos sonhos de consumo e por novas divindades a cultuar
16
A partir da reflexatildeo de Carvalho (2003) a cerca dos estudos de Leacutevi-Strauss pode-
se dizer que a individualizaccedilatildeo da produccedilatildeo demonstrar o aparecimento de uma
consciecircncia criacutetica por parte do receptor que retira da esteacutetica-primitiva o seu dever social
A obra sendo produzida individualmente sem necessidade de bastar a uma sociedade ou
clatilde A esteacutetica-moderna depende apenas da aprovaccedilatildeo ou natildeo de uma clientela ―de classe
(como utiliza o autor) para se firmar como arte
Ao mesmo tempo com a evoluccedilatildeo da criacutetica de arte e o aparecimento do
abstracionismo Leacutevi-Strauss iraacute demonstrar um propoacutesito antimodernista ao perceber a
banalizaccedilatildeo presente na arte do poacutes-guerra Aleacutem da hiper-valorizaccedilatildeo da criacutetica a
representaccedilotildees pictoacutericas sem compromisso artiacutestico Poreacutem dentro desta mesma vertente
podemos repassar seu conceito de arte que funde a ciecircncia e o mito na concepccedilatildeo do
espiacuterito humano (pensamento criador) em outro de seus pensamentos a loacutegica do
sensiacutevel Loacutegica regida pela possibilidade de unir muacutesica e mito ou romance e mito atraveacutes
de uma ―estrutura-funccedilatildeo Todo meio artiacutestico pode ser fundido a outro ou recriado
desde que o estruturalismo presente no espiacuterito humano conceba um fim artiacutestico
A inter-relaccedilatildeo do cinema e da publicidade audiovisual resulta dos aspectos dessa
linguagem pois ambos constituem meios audiovisuais que trabalham a partir de uma
mesma base de composiccedilatildeo e de montagem de elementos expressivos para criar um
determinado plano de conteuacutedo narrativo e de significado o que configura esteacuteticas
diferenciadas
A modernidade da imagem cinematograacutefica eacute reflexo de um processo histoacuterico
em que a arte tenta se renovar em releituras de seus proacuteprios conceitos e criaccedilatildeo
de outros A diversidade estiliacutestica caracteriacutestica do cinema comercial da deacutecada
de 90 retrata uma geraccedilatildeo multimiacutedia de novos profissionais e espectadores que
acabaram por alterar os rumos da cinematografia contemporacircnea
(CARVALHO 2003)
Tais mudanccedilas de abordagem satildeo visiacuteveis natildeo apenas no cinema como tambeacutem nos
videoclipes nos games e na publicidade Refere-se a uma nova perspectiva de criaccedilatildeo
audiovisual na tentativa de romper as barreiras das produccedilotildees tradicionais e enfatizar o
surgimento de novas possibilidades Tais rupturas contribuem para a mudanccedila no
comportamento dos sujeitos contemporacircneos
O pensador de agora jaacute natildeo se senta mais agrave sua escrivaninha diante de seus
livros para dar forma ao seu pensamento mas constroacutei as suas ideias manejando
instrumentos novos ndash a cacircmera a ilha de ediccedilatildeo o computador - invocando
ainda outros suportes de pensamento sua coleccedilatildeo de fotos filmes viacutedeos
discos ndash sua mideoteca enfim (DUBOIS 2004 p19)
17
O pensamento audiovisual contemporacircneo constata essa hibridizaccedilatildeo essa
convergecircncia de elementos responsaacuteveis por uma mudanccedila de conduta Deste modo
Dubois (2004 p25) ressalta a existecircncia do imaginaacuterio cinematograacutefico presente em
todos os lugares e impregnado ―ateacute em nossa maneira de falar ou de ser Quem ao
percorrer de carro um longo trajeto numa vasta paisagem aberta natildeo pensou com a ajuda
da muacutesica no raacutedio numa figura de travelling mergulhando na tela panoracircmica de seu
paacutera-brisa
Em relaccedilatildeo agrave esteacutetica publicitaacuteria Carvalho (2003) ressalta uma possiacutevel ―morte
do cinema Vaacuterios criacuteticos apostam nessa ―morte diante do uso de recursos estiliacutesticos
que estariam se sobressaindo na concepccedilatildeo criadora do filme em contraposiccedilatildeo ao
realismo bem como da evoluccedilatildeo da teacutecnica que distancia o cinema de sua perspectiva
fotograacutefica Resultando assim na valorizaccedilatildeo da imagem em detrimento da representaccedilatildeo
Contudo o autor ressalva que tal concepccedilatildeo de retrato da realidade aleacutem de
ultrapassada estaacute reformulada no estudo do ―espiacuterito humano de Leacutevi-Strauss Este
estudo baseia-se no posicionamento da seacutetima arte como uma visatildeo moderna do homem
diante da realidade a visatildeo em que a cacircmera capta a imagem e natildeo o objeto
Enquanto isso Merquior (1975) busca uma maneira de refletir e re-posicionar as
concepccedilotildees de Leacutevi-Strauss quanto agrave arte contemporacircnea
Em vez de vociferar sobre a verdade factuallsquo da morte da artelsquo conviria
colocar a problemaacutetica implicada por essas teses em relaccedilatildeo a uma das
tendecircncias mais fecundas do estruturalismo ndash sua vontade de ultrapassar as
anaacutelises estanques dos domiacutenios culturais (arte religiatildeo ciecircncia etc) de
encorajar a pesquisa de afinidades estruturais e funcionais entre esses camposlsquo
sem jamais esquecer que satildeo todos faces de uma mesma realidade o espiacuterito
humano (MERQUIOR 1975 p79)
Em seu texto A Dupla Heacutelice Raimond Bellour consegue ver logo no viacutedeo ndash base
da esteacutetica publicitaacuteria ndash e na tecnologia digital o resumo desta realidade emergente
O viacutedeo leva assim agrave sua perda essa capacidade de analogia dilatada agraves
dimensotildees do universo pela primeira vez os corpos e os objetos do mundo satildeo
virtualmente desfiguraacuteveis (e logo refiguraacuteveis) ao sabor de uma potecircncia que
transforma em tempo real ou quase natildeo diferido (e natildeo mais somente como no
cinema por uma lenta elaboraccedilatildeo cujas trucagens constituem o modelo) as
representaccedilotildees que capta seu olho mecacircnico Isso explica o fato de a viacutedeo-
imagem a caccedilula das imagens de reproduccedilatildeo poder aparecer simultaneamente
como uma nova imagem irredutiacutevel ao que a precede mas tambeacutem uma
imagem capaz de atrair de absorver de misturar todas as imagens anteriores
pintura fotografia cinema (BELLOUR Raimond in PARENTE 1993 p223)
18
Em funccedilatildeo disso a esteacutetica publicitaacuteria natildeo passaria apenas de um mero
abstracionismo imageacutetico do cinema mas sim a siacutentese de uma movimentaccedilatildeo esteacutetica que
atravessa todas as artes denominada Poacutes-modernidade Cultural Muito aleacutem de um
recurso estiliacutestico as imagens de ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus entre outros filmes
tachados como videoclipeiros ou publicitaacuterios refletem na representaccedilatildeo do olhar do
homem moderno Toda essa fundamentaccedilatildeo estaacute na fusatildeo da linguagem videograacutefica com
a fotograacutefica do cinema Ao inveacutes de ampliar a visatildeo da rapidez das coisas tenta-se
reduzir o que ocorre agrave nossa volta em conceitos voltado aos meios artiacutesticos
11 Interfaces cinema e publicidade
Com o intuito de construir um sentido proacuteprio para cada filme o cinema atua em
momentos esparsos e depende da disposiccedilatildeo do espectador para que a obra fiacutelmica seja
consumida Em contrapartida a televisatildeo oferece uma programaccedilatildeo diversificada sem
interrupccedilotildees 24h por dia Assim o espectador recebe informaccedilotildees se diverte com
seriados novelas e filmes sem sair de casa
Percebe-se que a origem do discurso nunca eacute autocircnoma mas sim dependente de
outros discursos em que buscou referecircncia Bliskstein (1994 p45) constata que
―suportado por toda uma intertextualidade o discurso natildeo eacute falado por uma uacutenica voz mas
por muitas vozes geradoras de muitos textos que se intercruzam no tempo e no espaccedilo
Na deacutecada de 60 Kristeva introduziu o termo intertextualidade como uma traduccedilatildeo
para ―dialogismo que se refere agrave relaccedilatildeo entre um enunciado e os demais enunciados De
acordo com Stam (2003) a intertextualidade eacute um conceito de valor na medida em que
possibilita relacionar o texto individual com as demais formas de representaccedilatildeo natildeo
somente com outros textos
Intertextualidade eacute vista por Fiorin (2002) como a forma de incorporar um texto em
outro aleacutem de ser polecircmica quando propotildee uma oposiccedilatildeo ao sentido do texto original ou
contratual quando o reforccedila e o enaltece Assim sendo a intertextualidade polecircmica eacute
conhecida como paroacutedia enquanto a intertextualidade contratual como paraacutefrase Aleacutem
disso classifica tambeacutem em
citaccedilatildeo (referecircncia literal a outro texto usando parte deste) alusatildeo (reproduccedilatildeo
de construccedilotildees sintaacuteticas substituindo algumas figuras do texto original por
outras) e estilizaccedilatildeo (reproduccedilatildeo do estilo de outrem no plano da expressatildeo ou
no do conteuacutedo) (FIORIN apud COVALESKI 2009 p 39)
19
A seguir uma abordagem mais detalhada de cada uma das relaccedilotildees intertextuais
entre o cinema e a publicidade televisual na visatildeo de Covaleski (2009)
a) citaccedilatildeo a publicidade desfruta desse recurso criativo com maestria Uma uacutenica
obra cinematograacutefica pode originar uma grande variaccedilatildeo de citaccedilotildees ancoradas
a uma mesma cena claacutessica evidentemente emblemaacutetica contundente o
bastante para se tornar perene no imaginaacuterio coletivo transpondo barreiras
culturais e temporais Pode-se citar como exemplo a cena emblemaacutetica em que
a atriz Marilyn Monroe tem sua saia levantada devido ao deslocamento de ar
durante a passagem do metrocirc no filme O Pecado Mora ao Lado (The Seven
Year Itch de Billy Wilder ndash 1955) Essa cena muito conhecida jaacute foi usada
diversas vezes e de diferentes formas pela publicidade Exemplo disso foi a
colocaccedilatildeo de uma saia ndash a la Marilyn ndash em garrafas de vodka da marca
Absolut
b) alusatildeo mais sutil que a citaccedilatildeo remete a uma obra anterior poreacutem sem fazer
uso de fragmentos dela Utiliza somente uma construccedilatildeo equivalente
substituindo determinadas figuras por outras A alusatildeo recorrente no cinema eacute
facilmente percebida em filmes que pertencem a um mesmo gecircnero
cinematograacutefico Na publicidade a intertextualidade com o cinema utilizando a
alusatildeo aparece em comerciais de anunciantes dos mais diferentes segmentos de
mercado bem como os filmes de onde saiacuteram as inspiraccedilotildees pertencem aos
mais diversos gecircneros O filme francecircs O Fabuloso Destino de Ameacutelie Poulain
(Le Fabuleux Destin drsquoAmeacutelie Poulain de Jean-Pierre Jeunet - 2001) eacute uma
obra com clara influecircncia da linguagem publicitaacuteria Muito disso se deve
devido agrave vivecircncia de Jeunet em meio agrave publicidade Eacute o caso deste trabalho jaacute
que Fernando Meirelles trabalhou com publicidade antes de seguir carreira no
cinema Um exemplo de alusatildeo a este filme se percebe na campanha do
automoacutevel Renault Sceacutenic ndash um anatildeo de jardim eacute sequumlestrado por um grupo de
amigos e aprova seu novo endereccedilo mandando uma carta agrave sua antiga dona
avisando que natildeo voltaraacute mais para casa Deste modo a campanha faz alusatildeo
ao argumento de liberdade explorado na obra francesa
c) estilizaccedilatildeo ato de reproduzir um conjunto de procedimentos de caracteriacutesticas
de formas e de conteuacutedos do discurso de outrem Eacute recorrer agrave estrutura seja no
20
plano da expressatildeo ou no do conteuacutedo produzindo um efeito de
personalizaccedilatildeo muito embora remeta a obra anterior independente de
estabelecer uma relaccedilatildeo polecircmica ou contratual com aquela A estilizaccedilatildeo
intertextual na publicidade com referencial cinematograacutefico eacute constante e
ultrapassa o uso apenas dos elementos de linguagem cinematograacutefica Alguns
filmes publicitaacuterios utilizam em suas produccedilotildees as teacutecnicas de trucagem1 se
aproveitam dos efeitos especiais e ateacute dos estilos lanccedilados pelo cinema Um
bom exemplo dessa estilizaccedilatildeo encontra-se em um comercial da Samsung que
se utilizada da mesma esteacutetica tecnoloacutegia e uso de efeitos especiais do filme
Matrix (The Matrix de Andy e Larry Wachowski - 1999)
No Brasil de acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber tambeacutem um
caminho oposto a esta intertextualidade Cada vez mais a publicidade interfere na atual
produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este papel de fonte de
referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem audiovisual nas
produccedilotildees contemporacircneas como eacute o caso dos filmes ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus
―O Jardineiro Fiel e ―Ensaio sobre a Cegueira de Fernando Meirelles
1 Trucagem A accedilatildeo de modificar imagens previamente filmadas ao vivo tanto em sua forma (cor e
tamanho) como na ordem de sua projeccedilatildeo (congelamento aceleraccedilatildeo inversatildeo) Satildeo possiacuteveis tambeacutem a
superposiccedilatildeo de letreiros a fusatildeo (teacutecnica de escurecer uma cena ao mesmo tempo em que outra vai
surgindo provocando a sobreposiccedilatildeo de uma sobre a outra) e outros efeitos especiais O equipamento
utilizado eacute a truca Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbrmidiaartequadroaquadro gt Acesso em 14
Jun 2010
21
2 A fotografia na esteacutetica audiovisual
A palavra fotografia vem do grego foacutes (luz) e grafis (estilo pincel) ou
grafecirc e significa desenhar com luz e contraste Natildeo eacute possiacutevel definir um uacutenico
inventor pois foram vaacuterios os responsaacuteveis pela sua origem Em 1826 o francecircs Joseph
Niceacutephore Nieacutepce teve sua imagem reconhecida como a primeira fotografia tal imagem
foi produzida mediante o uso de uma placa de estanho coberta com um derivado de
petroacuteleo fotossensiacutevel chamado Betume da Judeacuteia O processo de exposiccedilatildeo agrave luz solar
chamado de heliografia durava cerca de oito horas para que a imagem fosse obtida
Neste mesmo periacuteodo Louis Daguerre deu continuidade aos experimentos
fotograacuteficos de Joseph Niceacutephore Nieacutepce fato este que lhe concedeu uma descoberta
decisiva Em 1835 Daguerre apanhou uma placa revestida de prata sensibilizada com
iodeto de prata que apesar de exposta natildeo apresentava sequer vestiacutegios de imagem
guardou-a displicentemente em um armaacuterio e ao abri-lo no dia seguinte encontrou uma
imagem revelada Fez experiecircncias por eliminaccedilatildeo com os outros produtos que estavam
no armaacuterio para descobrir que a imagem latente tinha sido revelada por accedilatildeo do mercuacuterio
Logo apoacutes o falecimento de Niegravepce Daguerre desenvolveu um processo
conhecido como daguerreotipia no qual era possiacutevel reduzir o tempo de revelaccedilatildeo de
horas para minutos devido a utilizaccedilatildeo de vapor de mercuacuterio Daguerre descreveu seu
processo agrave Academia de Ciecircncias e Belas Artes na Franccedila e logo depois requereu a
patente do seu invento na Inglaterra Breslin possibilita um melhor entendido deste
processo
Os daguerreoacutetipos inventados em 1839 foram os primeiros dentre os processos
fotograacuteficos iniciais a se tornar comercialmente disponiacuteveis O processo utiliza
placas uacutemidas que satildeo placas de cobre cobertas por uma emulsatildeo fotossensiacutevel
agrave base de prata As placas eram reveladas em campo enquanto ainda uacutemidas
criando um negativo Os negativos entatildeo podiam ser trazidos de volta ao
estuacutedio onde um pedaccedilo de papel fotograacutefico era assentado sobre a emulsatildeo do
negativo e exposto ao sol A luz do sol expunha a impressatildeo que era fixada (isto
eacute estabilizada por uma processo quiacutemico) e lavada (BRESLIN 2009 p26)
Jaacute em 1839 o britacircnico William Fox Talbot ao tomar conhecimento dos avanccedilos
de Daguerre decidiu apressar a apresentaccedilatildeo de suas pesquisas com papeacuteis fotossensiacuteveis
agrave Royal Institution e agrave Royal Society com o intuito de garantir os direitos sobre suas
invenccedilotildees No entanto Talbot desenvolveu um processo diferente denominado caloacutetipo -
utilizava folhas de papel cobertas com cloreto de prata que posteriormente eram colocadas
22
em contato com outro papel produzindo assim a imagem positiva Trata-se de um
processo semelhante ao usado atualmente em que utiliza-se um negativo para a obtenccedilatildeo
posterior de imagens positivas
A fotografia entatildeo popularizou-se como produto de consumo a partir de 1888 com
a introduccedilatildeo da cacircmera tipo caixatildeo e pelo filme em rolos substituiacuteveis criados por
George Eastman Desde entatildeo o mercado fotograacutefico tem experimentado uma crescente
evoluccedilatildeo tecnoloacutegica como o estabelecimento do filme colorido como padratildeo e o foco
automaacutetico ou exposiccedilatildeo automaacutetica Essas inovaccedilotildees sem duacutevida facilitam a captaccedilatildeo da
imagem melhoram a qualidade de reproduccedilatildeo ou a rapidez do processamento mas muito
pouco foi alterado nos princiacutepios baacutesicos da fotografia
A grande mudanccedila recente produzida a partir do final do seacuteculo XX foi a
digitalizaccedilatildeo dos sistemas fotograacuteficos A fotografia digital mudou paradigmas no mundo
da fotografia minimizando custos reduzindo etapas acelerando processos e facilitando a
produccedilatildeo manipulaccedilatildeo armazenamento e transmissatildeo de imagens pelo mundo O
aperfeiccediloamento da tecnologia de reproduccedilatildeo de imagens digitais tem quebrado barreiras
de restriccedilatildeo em relaccedilatildeo a este sistema por setores que ainda prestigiam o tradicional filme
e assim irreversivelmente ampliando o domiacutenio da fotografia digital
Natildeo se pode esquecer de salientar que a partir de tais descobertas no ramo da
fotografia eacute que foi possiacutevel a invenccedilatildeo do cinema O instantacircneo a possibilidade de
congelar um instante no fluxo contiacutenuo dos acontecimentos soacute se torna possiacutevel de fato
com o advento da fotografia Sendo assim os estudos de Muybrigde referentes aos
instantacircneos sucessivos associada ao aparato do fuzil fotograacutefico de Marey iratildeo resultar na
invenccedilatildeo do cinema Sabe-se que o cinema confere agrave imagem uma continuidade aparente
pois na verdade trata-se de uma seacuterie de instantacircneos separados por intervalos poreacutem aos
sentidos ele se apresenta de forma lisa e fluida como a proacutepria natureza do movimento
Machado acrescenta que
O cinema mesmo o cinema stricto sensu ou seja o cinema que se constitui a
partir do cinematoacutegrafo de LeRoy Edison Paul Skladanwsky e dos Lumiegravere
natildeo era nos seus primoacuterdios o que hoje chamamos de cinema Ele reunia na
sua base de celuloacuteide vaacuterias modalidades de espetaacuteculos derivadas das formas
populares de cultura como circo o carnaval a magia e a prestidigitaccedilatildeo a
pantomima a feira de atraccedilotildees e aberraccedilotildees etc (MACHADO 1997 p 76)
No iniacutecio os filmes eram de curta duraccedilatildeo nos quais o puacuteblico era composto
basicamente de operaacuterios As exibiccedilotildees eram realizadas em grandes galpotildees durante o
23
intervalo de serviccedilo do proletariado Machado (1997 p79) explica que o cinema era uma
em diversas atraccedilotildees oferecidas pelos vaudevilles pois ―natildeo se havia ainda desenvolvido
um conjunto de teacutecnicas e procedimentos de linguagem apropriados para a elaboraccedilatildeo de
uma narrativa visual que fosse suficientemente autocircnoma a ponto de poder se dispensar a
―explicaccedilatildeo de um apresentador
Atualmente pensa-se primeiramente em imagens forma-se um raciociacutenio a partir
de mosaicos audiovisuais que possibilitam um dado significado Tal modelo de
pensamento atraveacutes da imagem tecnoloacutegica deve-se ao conjunto de referecircncias
adquiridas
Assim sendo a fotografia possui papel fundamental na linguagem audiovisual
Sabe-se que a foi a partir da fotografia que se tornou possiacutevel agrave invenccedilatildeo do cinema
Dubois (2004) assegura que
Com a fotografia a maacutequina natildeo se contenta mais em preacute-ver ela inscreve
tambeacutem a imagem por meio das reaccedilotildees fotossensiacuteveis de certos materiais que
registram por si mesmos as aparecircncias sensiacuteveis geradas pela radiaccedilatildeo luminosa
A maacutequina intervecircm aqui portanto no coraccedilatildeo mesmo do processo de
constituiccedilatildeo da imagem que aparece assim como representaccedilatildeo quase
automaacuteticalsquo objetivalsquo sine manu factalsquo O gesto humano passa a ser mais um
gesto de conduccedilatildeo da maacutequina do que de figuraccedilatildeo direta (DUBOIS 2004
p38)
Em sua brilhante anaacutelise Barthes evidencia o fato de que a fotografia significa
muito mais uma ruptura do que uma continuidade em relaccedilatildeo agrave pintura Isso porque a
reaccedilatildeo quiacutemica dos sais de prata fotossensiacuteveis mediada pelo aparelho oacutetico que projeta a
imagem eacute colocada no centro do dispositivo de criaccedilatildeo da imagem deslocando o papel do
criador que antes que antes tinha que compor o instante representado a partir de instantes
distintos usando os coacutedigos da pintura para unificar a fatura e agora passava a poder
recortar um instante na sua proacutepria duraccedilatildeo com o uso da fotografia Dubois acrescenta
que tal uso
abandona o tempo crocircnico real evolutivo o tempo que passa como um rio
nosso tempo dos seres humanos inscritos na duraccedilatildeo para entrar em uma
temporalidade nova separada e simboacutelica a da foto temporalidade que tambeacutem
dura tatildeo infinita em princiacutepio quanto a primeira mas infinita na imobilidade
total congelada na interminaacutevel duraccedilatildeo das estaacutetuas (DUBOIS 1993 p168)
Com a invenccedilatildeo do instantacircneo fotograacutefico a pose a produccedilatildeo a composiccedilatildeo
elementos proacuteprios agrave linguagem da pintura figurativa satildeo subvertidas datildeo lugar tambeacutem
ao efecircmero ao flagrante agrave espontaneidade
Durante o seacuteculo XIX a fotografia buscou ancorar-se na esteacutetica proacutepria agrave pintura
para almejar sua entrada no panteatildeo das Belas-Artes em um movimento chamado pela
24
historiografia de pictorialismo Como bem analisou Walter Benjamin em sua Pequena
Histoacuteria da Fotografia de 1931 esse movimento se revelou improdutivo jaacute que os
fotoacutegrafos buscavam encaixar-se nos mesmos padrotildees de valoraccedilatildeo esteacutetica que foram
subvertidos com a invenccedilatildeo da fotografia
O discurso sobre a fotografia no seacuteculo XIX ainda estaacute muito contaminado por
valores esteacuteticos que consideram a teacutecnica em oposiccedilatildeo agrave arte ou na melhor das hipoacuteteses
como uma mera serviccedilal da arte Mas a proacutepria invenccedilatildeo da fotografia primeira forma de
produzir imagens completamente mediada pela teacutecnica na qual o ―laacutepis da Natureza
(Talbot) age sozinho sem a ajuda da matildeo do homem estava subvertendo completamente
os valores vigentes instaurando uma estreita ligaccedilatildeo entre teacutecnica e arte
Trazer a teacutecnica para o primeiro plano eacute uma das transformaccedilotildees mais radicais que
a imagem fotograacutefica instaura no campo da produccedilatildeo de imagens Esse tipo de imagem
criada por um aparelho chamada por Vileacutem Flusser de ―imagem teacutecnica foi capaz de
superar oposiccedilotildees vazias entre arte e teacutecnica
Com a virada para o seacuteculo XX se inicia um movimento de valorizaccedilatildeo da
fotografia por suas peculiaridades constitutivas advindas de seu proacuteprio mecanismo de
inscriccedilatildeo da imagem a instantaneidade o corte a conexatildeo fiacutesica com o referente A
chamada fotografia moderna se estabelece em duas frentes nas vanguardas europeacuteias e no
movimento chamado Photo Secession que ocorreu nos Estados Unidos8
A obra de Henri Cartier-Bresson eacute das mais importantes para a afirmaccedilatildeo da
fotografia por suas qualidades constitutivas Ele percebeu a potencialidade do aparato e o
foi um dos primeiros a usar uma cacircmera compacta de pequeno formato para sacar
instantes da realidade ainda na deacutecada de 1930 Com o tempo amadureceu uma filosofia
do chamado ―instante decisivo Para ele o fotoacutegrafo eacute como um flaneur que vaga pelo
mundo em busca daqueles raros momentos em que todos os elementos do enquadramento
se alinham em sua maacutexima expressatildeo dando agrave narrativa um potencial de siacutentese
A partir dessa reflexatildeo pode-se dizer que a fotografia audiovisual possibilita
transmitir ao espectador uma verossimilhanccedila com a realidade A anaacutelise da fotografia no
cinema se faz a partir do conhecimento dos elementos que a compotildee e suas variaccedilotildees
Assim cada elemento seraacute tratado separadamente para que seja possiacutevel uma melhor
explanaccedilatildeo de cada componente da fotografia audiovisual
25
21 Iluminaccedilatildeo
De acordo com Sousa (2004) eacute intuitivo afirmar que no momento em que se
ilumina um determinado objetopersonagem em detrimento de outros revela-se apenas
aquele que estaacute exposto agrave luz No entanto essa natildeo eacute a uacutenica contribuiccedilatildeo da iluminaccedilatildeo
para a construccedilatildeo de sentido a uma imagem Aleacutem disso eacute responsaacutevel por transmitir
noccedilotildees de profundidade e de relevo Segundo Roberts-Breslin (2009) eacute atraveacutes da
iluminaccedilatildeo que satildeo criados os padrotildees de luz e sombra que datildeo sentido ao nosso mundo
como tambeacutem o alto contraste do sol do meio-dia ou o baixo contraste monocromaacutetico
num dia chuvoso Aumont (2004) acrescenta que
A luz no cinema estaacute sempre ali e ateacute mesmo duplamente ali jaacute que a luz do
projetos ndash a luz depois do filme ndash serve para mostrar a luz registrada tal como
ela caiacutea sobre as coisas filmadas ndash a luz de antes do filme Haacute entre as duas uma
conivecircncia inextinguiacutevel jaacute reconhecida aqui mesmo em sua forma negativa ndash o
escuro - e que nutriu com frequecircncia a fantasia (em Murnau em Sternberg ou
Godard) de que uma natildeo eacute senatildeo a continuaccedilatildeo da outra por outros meios
Consequumlecircncia articulaccedilatildeo da diferenccedila a luz do quadro natildeo teve de ser
produzida realmente a do filme foi real Diferenccedila ontoloacutegica que se duplica em
outra infinitamente contingente poreacutem sensiacutevel a luz utilizada na produccedilatildeo do
filme eacute uma luz eleacutetrica seu aspecto eacute particular variaacutevel aliaacutes ao longo da
histoacuteria do cinema (AUMONT 2004 p 172)
As condiccedilotildees de iluminaccedilatildeo satildeo capazes de indicar a hora do dia a eacutepoca do ano e
a parte do planeta em que a imagem estaacute sendo reproduzida A luz ―empresta um tom a um
lugar ou experiecircncia ndash o brilho suave e romacircntico de uma vela as inesperadas e
desconhecidas sombras da noite a firme e escura melancolia do crepuacutesculo do inverno
ou seja possibilita a criaccedilatildeo de um determinado clima agrave cena (Breslin 2009 p87) Moura
afirma que
A fotografia em nada se diferencia da natureza Todas as luzes e efeitos estatildeo agrave
mostra para o olho educado Os efeitos dos filtros os contrastes das luzes as
densidades das cores tudo e todos estatildeo na natureza agrave vista de quem quiser ver
Se vocecirc prestar atenccedilatildeo ao tipo de luz que o sol gera saberaacute qual refletor de
quanto como e onde colocar Se vocecirc se abstrair do tamanho do sol e se
concentrar no efeito da sua luz poderaacute intuir a direccedilatildeo a natureza e a
intensidade da luz que vocecirc precisaraacute para ter o mesmo resultado Afinal de
contas o sol tem que iluminar a terra toda e noacutes soacute um pequeno estuacutedio As
diferenccedilas de tamanho satildeo irrelevantes para o raciociacutenio Para se chegar ao
pequeno partimos do grande Nada no pequeno mundo da fotografia inexiste no
vasto mundo de todos noacutes Talvez a uacutenica coisa que possamos criar e que jaacute natildeo
exista em escala maior e em melhor forma na natureza seja a escrita (MOURA
2001 p 20)
Breslin (2009 p88) acredita que a luz consiste na base da miacutedia visual pois
―tecnicamente a luz fornece a energia que nos permite reproduzir uma imagem
Esteticamente a luz junto com a composiccedilatildeo revela verdades e mentiras criando beleza e
26
feiura dentro do quadro Para Martin (2003 p 71) a iluminaccedilatildeo eacute o ―fator decisivo da
expressividade da imagem poreacutem sua importacircncia natildeo eacute percebida pelo espectador
devido ao fato de possibilitar a criaccedilatildeo de uma atmosferalsquo elemento este dificilmente
analisaacutevel
As sombras criadas com a iluminaccedilatildeo ―ajudam a transmitir profundidade clima e
lugar mas devem ser cuidadosamente controladas A iluminaccedilatildeo na verdade pode ser
definida como lanccedilar e controlar as sombrasrdquo (BRESLIN 2009 p95) Sendo assim a
luz possui vaacuterias caracteriacutesticas essenciais qualidade direccedilatildeosentido contraste
uniformidade cor e intensidade
Conforme Sousa (2004) a qualidade da luz refere-se principalmente ao tipo de
sombra que um objeto iluminado produz seja ela dura e definida ou suave a gradual
Breslin (2009) confirma tal classificaccedilatildeo ao dizer que
A qualidade de uma fonte de luz tem a ver com o modo como as ondas
percorrem o espaccedilo Se elas o fazem em linha reta a partir da fonte ateacute iluminar
o objeto satildeo refletidas de volta para a lente de um olho ou cacircmera em linhas
similarmente retas Isso produz luz dura direta ou localizada A energia
luminosa cobre uma aacuterea relativamente pequena mas manteacutem a intensidade ou
brilho maacuteximos A luz direta enfatiza a textura (BRESLIN 2009 p92)
A autora acrescenta que a luz que atinge um objeto pode ser dura ao produzir
sombras nitidamente definidas e partes mais claras distintas Jaacute quando produz partes
claras e sombras sutis e com uma borda menos definida ela eacute classificada como uma luz
suave Assim a luz comeccedila direta mas suas ondas podem desviar ou refletir de uma a
outra superfiacutecie ateacute que encontram o seu caminho para a lente Dependendo do caminho
percorrido se ―produz luz suave difusa ou lavada Uma fonte de luz difusa cobriraacute uma
aacuterea grande mas eacute menos intensa ou brilhante do que a mesma quantidade inicial de luz
direta na mesma distacircncia do objeto (BRESLIN 2009 p93)
Salles (2006) ressalta que ao iluminar artificialmente uma cena qualquer os planos
de composiccedilatildeo de luz desta cena devem ser cuidadosamente elaborados a fim de que a
fotografia do filme esteja em harmonia esteacutetica com o roteiro e sua proposta
22 Cor
Durante praticamente quarenta anos o cinema se manteve em preto e branco
Qualidade natural dos seres e objetos a cor possibilita maior realismo nas obras fiacutelmicas
pois aumenta a veracidade da imagem
27
Sendo assim a partir de um trabalho manual dos teacutecnicos que coloriam os filmes agrave
matildeo ou com o auxiacutelio de paletas eacute que se tornou possiacutevel colocar cor nas telas mediante
muito trabalho Experiecircncias foram realizadas e tomou-se conhecimento de uma nova
teacutecnica os chamados ―banhos onde a peliacutecula era tingida com cores uniformes com o
intuito de atribuir tanto realismo quanto simbolismo Basicamente era usado azul para
designar a noite e amarelo para as cenas de interiores agrave noite enquanto que para
simbolizar os incecircndios e as revoluccedilotildees optava-se pelo vermelho e para as matas e
paisagens a cor verde (MARTIN 2003) A bicromia e a tricomia comeccedilaram a serem
utilizadas em meados dos anos 30 No entanto eacute apenas na metade dos anos 50 que a cor
passou a ser usada de forma generalizada
Natildeo se pode negar que a cor possui um papel fundamental na composiccedilatildeo da
fotografia cinematograacutefica A partir de sua utilizaccedilatildeo torna-se possiacutevel representar a
realidade com mais perfeiccedilatildeo e precisatildeo Aumont (2003 p63) acrescenta que ―apesar da
especificidade da cor no cinema o modelo criacutetico e esteacutetico foi quase sempre a pintura
Esta circulou enormemente no imaginaacuterio fiacutelmico em trecircs grandes formas a
ficcionalizaccedilatildeo a imitaccedilatildeo e a anaacutelise sendo a base para as futuras produccedilotildees
audiovisuais Contudo o autor ressalta que
a ausecircncia de leis gerais e verificaacuteveis explica a ausecircncia quase total de reflexatildeo
teoacuterica sobre a cor na imagem em movimento As uacutenicas consideraccedilotildees agraves
vezes propostas no tocante ao valor simboacutelico ou expressivo da cor (o vermelho
como siacutembolo de guerra ou de paixatildeo o azul bem como o azul-celeste para a
paz o violeta associado agrave lamentaccedilatildeo funeraacuteria etc) Como tais valores satildeo bem
variaacuteveis conforme as culturas e as eacutepocas Eacute difiacutecil fazer uma teoria deles e a
esteacutetica da cor no cinema confunde-se praticamente com a constataccedilatildeo de
estilos pessoais ou de efeitos de gecircnero (AUMONT 2003 p63)
Ainda em relaccedilatildeo ao uso das cores fala-se em harmonia e contraste cromaacutetico A
harmonia ocorre quando em uma imagem existem cores proacuteximas (laranja amarelo
torrado amarelo e vermelho) Jaacute ao mencionar contraste cromaacutetico se refere quando na
imagem existem cores contrastantes (azul vs Vermelho amarelo vs Violeta por
exemplo) Contudo Sousa (2004) revela outras maneiras de evidenciar contraste
cromaacutetico (a) contraste de cores fortes com cores neutras (por exemplo vermelho vivo vs
cinzento claro) (b) complementaccedilatildeo entre cores claras e cores escuras (por exemplo o
amarelo-limatildeo faz o azul marinho parecer mais escuro) (c) contraste entre tons intensos
da mesma cor (o vermelho carregado contrasta com o vermelho claro)
Sousa (2004) acrescenta que eacute possiacutevel expressar quietude e tranquumlilidade ao
recorrer agrave harmonia cromaacutetica de cores quentes suaves como o castanho-terra suave e o
28
amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada
diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis
Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de
ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem
teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas
especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade
Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores
satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada
espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos
valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem
23 Enquadramentos
O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que
determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo
que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores
O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada
Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira
como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave
objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela
Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos
teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos
notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena
mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar
mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico
Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o
tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos
objetos que constituem a cena
Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees
possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de
detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar
Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma
29
―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para
a tela
231 Planos
O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre
dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no
qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute
determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da
objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da
narrativa que se pretende obter
Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada
autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute
possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos
planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o
observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta
planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os
intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro
plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens
plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por
exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA
(2004 p67-68)
A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano
Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade
fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte
1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro
2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos
joelhos para cima ou da cintura para cima
3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um
pouco abaixo
4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima
5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator
6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na
altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas
30
232 Acircngulos de Filmagem
De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto
que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir
um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo
superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto
que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade
No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de
baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de
superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e
do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do
personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele
em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador
233 Movimentos de Cacircmera
Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por
Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da
ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental
de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a
descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou
uma personagem
Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de
cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o
deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem
constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A
panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio
eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a
trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com
o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural
Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou
complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir
de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um
―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena
31
3 O cinema de autor
No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria
recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas
produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo
(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na
tela diferentes percepccedilotildees diante da trama
Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de
vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de
variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao
participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim
conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro
Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista
produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete
instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs
Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo
No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)
juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores
(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os
produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do
filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas
No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith
4
Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico
2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do
cinema mudo
3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano
um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas
4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de
Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o
movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o
filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)
5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro
de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia
de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou
em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia
32
devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e
dirigindo na publicidade de seus filmes
Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica
quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na
―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do
existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do
autor
Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-
sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e
substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a
atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando
que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo
metafiacutesicas (STAM 2003 p111)
Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo
que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi
responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou
a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras
refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica
abordando o ato de fazer e assistir a um filme
Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita
sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de
determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a
mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais
cineastas
Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers
Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica
Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes
que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar
conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as
filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios
seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma
simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)
Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do
Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os
grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas
6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem
como no sete de filmagem
33
como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o
suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e
o puacuteblico como seu divertimento
Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no
cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes
nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees
inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo
autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de
caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor
(COVALESKI 2009 p83)
Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o
contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa
eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a
obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma
noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a
outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI
2009 p 84)
Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute
responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo
do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute
responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas
necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo
com Bernardet
Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua
maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um
filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que
preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em
perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)
O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem
traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na
direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas
optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas
uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na
direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta
34
Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora
diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior
originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade
crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais
Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de
autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para
Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do
discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia
Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e
situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi
apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser
considerado como tal
O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica
com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra
determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem
defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos
paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor
Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja
autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de
1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e
Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de
presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de
suas matildeos
Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo
(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do
curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos
experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar
Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo
Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se
tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila
Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras
produtoras independentes do paiacutes
No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute
que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal
35
Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam
de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que
Meirelles considera ter feito em sua vida
No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas
publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos
que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar
notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar
e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas
da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para
natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar
em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade
Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a
produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando
Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2
Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no
mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios
internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca
de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio
Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede
Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura
completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um
departamento juriacutedico aacutegil
Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme
foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes
selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival
Internacional de Rotterdam
O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de
20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores
no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais
Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo
internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores
filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro
indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o
filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta
36
Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado
como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no
manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a
pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo
sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No
entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional
Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao
levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner
o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na
categoria de Melhor Diretor
Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando
Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do
romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O
filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14
de maio de 2008
37
4 Metodologia
A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando
compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria
nos filmes de Fernando Meirelles
Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave
argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise
detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades
sociais
Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo
aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de
entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira
indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o
caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como
objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro
Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra
selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes
representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a
esteacutetica publicitaacuteria
Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que
seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem
fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de
expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica
Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do
conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia
e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise
a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e
organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir
das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)
interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em
funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo
Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise
fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra
que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da
38
linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa
fiacutelmica
Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo
1 Preacute-anaacutelise
a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor
enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)
2 Descriccedilatildeo Analiacutetica
a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos
3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando
em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes
Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute
necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo
haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica
efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo
pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando
necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que
considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde
que natildeo descarte as antecedentes
39
5 Anaacutelises
Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica
publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel
a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica
descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo
estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a
narrativa de cada um dos filmes
Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de
Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)
51 Domeacutesticas
Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas
40
Sinopse
Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de
Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada
Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa
sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar
de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute
Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida
Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com
um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por
missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a
mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que
satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se
estivessem dando uma espeacutecie de depoimento
Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas
aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de
emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o
outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das
domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo
Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo
encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas
por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do
plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave
novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um
sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da
profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento
cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes
publicitaacuterios
41
Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas
(Plano aberto e plano conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas
com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal
Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos
lateralizados
A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em
plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo
pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee
possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem
disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco
conotando mais tristeza agrave cena
Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e
cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como
acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute
limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera
tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no
estacionamento do preacutedio
Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em
que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a
personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o
deslocamento da personagem daquele mundo
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Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas
(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de
serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves
tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas
com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)
Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em
um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um
domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao
casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte
observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre
sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o
responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua
profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela
As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena
No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo
agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute
43
devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de
nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude
alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade
sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento
Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as
personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo
O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo
vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das
diversas dificuldades no seu dia-a-dia
O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano
meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em
meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave
criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)
isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo
dos exageros
Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna
da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores
quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde
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e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila
dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme
Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas
52 Cidade de Deus
Sinopse
O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro
protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou
um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a
estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto
de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante
amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente
suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num
ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele
descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se
fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista
do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos
45
principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria
mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um
mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute
Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro
dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto
Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos
bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute
usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute
centralizada e em leve plongeacutee
Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no
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comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo
frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas
casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e
suave
A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do
traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na
criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar
perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-
plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem
Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano
geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo
compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando
naturalidade
Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)
47
Iluminaccedilatildeo e cor
Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo
deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute
observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa
frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo
pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo
Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste
elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem
a funccedilatildeo de criar um visual expressivo
Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente
natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a
inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre
dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na
cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute
ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo
consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena
interna e provavelmente noturna
Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua
maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais
frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo
com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute
amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute
modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos
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periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo
publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama
Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante
Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com
a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um
material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a
imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee
com armas em punho apontadas para os policiais
Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela
49
Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus
53 O Jardineiro Fiel
Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel
50
Sinopse
O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em
Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa
uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem
aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para
substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes
um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute
transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu
idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a
trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin
acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir
na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de
amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa
estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional
envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em
seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a
disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no
Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e
ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar
como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se
para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final
bastante diferente do que seria esperado
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a
imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia
de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio
em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao
lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar
para se proteger
Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem
Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em
51
plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades
azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um
embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em
plongeacutee e plano aberto em conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na
figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A
imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano
aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo
dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais
amenos frios
Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada
retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao
receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade
possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento
As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a
imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua
52
Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em
leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens
contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante
natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel
perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral
aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores
quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave
luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem
composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local
em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo
A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela
cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A
impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena
que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma
53
desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do
ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas
sim no seu proacuteprio lucro
Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de
ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir
contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis
por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele
seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com
movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma
arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite
suavidade e calor agrave cena
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel
(variaccedilatildeo entre suave e dura)
Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando
com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na
lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em
equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira
imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais
onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena
54
ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens
em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)
ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem
possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua
composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)
como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel
54 Ensaio sobre a Cegueira
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira
55
Sinopse
O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que
atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas
passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no
tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados
em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a
lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a
uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que
juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute
baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com
o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de
cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo
manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O
enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para
a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e
branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria
compotildee as cenas da trama
Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento
panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da
trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade
esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o
motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa
ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais
Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o
motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo
adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de
quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia
56
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
57
Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
58
A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
59
do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
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65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
11
enquadramentos planos acircngulos e movimentos de cacircmera o terceiro capiacutetulo teoriza
sobre o cinema de autor e aborda o autor em questatildeo Fernando Meirelles o quarto
capiacutetulo elucida o processo metodoloacutegico aplicado no desenvolvimento do trabalho o
quinto capiacutetulo encarrega-se de demonstrar os exerciacutecios analiacuteticos empreendidos nos
frames do corpus e o sexto capiacutetulo preocupa-se com as consideraccedilotildees finais da pesquisa
12
1 Linguagem e Esteacutetica Audiovisual
Por poder ser captada simultaneamente pelo olho e pelo ouvido a linguagem
audiovisual permite o envolvimento completo do seu espectador diante da fusatildeo do som e
da imagem em movimento A fusatildeo entre aacuteudio e viacutedeo possibilita um paralelo entre o
racional e o sensorial de modo que a mesma consegue dizer muito mais do que
conseguimos captar pois chega simultaneamente por muito mais caminhos do que
conscientemente percebemos
O viacutedeo incluiacutedo em um meio de comunicaccedilatildeo de massa eacute utilizado como forma
de expressatildeo aleacutem de estruturar novas teacutecnicas tanto no processo de gravaccedilatildeo e de poacutes-
produccedilatildeo Tais teacutecnicas satildeo responsaacuteveis por todo o cruzamento de narrativas hoje
utilizadas pelo cinema e pela publicidade
O viacutedeo eacute um sistema hiacutebrido ele opera com coacutedigos significantes distintos
parte importados do cinema parte importados do teatro da literatura do raacutedio e
mais modernamente da computaccedilatildeo graacutefica aos quais acrescenta alguns
recursos expressivos especiacuteficos alguns modos de formar ideacuteias ou sensaccedilotildees
que lhe satildeo exclusivos (MACHADO 1997 p 190)
Dubois (2004 p77) define a estetizaccedilatildeo videograacutefica como ―uma linguagem (ou
uma esteacutetica) particular (mas de nenhum modo exclusiva) que pertence a loacutegicas
diferentes e potildee em jogo questotildees de ordem muito diversa que as do cinema O
surgimento do viacutedeo possibilitou novas tecnologias como por exemplo a televisatildeo
Diante disso o autor classifica dois modos principais de representaccedilatildeo em viacutedeo
O modo plaacutestico (a ―videoarte em suas formas e tendecircncias muacuteltiplas) e[] o
modo documentaacuterio (o real ndash bruto ou natildeo ndash em todas as suas estrateacutegias de
representaccedilatildeo) E sobretudo ndash eacute o que os une contra a transparecircncia - ambos
com um senso constante do ensaio da experimentaccedilatildeo da pesquisa da inovaccedilatildeo
(DUBOIS 2004 p77)
De acordo com Gutierrez (1992) dentro de noacutes acontece uma repercussatildeo em
imagens baacutesicas centrais simboacutelicas arquetiacutepicas com as quais nos identificamos ou que
se relacionam conosco de alguma forma consistindo na representaccedilatildeo de uma realidade
em movimento
A linguagem audiovisual responsaacutevel por tal representaccedilatildeo eacute constituiacuteda por
alguns elementos fundamentais (1) o plano - cada parte da fita que se apresenta ao
espectador como tendo sido filmada sem interrupccedilotildees (2) a cena - o conjunto de planos
cuja accedilatildeo eacute contiacutenua e decorre numa relativa unidade de tempo e espaccedilo constitui as cenas
13
e as sequumlecircncias (3) o enquadramento - a variaccedilatildeo da longitude da cacircmera agrave cena filmada
por meio de movimento (sem interrupccedilatildeo da filmagem) dentro do mesmo plano a
variaccedilatildeo do enquadramento e (4) a montagem ndash procedimento de organizaccedilatildeo do conjunto
de cenas sequumlecircncias e planos que formam a obra fiacutelmica
Tais elementos audiovisuais estatildeo presentes tanto nas produccedilotildees cinematograacuteficas
quanto nas produccedilotildees publicitaacuterias poreacutem o modo como satildeo utilizados eacute que as difere
Segundo Aumont (1995) inicialmente o cinema era desprovido de uma linguagem pois
apenas refletia o registro de um espetaacuteculo uma simples reproduccedilatildeo do real Entretanto
com o intuito de contar histoacuterias e veicular ideias o cinema precisou utilizar determinados
procedimentos expressivos os quais passaram a constituir sua linguagem
Assim sendo pode-se definir a linguagem cinematograacutefica como ―o conjunto das
mensagens cujo material de expressatildeo compotildee-se de cinco pistas ou canais a imagem
fotograacutefica em movimento os sons foneacuteticos gravados os ruiacutedos gravados o som musical
gravado e a escrita (creacuteditos intertiacutetulos materiais escritos no interior do plano) (STAM
2003 p132) A utilizaccedilatildeo em sinergia desse grande nuacutemero de elementos possibilita uma
maior variedade de abordagens nas produccedilotildees audiovisuais Por exemplo uma montagem
natildeo-linear com ritmo acelerado de troca de planos acircngulos e enquadramentos eacute a marca
das realizaccedilotildees videograacuteficas contemporacircneas
Para Balaacutezs apud Stam (1995) a linguagem cinematograacutefica pode ser definida a
partir de 4 princiacutepios
- no cinema existe uma distacircncia variaacutevel entre espectador e cena representada
daiacute uma dimensatildeo variaacutevel da cena que toma lugar no quadro e na composiccedilatildeo
da imagem
- a imagem total da cena eacute subdividida em uma seacuterie de planos de detalhes
(principio da decupagem)
- existe variaccedilatildeo de enquadramento (acircngulo de visatildeo perspectiva) dos planos de
detalhe no decorrer da mesma cena
- finalmente eacute a operaccedilatildeo da montagem que garante a inserccedilatildeo dos planos de
detalhes em uma sequumlecircncia ordenada na qual natildeo apenas cenas inteiras se
sucedem mas tambeacutem tomadas de detalhes mais miacutenimos de uma mesma cena
A cena em seu conjunto eacute resultado disso como se os elementos de um mosaico
temporal fossem justapostos no tempo (BALAacuteZS apud STAM 1995 p163-
164)
O cinema busca traduzir a realidade atraveacutes da representaccedilatildeo artiacutestica mediante o
uso de teacutecnicas pertencentes agrave linguagem audiovisual Stam (2003 p132) acrescenta que
se torna linguagem a partir do momento em que comunica ―um conjunto de mensagens
formuladas com base em um determinado material de expressatildeo um discurso ou praacutetica
significante caracterizado por codificaccedilotildees e procedimentos ordenatoacuterios especiacuteficos
14
Por volta de 1750 a palavra esteacutetica foi inventada com o intuito de designar uma
―ciecircncia dos sentimentos posteriormente uma ―ciecircncia do belo Atualmente eacute
empregada igualmente no plural para se referir agraves diversas concepccedilotildees do belo e da arte
Segundo Aumont e Marie (2003) natildeo existe esteacutetica constituiacuteda do cinema mas questotildees
de natureza esteacutetica foram frequumlentemente discutidas a respeito dele em torno dos
seguintes problemas
1 O cinema entre as artes natildeo tendo sido o cinema de iniacutecio aceito como
arte (mas como teacutecnica ou como distraccedilatildeo) sua especificidade artiacutestica foi
muitas vezes salientada Em particular ele foi por isso confrontado e
comparado com artes reconhecidas a muacutesica (Gance) a pintura (Bazin
Aumont Bonitzer) o teatro (Pagnol) valorizando a cada vez uma
caracteriacutestica particular do cinema o ritmo o enquadramento a fala a
cenicidade etc
2 A especificidade do fiacutelmico ela diz respeito a alguns traccedilos fundamentais
estudados nos mais das vezes de pontos de vista bem diferentes o
movimento (Munsterberg Deleuze) a mobilidade do ponto de vista
(Souriau Metz Jost Aumont) a sequencialidade e a montagem
(Eisenstein)
3 A possibilidade de uma poeacutetica do cinema ndash ou seja de uma concepccedilatildeo
geral da natureza do cinema da criaccedilatildeo fiacutelmica da relaccedilatildeo do fiacutelmico com o
mundo afilmico ou profilmico etc A respeito desse ponto observa-se uma
grande oposiccedilatildeo entre poeacuteticas realistas ndash o filme como transparecircncia
(Kracauer) a ―liacutengua escrita da realidade (Pasolini) o ―cine-olho
(Vertov) - e poeacuteticas formalistas ndash o ―cinema-linguagem (Eisenstein) a
fotogenia (Epstein) o filme como grande forma (Buch) etc
4 A possibilidade de uma arte de massa imposta pela induacutestria e pela teacutecnica
(Panofsky) (AUMONT MARIE 2003)
Para Covaleski (2009 p77) a esteacutetica do cinema estaacute diretamente relacionada com
a natureza reprodutiva e mecacircnica do meio cinematograacutefico Segundo o autor eacute possiacutevel
destacar duas teorias mesmo que distintas em que se refere agrave natureza reprodutiva do
cinema A primeira de Walter Benjamin afirma que toda a problemaacutetica da esteacutetica
relacionada ao cinema estaacute centrada no ―contexto da crise do sistema tradicional das artes
cuja modalidade de percepccedilatildeo cinematograacutefica essencialmente coletivalsquo e distraiacutedalsquo eacute
sua proacutepria causa e efeito Jaacute a segunda teoria de Andreacute Bazin constata que o problema
esteacutetico estaacute ligado ao caraacuteter mecacircnico da reproduccedilatildeo ou seja ―eacute a ausecircncia de uma
intervenccedilatildeo por parte da interpretante e a deformaccedilatildeo causada pela projeccedilatildeo que teoriza
tal problemaacutetica Jaacute Aumont (2002 p15-16) ressalta que a esteacutetica do cinema confere dois
aspectos ―uma vertente geral que considera o efeito esteacutetico proacuteprio do cinema e uma
vertente especiacutefica centrada na anaacutelise de obras particulares Sendo assim refere-se agrave
anaacutelise de filmes ou a criacutetica no sentido pleno do termo
15
Na obra fiacutelmica os aspectos esteacuteticos satildeo apresentados diante de uma
categorizaccedilatildeo dos elementos que constituem a manifestaccedilatildeo esteacutetica no cinema Segundo
Covaleski (2009) ―tais manifestaccedilotildees se datildeo sobre vaacuterias formas ora icocircnicas ora
focircnicas ora graacuteficas ora oacuteticas ora sonoras ora auditivas e estatildeo em processo de
evoluccedilatildeo devido ao surgimento de novas tecnologias de comunicaccedilatildeo juntamente com
novas manifestaccedilotildees artiacutesticas
No decorrer do seacuteculo XX mediante tais transformaccedilotildees houve a geraccedilatildeo de
novas noccedilotildees de criaccedilatildeo de arte de esteacutetica Conforme Plaza (2000) ocorreu um
―deslocamento das funccedilotildees instauradoras (a poeacutetica do artista) para funccedilotildees de
sensibilidade receptora (esteacutetica) o que produz no meio artiacutestico uma grande confusatildeo
conceitual caracterizada pela mistura e hibridaccedilatildeo de gecircneros poeacuteticas e atitudes
artiacutesticas
Pode-se compreender com base em Covaleski (2009) que a chegada da arte do
cinema agrave tevecirc trouxe tambeacutem padrotildees esteacuteticos que aos poucos foram incorporados ao
meio televisual aleacutem de serem consumidos em larga escala pela publicidade Percebe-se
que boa parte dos comerciais de tevecirc os chamados filmes publicitaacuterios alcanccedilam mais
destaque que a proacutepria programaccedilatildeo devido aos recursos tecnoloacutegicos e a linguagem
adaptada do cinema utilizado em suas produccedilotildees Sendo assim ao serem criados e
produzidos com preocupaccedilotildees esteacuteticas e cuidados artiacutesticos possibilitou gerar um
receptaacuteculo proacuteprio a esteacutetica publicitaacuteria
Diante do debate entre o aspecto utilitaacuterio e o aspecto artiacutestico da mensagem cabe
agrave publicidade recorrer agraves funccedilotildees da linguagem Para o autor natildeo importa se sejam as
poeacuteticas conativas ou referenciais mas sim sua finalidade de elevar e diversificar o
conjunto de repertoacuterios de seu puacuteblico-alvo contribuindo assim para a aceitaccedilatildeo de uma
nova esteacutetica
Tal questatildeo esteacutetica para alguns autores eacute tratada como uma espeacutecie de fetiche
cinematograacutefico Eacute possiacutevel perceber a veneraccedilatildeo e a adoraccedilatildeo de determinados elementos
constituintes da narrativa - do figurino do cenaacuterio ou ateacute mesmo da performance cecircnica
do ator ndash como intuito de simbolizar objeto de culto estabelecer um valor icocircnico a este
Conforme Covaleski (2009 p79-80) desde ―a criaccedilatildeo de mitos do cinema ao lanccedilamento
de moda passando pelo merchandising institucionalizado a esteacutetica cinematograacutefica
contribui na formaccedilatildeo e evoluccedilatildeo de comportamentos fetichistas por parte da sociedade
movida por novos sonhos de consumo e por novas divindades a cultuar
16
A partir da reflexatildeo de Carvalho (2003) a cerca dos estudos de Leacutevi-Strauss pode-
se dizer que a individualizaccedilatildeo da produccedilatildeo demonstrar o aparecimento de uma
consciecircncia criacutetica por parte do receptor que retira da esteacutetica-primitiva o seu dever social
A obra sendo produzida individualmente sem necessidade de bastar a uma sociedade ou
clatilde A esteacutetica-moderna depende apenas da aprovaccedilatildeo ou natildeo de uma clientela ―de classe
(como utiliza o autor) para se firmar como arte
Ao mesmo tempo com a evoluccedilatildeo da criacutetica de arte e o aparecimento do
abstracionismo Leacutevi-Strauss iraacute demonstrar um propoacutesito antimodernista ao perceber a
banalizaccedilatildeo presente na arte do poacutes-guerra Aleacutem da hiper-valorizaccedilatildeo da criacutetica a
representaccedilotildees pictoacutericas sem compromisso artiacutestico Poreacutem dentro desta mesma vertente
podemos repassar seu conceito de arte que funde a ciecircncia e o mito na concepccedilatildeo do
espiacuterito humano (pensamento criador) em outro de seus pensamentos a loacutegica do
sensiacutevel Loacutegica regida pela possibilidade de unir muacutesica e mito ou romance e mito atraveacutes
de uma ―estrutura-funccedilatildeo Todo meio artiacutestico pode ser fundido a outro ou recriado
desde que o estruturalismo presente no espiacuterito humano conceba um fim artiacutestico
A inter-relaccedilatildeo do cinema e da publicidade audiovisual resulta dos aspectos dessa
linguagem pois ambos constituem meios audiovisuais que trabalham a partir de uma
mesma base de composiccedilatildeo e de montagem de elementos expressivos para criar um
determinado plano de conteuacutedo narrativo e de significado o que configura esteacuteticas
diferenciadas
A modernidade da imagem cinematograacutefica eacute reflexo de um processo histoacuterico
em que a arte tenta se renovar em releituras de seus proacuteprios conceitos e criaccedilatildeo
de outros A diversidade estiliacutestica caracteriacutestica do cinema comercial da deacutecada
de 90 retrata uma geraccedilatildeo multimiacutedia de novos profissionais e espectadores que
acabaram por alterar os rumos da cinematografia contemporacircnea
(CARVALHO 2003)
Tais mudanccedilas de abordagem satildeo visiacuteveis natildeo apenas no cinema como tambeacutem nos
videoclipes nos games e na publicidade Refere-se a uma nova perspectiva de criaccedilatildeo
audiovisual na tentativa de romper as barreiras das produccedilotildees tradicionais e enfatizar o
surgimento de novas possibilidades Tais rupturas contribuem para a mudanccedila no
comportamento dos sujeitos contemporacircneos
O pensador de agora jaacute natildeo se senta mais agrave sua escrivaninha diante de seus
livros para dar forma ao seu pensamento mas constroacutei as suas ideias manejando
instrumentos novos ndash a cacircmera a ilha de ediccedilatildeo o computador - invocando
ainda outros suportes de pensamento sua coleccedilatildeo de fotos filmes viacutedeos
discos ndash sua mideoteca enfim (DUBOIS 2004 p19)
17
O pensamento audiovisual contemporacircneo constata essa hibridizaccedilatildeo essa
convergecircncia de elementos responsaacuteveis por uma mudanccedila de conduta Deste modo
Dubois (2004 p25) ressalta a existecircncia do imaginaacuterio cinematograacutefico presente em
todos os lugares e impregnado ―ateacute em nossa maneira de falar ou de ser Quem ao
percorrer de carro um longo trajeto numa vasta paisagem aberta natildeo pensou com a ajuda
da muacutesica no raacutedio numa figura de travelling mergulhando na tela panoracircmica de seu
paacutera-brisa
Em relaccedilatildeo agrave esteacutetica publicitaacuteria Carvalho (2003) ressalta uma possiacutevel ―morte
do cinema Vaacuterios criacuteticos apostam nessa ―morte diante do uso de recursos estiliacutesticos
que estariam se sobressaindo na concepccedilatildeo criadora do filme em contraposiccedilatildeo ao
realismo bem como da evoluccedilatildeo da teacutecnica que distancia o cinema de sua perspectiva
fotograacutefica Resultando assim na valorizaccedilatildeo da imagem em detrimento da representaccedilatildeo
Contudo o autor ressalva que tal concepccedilatildeo de retrato da realidade aleacutem de
ultrapassada estaacute reformulada no estudo do ―espiacuterito humano de Leacutevi-Strauss Este
estudo baseia-se no posicionamento da seacutetima arte como uma visatildeo moderna do homem
diante da realidade a visatildeo em que a cacircmera capta a imagem e natildeo o objeto
Enquanto isso Merquior (1975) busca uma maneira de refletir e re-posicionar as
concepccedilotildees de Leacutevi-Strauss quanto agrave arte contemporacircnea
Em vez de vociferar sobre a verdade factuallsquo da morte da artelsquo conviria
colocar a problemaacutetica implicada por essas teses em relaccedilatildeo a uma das
tendecircncias mais fecundas do estruturalismo ndash sua vontade de ultrapassar as
anaacutelises estanques dos domiacutenios culturais (arte religiatildeo ciecircncia etc) de
encorajar a pesquisa de afinidades estruturais e funcionais entre esses camposlsquo
sem jamais esquecer que satildeo todos faces de uma mesma realidade o espiacuterito
humano (MERQUIOR 1975 p79)
Em seu texto A Dupla Heacutelice Raimond Bellour consegue ver logo no viacutedeo ndash base
da esteacutetica publicitaacuteria ndash e na tecnologia digital o resumo desta realidade emergente
O viacutedeo leva assim agrave sua perda essa capacidade de analogia dilatada agraves
dimensotildees do universo pela primeira vez os corpos e os objetos do mundo satildeo
virtualmente desfiguraacuteveis (e logo refiguraacuteveis) ao sabor de uma potecircncia que
transforma em tempo real ou quase natildeo diferido (e natildeo mais somente como no
cinema por uma lenta elaboraccedilatildeo cujas trucagens constituem o modelo) as
representaccedilotildees que capta seu olho mecacircnico Isso explica o fato de a viacutedeo-
imagem a caccedilula das imagens de reproduccedilatildeo poder aparecer simultaneamente
como uma nova imagem irredutiacutevel ao que a precede mas tambeacutem uma
imagem capaz de atrair de absorver de misturar todas as imagens anteriores
pintura fotografia cinema (BELLOUR Raimond in PARENTE 1993 p223)
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Em funccedilatildeo disso a esteacutetica publicitaacuteria natildeo passaria apenas de um mero
abstracionismo imageacutetico do cinema mas sim a siacutentese de uma movimentaccedilatildeo esteacutetica que
atravessa todas as artes denominada Poacutes-modernidade Cultural Muito aleacutem de um
recurso estiliacutestico as imagens de ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus entre outros filmes
tachados como videoclipeiros ou publicitaacuterios refletem na representaccedilatildeo do olhar do
homem moderno Toda essa fundamentaccedilatildeo estaacute na fusatildeo da linguagem videograacutefica com
a fotograacutefica do cinema Ao inveacutes de ampliar a visatildeo da rapidez das coisas tenta-se
reduzir o que ocorre agrave nossa volta em conceitos voltado aos meios artiacutesticos
11 Interfaces cinema e publicidade
Com o intuito de construir um sentido proacuteprio para cada filme o cinema atua em
momentos esparsos e depende da disposiccedilatildeo do espectador para que a obra fiacutelmica seja
consumida Em contrapartida a televisatildeo oferece uma programaccedilatildeo diversificada sem
interrupccedilotildees 24h por dia Assim o espectador recebe informaccedilotildees se diverte com
seriados novelas e filmes sem sair de casa
Percebe-se que a origem do discurso nunca eacute autocircnoma mas sim dependente de
outros discursos em que buscou referecircncia Bliskstein (1994 p45) constata que
―suportado por toda uma intertextualidade o discurso natildeo eacute falado por uma uacutenica voz mas
por muitas vozes geradoras de muitos textos que se intercruzam no tempo e no espaccedilo
Na deacutecada de 60 Kristeva introduziu o termo intertextualidade como uma traduccedilatildeo
para ―dialogismo que se refere agrave relaccedilatildeo entre um enunciado e os demais enunciados De
acordo com Stam (2003) a intertextualidade eacute um conceito de valor na medida em que
possibilita relacionar o texto individual com as demais formas de representaccedilatildeo natildeo
somente com outros textos
Intertextualidade eacute vista por Fiorin (2002) como a forma de incorporar um texto em
outro aleacutem de ser polecircmica quando propotildee uma oposiccedilatildeo ao sentido do texto original ou
contratual quando o reforccedila e o enaltece Assim sendo a intertextualidade polecircmica eacute
conhecida como paroacutedia enquanto a intertextualidade contratual como paraacutefrase Aleacutem
disso classifica tambeacutem em
citaccedilatildeo (referecircncia literal a outro texto usando parte deste) alusatildeo (reproduccedilatildeo
de construccedilotildees sintaacuteticas substituindo algumas figuras do texto original por
outras) e estilizaccedilatildeo (reproduccedilatildeo do estilo de outrem no plano da expressatildeo ou
no do conteuacutedo) (FIORIN apud COVALESKI 2009 p 39)
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A seguir uma abordagem mais detalhada de cada uma das relaccedilotildees intertextuais
entre o cinema e a publicidade televisual na visatildeo de Covaleski (2009)
a) citaccedilatildeo a publicidade desfruta desse recurso criativo com maestria Uma uacutenica
obra cinematograacutefica pode originar uma grande variaccedilatildeo de citaccedilotildees ancoradas
a uma mesma cena claacutessica evidentemente emblemaacutetica contundente o
bastante para se tornar perene no imaginaacuterio coletivo transpondo barreiras
culturais e temporais Pode-se citar como exemplo a cena emblemaacutetica em que
a atriz Marilyn Monroe tem sua saia levantada devido ao deslocamento de ar
durante a passagem do metrocirc no filme O Pecado Mora ao Lado (The Seven
Year Itch de Billy Wilder ndash 1955) Essa cena muito conhecida jaacute foi usada
diversas vezes e de diferentes formas pela publicidade Exemplo disso foi a
colocaccedilatildeo de uma saia ndash a la Marilyn ndash em garrafas de vodka da marca
Absolut
b) alusatildeo mais sutil que a citaccedilatildeo remete a uma obra anterior poreacutem sem fazer
uso de fragmentos dela Utiliza somente uma construccedilatildeo equivalente
substituindo determinadas figuras por outras A alusatildeo recorrente no cinema eacute
facilmente percebida em filmes que pertencem a um mesmo gecircnero
cinematograacutefico Na publicidade a intertextualidade com o cinema utilizando a
alusatildeo aparece em comerciais de anunciantes dos mais diferentes segmentos de
mercado bem como os filmes de onde saiacuteram as inspiraccedilotildees pertencem aos
mais diversos gecircneros O filme francecircs O Fabuloso Destino de Ameacutelie Poulain
(Le Fabuleux Destin drsquoAmeacutelie Poulain de Jean-Pierre Jeunet - 2001) eacute uma
obra com clara influecircncia da linguagem publicitaacuteria Muito disso se deve
devido agrave vivecircncia de Jeunet em meio agrave publicidade Eacute o caso deste trabalho jaacute
que Fernando Meirelles trabalhou com publicidade antes de seguir carreira no
cinema Um exemplo de alusatildeo a este filme se percebe na campanha do
automoacutevel Renault Sceacutenic ndash um anatildeo de jardim eacute sequumlestrado por um grupo de
amigos e aprova seu novo endereccedilo mandando uma carta agrave sua antiga dona
avisando que natildeo voltaraacute mais para casa Deste modo a campanha faz alusatildeo
ao argumento de liberdade explorado na obra francesa
c) estilizaccedilatildeo ato de reproduzir um conjunto de procedimentos de caracteriacutesticas
de formas e de conteuacutedos do discurso de outrem Eacute recorrer agrave estrutura seja no
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plano da expressatildeo ou no do conteuacutedo produzindo um efeito de
personalizaccedilatildeo muito embora remeta a obra anterior independente de
estabelecer uma relaccedilatildeo polecircmica ou contratual com aquela A estilizaccedilatildeo
intertextual na publicidade com referencial cinematograacutefico eacute constante e
ultrapassa o uso apenas dos elementos de linguagem cinematograacutefica Alguns
filmes publicitaacuterios utilizam em suas produccedilotildees as teacutecnicas de trucagem1 se
aproveitam dos efeitos especiais e ateacute dos estilos lanccedilados pelo cinema Um
bom exemplo dessa estilizaccedilatildeo encontra-se em um comercial da Samsung que
se utilizada da mesma esteacutetica tecnoloacutegia e uso de efeitos especiais do filme
Matrix (The Matrix de Andy e Larry Wachowski - 1999)
No Brasil de acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber tambeacutem um
caminho oposto a esta intertextualidade Cada vez mais a publicidade interfere na atual
produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este papel de fonte de
referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem audiovisual nas
produccedilotildees contemporacircneas como eacute o caso dos filmes ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus
―O Jardineiro Fiel e ―Ensaio sobre a Cegueira de Fernando Meirelles
1 Trucagem A accedilatildeo de modificar imagens previamente filmadas ao vivo tanto em sua forma (cor e
tamanho) como na ordem de sua projeccedilatildeo (congelamento aceleraccedilatildeo inversatildeo) Satildeo possiacuteveis tambeacutem a
superposiccedilatildeo de letreiros a fusatildeo (teacutecnica de escurecer uma cena ao mesmo tempo em que outra vai
surgindo provocando a sobreposiccedilatildeo de uma sobre a outra) e outros efeitos especiais O equipamento
utilizado eacute a truca Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbrmidiaartequadroaquadro gt Acesso em 14
Jun 2010
21
2 A fotografia na esteacutetica audiovisual
A palavra fotografia vem do grego foacutes (luz) e grafis (estilo pincel) ou
grafecirc e significa desenhar com luz e contraste Natildeo eacute possiacutevel definir um uacutenico
inventor pois foram vaacuterios os responsaacuteveis pela sua origem Em 1826 o francecircs Joseph
Niceacutephore Nieacutepce teve sua imagem reconhecida como a primeira fotografia tal imagem
foi produzida mediante o uso de uma placa de estanho coberta com um derivado de
petroacuteleo fotossensiacutevel chamado Betume da Judeacuteia O processo de exposiccedilatildeo agrave luz solar
chamado de heliografia durava cerca de oito horas para que a imagem fosse obtida
Neste mesmo periacuteodo Louis Daguerre deu continuidade aos experimentos
fotograacuteficos de Joseph Niceacutephore Nieacutepce fato este que lhe concedeu uma descoberta
decisiva Em 1835 Daguerre apanhou uma placa revestida de prata sensibilizada com
iodeto de prata que apesar de exposta natildeo apresentava sequer vestiacutegios de imagem
guardou-a displicentemente em um armaacuterio e ao abri-lo no dia seguinte encontrou uma
imagem revelada Fez experiecircncias por eliminaccedilatildeo com os outros produtos que estavam
no armaacuterio para descobrir que a imagem latente tinha sido revelada por accedilatildeo do mercuacuterio
Logo apoacutes o falecimento de Niegravepce Daguerre desenvolveu um processo
conhecido como daguerreotipia no qual era possiacutevel reduzir o tempo de revelaccedilatildeo de
horas para minutos devido a utilizaccedilatildeo de vapor de mercuacuterio Daguerre descreveu seu
processo agrave Academia de Ciecircncias e Belas Artes na Franccedila e logo depois requereu a
patente do seu invento na Inglaterra Breslin possibilita um melhor entendido deste
processo
Os daguerreoacutetipos inventados em 1839 foram os primeiros dentre os processos
fotograacuteficos iniciais a se tornar comercialmente disponiacuteveis O processo utiliza
placas uacutemidas que satildeo placas de cobre cobertas por uma emulsatildeo fotossensiacutevel
agrave base de prata As placas eram reveladas em campo enquanto ainda uacutemidas
criando um negativo Os negativos entatildeo podiam ser trazidos de volta ao
estuacutedio onde um pedaccedilo de papel fotograacutefico era assentado sobre a emulsatildeo do
negativo e exposto ao sol A luz do sol expunha a impressatildeo que era fixada (isto
eacute estabilizada por uma processo quiacutemico) e lavada (BRESLIN 2009 p26)
Jaacute em 1839 o britacircnico William Fox Talbot ao tomar conhecimento dos avanccedilos
de Daguerre decidiu apressar a apresentaccedilatildeo de suas pesquisas com papeacuteis fotossensiacuteveis
agrave Royal Institution e agrave Royal Society com o intuito de garantir os direitos sobre suas
invenccedilotildees No entanto Talbot desenvolveu um processo diferente denominado caloacutetipo -
utilizava folhas de papel cobertas com cloreto de prata que posteriormente eram colocadas
22
em contato com outro papel produzindo assim a imagem positiva Trata-se de um
processo semelhante ao usado atualmente em que utiliza-se um negativo para a obtenccedilatildeo
posterior de imagens positivas
A fotografia entatildeo popularizou-se como produto de consumo a partir de 1888 com
a introduccedilatildeo da cacircmera tipo caixatildeo e pelo filme em rolos substituiacuteveis criados por
George Eastman Desde entatildeo o mercado fotograacutefico tem experimentado uma crescente
evoluccedilatildeo tecnoloacutegica como o estabelecimento do filme colorido como padratildeo e o foco
automaacutetico ou exposiccedilatildeo automaacutetica Essas inovaccedilotildees sem duacutevida facilitam a captaccedilatildeo da
imagem melhoram a qualidade de reproduccedilatildeo ou a rapidez do processamento mas muito
pouco foi alterado nos princiacutepios baacutesicos da fotografia
A grande mudanccedila recente produzida a partir do final do seacuteculo XX foi a
digitalizaccedilatildeo dos sistemas fotograacuteficos A fotografia digital mudou paradigmas no mundo
da fotografia minimizando custos reduzindo etapas acelerando processos e facilitando a
produccedilatildeo manipulaccedilatildeo armazenamento e transmissatildeo de imagens pelo mundo O
aperfeiccediloamento da tecnologia de reproduccedilatildeo de imagens digitais tem quebrado barreiras
de restriccedilatildeo em relaccedilatildeo a este sistema por setores que ainda prestigiam o tradicional filme
e assim irreversivelmente ampliando o domiacutenio da fotografia digital
Natildeo se pode esquecer de salientar que a partir de tais descobertas no ramo da
fotografia eacute que foi possiacutevel a invenccedilatildeo do cinema O instantacircneo a possibilidade de
congelar um instante no fluxo contiacutenuo dos acontecimentos soacute se torna possiacutevel de fato
com o advento da fotografia Sendo assim os estudos de Muybrigde referentes aos
instantacircneos sucessivos associada ao aparato do fuzil fotograacutefico de Marey iratildeo resultar na
invenccedilatildeo do cinema Sabe-se que o cinema confere agrave imagem uma continuidade aparente
pois na verdade trata-se de uma seacuterie de instantacircneos separados por intervalos poreacutem aos
sentidos ele se apresenta de forma lisa e fluida como a proacutepria natureza do movimento
Machado acrescenta que
O cinema mesmo o cinema stricto sensu ou seja o cinema que se constitui a
partir do cinematoacutegrafo de LeRoy Edison Paul Skladanwsky e dos Lumiegravere
natildeo era nos seus primoacuterdios o que hoje chamamos de cinema Ele reunia na
sua base de celuloacuteide vaacuterias modalidades de espetaacuteculos derivadas das formas
populares de cultura como circo o carnaval a magia e a prestidigitaccedilatildeo a
pantomima a feira de atraccedilotildees e aberraccedilotildees etc (MACHADO 1997 p 76)
No iniacutecio os filmes eram de curta duraccedilatildeo nos quais o puacuteblico era composto
basicamente de operaacuterios As exibiccedilotildees eram realizadas em grandes galpotildees durante o
23
intervalo de serviccedilo do proletariado Machado (1997 p79) explica que o cinema era uma
em diversas atraccedilotildees oferecidas pelos vaudevilles pois ―natildeo se havia ainda desenvolvido
um conjunto de teacutecnicas e procedimentos de linguagem apropriados para a elaboraccedilatildeo de
uma narrativa visual que fosse suficientemente autocircnoma a ponto de poder se dispensar a
―explicaccedilatildeo de um apresentador
Atualmente pensa-se primeiramente em imagens forma-se um raciociacutenio a partir
de mosaicos audiovisuais que possibilitam um dado significado Tal modelo de
pensamento atraveacutes da imagem tecnoloacutegica deve-se ao conjunto de referecircncias
adquiridas
Assim sendo a fotografia possui papel fundamental na linguagem audiovisual
Sabe-se que a foi a partir da fotografia que se tornou possiacutevel agrave invenccedilatildeo do cinema
Dubois (2004) assegura que
Com a fotografia a maacutequina natildeo se contenta mais em preacute-ver ela inscreve
tambeacutem a imagem por meio das reaccedilotildees fotossensiacuteveis de certos materiais que
registram por si mesmos as aparecircncias sensiacuteveis geradas pela radiaccedilatildeo luminosa
A maacutequina intervecircm aqui portanto no coraccedilatildeo mesmo do processo de
constituiccedilatildeo da imagem que aparece assim como representaccedilatildeo quase
automaacuteticalsquo objetivalsquo sine manu factalsquo O gesto humano passa a ser mais um
gesto de conduccedilatildeo da maacutequina do que de figuraccedilatildeo direta (DUBOIS 2004
p38)
Em sua brilhante anaacutelise Barthes evidencia o fato de que a fotografia significa
muito mais uma ruptura do que uma continuidade em relaccedilatildeo agrave pintura Isso porque a
reaccedilatildeo quiacutemica dos sais de prata fotossensiacuteveis mediada pelo aparelho oacutetico que projeta a
imagem eacute colocada no centro do dispositivo de criaccedilatildeo da imagem deslocando o papel do
criador que antes que antes tinha que compor o instante representado a partir de instantes
distintos usando os coacutedigos da pintura para unificar a fatura e agora passava a poder
recortar um instante na sua proacutepria duraccedilatildeo com o uso da fotografia Dubois acrescenta
que tal uso
abandona o tempo crocircnico real evolutivo o tempo que passa como um rio
nosso tempo dos seres humanos inscritos na duraccedilatildeo para entrar em uma
temporalidade nova separada e simboacutelica a da foto temporalidade que tambeacutem
dura tatildeo infinita em princiacutepio quanto a primeira mas infinita na imobilidade
total congelada na interminaacutevel duraccedilatildeo das estaacutetuas (DUBOIS 1993 p168)
Com a invenccedilatildeo do instantacircneo fotograacutefico a pose a produccedilatildeo a composiccedilatildeo
elementos proacuteprios agrave linguagem da pintura figurativa satildeo subvertidas datildeo lugar tambeacutem
ao efecircmero ao flagrante agrave espontaneidade
Durante o seacuteculo XIX a fotografia buscou ancorar-se na esteacutetica proacutepria agrave pintura
para almejar sua entrada no panteatildeo das Belas-Artes em um movimento chamado pela
24
historiografia de pictorialismo Como bem analisou Walter Benjamin em sua Pequena
Histoacuteria da Fotografia de 1931 esse movimento se revelou improdutivo jaacute que os
fotoacutegrafos buscavam encaixar-se nos mesmos padrotildees de valoraccedilatildeo esteacutetica que foram
subvertidos com a invenccedilatildeo da fotografia
O discurso sobre a fotografia no seacuteculo XIX ainda estaacute muito contaminado por
valores esteacuteticos que consideram a teacutecnica em oposiccedilatildeo agrave arte ou na melhor das hipoacuteteses
como uma mera serviccedilal da arte Mas a proacutepria invenccedilatildeo da fotografia primeira forma de
produzir imagens completamente mediada pela teacutecnica na qual o ―laacutepis da Natureza
(Talbot) age sozinho sem a ajuda da matildeo do homem estava subvertendo completamente
os valores vigentes instaurando uma estreita ligaccedilatildeo entre teacutecnica e arte
Trazer a teacutecnica para o primeiro plano eacute uma das transformaccedilotildees mais radicais que
a imagem fotograacutefica instaura no campo da produccedilatildeo de imagens Esse tipo de imagem
criada por um aparelho chamada por Vileacutem Flusser de ―imagem teacutecnica foi capaz de
superar oposiccedilotildees vazias entre arte e teacutecnica
Com a virada para o seacuteculo XX se inicia um movimento de valorizaccedilatildeo da
fotografia por suas peculiaridades constitutivas advindas de seu proacuteprio mecanismo de
inscriccedilatildeo da imagem a instantaneidade o corte a conexatildeo fiacutesica com o referente A
chamada fotografia moderna se estabelece em duas frentes nas vanguardas europeacuteias e no
movimento chamado Photo Secession que ocorreu nos Estados Unidos8
A obra de Henri Cartier-Bresson eacute das mais importantes para a afirmaccedilatildeo da
fotografia por suas qualidades constitutivas Ele percebeu a potencialidade do aparato e o
foi um dos primeiros a usar uma cacircmera compacta de pequeno formato para sacar
instantes da realidade ainda na deacutecada de 1930 Com o tempo amadureceu uma filosofia
do chamado ―instante decisivo Para ele o fotoacutegrafo eacute como um flaneur que vaga pelo
mundo em busca daqueles raros momentos em que todos os elementos do enquadramento
se alinham em sua maacutexima expressatildeo dando agrave narrativa um potencial de siacutentese
A partir dessa reflexatildeo pode-se dizer que a fotografia audiovisual possibilita
transmitir ao espectador uma verossimilhanccedila com a realidade A anaacutelise da fotografia no
cinema se faz a partir do conhecimento dos elementos que a compotildee e suas variaccedilotildees
Assim cada elemento seraacute tratado separadamente para que seja possiacutevel uma melhor
explanaccedilatildeo de cada componente da fotografia audiovisual
25
21 Iluminaccedilatildeo
De acordo com Sousa (2004) eacute intuitivo afirmar que no momento em que se
ilumina um determinado objetopersonagem em detrimento de outros revela-se apenas
aquele que estaacute exposto agrave luz No entanto essa natildeo eacute a uacutenica contribuiccedilatildeo da iluminaccedilatildeo
para a construccedilatildeo de sentido a uma imagem Aleacutem disso eacute responsaacutevel por transmitir
noccedilotildees de profundidade e de relevo Segundo Roberts-Breslin (2009) eacute atraveacutes da
iluminaccedilatildeo que satildeo criados os padrotildees de luz e sombra que datildeo sentido ao nosso mundo
como tambeacutem o alto contraste do sol do meio-dia ou o baixo contraste monocromaacutetico
num dia chuvoso Aumont (2004) acrescenta que
A luz no cinema estaacute sempre ali e ateacute mesmo duplamente ali jaacute que a luz do
projetos ndash a luz depois do filme ndash serve para mostrar a luz registrada tal como
ela caiacutea sobre as coisas filmadas ndash a luz de antes do filme Haacute entre as duas uma
conivecircncia inextinguiacutevel jaacute reconhecida aqui mesmo em sua forma negativa ndash o
escuro - e que nutriu com frequecircncia a fantasia (em Murnau em Sternberg ou
Godard) de que uma natildeo eacute senatildeo a continuaccedilatildeo da outra por outros meios
Consequumlecircncia articulaccedilatildeo da diferenccedila a luz do quadro natildeo teve de ser
produzida realmente a do filme foi real Diferenccedila ontoloacutegica que se duplica em
outra infinitamente contingente poreacutem sensiacutevel a luz utilizada na produccedilatildeo do
filme eacute uma luz eleacutetrica seu aspecto eacute particular variaacutevel aliaacutes ao longo da
histoacuteria do cinema (AUMONT 2004 p 172)
As condiccedilotildees de iluminaccedilatildeo satildeo capazes de indicar a hora do dia a eacutepoca do ano e
a parte do planeta em que a imagem estaacute sendo reproduzida A luz ―empresta um tom a um
lugar ou experiecircncia ndash o brilho suave e romacircntico de uma vela as inesperadas e
desconhecidas sombras da noite a firme e escura melancolia do crepuacutesculo do inverno
ou seja possibilita a criaccedilatildeo de um determinado clima agrave cena (Breslin 2009 p87) Moura
afirma que
A fotografia em nada se diferencia da natureza Todas as luzes e efeitos estatildeo agrave
mostra para o olho educado Os efeitos dos filtros os contrastes das luzes as
densidades das cores tudo e todos estatildeo na natureza agrave vista de quem quiser ver
Se vocecirc prestar atenccedilatildeo ao tipo de luz que o sol gera saberaacute qual refletor de
quanto como e onde colocar Se vocecirc se abstrair do tamanho do sol e se
concentrar no efeito da sua luz poderaacute intuir a direccedilatildeo a natureza e a
intensidade da luz que vocecirc precisaraacute para ter o mesmo resultado Afinal de
contas o sol tem que iluminar a terra toda e noacutes soacute um pequeno estuacutedio As
diferenccedilas de tamanho satildeo irrelevantes para o raciociacutenio Para se chegar ao
pequeno partimos do grande Nada no pequeno mundo da fotografia inexiste no
vasto mundo de todos noacutes Talvez a uacutenica coisa que possamos criar e que jaacute natildeo
exista em escala maior e em melhor forma na natureza seja a escrita (MOURA
2001 p 20)
Breslin (2009 p88) acredita que a luz consiste na base da miacutedia visual pois
―tecnicamente a luz fornece a energia que nos permite reproduzir uma imagem
Esteticamente a luz junto com a composiccedilatildeo revela verdades e mentiras criando beleza e
26
feiura dentro do quadro Para Martin (2003 p 71) a iluminaccedilatildeo eacute o ―fator decisivo da
expressividade da imagem poreacutem sua importacircncia natildeo eacute percebida pelo espectador
devido ao fato de possibilitar a criaccedilatildeo de uma atmosferalsquo elemento este dificilmente
analisaacutevel
As sombras criadas com a iluminaccedilatildeo ―ajudam a transmitir profundidade clima e
lugar mas devem ser cuidadosamente controladas A iluminaccedilatildeo na verdade pode ser
definida como lanccedilar e controlar as sombrasrdquo (BRESLIN 2009 p95) Sendo assim a
luz possui vaacuterias caracteriacutesticas essenciais qualidade direccedilatildeosentido contraste
uniformidade cor e intensidade
Conforme Sousa (2004) a qualidade da luz refere-se principalmente ao tipo de
sombra que um objeto iluminado produz seja ela dura e definida ou suave a gradual
Breslin (2009) confirma tal classificaccedilatildeo ao dizer que
A qualidade de uma fonte de luz tem a ver com o modo como as ondas
percorrem o espaccedilo Se elas o fazem em linha reta a partir da fonte ateacute iluminar
o objeto satildeo refletidas de volta para a lente de um olho ou cacircmera em linhas
similarmente retas Isso produz luz dura direta ou localizada A energia
luminosa cobre uma aacuterea relativamente pequena mas manteacutem a intensidade ou
brilho maacuteximos A luz direta enfatiza a textura (BRESLIN 2009 p92)
A autora acrescenta que a luz que atinge um objeto pode ser dura ao produzir
sombras nitidamente definidas e partes mais claras distintas Jaacute quando produz partes
claras e sombras sutis e com uma borda menos definida ela eacute classificada como uma luz
suave Assim a luz comeccedila direta mas suas ondas podem desviar ou refletir de uma a
outra superfiacutecie ateacute que encontram o seu caminho para a lente Dependendo do caminho
percorrido se ―produz luz suave difusa ou lavada Uma fonte de luz difusa cobriraacute uma
aacuterea grande mas eacute menos intensa ou brilhante do que a mesma quantidade inicial de luz
direta na mesma distacircncia do objeto (BRESLIN 2009 p93)
Salles (2006) ressalta que ao iluminar artificialmente uma cena qualquer os planos
de composiccedilatildeo de luz desta cena devem ser cuidadosamente elaborados a fim de que a
fotografia do filme esteja em harmonia esteacutetica com o roteiro e sua proposta
22 Cor
Durante praticamente quarenta anos o cinema se manteve em preto e branco
Qualidade natural dos seres e objetos a cor possibilita maior realismo nas obras fiacutelmicas
pois aumenta a veracidade da imagem
27
Sendo assim a partir de um trabalho manual dos teacutecnicos que coloriam os filmes agrave
matildeo ou com o auxiacutelio de paletas eacute que se tornou possiacutevel colocar cor nas telas mediante
muito trabalho Experiecircncias foram realizadas e tomou-se conhecimento de uma nova
teacutecnica os chamados ―banhos onde a peliacutecula era tingida com cores uniformes com o
intuito de atribuir tanto realismo quanto simbolismo Basicamente era usado azul para
designar a noite e amarelo para as cenas de interiores agrave noite enquanto que para
simbolizar os incecircndios e as revoluccedilotildees optava-se pelo vermelho e para as matas e
paisagens a cor verde (MARTIN 2003) A bicromia e a tricomia comeccedilaram a serem
utilizadas em meados dos anos 30 No entanto eacute apenas na metade dos anos 50 que a cor
passou a ser usada de forma generalizada
Natildeo se pode negar que a cor possui um papel fundamental na composiccedilatildeo da
fotografia cinematograacutefica A partir de sua utilizaccedilatildeo torna-se possiacutevel representar a
realidade com mais perfeiccedilatildeo e precisatildeo Aumont (2003 p63) acrescenta que ―apesar da
especificidade da cor no cinema o modelo criacutetico e esteacutetico foi quase sempre a pintura
Esta circulou enormemente no imaginaacuterio fiacutelmico em trecircs grandes formas a
ficcionalizaccedilatildeo a imitaccedilatildeo e a anaacutelise sendo a base para as futuras produccedilotildees
audiovisuais Contudo o autor ressalta que
a ausecircncia de leis gerais e verificaacuteveis explica a ausecircncia quase total de reflexatildeo
teoacuterica sobre a cor na imagem em movimento As uacutenicas consideraccedilotildees agraves
vezes propostas no tocante ao valor simboacutelico ou expressivo da cor (o vermelho
como siacutembolo de guerra ou de paixatildeo o azul bem como o azul-celeste para a
paz o violeta associado agrave lamentaccedilatildeo funeraacuteria etc) Como tais valores satildeo bem
variaacuteveis conforme as culturas e as eacutepocas Eacute difiacutecil fazer uma teoria deles e a
esteacutetica da cor no cinema confunde-se praticamente com a constataccedilatildeo de
estilos pessoais ou de efeitos de gecircnero (AUMONT 2003 p63)
Ainda em relaccedilatildeo ao uso das cores fala-se em harmonia e contraste cromaacutetico A
harmonia ocorre quando em uma imagem existem cores proacuteximas (laranja amarelo
torrado amarelo e vermelho) Jaacute ao mencionar contraste cromaacutetico se refere quando na
imagem existem cores contrastantes (azul vs Vermelho amarelo vs Violeta por
exemplo) Contudo Sousa (2004) revela outras maneiras de evidenciar contraste
cromaacutetico (a) contraste de cores fortes com cores neutras (por exemplo vermelho vivo vs
cinzento claro) (b) complementaccedilatildeo entre cores claras e cores escuras (por exemplo o
amarelo-limatildeo faz o azul marinho parecer mais escuro) (c) contraste entre tons intensos
da mesma cor (o vermelho carregado contrasta com o vermelho claro)
Sousa (2004) acrescenta que eacute possiacutevel expressar quietude e tranquumlilidade ao
recorrer agrave harmonia cromaacutetica de cores quentes suaves como o castanho-terra suave e o
28
amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada
diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis
Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de
ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem
teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas
especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade
Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores
satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada
espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos
valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem
23 Enquadramentos
O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que
determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo
que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores
O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada
Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira
como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave
objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela
Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos
teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos
notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena
mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar
mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico
Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o
tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos
objetos que constituem a cena
Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees
possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de
detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar
Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma
29
―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para
a tela
231 Planos
O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre
dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no
qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute
determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da
objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da
narrativa que se pretende obter
Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada
autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute
possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos
planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o
observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta
planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os
intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro
plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens
plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por
exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA
(2004 p67-68)
A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano
Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade
fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte
1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro
2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos
joelhos para cima ou da cintura para cima
3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um
pouco abaixo
4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima
5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator
6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na
altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas
30
232 Acircngulos de Filmagem
De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto
que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir
um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo
superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto
que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade
No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de
baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de
superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e
do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do
personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele
em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador
233 Movimentos de Cacircmera
Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por
Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da
ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental
de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a
descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou
uma personagem
Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de
cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o
deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem
constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A
panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio
eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a
trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com
o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural
Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou
complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir
de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um
―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena
31
3 O cinema de autor
No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria
recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas
produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo
(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na
tela diferentes percepccedilotildees diante da trama
Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de
vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de
variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao
participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim
conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro
Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista
produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete
instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs
Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo
No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)
juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores
(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os
produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do
filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas
No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith
4
Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico
2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do
cinema mudo
3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano
um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas
4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de
Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o
movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o
filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)
5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro
de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia
de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou
em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia
32
devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e
dirigindo na publicidade de seus filmes
Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica
quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na
―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do
existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do
autor
Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-
sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e
substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a
atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando
que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo
metafiacutesicas (STAM 2003 p111)
Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo
que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi
responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou
a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras
refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica
abordando o ato de fazer e assistir a um filme
Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita
sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de
determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a
mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais
cineastas
Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers
Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica
Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes
que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar
conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as
filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios
seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma
simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)
Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do
Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os
grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas
6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem
como no sete de filmagem
33
como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o
suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e
o puacuteblico como seu divertimento
Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no
cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes
nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees
inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo
autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de
caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor
(COVALESKI 2009 p83)
Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o
contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa
eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a
obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma
noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a
outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI
2009 p 84)
Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute
responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo
do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute
responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas
necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo
com Bernardet
Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua
maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um
filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que
preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em
perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)
O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem
traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na
direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas
optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas
uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na
direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta
34
Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora
diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior
originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade
crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais
Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de
autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para
Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do
discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia
Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e
situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi
apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser
considerado como tal
O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica
com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra
determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem
defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos
paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor
Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja
autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de
1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e
Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de
presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de
suas matildeos
Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo
(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do
curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos
experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar
Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo
Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se
tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila
Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras
produtoras independentes do paiacutes
No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute
que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal
35
Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam
de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que
Meirelles considera ter feito em sua vida
No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas
publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos
que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar
notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar
e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas
da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para
natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar
em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade
Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a
produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando
Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2
Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no
mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios
internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca
de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio
Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede
Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura
completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um
departamento juriacutedico aacutegil
Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme
foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes
selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival
Internacional de Rotterdam
O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de
20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores
no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais
Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo
internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores
filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro
indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o
filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta
36
Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado
como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no
manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a
pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo
sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No
entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional
Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao
levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner
o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na
categoria de Melhor Diretor
Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando
Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do
romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O
filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14
de maio de 2008
37
4 Metodologia
A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando
compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria
nos filmes de Fernando Meirelles
Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave
argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise
detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades
sociais
Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo
aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de
entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira
indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o
caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como
objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro
Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra
selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes
representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a
esteacutetica publicitaacuteria
Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que
seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem
fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de
expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica
Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do
conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia
e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise
a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e
organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir
das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)
interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em
funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo
Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise
fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra
que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da
38
linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa
fiacutelmica
Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo
1 Preacute-anaacutelise
a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor
enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)
2 Descriccedilatildeo Analiacutetica
a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos
3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando
em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes
Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute
necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo
haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica
efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo
pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando
necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que
considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde
que natildeo descarte as antecedentes
39
5 Anaacutelises
Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica
publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel
a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica
descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo
estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a
narrativa de cada um dos filmes
Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de
Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)
51 Domeacutesticas
Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas
40
Sinopse
Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de
Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada
Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa
sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar
de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute
Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida
Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com
um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por
missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a
mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que
satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se
estivessem dando uma espeacutecie de depoimento
Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas
aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de
emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o
outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das
domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo
Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo
encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas
por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do
plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave
novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um
sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da
profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento
cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes
publicitaacuterios
41
Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas
(Plano aberto e plano conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas
com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal
Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos
lateralizados
A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em
plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo
pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee
possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem
disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco
conotando mais tristeza agrave cena
Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e
cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como
acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute
limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera
tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no
estacionamento do preacutedio
Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em
que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a
personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o
deslocamento da personagem daquele mundo
42
Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas
(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de
serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves
tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas
com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)
Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em
um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um
domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao
casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte
observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre
sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o
responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua
profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela
As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena
No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo
agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute
43
devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de
nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude
alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade
sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento
Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as
personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo
O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo
vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das
diversas dificuldades no seu dia-a-dia
O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano
meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em
meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave
criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)
isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo
dos exageros
Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna
da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores
quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde
44
e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila
dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme
Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas
52 Cidade de Deus
Sinopse
O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro
protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou
um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a
estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto
de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante
amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente
suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num
ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele
descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se
fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista
do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos
45
principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria
mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um
mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute
Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro
dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto
Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos
bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute
usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute
centralizada e em leve plongeacutee
Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no
46
comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo
frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas
casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e
suave
A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do
traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na
criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar
perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-
plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem
Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano
geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo
compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando
naturalidade
Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)
47
Iluminaccedilatildeo e cor
Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo
deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute
observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa
frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo
pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo
Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste
elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem
a funccedilatildeo de criar um visual expressivo
Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente
natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a
inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre
dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na
cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute
ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo
consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena
interna e provavelmente noturna
Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua
maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais
frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo
com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute
amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute
modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos
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periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo
publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama
Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante
Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com
a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um
material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a
imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee
com armas em punho apontadas para os policiais
Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela
49
Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus
53 O Jardineiro Fiel
Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel
50
Sinopse
O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em
Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa
uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem
aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para
substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes
um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute
transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu
idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a
trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin
acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir
na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de
amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa
estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional
envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em
seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a
disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no
Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e
ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar
como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se
para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final
bastante diferente do que seria esperado
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a
imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia
de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio
em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao
lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar
para se proteger
Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem
Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em
51
plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades
azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um
embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em
plongeacutee e plano aberto em conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na
figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A
imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano
aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo
dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais
amenos frios
Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada
retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao
receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade
possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento
As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a
imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua
52
Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em
leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens
contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante
natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel
perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral
aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores
quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave
luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem
composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local
em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo
A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela
cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A
impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena
que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma
53
desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do
ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas
sim no seu proacuteprio lucro
Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de
ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir
contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis
por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele
seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com
movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma
arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite
suavidade e calor agrave cena
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel
(variaccedilatildeo entre suave e dura)
Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando
com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na
lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em
equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira
imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais
onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena
54
ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens
em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)
ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem
possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua
composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)
como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel
54 Ensaio sobre a Cegueira
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira
55
Sinopse
O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que
atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas
passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no
tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados
em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a
lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a
uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que
juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute
baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com
o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de
cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo
manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O
enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para
a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e
branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria
compotildee as cenas da trama
Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento
panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da
trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade
esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o
motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa
ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais
Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o
motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo
adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de
quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia
56
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
57
Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
58
A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
59
do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
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65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
12
1 Linguagem e Esteacutetica Audiovisual
Por poder ser captada simultaneamente pelo olho e pelo ouvido a linguagem
audiovisual permite o envolvimento completo do seu espectador diante da fusatildeo do som e
da imagem em movimento A fusatildeo entre aacuteudio e viacutedeo possibilita um paralelo entre o
racional e o sensorial de modo que a mesma consegue dizer muito mais do que
conseguimos captar pois chega simultaneamente por muito mais caminhos do que
conscientemente percebemos
O viacutedeo incluiacutedo em um meio de comunicaccedilatildeo de massa eacute utilizado como forma
de expressatildeo aleacutem de estruturar novas teacutecnicas tanto no processo de gravaccedilatildeo e de poacutes-
produccedilatildeo Tais teacutecnicas satildeo responsaacuteveis por todo o cruzamento de narrativas hoje
utilizadas pelo cinema e pela publicidade
O viacutedeo eacute um sistema hiacutebrido ele opera com coacutedigos significantes distintos
parte importados do cinema parte importados do teatro da literatura do raacutedio e
mais modernamente da computaccedilatildeo graacutefica aos quais acrescenta alguns
recursos expressivos especiacuteficos alguns modos de formar ideacuteias ou sensaccedilotildees
que lhe satildeo exclusivos (MACHADO 1997 p 190)
Dubois (2004 p77) define a estetizaccedilatildeo videograacutefica como ―uma linguagem (ou
uma esteacutetica) particular (mas de nenhum modo exclusiva) que pertence a loacutegicas
diferentes e potildee em jogo questotildees de ordem muito diversa que as do cinema O
surgimento do viacutedeo possibilitou novas tecnologias como por exemplo a televisatildeo
Diante disso o autor classifica dois modos principais de representaccedilatildeo em viacutedeo
O modo plaacutestico (a ―videoarte em suas formas e tendecircncias muacuteltiplas) e[] o
modo documentaacuterio (o real ndash bruto ou natildeo ndash em todas as suas estrateacutegias de
representaccedilatildeo) E sobretudo ndash eacute o que os une contra a transparecircncia - ambos
com um senso constante do ensaio da experimentaccedilatildeo da pesquisa da inovaccedilatildeo
(DUBOIS 2004 p77)
De acordo com Gutierrez (1992) dentro de noacutes acontece uma repercussatildeo em
imagens baacutesicas centrais simboacutelicas arquetiacutepicas com as quais nos identificamos ou que
se relacionam conosco de alguma forma consistindo na representaccedilatildeo de uma realidade
em movimento
A linguagem audiovisual responsaacutevel por tal representaccedilatildeo eacute constituiacuteda por
alguns elementos fundamentais (1) o plano - cada parte da fita que se apresenta ao
espectador como tendo sido filmada sem interrupccedilotildees (2) a cena - o conjunto de planos
cuja accedilatildeo eacute contiacutenua e decorre numa relativa unidade de tempo e espaccedilo constitui as cenas
13
e as sequumlecircncias (3) o enquadramento - a variaccedilatildeo da longitude da cacircmera agrave cena filmada
por meio de movimento (sem interrupccedilatildeo da filmagem) dentro do mesmo plano a
variaccedilatildeo do enquadramento e (4) a montagem ndash procedimento de organizaccedilatildeo do conjunto
de cenas sequumlecircncias e planos que formam a obra fiacutelmica
Tais elementos audiovisuais estatildeo presentes tanto nas produccedilotildees cinematograacuteficas
quanto nas produccedilotildees publicitaacuterias poreacutem o modo como satildeo utilizados eacute que as difere
Segundo Aumont (1995) inicialmente o cinema era desprovido de uma linguagem pois
apenas refletia o registro de um espetaacuteculo uma simples reproduccedilatildeo do real Entretanto
com o intuito de contar histoacuterias e veicular ideias o cinema precisou utilizar determinados
procedimentos expressivos os quais passaram a constituir sua linguagem
Assim sendo pode-se definir a linguagem cinematograacutefica como ―o conjunto das
mensagens cujo material de expressatildeo compotildee-se de cinco pistas ou canais a imagem
fotograacutefica em movimento os sons foneacuteticos gravados os ruiacutedos gravados o som musical
gravado e a escrita (creacuteditos intertiacutetulos materiais escritos no interior do plano) (STAM
2003 p132) A utilizaccedilatildeo em sinergia desse grande nuacutemero de elementos possibilita uma
maior variedade de abordagens nas produccedilotildees audiovisuais Por exemplo uma montagem
natildeo-linear com ritmo acelerado de troca de planos acircngulos e enquadramentos eacute a marca
das realizaccedilotildees videograacuteficas contemporacircneas
Para Balaacutezs apud Stam (1995) a linguagem cinematograacutefica pode ser definida a
partir de 4 princiacutepios
- no cinema existe uma distacircncia variaacutevel entre espectador e cena representada
daiacute uma dimensatildeo variaacutevel da cena que toma lugar no quadro e na composiccedilatildeo
da imagem
- a imagem total da cena eacute subdividida em uma seacuterie de planos de detalhes
(principio da decupagem)
- existe variaccedilatildeo de enquadramento (acircngulo de visatildeo perspectiva) dos planos de
detalhe no decorrer da mesma cena
- finalmente eacute a operaccedilatildeo da montagem que garante a inserccedilatildeo dos planos de
detalhes em uma sequumlecircncia ordenada na qual natildeo apenas cenas inteiras se
sucedem mas tambeacutem tomadas de detalhes mais miacutenimos de uma mesma cena
A cena em seu conjunto eacute resultado disso como se os elementos de um mosaico
temporal fossem justapostos no tempo (BALAacuteZS apud STAM 1995 p163-
164)
O cinema busca traduzir a realidade atraveacutes da representaccedilatildeo artiacutestica mediante o
uso de teacutecnicas pertencentes agrave linguagem audiovisual Stam (2003 p132) acrescenta que
se torna linguagem a partir do momento em que comunica ―um conjunto de mensagens
formuladas com base em um determinado material de expressatildeo um discurso ou praacutetica
significante caracterizado por codificaccedilotildees e procedimentos ordenatoacuterios especiacuteficos
14
Por volta de 1750 a palavra esteacutetica foi inventada com o intuito de designar uma
―ciecircncia dos sentimentos posteriormente uma ―ciecircncia do belo Atualmente eacute
empregada igualmente no plural para se referir agraves diversas concepccedilotildees do belo e da arte
Segundo Aumont e Marie (2003) natildeo existe esteacutetica constituiacuteda do cinema mas questotildees
de natureza esteacutetica foram frequumlentemente discutidas a respeito dele em torno dos
seguintes problemas
1 O cinema entre as artes natildeo tendo sido o cinema de iniacutecio aceito como
arte (mas como teacutecnica ou como distraccedilatildeo) sua especificidade artiacutestica foi
muitas vezes salientada Em particular ele foi por isso confrontado e
comparado com artes reconhecidas a muacutesica (Gance) a pintura (Bazin
Aumont Bonitzer) o teatro (Pagnol) valorizando a cada vez uma
caracteriacutestica particular do cinema o ritmo o enquadramento a fala a
cenicidade etc
2 A especificidade do fiacutelmico ela diz respeito a alguns traccedilos fundamentais
estudados nos mais das vezes de pontos de vista bem diferentes o
movimento (Munsterberg Deleuze) a mobilidade do ponto de vista
(Souriau Metz Jost Aumont) a sequencialidade e a montagem
(Eisenstein)
3 A possibilidade de uma poeacutetica do cinema ndash ou seja de uma concepccedilatildeo
geral da natureza do cinema da criaccedilatildeo fiacutelmica da relaccedilatildeo do fiacutelmico com o
mundo afilmico ou profilmico etc A respeito desse ponto observa-se uma
grande oposiccedilatildeo entre poeacuteticas realistas ndash o filme como transparecircncia
(Kracauer) a ―liacutengua escrita da realidade (Pasolini) o ―cine-olho
(Vertov) - e poeacuteticas formalistas ndash o ―cinema-linguagem (Eisenstein) a
fotogenia (Epstein) o filme como grande forma (Buch) etc
4 A possibilidade de uma arte de massa imposta pela induacutestria e pela teacutecnica
(Panofsky) (AUMONT MARIE 2003)
Para Covaleski (2009 p77) a esteacutetica do cinema estaacute diretamente relacionada com
a natureza reprodutiva e mecacircnica do meio cinematograacutefico Segundo o autor eacute possiacutevel
destacar duas teorias mesmo que distintas em que se refere agrave natureza reprodutiva do
cinema A primeira de Walter Benjamin afirma que toda a problemaacutetica da esteacutetica
relacionada ao cinema estaacute centrada no ―contexto da crise do sistema tradicional das artes
cuja modalidade de percepccedilatildeo cinematograacutefica essencialmente coletivalsquo e distraiacutedalsquo eacute
sua proacutepria causa e efeito Jaacute a segunda teoria de Andreacute Bazin constata que o problema
esteacutetico estaacute ligado ao caraacuteter mecacircnico da reproduccedilatildeo ou seja ―eacute a ausecircncia de uma
intervenccedilatildeo por parte da interpretante e a deformaccedilatildeo causada pela projeccedilatildeo que teoriza
tal problemaacutetica Jaacute Aumont (2002 p15-16) ressalta que a esteacutetica do cinema confere dois
aspectos ―uma vertente geral que considera o efeito esteacutetico proacuteprio do cinema e uma
vertente especiacutefica centrada na anaacutelise de obras particulares Sendo assim refere-se agrave
anaacutelise de filmes ou a criacutetica no sentido pleno do termo
15
Na obra fiacutelmica os aspectos esteacuteticos satildeo apresentados diante de uma
categorizaccedilatildeo dos elementos que constituem a manifestaccedilatildeo esteacutetica no cinema Segundo
Covaleski (2009) ―tais manifestaccedilotildees se datildeo sobre vaacuterias formas ora icocircnicas ora
focircnicas ora graacuteficas ora oacuteticas ora sonoras ora auditivas e estatildeo em processo de
evoluccedilatildeo devido ao surgimento de novas tecnologias de comunicaccedilatildeo juntamente com
novas manifestaccedilotildees artiacutesticas
No decorrer do seacuteculo XX mediante tais transformaccedilotildees houve a geraccedilatildeo de
novas noccedilotildees de criaccedilatildeo de arte de esteacutetica Conforme Plaza (2000) ocorreu um
―deslocamento das funccedilotildees instauradoras (a poeacutetica do artista) para funccedilotildees de
sensibilidade receptora (esteacutetica) o que produz no meio artiacutestico uma grande confusatildeo
conceitual caracterizada pela mistura e hibridaccedilatildeo de gecircneros poeacuteticas e atitudes
artiacutesticas
Pode-se compreender com base em Covaleski (2009) que a chegada da arte do
cinema agrave tevecirc trouxe tambeacutem padrotildees esteacuteticos que aos poucos foram incorporados ao
meio televisual aleacutem de serem consumidos em larga escala pela publicidade Percebe-se
que boa parte dos comerciais de tevecirc os chamados filmes publicitaacuterios alcanccedilam mais
destaque que a proacutepria programaccedilatildeo devido aos recursos tecnoloacutegicos e a linguagem
adaptada do cinema utilizado em suas produccedilotildees Sendo assim ao serem criados e
produzidos com preocupaccedilotildees esteacuteticas e cuidados artiacutesticos possibilitou gerar um
receptaacuteculo proacuteprio a esteacutetica publicitaacuteria
Diante do debate entre o aspecto utilitaacuterio e o aspecto artiacutestico da mensagem cabe
agrave publicidade recorrer agraves funccedilotildees da linguagem Para o autor natildeo importa se sejam as
poeacuteticas conativas ou referenciais mas sim sua finalidade de elevar e diversificar o
conjunto de repertoacuterios de seu puacuteblico-alvo contribuindo assim para a aceitaccedilatildeo de uma
nova esteacutetica
Tal questatildeo esteacutetica para alguns autores eacute tratada como uma espeacutecie de fetiche
cinematograacutefico Eacute possiacutevel perceber a veneraccedilatildeo e a adoraccedilatildeo de determinados elementos
constituintes da narrativa - do figurino do cenaacuterio ou ateacute mesmo da performance cecircnica
do ator ndash como intuito de simbolizar objeto de culto estabelecer um valor icocircnico a este
Conforme Covaleski (2009 p79-80) desde ―a criaccedilatildeo de mitos do cinema ao lanccedilamento
de moda passando pelo merchandising institucionalizado a esteacutetica cinematograacutefica
contribui na formaccedilatildeo e evoluccedilatildeo de comportamentos fetichistas por parte da sociedade
movida por novos sonhos de consumo e por novas divindades a cultuar
16
A partir da reflexatildeo de Carvalho (2003) a cerca dos estudos de Leacutevi-Strauss pode-
se dizer que a individualizaccedilatildeo da produccedilatildeo demonstrar o aparecimento de uma
consciecircncia criacutetica por parte do receptor que retira da esteacutetica-primitiva o seu dever social
A obra sendo produzida individualmente sem necessidade de bastar a uma sociedade ou
clatilde A esteacutetica-moderna depende apenas da aprovaccedilatildeo ou natildeo de uma clientela ―de classe
(como utiliza o autor) para se firmar como arte
Ao mesmo tempo com a evoluccedilatildeo da criacutetica de arte e o aparecimento do
abstracionismo Leacutevi-Strauss iraacute demonstrar um propoacutesito antimodernista ao perceber a
banalizaccedilatildeo presente na arte do poacutes-guerra Aleacutem da hiper-valorizaccedilatildeo da criacutetica a
representaccedilotildees pictoacutericas sem compromisso artiacutestico Poreacutem dentro desta mesma vertente
podemos repassar seu conceito de arte que funde a ciecircncia e o mito na concepccedilatildeo do
espiacuterito humano (pensamento criador) em outro de seus pensamentos a loacutegica do
sensiacutevel Loacutegica regida pela possibilidade de unir muacutesica e mito ou romance e mito atraveacutes
de uma ―estrutura-funccedilatildeo Todo meio artiacutestico pode ser fundido a outro ou recriado
desde que o estruturalismo presente no espiacuterito humano conceba um fim artiacutestico
A inter-relaccedilatildeo do cinema e da publicidade audiovisual resulta dos aspectos dessa
linguagem pois ambos constituem meios audiovisuais que trabalham a partir de uma
mesma base de composiccedilatildeo e de montagem de elementos expressivos para criar um
determinado plano de conteuacutedo narrativo e de significado o que configura esteacuteticas
diferenciadas
A modernidade da imagem cinematograacutefica eacute reflexo de um processo histoacuterico
em que a arte tenta se renovar em releituras de seus proacuteprios conceitos e criaccedilatildeo
de outros A diversidade estiliacutestica caracteriacutestica do cinema comercial da deacutecada
de 90 retrata uma geraccedilatildeo multimiacutedia de novos profissionais e espectadores que
acabaram por alterar os rumos da cinematografia contemporacircnea
(CARVALHO 2003)
Tais mudanccedilas de abordagem satildeo visiacuteveis natildeo apenas no cinema como tambeacutem nos
videoclipes nos games e na publicidade Refere-se a uma nova perspectiva de criaccedilatildeo
audiovisual na tentativa de romper as barreiras das produccedilotildees tradicionais e enfatizar o
surgimento de novas possibilidades Tais rupturas contribuem para a mudanccedila no
comportamento dos sujeitos contemporacircneos
O pensador de agora jaacute natildeo se senta mais agrave sua escrivaninha diante de seus
livros para dar forma ao seu pensamento mas constroacutei as suas ideias manejando
instrumentos novos ndash a cacircmera a ilha de ediccedilatildeo o computador - invocando
ainda outros suportes de pensamento sua coleccedilatildeo de fotos filmes viacutedeos
discos ndash sua mideoteca enfim (DUBOIS 2004 p19)
17
O pensamento audiovisual contemporacircneo constata essa hibridizaccedilatildeo essa
convergecircncia de elementos responsaacuteveis por uma mudanccedila de conduta Deste modo
Dubois (2004 p25) ressalta a existecircncia do imaginaacuterio cinematograacutefico presente em
todos os lugares e impregnado ―ateacute em nossa maneira de falar ou de ser Quem ao
percorrer de carro um longo trajeto numa vasta paisagem aberta natildeo pensou com a ajuda
da muacutesica no raacutedio numa figura de travelling mergulhando na tela panoracircmica de seu
paacutera-brisa
Em relaccedilatildeo agrave esteacutetica publicitaacuteria Carvalho (2003) ressalta uma possiacutevel ―morte
do cinema Vaacuterios criacuteticos apostam nessa ―morte diante do uso de recursos estiliacutesticos
que estariam se sobressaindo na concepccedilatildeo criadora do filme em contraposiccedilatildeo ao
realismo bem como da evoluccedilatildeo da teacutecnica que distancia o cinema de sua perspectiva
fotograacutefica Resultando assim na valorizaccedilatildeo da imagem em detrimento da representaccedilatildeo
Contudo o autor ressalva que tal concepccedilatildeo de retrato da realidade aleacutem de
ultrapassada estaacute reformulada no estudo do ―espiacuterito humano de Leacutevi-Strauss Este
estudo baseia-se no posicionamento da seacutetima arte como uma visatildeo moderna do homem
diante da realidade a visatildeo em que a cacircmera capta a imagem e natildeo o objeto
Enquanto isso Merquior (1975) busca uma maneira de refletir e re-posicionar as
concepccedilotildees de Leacutevi-Strauss quanto agrave arte contemporacircnea
Em vez de vociferar sobre a verdade factuallsquo da morte da artelsquo conviria
colocar a problemaacutetica implicada por essas teses em relaccedilatildeo a uma das
tendecircncias mais fecundas do estruturalismo ndash sua vontade de ultrapassar as
anaacutelises estanques dos domiacutenios culturais (arte religiatildeo ciecircncia etc) de
encorajar a pesquisa de afinidades estruturais e funcionais entre esses camposlsquo
sem jamais esquecer que satildeo todos faces de uma mesma realidade o espiacuterito
humano (MERQUIOR 1975 p79)
Em seu texto A Dupla Heacutelice Raimond Bellour consegue ver logo no viacutedeo ndash base
da esteacutetica publicitaacuteria ndash e na tecnologia digital o resumo desta realidade emergente
O viacutedeo leva assim agrave sua perda essa capacidade de analogia dilatada agraves
dimensotildees do universo pela primeira vez os corpos e os objetos do mundo satildeo
virtualmente desfiguraacuteveis (e logo refiguraacuteveis) ao sabor de uma potecircncia que
transforma em tempo real ou quase natildeo diferido (e natildeo mais somente como no
cinema por uma lenta elaboraccedilatildeo cujas trucagens constituem o modelo) as
representaccedilotildees que capta seu olho mecacircnico Isso explica o fato de a viacutedeo-
imagem a caccedilula das imagens de reproduccedilatildeo poder aparecer simultaneamente
como uma nova imagem irredutiacutevel ao que a precede mas tambeacutem uma
imagem capaz de atrair de absorver de misturar todas as imagens anteriores
pintura fotografia cinema (BELLOUR Raimond in PARENTE 1993 p223)
18
Em funccedilatildeo disso a esteacutetica publicitaacuteria natildeo passaria apenas de um mero
abstracionismo imageacutetico do cinema mas sim a siacutentese de uma movimentaccedilatildeo esteacutetica que
atravessa todas as artes denominada Poacutes-modernidade Cultural Muito aleacutem de um
recurso estiliacutestico as imagens de ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus entre outros filmes
tachados como videoclipeiros ou publicitaacuterios refletem na representaccedilatildeo do olhar do
homem moderno Toda essa fundamentaccedilatildeo estaacute na fusatildeo da linguagem videograacutefica com
a fotograacutefica do cinema Ao inveacutes de ampliar a visatildeo da rapidez das coisas tenta-se
reduzir o que ocorre agrave nossa volta em conceitos voltado aos meios artiacutesticos
11 Interfaces cinema e publicidade
Com o intuito de construir um sentido proacuteprio para cada filme o cinema atua em
momentos esparsos e depende da disposiccedilatildeo do espectador para que a obra fiacutelmica seja
consumida Em contrapartida a televisatildeo oferece uma programaccedilatildeo diversificada sem
interrupccedilotildees 24h por dia Assim o espectador recebe informaccedilotildees se diverte com
seriados novelas e filmes sem sair de casa
Percebe-se que a origem do discurso nunca eacute autocircnoma mas sim dependente de
outros discursos em que buscou referecircncia Bliskstein (1994 p45) constata que
―suportado por toda uma intertextualidade o discurso natildeo eacute falado por uma uacutenica voz mas
por muitas vozes geradoras de muitos textos que se intercruzam no tempo e no espaccedilo
Na deacutecada de 60 Kristeva introduziu o termo intertextualidade como uma traduccedilatildeo
para ―dialogismo que se refere agrave relaccedilatildeo entre um enunciado e os demais enunciados De
acordo com Stam (2003) a intertextualidade eacute um conceito de valor na medida em que
possibilita relacionar o texto individual com as demais formas de representaccedilatildeo natildeo
somente com outros textos
Intertextualidade eacute vista por Fiorin (2002) como a forma de incorporar um texto em
outro aleacutem de ser polecircmica quando propotildee uma oposiccedilatildeo ao sentido do texto original ou
contratual quando o reforccedila e o enaltece Assim sendo a intertextualidade polecircmica eacute
conhecida como paroacutedia enquanto a intertextualidade contratual como paraacutefrase Aleacutem
disso classifica tambeacutem em
citaccedilatildeo (referecircncia literal a outro texto usando parte deste) alusatildeo (reproduccedilatildeo
de construccedilotildees sintaacuteticas substituindo algumas figuras do texto original por
outras) e estilizaccedilatildeo (reproduccedilatildeo do estilo de outrem no plano da expressatildeo ou
no do conteuacutedo) (FIORIN apud COVALESKI 2009 p 39)
19
A seguir uma abordagem mais detalhada de cada uma das relaccedilotildees intertextuais
entre o cinema e a publicidade televisual na visatildeo de Covaleski (2009)
a) citaccedilatildeo a publicidade desfruta desse recurso criativo com maestria Uma uacutenica
obra cinematograacutefica pode originar uma grande variaccedilatildeo de citaccedilotildees ancoradas
a uma mesma cena claacutessica evidentemente emblemaacutetica contundente o
bastante para se tornar perene no imaginaacuterio coletivo transpondo barreiras
culturais e temporais Pode-se citar como exemplo a cena emblemaacutetica em que
a atriz Marilyn Monroe tem sua saia levantada devido ao deslocamento de ar
durante a passagem do metrocirc no filme O Pecado Mora ao Lado (The Seven
Year Itch de Billy Wilder ndash 1955) Essa cena muito conhecida jaacute foi usada
diversas vezes e de diferentes formas pela publicidade Exemplo disso foi a
colocaccedilatildeo de uma saia ndash a la Marilyn ndash em garrafas de vodka da marca
Absolut
b) alusatildeo mais sutil que a citaccedilatildeo remete a uma obra anterior poreacutem sem fazer
uso de fragmentos dela Utiliza somente uma construccedilatildeo equivalente
substituindo determinadas figuras por outras A alusatildeo recorrente no cinema eacute
facilmente percebida em filmes que pertencem a um mesmo gecircnero
cinematograacutefico Na publicidade a intertextualidade com o cinema utilizando a
alusatildeo aparece em comerciais de anunciantes dos mais diferentes segmentos de
mercado bem como os filmes de onde saiacuteram as inspiraccedilotildees pertencem aos
mais diversos gecircneros O filme francecircs O Fabuloso Destino de Ameacutelie Poulain
(Le Fabuleux Destin drsquoAmeacutelie Poulain de Jean-Pierre Jeunet - 2001) eacute uma
obra com clara influecircncia da linguagem publicitaacuteria Muito disso se deve
devido agrave vivecircncia de Jeunet em meio agrave publicidade Eacute o caso deste trabalho jaacute
que Fernando Meirelles trabalhou com publicidade antes de seguir carreira no
cinema Um exemplo de alusatildeo a este filme se percebe na campanha do
automoacutevel Renault Sceacutenic ndash um anatildeo de jardim eacute sequumlestrado por um grupo de
amigos e aprova seu novo endereccedilo mandando uma carta agrave sua antiga dona
avisando que natildeo voltaraacute mais para casa Deste modo a campanha faz alusatildeo
ao argumento de liberdade explorado na obra francesa
c) estilizaccedilatildeo ato de reproduzir um conjunto de procedimentos de caracteriacutesticas
de formas e de conteuacutedos do discurso de outrem Eacute recorrer agrave estrutura seja no
20
plano da expressatildeo ou no do conteuacutedo produzindo um efeito de
personalizaccedilatildeo muito embora remeta a obra anterior independente de
estabelecer uma relaccedilatildeo polecircmica ou contratual com aquela A estilizaccedilatildeo
intertextual na publicidade com referencial cinematograacutefico eacute constante e
ultrapassa o uso apenas dos elementos de linguagem cinematograacutefica Alguns
filmes publicitaacuterios utilizam em suas produccedilotildees as teacutecnicas de trucagem1 se
aproveitam dos efeitos especiais e ateacute dos estilos lanccedilados pelo cinema Um
bom exemplo dessa estilizaccedilatildeo encontra-se em um comercial da Samsung que
se utilizada da mesma esteacutetica tecnoloacutegia e uso de efeitos especiais do filme
Matrix (The Matrix de Andy e Larry Wachowski - 1999)
No Brasil de acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber tambeacutem um
caminho oposto a esta intertextualidade Cada vez mais a publicidade interfere na atual
produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este papel de fonte de
referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem audiovisual nas
produccedilotildees contemporacircneas como eacute o caso dos filmes ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus
―O Jardineiro Fiel e ―Ensaio sobre a Cegueira de Fernando Meirelles
1 Trucagem A accedilatildeo de modificar imagens previamente filmadas ao vivo tanto em sua forma (cor e
tamanho) como na ordem de sua projeccedilatildeo (congelamento aceleraccedilatildeo inversatildeo) Satildeo possiacuteveis tambeacutem a
superposiccedilatildeo de letreiros a fusatildeo (teacutecnica de escurecer uma cena ao mesmo tempo em que outra vai
surgindo provocando a sobreposiccedilatildeo de uma sobre a outra) e outros efeitos especiais O equipamento
utilizado eacute a truca Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbrmidiaartequadroaquadro gt Acesso em 14
Jun 2010
21
2 A fotografia na esteacutetica audiovisual
A palavra fotografia vem do grego foacutes (luz) e grafis (estilo pincel) ou
grafecirc e significa desenhar com luz e contraste Natildeo eacute possiacutevel definir um uacutenico
inventor pois foram vaacuterios os responsaacuteveis pela sua origem Em 1826 o francecircs Joseph
Niceacutephore Nieacutepce teve sua imagem reconhecida como a primeira fotografia tal imagem
foi produzida mediante o uso de uma placa de estanho coberta com um derivado de
petroacuteleo fotossensiacutevel chamado Betume da Judeacuteia O processo de exposiccedilatildeo agrave luz solar
chamado de heliografia durava cerca de oito horas para que a imagem fosse obtida
Neste mesmo periacuteodo Louis Daguerre deu continuidade aos experimentos
fotograacuteficos de Joseph Niceacutephore Nieacutepce fato este que lhe concedeu uma descoberta
decisiva Em 1835 Daguerre apanhou uma placa revestida de prata sensibilizada com
iodeto de prata que apesar de exposta natildeo apresentava sequer vestiacutegios de imagem
guardou-a displicentemente em um armaacuterio e ao abri-lo no dia seguinte encontrou uma
imagem revelada Fez experiecircncias por eliminaccedilatildeo com os outros produtos que estavam
no armaacuterio para descobrir que a imagem latente tinha sido revelada por accedilatildeo do mercuacuterio
Logo apoacutes o falecimento de Niegravepce Daguerre desenvolveu um processo
conhecido como daguerreotipia no qual era possiacutevel reduzir o tempo de revelaccedilatildeo de
horas para minutos devido a utilizaccedilatildeo de vapor de mercuacuterio Daguerre descreveu seu
processo agrave Academia de Ciecircncias e Belas Artes na Franccedila e logo depois requereu a
patente do seu invento na Inglaterra Breslin possibilita um melhor entendido deste
processo
Os daguerreoacutetipos inventados em 1839 foram os primeiros dentre os processos
fotograacuteficos iniciais a se tornar comercialmente disponiacuteveis O processo utiliza
placas uacutemidas que satildeo placas de cobre cobertas por uma emulsatildeo fotossensiacutevel
agrave base de prata As placas eram reveladas em campo enquanto ainda uacutemidas
criando um negativo Os negativos entatildeo podiam ser trazidos de volta ao
estuacutedio onde um pedaccedilo de papel fotograacutefico era assentado sobre a emulsatildeo do
negativo e exposto ao sol A luz do sol expunha a impressatildeo que era fixada (isto
eacute estabilizada por uma processo quiacutemico) e lavada (BRESLIN 2009 p26)
Jaacute em 1839 o britacircnico William Fox Talbot ao tomar conhecimento dos avanccedilos
de Daguerre decidiu apressar a apresentaccedilatildeo de suas pesquisas com papeacuteis fotossensiacuteveis
agrave Royal Institution e agrave Royal Society com o intuito de garantir os direitos sobre suas
invenccedilotildees No entanto Talbot desenvolveu um processo diferente denominado caloacutetipo -
utilizava folhas de papel cobertas com cloreto de prata que posteriormente eram colocadas
22
em contato com outro papel produzindo assim a imagem positiva Trata-se de um
processo semelhante ao usado atualmente em que utiliza-se um negativo para a obtenccedilatildeo
posterior de imagens positivas
A fotografia entatildeo popularizou-se como produto de consumo a partir de 1888 com
a introduccedilatildeo da cacircmera tipo caixatildeo e pelo filme em rolos substituiacuteveis criados por
George Eastman Desde entatildeo o mercado fotograacutefico tem experimentado uma crescente
evoluccedilatildeo tecnoloacutegica como o estabelecimento do filme colorido como padratildeo e o foco
automaacutetico ou exposiccedilatildeo automaacutetica Essas inovaccedilotildees sem duacutevida facilitam a captaccedilatildeo da
imagem melhoram a qualidade de reproduccedilatildeo ou a rapidez do processamento mas muito
pouco foi alterado nos princiacutepios baacutesicos da fotografia
A grande mudanccedila recente produzida a partir do final do seacuteculo XX foi a
digitalizaccedilatildeo dos sistemas fotograacuteficos A fotografia digital mudou paradigmas no mundo
da fotografia minimizando custos reduzindo etapas acelerando processos e facilitando a
produccedilatildeo manipulaccedilatildeo armazenamento e transmissatildeo de imagens pelo mundo O
aperfeiccediloamento da tecnologia de reproduccedilatildeo de imagens digitais tem quebrado barreiras
de restriccedilatildeo em relaccedilatildeo a este sistema por setores que ainda prestigiam o tradicional filme
e assim irreversivelmente ampliando o domiacutenio da fotografia digital
Natildeo se pode esquecer de salientar que a partir de tais descobertas no ramo da
fotografia eacute que foi possiacutevel a invenccedilatildeo do cinema O instantacircneo a possibilidade de
congelar um instante no fluxo contiacutenuo dos acontecimentos soacute se torna possiacutevel de fato
com o advento da fotografia Sendo assim os estudos de Muybrigde referentes aos
instantacircneos sucessivos associada ao aparato do fuzil fotograacutefico de Marey iratildeo resultar na
invenccedilatildeo do cinema Sabe-se que o cinema confere agrave imagem uma continuidade aparente
pois na verdade trata-se de uma seacuterie de instantacircneos separados por intervalos poreacutem aos
sentidos ele se apresenta de forma lisa e fluida como a proacutepria natureza do movimento
Machado acrescenta que
O cinema mesmo o cinema stricto sensu ou seja o cinema que se constitui a
partir do cinematoacutegrafo de LeRoy Edison Paul Skladanwsky e dos Lumiegravere
natildeo era nos seus primoacuterdios o que hoje chamamos de cinema Ele reunia na
sua base de celuloacuteide vaacuterias modalidades de espetaacuteculos derivadas das formas
populares de cultura como circo o carnaval a magia e a prestidigitaccedilatildeo a
pantomima a feira de atraccedilotildees e aberraccedilotildees etc (MACHADO 1997 p 76)
No iniacutecio os filmes eram de curta duraccedilatildeo nos quais o puacuteblico era composto
basicamente de operaacuterios As exibiccedilotildees eram realizadas em grandes galpotildees durante o
23
intervalo de serviccedilo do proletariado Machado (1997 p79) explica que o cinema era uma
em diversas atraccedilotildees oferecidas pelos vaudevilles pois ―natildeo se havia ainda desenvolvido
um conjunto de teacutecnicas e procedimentos de linguagem apropriados para a elaboraccedilatildeo de
uma narrativa visual que fosse suficientemente autocircnoma a ponto de poder se dispensar a
―explicaccedilatildeo de um apresentador
Atualmente pensa-se primeiramente em imagens forma-se um raciociacutenio a partir
de mosaicos audiovisuais que possibilitam um dado significado Tal modelo de
pensamento atraveacutes da imagem tecnoloacutegica deve-se ao conjunto de referecircncias
adquiridas
Assim sendo a fotografia possui papel fundamental na linguagem audiovisual
Sabe-se que a foi a partir da fotografia que se tornou possiacutevel agrave invenccedilatildeo do cinema
Dubois (2004) assegura que
Com a fotografia a maacutequina natildeo se contenta mais em preacute-ver ela inscreve
tambeacutem a imagem por meio das reaccedilotildees fotossensiacuteveis de certos materiais que
registram por si mesmos as aparecircncias sensiacuteveis geradas pela radiaccedilatildeo luminosa
A maacutequina intervecircm aqui portanto no coraccedilatildeo mesmo do processo de
constituiccedilatildeo da imagem que aparece assim como representaccedilatildeo quase
automaacuteticalsquo objetivalsquo sine manu factalsquo O gesto humano passa a ser mais um
gesto de conduccedilatildeo da maacutequina do que de figuraccedilatildeo direta (DUBOIS 2004
p38)
Em sua brilhante anaacutelise Barthes evidencia o fato de que a fotografia significa
muito mais uma ruptura do que uma continuidade em relaccedilatildeo agrave pintura Isso porque a
reaccedilatildeo quiacutemica dos sais de prata fotossensiacuteveis mediada pelo aparelho oacutetico que projeta a
imagem eacute colocada no centro do dispositivo de criaccedilatildeo da imagem deslocando o papel do
criador que antes que antes tinha que compor o instante representado a partir de instantes
distintos usando os coacutedigos da pintura para unificar a fatura e agora passava a poder
recortar um instante na sua proacutepria duraccedilatildeo com o uso da fotografia Dubois acrescenta
que tal uso
abandona o tempo crocircnico real evolutivo o tempo que passa como um rio
nosso tempo dos seres humanos inscritos na duraccedilatildeo para entrar em uma
temporalidade nova separada e simboacutelica a da foto temporalidade que tambeacutem
dura tatildeo infinita em princiacutepio quanto a primeira mas infinita na imobilidade
total congelada na interminaacutevel duraccedilatildeo das estaacutetuas (DUBOIS 1993 p168)
Com a invenccedilatildeo do instantacircneo fotograacutefico a pose a produccedilatildeo a composiccedilatildeo
elementos proacuteprios agrave linguagem da pintura figurativa satildeo subvertidas datildeo lugar tambeacutem
ao efecircmero ao flagrante agrave espontaneidade
Durante o seacuteculo XIX a fotografia buscou ancorar-se na esteacutetica proacutepria agrave pintura
para almejar sua entrada no panteatildeo das Belas-Artes em um movimento chamado pela
24
historiografia de pictorialismo Como bem analisou Walter Benjamin em sua Pequena
Histoacuteria da Fotografia de 1931 esse movimento se revelou improdutivo jaacute que os
fotoacutegrafos buscavam encaixar-se nos mesmos padrotildees de valoraccedilatildeo esteacutetica que foram
subvertidos com a invenccedilatildeo da fotografia
O discurso sobre a fotografia no seacuteculo XIX ainda estaacute muito contaminado por
valores esteacuteticos que consideram a teacutecnica em oposiccedilatildeo agrave arte ou na melhor das hipoacuteteses
como uma mera serviccedilal da arte Mas a proacutepria invenccedilatildeo da fotografia primeira forma de
produzir imagens completamente mediada pela teacutecnica na qual o ―laacutepis da Natureza
(Talbot) age sozinho sem a ajuda da matildeo do homem estava subvertendo completamente
os valores vigentes instaurando uma estreita ligaccedilatildeo entre teacutecnica e arte
Trazer a teacutecnica para o primeiro plano eacute uma das transformaccedilotildees mais radicais que
a imagem fotograacutefica instaura no campo da produccedilatildeo de imagens Esse tipo de imagem
criada por um aparelho chamada por Vileacutem Flusser de ―imagem teacutecnica foi capaz de
superar oposiccedilotildees vazias entre arte e teacutecnica
Com a virada para o seacuteculo XX se inicia um movimento de valorizaccedilatildeo da
fotografia por suas peculiaridades constitutivas advindas de seu proacuteprio mecanismo de
inscriccedilatildeo da imagem a instantaneidade o corte a conexatildeo fiacutesica com o referente A
chamada fotografia moderna se estabelece em duas frentes nas vanguardas europeacuteias e no
movimento chamado Photo Secession que ocorreu nos Estados Unidos8
A obra de Henri Cartier-Bresson eacute das mais importantes para a afirmaccedilatildeo da
fotografia por suas qualidades constitutivas Ele percebeu a potencialidade do aparato e o
foi um dos primeiros a usar uma cacircmera compacta de pequeno formato para sacar
instantes da realidade ainda na deacutecada de 1930 Com o tempo amadureceu uma filosofia
do chamado ―instante decisivo Para ele o fotoacutegrafo eacute como um flaneur que vaga pelo
mundo em busca daqueles raros momentos em que todos os elementos do enquadramento
se alinham em sua maacutexima expressatildeo dando agrave narrativa um potencial de siacutentese
A partir dessa reflexatildeo pode-se dizer que a fotografia audiovisual possibilita
transmitir ao espectador uma verossimilhanccedila com a realidade A anaacutelise da fotografia no
cinema se faz a partir do conhecimento dos elementos que a compotildee e suas variaccedilotildees
Assim cada elemento seraacute tratado separadamente para que seja possiacutevel uma melhor
explanaccedilatildeo de cada componente da fotografia audiovisual
25
21 Iluminaccedilatildeo
De acordo com Sousa (2004) eacute intuitivo afirmar que no momento em que se
ilumina um determinado objetopersonagem em detrimento de outros revela-se apenas
aquele que estaacute exposto agrave luz No entanto essa natildeo eacute a uacutenica contribuiccedilatildeo da iluminaccedilatildeo
para a construccedilatildeo de sentido a uma imagem Aleacutem disso eacute responsaacutevel por transmitir
noccedilotildees de profundidade e de relevo Segundo Roberts-Breslin (2009) eacute atraveacutes da
iluminaccedilatildeo que satildeo criados os padrotildees de luz e sombra que datildeo sentido ao nosso mundo
como tambeacutem o alto contraste do sol do meio-dia ou o baixo contraste monocromaacutetico
num dia chuvoso Aumont (2004) acrescenta que
A luz no cinema estaacute sempre ali e ateacute mesmo duplamente ali jaacute que a luz do
projetos ndash a luz depois do filme ndash serve para mostrar a luz registrada tal como
ela caiacutea sobre as coisas filmadas ndash a luz de antes do filme Haacute entre as duas uma
conivecircncia inextinguiacutevel jaacute reconhecida aqui mesmo em sua forma negativa ndash o
escuro - e que nutriu com frequecircncia a fantasia (em Murnau em Sternberg ou
Godard) de que uma natildeo eacute senatildeo a continuaccedilatildeo da outra por outros meios
Consequumlecircncia articulaccedilatildeo da diferenccedila a luz do quadro natildeo teve de ser
produzida realmente a do filme foi real Diferenccedila ontoloacutegica que se duplica em
outra infinitamente contingente poreacutem sensiacutevel a luz utilizada na produccedilatildeo do
filme eacute uma luz eleacutetrica seu aspecto eacute particular variaacutevel aliaacutes ao longo da
histoacuteria do cinema (AUMONT 2004 p 172)
As condiccedilotildees de iluminaccedilatildeo satildeo capazes de indicar a hora do dia a eacutepoca do ano e
a parte do planeta em que a imagem estaacute sendo reproduzida A luz ―empresta um tom a um
lugar ou experiecircncia ndash o brilho suave e romacircntico de uma vela as inesperadas e
desconhecidas sombras da noite a firme e escura melancolia do crepuacutesculo do inverno
ou seja possibilita a criaccedilatildeo de um determinado clima agrave cena (Breslin 2009 p87) Moura
afirma que
A fotografia em nada se diferencia da natureza Todas as luzes e efeitos estatildeo agrave
mostra para o olho educado Os efeitos dos filtros os contrastes das luzes as
densidades das cores tudo e todos estatildeo na natureza agrave vista de quem quiser ver
Se vocecirc prestar atenccedilatildeo ao tipo de luz que o sol gera saberaacute qual refletor de
quanto como e onde colocar Se vocecirc se abstrair do tamanho do sol e se
concentrar no efeito da sua luz poderaacute intuir a direccedilatildeo a natureza e a
intensidade da luz que vocecirc precisaraacute para ter o mesmo resultado Afinal de
contas o sol tem que iluminar a terra toda e noacutes soacute um pequeno estuacutedio As
diferenccedilas de tamanho satildeo irrelevantes para o raciociacutenio Para se chegar ao
pequeno partimos do grande Nada no pequeno mundo da fotografia inexiste no
vasto mundo de todos noacutes Talvez a uacutenica coisa que possamos criar e que jaacute natildeo
exista em escala maior e em melhor forma na natureza seja a escrita (MOURA
2001 p 20)
Breslin (2009 p88) acredita que a luz consiste na base da miacutedia visual pois
―tecnicamente a luz fornece a energia que nos permite reproduzir uma imagem
Esteticamente a luz junto com a composiccedilatildeo revela verdades e mentiras criando beleza e
26
feiura dentro do quadro Para Martin (2003 p 71) a iluminaccedilatildeo eacute o ―fator decisivo da
expressividade da imagem poreacutem sua importacircncia natildeo eacute percebida pelo espectador
devido ao fato de possibilitar a criaccedilatildeo de uma atmosferalsquo elemento este dificilmente
analisaacutevel
As sombras criadas com a iluminaccedilatildeo ―ajudam a transmitir profundidade clima e
lugar mas devem ser cuidadosamente controladas A iluminaccedilatildeo na verdade pode ser
definida como lanccedilar e controlar as sombrasrdquo (BRESLIN 2009 p95) Sendo assim a
luz possui vaacuterias caracteriacutesticas essenciais qualidade direccedilatildeosentido contraste
uniformidade cor e intensidade
Conforme Sousa (2004) a qualidade da luz refere-se principalmente ao tipo de
sombra que um objeto iluminado produz seja ela dura e definida ou suave a gradual
Breslin (2009) confirma tal classificaccedilatildeo ao dizer que
A qualidade de uma fonte de luz tem a ver com o modo como as ondas
percorrem o espaccedilo Se elas o fazem em linha reta a partir da fonte ateacute iluminar
o objeto satildeo refletidas de volta para a lente de um olho ou cacircmera em linhas
similarmente retas Isso produz luz dura direta ou localizada A energia
luminosa cobre uma aacuterea relativamente pequena mas manteacutem a intensidade ou
brilho maacuteximos A luz direta enfatiza a textura (BRESLIN 2009 p92)
A autora acrescenta que a luz que atinge um objeto pode ser dura ao produzir
sombras nitidamente definidas e partes mais claras distintas Jaacute quando produz partes
claras e sombras sutis e com uma borda menos definida ela eacute classificada como uma luz
suave Assim a luz comeccedila direta mas suas ondas podem desviar ou refletir de uma a
outra superfiacutecie ateacute que encontram o seu caminho para a lente Dependendo do caminho
percorrido se ―produz luz suave difusa ou lavada Uma fonte de luz difusa cobriraacute uma
aacuterea grande mas eacute menos intensa ou brilhante do que a mesma quantidade inicial de luz
direta na mesma distacircncia do objeto (BRESLIN 2009 p93)
Salles (2006) ressalta que ao iluminar artificialmente uma cena qualquer os planos
de composiccedilatildeo de luz desta cena devem ser cuidadosamente elaborados a fim de que a
fotografia do filme esteja em harmonia esteacutetica com o roteiro e sua proposta
22 Cor
Durante praticamente quarenta anos o cinema se manteve em preto e branco
Qualidade natural dos seres e objetos a cor possibilita maior realismo nas obras fiacutelmicas
pois aumenta a veracidade da imagem
27
Sendo assim a partir de um trabalho manual dos teacutecnicos que coloriam os filmes agrave
matildeo ou com o auxiacutelio de paletas eacute que se tornou possiacutevel colocar cor nas telas mediante
muito trabalho Experiecircncias foram realizadas e tomou-se conhecimento de uma nova
teacutecnica os chamados ―banhos onde a peliacutecula era tingida com cores uniformes com o
intuito de atribuir tanto realismo quanto simbolismo Basicamente era usado azul para
designar a noite e amarelo para as cenas de interiores agrave noite enquanto que para
simbolizar os incecircndios e as revoluccedilotildees optava-se pelo vermelho e para as matas e
paisagens a cor verde (MARTIN 2003) A bicromia e a tricomia comeccedilaram a serem
utilizadas em meados dos anos 30 No entanto eacute apenas na metade dos anos 50 que a cor
passou a ser usada de forma generalizada
Natildeo se pode negar que a cor possui um papel fundamental na composiccedilatildeo da
fotografia cinematograacutefica A partir de sua utilizaccedilatildeo torna-se possiacutevel representar a
realidade com mais perfeiccedilatildeo e precisatildeo Aumont (2003 p63) acrescenta que ―apesar da
especificidade da cor no cinema o modelo criacutetico e esteacutetico foi quase sempre a pintura
Esta circulou enormemente no imaginaacuterio fiacutelmico em trecircs grandes formas a
ficcionalizaccedilatildeo a imitaccedilatildeo e a anaacutelise sendo a base para as futuras produccedilotildees
audiovisuais Contudo o autor ressalta que
a ausecircncia de leis gerais e verificaacuteveis explica a ausecircncia quase total de reflexatildeo
teoacuterica sobre a cor na imagem em movimento As uacutenicas consideraccedilotildees agraves
vezes propostas no tocante ao valor simboacutelico ou expressivo da cor (o vermelho
como siacutembolo de guerra ou de paixatildeo o azul bem como o azul-celeste para a
paz o violeta associado agrave lamentaccedilatildeo funeraacuteria etc) Como tais valores satildeo bem
variaacuteveis conforme as culturas e as eacutepocas Eacute difiacutecil fazer uma teoria deles e a
esteacutetica da cor no cinema confunde-se praticamente com a constataccedilatildeo de
estilos pessoais ou de efeitos de gecircnero (AUMONT 2003 p63)
Ainda em relaccedilatildeo ao uso das cores fala-se em harmonia e contraste cromaacutetico A
harmonia ocorre quando em uma imagem existem cores proacuteximas (laranja amarelo
torrado amarelo e vermelho) Jaacute ao mencionar contraste cromaacutetico se refere quando na
imagem existem cores contrastantes (azul vs Vermelho amarelo vs Violeta por
exemplo) Contudo Sousa (2004) revela outras maneiras de evidenciar contraste
cromaacutetico (a) contraste de cores fortes com cores neutras (por exemplo vermelho vivo vs
cinzento claro) (b) complementaccedilatildeo entre cores claras e cores escuras (por exemplo o
amarelo-limatildeo faz o azul marinho parecer mais escuro) (c) contraste entre tons intensos
da mesma cor (o vermelho carregado contrasta com o vermelho claro)
Sousa (2004) acrescenta que eacute possiacutevel expressar quietude e tranquumlilidade ao
recorrer agrave harmonia cromaacutetica de cores quentes suaves como o castanho-terra suave e o
28
amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada
diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis
Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de
ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem
teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas
especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade
Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores
satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada
espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos
valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem
23 Enquadramentos
O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que
determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo
que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores
O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada
Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira
como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave
objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela
Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos
teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos
notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena
mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar
mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico
Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o
tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos
objetos que constituem a cena
Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees
possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de
detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar
Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma
29
―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para
a tela
231 Planos
O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre
dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no
qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute
determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da
objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da
narrativa que se pretende obter
Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada
autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute
possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos
planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o
observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta
planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os
intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro
plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens
plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por
exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA
(2004 p67-68)
A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano
Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade
fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte
1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro
2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos
joelhos para cima ou da cintura para cima
3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um
pouco abaixo
4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima
5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator
6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na
altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas
30
232 Acircngulos de Filmagem
De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto
que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir
um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo
superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto
que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade
No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de
baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de
superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e
do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do
personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele
em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador
233 Movimentos de Cacircmera
Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por
Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da
ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental
de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a
descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou
uma personagem
Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de
cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o
deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem
constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A
panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio
eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a
trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com
o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural
Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou
complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir
de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um
―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena
31
3 O cinema de autor
No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria
recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas
produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo
(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na
tela diferentes percepccedilotildees diante da trama
Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de
vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de
variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao
participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim
conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro
Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista
produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete
instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs
Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo
No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)
juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores
(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os
produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do
filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas
No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith
4
Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico
2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do
cinema mudo
3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano
um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas
4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de
Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o
movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o
filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)
5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro
de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia
de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou
em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia
32
devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e
dirigindo na publicidade de seus filmes
Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica
quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na
―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do
existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do
autor
Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-
sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e
substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a
atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando
que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo
metafiacutesicas (STAM 2003 p111)
Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo
que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi
responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou
a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras
refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica
abordando o ato de fazer e assistir a um filme
Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita
sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de
determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a
mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais
cineastas
Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers
Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica
Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes
que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar
conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as
filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios
seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma
simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)
Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do
Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os
grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas
6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem
como no sete de filmagem
33
como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o
suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e
o puacuteblico como seu divertimento
Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no
cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes
nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees
inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo
autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de
caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor
(COVALESKI 2009 p83)
Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o
contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa
eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a
obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma
noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a
outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI
2009 p 84)
Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute
responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo
do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute
responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas
necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo
com Bernardet
Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua
maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um
filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que
preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em
perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)
O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem
traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na
direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas
optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas
uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na
direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta
34
Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora
diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior
originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade
crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais
Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de
autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para
Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do
discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia
Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e
situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi
apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser
considerado como tal
O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica
com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra
determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem
defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos
paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor
Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja
autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de
1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e
Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de
presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de
suas matildeos
Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo
(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do
curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos
experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar
Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo
Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se
tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila
Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras
produtoras independentes do paiacutes
No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute
que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal
35
Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam
de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que
Meirelles considera ter feito em sua vida
No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas
publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos
que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar
notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar
e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas
da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para
natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar
em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade
Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a
produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando
Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2
Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no
mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios
internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca
de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio
Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede
Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura
completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um
departamento juriacutedico aacutegil
Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme
foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes
selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival
Internacional de Rotterdam
O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de
20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores
no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais
Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo
internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores
filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro
indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o
filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta
36
Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado
como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no
manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a
pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo
sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No
entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional
Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao
levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner
o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na
categoria de Melhor Diretor
Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando
Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do
romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O
filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14
de maio de 2008
37
4 Metodologia
A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando
compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria
nos filmes de Fernando Meirelles
Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave
argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise
detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades
sociais
Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo
aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de
entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira
indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o
caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como
objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro
Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra
selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes
representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a
esteacutetica publicitaacuteria
Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que
seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem
fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de
expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica
Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do
conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia
e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise
a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e
organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir
das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)
interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em
funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo
Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise
fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra
que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da
38
linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa
fiacutelmica
Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo
1 Preacute-anaacutelise
a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor
enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)
2 Descriccedilatildeo Analiacutetica
a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos
3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando
em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes
Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute
necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo
haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica
efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo
pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando
necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que
considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde
que natildeo descarte as antecedentes
39
5 Anaacutelises
Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica
publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel
a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica
descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo
estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a
narrativa de cada um dos filmes
Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de
Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)
51 Domeacutesticas
Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas
40
Sinopse
Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de
Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada
Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa
sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar
de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute
Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida
Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com
um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por
missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a
mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que
satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se
estivessem dando uma espeacutecie de depoimento
Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas
aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de
emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o
outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das
domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo
Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo
encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas
por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do
plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave
novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um
sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da
profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento
cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes
publicitaacuterios
41
Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas
(Plano aberto e plano conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas
com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal
Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos
lateralizados
A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em
plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo
pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee
possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem
disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco
conotando mais tristeza agrave cena
Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e
cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como
acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute
limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera
tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no
estacionamento do preacutedio
Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em
que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a
personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o
deslocamento da personagem daquele mundo
42
Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas
(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de
serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves
tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas
com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)
Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em
um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um
domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao
casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte
observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre
sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o
responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua
profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela
As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena
No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo
agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute
43
devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de
nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude
alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade
sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento
Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as
personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo
O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo
vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das
diversas dificuldades no seu dia-a-dia
O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano
meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em
meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave
criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)
isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo
dos exageros
Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna
da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores
quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde
44
e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila
dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme
Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas
52 Cidade de Deus
Sinopse
O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro
protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou
um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a
estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto
de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante
amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente
suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num
ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele
descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se
fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista
do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos
45
principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria
mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um
mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute
Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro
dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto
Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos
bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute
usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute
centralizada e em leve plongeacutee
Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no
46
comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo
frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas
casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e
suave
A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do
traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na
criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar
perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-
plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem
Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano
geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo
compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando
naturalidade
Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)
47
Iluminaccedilatildeo e cor
Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo
deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute
observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa
frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo
pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo
Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste
elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem
a funccedilatildeo de criar um visual expressivo
Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente
natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a
inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre
dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na
cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute
ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo
consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena
interna e provavelmente noturna
Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua
maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais
frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo
com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute
amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute
modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos
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periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo
publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama
Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante
Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com
a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um
material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a
imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee
com armas em punho apontadas para os policiais
Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela
49
Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus
53 O Jardineiro Fiel
Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel
50
Sinopse
O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em
Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa
uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem
aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para
substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes
um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute
transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu
idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a
trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin
acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir
na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de
amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa
estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional
envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em
seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a
disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no
Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e
ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar
como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se
para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final
bastante diferente do que seria esperado
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a
imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia
de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio
em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao
lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar
para se proteger
Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem
Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em
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plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades
azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um
embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em
plongeacutee e plano aberto em conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na
figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A
imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano
aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo
dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais
amenos frios
Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada
retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao
receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade
possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento
As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a
imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua
52
Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em
leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens
contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante
natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel
perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral
aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores
quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave
luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem
composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local
em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo
A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela
cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A
impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena
que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma
53
desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do
ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas
sim no seu proacuteprio lucro
Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de
ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir
contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis
por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele
seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com
movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma
arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite
suavidade e calor agrave cena
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel
(variaccedilatildeo entre suave e dura)
Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando
com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na
lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em
equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira
imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais
onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena
54
ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens
em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)
ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem
possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua
composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)
como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel
54 Ensaio sobre a Cegueira
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira
55
Sinopse
O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que
atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas
passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no
tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados
em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a
lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a
uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que
juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute
baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com
o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de
cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo
manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O
enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para
a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e
branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria
compotildee as cenas da trama
Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento
panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da
trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade
esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o
motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa
ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais
Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o
motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo
adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de
quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia
56
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
57
Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
58
A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
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do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
13
e as sequumlecircncias (3) o enquadramento - a variaccedilatildeo da longitude da cacircmera agrave cena filmada
por meio de movimento (sem interrupccedilatildeo da filmagem) dentro do mesmo plano a
variaccedilatildeo do enquadramento e (4) a montagem ndash procedimento de organizaccedilatildeo do conjunto
de cenas sequumlecircncias e planos que formam a obra fiacutelmica
Tais elementos audiovisuais estatildeo presentes tanto nas produccedilotildees cinematograacuteficas
quanto nas produccedilotildees publicitaacuterias poreacutem o modo como satildeo utilizados eacute que as difere
Segundo Aumont (1995) inicialmente o cinema era desprovido de uma linguagem pois
apenas refletia o registro de um espetaacuteculo uma simples reproduccedilatildeo do real Entretanto
com o intuito de contar histoacuterias e veicular ideias o cinema precisou utilizar determinados
procedimentos expressivos os quais passaram a constituir sua linguagem
Assim sendo pode-se definir a linguagem cinematograacutefica como ―o conjunto das
mensagens cujo material de expressatildeo compotildee-se de cinco pistas ou canais a imagem
fotograacutefica em movimento os sons foneacuteticos gravados os ruiacutedos gravados o som musical
gravado e a escrita (creacuteditos intertiacutetulos materiais escritos no interior do plano) (STAM
2003 p132) A utilizaccedilatildeo em sinergia desse grande nuacutemero de elementos possibilita uma
maior variedade de abordagens nas produccedilotildees audiovisuais Por exemplo uma montagem
natildeo-linear com ritmo acelerado de troca de planos acircngulos e enquadramentos eacute a marca
das realizaccedilotildees videograacuteficas contemporacircneas
Para Balaacutezs apud Stam (1995) a linguagem cinematograacutefica pode ser definida a
partir de 4 princiacutepios
- no cinema existe uma distacircncia variaacutevel entre espectador e cena representada
daiacute uma dimensatildeo variaacutevel da cena que toma lugar no quadro e na composiccedilatildeo
da imagem
- a imagem total da cena eacute subdividida em uma seacuterie de planos de detalhes
(principio da decupagem)
- existe variaccedilatildeo de enquadramento (acircngulo de visatildeo perspectiva) dos planos de
detalhe no decorrer da mesma cena
- finalmente eacute a operaccedilatildeo da montagem que garante a inserccedilatildeo dos planos de
detalhes em uma sequumlecircncia ordenada na qual natildeo apenas cenas inteiras se
sucedem mas tambeacutem tomadas de detalhes mais miacutenimos de uma mesma cena
A cena em seu conjunto eacute resultado disso como se os elementos de um mosaico
temporal fossem justapostos no tempo (BALAacuteZS apud STAM 1995 p163-
164)
O cinema busca traduzir a realidade atraveacutes da representaccedilatildeo artiacutestica mediante o
uso de teacutecnicas pertencentes agrave linguagem audiovisual Stam (2003 p132) acrescenta que
se torna linguagem a partir do momento em que comunica ―um conjunto de mensagens
formuladas com base em um determinado material de expressatildeo um discurso ou praacutetica
significante caracterizado por codificaccedilotildees e procedimentos ordenatoacuterios especiacuteficos
14
Por volta de 1750 a palavra esteacutetica foi inventada com o intuito de designar uma
―ciecircncia dos sentimentos posteriormente uma ―ciecircncia do belo Atualmente eacute
empregada igualmente no plural para se referir agraves diversas concepccedilotildees do belo e da arte
Segundo Aumont e Marie (2003) natildeo existe esteacutetica constituiacuteda do cinema mas questotildees
de natureza esteacutetica foram frequumlentemente discutidas a respeito dele em torno dos
seguintes problemas
1 O cinema entre as artes natildeo tendo sido o cinema de iniacutecio aceito como
arte (mas como teacutecnica ou como distraccedilatildeo) sua especificidade artiacutestica foi
muitas vezes salientada Em particular ele foi por isso confrontado e
comparado com artes reconhecidas a muacutesica (Gance) a pintura (Bazin
Aumont Bonitzer) o teatro (Pagnol) valorizando a cada vez uma
caracteriacutestica particular do cinema o ritmo o enquadramento a fala a
cenicidade etc
2 A especificidade do fiacutelmico ela diz respeito a alguns traccedilos fundamentais
estudados nos mais das vezes de pontos de vista bem diferentes o
movimento (Munsterberg Deleuze) a mobilidade do ponto de vista
(Souriau Metz Jost Aumont) a sequencialidade e a montagem
(Eisenstein)
3 A possibilidade de uma poeacutetica do cinema ndash ou seja de uma concepccedilatildeo
geral da natureza do cinema da criaccedilatildeo fiacutelmica da relaccedilatildeo do fiacutelmico com o
mundo afilmico ou profilmico etc A respeito desse ponto observa-se uma
grande oposiccedilatildeo entre poeacuteticas realistas ndash o filme como transparecircncia
(Kracauer) a ―liacutengua escrita da realidade (Pasolini) o ―cine-olho
(Vertov) - e poeacuteticas formalistas ndash o ―cinema-linguagem (Eisenstein) a
fotogenia (Epstein) o filme como grande forma (Buch) etc
4 A possibilidade de uma arte de massa imposta pela induacutestria e pela teacutecnica
(Panofsky) (AUMONT MARIE 2003)
Para Covaleski (2009 p77) a esteacutetica do cinema estaacute diretamente relacionada com
a natureza reprodutiva e mecacircnica do meio cinematograacutefico Segundo o autor eacute possiacutevel
destacar duas teorias mesmo que distintas em que se refere agrave natureza reprodutiva do
cinema A primeira de Walter Benjamin afirma que toda a problemaacutetica da esteacutetica
relacionada ao cinema estaacute centrada no ―contexto da crise do sistema tradicional das artes
cuja modalidade de percepccedilatildeo cinematograacutefica essencialmente coletivalsquo e distraiacutedalsquo eacute
sua proacutepria causa e efeito Jaacute a segunda teoria de Andreacute Bazin constata que o problema
esteacutetico estaacute ligado ao caraacuteter mecacircnico da reproduccedilatildeo ou seja ―eacute a ausecircncia de uma
intervenccedilatildeo por parte da interpretante e a deformaccedilatildeo causada pela projeccedilatildeo que teoriza
tal problemaacutetica Jaacute Aumont (2002 p15-16) ressalta que a esteacutetica do cinema confere dois
aspectos ―uma vertente geral que considera o efeito esteacutetico proacuteprio do cinema e uma
vertente especiacutefica centrada na anaacutelise de obras particulares Sendo assim refere-se agrave
anaacutelise de filmes ou a criacutetica no sentido pleno do termo
15
Na obra fiacutelmica os aspectos esteacuteticos satildeo apresentados diante de uma
categorizaccedilatildeo dos elementos que constituem a manifestaccedilatildeo esteacutetica no cinema Segundo
Covaleski (2009) ―tais manifestaccedilotildees se datildeo sobre vaacuterias formas ora icocircnicas ora
focircnicas ora graacuteficas ora oacuteticas ora sonoras ora auditivas e estatildeo em processo de
evoluccedilatildeo devido ao surgimento de novas tecnologias de comunicaccedilatildeo juntamente com
novas manifestaccedilotildees artiacutesticas
No decorrer do seacuteculo XX mediante tais transformaccedilotildees houve a geraccedilatildeo de
novas noccedilotildees de criaccedilatildeo de arte de esteacutetica Conforme Plaza (2000) ocorreu um
―deslocamento das funccedilotildees instauradoras (a poeacutetica do artista) para funccedilotildees de
sensibilidade receptora (esteacutetica) o que produz no meio artiacutestico uma grande confusatildeo
conceitual caracterizada pela mistura e hibridaccedilatildeo de gecircneros poeacuteticas e atitudes
artiacutesticas
Pode-se compreender com base em Covaleski (2009) que a chegada da arte do
cinema agrave tevecirc trouxe tambeacutem padrotildees esteacuteticos que aos poucos foram incorporados ao
meio televisual aleacutem de serem consumidos em larga escala pela publicidade Percebe-se
que boa parte dos comerciais de tevecirc os chamados filmes publicitaacuterios alcanccedilam mais
destaque que a proacutepria programaccedilatildeo devido aos recursos tecnoloacutegicos e a linguagem
adaptada do cinema utilizado em suas produccedilotildees Sendo assim ao serem criados e
produzidos com preocupaccedilotildees esteacuteticas e cuidados artiacutesticos possibilitou gerar um
receptaacuteculo proacuteprio a esteacutetica publicitaacuteria
Diante do debate entre o aspecto utilitaacuterio e o aspecto artiacutestico da mensagem cabe
agrave publicidade recorrer agraves funccedilotildees da linguagem Para o autor natildeo importa se sejam as
poeacuteticas conativas ou referenciais mas sim sua finalidade de elevar e diversificar o
conjunto de repertoacuterios de seu puacuteblico-alvo contribuindo assim para a aceitaccedilatildeo de uma
nova esteacutetica
Tal questatildeo esteacutetica para alguns autores eacute tratada como uma espeacutecie de fetiche
cinematograacutefico Eacute possiacutevel perceber a veneraccedilatildeo e a adoraccedilatildeo de determinados elementos
constituintes da narrativa - do figurino do cenaacuterio ou ateacute mesmo da performance cecircnica
do ator ndash como intuito de simbolizar objeto de culto estabelecer um valor icocircnico a este
Conforme Covaleski (2009 p79-80) desde ―a criaccedilatildeo de mitos do cinema ao lanccedilamento
de moda passando pelo merchandising institucionalizado a esteacutetica cinematograacutefica
contribui na formaccedilatildeo e evoluccedilatildeo de comportamentos fetichistas por parte da sociedade
movida por novos sonhos de consumo e por novas divindades a cultuar
16
A partir da reflexatildeo de Carvalho (2003) a cerca dos estudos de Leacutevi-Strauss pode-
se dizer que a individualizaccedilatildeo da produccedilatildeo demonstrar o aparecimento de uma
consciecircncia criacutetica por parte do receptor que retira da esteacutetica-primitiva o seu dever social
A obra sendo produzida individualmente sem necessidade de bastar a uma sociedade ou
clatilde A esteacutetica-moderna depende apenas da aprovaccedilatildeo ou natildeo de uma clientela ―de classe
(como utiliza o autor) para se firmar como arte
Ao mesmo tempo com a evoluccedilatildeo da criacutetica de arte e o aparecimento do
abstracionismo Leacutevi-Strauss iraacute demonstrar um propoacutesito antimodernista ao perceber a
banalizaccedilatildeo presente na arte do poacutes-guerra Aleacutem da hiper-valorizaccedilatildeo da criacutetica a
representaccedilotildees pictoacutericas sem compromisso artiacutestico Poreacutem dentro desta mesma vertente
podemos repassar seu conceito de arte que funde a ciecircncia e o mito na concepccedilatildeo do
espiacuterito humano (pensamento criador) em outro de seus pensamentos a loacutegica do
sensiacutevel Loacutegica regida pela possibilidade de unir muacutesica e mito ou romance e mito atraveacutes
de uma ―estrutura-funccedilatildeo Todo meio artiacutestico pode ser fundido a outro ou recriado
desde que o estruturalismo presente no espiacuterito humano conceba um fim artiacutestico
A inter-relaccedilatildeo do cinema e da publicidade audiovisual resulta dos aspectos dessa
linguagem pois ambos constituem meios audiovisuais que trabalham a partir de uma
mesma base de composiccedilatildeo e de montagem de elementos expressivos para criar um
determinado plano de conteuacutedo narrativo e de significado o que configura esteacuteticas
diferenciadas
A modernidade da imagem cinematograacutefica eacute reflexo de um processo histoacuterico
em que a arte tenta se renovar em releituras de seus proacuteprios conceitos e criaccedilatildeo
de outros A diversidade estiliacutestica caracteriacutestica do cinema comercial da deacutecada
de 90 retrata uma geraccedilatildeo multimiacutedia de novos profissionais e espectadores que
acabaram por alterar os rumos da cinematografia contemporacircnea
(CARVALHO 2003)
Tais mudanccedilas de abordagem satildeo visiacuteveis natildeo apenas no cinema como tambeacutem nos
videoclipes nos games e na publicidade Refere-se a uma nova perspectiva de criaccedilatildeo
audiovisual na tentativa de romper as barreiras das produccedilotildees tradicionais e enfatizar o
surgimento de novas possibilidades Tais rupturas contribuem para a mudanccedila no
comportamento dos sujeitos contemporacircneos
O pensador de agora jaacute natildeo se senta mais agrave sua escrivaninha diante de seus
livros para dar forma ao seu pensamento mas constroacutei as suas ideias manejando
instrumentos novos ndash a cacircmera a ilha de ediccedilatildeo o computador - invocando
ainda outros suportes de pensamento sua coleccedilatildeo de fotos filmes viacutedeos
discos ndash sua mideoteca enfim (DUBOIS 2004 p19)
17
O pensamento audiovisual contemporacircneo constata essa hibridizaccedilatildeo essa
convergecircncia de elementos responsaacuteveis por uma mudanccedila de conduta Deste modo
Dubois (2004 p25) ressalta a existecircncia do imaginaacuterio cinematograacutefico presente em
todos os lugares e impregnado ―ateacute em nossa maneira de falar ou de ser Quem ao
percorrer de carro um longo trajeto numa vasta paisagem aberta natildeo pensou com a ajuda
da muacutesica no raacutedio numa figura de travelling mergulhando na tela panoracircmica de seu
paacutera-brisa
Em relaccedilatildeo agrave esteacutetica publicitaacuteria Carvalho (2003) ressalta uma possiacutevel ―morte
do cinema Vaacuterios criacuteticos apostam nessa ―morte diante do uso de recursos estiliacutesticos
que estariam se sobressaindo na concepccedilatildeo criadora do filme em contraposiccedilatildeo ao
realismo bem como da evoluccedilatildeo da teacutecnica que distancia o cinema de sua perspectiva
fotograacutefica Resultando assim na valorizaccedilatildeo da imagem em detrimento da representaccedilatildeo
Contudo o autor ressalva que tal concepccedilatildeo de retrato da realidade aleacutem de
ultrapassada estaacute reformulada no estudo do ―espiacuterito humano de Leacutevi-Strauss Este
estudo baseia-se no posicionamento da seacutetima arte como uma visatildeo moderna do homem
diante da realidade a visatildeo em que a cacircmera capta a imagem e natildeo o objeto
Enquanto isso Merquior (1975) busca uma maneira de refletir e re-posicionar as
concepccedilotildees de Leacutevi-Strauss quanto agrave arte contemporacircnea
Em vez de vociferar sobre a verdade factuallsquo da morte da artelsquo conviria
colocar a problemaacutetica implicada por essas teses em relaccedilatildeo a uma das
tendecircncias mais fecundas do estruturalismo ndash sua vontade de ultrapassar as
anaacutelises estanques dos domiacutenios culturais (arte religiatildeo ciecircncia etc) de
encorajar a pesquisa de afinidades estruturais e funcionais entre esses camposlsquo
sem jamais esquecer que satildeo todos faces de uma mesma realidade o espiacuterito
humano (MERQUIOR 1975 p79)
Em seu texto A Dupla Heacutelice Raimond Bellour consegue ver logo no viacutedeo ndash base
da esteacutetica publicitaacuteria ndash e na tecnologia digital o resumo desta realidade emergente
O viacutedeo leva assim agrave sua perda essa capacidade de analogia dilatada agraves
dimensotildees do universo pela primeira vez os corpos e os objetos do mundo satildeo
virtualmente desfiguraacuteveis (e logo refiguraacuteveis) ao sabor de uma potecircncia que
transforma em tempo real ou quase natildeo diferido (e natildeo mais somente como no
cinema por uma lenta elaboraccedilatildeo cujas trucagens constituem o modelo) as
representaccedilotildees que capta seu olho mecacircnico Isso explica o fato de a viacutedeo-
imagem a caccedilula das imagens de reproduccedilatildeo poder aparecer simultaneamente
como uma nova imagem irredutiacutevel ao que a precede mas tambeacutem uma
imagem capaz de atrair de absorver de misturar todas as imagens anteriores
pintura fotografia cinema (BELLOUR Raimond in PARENTE 1993 p223)
18
Em funccedilatildeo disso a esteacutetica publicitaacuteria natildeo passaria apenas de um mero
abstracionismo imageacutetico do cinema mas sim a siacutentese de uma movimentaccedilatildeo esteacutetica que
atravessa todas as artes denominada Poacutes-modernidade Cultural Muito aleacutem de um
recurso estiliacutestico as imagens de ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus entre outros filmes
tachados como videoclipeiros ou publicitaacuterios refletem na representaccedilatildeo do olhar do
homem moderno Toda essa fundamentaccedilatildeo estaacute na fusatildeo da linguagem videograacutefica com
a fotograacutefica do cinema Ao inveacutes de ampliar a visatildeo da rapidez das coisas tenta-se
reduzir o que ocorre agrave nossa volta em conceitos voltado aos meios artiacutesticos
11 Interfaces cinema e publicidade
Com o intuito de construir um sentido proacuteprio para cada filme o cinema atua em
momentos esparsos e depende da disposiccedilatildeo do espectador para que a obra fiacutelmica seja
consumida Em contrapartida a televisatildeo oferece uma programaccedilatildeo diversificada sem
interrupccedilotildees 24h por dia Assim o espectador recebe informaccedilotildees se diverte com
seriados novelas e filmes sem sair de casa
Percebe-se que a origem do discurso nunca eacute autocircnoma mas sim dependente de
outros discursos em que buscou referecircncia Bliskstein (1994 p45) constata que
―suportado por toda uma intertextualidade o discurso natildeo eacute falado por uma uacutenica voz mas
por muitas vozes geradoras de muitos textos que se intercruzam no tempo e no espaccedilo
Na deacutecada de 60 Kristeva introduziu o termo intertextualidade como uma traduccedilatildeo
para ―dialogismo que se refere agrave relaccedilatildeo entre um enunciado e os demais enunciados De
acordo com Stam (2003) a intertextualidade eacute um conceito de valor na medida em que
possibilita relacionar o texto individual com as demais formas de representaccedilatildeo natildeo
somente com outros textos
Intertextualidade eacute vista por Fiorin (2002) como a forma de incorporar um texto em
outro aleacutem de ser polecircmica quando propotildee uma oposiccedilatildeo ao sentido do texto original ou
contratual quando o reforccedila e o enaltece Assim sendo a intertextualidade polecircmica eacute
conhecida como paroacutedia enquanto a intertextualidade contratual como paraacutefrase Aleacutem
disso classifica tambeacutem em
citaccedilatildeo (referecircncia literal a outro texto usando parte deste) alusatildeo (reproduccedilatildeo
de construccedilotildees sintaacuteticas substituindo algumas figuras do texto original por
outras) e estilizaccedilatildeo (reproduccedilatildeo do estilo de outrem no plano da expressatildeo ou
no do conteuacutedo) (FIORIN apud COVALESKI 2009 p 39)
19
A seguir uma abordagem mais detalhada de cada uma das relaccedilotildees intertextuais
entre o cinema e a publicidade televisual na visatildeo de Covaleski (2009)
a) citaccedilatildeo a publicidade desfruta desse recurso criativo com maestria Uma uacutenica
obra cinematograacutefica pode originar uma grande variaccedilatildeo de citaccedilotildees ancoradas
a uma mesma cena claacutessica evidentemente emblemaacutetica contundente o
bastante para se tornar perene no imaginaacuterio coletivo transpondo barreiras
culturais e temporais Pode-se citar como exemplo a cena emblemaacutetica em que
a atriz Marilyn Monroe tem sua saia levantada devido ao deslocamento de ar
durante a passagem do metrocirc no filme O Pecado Mora ao Lado (The Seven
Year Itch de Billy Wilder ndash 1955) Essa cena muito conhecida jaacute foi usada
diversas vezes e de diferentes formas pela publicidade Exemplo disso foi a
colocaccedilatildeo de uma saia ndash a la Marilyn ndash em garrafas de vodka da marca
Absolut
b) alusatildeo mais sutil que a citaccedilatildeo remete a uma obra anterior poreacutem sem fazer
uso de fragmentos dela Utiliza somente uma construccedilatildeo equivalente
substituindo determinadas figuras por outras A alusatildeo recorrente no cinema eacute
facilmente percebida em filmes que pertencem a um mesmo gecircnero
cinematograacutefico Na publicidade a intertextualidade com o cinema utilizando a
alusatildeo aparece em comerciais de anunciantes dos mais diferentes segmentos de
mercado bem como os filmes de onde saiacuteram as inspiraccedilotildees pertencem aos
mais diversos gecircneros O filme francecircs O Fabuloso Destino de Ameacutelie Poulain
(Le Fabuleux Destin drsquoAmeacutelie Poulain de Jean-Pierre Jeunet - 2001) eacute uma
obra com clara influecircncia da linguagem publicitaacuteria Muito disso se deve
devido agrave vivecircncia de Jeunet em meio agrave publicidade Eacute o caso deste trabalho jaacute
que Fernando Meirelles trabalhou com publicidade antes de seguir carreira no
cinema Um exemplo de alusatildeo a este filme se percebe na campanha do
automoacutevel Renault Sceacutenic ndash um anatildeo de jardim eacute sequumlestrado por um grupo de
amigos e aprova seu novo endereccedilo mandando uma carta agrave sua antiga dona
avisando que natildeo voltaraacute mais para casa Deste modo a campanha faz alusatildeo
ao argumento de liberdade explorado na obra francesa
c) estilizaccedilatildeo ato de reproduzir um conjunto de procedimentos de caracteriacutesticas
de formas e de conteuacutedos do discurso de outrem Eacute recorrer agrave estrutura seja no
20
plano da expressatildeo ou no do conteuacutedo produzindo um efeito de
personalizaccedilatildeo muito embora remeta a obra anterior independente de
estabelecer uma relaccedilatildeo polecircmica ou contratual com aquela A estilizaccedilatildeo
intertextual na publicidade com referencial cinematograacutefico eacute constante e
ultrapassa o uso apenas dos elementos de linguagem cinematograacutefica Alguns
filmes publicitaacuterios utilizam em suas produccedilotildees as teacutecnicas de trucagem1 se
aproveitam dos efeitos especiais e ateacute dos estilos lanccedilados pelo cinema Um
bom exemplo dessa estilizaccedilatildeo encontra-se em um comercial da Samsung que
se utilizada da mesma esteacutetica tecnoloacutegia e uso de efeitos especiais do filme
Matrix (The Matrix de Andy e Larry Wachowski - 1999)
No Brasil de acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber tambeacutem um
caminho oposto a esta intertextualidade Cada vez mais a publicidade interfere na atual
produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este papel de fonte de
referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem audiovisual nas
produccedilotildees contemporacircneas como eacute o caso dos filmes ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus
―O Jardineiro Fiel e ―Ensaio sobre a Cegueira de Fernando Meirelles
1 Trucagem A accedilatildeo de modificar imagens previamente filmadas ao vivo tanto em sua forma (cor e
tamanho) como na ordem de sua projeccedilatildeo (congelamento aceleraccedilatildeo inversatildeo) Satildeo possiacuteveis tambeacutem a
superposiccedilatildeo de letreiros a fusatildeo (teacutecnica de escurecer uma cena ao mesmo tempo em que outra vai
surgindo provocando a sobreposiccedilatildeo de uma sobre a outra) e outros efeitos especiais O equipamento
utilizado eacute a truca Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbrmidiaartequadroaquadro gt Acesso em 14
Jun 2010
21
2 A fotografia na esteacutetica audiovisual
A palavra fotografia vem do grego foacutes (luz) e grafis (estilo pincel) ou
grafecirc e significa desenhar com luz e contraste Natildeo eacute possiacutevel definir um uacutenico
inventor pois foram vaacuterios os responsaacuteveis pela sua origem Em 1826 o francecircs Joseph
Niceacutephore Nieacutepce teve sua imagem reconhecida como a primeira fotografia tal imagem
foi produzida mediante o uso de uma placa de estanho coberta com um derivado de
petroacuteleo fotossensiacutevel chamado Betume da Judeacuteia O processo de exposiccedilatildeo agrave luz solar
chamado de heliografia durava cerca de oito horas para que a imagem fosse obtida
Neste mesmo periacuteodo Louis Daguerre deu continuidade aos experimentos
fotograacuteficos de Joseph Niceacutephore Nieacutepce fato este que lhe concedeu uma descoberta
decisiva Em 1835 Daguerre apanhou uma placa revestida de prata sensibilizada com
iodeto de prata que apesar de exposta natildeo apresentava sequer vestiacutegios de imagem
guardou-a displicentemente em um armaacuterio e ao abri-lo no dia seguinte encontrou uma
imagem revelada Fez experiecircncias por eliminaccedilatildeo com os outros produtos que estavam
no armaacuterio para descobrir que a imagem latente tinha sido revelada por accedilatildeo do mercuacuterio
Logo apoacutes o falecimento de Niegravepce Daguerre desenvolveu um processo
conhecido como daguerreotipia no qual era possiacutevel reduzir o tempo de revelaccedilatildeo de
horas para minutos devido a utilizaccedilatildeo de vapor de mercuacuterio Daguerre descreveu seu
processo agrave Academia de Ciecircncias e Belas Artes na Franccedila e logo depois requereu a
patente do seu invento na Inglaterra Breslin possibilita um melhor entendido deste
processo
Os daguerreoacutetipos inventados em 1839 foram os primeiros dentre os processos
fotograacuteficos iniciais a se tornar comercialmente disponiacuteveis O processo utiliza
placas uacutemidas que satildeo placas de cobre cobertas por uma emulsatildeo fotossensiacutevel
agrave base de prata As placas eram reveladas em campo enquanto ainda uacutemidas
criando um negativo Os negativos entatildeo podiam ser trazidos de volta ao
estuacutedio onde um pedaccedilo de papel fotograacutefico era assentado sobre a emulsatildeo do
negativo e exposto ao sol A luz do sol expunha a impressatildeo que era fixada (isto
eacute estabilizada por uma processo quiacutemico) e lavada (BRESLIN 2009 p26)
Jaacute em 1839 o britacircnico William Fox Talbot ao tomar conhecimento dos avanccedilos
de Daguerre decidiu apressar a apresentaccedilatildeo de suas pesquisas com papeacuteis fotossensiacuteveis
agrave Royal Institution e agrave Royal Society com o intuito de garantir os direitos sobre suas
invenccedilotildees No entanto Talbot desenvolveu um processo diferente denominado caloacutetipo -
utilizava folhas de papel cobertas com cloreto de prata que posteriormente eram colocadas
22
em contato com outro papel produzindo assim a imagem positiva Trata-se de um
processo semelhante ao usado atualmente em que utiliza-se um negativo para a obtenccedilatildeo
posterior de imagens positivas
A fotografia entatildeo popularizou-se como produto de consumo a partir de 1888 com
a introduccedilatildeo da cacircmera tipo caixatildeo e pelo filme em rolos substituiacuteveis criados por
George Eastman Desde entatildeo o mercado fotograacutefico tem experimentado uma crescente
evoluccedilatildeo tecnoloacutegica como o estabelecimento do filme colorido como padratildeo e o foco
automaacutetico ou exposiccedilatildeo automaacutetica Essas inovaccedilotildees sem duacutevida facilitam a captaccedilatildeo da
imagem melhoram a qualidade de reproduccedilatildeo ou a rapidez do processamento mas muito
pouco foi alterado nos princiacutepios baacutesicos da fotografia
A grande mudanccedila recente produzida a partir do final do seacuteculo XX foi a
digitalizaccedilatildeo dos sistemas fotograacuteficos A fotografia digital mudou paradigmas no mundo
da fotografia minimizando custos reduzindo etapas acelerando processos e facilitando a
produccedilatildeo manipulaccedilatildeo armazenamento e transmissatildeo de imagens pelo mundo O
aperfeiccediloamento da tecnologia de reproduccedilatildeo de imagens digitais tem quebrado barreiras
de restriccedilatildeo em relaccedilatildeo a este sistema por setores que ainda prestigiam o tradicional filme
e assim irreversivelmente ampliando o domiacutenio da fotografia digital
Natildeo se pode esquecer de salientar que a partir de tais descobertas no ramo da
fotografia eacute que foi possiacutevel a invenccedilatildeo do cinema O instantacircneo a possibilidade de
congelar um instante no fluxo contiacutenuo dos acontecimentos soacute se torna possiacutevel de fato
com o advento da fotografia Sendo assim os estudos de Muybrigde referentes aos
instantacircneos sucessivos associada ao aparato do fuzil fotograacutefico de Marey iratildeo resultar na
invenccedilatildeo do cinema Sabe-se que o cinema confere agrave imagem uma continuidade aparente
pois na verdade trata-se de uma seacuterie de instantacircneos separados por intervalos poreacutem aos
sentidos ele se apresenta de forma lisa e fluida como a proacutepria natureza do movimento
Machado acrescenta que
O cinema mesmo o cinema stricto sensu ou seja o cinema que se constitui a
partir do cinematoacutegrafo de LeRoy Edison Paul Skladanwsky e dos Lumiegravere
natildeo era nos seus primoacuterdios o que hoje chamamos de cinema Ele reunia na
sua base de celuloacuteide vaacuterias modalidades de espetaacuteculos derivadas das formas
populares de cultura como circo o carnaval a magia e a prestidigitaccedilatildeo a
pantomima a feira de atraccedilotildees e aberraccedilotildees etc (MACHADO 1997 p 76)
No iniacutecio os filmes eram de curta duraccedilatildeo nos quais o puacuteblico era composto
basicamente de operaacuterios As exibiccedilotildees eram realizadas em grandes galpotildees durante o
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intervalo de serviccedilo do proletariado Machado (1997 p79) explica que o cinema era uma
em diversas atraccedilotildees oferecidas pelos vaudevilles pois ―natildeo se havia ainda desenvolvido
um conjunto de teacutecnicas e procedimentos de linguagem apropriados para a elaboraccedilatildeo de
uma narrativa visual que fosse suficientemente autocircnoma a ponto de poder se dispensar a
―explicaccedilatildeo de um apresentador
Atualmente pensa-se primeiramente em imagens forma-se um raciociacutenio a partir
de mosaicos audiovisuais que possibilitam um dado significado Tal modelo de
pensamento atraveacutes da imagem tecnoloacutegica deve-se ao conjunto de referecircncias
adquiridas
Assim sendo a fotografia possui papel fundamental na linguagem audiovisual
Sabe-se que a foi a partir da fotografia que se tornou possiacutevel agrave invenccedilatildeo do cinema
Dubois (2004) assegura que
Com a fotografia a maacutequina natildeo se contenta mais em preacute-ver ela inscreve
tambeacutem a imagem por meio das reaccedilotildees fotossensiacuteveis de certos materiais que
registram por si mesmos as aparecircncias sensiacuteveis geradas pela radiaccedilatildeo luminosa
A maacutequina intervecircm aqui portanto no coraccedilatildeo mesmo do processo de
constituiccedilatildeo da imagem que aparece assim como representaccedilatildeo quase
automaacuteticalsquo objetivalsquo sine manu factalsquo O gesto humano passa a ser mais um
gesto de conduccedilatildeo da maacutequina do que de figuraccedilatildeo direta (DUBOIS 2004
p38)
Em sua brilhante anaacutelise Barthes evidencia o fato de que a fotografia significa
muito mais uma ruptura do que uma continuidade em relaccedilatildeo agrave pintura Isso porque a
reaccedilatildeo quiacutemica dos sais de prata fotossensiacuteveis mediada pelo aparelho oacutetico que projeta a
imagem eacute colocada no centro do dispositivo de criaccedilatildeo da imagem deslocando o papel do
criador que antes que antes tinha que compor o instante representado a partir de instantes
distintos usando os coacutedigos da pintura para unificar a fatura e agora passava a poder
recortar um instante na sua proacutepria duraccedilatildeo com o uso da fotografia Dubois acrescenta
que tal uso
abandona o tempo crocircnico real evolutivo o tempo que passa como um rio
nosso tempo dos seres humanos inscritos na duraccedilatildeo para entrar em uma
temporalidade nova separada e simboacutelica a da foto temporalidade que tambeacutem
dura tatildeo infinita em princiacutepio quanto a primeira mas infinita na imobilidade
total congelada na interminaacutevel duraccedilatildeo das estaacutetuas (DUBOIS 1993 p168)
Com a invenccedilatildeo do instantacircneo fotograacutefico a pose a produccedilatildeo a composiccedilatildeo
elementos proacuteprios agrave linguagem da pintura figurativa satildeo subvertidas datildeo lugar tambeacutem
ao efecircmero ao flagrante agrave espontaneidade
Durante o seacuteculo XIX a fotografia buscou ancorar-se na esteacutetica proacutepria agrave pintura
para almejar sua entrada no panteatildeo das Belas-Artes em um movimento chamado pela
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historiografia de pictorialismo Como bem analisou Walter Benjamin em sua Pequena
Histoacuteria da Fotografia de 1931 esse movimento se revelou improdutivo jaacute que os
fotoacutegrafos buscavam encaixar-se nos mesmos padrotildees de valoraccedilatildeo esteacutetica que foram
subvertidos com a invenccedilatildeo da fotografia
O discurso sobre a fotografia no seacuteculo XIX ainda estaacute muito contaminado por
valores esteacuteticos que consideram a teacutecnica em oposiccedilatildeo agrave arte ou na melhor das hipoacuteteses
como uma mera serviccedilal da arte Mas a proacutepria invenccedilatildeo da fotografia primeira forma de
produzir imagens completamente mediada pela teacutecnica na qual o ―laacutepis da Natureza
(Talbot) age sozinho sem a ajuda da matildeo do homem estava subvertendo completamente
os valores vigentes instaurando uma estreita ligaccedilatildeo entre teacutecnica e arte
Trazer a teacutecnica para o primeiro plano eacute uma das transformaccedilotildees mais radicais que
a imagem fotograacutefica instaura no campo da produccedilatildeo de imagens Esse tipo de imagem
criada por um aparelho chamada por Vileacutem Flusser de ―imagem teacutecnica foi capaz de
superar oposiccedilotildees vazias entre arte e teacutecnica
Com a virada para o seacuteculo XX se inicia um movimento de valorizaccedilatildeo da
fotografia por suas peculiaridades constitutivas advindas de seu proacuteprio mecanismo de
inscriccedilatildeo da imagem a instantaneidade o corte a conexatildeo fiacutesica com o referente A
chamada fotografia moderna se estabelece em duas frentes nas vanguardas europeacuteias e no
movimento chamado Photo Secession que ocorreu nos Estados Unidos8
A obra de Henri Cartier-Bresson eacute das mais importantes para a afirmaccedilatildeo da
fotografia por suas qualidades constitutivas Ele percebeu a potencialidade do aparato e o
foi um dos primeiros a usar uma cacircmera compacta de pequeno formato para sacar
instantes da realidade ainda na deacutecada de 1930 Com o tempo amadureceu uma filosofia
do chamado ―instante decisivo Para ele o fotoacutegrafo eacute como um flaneur que vaga pelo
mundo em busca daqueles raros momentos em que todos os elementos do enquadramento
se alinham em sua maacutexima expressatildeo dando agrave narrativa um potencial de siacutentese
A partir dessa reflexatildeo pode-se dizer que a fotografia audiovisual possibilita
transmitir ao espectador uma verossimilhanccedila com a realidade A anaacutelise da fotografia no
cinema se faz a partir do conhecimento dos elementos que a compotildee e suas variaccedilotildees
Assim cada elemento seraacute tratado separadamente para que seja possiacutevel uma melhor
explanaccedilatildeo de cada componente da fotografia audiovisual
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21 Iluminaccedilatildeo
De acordo com Sousa (2004) eacute intuitivo afirmar que no momento em que se
ilumina um determinado objetopersonagem em detrimento de outros revela-se apenas
aquele que estaacute exposto agrave luz No entanto essa natildeo eacute a uacutenica contribuiccedilatildeo da iluminaccedilatildeo
para a construccedilatildeo de sentido a uma imagem Aleacutem disso eacute responsaacutevel por transmitir
noccedilotildees de profundidade e de relevo Segundo Roberts-Breslin (2009) eacute atraveacutes da
iluminaccedilatildeo que satildeo criados os padrotildees de luz e sombra que datildeo sentido ao nosso mundo
como tambeacutem o alto contraste do sol do meio-dia ou o baixo contraste monocromaacutetico
num dia chuvoso Aumont (2004) acrescenta que
A luz no cinema estaacute sempre ali e ateacute mesmo duplamente ali jaacute que a luz do
projetos ndash a luz depois do filme ndash serve para mostrar a luz registrada tal como
ela caiacutea sobre as coisas filmadas ndash a luz de antes do filme Haacute entre as duas uma
conivecircncia inextinguiacutevel jaacute reconhecida aqui mesmo em sua forma negativa ndash o
escuro - e que nutriu com frequecircncia a fantasia (em Murnau em Sternberg ou
Godard) de que uma natildeo eacute senatildeo a continuaccedilatildeo da outra por outros meios
Consequumlecircncia articulaccedilatildeo da diferenccedila a luz do quadro natildeo teve de ser
produzida realmente a do filme foi real Diferenccedila ontoloacutegica que se duplica em
outra infinitamente contingente poreacutem sensiacutevel a luz utilizada na produccedilatildeo do
filme eacute uma luz eleacutetrica seu aspecto eacute particular variaacutevel aliaacutes ao longo da
histoacuteria do cinema (AUMONT 2004 p 172)
As condiccedilotildees de iluminaccedilatildeo satildeo capazes de indicar a hora do dia a eacutepoca do ano e
a parte do planeta em que a imagem estaacute sendo reproduzida A luz ―empresta um tom a um
lugar ou experiecircncia ndash o brilho suave e romacircntico de uma vela as inesperadas e
desconhecidas sombras da noite a firme e escura melancolia do crepuacutesculo do inverno
ou seja possibilita a criaccedilatildeo de um determinado clima agrave cena (Breslin 2009 p87) Moura
afirma que
A fotografia em nada se diferencia da natureza Todas as luzes e efeitos estatildeo agrave
mostra para o olho educado Os efeitos dos filtros os contrastes das luzes as
densidades das cores tudo e todos estatildeo na natureza agrave vista de quem quiser ver
Se vocecirc prestar atenccedilatildeo ao tipo de luz que o sol gera saberaacute qual refletor de
quanto como e onde colocar Se vocecirc se abstrair do tamanho do sol e se
concentrar no efeito da sua luz poderaacute intuir a direccedilatildeo a natureza e a
intensidade da luz que vocecirc precisaraacute para ter o mesmo resultado Afinal de
contas o sol tem que iluminar a terra toda e noacutes soacute um pequeno estuacutedio As
diferenccedilas de tamanho satildeo irrelevantes para o raciociacutenio Para se chegar ao
pequeno partimos do grande Nada no pequeno mundo da fotografia inexiste no
vasto mundo de todos noacutes Talvez a uacutenica coisa que possamos criar e que jaacute natildeo
exista em escala maior e em melhor forma na natureza seja a escrita (MOURA
2001 p 20)
Breslin (2009 p88) acredita que a luz consiste na base da miacutedia visual pois
―tecnicamente a luz fornece a energia que nos permite reproduzir uma imagem
Esteticamente a luz junto com a composiccedilatildeo revela verdades e mentiras criando beleza e
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feiura dentro do quadro Para Martin (2003 p 71) a iluminaccedilatildeo eacute o ―fator decisivo da
expressividade da imagem poreacutem sua importacircncia natildeo eacute percebida pelo espectador
devido ao fato de possibilitar a criaccedilatildeo de uma atmosferalsquo elemento este dificilmente
analisaacutevel
As sombras criadas com a iluminaccedilatildeo ―ajudam a transmitir profundidade clima e
lugar mas devem ser cuidadosamente controladas A iluminaccedilatildeo na verdade pode ser
definida como lanccedilar e controlar as sombrasrdquo (BRESLIN 2009 p95) Sendo assim a
luz possui vaacuterias caracteriacutesticas essenciais qualidade direccedilatildeosentido contraste
uniformidade cor e intensidade
Conforme Sousa (2004) a qualidade da luz refere-se principalmente ao tipo de
sombra que um objeto iluminado produz seja ela dura e definida ou suave a gradual
Breslin (2009) confirma tal classificaccedilatildeo ao dizer que
A qualidade de uma fonte de luz tem a ver com o modo como as ondas
percorrem o espaccedilo Se elas o fazem em linha reta a partir da fonte ateacute iluminar
o objeto satildeo refletidas de volta para a lente de um olho ou cacircmera em linhas
similarmente retas Isso produz luz dura direta ou localizada A energia
luminosa cobre uma aacuterea relativamente pequena mas manteacutem a intensidade ou
brilho maacuteximos A luz direta enfatiza a textura (BRESLIN 2009 p92)
A autora acrescenta que a luz que atinge um objeto pode ser dura ao produzir
sombras nitidamente definidas e partes mais claras distintas Jaacute quando produz partes
claras e sombras sutis e com uma borda menos definida ela eacute classificada como uma luz
suave Assim a luz comeccedila direta mas suas ondas podem desviar ou refletir de uma a
outra superfiacutecie ateacute que encontram o seu caminho para a lente Dependendo do caminho
percorrido se ―produz luz suave difusa ou lavada Uma fonte de luz difusa cobriraacute uma
aacuterea grande mas eacute menos intensa ou brilhante do que a mesma quantidade inicial de luz
direta na mesma distacircncia do objeto (BRESLIN 2009 p93)
Salles (2006) ressalta que ao iluminar artificialmente uma cena qualquer os planos
de composiccedilatildeo de luz desta cena devem ser cuidadosamente elaborados a fim de que a
fotografia do filme esteja em harmonia esteacutetica com o roteiro e sua proposta
22 Cor
Durante praticamente quarenta anos o cinema se manteve em preto e branco
Qualidade natural dos seres e objetos a cor possibilita maior realismo nas obras fiacutelmicas
pois aumenta a veracidade da imagem
27
Sendo assim a partir de um trabalho manual dos teacutecnicos que coloriam os filmes agrave
matildeo ou com o auxiacutelio de paletas eacute que se tornou possiacutevel colocar cor nas telas mediante
muito trabalho Experiecircncias foram realizadas e tomou-se conhecimento de uma nova
teacutecnica os chamados ―banhos onde a peliacutecula era tingida com cores uniformes com o
intuito de atribuir tanto realismo quanto simbolismo Basicamente era usado azul para
designar a noite e amarelo para as cenas de interiores agrave noite enquanto que para
simbolizar os incecircndios e as revoluccedilotildees optava-se pelo vermelho e para as matas e
paisagens a cor verde (MARTIN 2003) A bicromia e a tricomia comeccedilaram a serem
utilizadas em meados dos anos 30 No entanto eacute apenas na metade dos anos 50 que a cor
passou a ser usada de forma generalizada
Natildeo se pode negar que a cor possui um papel fundamental na composiccedilatildeo da
fotografia cinematograacutefica A partir de sua utilizaccedilatildeo torna-se possiacutevel representar a
realidade com mais perfeiccedilatildeo e precisatildeo Aumont (2003 p63) acrescenta que ―apesar da
especificidade da cor no cinema o modelo criacutetico e esteacutetico foi quase sempre a pintura
Esta circulou enormemente no imaginaacuterio fiacutelmico em trecircs grandes formas a
ficcionalizaccedilatildeo a imitaccedilatildeo e a anaacutelise sendo a base para as futuras produccedilotildees
audiovisuais Contudo o autor ressalta que
a ausecircncia de leis gerais e verificaacuteveis explica a ausecircncia quase total de reflexatildeo
teoacuterica sobre a cor na imagem em movimento As uacutenicas consideraccedilotildees agraves
vezes propostas no tocante ao valor simboacutelico ou expressivo da cor (o vermelho
como siacutembolo de guerra ou de paixatildeo o azul bem como o azul-celeste para a
paz o violeta associado agrave lamentaccedilatildeo funeraacuteria etc) Como tais valores satildeo bem
variaacuteveis conforme as culturas e as eacutepocas Eacute difiacutecil fazer uma teoria deles e a
esteacutetica da cor no cinema confunde-se praticamente com a constataccedilatildeo de
estilos pessoais ou de efeitos de gecircnero (AUMONT 2003 p63)
Ainda em relaccedilatildeo ao uso das cores fala-se em harmonia e contraste cromaacutetico A
harmonia ocorre quando em uma imagem existem cores proacuteximas (laranja amarelo
torrado amarelo e vermelho) Jaacute ao mencionar contraste cromaacutetico se refere quando na
imagem existem cores contrastantes (azul vs Vermelho amarelo vs Violeta por
exemplo) Contudo Sousa (2004) revela outras maneiras de evidenciar contraste
cromaacutetico (a) contraste de cores fortes com cores neutras (por exemplo vermelho vivo vs
cinzento claro) (b) complementaccedilatildeo entre cores claras e cores escuras (por exemplo o
amarelo-limatildeo faz o azul marinho parecer mais escuro) (c) contraste entre tons intensos
da mesma cor (o vermelho carregado contrasta com o vermelho claro)
Sousa (2004) acrescenta que eacute possiacutevel expressar quietude e tranquumlilidade ao
recorrer agrave harmonia cromaacutetica de cores quentes suaves como o castanho-terra suave e o
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amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada
diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis
Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de
ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem
teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas
especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade
Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores
satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada
espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos
valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem
23 Enquadramentos
O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que
determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo
que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores
O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada
Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira
como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave
objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela
Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos
teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos
notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena
mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar
mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico
Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o
tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos
objetos que constituem a cena
Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees
possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de
detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar
Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma
29
―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para
a tela
231 Planos
O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre
dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no
qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute
determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da
objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da
narrativa que se pretende obter
Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada
autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute
possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos
planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o
observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta
planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os
intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro
plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens
plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por
exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA
(2004 p67-68)
A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano
Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade
fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte
1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro
2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos
joelhos para cima ou da cintura para cima
3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um
pouco abaixo
4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima
5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator
6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na
altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas
30
232 Acircngulos de Filmagem
De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto
que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir
um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo
superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto
que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade
No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de
baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de
superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e
do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do
personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele
em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador
233 Movimentos de Cacircmera
Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por
Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da
ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental
de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a
descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou
uma personagem
Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de
cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o
deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem
constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A
panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio
eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a
trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com
o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural
Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou
complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir
de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um
―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena
31
3 O cinema de autor
No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria
recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas
produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo
(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na
tela diferentes percepccedilotildees diante da trama
Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de
vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de
variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao
participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim
conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro
Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista
produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete
instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs
Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo
No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)
juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores
(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os
produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do
filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas
No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith
4
Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico
2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do
cinema mudo
3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano
um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas
4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de
Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o
movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o
filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)
5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro
de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia
de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou
em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia
32
devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e
dirigindo na publicidade de seus filmes
Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica
quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na
―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do
existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do
autor
Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-
sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e
substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a
atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando
que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo
metafiacutesicas (STAM 2003 p111)
Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo
que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi
responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou
a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras
refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica
abordando o ato de fazer e assistir a um filme
Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita
sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de
determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a
mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais
cineastas
Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers
Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica
Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes
que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar
conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as
filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios
seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma
simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)
Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do
Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os
grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas
6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem
como no sete de filmagem
33
como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o
suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e
o puacuteblico como seu divertimento
Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no
cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes
nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees
inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo
autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de
caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor
(COVALESKI 2009 p83)
Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o
contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa
eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a
obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma
noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a
outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI
2009 p 84)
Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute
responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo
do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute
responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas
necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo
com Bernardet
Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua
maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um
filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que
preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em
perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)
O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem
traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na
direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas
optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas
uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na
direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta
34
Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora
diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior
originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade
crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais
Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de
autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para
Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do
discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia
Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e
situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi
apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser
considerado como tal
O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica
com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra
determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem
defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos
paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor
Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja
autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de
1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e
Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de
presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de
suas matildeos
Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo
(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do
curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos
experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar
Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo
Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se
tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila
Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras
produtoras independentes do paiacutes
No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute
que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal
35
Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam
de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que
Meirelles considera ter feito em sua vida
No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas
publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos
que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar
notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar
e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas
da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para
natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar
em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade
Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a
produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando
Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2
Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no
mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios
internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca
de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio
Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede
Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura
completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um
departamento juriacutedico aacutegil
Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme
foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes
selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival
Internacional de Rotterdam
O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de
20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores
no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais
Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo
internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores
filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro
indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o
filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta
36
Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado
como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no
manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a
pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo
sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No
entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional
Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao
levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner
o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na
categoria de Melhor Diretor
Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando
Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do
romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O
filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14
de maio de 2008
37
4 Metodologia
A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando
compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria
nos filmes de Fernando Meirelles
Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave
argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise
detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades
sociais
Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo
aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de
entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira
indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o
caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como
objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro
Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra
selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes
representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a
esteacutetica publicitaacuteria
Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que
seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem
fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de
expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica
Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do
conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia
e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise
a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e
organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir
das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)
interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em
funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo
Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise
fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra
que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da
38
linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa
fiacutelmica
Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo
1 Preacute-anaacutelise
a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor
enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)
2 Descriccedilatildeo Analiacutetica
a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos
3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando
em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes
Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute
necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo
haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica
efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo
pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando
necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que
considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde
que natildeo descarte as antecedentes
39
5 Anaacutelises
Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica
publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel
a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica
descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo
estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a
narrativa de cada um dos filmes
Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de
Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)
51 Domeacutesticas
Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas
40
Sinopse
Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de
Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada
Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa
sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar
de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute
Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida
Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com
um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por
missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a
mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que
satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se
estivessem dando uma espeacutecie de depoimento
Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas
aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de
emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o
outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das
domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo
Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo
encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas
por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do
plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave
novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um
sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da
profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento
cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes
publicitaacuterios
41
Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas
(Plano aberto e plano conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas
com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal
Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos
lateralizados
A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em
plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo
pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee
possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem
disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco
conotando mais tristeza agrave cena
Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e
cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como
acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute
limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera
tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no
estacionamento do preacutedio
Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em
que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a
personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o
deslocamento da personagem daquele mundo
42
Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas
(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de
serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves
tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas
com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)
Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em
um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um
domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao
casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte
observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre
sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o
responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua
profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela
As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena
No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo
agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute
43
devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de
nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude
alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade
sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento
Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as
personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo
O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo
vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das
diversas dificuldades no seu dia-a-dia
O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano
meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em
meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave
criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)
isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo
dos exageros
Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna
da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores
quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde
44
e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila
dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme
Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas
52 Cidade de Deus
Sinopse
O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro
protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou
um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a
estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto
de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante
amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente
suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num
ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele
descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se
fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista
do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos
45
principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria
mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um
mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute
Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro
dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto
Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos
bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute
usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute
centralizada e em leve plongeacutee
Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no
46
comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo
frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas
casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e
suave
A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do
traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na
criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar
perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-
plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem
Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano
geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo
compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando
naturalidade
Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)
47
Iluminaccedilatildeo e cor
Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo
deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute
observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa
frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo
pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo
Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste
elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem
a funccedilatildeo de criar um visual expressivo
Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente
natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a
inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre
dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na
cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute
ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo
consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena
interna e provavelmente noturna
Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua
maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais
frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo
com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute
amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute
modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos
48
periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo
publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama
Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante
Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com
a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um
material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a
imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee
com armas em punho apontadas para os policiais
Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela
49
Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus
53 O Jardineiro Fiel
Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel
50
Sinopse
O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em
Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa
uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem
aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para
substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes
um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute
transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu
idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a
trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin
acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir
na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de
amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa
estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional
envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em
seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a
disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no
Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e
ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar
como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se
para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final
bastante diferente do que seria esperado
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a
imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia
de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio
em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao
lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar
para se proteger
Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem
Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em
51
plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades
azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um
embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em
plongeacutee e plano aberto em conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na
figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A
imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano
aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo
dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais
amenos frios
Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada
retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao
receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade
possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento
As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a
imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua
52
Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em
leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens
contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante
natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel
perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral
aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores
quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave
luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem
composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local
em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo
A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela
cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A
impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena
que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma
53
desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do
ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas
sim no seu proacuteprio lucro
Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de
ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir
contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis
por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele
seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com
movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma
arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite
suavidade e calor agrave cena
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel
(variaccedilatildeo entre suave e dura)
Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando
com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na
lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em
equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira
imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais
onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena
54
ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens
em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)
ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem
possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua
composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)
como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel
54 Ensaio sobre a Cegueira
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira
55
Sinopse
O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que
atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas
passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no
tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados
em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a
lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a
uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que
juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute
baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com
o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de
cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo
manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O
enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para
a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e
branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria
compotildee as cenas da trama
Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento
panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da
trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade
esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o
motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa
ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais
Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o
motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo
adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de
quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia
56
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
57
Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
58
A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
59
do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
14
Por volta de 1750 a palavra esteacutetica foi inventada com o intuito de designar uma
―ciecircncia dos sentimentos posteriormente uma ―ciecircncia do belo Atualmente eacute
empregada igualmente no plural para se referir agraves diversas concepccedilotildees do belo e da arte
Segundo Aumont e Marie (2003) natildeo existe esteacutetica constituiacuteda do cinema mas questotildees
de natureza esteacutetica foram frequumlentemente discutidas a respeito dele em torno dos
seguintes problemas
1 O cinema entre as artes natildeo tendo sido o cinema de iniacutecio aceito como
arte (mas como teacutecnica ou como distraccedilatildeo) sua especificidade artiacutestica foi
muitas vezes salientada Em particular ele foi por isso confrontado e
comparado com artes reconhecidas a muacutesica (Gance) a pintura (Bazin
Aumont Bonitzer) o teatro (Pagnol) valorizando a cada vez uma
caracteriacutestica particular do cinema o ritmo o enquadramento a fala a
cenicidade etc
2 A especificidade do fiacutelmico ela diz respeito a alguns traccedilos fundamentais
estudados nos mais das vezes de pontos de vista bem diferentes o
movimento (Munsterberg Deleuze) a mobilidade do ponto de vista
(Souriau Metz Jost Aumont) a sequencialidade e a montagem
(Eisenstein)
3 A possibilidade de uma poeacutetica do cinema ndash ou seja de uma concepccedilatildeo
geral da natureza do cinema da criaccedilatildeo fiacutelmica da relaccedilatildeo do fiacutelmico com o
mundo afilmico ou profilmico etc A respeito desse ponto observa-se uma
grande oposiccedilatildeo entre poeacuteticas realistas ndash o filme como transparecircncia
(Kracauer) a ―liacutengua escrita da realidade (Pasolini) o ―cine-olho
(Vertov) - e poeacuteticas formalistas ndash o ―cinema-linguagem (Eisenstein) a
fotogenia (Epstein) o filme como grande forma (Buch) etc
4 A possibilidade de uma arte de massa imposta pela induacutestria e pela teacutecnica
(Panofsky) (AUMONT MARIE 2003)
Para Covaleski (2009 p77) a esteacutetica do cinema estaacute diretamente relacionada com
a natureza reprodutiva e mecacircnica do meio cinematograacutefico Segundo o autor eacute possiacutevel
destacar duas teorias mesmo que distintas em que se refere agrave natureza reprodutiva do
cinema A primeira de Walter Benjamin afirma que toda a problemaacutetica da esteacutetica
relacionada ao cinema estaacute centrada no ―contexto da crise do sistema tradicional das artes
cuja modalidade de percepccedilatildeo cinematograacutefica essencialmente coletivalsquo e distraiacutedalsquo eacute
sua proacutepria causa e efeito Jaacute a segunda teoria de Andreacute Bazin constata que o problema
esteacutetico estaacute ligado ao caraacuteter mecacircnico da reproduccedilatildeo ou seja ―eacute a ausecircncia de uma
intervenccedilatildeo por parte da interpretante e a deformaccedilatildeo causada pela projeccedilatildeo que teoriza
tal problemaacutetica Jaacute Aumont (2002 p15-16) ressalta que a esteacutetica do cinema confere dois
aspectos ―uma vertente geral que considera o efeito esteacutetico proacuteprio do cinema e uma
vertente especiacutefica centrada na anaacutelise de obras particulares Sendo assim refere-se agrave
anaacutelise de filmes ou a criacutetica no sentido pleno do termo
15
Na obra fiacutelmica os aspectos esteacuteticos satildeo apresentados diante de uma
categorizaccedilatildeo dos elementos que constituem a manifestaccedilatildeo esteacutetica no cinema Segundo
Covaleski (2009) ―tais manifestaccedilotildees se datildeo sobre vaacuterias formas ora icocircnicas ora
focircnicas ora graacuteficas ora oacuteticas ora sonoras ora auditivas e estatildeo em processo de
evoluccedilatildeo devido ao surgimento de novas tecnologias de comunicaccedilatildeo juntamente com
novas manifestaccedilotildees artiacutesticas
No decorrer do seacuteculo XX mediante tais transformaccedilotildees houve a geraccedilatildeo de
novas noccedilotildees de criaccedilatildeo de arte de esteacutetica Conforme Plaza (2000) ocorreu um
―deslocamento das funccedilotildees instauradoras (a poeacutetica do artista) para funccedilotildees de
sensibilidade receptora (esteacutetica) o que produz no meio artiacutestico uma grande confusatildeo
conceitual caracterizada pela mistura e hibridaccedilatildeo de gecircneros poeacuteticas e atitudes
artiacutesticas
Pode-se compreender com base em Covaleski (2009) que a chegada da arte do
cinema agrave tevecirc trouxe tambeacutem padrotildees esteacuteticos que aos poucos foram incorporados ao
meio televisual aleacutem de serem consumidos em larga escala pela publicidade Percebe-se
que boa parte dos comerciais de tevecirc os chamados filmes publicitaacuterios alcanccedilam mais
destaque que a proacutepria programaccedilatildeo devido aos recursos tecnoloacutegicos e a linguagem
adaptada do cinema utilizado em suas produccedilotildees Sendo assim ao serem criados e
produzidos com preocupaccedilotildees esteacuteticas e cuidados artiacutesticos possibilitou gerar um
receptaacuteculo proacuteprio a esteacutetica publicitaacuteria
Diante do debate entre o aspecto utilitaacuterio e o aspecto artiacutestico da mensagem cabe
agrave publicidade recorrer agraves funccedilotildees da linguagem Para o autor natildeo importa se sejam as
poeacuteticas conativas ou referenciais mas sim sua finalidade de elevar e diversificar o
conjunto de repertoacuterios de seu puacuteblico-alvo contribuindo assim para a aceitaccedilatildeo de uma
nova esteacutetica
Tal questatildeo esteacutetica para alguns autores eacute tratada como uma espeacutecie de fetiche
cinematograacutefico Eacute possiacutevel perceber a veneraccedilatildeo e a adoraccedilatildeo de determinados elementos
constituintes da narrativa - do figurino do cenaacuterio ou ateacute mesmo da performance cecircnica
do ator ndash como intuito de simbolizar objeto de culto estabelecer um valor icocircnico a este
Conforme Covaleski (2009 p79-80) desde ―a criaccedilatildeo de mitos do cinema ao lanccedilamento
de moda passando pelo merchandising institucionalizado a esteacutetica cinematograacutefica
contribui na formaccedilatildeo e evoluccedilatildeo de comportamentos fetichistas por parte da sociedade
movida por novos sonhos de consumo e por novas divindades a cultuar
16
A partir da reflexatildeo de Carvalho (2003) a cerca dos estudos de Leacutevi-Strauss pode-
se dizer que a individualizaccedilatildeo da produccedilatildeo demonstrar o aparecimento de uma
consciecircncia criacutetica por parte do receptor que retira da esteacutetica-primitiva o seu dever social
A obra sendo produzida individualmente sem necessidade de bastar a uma sociedade ou
clatilde A esteacutetica-moderna depende apenas da aprovaccedilatildeo ou natildeo de uma clientela ―de classe
(como utiliza o autor) para se firmar como arte
Ao mesmo tempo com a evoluccedilatildeo da criacutetica de arte e o aparecimento do
abstracionismo Leacutevi-Strauss iraacute demonstrar um propoacutesito antimodernista ao perceber a
banalizaccedilatildeo presente na arte do poacutes-guerra Aleacutem da hiper-valorizaccedilatildeo da criacutetica a
representaccedilotildees pictoacutericas sem compromisso artiacutestico Poreacutem dentro desta mesma vertente
podemos repassar seu conceito de arte que funde a ciecircncia e o mito na concepccedilatildeo do
espiacuterito humano (pensamento criador) em outro de seus pensamentos a loacutegica do
sensiacutevel Loacutegica regida pela possibilidade de unir muacutesica e mito ou romance e mito atraveacutes
de uma ―estrutura-funccedilatildeo Todo meio artiacutestico pode ser fundido a outro ou recriado
desde que o estruturalismo presente no espiacuterito humano conceba um fim artiacutestico
A inter-relaccedilatildeo do cinema e da publicidade audiovisual resulta dos aspectos dessa
linguagem pois ambos constituem meios audiovisuais que trabalham a partir de uma
mesma base de composiccedilatildeo e de montagem de elementos expressivos para criar um
determinado plano de conteuacutedo narrativo e de significado o que configura esteacuteticas
diferenciadas
A modernidade da imagem cinematograacutefica eacute reflexo de um processo histoacuterico
em que a arte tenta se renovar em releituras de seus proacuteprios conceitos e criaccedilatildeo
de outros A diversidade estiliacutestica caracteriacutestica do cinema comercial da deacutecada
de 90 retrata uma geraccedilatildeo multimiacutedia de novos profissionais e espectadores que
acabaram por alterar os rumos da cinematografia contemporacircnea
(CARVALHO 2003)
Tais mudanccedilas de abordagem satildeo visiacuteveis natildeo apenas no cinema como tambeacutem nos
videoclipes nos games e na publicidade Refere-se a uma nova perspectiva de criaccedilatildeo
audiovisual na tentativa de romper as barreiras das produccedilotildees tradicionais e enfatizar o
surgimento de novas possibilidades Tais rupturas contribuem para a mudanccedila no
comportamento dos sujeitos contemporacircneos
O pensador de agora jaacute natildeo se senta mais agrave sua escrivaninha diante de seus
livros para dar forma ao seu pensamento mas constroacutei as suas ideias manejando
instrumentos novos ndash a cacircmera a ilha de ediccedilatildeo o computador - invocando
ainda outros suportes de pensamento sua coleccedilatildeo de fotos filmes viacutedeos
discos ndash sua mideoteca enfim (DUBOIS 2004 p19)
17
O pensamento audiovisual contemporacircneo constata essa hibridizaccedilatildeo essa
convergecircncia de elementos responsaacuteveis por uma mudanccedila de conduta Deste modo
Dubois (2004 p25) ressalta a existecircncia do imaginaacuterio cinematograacutefico presente em
todos os lugares e impregnado ―ateacute em nossa maneira de falar ou de ser Quem ao
percorrer de carro um longo trajeto numa vasta paisagem aberta natildeo pensou com a ajuda
da muacutesica no raacutedio numa figura de travelling mergulhando na tela panoracircmica de seu
paacutera-brisa
Em relaccedilatildeo agrave esteacutetica publicitaacuteria Carvalho (2003) ressalta uma possiacutevel ―morte
do cinema Vaacuterios criacuteticos apostam nessa ―morte diante do uso de recursos estiliacutesticos
que estariam se sobressaindo na concepccedilatildeo criadora do filme em contraposiccedilatildeo ao
realismo bem como da evoluccedilatildeo da teacutecnica que distancia o cinema de sua perspectiva
fotograacutefica Resultando assim na valorizaccedilatildeo da imagem em detrimento da representaccedilatildeo
Contudo o autor ressalva que tal concepccedilatildeo de retrato da realidade aleacutem de
ultrapassada estaacute reformulada no estudo do ―espiacuterito humano de Leacutevi-Strauss Este
estudo baseia-se no posicionamento da seacutetima arte como uma visatildeo moderna do homem
diante da realidade a visatildeo em que a cacircmera capta a imagem e natildeo o objeto
Enquanto isso Merquior (1975) busca uma maneira de refletir e re-posicionar as
concepccedilotildees de Leacutevi-Strauss quanto agrave arte contemporacircnea
Em vez de vociferar sobre a verdade factuallsquo da morte da artelsquo conviria
colocar a problemaacutetica implicada por essas teses em relaccedilatildeo a uma das
tendecircncias mais fecundas do estruturalismo ndash sua vontade de ultrapassar as
anaacutelises estanques dos domiacutenios culturais (arte religiatildeo ciecircncia etc) de
encorajar a pesquisa de afinidades estruturais e funcionais entre esses camposlsquo
sem jamais esquecer que satildeo todos faces de uma mesma realidade o espiacuterito
humano (MERQUIOR 1975 p79)
Em seu texto A Dupla Heacutelice Raimond Bellour consegue ver logo no viacutedeo ndash base
da esteacutetica publicitaacuteria ndash e na tecnologia digital o resumo desta realidade emergente
O viacutedeo leva assim agrave sua perda essa capacidade de analogia dilatada agraves
dimensotildees do universo pela primeira vez os corpos e os objetos do mundo satildeo
virtualmente desfiguraacuteveis (e logo refiguraacuteveis) ao sabor de uma potecircncia que
transforma em tempo real ou quase natildeo diferido (e natildeo mais somente como no
cinema por uma lenta elaboraccedilatildeo cujas trucagens constituem o modelo) as
representaccedilotildees que capta seu olho mecacircnico Isso explica o fato de a viacutedeo-
imagem a caccedilula das imagens de reproduccedilatildeo poder aparecer simultaneamente
como uma nova imagem irredutiacutevel ao que a precede mas tambeacutem uma
imagem capaz de atrair de absorver de misturar todas as imagens anteriores
pintura fotografia cinema (BELLOUR Raimond in PARENTE 1993 p223)
18
Em funccedilatildeo disso a esteacutetica publicitaacuteria natildeo passaria apenas de um mero
abstracionismo imageacutetico do cinema mas sim a siacutentese de uma movimentaccedilatildeo esteacutetica que
atravessa todas as artes denominada Poacutes-modernidade Cultural Muito aleacutem de um
recurso estiliacutestico as imagens de ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus entre outros filmes
tachados como videoclipeiros ou publicitaacuterios refletem na representaccedilatildeo do olhar do
homem moderno Toda essa fundamentaccedilatildeo estaacute na fusatildeo da linguagem videograacutefica com
a fotograacutefica do cinema Ao inveacutes de ampliar a visatildeo da rapidez das coisas tenta-se
reduzir o que ocorre agrave nossa volta em conceitos voltado aos meios artiacutesticos
11 Interfaces cinema e publicidade
Com o intuito de construir um sentido proacuteprio para cada filme o cinema atua em
momentos esparsos e depende da disposiccedilatildeo do espectador para que a obra fiacutelmica seja
consumida Em contrapartida a televisatildeo oferece uma programaccedilatildeo diversificada sem
interrupccedilotildees 24h por dia Assim o espectador recebe informaccedilotildees se diverte com
seriados novelas e filmes sem sair de casa
Percebe-se que a origem do discurso nunca eacute autocircnoma mas sim dependente de
outros discursos em que buscou referecircncia Bliskstein (1994 p45) constata que
―suportado por toda uma intertextualidade o discurso natildeo eacute falado por uma uacutenica voz mas
por muitas vozes geradoras de muitos textos que se intercruzam no tempo e no espaccedilo
Na deacutecada de 60 Kristeva introduziu o termo intertextualidade como uma traduccedilatildeo
para ―dialogismo que se refere agrave relaccedilatildeo entre um enunciado e os demais enunciados De
acordo com Stam (2003) a intertextualidade eacute um conceito de valor na medida em que
possibilita relacionar o texto individual com as demais formas de representaccedilatildeo natildeo
somente com outros textos
Intertextualidade eacute vista por Fiorin (2002) como a forma de incorporar um texto em
outro aleacutem de ser polecircmica quando propotildee uma oposiccedilatildeo ao sentido do texto original ou
contratual quando o reforccedila e o enaltece Assim sendo a intertextualidade polecircmica eacute
conhecida como paroacutedia enquanto a intertextualidade contratual como paraacutefrase Aleacutem
disso classifica tambeacutem em
citaccedilatildeo (referecircncia literal a outro texto usando parte deste) alusatildeo (reproduccedilatildeo
de construccedilotildees sintaacuteticas substituindo algumas figuras do texto original por
outras) e estilizaccedilatildeo (reproduccedilatildeo do estilo de outrem no plano da expressatildeo ou
no do conteuacutedo) (FIORIN apud COVALESKI 2009 p 39)
19
A seguir uma abordagem mais detalhada de cada uma das relaccedilotildees intertextuais
entre o cinema e a publicidade televisual na visatildeo de Covaleski (2009)
a) citaccedilatildeo a publicidade desfruta desse recurso criativo com maestria Uma uacutenica
obra cinematograacutefica pode originar uma grande variaccedilatildeo de citaccedilotildees ancoradas
a uma mesma cena claacutessica evidentemente emblemaacutetica contundente o
bastante para se tornar perene no imaginaacuterio coletivo transpondo barreiras
culturais e temporais Pode-se citar como exemplo a cena emblemaacutetica em que
a atriz Marilyn Monroe tem sua saia levantada devido ao deslocamento de ar
durante a passagem do metrocirc no filme O Pecado Mora ao Lado (The Seven
Year Itch de Billy Wilder ndash 1955) Essa cena muito conhecida jaacute foi usada
diversas vezes e de diferentes formas pela publicidade Exemplo disso foi a
colocaccedilatildeo de uma saia ndash a la Marilyn ndash em garrafas de vodka da marca
Absolut
b) alusatildeo mais sutil que a citaccedilatildeo remete a uma obra anterior poreacutem sem fazer
uso de fragmentos dela Utiliza somente uma construccedilatildeo equivalente
substituindo determinadas figuras por outras A alusatildeo recorrente no cinema eacute
facilmente percebida em filmes que pertencem a um mesmo gecircnero
cinematograacutefico Na publicidade a intertextualidade com o cinema utilizando a
alusatildeo aparece em comerciais de anunciantes dos mais diferentes segmentos de
mercado bem como os filmes de onde saiacuteram as inspiraccedilotildees pertencem aos
mais diversos gecircneros O filme francecircs O Fabuloso Destino de Ameacutelie Poulain
(Le Fabuleux Destin drsquoAmeacutelie Poulain de Jean-Pierre Jeunet - 2001) eacute uma
obra com clara influecircncia da linguagem publicitaacuteria Muito disso se deve
devido agrave vivecircncia de Jeunet em meio agrave publicidade Eacute o caso deste trabalho jaacute
que Fernando Meirelles trabalhou com publicidade antes de seguir carreira no
cinema Um exemplo de alusatildeo a este filme se percebe na campanha do
automoacutevel Renault Sceacutenic ndash um anatildeo de jardim eacute sequumlestrado por um grupo de
amigos e aprova seu novo endereccedilo mandando uma carta agrave sua antiga dona
avisando que natildeo voltaraacute mais para casa Deste modo a campanha faz alusatildeo
ao argumento de liberdade explorado na obra francesa
c) estilizaccedilatildeo ato de reproduzir um conjunto de procedimentos de caracteriacutesticas
de formas e de conteuacutedos do discurso de outrem Eacute recorrer agrave estrutura seja no
20
plano da expressatildeo ou no do conteuacutedo produzindo um efeito de
personalizaccedilatildeo muito embora remeta a obra anterior independente de
estabelecer uma relaccedilatildeo polecircmica ou contratual com aquela A estilizaccedilatildeo
intertextual na publicidade com referencial cinematograacutefico eacute constante e
ultrapassa o uso apenas dos elementos de linguagem cinematograacutefica Alguns
filmes publicitaacuterios utilizam em suas produccedilotildees as teacutecnicas de trucagem1 se
aproveitam dos efeitos especiais e ateacute dos estilos lanccedilados pelo cinema Um
bom exemplo dessa estilizaccedilatildeo encontra-se em um comercial da Samsung que
se utilizada da mesma esteacutetica tecnoloacutegia e uso de efeitos especiais do filme
Matrix (The Matrix de Andy e Larry Wachowski - 1999)
No Brasil de acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber tambeacutem um
caminho oposto a esta intertextualidade Cada vez mais a publicidade interfere na atual
produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este papel de fonte de
referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem audiovisual nas
produccedilotildees contemporacircneas como eacute o caso dos filmes ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus
―O Jardineiro Fiel e ―Ensaio sobre a Cegueira de Fernando Meirelles
1 Trucagem A accedilatildeo de modificar imagens previamente filmadas ao vivo tanto em sua forma (cor e
tamanho) como na ordem de sua projeccedilatildeo (congelamento aceleraccedilatildeo inversatildeo) Satildeo possiacuteveis tambeacutem a
superposiccedilatildeo de letreiros a fusatildeo (teacutecnica de escurecer uma cena ao mesmo tempo em que outra vai
surgindo provocando a sobreposiccedilatildeo de uma sobre a outra) e outros efeitos especiais O equipamento
utilizado eacute a truca Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbrmidiaartequadroaquadro gt Acesso em 14
Jun 2010
21
2 A fotografia na esteacutetica audiovisual
A palavra fotografia vem do grego foacutes (luz) e grafis (estilo pincel) ou
grafecirc e significa desenhar com luz e contraste Natildeo eacute possiacutevel definir um uacutenico
inventor pois foram vaacuterios os responsaacuteveis pela sua origem Em 1826 o francecircs Joseph
Niceacutephore Nieacutepce teve sua imagem reconhecida como a primeira fotografia tal imagem
foi produzida mediante o uso de uma placa de estanho coberta com um derivado de
petroacuteleo fotossensiacutevel chamado Betume da Judeacuteia O processo de exposiccedilatildeo agrave luz solar
chamado de heliografia durava cerca de oito horas para que a imagem fosse obtida
Neste mesmo periacuteodo Louis Daguerre deu continuidade aos experimentos
fotograacuteficos de Joseph Niceacutephore Nieacutepce fato este que lhe concedeu uma descoberta
decisiva Em 1835 Daguerre apanhou uma placa revestida de prata sensibilizada com
iodeto de prata que apesar de exposta natildeo apresentava sequer vestiacutegios de imagem
guardou-a displicentemente em um armaacuterio e ao abri-lo no dia seguinte encontrou uma
imagem revelada Fez experiecircncias por eliminaccedilatildeo com os outros produtos que estavam
no armaacuterio para descobrir que a imagem latente tinha sido revelada por accedilatildeo do mercuacuterio
Logo apoacutes o falecimento de Niegravepce Daguerre desenvolveu um processo
conhecido como daguerreotipia no qual era possiacutevel reduzir o tempo de revelaccedilatildeo de
horas para minutos devido a utilizaccedilatildeo de vapor de mercuacuterio Daguerre descreveu seu
processo agrave Academia de Ciecircncias e Belas Artes na Franccedila e logo depois requereu a
patente do seu invento na Inglaterra Breslin possibilita um melhor entendido deste
processo
Os daguerreoacutetipos inventados em 1839 foram os primeiros dentre os processos
fotograacuteficos iniciais a se tornar comercialmente disponiacuteveis O processo utiliza
placas uacutemidas que satildeo placas de cobre cobertas por uma emulsatildeo fotossensiacutevel
agrave base de prata As placas eram reveladas em campo enquanto ainda uacutemidas
criando um negativo Os negativos entatildeo podiam ser trazidos de volta ao
estuacutedio onde um pedaccedilo de papel fotograacutefico era assentado sobre a emulsatildeo do
negativo e exposto ao sol A luz do sol expunha a impressatildeo que era fixada (isto
eacute estabilizada por uma processo quiacutemico) e lavada (BRESLIN 2009 p26)
Jaacute em 1839 o britacircnico William Fox Talbot ao tomar conhecimento dos avanccedilos
de Daguerre decidiu apressar a apresentaccedilatildeo de suas pesquisas com papeacuteis fotossensiacuteveis
agrave Royal Institution e agrave Royal Society com o intuito de garantir os direitos sobre suas
invenccedilotildees No entanto Talbot desenvolveu um processo diferente denominado caloacutetipo -
utilizava folhas de papel cobertas com cloreto de prata que posteriormente eram colocadas
22
em contato com outro papel produzindo assim a imagem positiva Trata-se de um
processo semelhante ao usado atualmente em que utiliza-se um negativo para a obtenccedilatildeo
posterior de imagens positivas
A fotografia entatildeo popularizou-se como produto de consumo a partir de 1888 com
a introduccedilatildeo da cacircmera tipo caixatildeo e pelo filme em rolos substituiacuteveis criados por
George Eastman Desde entatildeo o mercado fotograacutefico tem experimentado uma crescente
evoluccedilatildeo tecnoloacutegica como o estabelecimento do filme colorido como padratildeo e o foco
automaacutetico ou exposiccedilatildeo automaacutetica Essas inovaccedilotildees sem duacutevida facilitam a captaccedilatildeo da
imagem melhoram a qualidade de reproduccedilatildeo ou a rapidez do processamento mas muito
pouco foi alterado nos princiacutepios baacutesicos da fotografia
A grande mudanccedila recente produzida a partir do final do seacuteculo XX foi a
digitalizaccedilatildeo dos sistemas fotograacuteficos A fotografia digital mudou paradigmas no mundo
da fotografia minimizando custos reduzindo etapas acelerando processos e facilitando a
produccedilatildeo manipulaccedilatildeo armazenamento e transmissatildeo de imagens pelo mundo O
aperfeiccediloamento da tecnologia de reproduccedilatildeo de imagens digitais tem quebrado barreiras
de restriccedilatildeo em relaccedilatildeo a este sistema por setores que ainda prestigiam o tradicional filme
e assim irreversivelmente ampliando o domiacutenio da fotografia digital
Natildeo se pode esquecer de salientar que a partir de tais descobertas no ramo da
fotografia eacute que foi possiacutevel a invenccedilatildeo do cinema O instantacircneo a possibilidade de
congelar um instante no fluxo contiacutenuo dos acontecimentos soacute se torna possiacutevel de fato
com o advento da fotografia Sendo assim os estudos de Muybrigde referentes aos
instantacircneos sucessivos associada ao aparato do fuzil fotograacutefico de Marey iratildeo resultar na
invenccedilatildeo do cinema Sabe-se que o cinema confere agrave imagem uma continuidade aparente
pois na verdade trata-se de uma seacuterie de instantacircneos separados por intervalos poreacutem aos
sentidos ele se apresenta de forma lisa e fluida como a proacutepria natureza do movimento
Machado acrescenta que
O cinema mesmo o cinema stricto sensu ou seja o cinema que se constitui a
partir do cinematoacutegrafo de LeRoy Edison Paul Skladanwsky e dos Lumiegravere
natildeo era nos seus primoacuterdios o que hoje chamamos de cinema Ele reunia na
sua base de celuloacuteide vaacuterias modalidades de espetaacuteculos derivadas das formas
populares de cultura como circo o carnaval a magia e a prestidigitaccedilatildeo a
pantomima a feira de atraccedilotildees e aberraccedilotildees etc (MACHADO 1997 p 76)
No iniacutecio os filmes eram de curta duraccedilatildeo nos quais o puacuteblico era composto
basicamente de operaacuterios As exibiccedilotildees eram realizadas em grandes galpotildees durante o
23
intervalo de serviccedilo do proletariado Machado (1997 p79) explica que o cinema era uma
em diversas atraccedilotildees oferecidas pelos vaudevilles pois ―natildeo se havia ainda desenvolvido
um conjunto de teacutecnicas e procedimentos de linguagem apropriados para a elaboraccedilatildeo de
uma narrativa visual que fosse suficientemente autocircnoma a ponto de poder se dispensar a
―explicaccedilatildeo de um apresentador
Atualmente pensa-se primeiramente em imagens forma-se um raciociacutenio a partir
de mosaicos audiovisuais que possibilitam um dado significado Tal modelo de
pensamento atraveacutes da imagem tecnoloacutegica deve-se ao conjunto de referecircncias
adquiridas
Assim sendo a fotografia possui papel fundamental na linguagem audiovisual
Sabe-se que a foi a partir da fotografia que se tornou possiacutevel agrave invenccedilatildeo do cinema
Dubois (2004) assegura que
Com a fotografia a maacutequina natildeo se contenta mais em preacute-ver ela inscreve
tambeacutem a imagem por meio das reaccedilotildees fotossensiacuteveis de certos materiais que
registram por si mesmos as aparecircncias sensiacuteveis geradas pela radiaccedilatildeo luminosa
A maacutequina intervecircm aqui portanto no coraccedilatildeo mesmo do processo de
constituiccedilatildeo da imagem que aparece assim como representaccedilatildeo quase
automaacuteticalsquo objetivalsquo sine manu factalsquo O gesto humano passa a ser mais um
gesto de conduccedilatildeo da maacutequina do que de figuraccedilatildeo direta (DUBOIS 2004
p38)
Em sua brilhante anaacutelise Barthes evidencia o fato de que a fotografia significa
muito mais uma ruptura do que uma continuidade em relaccedilatildeo agrave pintura Isso porque a
reaccedilatildeo quiacutemica dos sais de prata fotossensiacuteveis mediada pelo aparelho oacutetico que projeta a
imagem eacute colocada no centro do dispositivo de criaccedilatildeo da imagem deslocando o papel do
criador que antes que antes tinha que compor o instante representado a partir de instantes
distintos usando os coacutedigos da pintura para unificar a fatura e agora passava a poder
recortar um instante na sua proacutepria duraccedilatildeo com o uso da fotografia Dubois acrescenta
que tal uso
abandona o tempo crocircnico real evolutivo o tempo que passa como um rio
nosso tempo dos seres humanos inscritos na duraccedilatildeo para entrar em uma
temporalidade nova separada e simboacutelica a da foto temporalidade que tambeacutem
dura tatildeo infinita em princiacutepio quanto a primeira mas infinita na imobilidade
total congelada na interminaacutevel duraccedilatildeo das estaacutetuas (DUBOIS 1993 p168)
Com a invenccedilatildeo do instantacircneo fotograacutefico a pose a produccedilatildeo a composiccedilatildeo
elementos proacuteprios agrave linguagem da pintura figurativa satildeo subvertidas datildeo lugar tambeacutem
ao efecircmero ao flagrante agrave espontaneidade
Durante o seacuteculo XIX a fotografia buscou ancorar-se na esteacutetica proacutepria agrave pintura
para almejar sua entrada no panteatildeo das Belas-Artes em um movimento chamado pela
24
historiografia de pictorialismo Como bem analisou Walter Benjamin em sua Pequena
Histoacuteria da Fotografia de 1931 esse movimento se revelou improdutivo jaacute que os
fotoacutegrafos buscavam encaixar-se nos mesmos padrotildees de valoraccedilatildeo esteacutetica que foram
subvertidos com a invenccedilatildeo da fotografia
O discurso sobre a fotografia no seacuteculo XIX ainda estaacute muito contaminado por
valores esteacuteticos que consideram a teacutecnica em oposiccedilatildeo agrave arte ou na melhor das hipoacuteteses
como uma mera serviccedilal da arte Mas a proacutepria invenccedilatildeo da fotografia primeira forma de
produzir imagens completamente mediada pela teacutecnica na qual o ―laacutepis da Natureza
(Talbot) age sozinho sem a ajuda da matildeo do homem estava subvertendo completamente
os valores vigentes instaurando uma estreita ligaccedilatildeo entre teacutecnica e arte
Trazer a teacutecnica para o primeiro plano eacute uma das transformaccedilotildees mais radicais que
a imagem fotograacutefica instaura no campo da produccedilatildeo de imagens Esse tipo de imagem
criada por um aparelho chamada por Vileacutem Flusser de ―imagem teacutecnica foi capaz de
superar oposiccedilotildees vazias entre arte e teacutecnica
Com a virada para o seacuteculo XX se inicia um movimento de valorizaccedilatildeo da
fotografia por suas peculiaridades constitutivas advindas de seu proacuteprio mecanismo de
inscriccedilatildeo da imagem a instantaneidade o corte a conexatildeo fiacutesica com o referente A
chamada fotografia moderna se estabelece em duas frentes nas vanguardas europeacuteias e no
movimento chamado Photo Secession que ocorreu nos Estados Unidos8
A obra de Henri Cartier-Bresson eacute das mais importantes para a afirmaccedilatildeo da
fotografia por suas qualidades constitutivas Ele percebeu a potencialidade do aparato e o
foi um dos primeiros a usar uma cacircmera compacta de pequeno formato para sacar
instantes da realidade ainda na deacutecada de 1930 Com o tempo amadureceu uma filosofia
do chamado ―instante decisivo Para ele o fotoacutegrafo eacute como um flaneur que vaga pelo
mundo em busca daqueles raros momentos em que todos os elementos do enquadramento
se alinham em sua maacutexima expressatildeo dando agrave narrativa um potencial de siacutentese
A partir dessa reflexatildeo pode-se dizer que a fotografia audiovisual possibilita
transmitir ao espectador uma verossimilhanccedila com a realidade A anaacutelise da fotografia no
cinema se faz a partir do conhecimento dos elementos que a compotildee e suas variaccedilotildees
Assim cada elemento seraacute tratado separadamente para que seja possiacutevel uma melhor
explanaccedilatildeo de cada componente da fotografia audiovisual
25
21 Iluminaccedilatildeo
De acordo com Sousa (2004) eacute intuitivo afirmar que no momento em que se
ilumina um determinado objetopersonagem em detrimento de outros revela-se apenas
aquele que estaacute exposto agrave luz No entanto essa natildeo eacute a uacutenica contribuiccedilatildeo da iluminaccedilatildeo
para a construccedilatildeo de sentido a uma imagem Aleacutem disso eacute responsaacutevel por transmitir
noccedilotildees de profundidade e de relevo Segundo Roberts-Breslin (2009) eacute atraveacutes da
iluminaccedilatildeo que satildeo criados os padrotildees de luz e sombra que datildeo sentido ao nosso mundo
como tambeacutem o alto contraste do sol do meio-dia ou o baixo contraste monocromaacutetico
num dia chuvoso Aumont (2004) acrescenta que
A luz no cinema estaacute sempre ali e ateacute mesmo duplamente ali jaacute que a luz do
projetos ndash a luz depois do filme ndash serve para mostrar a luz registrada tal como
ela caiacutea sobre as coisas filmadas ndash a luz de antes do filme Haacute entre as duas uma
conivecircncia inextinguiacutevel jaacute reconhecida aqui mesmo em sua forma negativa ndash o
escuro - e que nutriu com frequecircncia a fantasia (em Murnau em Sternberg ou
Godard) de que uma natildeo eacute senatildeo a continuaccedilatildeo da outra por outros meios
Consequumlecircncia articulaccedilatildeo da diferenccedila a luz do quadro natildeo teve de ser
produzida realmente a do filme foi real Diferenccedila ontoloacutegica que se duplica em
outra infinitamente contingente poreacutem sensiacutevel a luz utilizada na produccedilatildeo do
filme eacute uma luz eleacutetrica seu aspecto eacute particular variaacutevel aliaacutes ao longo da
histoacuteria do cinema (AUMONT 2004 p 172)
As condiccedilotildees de iluminaccedilatildeo satildeo capazes de indicar a hora do dia a eacutepoca do ano e
a parte do planeta em que a imagem estaacute sendo reproduzida A luz ―empresta um tom a um
lugar ou experiecircncia ndash o brilho suave e romacircntico de uma vela as inesperadas e
desconhecidas sombras da noite a firme e escura melancolia do crepuacutesculo do inverno
ou seja possibilita a criaccedilatildeo de um determinado clima agrave cena (Breslin 2009 p87) Moura
afirma que
A fotografia em nada se diferencia da natureza Todas as luzes e efeitos estatildeo agrave
mostra para o olho educado Os efeitos dos filtros os contrastes das luzes as
densidades das cores tudo e todos estatildeo na natureza agrave vista de quem quiser ver
Se vocecirc prestar atenccedilatildeo ao tipo de luz que o sol gera saberaacute qual refletor de
quanto como e onde colocar Se vocecirc se abstrair do tamanho do sol e se
concentrar no efeito da sua luz poderaacute intuir a direccedilatildeo a natureza e a
intensidade da luz que vocecirc precisaraacute para ter o mesmo resultado Afinal de
contas o sol tem que iluminar a terra toda e noacutes soacute um pequeno estuacutedio As
diferenccedilas de tamanho satildeo irrelevantes para o raciociacutenio Para se chegar ao
pequeno partimos do grande Nada no pequeno mundo da fotografia inexiste no
vasto mundo de todos noacutes Talvez a uacutenica coisa que possamos criar e que jaacute natildeo
exista em escala maior e em melhor forma na natureza seja a escrita (MOURA
2001 p 20)
Breslin (2009 p88) acredita que a luz consiste na base da miacutedia visual pois
―tecnicamente a luz fornece a energia que nos permite reproduzir uma imagem
Esteticamente a luz junto com a composiccedilatildeo revela verdades e mentiras criando beleza e
26
feiura dentro do quadro Para Martin (2003 p 71) a iluminaccedilatildeo eacute o ―fator decisivo da
expressividade da imagem poreacutem sua importacircncia natildeo eacute percebida pelo espectador
devido ao fato de possibilitar a criaccedilatildeo de uma atmosferalsquo elemento este dificilmente
analisaacutevel
As sombras criadas com a iluminaccedilatildeo ―ajudam a transmitir profundidade clima e
lugar mas devem ser cuidadosamente controladas A iluminaccedilatildeo na verdade pode ser
definida como lanccedilar e controlar as sombrasrdquo (BRESLIN 2009 p95) Sendo assim a
luz possui vaacuterias caracteriacutesticas essenciais qualidade direccedilatildeosentido contraste
uniformidade cor e intensidade
Conforme Sousa (2004) a qualidade da luz refere-se principalmente ao tipo de
sombra que um objeto iluminado produz seja ela dura e definida ou suave a gradual
Breslin (2009) confirma tal classificaccedilatildeo ao dizer que
A qualidade de uma fonte de luz tem a ver com o modo como as ondas
percorrem o espaccedilo Se elas o fazem em linha reta a partir da fonte ateacute iluminar
o objeto satildeo refletidas de volta para a lente de um olho ou cacircmera em linhas
similarmente retas Isso produz luz dura direta ou localizada A energia
luminosa cobre uma aacuterea relativamente pequena mas manteacutem a intensidade ou
brilho maacuteximos A luz direta enfatiza a textura (BRESLIN 2009 p92)
A autora acrescenta que a luz que atinge um objeto pode ser dura ao produzir
sombras nitidamente definidas e partes mais claras distintas Jaacute quando produz partes
claras e sombras sutis e com uma borda menos definida ela eacute classificada como uma luz
suave Assim a luz comeccedila direta mas suas ondas podem desviar ou refletir de uma a
outra superfiacutecie ateacute que encontram o seu caminho para a lente Dependendo do caminho
percorrido se ―produz luz suave difusa ou lavada Uma fonte de luz difusa cobriraacute uma
aacuterea grande mas eacute menos intensa ou brilhante do que a mesma quantidade inicial de luz
direta na mesma distacircncia do objeto (BRESLIN 2009 p93)
Salles (2006) ressalta que ao iluminar artificialmente uma cena qualquer os planos
de composiccedilatildeo de luz desta cena devem ser cuidadosamente elaborados a fim de que a
fotografia do filme esteja em harmonia esteacutetica com o roteiro e sua proposta
22 Cor
Durante praticamente quarenta anos o cinema se manteve em preto e branco
Qualidade natural dos seres e objetos a cor possibilita maior realismo nas obras fiacutelmicas
pois aumenta a veracidade da imagem
27
Sendo assim a partir de um trabalho manual dos teacutecnicos que coloriam os filmes agrave
matildeo ou com o auxiacutelio de paletas eacute que se tornou possiacutevel colocar cor nas telas mediante
muito trabalho Experiecircncias foram realizadas e tomou-se conhecimento de uma nova
teacutecnica os chamados ―banhos onde a peliacutecula era tingida com cores uniformes com o
intuito de atribuir tanto realismo quanto simbolismo Basicamente era usado azul para
designar a noite e amarelo para as cenas de interiores agrave noite enquanto que para
simbolizar os incecircndios e as revoluccedilotildees optava-se pelo vermelho e para as matas e
paisagens a cor verde (MARTIN 2003) A bicromia e a tricomia comeccedilaram a serem
utilizadas em meados dos anos 30 No entanto eacute apenas na metade dos anos 50 que a cor
passou a ser usada de forma generalizada
Natildeo se pode negar que a cor possui um papel fundamental na composiccedilatildeo da
fotografia cinematograacutefica A partir de sua utilizaccedilatildeo torna-se possiacutevel representar a
realidade com mais perfeiccedilatildeo e precisatildeo Aumont (2003 p63) acrescenta que ―apesar da
especificidade da cor no cinema o modelo criacutetico e esteacutetico foi quase sempre a pintura
Esta circulou enormemente no imaginaacuterio fiacutelmico em trecircs grandes formas a
ficcionalizaccedilatildeo a imitaccedilatildeo e a anaacutelise sendo a base para as futuras produccedilotildees
audiovisuais Contudo o autor ressalta que
a ausecircncia de leis gerais e verificaacuteveis explica a ausecircncia quase total de reflexatildeo
teoacuterica sobre a cor na imagem em movimento As uacutenicas consideraccedilotildees agraves
vezes propostas no tocante ao valor simboacutelico ou expressivo da cor (o vermelho
como siacutembolo de guerra ou de paixatildeo o azul bem como o azul-celeste para a
paz o violeta associado agrave lamentaccedilatildeo funeraacuteria etc) Como tais valores satildeo bem
variaacuteveis conforme as culturas e as eacutepocas Eacute difiacutecil fazer uma teoria deles e a
esteacutetica da cor no cinema confunde-se praticamente com a constataccedilatildeo de
estilos pessoais ou de efeitos de gecircnero (AUMONT 2003 p63)
Ainda em relaccedilatildeo ao uso das cores fala-se em harmonia e contraste cromaacutetico A
harmonia ocorre quando em uma imagem existem cores proacuteximas (laranja amarelo
torrado amarelo e vermelho) Jaacute ao mencionar contraste cromaacutetico se refere quando na
imagem existem cores contrastantes (azul vs Vermelho amarelo vs Violeta por
exemplo) Contudo Sousa (2004) revela outras maneiras de evidenciar contraste
cromaacutetico (a) contraste de cores fortes com cores neutras (por exemplo vermelho vivo vs
cinzento claro) (b) complementaccedilatildeo entre cores claras e cores escuras (por exemplo o
amarelo-limatildeo faz o azul marinho parecer mais escuro) (c) contraste entre tons intensos
da mesma cor (o vermelho carregado contrasta com o vermelho claro)
Sousa (2004) acrescenta que eacute possiacutevel expressar quietude e tranquumlilidade ao
recorrer agrave harmonia cromaacutetica de cores quentes suaves como o castanho-terra suave e o
28
amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada
diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis
Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de
ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem
teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas
especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade
Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores
satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada
espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos
valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem
23 Enquadramentos
O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que
determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo
que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores
O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada
Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira
como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave
objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela
Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos
teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos
notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena
mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar
mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico
Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o
tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos
objetos que constituem a cena
Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees
possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de
detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar
Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma
29
―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para
a tela
231 Planos
O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre
dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no
qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute
determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da
objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da
narrativa que se pretende obter
Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada
autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute
possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos
planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o
observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta
planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os
intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro
plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens
plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por
exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA
(2004 p67-68)
A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano
Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade
fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte
1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro
2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos
joelhos para cima ou da cintura para cima
3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um
pouco abaixo
4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima
5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator
6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na
altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas
30
232 Acircngulos de Filmagem
De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto
que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir
um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo
superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto
que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade
No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de
baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de
superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e
do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do
personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele
em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador
233 Movimentos de Cacircmera
Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por
Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da
ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental
de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a
descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou
uma personagem
Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de
cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o
deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem
constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A
panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio
eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a
trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com
o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural
Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou
complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir
de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um
―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena
31
3 O cinema de autor
No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria
recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas
produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo
(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na
tela diferentes percepccedilotildees diante da trama
Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de
vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de
variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao
participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim
conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro
Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista
produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete
instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs
Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo
No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)
juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores
(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os
produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do
filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas
No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith
4
Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico
2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do
cinema mudo
3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano
um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas
4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de
Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o
movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o
filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)
5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro
de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia
de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou
em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia
32
devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e
dirigindo na publicidade de seus filmes
Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica
quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na
―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do
existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do
autor
Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-
sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e
substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a
atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando
que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo
metafiacutesicas (STAM 2003 p111)
Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo
que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi
responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou
a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras
refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica
abordando o ato de fazer e assistir a um filme
Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita
sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de
determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a
mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais
cineastas
Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers
Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica
Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes
que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar
conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as
filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios
seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma
simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)
Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do
Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os
grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas
6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem
como no sete de filmagem
33
como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o
suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e
o puacuteblico como seu divertimento
Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no
cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes
nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees
inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo
autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de
caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor
(COVALESKI 2009 p83)
Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o
contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa
eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a
obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma
noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a
outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI
2009 p 84)
Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute
responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo
do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute
responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas
necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo
com Bernardet
Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua
maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um
filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que
preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em
perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)
O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem
traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na
direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas
optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas
uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na
direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta
34
Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora
diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior
originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade
crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais
Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de
autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para
Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do
discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia
Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e
situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi
apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser
considerado como tal
O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica
com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra
determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem
defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos
paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor
Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja
autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de
1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e
Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de
presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de
suas matildeos
Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo
(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do
curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos
experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar
Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo
Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se
tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila
Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras
produtoras independentes do paiacutes
No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute
que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal
35
Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam
de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que
Meirelles considera ter feito em sua vida
No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas
publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos
que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar
notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar
e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas
da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para
natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar
em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade
Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a
produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando
Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2
Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no
mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios
internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca
de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio
Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede
Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura
completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um
departamento juriacutedico aacutegil
Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme
foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes
selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival
Internacional de Rotterdam
O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de
20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores
no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais
Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo
internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores
filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro
indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o
filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta
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Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado
como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no
manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a
pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo
sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No
entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional
Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao
levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner
o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na
categoria de Melhor Diretor
Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando
Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do
romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O
filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14
de maio de 2008
37
4 Metodologia
A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando
compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria
nos filmes de Fernando Meirelles
Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave
argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise
detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades
sociais
Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo
aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de
entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira
indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o
caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como
objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro
Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra
selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes
representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a
esteacutetica publicitaacuteria
Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que
seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem
fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de
expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica
Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do
conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia
e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise
a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e
organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir
das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)
interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em
funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo
Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise
fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra
que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da
38
linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa
fiacutelmica
Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo
1 Preacute-anaacutelise
a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor
enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)
2 Descriccedilatildeo Analiacutetica
a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos
3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando
em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes
Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute
necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo
haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica
efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo
pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando
necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que
considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde
que natildeo descarte as antecedentes
39
5 Anaacutelises
Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica
publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel
a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica
descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo
estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a
narrativa de cada um dos filmes
Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de
Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)
51 Domeacutesticas
Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas
40
Sinopse
Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de
Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada
Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa
sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar
de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute
Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida
Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com
um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por
missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a
mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que
satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se
estivessem dando uma espeacutecie de depoimento
Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas
aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de
emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o
outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das
domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo
Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo
encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas
por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do
plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave
novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um
sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da
profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento
cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes
publicitaacuterios
41
Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas
(Plano aberto e plano conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas
com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal
Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos
lateralizados
A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em
plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo
pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee
possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem
disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco
conotando mais tristeza agrave cena
Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e
cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como
acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute
limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera
tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no
estacionamento do preacutedio
Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em
que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a
personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o
deslocamento da personagem daquele mundo
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Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas
(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de
serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves
tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas
com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)
Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em
um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um
domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao
casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte
observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre
sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o
responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua
profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela
As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena
No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo
agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute
43
devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de
nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude
alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade
sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento
Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as
personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo
O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo
vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das
diversas dificuldades no seu dia-a-dia
O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano
meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em
meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave
criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)
isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo
dos exageros
Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna
da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores
quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde
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e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila
dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme
Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas
52 Cidade de Deus
Sinopse
O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro
protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou
um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a
estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto
de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante
amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente
suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num
ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele
descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se
fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista
do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos
45
principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria
mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um
mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute
Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro
dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto
Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos
bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute
usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute
centralizada e em leve plongeacutee
Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no
46
comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo
frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas
casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e
suave
A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do
traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na
criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar
perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-
plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem
Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano
geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo
compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando
naturalidade
Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)
47
Iluminaccedilatildeo e cor
Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo
deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute
observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa
frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo
pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo
Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste
elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem
a funccedilatildeo de criar um visual expressivo
Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente
natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a
inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre
dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na
cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute
ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo
consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena
interna e provavelmente noturna
Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua
maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais
frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo
com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute
amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute
modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos
48
periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo
publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama
Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante
Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com
a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um
material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a
imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee
com armas em punho apontadas para os policiais
Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela
49
Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus
53 O Jardineiro Fiel
Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel
50
Sinopse
O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em
Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa
uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem
aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para
substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes
um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute
transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu
idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a
trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin
acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir
na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de
amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa
estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional
envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em
seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a
disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no
Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e
ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar
como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se
para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final
bastante diferente do que seria esperado
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a
imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia
de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio
em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao
lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar
para se proteger
Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem
Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em
51
plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades
azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um
embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em
plongeacutee e plano aberto em conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na
figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A
imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano
aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo
dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais
amenos frios
Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada
retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao
receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade
possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento
As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a
imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua
52
Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em
leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens
contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante
natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel
perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral
aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores
quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave
luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem
composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local
em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo
A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela
cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A
impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena
que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma
53
desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do
ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas
sim no seu proacuteprio lucro
Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de
ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir
contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis
por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele
seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com
movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma
arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite
suavidade e calor agrave cena
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel
(variaccedilatildeo entre suave e dura)
Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando
com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na
lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em
equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira
imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais
onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena
54
ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens
em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)
ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem
possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua
composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)
como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel
54 Ensaio sobre a Cegueira
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira
55
Sinopse
O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que
atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas
passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no
tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados
em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a
lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a
uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que
juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute
baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com
o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de
cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo
manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O
enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para
a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e
branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria
compotildee as cenas da trama
Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento
panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da
trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade
esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o
motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa
ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais
Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o
motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo
adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de
quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia
56
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
57
Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
58
A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
59
do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
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65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
15
Na obra fiacutelmica os aspectos esteacuteticos satildeo apresentados diante de uma
categorizaccedilatildeo dos elementos que constituem a manifestaccedilatildeo esteacutetica no cinema Segundo
Covaleski (2009) ―tais manifestaccedilotildees se datildeo sobre vaacuterias formas ora icocircnicas ora
focircnicas ora graacuteficas ora oacuteticas ora sonoras ora auditivas e estatildeo em processo de
evoluccedilatildeo devido ao surgimento de novas tecnologias de comunicaccedilatildeo juntamente com
novas manifestaccedilotildees artiacutesticas
No decorrer do seacuteculo XX mediante tais transformaccedilotildees houve a geraccedilatildeo de
novas noccedilotildees de criaccedilatildeo de arte de esteacutetica Conforme Plaza (2000) ocorreu um
―deslocamento das funccedilotildees instauradoras (a poeacutetica do artista) para funccedilotildees de
sensibilidade receptora (esteacutetica) o que produz no meio artiacutestico uma grande confusatildeo
conceitual caracterizada pela mistura e hibridaccedilatildeo de gecircneros poeacuteticas e atitudes
artiacutesticas
Pode-se compreender com base em Covaleski (2009) que a chegada da arte do
cinema agrave tevecirc trouxe tambeacutem padrotildees esteacuteticos que aos poucos foram incorporados ao
meio televisual aleacutem de serem consumidos em larga escala pela publicidade Percebe-se
que boa parte dos comerciais de tevecirc os chamados filmes publicitaacuterios alcanccedilam mais
destaque que a proacutepria programaccedilatildeo devido aos recursos tecnoloacutegicos e a linguagem
adaptada do cinema utilizado em suas produccedilotildees Sendo assim ao serem criados e
produzidos com preocupaccedilotildees esteacuteticas e cuidados artiacutesticos possibilitou gerar um
receptaacuteculo proacuteprio a esteacutetica publicitaacuteria
Diante do debate entre o aspecto utilitaacuterio e o aspecto artiacutestico da mensagem cabe
agrave publicidade recorrer agraves funccedilotildees da linguagem Para o autor natildeo importa se sejam as
poeacuteticas conativas ou referenciais mas sim sua finalidade de elevar e diversificar o
conjunto de repertoacuterios de seu puacuteblico-alvo contribuindo assim para a aceitaccedilatildeo de uma
nova esteacutetica
Tal questatildeo esteacutetica para alguns autores eacute tratada como uma espeacutecie de fetiche
cinematograacutefico Eacute possiacutevel perceber a veneraccedilatildeo e a adoraccedilatildeo de determinados elementos
constituintes da narrativa - do figurino do cenaacuterio ou ateacute mesmo da performance cecircnica
do ator ndash como intuito de simbolizar objeto de culto estabelecer um valor icocircnico a este
Conforme Covaleski (2009 p79-80) desde ―a criaccedilatildeo de mitos do cinema ao lanccedilamento
de moda passando pelo merchandising institucionalizado a esteacutetica cinematograacutefica
contribui na formaccedilatildeo e evoluccedilatildeo de comportamentos fetichistas por parte da sociedade
movida por novos sonhos de consumo e por novas divindades a cultuar
16
A partir da reflexatildeo de Carvalho (2003) a cerca dos estudos de Leacutevi-Strauss pode-
se dizer que a individualizaccedilatildeo da produccedilatildeo demonstrar o aparecimento de uma
consciecircncia criacutetica por parte do receptor que retira da esteacutetica-primitiva o seu dever social
A obra sendo produzida individualmente sem necessidade de bastar a uma sociedade ou
clatilde A esteacutetica-moderna depende apenas da aprovaccedilatildeo ou natildeo de uma clientela ―de classe
(como utiliza o autor) para se firmar como arte
Ao mesmo tempo com a evoluccedilatildeo da criacutetica de arte e o aparecimento do
abstracionismo Leacutevi-Strauss iraacute demonstrar um propoacutesito antimodernista ao perceber a
banalizaccedilatildeo presente na arte do poacutes-guerra Aleacutem da hiper-valorizaccedilatildeo da criacutetica a
representaccedilotildees pictoacutericas sem compromisso artiacutestico Poreacutem dentro desta mesma vertente
podemos repassar seu conceito de arte que funde a ciecircncia e o mito na concepccedilatildeo do
espiacuterito humano (pensamento criador) em outro de seus pensamentos a loacutegica do
sensiacutevel Loacutegica regida pela possibilidade de unir muacutesica e mito ou romance e mito atraveacutes
de uma ―estrutura-funccedilatildeo Todo meio artiacutestico pode ser fundido a outro ou recriado
desde que o estruturalismo presente no espiacuterito humano conceba um fim artiacutestico
A inter-relaccedilatildeo do cinema e da publicidade audiovisual resulta dos aspectos dessa
linguagem pois ambos constituem meios audiovisuais que trabalham a partir de uma
mesma base de composiccedilatildeo e de montagem de elementos expressivos para criar um
determinado plano de conteuacutedo narrativo e de significado o que configura esteacuteticas
diferenciadas
A modernidade da imagem cinematograacutefica eacute reflexo de um processo histoacuterico
em que a arte tenta se renovar em releituras de seus proacuteprios conceitos e criaccedilatildeo
de outros A diversidade estiliacutestica caracteriacutestica do cinema comercial da deacutecada
de 90 retrata uma geraccedilatildeo multimiacutedia de novos profissionais e espectadores que
acabaram por alterar os rumos da cinematografia contemporacircnea
(CARVALHO 2003)
Tais mudanccedilas de abordagem satildeo visiacuteveis natildeo apenas no cinema como tambeacutem nos
videoclipes nos games e na publicidade Refere-se a uma nova perspectiva de criaccedilatildeo
audiovisual na tentativa de romper as barreiras das produccedilotildees tradicionais e enfatizar o
surgimento de novas possibilidades Tais rupturas contribuem para a mudanccedila no
comportamento dos sujeitos contemporacircneos
O pensador de agora jaacute natildeo se senta mais agrave sua escrivaninha diante de seus
livros para dar forma ao seu pensamento mas constroacutei as suas ideias manejando
instrumentos novos ndash a cacircmera a ilha de ediccedilatildeo o computador - invocando
ainda outros suportes de pensamento sua coleccedilatildeo de fotos filmes viacutedeos
discos ndash sua mideoteca enfim (DUBOIS 2004 p19)
17
O pensamento audiovisual contemporacircneo constata essa hibridizaccedilatildeo essa
convergecircncia de elementos responsaacuteveis por uma mudanccedila de conduta Deste modo
Dubois (2004 p25) ressalta a existecircncia do imaginaacuterio cinematograacutefico presente em
todos os lugares e impregnado ―ateacute em nossa maneira de falar ou de ser Quem ao
percorrer de carro um longo trajeto numa vasta paisagem aberta natildeo pensou com a ajuda
da muacutesica no raacutedio numa figura de travelling mergulhando na tela panoracircmica de seu
paacutera-brisa
Em relaccedilatildeo agrave esteacutetica publicitaacuteria Carvalho (2003) ressalta uma possiacutevel ―morte
do cinema Vaacuterios criacuteticos apostam nessa ―morte diante do uso de recursos estiliacutesticos
que estariam se sobressaindo na concepccedilatildeo criadora do filme em contraposiccedilatildeo ao
realismo bem como da evoluccedilatildeo da teacutecnica que distancia o cinema de sua perspectiva
fotograacutefica Resultando assim na valorizaccedilatildeo da imagem em detrimento da representaccedilatildeo
Contudo o autor ressalva que tal concepccedilatildeo de retrato da realidade aleacutem de
ultrapassada estaacute reformulada no estudo do ―espiacuterito humano de Leacutevi-Strauss Este
estudo baseia-se no posicionamento da seacutetima arte como uma visatildeo moderna do homem
diante da realidade a visatildeo em que a cacircmera capta a imagem e natildeo o objeto
Enquanto isso Merquior (1975) busca uma maneira de refletir e re-posicionar as
concepccedilotildees de Leacutevi-Strauss quanto agrave arte contemporacircnea
Em vez de vociferar sobre a verdade factuallsquo da morte da artelsquo conviria
colocar a problemaacutetica implicada por essas teses em relaccedilatildeo a uma das
tendecircncias mais fecundas do estruturalismo ndash sua vontade de ultrapassar as
anaacutelises estanques dos domiacutenios culturais (arte religiatildeo ciecircncia etc) de
encorajar a pesquisa de afinidades estruturais e funcionais entre esses camposlsquo
sem jamais esquecer que satildeo todos faces de uma mesma realidade o espiacuterito
humano (MERQUIOR 1975 p79)
Em seu texto A Dupla Heacutelice Raimond Bellour consegue ver logo no viacutedeo ndash base
da esteacutetica publicitaacuteria ndash e na tecnologia digital o resumo desta realidade emergente
O viacutedeo leva assim agrave sua perda essa capacidade de analogia dilatada agraves
dimensotildees do universo pela primeira vez os corpos e os objetos do mundo satildeo
virtualmente desfiguraacuteveis (e logo refiguraacuteveis) ao sabor de uma potecircncia que
transforma em tempo real ou quase natildeo diferido (e natildeo mais somente como no
cinema por uma lenta elaboraccedilatildeo cujas trucagens constituem o modelo) as
representaccedilotildees que capta seu olho mecacircnico Isso explica o fato de a viacutedeo-
imagem a caccedilula das imagens de reproduccedilatildeo poder aparecer simultaneamente
como uma nova imagem irredutiacutevel ao que a precede mas tambeacutem uma
imagem capaz de atrair de absorver de misturar todas as imagens anteriores
pintura fotografia cinema (BELLOUR Raimond in PARENTE 1993 p223)
18
Em funccedilatildeo disso a esteacutetica publicitaacuteria natildeo passaria apenas de um mero
abstracionismo imageacutetico do cinema mas sim a siacutentese de uma movimentaccedilatildeo esteacutetica que
atravessa todas as artes denominada Poacutes-modernidade Cultural Muito aleacutem de um
recurso estiliacutestico as imagens de ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus entre outros filmes
tachados como videoclipeiros ou publicitaacuterios refletem na representaccedilatildeo do olhar do
homem moderno Toda essa fundamentaccedilatildeo estaacute na fusatildeo da linguagem videograacutefica com
a fotograacutefica do cinema Ao inveacutes de ampliar a visatildeo da rapidez das coisas tenta-se
reduzir o que ocorre agrave nossa volta em conceitos voltado aos meios artiacutesticos
11 Interfaces cinema e publicidade
Com o intuito de construir um sentido proacuteprio para cada filme o cinema atua em
momentos esparsos e depende da disposiccedilatildeo do espectador para que a obra fiacutelmica seja
consumida Em contrapartida a televisatildeo oferece uma programaccedilatildeo diversificada sem
interrupccedilotildees 24h por dia Assim o espectador recebe informaccedilotildees se diverte com
seriados novelas e filmes sem sair de casa
Percebe-se que a origem do discurso nunca eacute autocircnoma mas sim dependente de
outros discursos em que buscou referecircncia Bliskstein (1994 p45) constata que
―suportado por toda uma intertextualidade o discurso natildeo eacute falado por uma uacutenica voz mas
por muitas vozes geradoras de muitos textos que se intercruzam no tempo e no espaccedilo
Na deacutecada de 60 Kristeva introduziu o termo intertextualidade como uma traduccedilatildeo
para ―dialogismo que se refere agrave relaccedilatildeo entre um enunciado e os demais enunciados De
acordo com Stam (2003) a intertextualidade eacute um conceito de valor na medida em que
possibilita relacionar o texto individual com as demais formas de representaccedilatildeo natildeo
somente com outros textos
Intertextualidade eacute vista por Fiorin (2002) como a forma de incorporar um texto em
outro aleacutem de ser polecircmica quando propotildee uma oposiccedilatildeo ao sentido do texto original ou
contratual quando o reforccedila e o enaltece Assim sendo a intertextualidade polecircmica eacute
conhecida como paroacutedia enquanto a intertextualidade contratual como paraacutefrase Aleacutem
disso classifica tambeacutem em
citaccedilatildeo (referecircncia literal a outro texto usando parte deste) alusatildeo (reproduccedilatildeo
de construccedilotildees sintaacuteticas substituindo algumas figuras do texto original por
outras) e estilizaccedilatildeo (reproduccedilatildeo do estilo de outrem no plano da expressatildeo ou
no do conteuacutedo) (FIORIN apud COVALESKI 2009 p 39)
19
A seguir uma abordagem mais detalhada de cada uma das relaccedilotildees intertextuais
entre o cinema e a publicidade televisual na visatildeo de Covaleski (2009)
a) citaccedilatildeo a publicidade desfruta desse recurso criativo com maestria Uma uacutenica
obra cinematograacutefica pode originar uma grande variaccedilatildeo de citaccedilotildees ancoradas
a uma mesma cena claacutessica evidentemente emblemaacutetica contundente o
bastante para se tornar perene no imaginaacuterio coletivo transpondo barreiras
culturais e temporais Pode-se citar como exemplo a cena emblemaacutetica em que
a atriz Marilyn Monroe tem sua saia levantada devido ao deslocamento de ar
durante a passagem do metrocirc no filme O Pecado Mora ao Lado (The Seven
Year Itch de Billy Wilder ndash 1955) Essa cena muito conhecida jaacute foi usada
diversas vezes e de diferentes formas pela publicidade Exemplo disso foi a
colocaccedilatildeo de uma saia ndash a la Marilyn ndash em garrafas de vodka da marca
Absolut
b) alusatildeo mais sutil que a citaccedilatildeo remete a uma obra anterior poreacutem sem fazer
uso de fragmentos dela Utiliza somente uma construccedilatildeo equivalente
substituindo determinadas figuras por outras A alusatildeo recorrente no cinema eacute
facilmente percebida em filmes que pertencem a um mesmo gecircnero
cinematograacutefico Na publicidade a intertextualidade com o cinema utilizando a
alusatildeo aparece em comerciais de anunciantes dos mais diferentes segmentos de
mercado bem como os filmes de onde saiacuteram as inspiraccedilotildees pertencem aos
mais diversos gecircneros O filme francecircs O Fabuloso Destino de Ameacutelie Poulain
(Le Fabuleux Destin drsquoAmeacutelie Poulain de Jean-Pierre Jeunet - 2001) eacute uma
obra com clara influecircncia da linguagem publicitaacuteria Muito disso se deve
devido agrave vivecircncia de Jeunet em meio agrave publicidade Eacute o caso deste trabalho jaacute
que Fernando Meirelles trabalhou com publicidade antes de seguir carreira no
cinema Um exemplo de alusatildeo a este filme se percebe na campanha do
automoacutevel Renault Sceacutenic ndash um anatildeo de jardim eacute sequumlestrado por um grupo de
amigos e aprova seu novo endereccedilo mandando uma carta agrave sua antiga dona
avisando que natildeo voltaraacute mais para casa Deste modo a campanha faz alusatildeo
ao argumento de liberdade explorado na obra francesa
c) estilizaccedilatildeo ato de reproduzir um conjunto de procedimentos de caracteriacutesticas
de formas e de conteuacutedos do discurso de outrem Eacute recorrer agrave estrutura seja no
20
plano da expressatildeo ou no do conteuacutedo produzindo um efeito de
personalizaccedilatildeo muito embora remeta a obra anterior independente de
estabelecer uma relaccedilatildeo polecircmica ou contratual com aquela A estilizaccedilatildeo
intertextual na publicidade com referencial cinematograacutefico eacute constante e
ultrapassa o uso apenas dos elementos de linguagem cinematograacutefica Alguns
filmes publicitaacuterios utilizam em suas produccedilotildees as teacutecnicas de trucagem1 se
aproveitam dos efeitos especiais e ateacute dos estilos lanccedilados pelo cinema Um
bom exemplo dessa estilizaccedilatildeo encontra-se em um comercial da Samsung que
se utilizada da mesma esteacutetica tecnoloacutegia e uso de efeitos especiais do filme
Matrix (The Matrix de Andy e Larry Wachowski - 1999)
No Brasil de acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber tambeacutem um
caminho oposto a esta intertextualidade Cada vez mais a publicidade interfere na atual
produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este papel de fonte de
referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem audiovisual nas
produccedilotildees contemporacircneas como eacute o caso dos filmes ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus
―O Jardineiro Fiel e ―Ensaio sobre a Cegueira de Fernando Meirelles
1 Trucagem A accedilatildeo de modificar imagens previamente filmadas ao vivo tanto em sua forma (cor e
tamanho) como na ordem de sua projeccedilatildeo (congelamento aceleraccedilatildeo inversatildeo) Satildeo possiacuteveis tambeacutem a
superposiccedilatildeo de letreiros a fusatildeo (teacutecnica de escurecer uma cena ao mesmo tempo em que outra vai
surgindo provocando a sobreposiccedilatildeo de uma sobre a outra) e outros efeitos especiais O equipamento
utilizado eacute a truca Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbrmidiaartequadroaquadro gt Acesso em 14
Jun 2010
21
2 A fotografia na esteacutetica audiovisual
A palavra fotografia vem do grego foacutes (luz) e grafis (estilo pincel) ou
grafecirc e significa desenhar com luz e contraste Natildeo eacute possiacutevel definir um uacutenico
inventor pois foram vaacuterios os responsaacuteveis pela sua origem Em 1826 o francecircs Joseph
Niceacutephore Nieacutepce teve sua imagem reconhecida como a primeira fotografia tal imagem
foi produzida mediante o uso de uma placa de estanho coberta com um derivado de
petroacuteleo fotossensiacutevel chamado Betume da Judeacuteia O processo de exposiccedilatildeo agrave luz solar
chamado de heliografia durava cerca de oito horas para que a imagem fosse obtida
Neste mesmo periacuteodo Louis Daguerre deu continuidade aos experimentos
fotograacuteficos de Joseph Niceacutephore Nieacutepce fato este que lhe concedeu uma descoberta
decisiva Em 1835 Daguerre apanhou uma placa revestida de prata sensibilizada com
iodeto de prata que apesar de exposta natildeo apresentava sequer vestiacutegios de imagem
guardou-a displicentemente em um armaacuterio e ao abri-lo no dia seguinte encontrou uma
imagem revelada Fez experiecircncias por eliminaccedilatildeo com os outros produtos que estavam
no armaacuterio para descobrir que a imagem latente tinha sido revelada por accedilatildeo do mercuacuterio
Logo apoacutes o falecimento de Niegravepce Daguerre desenvolveu um processo
conhecido como daguerreotipia no qual era possiacutevel reduzir o tempo de revelaccedilatildeo de
horas para minutos devido a utilizaccedilatildeo de vapor de mercuacuterio Daguerre descreveu seu
processo agrave Academia de Ciecircncias e Belas Artes na Franccedila e logo depois requereu a
patente do seu invento na Inglaterra Breslin possibilita um melhor entendido deste
processo
Os daguerreoacutetipos inventados em 1839 foram os primeiros dentre os processos
fotograacuteficos iniciais a se tornar comercialmente disponiacuteveis O processo utiliza
placas uacutemidas que satildeo placas de cobre cobertas por uma emulsatildeo fotossensiacutevel
agrave base de prata As placas eram reveladas em campo enquanto ainda uacutemidas
criando um negativo Os negativos entatildeo podiam ser trazidos de volta ao
estuacutedio onde um pedaccedilo de papel fotograacutefico era assentado sobre a emulsatildeo do
negativo e exposto ao sol A luz do sol expunha a impressatildeo que era fixada (isto
eacute estabilizada por uma processo quiacutemico) e lavada (BRESLIN 2009 p26)
Jaacute em 1839 o britacircnico William Fox Talbot ao tomar conhecimento dos avanccedilos
de Daguerre decidiu apressar a apresentaccedilatildeo de suas pesquisas com papeacuteis fotossensiacuteveis
agrave Royal Institution e agrave Royal Society com o intuito de garantir os direitos sobre suas
invenccedilotildees No entanto Talbot desenvolveu um processo diferente denominado caloacutetipo -
utilizava folhas de papel cobertas com cloreto de prata que posteriormente eram colocadas
22
em contato com outro papel produzindo assim a imagem positiva Trata-se de um
processo semelhante ao usado atualmente em que utiliza-se um negativo para a obtenccedilatildeo
posterior de imagens positivas
A fotografia entatildeo popularizou-se como produto de consumo a partir de 1888 com
a introduccedilatildeo da cacircmera tipo caixatildeo e pelo filme em rolos substituiacuteveis criados por
George Eastman Desde entatildeo o mercado fotograacutefico tem experimentado uma crescente
evoluccedilatildeo tecnoloacutegica como o estabelecimento do filme colorido como padratildeo e o foco
automaacutetico ou exposiccedilatildeo automaacutetica Essas inovaccedilotildees sem duacutevida facilitam a captaccedilatildeo da
imagem melhoram a qualidade de reproduccedilatildeo ou a rapidez do processamento mas muito
pouco foi alterado nos princiacutepios baacutesicos da fotografia
A grande mudanccedila recente produzida a partir do final do seacuteculo XX foi a
digitalizaccedilatildeo dos sistemas fotograacuteficos A fotografia digital mudou paradigmas no mundo
da fotografia minimizando custos reduzindo etapas acelerando processos e facilitando a
produccedilatildeo manipulaccedilatildeo armazenamento e transmissatildeo de imagens pelo mundo O
aperfeiccediloamento da tecnologia de reproduccedilatildeo de imagens digitais tem quebrado barreiras
de restriccedilatildeo em relaccedilatildeo a este sistema por setores que ainda prestigiam o tradicional filme
e assim irreversivelmente ampliando o domiacutenio da fotografia digital
Natildeo se pode esquecer de salientar que a partir de tais descobertas no ramo da
fotografia eacute que foi possiacutevel a invenccedilatildeo do cinema O instantacircneo a possibilidade de
congelar um instante no fluxo contiacutenuo dos acontecimentos soacute se torna possiacutevel de fato
com o advento da fotografia Sendo assim os estudos de Muybrigde referentes aos
instantacircneos sucessivos associada ao aparato do fuzil fotograacutefico de Marey iratildeo resultar na
invenccedilatildeo do cinema Sabe-se que o cinema confere agrave imagem uma continuidade aparente
pois na verdade trata-se de uma seacuterie de instantacircneos separados por intervalos poreacutem aos
sentidos ele se apresenta de forma lisa e fluida como a proacutepria natureza do movimento
Machado acrescenta que
O cinema mesmo o cinema stricto sensu ou seja o cinema que se constitui a
partir do cinematoacutegrafo de LeRoy Edison Paul Skladanwsky e dos Lumiegravere
natildeo era nos seus primoacuterdios o que hoje chamamos de cinema Ele reunia na
sua base de celuloacuteide vaacuterias modalidades de espetaacuteculos derivadas das formas
populares de cultura como circo o carnaval a magia e a prestidigitaccedilatildeo a
pantomima a feira de atraccedilotildees e aberraccedilotildees etc (MACHADO 1997 p 76)
No iniacutecio os filmes eram de curta duraccedilatildeo nos quais o puacuteblico era composto
basicamente de operaacuterios As exibiccedilotildees eram realizadas em grandes galpotildees durante o
23
intervalo de serviccedilo do proletariado Machado (1997 p79) explica que o cinema era uma
em diversas atraccedilotildees oferecidas pelos vaudevilles pois ―natildeo se havia ainda desenvolvido
um conjunto de teacutecnicas e procedimentos de linguagem apropriados para a elaboraccedilatildeo de
uma narrativa visual que fosse suficientemente autocircnoma a ponto de poder se dispensar a
―explicaccedilatildeo de um apresentador
Atualmente pensa-se primeiramente em imagens forma-se um raciociacutenio a partir
de mosaicos audiovisuais que possibilitam um dado significado Tal modelo de
pensamento atraveacutes da imagem tecnoloacutegica deve-se ao conjunto de referecircncias
adquiridas
Assim sendo a fotografia possui papel fundamental na linguagem audiovisual
Sabe-se que a foi a partir da fotografia que se tornou possiacutevel agrave invenccedilatildeo do cinema
Dubois (2004) assegura que
Com a fotografia a maacutequina natildeo se contenta mais em preacute-ver ela inscreve
tambeacutem a imagem por meio das reaccedilotildees fotossensiacuteveis de certos materiais que
registram por si mesmos as aparecircncias sensiacuteveis geradas pela radiaccedilatildeo luminosa
A maacutequina intervecircm aqui portanto no coraccedilatildeo mesmo do processo de
constituiccedilatildeo da imagem que aparece assim como representaccedilatildeo quase
automaacuteticalsquo objetivalsquo sine manu factalsquo O gesto humano passa a ser mais um
gesto de conduccedilatildeo da maacutequina do que de figuraccedilatildeo direta (DUBOIS 2004
p38)
Em sua brilhante anaacutelise Barthes evidencia o fato de que a fotografia significa
muito mais uma ruptura do que uma continuidade em relaccedilatildeo agrave pintura Isso porque a
reaccedilatildeo quiacutemica dos sais de prata fotossensiacuteveis mediada pelo aparelho oacutetico que projeta a
imagem eacute colocada no centro do dispositivo de criaccedilatildeo da imagem deslocando o papel do
criador que antes que antes tinha que compor o instante representado a partir de instantes
distintos usando os coacutedigos da pintura para unificar a fatura e agora passava a poder
recortar um instante na sua proacutepria duraccedilatildeo com o uso da fotografia Dubois acrescenta
que tal uso
abandona o tempo crocircnico real evolutivo o tempo que passa como um rio
nosso tempo dos seres humanos inscritos na duraccedilatildeo para entrar em uma
temporalidade nova separada e simboacutelica a da foto temporalidade que tambeacutem
dura tatildeo infinita em princiacutepio quanto a primeira mas infinita na imobilidade
total congelada na interminaacutevel duraccedilatildeo das estaacutetuas (DUBOIS 1993 p168)
Com a invenccedilatildeo do instantacircneo fotograacutefico a pose a produccedilatildeo a composiccedilatildeo
elementos proacuteprios agrave linguagem da pintura figurativa satildeo subvertidas datildeo lugar tambeacutem
ao efecircmero ao flagrante agrave espontaneidade
Durante o seacuteculo XIX a fotografia buscou ancorar-se na esteacutetica proacutepria agrave pintura
para almejar sua entrada no panteatildeo das Belas-Artes em um movimento chamado pela
24
historiografia de pictorialismo Como bem analisou Walter Benjamin em sua Pequena
Histoacuteria da Fotografia de 1931 esse movimento se revelou improdutivo jaacute que os
fotoacutegrafos buscavam encaixar-se nos mesmos padrotildees de valoraccedilatildeo esteacutetica que foram
subvertidos com a invenccedilatildeo da fotografia
O discurso sobre a fotografia no seacuteculo XIX ainda estaacute muito contaminado por
valores esteacuteticos que consideram a teacutecnica em oposiccedilatildeo agrave arte ou na melhor das hipoacuteteses
como uma mera serviccedilal da arte Mas a proacutepria invenccedilatildeo da fotografia primeira forma de
produzir imagens completamente mediada pela teacutecnica na qual o ―laacutepis da Natureza
(Talbot) age sozinho sem a ajuda da matildeo do homem estava subvertendo completamente
os valores vigentes instaurando uma estreita ligaccedilatildeo entre teacutecnica e arte
Trazer a teacutecnica para o primeiro plano eacute uma das transformaccedilotildees mais radicais que
a imagem fotograacutefica instaura no campo da produccedilatildeo de imagens Esse tipo de imagem
criada por um aparelho chamada por Vileacutem Flusser de ―imagem teacutecnica foi capaz de
superar oposiccedilotildees vazias entre arte e teacutecnica
Com a virada para o seacuteculo XX se inicia um movimento de valorizaccedilatildeo da
fotografia por suas peculiaridades constitutivas advindas de seu proacuteprio mecanismo de
inscriccedilatildeo da imagem a instantaneidade o corte a conexatildeo fiacutesica com o referente A
chamada fotografia moderna se estabelece em duas frentes nas vanguardas europeacuteias e no
movimento chamado Photo Secession que ocorreu nos Estados Unidos8
A obra de Henri Cartier-Bresson eacute das mais importantes para a afirmaccedilatildeo da
fotografia por suas qualidades constitutivas Ele percebeu a potencialidade do aparato e o
foi um dos primeiros a usar uma cacircmera compacta de pequeno formato para sacar
instantes da realidade ainda na deacutecada de 1930 Com o tempo amadureceu uma filosofia
do chamado ―instante decisivo Para ele o fotoacutegrafo eacute como um flaneur que vaga pelo
mundo em busca daqueles raros momentos em que todos os elementos do enquadramento
se alinham em sua maacutexima expressatildeo dando agrave narrativa um potencial de siacutentese
A partir dessa reflexatildeo pode-se dizer que a fotografia audiovisual possibilita
transmitir ao espectador uma verossimilhanccedila com a realidade A anaacutelise da fotografia no
cinema se faz a partir do conhecimento dos elementos que a compotildee e suas variaccedilotildees
Assim cada elemento seraacute tratado separadamente para que seja possiacutevel uma melhor
explanaccedilatildeo de cada componente da fotografia audiovisual
25
21 Iluminaccedilatildeo
De acordo com Sousa (2004) eacute intuitivo afirmar que no momento em que se
ilumina um determinado objetopersonagem em detrimento de outros revela-se apenas
aquele que estaacute exposto agrave luz No entanto essa natildeo eacute a uacutenica contribuiccedilatildeo da iluminaccedilatildeo
para a construccedilatildeo de sentido a uma imagem Aleacutem disso eacute responsaacutevel por transmitir
noccedilotildees de profundidade e de relevo Segundo Roberts-Breslin (2009) eacute atraveacutes da
iluminaccedilatildeo que satildeo criados os padrotildees de luz e sombra que datildeo sentido ao nosso mundo
como tambeacutem o alto contraste do sol do meio-dia ou o baixo contraste monocromaacutetico
num dia chuvoso Aumont (2004) acrescenta que
A luz no cinema estaacute sempre ali e ateacute mesmo duplamente ali jaacute que a luz do
projetos ndash a luz depois do filme ndash serve para mostrar a luz registrada tal como
ela caiacutea sobre as coisas filmadas ndash a luz de antes do filme Haacute entre as duas uma
conivecircncia inextinguiacutevel jaacute reconhecida aqui mesmo em sua forma negativa ndash o
escuro - e que nutriu com frequecircncia a fantasia (em Murnau em Sternberg ou
Godard) de que uma natildeo eacute senatildeo a continuaccedilatildeo da outra por outros meios
Consequumlecircncia articulaccedilatildeo da diferenccedila a luz do quadro natildeo teve de ser
produzida realmente a do filme foi real Diferenccedila ontoloacutegica que se duplica em
outra infinitamente contingente poreacutem sensiacutevel a luz utilizada na produccedilatildeo do
filme eacute uma luz eleacutetrica seu aspecto eacute particular variaacutevel aliaacutes ao longo da
histoacuteria do cinema (AUMONT 2004 p 172)
As condiccedilotildees de iluminaccedilatildeo satildeo capazes de indicar a hora do dia a eacutepoca do ano e
a parte do planeta em que a imagem estaacute sendo reproduzida A luz ―empresta um tom a um
lugar ou experiecircncia ndash o brilho suave e romacircntico de uma vela as inesperadas e
desconhecidas sombras da noite a firme e escura melancolia do crepuacutesculo do inverno
ou seja possibilita a criaccedilatildeo de um determinado clima agrave cena (Breslin 2009 p87) Moura
afirma que
A fotografia em nada se diferencia da natureza Todas as luzes e efeitos estatildeo agrave
mostra para o olho educado Os efeitos dos filtros os contrastes das luzes as
densidades das cores tudo e todos estatildeo na natureza agrave vista de quem quiser ver
Se vocecirc prestar atenccedilatildeo ao tipo de luz que o sol gera saberaacute qual refletor de
quanto como e onde colocar Se vocecirc se abstrair do tamanho do sol e se
concentrar no efeito da sua luz poderaacute intuir a direccedilatildeo a natureza e a
intensidade da luz que vocecirc precisaraacute para ter o mesmo resultado Afinal de
contas o sol tem que iluminar a terra toda e noacutes soacute um pequeno estuacutedio As
diferenccedilas de tamanho satildeo irrelevantes para o raciociacutenio Para se chegar ao
pequeno partimos do grande Nada no pequeno mundo da fotografia inexiste no
vasto mundo de todos noacutes Talvez a uacutenica coisa que possamos criar e que jaacute natildeo
exista em escala maior e em melhor forma na natureza seja a escrita (MOURA
2001 p 20)
Breslin (2009 p88) acredita que a luz consiste na base da miacutedia visual pois
―tecnicamente a luz fornece a energia que nos permite reproduzir uma imagem
Esteticamente a luz junto com a composiccedilatildeo revela verdades e mentiras criando beleza e
26
feiura dentro do quadro Para Martin (2003 p 71) a iluminaccedilatildeo eacute o ―fator decisivo da
expressividade da imagem poreacutem sua importacircncia natildeo eacute percebida pelo espectador
devido ao fato de possibilitar a criaccedilatildeo de uma atmosferalsquo elemento este dificilmente
analisaacutevel
As sombras criadas com a iluminaccedilatildeo ―ajudam a transmitir profundidade clima e
lugar mas devem ser cuidadosamente controladas A iluminaccedilatildeo na verdade pode ser
definida como lanccedilar e controlar as sombrasrdquo (BRESLIN 2009 p95) Sendo assim a
luz possui vaacuterias caracteriacutesticas essenciais qualidade direccedilatildeosentido contraste
uniformidade cor e intensidade
Conforme Sousa (2004) a qualidade da luz refere-se principalmente ao tipo de
sombra que um objeto iluminado produz seja ela dura e definida ou suave a gradual
Breslin (2009) confirma tal classificaccedilatildeo ao dizer que
A qualidade de uma fonte de luz tem a ver com o modo como as ondas
percorrem o espaccedilo Se elas o fazem em linha reta a partir da fonte ateacute iluminar
o objeto satildeo refletidas de volta para a lente de um olho ou cacircmera em linhas
similarmente retas Isso produz luz dura direta ou localizada A energia
luminosa cobre uma aacuterea relativamente pequena mas manteacutem a intensidade ou
brilho maacuteximos A luz direta enfatiza a textura (BRESLIN 2009 p92)
A autora acrescenta que a luz que atinge um objeto pode ser dura ao produzir
sombras nitidamente definidas e partes mais claras distintas Jaacute quando produz partes
claras e sombras sutis e com uma borda menos definida ela eacute classificada como uma luz
suave Assim a luz comeccedila direta mas suas ondas podem desviar ou refletir de uma a
outra superfiacutecie ateacute que encontram o seu caminho para a lente Dependendo do caminho
percorrido se ―produz luz suave difusa ou lavada Uma fonte de luz difusa cobriraacute uma
aacuterea grande mas eacute menos intensa ou brilhante do que a mesma quantidade inicial de luz
direta na mesma distacircncia do objeto (BRESLIN 2009 p93)
Salles (2006) ressalta que ao iluminar artificialmente uma cena qualquer os planos
de composiccedilatildeo de luz desta cena devem ser cuidadosamente elaborados a fim de que a
fotografia do filme esteja em harmonia esteacutetica com o roteiro e sua proposta
22 Cor
Durante praticamente quarenta anos o cinema se manteve em preto e branco
Qualidade natural dos seres e objetos a cor possibilita maior realismo nas obras fiacutelmicas
pois aumenta a veracidade da imagem
27
Sendo assim a partir de um trabalho manual dos teacutecnicos que coloriam os filmes agrave
matildeo ou com o auxiacutelio de paletas eacute que se tornou possiacutevel colocar cor nas telas mediante
muito trabalho Experiecircncias foram realizadas e tomou-se conhecimento de uma nova
teacutecnica os chamados ―banhos onde a peliacutecula era tingida com cores uniformes com o
intuito de atribuir tanto realismo quanto simbolismo Basicamente era usado azul para
designar a noite e amarelo para as cenas de interiores agrave noite enquanto que para
simbolizar os incecircndios e as revoluccedilotildees optava-se pelo vermelho e para as matas e
paisagens a cor verde (MARTIN 2003) A bicromia e a tricomia comeccedilaram a serem
utilizadas em meados dos anos 30 No entanto eacute apenas na metade dos anos 50 que a cor
passou a ser usada de forma generalizada
Natildeo se pode negar que a cor possui um papel fundamental na composiccedilatildeo da
fotografia cinematograacutefica A partir de sua utilizaccedilatildeo torna-se possiacutevel representar a
realidade com mais perfeiccedilatildeo e precisatildeo Aumont (2003 p63) acrescenta que ―apesar da
especificidade da cor no cinema o modelo criacutetico e esteacutetico foi quase sempre a pintura
Esta circulou enormemente no imaginaacuterio fiacutelmico em trecircs grandes formas a
ficcionalizaccedilatildeo a imitaccedilatildeo e a anaacutelise sendo a base para as futuras produccedilotildees
audiovisuais Contudo o autor ressalta que
a ausecircncia de leis gerais e verificaacuteveis explica a ausecircncia quase total de reflexatildeo
teoacuterica sobre a cor na imagem em movimento As uacutenicas consideraccedilotildees agraves
vezes propostas no tocante ao valor simboacutelico ou expressivo da cor (o vermelho
como siacutembolo de guerra ou de paixatildeo o azul bem como o azul-celeste para a
paz o violeta associado agrave lamentaccedilatildeo funeraacuteria etc) Como tais valores satildeo bem
variaacuteveis conforme as culturas e as eacutepocas Eacute difiacutecil fazer uma teoria deles e a
esteacutetica da cor no cinema confunde-se praticamente com a constataccedilatildeo de
estilos pessoais ou de efeitos de gecircnero (AUMONT 2003 p63)
Ainda em relaccedilatildeo ao uso das cores fala-se em harmonia e contraste cromaacutetico A
harmonia ocorre quando em uma imagem existem cores proacuteximas (laranja amarelo
torrado amarelo e vermelho) Jaacute ao mencionar contraste cromaacutetico se refere quando na
imagem existem cores contrastantes (azul vs Vermelho amarelo vs Violeta por
exemplo) Contudo Sousa (2004) revela outras maneiras de evidenciar contraste
cromaacutetico (a) contraste de cores fortes com cores neutras (por exemplo vermelho vivo vs
cinzento claro) (b) complementaccedilatildeo entre cores claras e cores escuras (por exemplo o
amarelo-limatildeo faz o azul marinho parecer mais escuro) (c) contraste entre tons intensos
da mesma cor (o vermelho carregado contrasta com o vermelho claro)
Sousa (2004) acrescenta que eacute possiacutevel expressar quietude e tranquumlilidade ao
recorrer agrave harmonia cromaacutetica de cores quentes suaves como o castanho-terra suave e o
28
amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada
diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis
Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de
ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem
teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas
especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade
Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores
satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada
espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos
valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem
23 Enquadramentos
O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que
determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo
que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores
O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada
Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira
como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave
objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela
Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos
teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos
notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena
mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar
mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico
Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o
tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos
objetos que constituem a cena
Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees
possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de
detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar
Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma
29
―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para
a tela
231 Planos
O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre
dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no
qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute
determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da
objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da
narrativa que se pretende obter
Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada
autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute
possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos
planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o
observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta
planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os
intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro
plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens
plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por
exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA
(2004 p67-68)
A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano
Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade
fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte
1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro
2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos
joelhos para cima ou da cintura para cima
3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um
pouco abaixo
4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima
5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator
6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na
altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas
30
232 Acircngulos de Filmagem
De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto
que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir
um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo
superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto
que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade
No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de
baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de
superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e
do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do
personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele
em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador
233 Movimentos de Cacircmera
Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por
Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da
ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental
de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a
descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou
uma personagem
Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de
cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o
deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem
constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A
panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio
eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a
trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com
o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural
Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou
complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir
de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um
―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena
31
3 O cinema de autor
No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria
recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas
produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo
(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na
tela diferentes percepccedilotildees diante da trama
Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de
vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de
variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao
participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim
conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro
Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista
produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete
instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs
Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo
No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)
juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores
(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os
produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do
filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas
No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith
4
Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico
2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do
cinema mudo
3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano
um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas
4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de
Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o
movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o
filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)
5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro
de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia
de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou
em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia
32
devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e
dirigindo na publicidade de seus filmes
Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica
quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na
―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do
existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do
autor
Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-
sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e
substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a
atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando
que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo
metafiacutesicas (STAM 2003 p111)
Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo
que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi
responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou
a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras
refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica
abordando o ato de fazer e assistir a um filme
Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita
sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de
determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a
mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais
cineastas
Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers
Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica
Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes
que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar
conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as
filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios
seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma
simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)
Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do
Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os
grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas
6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem
como no sete de filmagem
33
como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o
suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e
o puacuteblico como seu divertimento
Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no
cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes
nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees
inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo
autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de
caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor
(COVALESKI 2009 p83)
Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o
contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa
eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a
obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma
noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a
outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI
2009 p 84)
Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute
responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo
do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute
responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas
necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo
com Bernardet
Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua
maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um
filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que
preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em
perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)
O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem
traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na
direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas
optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas
uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na
direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta
34
Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora
diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior
originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade
crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais
Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de
autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para
Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do
discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia
Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e
situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi
apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser
considerado como tal
O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica
com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra
determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem
defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos
paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor
Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja
autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de
1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e
Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de
presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de
suas matildeos
Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo
(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do
curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos
experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar
Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo
Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se
tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila
Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras
produtoras independentes do paiacutes
No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute
que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal
35
Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam
de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que
Meirelles considera ter feito em sua vida
No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas
publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos
que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar
notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar
e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas
da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para
natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar
em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade
Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a
produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando
Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2
Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no
mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios
internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca
de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio
Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede
Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura
completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um
departamento juriacutedico aacutegil
Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme
foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes
selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival
Internacional de Rotterdam
O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de
20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores
no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais
Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo
internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores
filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro
indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o
filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta
36
Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado
como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no
manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a
pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo
sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No
entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional
Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao
levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner
o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na
categoria de Melhor Diretor
Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando
Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do
romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O
filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14
de maio de 2008
37
4 Metodologia
A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando
compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria
nos filmes de Fernando Meirelles
Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave
argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise
detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades
sociais
Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo
aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de
entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira
indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o
caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como
objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro
Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra
selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes
representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a
esteacutetica publicitaacuteria
Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que
seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem
fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de
expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica
Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do
conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia
e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise
a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e
organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir
das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)
interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em
funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo
Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise
fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra
que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da
38
linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa
fiacutelmica
Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo
1 Preacute-anaacutelise
a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor
enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)
2 Descriccedilatildeo Analiacutetica
a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos
3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando
em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes
Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute
necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo
haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica
efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo
pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando
necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que
considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde
que natildeo descarte as antecedentes
39
5 Anaacutelises
Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica
publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel
a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica
descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo
estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a
narrativa de cada um dos filmes
Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de
Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)
51 Domeacutesticas
Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas
40
Sinopse
Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de
Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada
Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa
sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar
de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute
Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida
Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com
um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por
missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a
mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que
satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se
estivessem dando uma espeacutecie de depoimento
Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas
aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de
emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o
outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das
domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo
Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo
encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas
por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do
plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave
novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um
sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da
profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento
cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes
publicitaacuterios
41
Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas
(Plano aberto e plano conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas
com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal
Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos
lateralizados
A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em
plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo
pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee
possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem
disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco
conotando mais tristeza agrave cena
Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e
cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como
acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute
limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera
tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no
estacionamento do preacutedio
Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em
que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a
personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o
deslocamento da personagem daquele mundo
42
Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas
(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de
serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves
tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas
com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)
Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em
um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um
domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao
casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte
observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre
sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o
responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua
profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela
As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena
No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo
agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute
43
devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de
nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude
alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade
sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento
Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as
personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo
O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo
vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das
diversas dificuldades no seu dia-a-dia
O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano
meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em
meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave
criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)
isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo
dos exageros
Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna
da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores
quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde
44
e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila
dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme
Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas
52 Cidade de Deus
Sinopse
O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro
protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou
um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a
estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto
de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante
amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente
suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num
ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele
descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se
fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista
do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos
45
principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria
mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um
mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute
Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro
dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto
Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos
bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute
usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute
centralizada e em leve plongeacutee
Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no
46
comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo
frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas
casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e
suave
A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do
traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na
criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar
perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-
plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem
Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano
geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo
compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando
naturalidade
Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)
47
Iluminaccedilatildeo e cor
Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo
deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute
observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa
frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo
pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo
Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste
elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem
a funccedilatildeo de criar um visual expressivo
Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente
natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a
inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre
dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na
cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute
ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo
consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena
interna e provavelmente noturna
Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua
maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais
frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo
com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute
amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute
modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos
48
periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo
publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama
Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante
Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com
a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um
material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a
imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee
com armas em punho apontadas para os policiais
Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela
49
Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus
53 O Jardineiro Fiel
Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel
50
Sinopse
O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em
Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa
uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem
aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para
substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes
um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute
transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu
idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a
trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin
acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir
na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de
amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa
estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional
envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em
seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a
disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no
Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e
ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar
como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se
para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final
bastante diferente do que seria esperado
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a
imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia
de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio
em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao
lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar
para se proteger
Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem
Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em
51
plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades
azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um
embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em
plongeacutee e plano aberto em conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na
figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A
imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano
aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo
dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais
amenos frios
Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada
retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao
receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade
possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento
As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a
imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua
52
Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em
leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens
contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante
natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel
perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral
aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores
quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave
luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem
composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local
em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo
A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela
cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A
impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena
que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma
53
desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do
ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas
sim no seu proacuteprio lucro
Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de
ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir
contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis
por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele
seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com
movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma
arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite
suavidade e calor agrave cena
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel
(variaccedilatildeo entre suave e dura)
Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando
com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na
lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em
equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira
imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais
onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena
54
ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens
em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)
ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem
possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua
composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)
como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel
54 Ensaio sobre a Cegueira
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira
55
Sinopse
O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que
atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas
passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no
tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados
em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a
lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a
uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que
juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute
baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com
o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de
cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo
manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O
enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para
a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e
branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria
compotildee as cenas da trama
Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento
panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da
trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade
esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o
motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa
ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais
Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o
motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo
adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de
quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia
56
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
57
Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
58
A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
59
do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
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65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
16
A partir da reflexatildeo de Carvalho (2003) a cerca dos estudos de Leacutevi-Strauss pode-
se dizer que a individualizaccedilatildeo da produccedilatildeo demonstrar o aparecimento de uma
consciecircncia criacutetica por parte do receptor que retira da esteacutetica-primitiva o seu dever social
A obra sendo produzida individualmente sem necessidade de bastar a uma sociedade ou
clatilde A esteacutetica-moderna depende apenas da aprovaccedilatildeo ou natildeo de uma clientela ―de classe
(como utiliza o autor) para se firmar como arte
Ao mesmo tempo com a evoluccedilatildeo da criacutetica de arte e o aparecimento do
abstracionismo Leacutevi-Strauss iraacute demonstrar um propoacutesito antimodernista ao perceber a
banalizaccedilatildeo presente na arte do poacutes-guerra Aleacutem da hiper-valorizaccedilatildeo da criacutetica a
representaccedilotildees pictoacutericas sem compromisso artiacutestico Poreacutem dentro desta mesma vertente
podemos repassar seu conceito de arte que funde a ciecircncia e o mito na concepccedilatildeo do
espiacuterito humano (pensamento criador) em outro de seus pensamentos a loacutegica do
sensiacutevel Loacutegica regida pela possibilidade de unir muacutesica e mito ou romance e mito atraveacutes
de uma ―estrutura-funccedilatildeo Todo meio artiacutestico pode ser fundido a outro ou recriado
desde que o estruturalismo presente no espiacuterito humano conceba um fim artiacutestico
A inter-relaccedilatildeo do cinema e da publicidade audiovisual resulta dos aspectos dessa
linguagem pois ambos constituem meios audiovisuais que trabalham a partir de uma
mesma base de composiccedilatildeo e de montagem de elementos expressivos para criar um
determinado plano de conteuacutedo narrativo e de significado o que configura esteacuteticas
diferenciadas
A modernidade da imagem cinematograacutefica eacute reflexo de um processo histoacuterico
em que a arte tenta se renovar em releituras de seus proacuteprios conceitos e criaccedilatildeo
de outros A diversidade estiliacutestica caracteriacutestica do cinema comercial da deacutecada
de 90 retrata uma geraccedilatildeo multimiacutedia de novos profissionais e espectadores que
acabaram por alterar os rumos da cinematografia contemporacircnea
(CARVALHO 2003)
Tais mudanccedilas de abordagem satildeo visiacuteveis natildeo apenas no cinema como tambeacutem nos
videoclipes nos games e na publicidade Refere-se a uma nova perspectiva de criaccedilatildeo
audiovisual na tentativa de romper as barreiras das produccedilotildees tradicionais e enfatizar o
surgimento de novas possibilidades Tais rupturas contribuem para a mudanccedila no
comportamento dos sujeitos contemporacircneos
O pensador de agora jaacute natildeo se senta mais agrave sua escrivaninha diante de seus
livros para dar forma ao seu pensamento mas constroacutei as suas ideias manejando
instrumentos novos ndash a cacircmera a ilha de ediccedilatildeo o computador - invocando
ainda outros suportes de pensamento sua coleccedilatildeo de fotos filmes viacutedeos
discos ndash sua mideoteca enfim (DUBOIS 2004 p19)
17
O pensamento audiovisual contemporacircneo constata essa hibridizaccedilatildeo essa
convergecircncia de elementos responsaacuteveis por uma mudanccedila de conduta Deste modo
Dubois (2004 p25) ressalta a existecircncia do imaginaacuterio cinematograacutefico presente em
todos os lugares e impregnado ―ateacute em nossa maneira de falar ou de ser Quem ao
percorrer de carro um longo trajeto numa vasta paisagem aberta natildeo pensou com a ajuda
da muacutesica no raacutedio numa figura de travelling mergulhando na tela panoracircmica de seu
paacutera-brisa
Em relaccedilatildeo agrave esteacutetica publicitaacuteria Carvalho (2003) ressalta uma possiacutevel ―morte
do cinema Vaacuterios criacuteticos apostam nessa ―morte diante do uso de recursos estiliacutesticos
que estariam se sobressaindo na concepccedilatildeo criadora do filme em contraposiccedilatildeo ao
realismo bem como da evoluccedilatildeo da teacutecnica que distancia o cinema de sua perspectiva
fotograacutefica Resultando assim na valorizaccedilatildeo da imagem em detrimento da representaccedilatildeo
Contudo o autor ressalva que tal concepccedilatildeo de retrato da realidade aleacutem de
ultrapassada estaacute reformulada no estudo do ―espiacuterito humano de Leacutevi-Strauss Este
estudo baseia-se no posicionamento da seacutetima arte como uma visatildeo moderna do homem
diante da realidade a visatildeo em que a cacircmera capta a imagem e natildeo o objeto
Enquanto isso Merquior (1975) busca uma maneira de refletir e re-posicionar as
concepccedilotildees de Leacutevi-Strauss quanto agrave arte contemporacircnea
Em vez de vociferar sobre a verdade factuallsquo da morte da artelsquo conviria
colocar a problemaacutetica implicada por essas teses em relaccedilatildeo a uma das
tendecircncias mais fecundas do estruturalismo ndash sua vontade de ultrapassar as
anaacutelises estanques dos domiacutenios culturais (arte religiatildeo ciecircncia etc) de
encorajar a pesquisa de afinidades estruturais e funcionais entre esses camposlsquo
sem jamais esquecer que satildeo todos faces de uma mesma realidade o espiacuterito
humano (MERQUIOR 1975 p79)
Em seu texto A Dupla Heacutelice Raimond Bellour consegue ver logo no viacutedeo ndash base
da esteacutetica publicitaacuteria ndash e na tecnologia digital o resumo desta realidade emergente
O viacutedeo leva assim agrave sua perda essa capacidade de analogia dilatada agraves
dimensotildees do universo pela primeira vez os corpos e os objetos do mundo satildeo
virtualmente desfiguraacuteveis (e logo refiguraacuteveis) ao sabor de uma potecircncia que
transforma em tempo real ou quase natildeo diferido (e natildeo mais somente como no
cinema por uma lenta elaboraccedilatildeo cujas trucagens constituem o modelo) as
representaccedilotildees que capta seu olho mecacircnico Isso explica o fato de a viacutedeo-
imagem a caccedilula das imagens de reproduccedilatildeo poder aparecer simultaneamente
como uma nova imagem irredutiacutevel ao que a precede mas tambeacutem uma
imagem capaz de atrair de absorver de misturar todas as imagens anteriores
pintura fotografia cinema (BELLOUR Raimond in PARENTE 1993 p223)
18
Em funccedilatildeo disso a esteacutetica publicitaacuteria natildeo passaria apenas de um mero
abstracionismo imageacutetico do cinema mas sim a siacutentese de uma movimentaccedilatildeo esteacutetica que
atravessa todas as artes denominada Poacutes-modernidade Cultural Muito aleacutem de um
recurso estiliacutestico as imagens de ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus entre outros filmes
tachados como videoclipeiros ou publicitaacuterios refletem na representaccedilatildeo do olhar do
homem moderno Toda essa fundamentaccedilatildeo estaacute na fusatildeo da linguagem videograacutefica com
a fotograacutefica do cinema Ao inveacutes de ampliar a visatildeo da rapidez das coisas tenta-se
reduzir o que ocorre agrave nossa volta em conceitos voltado aos meios artiacutesticos
11 Interfaces cinema e publicidade
Com o intuito de construir um sentido proacuteprio para cada filme o cinema atua em
momentos esparsos e depende da disposiccedilatildeo do espectador para que a obra fiacutelmica seja
consumida Em contrapartida a televisatildeo oferece uma programaccedilatildeo diversificada sem
interrupccedilotildees 24h por dia Assim o espectador recebe informaccedilotildees se diverte com
seriados novelas e filmes sem sair de casa
Percebe-se que a origem do discurso nunca eacute autocircnoma mas sim dependente de
outros discursos em que buscou referecircncia Bliskstein (1994 p45) constata que
―suportado por toda uma intertextualidade o discurso natildeo eacute falado por uma uacutenica voz mas
por muitas vozes geradoras de muitos textos que se intercruzam no tempo e no espaccedilo
Na deacutecada de 60 Kristeva introduziu o termo intertextualidade como uma traduccedilatildeo
para ―dialogismo que se refere agrave relaccedilatildeo entre um enunciado e os demais enunciados De
acordo com Stam (2003) a intertextualidade eacute um conceito de valor na medida em que
possibilita relacionar o texto individual com as demais formas de representaccedilatildeo natildeo
somente com outros textos
Intertextualidade eacute vista por Fiorin (2002) como a forma de incorporar um texto em
outro aleacutem de ser polecircmica quando propotildee uma oposiccedilatildeo ao sentido do texto original ou
contratual quando o reforccedila e o enaltece Assim sendo a intertextualidade polecircmica eacute
conhecida como paroacutedia enquanto a intertextualidade contratual como paraacutefrase Aleacutem
disso classifica tambeacutem em
citaccedilatildeo (referecircncia literal a outro texto usando parte deste) alusatildeo (reproduccedilatildeo
de construccedilotildees sintaacuteticas substituindo algumas figuras do texto original por
outras) e estilizaccedilatildeo (reproduccedilatildeo do estilo de outrem no plano da expressatildeo ou
no do conteuacutedo) (FIORIN apud COVALESKI 2009 p 39)
19
A seguir uma abordagem mais detalhada de cada uma das relaccedilotildees intertextuais
entre o cinema e a publicidade televisual na visatildeo de Covaleski (2009)
a) citaccedilatildeo a publicidade desfruta desse recurso criativo com maestria Uma uacutenica
obra cinematograacutefica pode originar uma grande variaccedilatildeo de citaccedilotildees ancoradas
a uma mesma cena claacutessica evidentemente emblemaacutetica contundente o
bastante para se tornar perene no imaginaacuterio coletivo transpondo barreiras
culturais e temporais Pode-se citar como exemplo a cena emblemaacutetica em que
a atriz Marilyn Monroe tem sua saia levantada devido ao deslocamento de ar
durante a passagem do metrocirc no filme O Pecado Mora ao Lado (The Seven
Year Itch de Billy Wilder ndash 1955) Essa cena muito conhecida jaacute foi usada
diversas vezes e de diferentes formas pela publicidade Exemplo disso foi a
colocaccedilatildeo de uma saia ndash a la Marilyn ndash em garrafas de vodka da marca
Absolut
b) alusatildeo mais sutil que a citaccedilatildeo remete a uma obra anterior poreacutem sem fazer
uso de fragmentos dela Utiliza somente uma construccedilatildeo equivalente
substituindo determinadas figuras por outras A alusatildeo recorrente no cinema eacute
facilmente percebida em filmes que pertencem a um mesmo gecircnero
cinematograacutefico Na publicidade a intertextualidade com o cinema utilizando a
alusatildeo aparece em comerciais de anunciantes dos mais diferentes segmentos de
mercado bem como os filmes de onde saiacuteram as inspiraccedilotildees pertencem aos
mais diversos gecircneros O filme francecircs O Fabuloso Destino de Ameacutelie Poulain
(Le Fabuleux Destin drsquoAmeacutelie Poulain de Jean-Pierre Jeunet - 2001) eacute uma
obra com clara influecircncia da linguagem publicitaacuteria Muito disso se deve
devido agrave vivecircncia de Jeunet em meio agrave publicidade Eacute o caso deste trabalho jaacute
que Fernando Meirelles trabalhou com publicidade antes de seguir carreira no
cinema Um exemplo de alusatildeo a este filme se percebe na campanha do
automoacutevel Renault Sceacutenic ndash um anatildeo de jardim eacute sequumlestrado por um grupo de
amigos e aprova seu novo endereccedilo mandando uma carta agrave sua antiga dona
avisando que natildeo voltaraacute mais para casa Deste modo a campanha faz alusatildeo
ao argumento de liberdade explorado na obra francesa
c) estilizaccedilatildeo ato de reproduzir um conjunto de procedimentos de caracteriacutesticas
de formas e de conteuacutedos do discurso de outrem Eacute recorrer agrave estrutura seja no
20
plano da expressatildeo ou no do conteuacutedo produzindo um efeito de
personalizaccedilatildeo muito embora remeta a obra anterior independente de
estabelecer uma relaccedilatildeo polecircmica ou contratual com aquela A estilizaccedilatildeo
intertextual na publicidade com referencial cinematograacutefico eacute constante e
ultrapassa o uso apenas dos elementos de linguagem cinematograacutefica Alguns
filmes publicitaacuterios utilizam em suas produccedilotildees as teacutecnicas de trucagem1 se
aproveitam dos efeitos especiais e ateacute dos estilos lanccedilados pelo cinema Um
bom exemplo dessa estilizaccedilatildeo encontra-se em um comercial da Samsung que
se utilizada da mesma esteacutetica tecnoloacutegia e uso de efeitos especiais do filme
Matrix (The Matrix de Andy e Larry Wachowski - 1999)
No Brasil de acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber tambeacutem um
caminho oposto a esta intertextualidade Cada vez mais a publicidade interfere na atual
produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este papel de fonte de
referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem audiovisual nas
produccedilotildees contemporacircneas como eacute o caso dos filmes ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus
―O Jardineiro Fiel e ―Ensaio sobre a Cegueira de Fernando Meirelles
1 Trucagem A accedilatildeo de modificar imagens previamente filmadas ao vivo tanto em sua forma (cor e
tamanho) como na ordem de sua projeccedilatildeo (congelamento aceleraccedilatildeo inversatildeo) Satildeo possiacuteveis tambeacutem a
superposiccedilatildeo de letreiros a fusatildeo (teacutecnica de escurecer uma cena ao mesmo tempo em que outra vai
surgindo provocando a sobreposiccedilatildeo de uma sobre a outra) e outros efeitos especiais O equipamento
utilizado eacute a truca Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbrmidiaartequadroaquadro gt Acesso em 14
Jun 2010
21
2 A fotografia na esteacutetica audiovisual
A palavra fotografia vem do grego foacutes (luz) e grafis (estilo pincel) ou
grafecirc e significa desenhar com luz e contraste Natildeo eacute possiacutevel definir um uacutenico
inventor pois foram vaacuterios os responsaacuteveis pela sua origem Em 1826 o francecircs Joseph
Niceacutephore Nieacutepce teve sua imagem reconhecida como a primeira fotografia tal imagem
foi produzida mediante o uso de uma placa de estanho coberta com um derivado de
petroacuteleo fotossensiacutevel chamado Betume da Judeacuteia O processo de exposiccedilatildeo agrave luz solar
chamado de heliografia durava cerca de oito horas para que a imagem fosse obtida
Neste mesmo periacuteodo Louis Daguerre deu continuidade aos experimentos
fotograacuteficos de Joseph Niceacutephore Nieacutepce fato este que lhe concedeu uma descoberta
decisiva Em 1835 Daguerre apanhou uma placa revestida de prata sensibilizada com
iodeto de prata que apesar de exposta natildeo apresentava sequer vestiacutegios de imagem
guardou-a displicentemente em um armaacuterio e ao abri-lo no dia seguinte encontrou uma
imagem revelada Fez experiecircncias por eliminaccedilatildeo com os outros produtos que estavam
no armaacuterio para descobrir que a imagem latente tinha sido revelada por accedilatildeo do mercuacuterio
Logo apoacutes o falecimento de Niegravepce Daguerre desenvolveu um processo
conhecido como daguerreotipia no qual era possiacutevel reduzir o tempo de revelaccedilatildeo de
horas para minutos devido a utilizaccedilatildeo de vapor de mercuacuterio Daguerre descreveu seu
processo agrave Academia de Ciecircncias e Belas Artes na Franccedila e logo depois requereu a
patente do seu invento na Inglaterra Breslin possibilita um melhor entendido deste
processo
Os daguerreoacutetipos inventados em 1839 foram os primeiros dentre os processos
fotograacuteficos iniciais a se tornar comercialmente disponiacuteveis O processo utiliza
placas uacutemidas que satildeo placas de cobre cobertas por uma emulsatildeo fotossensiacutevel
agrave base de prata As placas eram reveladas em campo enquanto ainda uacutemidas
criando um negativo Os negativos entatildeo podiam ser trazidos de volta ao
estuacutedio onde um pedaccedilo de papel fotograacutefico era assentado sobre a emulsatildeo do
negativo e exposto ao sol A luz do sol expunha a impressatildeo que era fixada (isto
eacute estabilizada por uma processo quiacutemico) e lavada (BRESLIN 2009 p26)
Jaacute em 1839 o britacircnico William Fox Talbot ao tomar conhecimento dos avanccedilos
de Daguerre decidiu apressar a apresentaccedilatildeo de suas pesquisas com papeacuteis fotossensiacuteveis
agrave Royal Institution e agrave Royal Society com o intuito de garantir os direitos sobre suas
invenccedilotildees No entanto Talbot desenvolveu um processo diferente denominado caloacutetipo -
utilizava folhas de papel cobertas com cloreto de prata que posteriormente eram colocadas
22
em contato com outro papel produzindo assim a imagem positiva Trata-se de um
processo semelhante ao usado atualmente em que utiliza-se um negativo para a obtenccedilatildeo
posterior de imagens positivas
A fotografia entatildeo popularizou-se como produto de consumo a partir de 1888 com
a introduccedilatildeo da cacircmera tipo caixatildeo e pelo filme em rolos substituiacuteveis criados por
George Eastman Desde entatildeo o mercado fotograacutefico tem experimentado uma crescente
evoluccedilatildeo tecnoloacutegica como o estabelecimento do filme colorido como padratildeo e o foco
automaacutetico ou exposiccedilatildeo automaacutetica Essas inovaccedilotildees sem duacutevida facilitam a captaccedilatildeo da
imagem melhoram a qualidade de reproduccedilatildeo ou a rapidez do processamento mas muito
pouco foi alterado nos princiacutepios baacutesicos da fotografia
A grande mudanccedila recente produzida a partir do final do seacuteculo XX foi a
digitalizaccedilatildeo dos sistemas fotograacuteficos A fotografia digital mudou paradigmas no mundo
da fotografia minimizando custos reduzindo etapas acelerando processos e facilitando a
produccedilatildeo manipulaccedilatildeo armazenamento e transmissatildeo de imagens pelo mundo O
aperfeiccediloamento da tecnologia de reproduccedilatildeo de imagens digitais tem quebrado barreiras
de restriccedilatildeo em relaccedilatildeo a este sistema por setores que ainda prestigiam o tradicional filme
e assim irreversivelmente ampliando o domiacutenio da fotografia digital
Natildeo se pode esquecer de salientar que a partir de tais descobertas no ramo da
fotografia eacute que foi possiacutevel a invenccedilatildeo do cinema O instantacircneo a possibilidade de
congelar um instante no fluxo contiacutenuo dos acontecimentos soacute se torna possiacutevel de fato
com o advento da fotografia Sendo assim os estudos de Muybrigde referentes aos
instantacircneos sucessivos associada ao aparato do fuzil fotograacutefico de Marey iratildeo resultar na
invenccedilatildeo do cinema Sabe-se que o cinema confere agrave imagem uma continuidade aparente
pois na verdade trata-se de uma seacuterie de instantacircneos separados por intervalos poreacutem aos
sentidos ele se apresenta de forma lisa e fluida como a proacutepria natureza do movimento
Machado acrescenta que
O cinema mesmo o cinema stricto sensu ou seja o cinema que se constitui a
partir do cinematoacutegrafo de LeRoy Edison Paul Skladanwsky e dos Lumiegravere
natildeo era nos seus primoacuterdios o que hoje chamamos de cinema Ele reunia na
sua base de celuloacuteide vaacuterias modalidades de espetaacuteculos derivadas das formas
populares de cultura como circo o carnaval a magia e a prestidigitaccedilatildeo a
pantomima a feira de atraccedilotildees e aberraccedilotildees etc (MACHADO 1997 p 76)
No iniacutecio os filmes eram de curta duraccedilatildeo nos quais o puacuteblico era composto
basicamente de operaacuterios As exibiccedilotildees eram realizadas em grandes galpotildees durante o
23
intervalo de serviccedilo do proletariado Machado (1997 p79) explica que o cinema era uma
em diversas atraccedilotildees oferecidas pelos vaudevilles pois ―natildeo se havia ainda desenvolvido
um conjunto de teacutecnicas e procedimentos de linguagem apropriados para a elaboraccedilatildeo de
uma narrativa visual que fosse suficientemente autocircnoma a ponto de poder se dispensar a
―explicaccedilatildeo de um apresentador
Atualmente pensa-se primeiramente em imagens forma-se um raciociacutenio a partir
de mosaicos audiovisuais que possibilitam um dado significado Tal modelo de
pensamento atraveacutes da imagem tecnoloacutegica deve-se ao conjunto de referecircncias
adquiridas
Assim sendo a fotografia possui papel fundamental na linguagem audiovisual
Sabe-se que a foi a partir da fotografia que se tornou possiacutevel agrave invenccedilatildeo do cinema
Dubois (2004) assegura que
Com a fotografia a maacutequina natildeo se contenta mais em preacute-ver ela inscreve
tambeacutem a imagem por meio das reaccedilotildees fotossensiacuteveis de certos materiais que
registram por si mesmos as aparecircncias sensiacuteveis geradas pela radiaccedilatildeo luminosa
A maacutequina intervecircm aqui portanto no coraccedilatildeo mesmo do processo de
constituiccedilatildeo da imagem que aparece assim como representaccedilatildeo quase
automaacuteticalsquo objetivalsquo sine manu factalsquo O gesto humano passa a ser mais um
gesto de conduccedilatildeo da maacutequina do que de figuraccedilatildeo direta (DUBOIS 2004
p38)
Em sua brilhante anaacutelise Barthes evidencia o fato de que a fotografia significa
muito mais uma ruptura do que uma continuidade em relaccedilatildeo agrave pintura Isso porque a
reaccedilatildeo quiacutemica dos sais de prata fotossensiacuteveis mediada pelo aparelho oacutetico que projeta a
imagem eacute colocada no centro do dispositivo de criaccedilatildeo da imagem deslocando o papel do
criador que antes que antes tinha que compor o instante representado a partir de instantes
distintos usando os coacutedigos da pintura para unificar a fatura e agora passava a poder
recortar um instante na sua proacutepria duraccedilatildeo com o uso da fotografia Dubois acrescenta
que tal uso
abandona o tempo crocircnico real evolutivo o tempo que passa como um rio
nosso tempo dos seres humanos inscritos na duraccedilatildeo para entrar em uma
temporalidade nova separada e simboacutelica a da foto temporalidade que tambeacutem
dura tatildeo infinita em princiacutepio quanto a primeira mas infinita na imobilidade
total congelada na interminaacutevel duraccedilatildeo das estaacutetuas (DUBOIS 1993 p168)
Com a invenccedilatildeo do instantacircneo fotograacutefico a pose a produccedilatildeo a composiccedilatildeo
elementos proacuteprios agrave linguagem da pintura figurativa satildeo subvertidas datildeo lugar tambeacutem
ao efecircmero ao flagrante agrave espontaneidade
Durante o seacuteculo XIX a fotografia buscou ancorar-se na esteacutetica proacutepria agrave pintura
para almejar sua entrada no panteatildeo das Belas-Artes em um movimento chamado pela
24
historiografia de pictorialismo Como bem analisou Walter Benjamin em sua Pequena
Histoacuteria da Fotografia de 1931 esse movimento se revelou improdutivo jaacute que os
fotoacutegrafos buscavam encaixar-se nos mesmos padrotildees de valoraccedilatildeo esteacutetica que foram
subvertidos com a invenccedilatildeo da fotografia
O discurso sobre a fotografia no seacuteculo XIX ainda estaacute muito contaminado por
valores esteacuteticos que consideram a teacutecnica em oposiccedilatildeo agrave arte ou na melhor das hipoacuteteses
como uma mera serviccedilal da arte Mas a proacutepria invenccedilatildeo da fotografia primeira forma de
produzir imagens completamente mediada pela teacutecnica na qual o ―laacutepis da Natureza
(Talbot) age sozinho sem a ajuda da matildeo do homem estava subvertendo completamente
os valores vigentes instaurando uma estreita ligaccedilatildeo entre teacutecnica e arte
Trazer a teacutecnica para o primeiro plano eacute uma das transformaccedilotildees mais radicais que
a imagem fotograacutefica instaura no campo da produccedilatildeo de imagens Esse tipo de imagem
criada por um aparelho chamada por Vileacutem Flusser de ―imagem teacutecnica foi capaz de
superar oposiccedilotildees vazias entre arte e teacutecnica
Com a virada para o seacuteculo XX se inicia um movimento de valorizaccedilatildeo da
fotografia por suas peculiaridades constitutivas advindas de seu proacuteprio mecanismo de
inscriccedilatildeo da imagem a instantaneidade o corte a conexatildeo fiacutesica com o referente A
chamada fotografia moderna se estabelece em duas frentes nas vanguardas europeacuteias e no
movimento chamado Photo Secession que ocorreu nos Estados Unidos8
A obra de Henri Cartier-Bresson eacute das mais importantes para a afirmaccedilatildeo da
fotografia por suas qualidades constitutivas Ele percebeu a potencialidade do aparato e o
foi um dos primeiros a usar uma cacircmera compacta de pequeno formato para sacar
instantes da realidade ainda na deacutecada de 1930 Com o tempo amadureceu uma filosofia
do chamado ―instante decisivo Para ele o fotoacutegrafo eacute como um flaneur que vaga pelo
mundo em busca daqueles raros momentos em que todos os elementos do enquadramento
se alinham em sua maacutexima expressatildeo dando agrave narrativa um potencial de siacutentese
A partir dessa reflexatildeo pode-se dizer que a fotografia audiovisual possibilita
transmitir ao espectador uma verossimilhanccedila com a realidade A anaacutelise da fotografia no
cinema se faz a partir do conhecimento dos elementos que a compotildee e suas variaccedilotildees
Assim cada elemento seraacute tratado separadamente para que seja possiacutevel uma melhor
explanaccedilatildeo de cada componente da fotografia audiovisual
25
21 Iluminaccedilatildeo
De acordo com Sousa (2004) eacute intuitivo afirmar que no momento em que se
ilumina um determinado objetopersonagem em detrimento de outros revela-se apenas
aquele que estaacute exposto agrave luz No entanto essa natildeo eacute a uacutenica contribuiccedilatildeo da iluminaccedilatildeo
para a construccedilatildeo de sentido a uma imagem Aleacutem disso eacute responsaacutevel por transmitir
noccedilotildees de profundidade e de relevo Segundo Roberts-Breslin (2009) eacute atraveacutes da
iluminaccedilatildeo que satildeo criados os padrotildees de luz e sombra que datildeo sentido ao nosso mundo
como tambeacutem o alto contraste do sol do meio-dia ou o baixo contraste monocromaacutetico
num dia chuvoso Aumont (2004) acrescenta que
A luz no cinema estaacute sempre ali e ateacute mesmo duplamente ali jaacute que a luz do
projetos ndash a luz depois do filme ndash serve para mostrar a luz registrada tal como
ela caiacutea sobre as coisas filmadas ndash a luz de antes do filme Haacute entre as duas uma
conivecircncia inextinguiacutevel jaacute reconhecida aqui mesmo em sua forma negativa ndash o
escuro - e que nutriu com frequecircncia a fantasia (em Murnau em Sternberg ou
Godard) de que uma natildeo eacute senatildeo a continuaccedilatildeo da outra por outros meios
Consequumlecircncia articulaccedilatildeo da diferenccedila a luz do quadro natildeo teve de ser
produzida realmente a do filme foi real Diferenccedila ontoloacutegica que se duplica em
outra infinitamente contingente poreacutem sensiacutevel a luz utilizada na produccedilatildeo do
filme eacute uma luz eleacutetrica seu aspecto eacute particular variaacutevel aliaacutes ao longo da
histoacuteria do cinema (AUMONT 2004 p 172)
As condiccedilotildees de iluminaccedilatildeo satildeo capazes de indicar a hora do dia a eacutepoca do ano e
a parte do planeta em que a imagem estaacute sendo reproduzida A luz ―empresta um tom a um
lugar ou experiecircncia ndash o brilho suave e romacircntico de uma vela as inesperadas e
desconhecidas sombras da noite a firme e escura melancolia do crepuacutesculo do inverno
ou seja possibilita a criaccedilatildeo de um determinado clima agrave cena (Breslin 2009 p87) Moura
afirma que
A fotografia em nada se diferencia da natureza Todas as luzes e efeitos estatildeo agrave
mostra para o olho educado Os efeitos dos filtros os contrastes das luzes as
densidades das cores tudo e todos estatildeo na natureza agrave vista de quem quiser ver
Se vocecirc prestar atenccedilatildeo ao tipo de luz que o sol gera saberaacute qual refletor de
quanto como e onde colocar Se vocecirc se abstrair do tamanho do sol e se
concentrar no efeito da sua luz poderaacute intuir a direccedilatildeo a natureza e a
intensidade da luz que vocecirc precisaraacute para ter o mesmo resultado Afinal de
contas o sol tem que iluminar a terra toda e noacutes soacute um pequeno estuacutedio As
diferenccedilas de tamanho satildeo irrelevantes para o raciociacutenio Para se chegar ao
pequeno partimos do grande Nada no pequeno mundo da fotografia inexiste no
vasto mundo de todos noacutes Talvez a uacutenica coisa que possamos criar e que jaacute natildeo
exista em escala maior e em melhor forma na natureza seja a escrita (MOURA
2001 p 20)
Breslin (2009 p88) acredita que a luz consiste na base da miacutedia visual pois
―tecnicamente a luz fornece a energia que nos permite reproduzir uma imagem
Esteticamente a luz junto com a composiccedilatildeo revela verdades e mentiras criando beleza e
26
feiura dentro do quadro Para Martin (2003 p 71) a iluminaccedilatildeo eacute o ―fator decisivo da
expressividade da imagem poreacutem sua importacircncia natildeo eacute percebida pelo espectador
devido ao fato de possibilitar a criaccedilatildeo de uma atmosferalsquo elemento este dificilmente
analisaacutevel
As sombras criadas com a iluminaccedilatildeo ―ajudam a transmitir profundidade clima e
lugar mas devem ser cuidadosamente controladas A iluminaccedilatildeo na verdade pode ser
definida como lanccedilar e controlar as sombrasrdquo (BRESLIN 2009 p95) Sendo assim a
luz possui vaacuterias caracteriacutesticas essenciais qualidade direccedilatildeosentido contraste
uniformidade cor e intensidade
Conforme Sousa (2004) a qualidade da luz refere-se principalmente ao tipo de
sombra que um objeto iluminado produz seja ela dura e definida ou suave a gradual
Breslin (2009) confirma tal classificaccedilatildeo ao dizer que
A qualidade de uma fonte de luz tem a ver com o modo como as ondas
percorrem o espaccedilo Se elas o fazem em linha reta a partir da fonte ateacute iluminar
o objeto satildeo refletidas de volta para a lente de um olho ou cacircmera em linhas
similarmente retas Isso produz luz dura direta ou localizada A energia
luminosa cobre uma aacuterea relativamente pequena mas manteacutem a intensidade ou
brilho maacuteximos A luz direta enfatiza a textura (BRESLIN 2009 p92)
A autora acrescenta que a luz que atinge um objeto pode ser dura ao produzir
sombras nitidamente definidas e partes mais claras distintas Jaacute quando produz partes
claras e sombras sutis e com uma borda menos definida ela eacute classificada como uma luz
suave Assim a luz comeccedila direta mas suas ondas podem desviar ou refletir de uma a
outra superfiacutecie ateacute que encontram o seu caminho para a lente Dependendo do caminho
percorrido se ―produz luz suave difusa ou lavada Uma fonte de luz difusa cobriraacute uma
aacuterea grande mas eacute menos intensa ou brilhante do que a mesma quantidade inicial de luz
direta na mesma distacircncia do objeto (BRESLIN 2009 p93)
Salles (2006) ressalta que ao iluminar artificialmente uma cena qualquer os planos
de composiccedilatildeo de luz desta cena devem ser cuidadosamente elaborados a fim de que a
fotografia do filme esteja em harmonia esteacutetica com o roteiro e sua proposta
22 Cor
Durante praticamente quarenta anos o cinema se manteve em preto e branco
Qualidade natural dos seres e objetos a cor possibilita maior realismo nas obras fiacutelmicas
pois aumenta a veracidade da imagem
27
Sendo assim a partir de um trabalho manual dos teacutecnicos que coloriam os filmes agrave
matildeo ou com o auxiacutelio de paletas eacute que se tornou possiacutevel colocar cor nas telas mediante
muito trabalho Experiecircncias foram realizadas e tomou-se conhecimento de uma nova
teacutecnica os chamados ―banhos onde a peliacutecula era tingida com cores uniformes com o
intuito de atribuir tanto realismo quanto simbolismo Basicamente era usado azul para
designar a noite e amarelo para as cenas de interiores agrave noite enquanto que para
simbolizar os incecircndios e as revoluccedilotildees optava-se pelo vermelho e para as matas e
paisagens a cor verde (MARTIN 2003) A bicromia e a tricomia comeccedilaram a serem
utilizadas em meados dos anos 30 No entanto eacute apenas na metade dos anos 50 que a cor
passou a ser usada de forma generalizada
Natildeo se pode negar que a cor possui um papel fundamental na composiccedilatildeo da
fotografia cinematograacutefica A partir de sua utilizaccedilatildeo torna-se possiacutevel representar a
realidade com mais perfeiccedilatildeo e precisatildeo Aumont (2003 p63) acrescenta que ―apesar da
especificidade da cor no cinema o modelo criacutetico e esteacutetico foi quase sempre a pintura
Esta circulou enormemente no imaginaacuterio fiacutelmico em trecircs grandes formas a
ficcionalizaccedilatildeo a imitaccedilatildeo e a anaacutelise sendo a base para as futuras produccedilotildees
audiovisuais Contudo o autor ressalta que
a ausecircncia de leis gerais e verificaacuteveis explica a ausecircncia quase total de reflexatildeo
teoacuterica sobre a cor na imagem em movimento As uacutenicas consideraccedilotildees agraves
vezes propostas no tocante ao valor simboacutelico ou expressivo da cor (o vermelho
como siacutembolo de guerra ou de paixatildeo o azul bem como o azul-celeste para a
paz o violeta associado agrave lamentaccedilatildeo funeraacuteria etc) Como tais valores satildeo bem
variaacuteveis conforme as culturas e as eacutepocas Eacute difiacutecil fazer uma teoria deles e a
esteacutetica da cor no cinema confunde-se praticamente com a constataccedilatildeo de
estilos pessoais ou de efeitos de gecircnero (AUMONT 2003 p63)
Ainda em relaccedilatildeo ao uso das cores fala-se em harmonia e contraste cromaacutetico A
harmonia ocorre quando em uma imagem existem cores proacuteximas (laranja amarelo
torrado amarelo e vermelho) Jaacute ao mencionar contraste cromaacutetico se refere quando na
imagem existem cores contrastantes (azul vs Vermelho amarelo vs Violeta por
exemplo) Contudo Sousa (2004) revela outras maneiras de evidenciar contraste
cromaacutetico (a) contraste de cores fortes com cores neutras (por exemplo vermelho vivo vs
cinzento claro) (b) complementaccedilatildeo entre cores claras e cores escuras (por exemplo o
amarelo-limatildeo faz o azul marinho parecer mais escuro) (c) contraste entre tons intensos
da mesma cor (o vermelho carregado contrasta com o vermelho claro)
Sousa (2004) acrescenta que eacute possiacutevel expressar quietude e tranquumlilidade ao
recorrer agrave harmonia cromaacutetica de cores quentes suaves como o castanho-terra suave e o
28
amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada
diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis
Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de
ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem
teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas
especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade
Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores
satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada
espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos
valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem
23 Enquadramentos
O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que
determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo
que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores
O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada
Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira
como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave
objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela
Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos
teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos
notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena
mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar
mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico
Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o
tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos
objetos que constituem a cena
Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees
possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de
detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar
Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma
29
―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para
a tela
231 Planos
O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre
dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no
qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute
determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da
objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da
narrativa que se pretende obter
Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada
autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute
possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos
planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o
observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta
planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os
intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro
plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens
plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por
exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA
(2004 p67-68)
A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano
Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade
fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte
1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro
2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos
joelhos para cima ou da cintura para cima
3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um
pouco abaixo
4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima
5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator
6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na
altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas
30
232 Acircngulos de Filmagem
De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto
que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir
um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo
superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto
que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade
No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de
baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de
superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e
do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do
personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele
em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador
233 Movimentos de Cacircmera
Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por
Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da
ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental
de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a
descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou
uma personagem
Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de
cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o
deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem
constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A
panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio
eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a
trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com
o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural
Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou
complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir
de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um
―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena
31
3 O cinema de autor
No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria
recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas
produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo
(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na
tela diferentes percepccedilotildees diante da trama
Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de
vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de
variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao
participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim
conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro
Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista
produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete
instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs
Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo
No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)
juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores
(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os
produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do
filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas
No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith
4
Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico
2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do
cinema mudo
3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano
um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas
4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de
Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o
movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o
filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)
5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro
de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia
de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou
em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia
32
devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e
dirigindo na publicidade de seus filmes
Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica
quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na
―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do
existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do
autor
Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-
sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e
substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a
atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando
que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo
metafiacutesicas (STAM 2003 p111)
Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo
que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi
responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou
a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras
refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica
abordando o ato de fazer e assistir a um filme
Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita
sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de
determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a
mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais
cineastas
Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers
Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica
Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes
que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar
conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as
filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios
seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma
simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)
Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do
Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os
grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas
6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem
como no sete de filmagem
33
como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o
suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e
o puacuteblico como seu divertimento
Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no
cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes
nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees
inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo
autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de
caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor
(COVALESKI 2009 p83)
Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o
contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa
eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a
obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma
noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a
outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI
2009 p 84)
Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute
responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo
do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute
responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas
necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo
com Bernardet
Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua
maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um
filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que
preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em
perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)
O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem
traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na
direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas
optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas
uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na
direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta
34
Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora
diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior
originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade
crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais
Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de
autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para
Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do
discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia
Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e
situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi
apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser
considerado como tal
O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica
com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra
determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem
defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos
paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor
Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja
autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de
1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e
Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de
presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de
suas matildeos
Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo
(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do
curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos
experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar
Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo
Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se
tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila
Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras
produtoras independentes do paiacutes
No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute
que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal
35
Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam
de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que
Meirelles considera ter feito em sua vida
No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas
publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos
que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar
notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar
e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas
da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para
natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar
em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade
Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a
produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando
Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2
Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no
mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios
internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca
de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio
Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede
Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura
completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um
departamento juriacutedico aacutegil
Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme
foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes
selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival
Internacional de Rotterdam
O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de
20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores
no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais
Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo
internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores
filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro
indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o
filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta
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Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado
como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no
manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a
pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo
sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No
entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional
Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao
levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner
o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na
categoria de Melhor Diretor
Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando
Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do
romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O
filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14
de maio de 2008
37
4 Metodologia
A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando
compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria
nos filmes de Fernando Meirelles
Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave
argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise
detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades
sociais
Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo
aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de
entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira
indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o
caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como
objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro
Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra
selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes
representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a
esteacutetica publicitaacuteria
Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que
seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem
fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de
expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica
Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do
conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia
e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise
a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e
organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir
das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)
interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em
funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo
Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise
fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra
que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da
38
linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa
fiacutelmica
Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo
1 Preacute-anaacutelise
a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor
enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)
2 Descriccedilatildeo Analiacutetica
a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos
3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando
em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes
Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute
necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo
haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica
efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo
pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando
necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que
considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde
que natildeo descarte as antecedentes
39
5 Anaacutelises
Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica
publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel
a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica
descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo
estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a
narrativa de cada um dos filmes
Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de
Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)
51 Domeacutesticas
Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas
40
Sinopse
Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de
Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada
Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa
sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar
de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute
Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida
Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com
um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por
missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a
mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que
satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se
estivessem dando uma espeacutecie de depoimento
Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas
aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de
emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o
outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das
domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo
Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo
encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas
por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do
plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave
novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um
sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da
profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento
cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes
publicitaacuterios
41
Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas
(Plano aberto e plano conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas
com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal
Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos
lateralizados
A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em
plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo
pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee
possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem
disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco
conotando mais tristeza agrave cena
Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e
cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como
acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute
limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera
tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no
estacionamento do preacutedio
Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em
que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a
personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o
deslocamento da personagem daquele mundo
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Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas
(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de
serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves
tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas
com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)
Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em
um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um
domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao
casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte
observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre
sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o
responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua
profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela
As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena
No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo
agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute
43
devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de
nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude
alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade
sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento
Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as
personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo
O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo
vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das
diversas dificuldades no seu dia-a-dia
O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano
meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em
meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave
criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)
isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo
dos exageros
Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna
da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores
quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde
44
e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila
dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme
Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas
52 Cidade de Deus
Sinopse
O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro
protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou
um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a
estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto
de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante
amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente
suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num
ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele
descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se
fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista
do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos
45
principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria
mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um
mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute
Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro
dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto
Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos
bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute
usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute
centralizada e em leve plongeacutee
Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no
46
comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo
frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas
casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e
suave
A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do
traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na
criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar
perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-
plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem
Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano
geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo
compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando
naturalidade
Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)
47
Iluminaccedilatildeo e cor
Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo
deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute
observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa
frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo
pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo
Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste
elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem
a funccedilatildeo de criar um visual expressivo
Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente
natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a
inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre
dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na
cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute
ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo
consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena
interna e provavelmente noturna
Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua
maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais
frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo
com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute
amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute
modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos
48
periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo
publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama
Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante
Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com
a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um
material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a
imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee
com armas em punho apontadas para os policiais
Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela
49
Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus
53 O Jardineiro Fiel
Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel
50
Sinopse
O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em
Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa
uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem
aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para
substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes
um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute
transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu
idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a
trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin
acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir
na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de
amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa
estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional
envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em
seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a
disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no
Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e
ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar
como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se
para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final
bastante diferente do que seria esperado
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a
imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia
de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio
em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao
lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar
para se proteger
Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem
Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em
51
plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades
azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um
embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em
plongeacutee e plano aberto em conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na
figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A
imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano
aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo
dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais
amenos frios
Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada
retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao
receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade
possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento
As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a
imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua
52
Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em
leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens
contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante
natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel
perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral
aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores
quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave
luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem
composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local
em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo
A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela
cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A
impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena
que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma
53
desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do
ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas
sim no seu proacuteprio lucro
Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de
ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir
contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis
por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele
seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com
movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma
arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite
suavidade e calor agrave cena
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel
(variaccedilatildeo entre suave e dura)
Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando
com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na
lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em
equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira
imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais
onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena
54
ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens
em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)
ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem
possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua
composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)
como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel
54 Ensaio sobre a Cegueira
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira
55
Sinopse
O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que
atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas
passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no
tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados
em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a
lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a
uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que
juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute
baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com
o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de
cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo
manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O
enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para
a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e
branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria
compotildee as cenas da trama
Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento
panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da
trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade
esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o
motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa
ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais
Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o
motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo
adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de
quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia
56
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
57
Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
58
A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
59
do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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2003
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XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e
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ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
17
O pensamento audiovisual contemporacircneo constata essa hibridizaccedilatildeo essa
convergecircncia de elementos responsaacuteveis por uma mudanccedila de conduta Deste modo
Dubois (2004 p25) ressalta a existecircncia do imaginaacuterio cinematograacutefico presente em
todos os lugares e impregnado ―ateacute em nossa maneira de falar ou de ser Quem ao
percorrer de carro um longo trajeto numa vasta paisagem aberta natildeo pensou com a ajuda
da muacutesica no raacutedio numa figura de travelling mergulhando na tela panoracircmica de seu
paacutera-brisa
Em relaccedilatildeo agrave esteacutetica publicitaacuteria Carvalho (2003) ressalta uma possiacutevel ―morte
do cinema Vaacuterios criacuteticos apostam nessa ―morte diante do uso de recursos estiliacutesticos
que estariam se sobressaindo na concepccedilatildeo criadora do filme em contraposiccedilatildeo ao
realismo bem como da evoluccedilatildeo da teacutecnica que distancia o cinema de sua perspectiva
fotograacutefica Resultando assim na valorizaccedilatildeo da imagem em detrimento da representaccedilatildeo
Contudo o autor ressalva que tal concepccedilatildeo de retrato da realidade aleacutem de
ultrapassada estaacute reformulada no estudo do ―espiacuterito humano de Leacutevi-Strauss Este
estudo baseia-se no posicionamento da seacutetima arte como uma visatildeo moderna do homem
diante da realidade a visatildeo em que a cacircmera capta a imagem e natildeo o objeto
Enquanto isso Merquior (1975) busca uma maneira de refletir e re-posicionar as
concepccedilotildees de Leacutevi-Strauss quanto agrave arte contemporacircnea
Em vez de vociferar sobre a verdade factuallsquo da morte da artelsquo conviria
colocar a problemaacutetica implicada por essas teses em relaccedilatildeo a uma das
tendecircncias mais fecundas do estruturalismo ndash sua vontade de ultrapassar as
anaacutelises estanques dos domiacutenios culturais (arte religiatildeo ciecircncia etc) de
encorajar a pesquisa de afinidades estruturais e funcionais entre esses camposlsquo
sem jamais esquecer que satildeo todos faces de uma mesma realidade o espiacuterito
humano (MERQUIOR 1975 p79)
Em seu texto A Dupla Heacutelice Raimond Bellour consegue ver logo no viacutedeo ndash base
da esteacutetica publicitaacuteria ndash e na tecnologia digital o resumo desta realidade emergente
O viacutedeo leva assim agrave sua perda essa capacidade de analogia dilatada agraves
dimensotildees do universo pela primeira vez os corpos e os objetos do mundo satildeo
virtualmente desfiguraacuteveis (e logo refiguraacuteveis) ao sabor de uma potecircncia que
transforma em tempo real ou quase natildeo diferido (e natildeo mais somente como no
cinema por uma lenta elaboraccedilatildeo cujas trucagens constituem o modelo) as
representaccedilotildees que capta seu olho mecacircnico Isso explica o fato de a viacutedeo-
imagem a caccedilula das imagens de reproduccedilatildeo poder aparecer simultaneamente
como uma nova imagem irredutiacutevel ao que a precede mas tambeacutem uma
imagem capaz de atrair de absorver de misturar todas as imagens anteriores
pintura fotografia cinema (BELLOUR Raimond in PARENTE 1993 p223)
18
Em funccedilatildeo disso a esteacutetica publicitaacuteria natildeo passaria apenas de um mero
abstracionismo imageacutetico do cinema mas sim a siacutentese de uma movimentaccedilatildeo esteacutetica que
atravessa todas as artes denominada Poacutes-modernidade Cultural Muito aleacutem de um
recurso estiliacutestico as imagens de ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus entre outros filmes
tachados como videoclipeiros ou publicitaacuterios refletem na representaccedilatildeo do olhar do
homem moderno Toda essa fundamentaccedilatildeo estaacute na fusatildeo da linguagem videograacutefica com
a fotograacutefica do cinema Ao inveacutes de ampliar a visatildeo da rapidez das coisas tenta-se
reduzir o que ocorre agrave nossa volta em conceitos voltado aos meios artiacutesticos
11 Interfaces cinema e publicidade
Com o intuito de construir um sentido proacuteprio para cada filme o cinema atua em
momentos esparsos e depende da disposiccedilatildeo do espectador para que a obra fiacutelmica seja
consumida Em contrapartida a televisatildeo oferece uma programaccedilatildeo diversificada sem
interrupccedilotildees 24h por dia Assim o espectador recebe informaccedilotildees se diverte com
seriados novelas e filmes sem sair de casa
Percebe-se que a origem do discurso nunca eacute autocircnoma mas sim dependente de
outros discursos em que buscou referecircncia Bliskstein (1994 p45) constata que
―suportado por toda uma intertextualidade o discurso natildeo eacute falado por uma uacutenica voz mas
por muitas vozes geradoras de muitos textos que se intercruzam no tempo e no espaccedilo
Na deacutecada de 60 Kristeva introduziu o termo intertextualidade como uma traduccedilatildeo
para ―dialogismo que se refere agrave relaccedilatildeo entre um enunciado e os demais enunciados De
acordo com Stam (2003) a intertextualidade eacute um conceito de valor na medida em que
possibilita relacionar o texto individual com as demais formas de representaccedilatildeo natildeo
somente com outros textos
Intertextualidade eacute vista por Fiorin (2002) como a forma de incorporar um texto em
outro aleacutem de ser polecircmica quando propotildee uma oposiccedilatildeo ao sentido do texto original ou
contratual quando o reforccedila e o enaltece Assim sendo a intertextualidade polecircmica eacute
conhecida como paroacutedia enquanto a intertextualidade contratual como paraacutefrase Aleacutem
disso classifica tambeacutem em
citaccedilatildeo (referecircncia literal a outro texto usando parte deste) alusatildeo (reproduccedilatildeo
de construccedilotildees sintaacuteticas substituindo algumas figuras do texto original por
outras) e estilizaccedilatildeo (reproduccedilatildeo do estilo de outrem no plano da expressatildeo ou
no do conteuacutedo) (FIORIN apud COVALESKI 2009 p 39)
19
A seguir uma abordagem mais detalhada de cada uma das relaccedilotildees intertextuais
entre o cinema e a publicidade televisual na visatildeo de Covaleski (2009)
a) citaccedilatildeo a publicidade desfruta desse recurso criativo com maestria Uma uacutenica
obra cinematograacutefica pode originar uma grande variaccedilatildeo de citaccedilotildees ancoradas
a uma mesma cena claacutessica evidentemente emblemaacutetica contundente o
bastante para se tornar perene no imaginaacuterio coletivo transpondo barreiras
culturais e temporais Pode-se citar como exemplo a cena emblemaacutetica em que
a atriz Marilyn Monroe tem sua saia levantada devido ao deslocamento de ar
durante a passagem do metrocirc no filme O Pecado Mora ao Lado (The Seven
Year Itch de Billy Wilder ndash 1955) Essa cena muito conhecida jaacute foi usada
diversas vezes e de diferentes formas pela publicidade Exemplo disso foi a
colocaccedilatildeo de uma saia ndash a la Marilyn ndash em garrafas de vodka da marca
Absolut
b) alusatildeo mais sutil que a citaccedilatildeo remete a uma obra anterior poreacutem sem fazer
uso de fragmentos dela Utiliza somente uma construccedilatildeo equivalente
substituindo determinadas figuras por outras A alusatildeo recorrente no cinema eacute
facilmente percebida em filmes que pertencem a um mesmo gecircnero
cinematograacutefico Na publicidade a intertextualidade com o cinema utilizando a
alusatildeo aparece em comerciais de anunciantes dos mais diferentes segmentos de
mercado bem como os filmes de onde saiacuteram as inspiraccedilotildees pertencem aos
mais diversos gecircneros O filme francecircs O Fabuloso Destino de Ameacutelie Poulain
(Le Fabuleux Destin drsquoAmeacutelie Poulain de Jean-Pierre Jeunet - 2001) eacute uma
obra com clara influecircncia da linguagem publicitaacuteria Muito disso se deve
devido agrave vivecircncia de Jeunet em meio agrave publicidade Eacute o caso deste trabalho jaacute
que Fernando Meirelles trabalhou com publicidade antes de seguir carreira no
cinema Um exemplo de alusatildeo a este filme se percebe na campanha do
automoacutevel Renault Sceacutenic ndash um anatildeo de jardim eacute sequumlestrado por um grupo de
amigos e aprova seu novo endereccedilo mandando uma carta agrave sua antiga dona
avisando que natildeo voltaraacute mais para casa Deste modo a campanha faz alusatildeo
ao argumento de liberdade explorado na obra francesa
c) estilizaccedilatildeo ato de reproduzir um conjunto de procedimentos de caracteriacutesticas
de formas e de conteuacutedos do discurso de outrem Eacute recorrer agrave estrutura seja no
20
plano da expressatildeo ou no do conteuacutedo produzindo um efeito de
personalizaccedilatildeo muito embora remeta a obra anterior independente de
estabelecer uma relaccedilatildeo polecircmica ou contratual com aquela A estilizaccedilatildeo
intertextual na publicidade com referencial cinematograacutefico eacute constante e
ultrapassa o uso apenas dos elementos de linguagem cinematograacutefica Alguns
filmes publicitaacuterios utilizam em suas produccedilotildees as teacutecnicas de trucagem1 se
aproveitam dos efeitos especiais e ateacute dos estilos lanccedilados pelo cinema Um
bom exemplo dessa estilizaccedilatildeo encontra-se em um comercial da Samsung que
se utilizada da mesma esteacutetica tecnoloacutegia e uso de efeitos especiais do filme
Matrix (The Matrix de Andy e Larry Wachowski - 1999)
No Brasil de acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber tambeacutem um
caminho oposto a esta intertextualidade Cada vez mais a publicidade interfere na atual
produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este papel de fonte de
referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem audiovisual nas
produccedilotildees contemporacircneas como eacute o caso dos filmes ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus
―O Jardineiro Fiel e ―Ensaio sobre a Cegueira de Fernando Meirelles
1 Trucagem A accedilatildeo de modificar imagens previamente filmadas ao vivo tanto em sua forma (cor e
tamanho) como na ordem de sua projeccedilatildeo (congelamento aceleraccedilatildeo inversatildeo) Satildeo possiacuteveis tambeacutem a
superposiccedilatildeo de letreiros a fusatildeo (teacutecnica de escurecer uma cena ao mesmo tempo em que outra vai
surgindo provocando a sobreposiccedilatildeo de uma sobre a outra) e outros efeitos especiais O equipamento
utilizado eacute a truca Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbrmidiaartequadroaquadro gt Acesso em 14
Jun 2010
21
2 A fotografia na esteacutetica audiovisual
A palavra fotografia vem do grego foacutes (luz) e grafis (estilo pincel) ou
grafecirc e significa desenhar com luz e contraste Natildeo eacute possiacutevel definir um uacutenico
inventor pois foram vaacuterios os responsaacuteveis pela sua origem Em 1826 o francecircs Joseph
Niceacutephore Nieacutepce teve sua imagem reconhecida como a primeira fotografia tal imagem
foi produzida mediante o uso de uma placa de estanho coberta com um derivado de
petroacuteleo fotossensiacutevel chamado Betume da Judeacuteia O processo de exposiccedilatildeo agrave luz solar
chamado de heliografia durava cerca de oito horas para que a imagem fosse obtida
Neste mesmo periacuteodo Louis Daguerre deu continuidade aos experimentos
fotograacuteficos de Joseph Niceacutephore Nieacutepce fato este que lhe concedeu uma descoberta
decisiva Em 1835 Daguerre apanhou uma placa revestida de prata sensibilizada com
iodeto de prata que apesar de exposta natildeo apresentava sequer vestiacutegios de imagem
guardou-a displicentemente em um armaacuterio e ao abri-lo no dia seguinte encontrou uma
imagem revelada Fez experiecircncias por eliminaccedilatildeo com os outros produtos que estavam
no armaacuterio para descobrir que a imagem latente tinha sido revelada por accedilatildeo do mercuacuterio
Logo apoacutes o falecimento de Niegravepce Daguerre desenvolveu um processo
conhecido como daguerreotipia no qual era possiacutevel reduzir o tempo de revelaccedilatildeo de
horas para minutos devido a utilizaccedilatildeo de vapor de mercuacuterio Daguerre descreveu seu
processo agrave Academia de Ciecircncias e Belas Artes na Franccedila e logo depois requereu a
patente do seu invento na Inglaterra Breslin possibilita um melhor entendido deste
processo
Os daguerreoacutetipos inventados em 1839 foram os primeiros dentre os processos
fotograacuteficos iniciais a se tornar comercialmente disponiacuteveis O processo utiliza
placas uacutemidas que satildeo placas de cobre cobertas por uma emulsatildeo fotossensiacutevel
agrave base de prata As placas eram reveladas em campo enquanto ainda uacutemidas
criando um negativo Os negativos entatildeo podiam ser trazidos de volta ao
estuacutedio onde um pedaccedilo de papel fotograacutefico era assentado sobre a emulsatildeo do
negativo e exposto ao sol A luz do sol expunha a impressatildeo que era fixada (isto
eacute estabilizada por uma processo quiacutemico) e lavada (BRESLIN 2009 p26)
Jaacute em 1839 o britacircnico William Fox Talbot ao tomar conhecimento dos avanccedilos
de Daguerre decidiu apressar a apresentaccedilatildeo de suas pesquisas com papeacuteis fotossensiacuteveis
agrave Royal Institution e agrave Royal Society com o intuito de garantir os direitos sobre suas
invenccedilotildees No entanto Talbot desenvolveu um processo diferente denominado caloacutetipo -
utilizava folhas de papel cobertas com cloreto de prata que posteriormente eram colocadas
22
em contato com outro papel produzindo assim a imagem positiva Trata-se de um
processo semelhante ao usado atualmente em que utiliza-se um negativo para a obtenccedilatildeo
posterior de imagens positivas
A fotografia entatildeo popularizou-se como produto de consumo a partir de 1888 com
a introduccedilatildeo da cacircmera tipo caixatildeo e pelo filme em rolos substituiacuteveis criados por
George Eastman Desde entatildeo o mercado fotograacutefico tem experimentado uma crescente
evoluccedilatildeo tecnoloacutegica como o estabelecimento do filme colorido como padratildeo e o foco
automaacutetico ou exposiccedilatildeo automaacutetica Essas inovaccedilotildees sem duacutevida facilitam a captaccedilatildeo da
imagem melhoram a qualidade de reproduccedilatildeo ou a rapidez do processamento mas muito
pouco foi alterado nos princiacutepios baacutesicos da fotografia
A grande mudanccedila recente produzida a partir do final do seacuteculo XX foi a
digitalizaccedilatildeo dos sistemas fotograacuteficos A fotografia digital mudou paradigmas no mundo
da fotografia minimizando custos reduzindo etapas acelerando processos e facilitando a
produccedilatildeo manipulaccedilatildeo armazenamento e transmissatildeo de imagens pelo mundo O
aperfeiccediloamento da tecnologia de reproduccedilatildeo de imagens digitais tem quebrado barreiras
de restriccedilatildeo em relaccedilatildeo a este sistema por setores que ainda prestigiam o tradicional filme
e assim irreversivelmente ampliando o domiacutenio da fotografia digital
Natildeo se pode esquecer de salientar que a partir de tais descobertas no ramo da
fotografia eacute que foi possiacutevel a invenccedilatildeo do cinema O instantacircneo a possibilidade de
congelar um instante no fluxo contiacutenuo dos acontecimentos soacute se torna possiacutevel de fato
com o advento da fotografia Sendo assim os estudos de Muybrigde referentes aos
instantacircneos sucessivos associada ao aparato do fuzil fotograacutefico de Marey iratildeo resultar na
invenccedilatildeo do cinema Sabe-se que o cinema confere agrave imagem uma continuidade aparente
pois na verdade trata-se de uma seacuterie de instantacircneos separados por intervalos poreacutem aos
sentidos ele se apresenta de forma lisa e fluida como a proacutepria natureza do movimento
Machado acrescenta que
O cinema mesmo o cinema stricto sensu ou seja o cinema que se constitui a
partir do cinematoacutegrafo de LeRoy Edison Paul Skladanwsky e dos Lumiegravere
natildeo era nos seus primoacuterdios o que hoje chamamos de cinema Ele reunia na
sua base de celuloacuteide vaacuterias modalidades de espetaacuteculos derivadas das formas
populares de cultura como circo o carnaval a magia e a prestidigitaccedilatildeo a
pantomima a feira de atraccedilotildees e aberraccedilotildees etc (MACHADO 1997 p 76)
No iniacutecio os filmes eram de curta duraccedilatildeo nos quais o puacuteblico era composto
basicamente de operaacuterios As exibiccedilotildees eram realizadas em grandes galpotildees durante o
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intervalo de serviccedilo do proletariado Machado (1997 p79) explica que o cinema era uma
em diversas atraccedilotildees oferecidas pelos vaudevilles pois ―natildeo se havia ainda desenvolvido
um conjunto de teacutecnicas e procedimentos de linguagem apropriados para a elaboraccedilatildeo de
uma narrativa visual que fosse suficientemente autocircnoma a ponto de poder se dispensar a
―explicaccedilatildeo de um apresentador
Atualmente pensa-se primeiramente em imagens forma-se um raciociacutenio a partir
de mosaicos audiovisuais que possibilitam um dado significado Tal modelo de
pensamento atraveacutes da imagem tecnoloacutegica deve-se ao conjunto de referecircncias
adquiridas
Assim sendo a fotografia possui papel fundamental na linguagem audiovisual
Sabe-se que a foi a partir da fotografia que se tornou possiacutevel agrave invenccedilatildeo do cinema
Dubois (2004) assegura que
Com a fotografia a maacutequina natildeo se contenta mais em preacute-ver ela inscreve
tambeacutem a imagem por meio das reaccedilotildees fotossensiacuteveis de certos materiais que
registram por si mesmos as aparecircncias sensiacuteveis geradas pela radiaccedilatildeo luminosa
A maacutequina intervecircm aqui portanto no coraccedilatildeo mesmo do processo de
constituiccedilatildeo da imagem que aparece assim como representaccedilatildeo quase
automaacuteticalsquo objetivalsquo sine manu factalsquo O gesto humano passa a ser mais um
gesto de conduccedilatildeo da maacutequina do que de figuraccedilatildeo direta (DUBOIS 2004
p38)
Em sua brilhante anaacutelise Barthes evidencia o fato de que a fotografia significa
muito mais uma ruptura do que uma continuidade em relaccedilatildeo agrave pintura Isso porque a
reaccedilatildeo quiacutemica dos sais de prata fotossensiacuteveis mediada pelo aparelho oacutetico que projeta a
imagem eacute colocada no centro do dispositivo de criaccedilatildeo da imagem deslocando o papel do
criador que antes que antes tinha que compor o instante representado a partir de instantes
distintos usando os coacutedigos da pintura para unificar a fatura e agora passava a poder
recortar um instante na sua proacutepria duraccedilatildeo com o uso da fotografia Dubois acrescenta
que tal uso
abandona o tempo crocircnico real evolutivo o tempo que passa como um rio
nosso tempo dos seres humanos inscritos na duraccedilatildeo para entrar em uma
temporalidade nova separada e simboacutelica a da foto temporalidade que tambeacutem
dura tatildeo infinita em princiacutepio quanto a primeira mas infinita na imobilidade
total congelada na interminaacutevel duraccedilatildeo das estaacutetuas (DUBOIS 1993 p168)
Com a invenccedilatildeo do instantacircneo fotograacutefico a pose a produccedilatildeo a composiccedilatildeo
elementos proacuteprios agrave linguagem da pintura figurativa satildeo subvertidas datildeo lugar tambeacutem
ao efecircmero ao flagrante agrave espontaneidade
Durante o seacuteculo XIX a fotografia buscou ancorar-se na esteacutetica proacutepria agrave pintura
para almejar sua entrada no panteatildeo das Belas-Artes em um movimento chamado pela
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historiografia de pictorialismo Como bem analisou Walter Benjamin em sua Pequena
Histoacuteria da Fotografia de 1931 esse movimento se revelou improdutivo jaacute que os
fotoacutegrafos buscavam encaixar-se nos mesmos padrotildees de valoraccedilatildeo esteacutetica que foram
subvertidos com a invenccedilatildeo da fotografia
O discurso sobre a fotografia no seacuteculo XIX ainda estaacute muito contaminado por
valores esteacuteticos que consideram a teacutecnica em oposiccedilatildeo agrave arte ou na melhor das hipoacuteteses
como uma mera serviccedilal da arte Mas a proacutepria invenccedilatildeo da fotografia primeira forma de
produzir imagens completamente mediada pela teacutecnica na qual o ―laacutepis da Natureza
(Talbot) age sozinho sem a ajuda da matildeo do homem estava subvertendo completamente
os valores vigentes instaurando uma estreita ligaccedilatildeo entre teacutecnica e arte
Trazer a teacutecnica para o primeiro plano eacute uma das transformaccedilotildees mais radicais que
a imagem fotograacutefica instaura no campo da produccedilatildeo de imagens Esse tipo de imagem
criada por um aparelho chamada por Vileacutem Flusser de ―imagem teacutecnica foi capaz de
superar oposiccedilotildees vazias entre arte e teacutecnica
Com a virada para o seacuteculo XX se inicia um movimento de valorizaccedilatildeo da
fotografia por suas peculiaridades constitutivas advindas de seu proacuteprio mecanismo de
inscriccedilatildeo da imagem a instantaneidade o corte a conexatildeo fiacutesica com o referente A
chamada fotografia moderna se estabelece em duas frentes nas vanguardas europeacuteias e no
movimento chamado Photo Secession que ocorreu nos Estados Unidos8
A obra de Henri Cartier-Bresson eacute das mais importantes para a afirmaccedilatildeo da
fotografia por suas qualidades constitutivas Ele percebeu a potencialidade do aparato e o
foi um dos primeiros a usar uma cacircmera compacta de pequeno formato para sacar
instantes da realidade ainda na deacutecada de 1930 Com o tempo amadureceu uma filosofia
do chamado ―instante decisivo Para ele o fotoacutegrafo eacute como um flaneur que vaga pelo
mundo em busca daqueles raros momentos em que todos os elementos do enquadramento
se alinham em sua maacutexima expressatildeo dando agrave narrativa um potencial de siacutentese
A partir dessa reflexatildeo pode-se dizer que a fotografia audiovisual possibilita
transmitir ao espectador uma verossimilhanccedila com a realidade A anaacutelise da fotografia no
cinema se faz a partir do conhecimento dos elementos que a compotildee e suas variaccedilotildees
Assim cada elemento seraacute tratado separadamente para que seja possiacutevel uma melhor
explanaccedilatildeo de cada componente da fotografia audiovisual
25
21 Iluminaccedilatildeo
De acordo com Sousa (2004) eacute intuitivo afirmar que no momento em que se
ilumina um determinado objetopersonagem em detrimento de outros revela-se apenas
aquele que estaacute exposto agrave luz No entanto essa natildeo eacute a uacutenica contribuiccedilatildeo da iluminaccedilatildeo
para a construccedilatildeo de sentido a uma imagem Aleacutem disso eacute responsaacutevel por transmitir
noccedilotildees de profundidade e de relevo Segundo Roberts-Breslin (2009) eacute atraveacutes da
iluminaccedilatildeo que satildeo criados os padrotildees de luz e sombra que datildeo sentido ao nosso mundo
como tambeacutem o alto contraste do sol do meio-dia ou o baixo contraste monocromaacutetico
num dia chuvoso Aumont (2004) acrescenta que
A luz no cinema estaacute sempre ali e ateacute mesmo duplamente ali jaacute que a luz do
projetos ndash a luz depois do filme ndash serve para mostrar a luz registrada tal como
ela caiacutea sobre as coisas filmadas ndash a luz de antes do filme Haacute entre as duas uma
conivecircncia inextinguiacutevel jaacute reconhecida aqui mesmo em sua forma negativa ndash o
escuro - e que nutriu com frequecircncia a fantasia (em Murnau em Sternberg ou
Godard) de que uma natildeo eacute senatildeo a continuaccedilatildeo da outra por outros meios
Consequumlecircncia articulaccedilatildeo da diferenccedila a luz do quadro natildeo teve de ser
produzida realmente a do filme foi real Diferenccedila ontoloacutegica que se duplica em
outra infinitamente contingente poreacutem sensiacutevel a luz utilizada na produccedilatildeo do
filme eacute uma luz eleacutetrica seu aspecto eacute particular variaacutevel aliaacutes ao longo da
histoacuteria do cinema (AUMONT 2004 p 172)
As condiccedilotildees de iluminaccedilatildeo satildeo capazes de indicar a hora do dia a eacutepoca do ano e
a parte do planeta em que a imagem estaacute sendo reproduzida A luz ―empresta um tom a um
lugar ou experiecircncia ndash o brilho suave e romacircntico de uma vela as inesperadas e
desconhecidas sombras da noite a firme e escura melancolia do crepuacutesculo do inverno
ou seja possibilita a criaccedilatildeo de um determinado clima agrave cena (Breslin 2009 p87) Moura
afirma que
A fotografia em nada se diferencia da natureza Todas as luzes e efeitos estatildeo agrave
mostra para o olho educado Os efeitos dos filtros os contrastes das luzes as
densidades das cores tudo e todos estatildeo na natureza agrave vista de quem quiser ver
Se vocecirc prestar atenccedilatildeo ao tipo de luz que o sol gera saberaacute qual refletor de
quanto como e onde colocar Se vocecirc se abstrair do tamanho do sol e se
concentrar no efeito da sua luz poderaacute intuir a direccedilatildeo a natureza e a
intensidade da luz que vocecirc precisaraacute para ter o mesmo resultado Afinal de
contas o sol tem que iluminar a terra toda e noacutes soacute um pequeno estuacutedio As
diferenccedilas de tamanho satildeo irrelevantes para o raciociacutenio Para se chegar ao
pequeno partimos do grande Nada no pequeno mundo da fotografia inexiste no
vasto mundo de todos noacutes Talvez a uacutenica coisa que possamos criar e que jaacute natildeo
exista em escala maior e em melhor forma na natureza seja a escrita (MOURA
2001 p 20)
Breslin (2009 p88) acredita que a luz consiste na base da miacutedia visual pois
―tecnicamente a luz fornece a energia que nos permite reproduzir uma imagem
Esteticamente a luz junto com a composiccedilatildeo revela verdades e mentiras criando beleza e
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feiura dentro do quadro Para Martin (2003 p 71) a iluminaccedilatildeo eacute o ―fator decisivo da
expressividade da imagem poreacutem sua importacircncia natildeo eacute percebida pelo espectador
devido ao fato de possibilitar a criaccedilatildeo de uma atmosferalsquo elemento este dificilmente
analisaacutevel
As sombras criadas com a iluminaccedilatildeo ―ajudam a transmitir profundidade clima e
lugar mas devem ser cuidadosamente controladas A iluminaccedilatildeo na verdade pode ser
definida como lanccedilar e controlar as sombrasrdquo (BRESLIN 2009 p95) Sendo assim a
luz possui vaacuterias caracteriacutesticas essenciais qualidade direccedilatildeosentido contraste
uniformidade cor e intensidade
Conforme Sousa (2004) a qualidade da luz refere-se principalmente ao tipo de
sombra que um objeto iluminado produz seja ela dura e definida ou suave a gradual
Breslin (2009) confirma tal classificaccedilatildeo ao dizer que
A qualidade de uma fonte de luz tem a ver com o modo como as ondas
percorrem o espaccedilo Se elas o fazem em linha reta a partir da fonte ateacute iluminar
o objeto satildeo refletidas de volta para a lente de um olho ou cacircmera em linhas
similarmente retas Isso produz luz dura direta ou localizada A energia
luminosa cobre uma aacuterea relativamente pequena mas manteacutem a intensidade ou
brilho maacuteximos A luz direta enfatiza a textura (BRESLIN 2009 p92)
A autora acrescenta que a luz que atinge um objeto pode ser dura ao produzir
sombras nitidamente definidas e partes mais claras distintas Jaacute quando produz partes
claras e sombras sutis e com uma borda menos definida ela eacute classificada como uma luz
suave Assim a luz comeccedila direta mas suas ondas podem desviar ou refletir de uma a
outra superfiacutecie ateacute que encontram o seu caminho para a lente Dependendo do caminho
percorrido se ―produz luz suave difusa ou lavada Uma fonte de luz difusa cobriraacute uma
aacuterea grande mas eacute menos intensa ou brilhante do que a mesma quantidade inicial de luz
direta na mesma distacircncia do objeto (BRESLIN 2009 p93)
Salles (2006) ressalta que ao iluminar artificialmente uma cena qualquer os planos
de composiccedilatildeo de luz desta cena devem ser cuidadosamente elaborados a fim de que a
fotografia do filme esteja em harmonia esteacutetica com o roteiro e sua proposta
22 Cor
Durante praticamente quarenta anos o cinema se manteve em preto e branco
Qualidade natural dos seres e objetos a cor possibilita maior realismo nas obras fiacutelmicas
pois aumenta a veracidade da imagem
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Sendo assim a partir de um trabalho manual dos teacutecnicos que coloriam os filmes agrave
matildeo ou com o auxiacutelio de paletas eacute que se tornou possiacutevel colocar cor nas telas mediante
muito trabalho Experiecircncias foram realizadas e tomou-se conhecimento de uma nova
teacutecnica os chamados ―banhos onde a peliacutecula era tingida com cores uniformes com o
intuito de atribuir tanto realismo quanto simbolismo Basicamente era usado azul para
designar a noite e amarelo para as cenas de interiores agrave noite enquanto que para
simbolizar os incecircndios e as revoluccedilotildees optava-se pelo vermelho e para as matas e
paisagens a cor verde (MARTIN 2003) A bicromia e a tricomia comeccedilaram a serem
utilizadas em meados dos anos 30 No entanto eacute apenas na metade dos anos 50 que a cor
passou a ser usada de forma generalizada
Natildeo se pode negar que a cor possui um papel fundamental na composiccedilatildeo da
fotografia cinematograacutefica A partir de sua utilizaccedilatildeo torna-se possiacutevel representar a
realidade com mais perfeiccedilatildeo e precisatildeo Aumont (2003 p63) acrescenta que ―apesar da
especificidade da cor no cinema o modelo criacutetico e esteacutetico foi quase sempre a pintura
Esta circulou enormemente no imaginaacuterio fiacutelmico em trecircs grandes formas a
ficcionalizaccedilatildeo a imitaccedilatildeo e a anaacutelise sendo a base para as futuras produccedilotildees
audiovisuais Contudo o autor ressalta que
a ausecircncia de leis gerais e verificaacuteveis explica a ausecircncia quase total de reflexatildeo
teoacuterica sobre a cor na imagem em movimento As uacutenicas consideraccedilotildees agraves
vezes propostas no tocante ao valor simboacutelico ou expressivo da cor (o vermelho
como siacutembolo de guerra ou de paixatildeo o azul bem como o azul-celeste para a
paz o violeta associado agrave lamentaccedilatildeo funeraacuteria etc) Como tais valores satildeo bem
variaacuteveis conforme as culturas e as eacutepocas Eacute difiacutecil fazer uma teoria deles e a
esteacutetica da cor no cinema confunde-se praticamente com a constataccedilatildeo de
estilos pessoais ou de efeitos de gecircnero (AUMONT 2003 p63)
Ainda em relaccedilatildeo ao uso das cores fala-se em harmonia e contraste cromaacutetico A
harmonia ocorre quando em uma imagem existem cores proacuteximas (laranja amarelo
torrado amarelo e vermelho) Jaacute ao mencionar contraste cromaacutetico se refere quando na
imagem existem cores contrastantes (azul vs Vermelho amarelo vs Violeta por
exemplo) Contudo Sousa (2004) revela outras maneiras de evidenciar contraste
cromaacutetico (a) contraste de cores fortes com cores neutras (por exemplo vermelho vivo vs
cinzento claro) (b) complementaccedilatildeo entre cores claras e cores escuras (por exemplo o
amarelo-limatildeo faz o azul marinho parecer mais escuro) (c) contraste entre tons intensos
da mesma cor (o vermelho carregado contrasta com o vermelho claro)
Sousa (2004) acrescenta que eacute possiacutevel expressar quietude e tranquumlilidade ao
recorrer agrave harmonia cromaacutetica de cores quentes suaves como o castanho-terra suave e o
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amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada
diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis
Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de
ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem
teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas
especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade
Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores
satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada
espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos
valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem
23 Enquadramentos
O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que
determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo
que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores
O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada
Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira
como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave
objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela
Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos
teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos
notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena
mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar
mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico
Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o
tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos
objetos que constituem a cena
Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees
possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de
detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar
Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma
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―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para
a tela
231 Planos
O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre
dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no
qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute
determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da
objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da
narrativa que se pretende obter
Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada
autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute
possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos
planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o
observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta
planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os
intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro
plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens
plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por
exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA
(2004 p67-68)
A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano
Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade
fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte
1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro
2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos
joelhos para cima ou da cintura para cima
3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um
pouco abaixo
4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima
5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator
6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na
altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas
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232 Acircngulos de Filmagem
De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto
que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir
um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo
superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto
que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade
No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de
baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de
superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e
do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do
personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele
em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador
233 Movimentos de Cacircmera
Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por
Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da
ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental
de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a
descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou
uma personagem
Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de
cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o
deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem
constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A
panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio
eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a
trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com
o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural
Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou
complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir
de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um
―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena
31
3 O cinema de autor
No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria
recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas
produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo
(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na
tela diferentes percepccedilotildees diante da trama
Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de
vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de
variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao
participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim
conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro
Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista
produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete
instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs
Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo
No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)
juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores
(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os
produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do
filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas
No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith
4
Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico
2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do
cinema mudo
3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano
um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas
4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de
Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o
movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o
filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)
5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro
de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia
de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou
em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia
32
devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e
dirigindo na publicidade de seus filmes
Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica
quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na
―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do
existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do
autor
Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-
sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e
substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a
atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando
que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo
metafiacutesicas (STAM 2003 p111)
Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo
que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi
responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou
a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras
refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica
abordando o ato de fazer e assistir a um filme
Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita
sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de
determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a
mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais
cineastas
Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers
Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica
Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes
que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar
conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as
filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios
seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma
simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)
Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do
Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os
grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas
6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem
como no sete de filmagem
33
como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o
suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e
o puacuteblico como seu divertimento
Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no
cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes
nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees
inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo
autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de
caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor
(COVALESKI 2009 p83)
Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o
contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa
eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a
obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma
noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a
outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI
2009 p 84)
Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute
responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo
do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute
responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas
necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo
com Bernardet
Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua
maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um
filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que
preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em
perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)
O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem
traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na
direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas
optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas
uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na
direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta
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Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora
diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior
originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade
crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais
Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de
autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para
Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do
discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia
Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e
situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi
apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser
considerado como tal
O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica
com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra
determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem
defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos
paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor
Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja
autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de
1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e
Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de
presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de
suas matildeos
Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo
(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do
curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos
experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar
Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo
Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se
tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila
Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras
produtoras independentes do paiacutes
No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute
que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal
35
Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam
de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que
Meirelles considera ter feito em sua vida
No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas
publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos
que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar
notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar
e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas
da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para
natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar
em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade
Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a
produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando
Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2
Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no
mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios
internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca
de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio
Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede
Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura
completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um
departamento juriacutedico aacutegil
Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme
foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes
selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival
Internacional de Rotterdam
O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de
20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores
no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais
Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo
internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores
filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro
indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o
filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta
36
Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado
como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no
manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a
pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo
sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No
entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional
Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao
levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner
o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na
categoria de Melhor Diretor
Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando
Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do
romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O
filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14
de maio de 2008
37
4 Metodologia
A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando
compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria
nos filmes de Fernando Meirelles
Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave
argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise
detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades
sociais
Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo
aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de
entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira
indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o
caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como
objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro
Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra
selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes
representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a
esteacutetica publicitaacuteria
Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que
seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem
fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de
expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica
Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do
conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia
e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise
a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e
organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir
das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)
interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em
funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo
Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise
fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra
que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da
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linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa
fiacutelmica
Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo
1 Preacute-anaacutelise
a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor
enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)
2 Descriccedilatildeo Analiacutetica
a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos
3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando
em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes
Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute
necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo
haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica
efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo
pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando
necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que
considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde
que natildeo descarte as antecedentes
39
5 Anaacutelises
Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica
publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel
a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica
descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo
estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a
narrativa de cada um dos filmes
Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de
Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)
51 Domeacutesticas
Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas
40
Sinopse
Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de
Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada
Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa
sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar
de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute
Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida
Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com
um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por
missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a
mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que
satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se
estivessem dando uma espeacutecie de depoimento
Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas
aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de
emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o
outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das
domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo
Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo
encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas
por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do
plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave
novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um
sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da
profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento
cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes
publicitaacuterios
41
Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas
(Plano aberto e plano conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas
com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal
Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos
lateralizados
A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em
plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo
pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee
possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem
disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco
conotando mais tristeza agrave cena
Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e
cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como
acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute
limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera
tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no
estacionamento do preacutedio
Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em
que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a
personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o
deslocamento da personagem daquele mundo
42
Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas
(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de
serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves
tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas
com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)
Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em
um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um
domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao
casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte
observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre
sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o
responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua
profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela
As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena
No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo
agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute
43
devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de
nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude
alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade
sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento
Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as
personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo
O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo
vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das
diversas dificuldades no seu dia-a-dia
O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano
meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em
meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave
criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)
isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo
dos exageros
Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna
da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores
quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde
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e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila
dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme
Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas
52 Cidade de Deus
Sinopse
O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro
protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou
um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a
estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto
de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante
amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente
suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num
ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele
descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se
fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista
do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos
45
principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria
mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um
mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute
Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro
dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto
Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos
bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute
usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute
centralizada e em leve plongeacutee
Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no
46
comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo
frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas
casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e
suave
A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do
traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na
criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar
perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-
plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem
Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano
geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo
compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando
naturalidade
Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)
47
Iluminaccedilatildeo e cor
Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo
deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute
observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa
frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo
pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo
Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste
elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem
a funccedilatildeo de criar um visual expressivo
Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente
natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a
inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre
dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na
cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute
ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo
consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena
interna e provavelmente noturna
Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua
maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais
frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo
com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute
amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute
modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos
48
periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo
publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama
Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante
Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com
a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um
material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a
imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee
com armas em punho apontadas para os policiais
Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela
49
Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus
53 O Jardineiro Fiel
Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel
50
Sinopse
O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em
Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa
uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem
aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para
substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes
um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute
transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu
idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a
trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin
acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir
na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de
amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa
estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional
envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em
seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a
disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no
Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e
ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar
como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se
para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final
bastante diferente do que seria esperado
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a
imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia
de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio
em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao
lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar
para se proteger
Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem
Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em
51
plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades
azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um
embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em
plongeacutee e plano aberto em conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na
figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A
imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano
aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo
dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais
amenos frios
Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada
retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao
receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade
possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento
As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a
imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua
52
Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em
leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens
contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante
natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel
perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral
aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores
quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave
luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem
composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local
em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo
A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela
cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A
impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena
que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma
53
desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do
ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas
sim no seu proacuteprio lucro
Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de
ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir
contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis
por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele
seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com
movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma
arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite
suavidade e calor agrave cena
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel
(variaccedilatildeo entre suave e dura)
Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando
com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na
lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em
equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira
imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais
onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena
54
ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens
em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)
ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem
possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua
composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)
como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel
54 Ensaio sobre a Cegueira
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira
55
Sinopse
O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que
atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas
passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no
tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados
em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a
lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a
uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que
juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute
baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com
o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de
cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo
manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O
enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para
a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e
branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria
compotildee as cenas da trama
Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento
panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da
trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade
esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o
motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa
ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais
Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o
motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo
adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de
quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia
56
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
57
Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
58
A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
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do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos
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XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e
Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003
65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
18
Em funccedilatildeo disso a esteacutetica publicitaacuteria natildeo passaria apenas de um mero
abstracionismo imageacutetico do cinema mas sim a siacutentese de uma movimentaccedilatildeo esteacutetica que
atravessa todas as artes denominada Poacutes-modernidade Cultural Muito aleacutem de um
recurso estiliacutestico as imagens de ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus entre outros filmes
tachados como videoclipeiros ou publicitaacuterios refletem na representaccedilatildeo do olhar do
homem moderno Toda essa fundamentaccedilatildeo estaacute na fusatildeo da linguagem videograacutefica com
a fotograacutefica do cinema Ao inveacutes de ampliar a visatildeo da rapidez das coisas tenta-se
reduzir o que ocorre agrave nossa volta em conceitos voltado aos meios artiacutesticos
11 Interfaces cinema e publicidade
Com o intuito de construir um sentido proacuteprio para cada filme o cinema atua em
momentos esparsos e depende da disposiccedilatildeo do espectador para que a obra fiacutelmica seja
consumida Em contrapartida a televisatildeo oferece uma programaccedilatildeo diversificada sem
interrupccedilotildees 24h por dia Assim o espectador recebe informaccedilotildees se diverte com
seriados novelas e filmes sem sair de casa
Percebe-se que a origem do discurso nunca eacute autocircnoma mas sim dependente de
outros discursos em que buscou referecircncia Bliskstein (1994 p45) constata que
―suportado por toda uma intertextualidade o discurso natildeo eacute falado por uma uacutenica voz mas
por muitas vozes geradoras de muitos textos que se intercruzam no tempo e no espaccedilo
Na deacutecada de 60 Kristeva introduziu o termo intertextualidade como uma traduccedilatildeo
para ―dialogismo que se refere agrave relaccedilatildeo entre um enunciado e os demais enunciados De
acordo com Stam (2003) a intertextualidade eacute um conceito de valor na medida em que
possibilita relacionar o texto individual com as demais formas de representaccedilatildeo natildeo
somente com outros textos
Intertextualidade eacute vista por Fiorin (2002) como a forma de incorporar um texto em
outro aleacutem de ser polecircmica quando propotildee uma oposiccedilatildeo ao sentido do texto original ou
contratual quando o reforccedila e o enaltece Assim sendo a intertextualidade polecircmica eacute
conhecida como paroacutedia enquanto a intertextualidade contratual como paraacutefrase Aleacutem
disso classifica tambeacutem em
citaccedilatildeo (referecircncia literal a outro texto usando parte deste) alusatildeo (reproduccedilatildeo
de construccedilotildees sintaacuteticas substituindo algumas figuras do texto original por
outras) e estilizaccedilatildeo (reproduccedilatildeo do estilo de outrem no plano da expressatildeo ou
no do conteuacutedo) (FIORIN apud COVALESKI 2009 p 39)
19
A seguir uma abordagem mais detalhada de cada uma das relaccedilotildees intertextuais
entre o cinema e a publicidade televisual na visatildeo de Covaleski (2009)
a) citaccedilatildeo a publicidade desfruta desse recurso criativo com maestria Uma uacutenica
obra cinematograacutefica pode originar uma grande variaccedilatildeo de citaccedilotildees ancoradas
a uma mesma cena claacutessica evidentemente emblemaacutetica contundente o
bastante para se tornar perene no imaginaacuterio coletivo transpondo barreiras
culturais e temporais Pode-se citar como exemplo a cena emblemaacutetica em que
a atriz Marilyn Monroe tem sua saia levantada devido ao deslocamento de ar
durante a passagem do metrocirc no filme O Pecado Mora ao Lado (The Seven
Year Itch de Billy Wilder ndash 1955) Essa cena muito conhecida jaacute foi usada
diversas vezes e de diferentes formas pela publicidade Exemplo disso foi a
colocaccedilatildeo de uma saia ndash a la Marilyn ndash em garrafas de vodka da marca
Absolut
b) alusatildeo mais sutil que a citaccedilatildeo remete a uma obra anterior poreacutem sem fazer
uso de fragmentos dela Utiliza somente uma construccedilatildeo equivalente
substituindo determinadas figuras por outras A alusatildeo recorrente no cinema eacute
facilmente percebida em filmes que pertencem a um mesmo gecircnero
cinematograacutefico Na publicidade a intertextualidade com o cinema utilizando a
alusatildeo aparece em comerciais de anunciantes dos mais diferentes segmentos de
mercado bem como os filmes de onde saiacuteram as inspiraccedilotildees pertencem aos
mais diversos gecircneros O filme francecircs O Fabuloso Destino de Ameacutelie Poulain
(Le Fabuleux Destin drsquoAmeacutelie Poulain de Jean-Pierre Jeunet - 2001) eacute uma
obra com clara influecircncia da linguagem publicitaacuteria Muito disso se deve
devido agrave vivecircncia de Jeunet em meio agrave publicidade Eacute o caso deste trabalho jaacute
que Fernando Meirelles trabalhou com publicidade antes de seguir carreira no
cinema Um exemplo de alusatildeo a este filme se percebe na campanha do
automoacutevel Renault Sceacutenic ndash um anatildeo de jardim eacute sequumlestrado por um grupo de
amigos e aprova seu novo endereccedilo mandando uma carta agrave sua antiga dona
avisando que natildeo voltaraacute mais para casa Deste modo a campanha faz alusatildeo
ao argumento de liberdade explorado na obra francesa
c) estilizaccedilatildeo ato de reproduzir um conjunto de procedimentos de caracteriacutesticas
de formas e de conteuacutedos do discurso de outrem Eacute recorrer agrave estrutura seja no
20
plano da expressatildeo ou no do conteuacutedo produzindo um efeito de
personalizaccedilatildeo muito embora remeta a obra anterior independente de
estabelecer uma relaccedilatildeo polecircmica ou contratual com aquela A estilizaccedilatildeo
intertextual na publicidade com referencial cinematograacutefico eacute constante e
ultrapassa o uso apenas dos elementos de linguagem cinematograacutefica Alguns
filmes publicitaacuterios utilizam em suas produccedilotildees as teacutecnicas de trucagem1 se
aproveitam dos efeitos especiais e ateacute dos estilos lanccedilados pelo cinema Um
bom exemplo dessa estilizaccedilatildeo encontra-se em um comercial da Samsung que
se utilizada da mesma esteacutetica tecnoloacutegia e uso de efeitos especiais do filme
Matrix (The Matrix de Andy e Larry Wachowski - 1999)
No Brasil de acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber tambeacutem um
caminho oposto a esta intertextualidade Cada vez mais a publicidade interfere na atual
produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este papel de fonte de
referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem audiovisual nas
produccedilotildees contemporacircneas como eacute o caso dos filmes ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus
―O Jardineiro Fiel e ―Ensaio sobre a Cegueira de Fernando Meirelles
1 Trucagem A accedilatildeo de modificar imagens previamente filmadas ao vivo tanto em sua forma (cor e
tamanho) como na ordem de sua projeccedilatildeo (congelamento aceleraccedilatildeo inversatildeo) Satildeo possiacuteveis tambeacutem a
superposiccedilatildeo de letreiros a fusatildeo (teacutecnica de escurecer uma cena ao mesmo tempo em que outra vai
surgindo provocando a sobreposiccedilatildeo de uma sobre a outra) e outros efeitos especiais O equipamento
utilizado eacute a truca Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbrmidiaartequadroaquadro gt Acesso em 14
Jun 2010
21
2 A fotografia na esteacutetica audiovisual
A palavra fotografia vem do grego foacutes (luz) e grafis (estilo pincel) ou
grafecirc e significa desenhar com luz e contraste Natildeo eacute possiacutevel definir um uacutenico
inventor pois foram vaacuterios os responsaacuteveis pela sua origem Em 1826 o francecircs Joseph
Niceacutephore Nieacutepce teve sua imagem reconhecida como a primeira fotografia tal imagem
foi produzida mediante o uso de uma placa de estanho coberta com um derivado de
petroacuteleo fotossensiacutevel chamado Betume da Judeacuteia O processo de exposiccedilatildeo agrave luz solar
chamado de heliografia durava cerca de oito horas para que a imagem fosse obtida
Neste mesmo periacuteodo Louis Daguerre deu continuidade aos experimentos
fotograacuteficos de Joseph Niceacutephore Nieacutepce fato este que lhe concedeu uma descoberta
decisiva Em 1835 Daguerre apanhou uma placa revestida de prata sensibilizada com
iodeto de prata que apesar de exposta natildeo apresentava sequer vestiacutegios de imagem
guardou-a displicentemente em um armaacuterio e ao abri-lo no dia seguinte encontrou uma
imagem revelada Fez experiecircncias por eliminaccedilatildeo com os outros produtos que estavam
no armaacuterio para descobrir que a imagem latente tinha sido revelada por accedilatildeo do mercuacuterio
Logo apoacutes o falecimento de Niegravepce Daguerre desenvolveu um processo
conhecido como daguerreotipia no qual era possiacutevel reduzir o tempo de revelaccedilatildeo de
horas para minutos devido a utilizaccedilatildeo de vapor de mercuacuterio Daguerre descreveu seu
processo agrave Academia de Ciecircncias e Belas Artes na Franccedila e logo depois requereu a
patente do seu invento na Inglaterra Breslin possibilita um melhor entendido deste
processo
Os daguerreoacutetipos inventados em 1839 foram os primeiros dentre os processos
fotograacuteficos iniciais a se tornar comercialmente disponiacuteveis O processo utiliza
placas uacutemidas que satildeo placas de cobre cobertas por uma emulsatildeo fotossensiacutevel
agrave base de prata As placas eram reveladas em campo enquanto ainda uacutemidas
criando um negativo Os negativos entatildeo podiam ser trazidos de volta ao
estuacutedio onde um pedaccedilo de papel fotograacutefico era assentado sobre a emulsatildeo do
negativo e exposto ao sol A luz do sol expunha a impressatildeo que era fixada (isto
eacute estabilizada por uma processo quiacutemico) e lavada (BRESLIN 2009 p26)
Jaacute em 1839 o britacircnico William Fox Talbot ao tomar conhecimento dos avanccedilos
de Daguerre decidiu apressar a apresentaccedilatildeo de suas pesquisas com papeacuteis fotossensiacuteveis
agrave Royal Institution e agrave Royal Society com o intuito de garantir os direitos sobre suas
invenccedilotildees No entanto Talbot desenvolveu um processo diferente denominado caloacutetipo -
utilizava folhas de papel cobertas com cloreto de prata que posteriormente eram colocadas
22
em contato com outro papel produzindo assim a imagem positiva Trata-se de um
processo semelhante ao usado atualmente em que utiliza-se um negativo para a obtenccedilatildeo
posterior de imagens positivas
A fotografia entatildeo popularizou-se como produto de consumo a partir de 1888 com
a introduccedilatildeo da cacircmera tipo caixatildeo e pelo filme em rolos substituiacuteveis criados por
George Eastman Desde entatildeo o mercado fotograacutefico tem experimentado uma crescente
evoluccedilatildeo tecnoloacutegica como o estabelecimento do filme colorido como padratildeo e o foco
automaacutetico ou exposiccedilatildeo automaacutetica Essas inovaccedilotildees sem duacutevida facilitam a captaccedilatildeo da
imagem melhoram a qualidade de reproduccedilatildeo ou a rapidez do processamento mas muito
pouco foi alterado nos princiacutepios baacutesicos da fotografia
A grande mudanccedila recente produzida a partir do final do seacuteculo XX foi a
digitalizaccedilatildeo dos sistemas fotograacuteficos A fotografia digital mudou paradigmas no mundo
da fotografia minimizando custos reduzindo etapas acelerando processos e facilitando a
produccedilatildeo manipulaccedilatildeo armazenamento e transmissatildeo de imagens pelo mundo O
aperfeiccediloamento da tecnologia de reproduccedilatildeo de imagens digitais tem quebrado barreiras
de restriccedilatildeo em relaccedilatildeo a este sistema por setores que ainda prestigiam o tradicional filme
e assim irreversivelmente ampliando o domiacutenio da fotografia digital
Natildeo se pode esquecer de salientar que a partir de tais descobertas no ramo da
fotografia eacute que foi possiacutevel a invenccedilatildeo do cinema O instantacircneo a possibilidade de
congelar um instante no fluxo contiacutenuo dos acontecimentos soacute se torna possiacutevel de fato
com o advento da fotografia Sendo assim os estudos de Muybrigde referentes aos
instantacircneos sucessivos associada ao aparato do fuzil fotograacutefico de Marey iratildeo resultar na
invenccedilatildeo do cinema Sabe-se que o cinema confere agrave imagem uma continuidade aparente
pois na verdade trata-se de uma seacuterie de instantacircneos separados por intervalos poreacutem aos
sentidos ele se apresenta de forma lisa e fluida como a proacutepria natureza do movimento
Machado acrescenta que
O cinema mesmo o cinema stricto sensu ou seja o cinema que se constitui a
partir do cinematoacutegrafo de LeRoy Edison Paul Skladanwsky e dos Lumiegravere
natildeo era nos seus primoacuterdios o que hoje chamamos de cinema Ele reunia na
sua base de celuloacuteide vaacuterias modalidades de espetaacuteculos derivadas das formas
populares de cultura como circo o carnaval a magia e a prestidigitaccedilatildeo a
pantomima a feira de atraccedilotildees e aberraccedilotildees etc (MACHADO 1997 p 76)
No iniacutecio os filmes eram de curta duraccedilatildeo nos quais o puacuteblico era composto
basicamente de operaacuterios As exibiccedilotildees eram realizadas em grandes galpotildees durante o
23
intervalo de serviccedilo do proletariado Machado (1997 p79) explica que o cinema era uma
em diversas atraccedilotildees oferecidas pelos vaudevilles pois ―natildeo se havia ainda desenvolvido
um conjunto de teacutecnicas e procedimentos de linguagem apropriados para a elaboraccedilatildeo de
uma narrativa visual que fosse suficientemente autocircnoma a ponto de poder se dispensar a
―explicaccedilatildeo de um apresentador
Atualmente pensa-se primeiramente em imagens forma-se um raciociacutenio a partir
de mosaicos audiovisuais que possibilitam um dado significado Tal modelo de
pensamento atraveacutes da imagem tecnoloacutegica deve-se ao conjunto de referecircncias
adquiridas
Assim sendo a fotografia possui papel fundamental na linguagem audiovisual
Sabe-se que a foi a partir da fotografia que se tornou possiacutevel agrave invenccedilatildeo do cinema
Dubois (2004) assegura que
Com a fotografia a maacutequina natildeo se contenta mais em preacute-ver ela inscreve
tambeacutem a imagem por meio das reaccedilotildees fotossensiacuteveis de certos materiais que
registram por si mesmos as aparecircncias sensiacuteveis geradas pela radiaccedilatildeo luminosa
A maacutequina intervecircm aqui portanto no coraccedilatildeo mesmo do processo de
constituiccedilatildeo da imagem que aparece assim como representaccedilatildeo quase
automaacuteticalsquo objetivalsquo sine manu factalsquo O gesto humano passa a ser mais um
gesto de conduccedilatildeo da maacutequina do que de figuraccedilatildeo direta (DUBOIS 2004
p38)
Em sua brilhante anaacutelise Barthes evidencia o fato de que a fotografia significa
muito mais uma ruptura do que uma continuidade em relaccedilatildeo agrave pintura Isso porque a
reaccedilatildeo quiacutemica dos sais de prata fotossensiacuteveis mediada pelo aparelho oacutetico que projeta a
imagem eacute colocada no centro do dispositivo de criaccedilatildeo da imagem deslocando o papel do
criador que antes que antes tinha que compor o instante representado a partir de instantes
distintos usando os coacutedigos da pintura para unificar a fatura e agora passava a poder
recortar um instante na sua proacutepria duraccedilatildeo com o uso da fotografia Dubois acrescenta
que tal uso
abandona o tempo crocircnico real evolutivo o tempo que passa como um rio
nosso tempo dos seres humanos inscritos na duraccedilatildeo para entrar em uma
temporalidade nova separada e simboacutelica a da foto temporalidade que tambeacutem
dura tatildeo infinita em princiacutepio quanto a primeira mas infinita na imobilidade
total congelada na interminaacutevel duraccedilatildeo das estaacutetuas (DUBOIS 1993 p168)
Com a invenccedilatildeo do instantacircneo fotograacutefico a pose a produccedilatildeo a composiccedilatildeo
elementos proacuteprios agrave linguagem da pintura figurativa satildeo subvertidas datildeo lugar tambeacutem
ao efecircmero ao flagrante agrave espontaneidade
Durante o seacuteculo XIX a fotografia buscou ancorar-se na esteacutetica proacutepria agrave pintura
para almejar sua entrada no panteatildeo das Belas-Artes em um movimento chamado pela
24
historiografia de pictorialismo Como bem analisou Walter Benjamin em sua Pequena
Histoacuteria da Fotografia de 1931 esse movimento se revelou improdutivo jaacute que os
fotoacutegrafos buscavam encaixar-se nos mesmos padrotildees de valoraccedilatildeo esteacutetica que foram
subvertidos com a invenccedilatildeo da fotografia
O discurso sobre a fotografia no seacuteculo XIX ainda estaacute muito contaminado por
valores esteacuteticos que consideram a teacutecnica em oposiccedilatildeo agrave arte ou na melhor das hipoacuteteses
como uma mera serviccedilal da arte Mas a proacutepria invenccedilatildeo da fotografia primeira forma de
produzir imagens completamente mediada pela teacutecnica na qual o ―laacutepis da Natureza
(Talbot) age sozinho sem a ajuda da matildeo do homem estava subvertendo completamente
os valores vigentes instaurando uma estreita ligaccedilatildeo entre teacutecnica e arte
Trazer a teacutecnica para o primeiro plano eacute uma das transformaccedilotildees mais radicais que
a imagem fotograacutefica instaura no campo da produccedilatildeo de imagens Esse tipo de imagem
criada por um aparelho chamada por Vileacutem Flusser de ―imagem teacutecnica foi capaz de
superar oposiccedilotildees vazias entre arte e teacutecnica
Com a virada para o seacuteculo XX se inicia um movimento de valorizaccedilatildeo da
fotografia por suas peculiaridades constitutivas advindas de seu proacuteprio mecanismo de
inscriccedilatildeo da imagem a instantaneidade o corte a conexatildeo fiacutesica com o referente A
chamada fotografia moderna se estabelece em duas frentes nas vanguardas europeacuteias e no
movimento chamado Photo Secession que ocorreu nos Estados Unidos8
A obra de Henri Cartier-Bresson eacute das mais importantes para a afirmaccedilatildeo da
fotografia por suas qualidades constitutivas Ele percebeu a potencialidade do aparato e o
foi um dos primeiros a usar uma cacircmera compacta de pequeno formato para sacar
instantes da realidade ainda na deacutecada de 1930 Com o tempo amadureceu uma filosofia
do chamado ―instante decisivo Para ele o fotoacutegrafo eacute como um flaneur que vaga pelo
mundo em busca daqueles raros momentos em que todos os elementos do enquadramento
se alinham em sua maacutexima expressatildeo dando agrave narrativa um potencial de siacutentese
A partir dessa reflexatildeo pode-se dizer que a fotografia audiovisual possibilita
transmitir ao espectador uma verossimilhanccedila com a realidade A anaacutelise da fotografia no
cinema se faz a partir do conhecimento dos elementos que a compotildee e suas variaccedilotildees
Assim cada elemento seraacute tratado separadamente para que seja possiacutevel uma melhor
explanaccedilatildeo de cada componente da fotografia audiovisual
25
21 Iluminaccedilatildeo
De acordo com Sousa (2004) eacute intuitivo afirmar que no momento em que se
ilumina um determinado objetopersonagem em detrimento de outros revela-se apenas
aquele que estaacute exposto agrave luz No entanto essa natildeo eacute a uacutenica contribuiccedilatildeo da iluminaccedilatildeo
para a construccedilatildeo de sentido a uma imagem Aleacutem disso eacute responsaacutevel por transmitir
noccedilotildees de profundidade e de relevo Segundo Roberts-Breslin (2009) eacute atraveacutes da
iluminaccedilatildeo que satildeo criados os padrotildees de luz e sombra que datildeo sentido ao nosso mundo
como tambeacutem o alto contraste do sol do meio-dia ou o baixo contraste monocromaacutetico
num dia chuvoso Aumont (2004) acrescenta que
A luz no cinema estaacute sempre ali e ateacute mesmo duplamente ali jaacute que a luz do
projetos ndash a luz depois do filme ndash serve para mostrar a luz registrada tal como
ela caiacutea sobre as coisas filmadas ndash a luz de antes do filme Haacute entre as duas uma
conivecircncia inextinguiacutevel jaacute reconhecida aqui mesmo em sua forma negativa ndash o
escuro - e que nutriu com frequecircncia a fantasia (em Murnau em Sternberg ou
Godard) de que uma natildeo eacute senatildeo a continuaccedilatildeo da outra por outros meios
Consequumlecircncia articulaccedilatildeo da diferenccedila a luz do quadro natildeo teve de ser
produzida realmente a do filme foi real Diferenccedila ontoloacutegica que se duplica em
outra infinitamente contingente poreacutem sensiacutevel a luz utilizada na produccedilatildeo do
filme eacute uma luz eleacutetrica seu aspecto eacute particular variaacutevel aliaacutes ao longo da
histoacuteria do cinema (AUMONT 2004 p 172)
As condiccedilotildees de iluminaccedilatildeo satildeo capazes de indicar a hora do dia a eacutepoca do ano e
a parte do planeta em que a imagem estaacute sendo reproduzida A luz ―empresta um tom a um
lugar ou experiecircncia ndash o brilho suave e romacircntico de uma vela as inesperadas e
desconhecidas sombras da noite a firme e escura melancolia do crepuacutesculo do inverno
ou seja possibilita a criaccedilatildeo de um determinado clima agrave cena (Breslin 2009 p87) Moura
afirma que
A fotografia em nada se diferencia da natureza Todas as luzes e efeitos estatildeo agrave
mostra para o olho educado Os efeitos dos filtros os contrastes das luzes as
densidades das cores tudo e todos estatildeo na natureza agrave vista de quem quiser ver
Se vocecirc prestar atenccedilatildeo ao tipo de luz que o sol gera saberaacute qual refletor de
quanto como e onde colocar Se vocecirc se abstrair do tamanho do sol e se
concentrar no efeito da sua luz poderaacute intuir a direccedilatildeo a natureza e a
intensidade da luz que vocecirc precisaraacute para ter o mesmo resultado Afinal de
contas o sol tem que iluminar a terra toda e noacutes soacute um pequeno estuacutedio As
diferenccedilas de tamanho satildeo irrelevantes para o raciociacutenio Para se chegar ao
pequeno partimos do grande Nada no pequeno mundo da fotografia inexiste no
vasto mundo de todos noacutes Talvez a uacutenica coisa que possamos criar e que jaacute natildeo
exista em escala maior e em melhor forma na natureza seja a escrita (MOURA
2001 p 20)
Breslin (2009 p88) acredita que a luz consiste na base da miacutedia visual pois
―tecnicamente a luz fornece a energia que nos permite reproduzir uma imagem
Esteticamente a luz junto com a composiccedilatildeo revela verdades e mentiras criando beleza e
26
feiura dentro do quadro Para Martin (2003 p 71) a iluminaccedilatildeo eacute o ―fator decisivo da
expressividade da imagem poreacutem sua importacircncia natildeo eacute percebida pelo espectador
devido ao fato de possibilitar a criaccedilatildeo de uma atmosferalsquo elemento este dificilmente
analisaacutevel
As sombras criadas com a iluminaccedilatildeo ―ajudam a transmitir profundidade clima e
lugar mas devem ser cuidadosamente controladas A iluminaccedilatildeo na verdade pode ser
definida como lanccedilar e controlar as sombrasrdquo (BRESLIN 2009 p95) Sendo assim a
luz possui vaacuterias caracteriacutesticas essenciais qualidade direccedilatildeosentido contraste
uniformidade cor e intensidade
Conforme Sousa (2004) a qualidade da luz refere-se principalmente ao tipo de
sombra que um objeto iluminado produz seja ela dura e definida ou suave a gradual
Breslin (2009) confirma tal classificaccedilatildeo ao dizer que
A qualidade de uma fonte de luz tem a ver com o modo como as ondas
percorrem o espaccedilo Se elas o fazem em linha reta a partir da fonte ateacute iluminar
o objeto satildeo refletidas de volta para a lente de um olho ou cacircmera em linhas
similarmente retas Isso produz luz dura direta ou localizada A energia
luminosa cobre uma aacuterea relativamente pequena mas manteacutem a intensidade ou
brilho maacuteximos A luz direta enfatiza a textura (BRESLIN 2009 p92)
A autora acrescenta que a luz que atinge um objeto pode ser dura ao produzir
sombras nitidamente definidas e partes mais claras distintas Jaacute quando produz partes
claras e sombras sutis e com uma borda menos definida ela eacute classificada como uma luz
suave Assim a luz comeccedila direta mas suas ondas podem desviar ou refletir de uma a
outra superfiacutecie ateacute que encontram o seu caminho para a lente Dependendo do caminho
percorrido se ―produz luz suave difusa ou lavada Uma fonte de luz difusa cobriraacute uma
aacuterea grande mas eacute menos intensa ou brilhante do que a mesma quantidade inicial de luz
direta na mesma distacircncia do objeto (BRESLIN 2009 p93)
Salles (2006) ressalta que ao iluminar artificialmente uma cena qualquer os planos
de composiccedilatildeo de luz desta cena devem ser cuidadosamente elaborados a fim de que a
fotografia do filme esteja em harmonia esteacutetica com o roteiro e sua proposta
22 Cor
Durante praticamente quarenta anos o cinema se manteve em preto e branco
Qualidade natural dos seres e objetos a cor possibilita maior realismo nas obras fiacutelmicas
pois aumenta a veracidade da imagem
27
Sendo assim a partir de um trabalho manual dos teacutecnicos que coloriam os filmes agrave
matildeo ou com o auxiacutelio de paletas eacute que se tornou possiacutevel colocar cor nas telas mediante
muito trabalho Experiecircncias foram realizadas e tomou-se conhecimento de uma nova
teacutecnica os chamados ―banhos onde a peliacutecula era tingida com cores uniformes com o
intuito de atribuir tanto realismo quanto simbolismo Basicamente era usado azul para
designar a noite e amarelo para as cenas de interiores agrave noite enquanto que para
simbolizar os incecircndios e as revoluccedilotildees optava-se pelo vermelho e para as matas e
paisagens a cor verde (MARTIN 2003) A bicromia e a tricomia comeccedilaram a serem
utilizadas em meados dos anos 30 No entanto eacute apenas na metade dos anos 50 que a cor
passou a ser usada de forma generalizada
Natildeo se pode negar que a cor possui um papel fundamental na composiccedilatildeo da
fotografia cinematograacutefica A partir de sua utilizaccedilatildeo torna-se possiacutevel representar a
realidade com mais perfeiccedilatildeo e precisatildeo Aumont (2003 p63) acrescenta que ―apesar da
especificidade da cor no cinema o modelo criacutetico e esteacutetico foi quase sempre a pintura
Esta circulou enormemente no imaginaacuterio fiacutelmico em trecircs grandes formas a
ficcionalizaccedilatildeo a imitaccedilatildeo e a anaacutelise sendo a base para as futuras produccedilotildees
audiovisuais Contudo o autor ressalta que
a ausecircncia de leis gerais e verificaacuteveis explica a ausecircncia quase total de reflexatildeo
teoacuterica sobre a cor na imagem em movimento As uacutenicas consideraccedilotildees agraves
vezes propostas no tocante ao valor simboacutelico ou expressivo da cor (o vermelho
como siacutembolo de guerra ou de paixatildeo o azul bem como o azul-celeste para a
paz o violeta associado agrave lamentaccedilatildeo funeraacuteria etc) Como tais valores satildeo bem
variaacuteveis conforme as culturas e as eacutepocas Eacute difiacutecil fazer uma teoria deles e a
esteacutetica da cor no cinema confunde-se praticamente com a constataccedilatildeo de
estilos pessoais ou de efeitos de gecircnero (AUMONT 2003 p63)
Ainda em relaccedilatildeo ao uso das cores fala-se em harmonia e contraste cromaacutetico A
harmonia ocorre quando em uma imagem existem cores proacuteximas (laranja amarelo
torrado amarelo e vermelho) Jaacute ao mencionar contraste cromaacutetico se refere quando na
imagem existem cores contrastantes (azul vs Vermelho amarelo vs Violeta por
exemplo) Contudo Sousa (2004) revela outras maneiras de evidenciar contraste
cromaacutetico (a) contraste de cores fortes com cores neutras (por exemplo vermelho vivo vs
cinzento claro) (b) complementaccedilatildeo entre cores claras e cores escuras (por exemplo o
amarelo-limatildeo faz o azul marinho parecer mais escuro) (c) contraste entre tons intensos
da mesma cor (o vermelho carregado contrasta com o vermelho claro)
Sousa (2004) acrescenta que eacute possiacutevel expressar quietude e tranquumlilidade ao
recorrer agrave harmonia cromaacutetica de cores quentes suaves como o castanho-terra suave e o
28
amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada
diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis
Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de
ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem
teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas
especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade
Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores
satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada
espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos
valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem
23 Enquadramentos
O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que
determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo
que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores
O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada
Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira
como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave
objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela
Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos
teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos
notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena
mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar
mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico
Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o
tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos
objetos que constituem a cena
Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees
possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de
detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar
Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma
29
―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para
a tela
231 Planos
O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre
dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no
qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute
determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da
objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da
narrativa que se pretende obter
Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada
autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute
possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos
planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o
observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta
planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os
intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro
plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens
plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por
exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA
(2004 p67-68)
A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano
Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade
fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte
1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro
2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos
joelhos para cima ou da cintura para cima
3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um
pouco abaixo
4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima
5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator
6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na
altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas
30
232 Acircngulos de Filmagem
De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto
que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir
um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo
superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto
que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade
No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de
baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de
superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e
do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do
personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele
em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador
233 Movimentos de Cacircmera
Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por
Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da
ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental
de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a
descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou
uma personagem
Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de
cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o
deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem
constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A
panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio
eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a
trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com
o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural
Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou
complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir
de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um
―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena
31
3 O cinema de autor
No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria
recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas
produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo
(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na
tela diferentes percepccedilotildees diante da trama
Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de
vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de
variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao
participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim
conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro
Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista
produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete
instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs
Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo
No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)
juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores
(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os
produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do
filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas
No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith
4
Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico
2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do
cinema mudo
3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano
um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas
4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de
Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o
movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o
filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)
5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro
de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia
de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou
em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia
32
devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e
dirigindo na publicidade de seus filmes
Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica
quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na
―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do
existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do
autor
Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-
sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e
substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a
atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando
que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo
metafiacutesicas (STAM 2003 p111)
Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo
que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi
responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou
a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras
refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica
abordando o ato de fazer e assistir a um filme
Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita
sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de
determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a
mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais
cineastas
Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers
Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica
Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes
que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar
conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as
filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios
seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma
simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)
Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do
Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os
grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas
6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem
como no sete de filmagem
33
como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o
suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e
o puacuteblico como seu divertimento
Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no
cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes
nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees
inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo
autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de
caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor
(COVALESKI 2009 p83)
Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o
contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa
eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a
obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma
noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a
outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI
2009 p 84)
Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute
responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo
do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute
responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas
necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo
com Bernardet
Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua
maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um
filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que
preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em
perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)
O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem
traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na
direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas
optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas
uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na
direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta
34
Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora
diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior
originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade
crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais
Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de
autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para
Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do
discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia
Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e
situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi
apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser
considerado como tal
O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica
com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra
determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem
defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos
paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor
Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja
autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de
1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e
Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de
presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de
suas matildeos
Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo
(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do
curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos
experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar
Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo
Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se
tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila
Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras
produtoras independentes do paiacutes
No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute
que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal
35
Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam
de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que
Meirelles considera ter feito em sua vida
No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas
publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos
que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar
notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar
e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas
da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para
natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar
em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade
Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a
produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando
Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2
Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no
mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios
internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca
de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio
Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede
Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura
completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um
departamento juriacutedico aacutegil
Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme
foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes
selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival
Internacional de Rotterdam
O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de
20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores
no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais
Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo
internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores
filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro
indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o
filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta
36
Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado
como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no
manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a
pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo
sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No
entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional
Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao
levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner
o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na
categoria de Melhor Diretor
Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando
Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do
romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O
filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14
de maio de 2008
37
4 Metodologia
A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando
compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria
nos filmes de Fernando Meirelles
Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave
argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise
detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades
sociais
Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo
aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de
entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira
indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o
caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como
objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro
Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra
selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes
representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a
esteacutetica publicitaacuteria
Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que
seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem
fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de
expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica
Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do
conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia
e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise
a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e
organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir
das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)
interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em
funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo
Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise
fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra
que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da
38
linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa
fiacutelmica
Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo
1 Preacute-anaacutelise
a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor
enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)
2 Descriccedilatildeo Analiacutetica
a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos
3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando
em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes
Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute
necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo
haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica
efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo
pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando
necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que
considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde
que natildeo descarte as antecedentes
39
5 Anaacutelises
Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica
publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel
a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica
descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo
estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a
narrativa de cada um dos filmes
Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de
Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)
51 Domeacutesticas
Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas
40
Sinopse
Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de
Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada
Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa
sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar
de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute
Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida
Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com
um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por
missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a
mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que
satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se
estivessem dando uma espeacutecie de depoimento
Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas
aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de
emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o
outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das
domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo
Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo
encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas
por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do
plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave
novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um
sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da
profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento
cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes
publicitaacuterios
41
Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas
(Plano aberto e plano conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas
com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal
Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos
lateralizados
A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em
plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo
pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee
possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem
disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco
conotando mais tristeza agrave cena
Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e
cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como
acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute
limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera
tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no
estacionamento do preacutedio
Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em
que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a
personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o
deslocamento da personagem daquele mundo
42
Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas
(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de
serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves
tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas
com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)
Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em
um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um
domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao
casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte
observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre
sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o
responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua
profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela
As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena
No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo
agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute
43
devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de
nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude
alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade
sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento
Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as
personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo
O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo
vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das
diversas dificuldades no seu dia-a-dia
O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano
meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em
meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave
criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)
isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo
dos exageros
Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna
da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores
quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde
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e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila
dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme
Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas
52 Cidade de Deus
Sinopse
O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro
protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou
um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a
estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto
de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante
amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente
suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num
ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele
descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se
fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista
do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos
45
principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria
mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um
mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute
Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro
dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto
Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos
bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute
usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute
centralizada e em leve plongeacutee
Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no
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comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo
frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas
casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e
suave
A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do
traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na
criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar
perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-
plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem
Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano
geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo
compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando
naturalidade
Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)
47
Iluminaccedilatildeo e cor
Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo
deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute
observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa
frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo
pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo
Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste
elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem
a funccedilatildeo de criar um visual expressivo
Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente
natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a
inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre
dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na
cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute
ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo
consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena
interna e provavelmente noturna
Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua
maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais
frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo
com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute
amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute
modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos
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periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo
publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama
Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante
Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com
a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um
material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a
imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee
com armas em punho apontadas para os policiais
Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela
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Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus
53 O Jardineiro Fiel
Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel
50
Sinopse
O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em
Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa
uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem
aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para
substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes
um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute
transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu
idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a
trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin
acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir
na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de
amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa
estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional
envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em
seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a
disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no
Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e
ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar
como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se
para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final
bastante diferente do que seria esperado
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a
imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia
de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio
em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao
lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar
para se proteger
Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem
Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em
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plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades
azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um
embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em
plongeacutee e plano aberto em conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na
figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A
imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano
aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo
dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais
amenos frios
Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada
retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao
receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade
possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento
As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a
imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua
52
Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em
leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens
contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante
natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel
perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral
aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores
quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave
luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem
composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local
em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo
A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela
cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A
impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena
que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma
53
desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do
ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas
sim no seu proacuteprio lucro
Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de
ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir
contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis
por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele
seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com
movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma
arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite
suavidade e calor agrave cena
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel
(variaccedilatildeo entre suave e dura)
Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando
com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na
lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em
equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira
imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais
onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena
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ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens
em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)
ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem
possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua
composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)
como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel
54 Ensaio sobre a Cegueira
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira
55
Sinopse
O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que
atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas
passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no
tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados
em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a
lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a
uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que
juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute
baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com
o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de
cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo
manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O
enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para
a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e
branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria
compotildee as cenas da trama
Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento
panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da
trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade
esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o
motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa
ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais
Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o
motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo
adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de
quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia
56
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
57
Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
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A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
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do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
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65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
19
A seguir uma abordagem mais detalhada de cada uma das relaccedilotildees intertextuais
entre o cinema e a publicidade televisual na visatildeo de Covaleski (2009)
a) citaccedilatildeo a publicidade desfruta desse recurso criativo com maestria Uma uacutenica
obra cinematograacutefica pode originar uma grande variaccedilatildeo de citaccedilotildees ancoradas
a uma mesma cena claacutessica evidentemente emblemaacutetica contundente o
bastante para se tornar perene no imaginaacuterio coletivo transpondo barreiras
culturais e temporais Pode-se citar como exemplo a cena emblemaacutetica em que
a atriz Marilyn Monroe tem sua saia levantada devido ao deslocamento de ar
durante a passagem do metrocirc no filme O Pecado Mora ao Lado (The Seven
Year Itch de Billy Wilder ndash 1955) Essa cena muito conhecida jaacute foi usada
diversas vezes e de diferentes formas pela publicidade Exemplo disso foi a
colocaccedilatildeo de uma saia ndash a la Marilyn ndash em garrafas de vodka da marca
Absolut
b) alusatildeo mais sutil que a citaccedilatildeo remete a uma obra anterior poreacutem sem fazer
uso de fragmentos dela Utiliza somente uma construccedilatildeo equivalente
substituindo determinadas figuras por outras A alusatildeo recorrente no cinema eacute
facilmente percebida em filmes que pertencem a um mesmo gecircnero
cinematograacutefico Na publicidade a intertextualidade com o cinema utilizando a
alusatildeo aparece em comerciais de anunciantes dos mais diferentes segmentos de
mercado bem como os filmes de onde saiacuteram as inspiraccedilotildees pertencem aos
mais diversos gecircneros O filme francecircs O Fabuloso Destino de Ameacutelie Poulain
(Le Fabuleux Destin drsquoAmeacutelie Poulain de Jean-Pierre Jeunet - 2001) eacute uma
obra com clara influecircncia da linguagem publicitaacuteria Muito disso se deve
devido agrave vivecircncia de Jeunet em meio agrave publicidade Eacute o caso deste trabalho jaacute
que Fernando Meirelles trabalhou com publicidade antes de seguir carreira no
cinema Um exemplo de alusatildeo a este filme se percebe na campanha do
automoacutevel Renault Sceacutenic ndash um anatildeo de jardim eacute sequumlestrado por um grupo de
amigos e aprova seu novo endereccedilo mandando uma carta agrave sua antiga dona
avisando que natildeo voltaraacute mais para casa Deste modo a campanha faz alusatildeo
ao argumento de liberdade explorado na obra francesa
c) estilizaccedilatildeo ato de reproduzir um conjunto de procedimentos de caracteriacutesticas
de formas e de conteuacutedos do discurso de outrem Eacute recorrer agrave estrutura seja no
20
plano da expressatildeo ou no do conteuacutedo produzindo um efeito de
personalizaccedilatildeo muito embora remeta a obra anterior independente de
estabelecer uma relaccedilatildeo polecircmica ou contratual com aquela A estilizaccedilatildeo
intertextual na publicidade com referencial cinematograacutefico eacute constante e
ultrapassa o uso apenas dos elementos de linguagem cinematograacutefica Alguns
filmes publicitaacuterios utilizam em suas produccedilotildees as teacutecnicas de trucagem1 se
aproveitam dos efeitos especiais e ateacute dos estilos lanccedilados pelo cinema Um
bom exemplo dessa estilizaccedilatildeo encontra-se em um comercial da Samsung que
se utilizada da mesma esteacutetica tecnoloacutegia e uso de efeitos especiais do filme
Matrix (The Matrix de Andy e Larry Wachowski - 1999)
No Brasil de acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber tambeacutem um
caminho oposto a esta intertextualidade Cada vez mais a publicidade interfere na atual
produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este papel de fonte de
referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem audiovisual nas
produccedilotildees contemporacircneas como eacute o caso dos filmes ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus
―O Jardineiro Fiel e ―Ensaio sobre a Cegueira de Fernando Meirelles
1 Trucagem A accedilatildeo de modificar imagens previamente filmadas ao vivo tanto em sua forma (cor e
tamanho) como na ordem de sua projeccedilatildeo (congelamento aceleraccedilatildeo inversatildeo) Satildeo possiacuteveis tambeacutem a
superposiccedilatildeo de letreiros a fusatildeo (teacutecnica de escurecer uma cena ao mesmo tempo em que outra vai
surgindo provocando a sobreposiccedilatildeo de uma sobre a outra) e outros efeitos especiais O equipamento
utilizado eacute a truca Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbrmidiaartequadroaquadro gt Acesso em 14
Jun 2010
21
2 A fotografia na esteacutetica audiovisual
A palavra fotografia vem do grego foacutes (luz) e grafis (estilo pincel) ou
grafecirc e significa desenhar com luz e contraste Natildeo eacute possiacutevel definir um uacutenico
inventor pois foram vaacuterios os responsaacuteveis pela sua origem Em 1826 o francecircs Joseph
Niceacutephore Nieacutepce teve sua imagem reconhecida como a primeira fotografia tal imagem
foi produzida mediante o uso de uma placa de estanho coberta com um derivado de
petroacuteleo fotossensiacutevel chamado Betume da Judeacuteia O processo de exposiccedilatildeo agrave luz solar
chamado de heliografia durava cerca de oito horas para que a imagem fosse obtida
Neste mesmo periacuteodo Louis Daguerre deu continuidade aos experimentos
fotograacuteficos de Joseph Niceacutephore Nieacutepce fato este que lhe concedeu uma descoberta
decisiva Em 1835 Daguerre apanhou uma placa revestida de prata sensibilizada com
iodeto de prata que apesar de exposta natildeo apresentava sequer vestiacutegios de imagem
guardou-a displicentemente em um armaacuterio e ao abri-lo no dia seguinte encontrou uma
imagem revelada Fez experiecircncias por eliminaccedilatildeo com os outros produtos que estavam
no armaacuterio para descobrir que a imagem latente tinha sido revelada por accedilatildeo do mercuacuterio
Logo apoacutes o falecimento de Niegravepce Daguerre desenvolveu um processo
conhecido como daguerreotipia no qual era possiacutevel reduzir o tempo de revelaccedilatildeo de
horas para minutos devido a utilizaccedilatildeo de vapor de mercuacuterio Daguerre descreveu seu
processo agrave Academia de Ciecircncias e Belas Artes na Franccedila e logo depois requereu a
patente do seu invento na Inglaterra Breslin possibilita um melhor entendido deste
processo
Os daguerreoacutetipos inventados em 1839 foram os primeiros dentre os processos
fotograacuteficos iniciais a se tornar comercialmente disponiacuteveis O processo utiliza
placas uacutemidas que satildeo placas de cobre cobertas por uma emulsatildeo fotossensiacutevel
agrave base de prata As placas eram reveladas em campo enquanto ainda uacutemidas
criando um negativo Os negativos entatildeo podiam ser trazidos de volta ao
estuacutedio onde um pedaccedilo de papel fotograacutefico era assentado sobre a emulsatildeo do
negativo e exposto ao sol A luz do sol expunha a impressatildeo que era fixada (isto
eacute estabilizada por uma processo quiacutemico) e lavada (BRESLIN 2009 p26)
Jaacute em 1839 o britacircnico William Fox Talbot ao tomar conhecimento dos avanccedilos
de Daguerre decidiu apressar a apresentaccedilatildeo de suas pesquisas com papeacuteis fotossensiacuteveis
agrave Royal Institution e agrave Royal Society com o intuito de garantir os direitos sobre suas
invenccedilotildees No entanto Talbot desenvolveu um processo diferente denominado caloacutetipo -
utilizava folhas de papel cobertas com cloreto de prata que posteriormente eram colocadas
22
em contato com outro papel produzindo assim a imagem positiva Trata-se de um
processo semelhante ao usado atualmente em que utiliza-se um negativo para a obtenccedilatildeo
posterior de imagens positivas
A fotografia entatildeo popularizou-se como produto de consumo a partir de 1888 com
a introduccedilatildeo da cacircmera tipo caixatildeo e pelo filme em rolos substituiacuteveis criados por
George Eastman Desde entatildeo o mercado fotograacutefico tem experimentado uma crescente
evoluccedilatildeo tecnoloacutegica como o estabelecimento do filme colorido como padratildeo e o foco
automaacutetico ou exposiccedilatildeo automaacutetica Essas inovaccedilotildees sem duacutevida facilitam a captaccedilatildeo da
imagem melhoram a qualidade de reproduccedilatildeo ou a rapidez do processamento mas muito
pouco foi alterado nos princiacutepios baacutesicos da fotografia
A grande mudanccedila recente produzida a partir do final do seacuteculo XX foi a
digitalizaccedilatildeo dos sistemas fotograacuteficos A fotografia digital mudou paradigmas no mundo
da fotografia minimizando custos reduzindo etapas acelerando processos e facilitando a
produccedilatildeo manipulaccedilatildeo armazenamento e transmissatildeo de imagens pelo mundo O
aperfeiccediloamento da tecnologia de reproduccedilatildeo de imagens digitais tem quebrado barreiras
de restriccedilatildeo em relaccedilatildeo a este sistema por setores que ainda prestigiam o tradicional filme
e assim irreversivelmente ampliando o domiacutenio da fotografia digital
Natildeo se pode esquecer de salientar que a partir de tais descobertas no ramo da
fotografia eacute que foi possiacutevel a invenccedilatildeo do cinema O instantacircneo a possibilidade de
congelar um instante no fluxo contiacutenuo dos acontecimentos soacute se torna possiacutevel de fato
com o advento da fotografia Sendo assim os estudos de Muybrigde referentes aos
instantacircneos sucessivos associada ao aparato do fuzil fotograacutefico de Marey iratildeo resultar na
invenccedilatildeo do cinema Sabe-se que o cinema confere agrave imagem uma continuidade aparente
pois na verdade trata-se de uma seacuterie de instantacircneos separados por intervalos poreacutem aos
sentidos ele se apresenta de forma lisa e fluida como a proacutepria natureza do movimento
Machado acrescenta que
O cinema mesmo o cinema stricto sensu ou seja o cinema que se constitui a
partir do cinematoacutegrafo de LeRoy Edison Paul Skladanwsky e dos Lumiegravere
natildeo era nos seus primoacuterdios o que hoje chamamos de cinema Ele reunia na
sua base de celuloacuteide vaacuterias modalidades de espetaacuteculos derivadas das formas
populares de cultura como circo o carnaval a magia e a prestidigitaccedilatildeo a
pantomima a feira de atraccedilotildees e aberraccedilotildees etc (MACHADO 1997 p 76)
No iniacutecio os filmes eram de curta duraccedilatildeo nos quais o puacuteblico era composto
basicamente de operaacuterios As exibiccedilotildees eram realizadas em grandes galpotildees durante o
23
intervalo de serviccedilo do proletariado Machado (1997 p79) explica que o cinema era uma
em diversas atraccedilotildees oferecidas pelos vaudevilles pois ―natildeo se havia ainda desenvolvido
um conjunto de teacutecnicas e procedimentos de linguagem apropriados para a elaboraccedilatildeo de
uma narrativa visual que fosse suficientemente autocircnoma a ponto de poder se dispensar a
―explicaccedilatildeo de um apresentador
Atualmente pensa-se primeiramente em imagens forma-se um raciociacutenio a partir
de mosaicos audiovisuais que possibilitam um dado significado Tal modelo de
pensamento atraveacutes da imagem tecnoloacutegica deve-se ao conjunto de referecircncias
adquiridas
Assim sendo a fotografia possui papel fundamental na linguagem audiovisual
Sabe-se que a foi a partir da fotografia que se tornou possiacutevel agrave invenccedilatildeo do cinema
Dubois (2004) assegura que
Com a fotografia a maacutequina natildeo se contenta mais em preacute-ver ela inscreve
tambeacutem a imagem por meio das reaccedilotildees fotossensiacuteveis de certos materiais que
registram por si mesmos as aparecircncias sensiacuteveis geradas pela radiaccedilatildeo luminosa
A maacutequina intervecircm aqui portanto no coraccedilatildeo mesmo do processo de
constituiccedilatildeo da imagem que aparece assim como representaccedilatildeo quase
automaacuteticalsquo objetivalsquo sine manu factalsquo O gesto humano passa a ser mais um
gesto de conduccedilatildeo da maacutequina do que de figuraccedilatildeo direta (DUBOIS 2004
p38)
Em sua brilhante anaacutelise Barthes evidencia o fato de que a fotografia significa
muito mais uma ruptura do que uma continuidade em relaccedilatildeo agrave pintura Isso porque a
reaccedilatildeo quiacutemica dos sais de prata fotossensiacuteveis mediada pelo aparelho oacutetico que projeta a
imagem eacute colocada no centro do dispositivo de criaccedilatildeo da imagem deslocando o papel do
criador que antes que antes tinha que compor o instante representado a partir de instantes
distintos usando os coacutedigos da pintura para unificar a fatura e agora passava a poder
recortar um instante na sua proacutepria duraccedilatildeo com o uso da fotografia Dubois acrescenta
que tal uso
abandona o tempo crocircnico real evolutivo o tempo que passa como um rio
nosso tempo dos seres humanos inscritos na duraccedilatildeo para entrar em uma
temporalidade nova separada e simboacutelica a da foto temporalidade que tambeacutem
dura tatildeo infinita em princiacutepio quanto a primeira mas infinita na imobilidade
total congelada na interminaacutevel duraccedilatildeo das estaacutetuas (DUBOIS 1993 p168)
Com a invenccedilatildeo do instantacircneo fotograacutefico a pose a produccedilatildeo a composiccedilatildeo
elementos proacuteprios agrave linguagem da pintura figurativa satildeo subvertidas datildeo lugar tambeacutem
ao efecircmero ao flagrante agrave espontaneidade
Durante o seacuteculo XIX a fotografia buscou ancorar-se na esteacutetica proacutepria agrave pintura
para almejar sua entrada no panteatildeo das Belas-Artes em um movimento chamado pela
24
historiografia de pictorialismo Como bem analisou Walter Benjamin em sua Pequena
Histoacuteria da Fotografia de 1931 esse movimento se revelou improdutivo jaacute que os
fotoacutegrafos buscavam encaixar-se nos mesmos padrotildees de valoraccedilatildeo esteacutetica que foram
subvertidos com a invenccedilatildeo da fotografia
O discurso sobre a fotografia no seacuteculo XIX ainda estaacute muito contaminado por
valores esteacuteticos que consideram a teacutecnica em oposiccedilatildeo agrave arte ou na melhor das hipoacuteteses
como uma mera serviccedilal da arte Mas a proacutepria invenccedilatildeo da fotografia primeira forma de
produzir imagens completamente mediada pela teacutecnica na qual o ―laacutepis da Natureza
(Talbot) age sozinho sem a ajuda da matildeo do homem estava subvertendo completamente
os valores vigentes instaurando uma estreita ligaccedilatildeo entre teacutecnica e arte
Trazer a teacutecnica para o primeiro plano eacute uma das transformaccedilotildees mais radicais que
a imagem fotograacutefica instaura no campo da produccedilatildeo de imagens Esse tipo de imagem
criada por um aparelho chamada por Vileacutem Flusser de ―imagem teacutecnica foi capaz de
superar oposiccedilotildees vazias entre arte e teacutecnica
Com a virada para o seacuteculo XX se inicia um movimento de valorizaccedilatildeo da
fotografia por suas peculiaridades constitutivas advindas de seu proacuteprio mecanismo de
inscriccedilatildeo da imagem a instantaneidade o corte a conexatildeo fiacutesica com o referente A
chamada fotografia moderna se estabelece em duas frentes nas vanguardas europeacuteias e no
movimento chamado Photo Secession que ocorreu nos Estados Unidos8
A obra de Henri Cartier-Bresson eacute das mais importantes para a afirmaccedilatildeo da
fotografia por suas qualidades constitutivas Ele percebeu a potencialidade do aparato e o
foi um dos primeiros a usar uma cacircmera compacta de pequeno formato para sacar
instantes da realidade ainda na deacutecada de 1930 Com o tempo amadureceu uma filosofia
do chamado ―instante decisivo Para ele o fotoacutegrafo eacute como um flaneur que vaga pelo
mundo em busca daqueles raros momentos em que todos os elementos do enquadramento
se alinham em sua maacutexima expressatildeo dando agrave narrativa um potencial de siacutentese
A partir dessa reflexatildeo pode-se dizer que a fotografia audiovisual possibilita
transmitir ao espectador uma verossimilhanccedila com a realidade A anaacutelise da fotografia no
cinema se faz a partir do conhecimento dos elementos que a compotildee e suas variaccedilotildees
Assim cada elemento seraacute tratado separadamente para que seja possiacutevel uma melhor
explanaccedilatildeo de cada componente da fotografia audiovisual
25
21 Iluminaccedilatildeo
De acordo com Sousa (2004) eacute intuitivo afirmar que no momento em que se
ilumina um determinado objetopersonagem em detrimento de outros revela-se apenas
aquele que estaacute exposto agrave luz No entanto essa natildeo eacute a uacutenica contribuiccedilatildeo da iluminaccedilatildeo
para a construccedilatildeo de sentido a uma imagem Aleacutem disso eacute responsaacutevel por transmitir
noccedilotildees de profundidade e de relevo Segundo Roberts-Breslin (2009) eacute atraveacutes da
iluminaccedilatildeo que satildeo criados os padrotildees de luz e sombra que datildeo sentido ao nosso mundo
como tambeacutem o alto contraste do sol do meio-dia ou o baixo contraste monocromaacutetico
num dia chuvoso Aumont (2004) acrescenta que
A luz no cinema estaacute sempre ali e ateacute mesmo duplamente ali jaacute que a luz do
projetos ndash a luz depois do filme ndash serve para mostrar a luz registrada tal como
ela caiacutea sobre as coisas filmadas ndash a luz de antes do filme Haacute entre as duas uma
conivecircncia inextinguiacutevel jaacute reconhecida aqui mesmo em sua forma negativa ndash o
escuro - e que nutriu com frequecircncia a fantasia (em Murnau em Sternberg ou
Godard) de que uma natildeo eacute senatildeo a continuaccedilatildeo da outra por outros meios
Consequumlecircncia articulaccedilatildeo da diferenccedila a luz do quadro natildeo teve de ser
produzida realmente a do filme foi real Diferenccedila ontoloacutegica que se duplica em
outra infinitamente contingente poreacutem sensiacutevel a luz utilizada na produccedilatildeo do
filme eacute uma luz eleacutetrica seu aspecto eacute particular variaacutevel aliaacutes ao longo da
histoacuteria do cinema (AUMONT 2004 p 172)
As condiccedilotildees de iluminaccedilatildeo satildeo capazes de indicar a hora do dia a eacutepoca do ano e
a parte do planeta em que a imagem estaacute sendo reproduzida A luz ―empresta um tom a um
lugar ou experiecircncia ndash o brilho suave e romacircntico de uma vela as inesperadas e
desconhecidas sombras da noite a firme e escura melancolia do crepuacutesculo do inverno
ou seja possibilita a criaccedilatildeo de um determinado clima agrave cena (Breslin 2009 p87) Moura
afirma que
A fotografia em nada se diferencia da natureza Todas as luzes e efeitos estatildeo agrave
mostra para o olho educado Os efeitos dos filtros os contrastes das luzes as
densidades das cores tudo e todos estatildeo na natureza agrave vista de quem quiser ver
Se vocecirc prestar atenccedilatildeo ao tipo de luz que o sol gera saberaacute qual refletor de
quanto como e onde colocar Se vocecirc se abstrair do tamanho do sol e se
concentrar no efeito da sua luz poderaacute intuir a direccedilatildeo a natureza e a
intensidade da luz que vocecirc precisaraacute para ter o mesmo resultado Afinal de
contas o sol tem que iluminar a terra toda e noacutes soacute um pequeno estuacutedio As
diferenccedilas de tamanho satildeo irrelevantes para o raciociacutenio Para se chegar ao
pequeno partimos do grande Nada no pequeno mundo da fotografia inexiste no
vasto mundo de todos noacutes Talvez a uacutenica coisa que possamos criar e que jaacute natildeo
exista em escala maior e em melhor forma na natureza seja a escrita (MOURA
2001 p 20)
Breslin (2009 p88) acredita que a luz consiste na base da miacutedia visual pois
―tecnicamente a luz fornece a energia que nos permite reproduzir uma imagem
Esteticamente a luz junto com a composiccedilatildeo revela verdades e mentiras criando beleza e
26
feiura dentro do quadro Para Martin (2003 p 71) a iluminaccedilatildeo eacute o ―fator decisivo da
expressividade da imagem poreacutem sua importacircncia natildeo eacute percebida pelo espectador
devido ao fato de possibilitar a criaccedilatildeo de uma atmosferalsquo elemento este dificilmente
analisaacutevel
As sombras criadas com a iluminaccedilatildeo ―ajudam a transmitir profundidade clima e
lugar mas devem ser cuidadosamente controladas A iluminaccedilatildeo na verdade pode ser
definida como lanccedilar e controlar as sombrasrdquo (BRESLIN 2009 p95) Sendo assim a
luz possui vaacuterias caracteriacutesticas essenciais qualidade direccedilatildeosentido contraste
uniformidade cor e intensidade
Conforme Sousa (2004) a qualidade da luz refere-se principalmente ao tipo de
sombra que um objeto iluminado produz seja ela dura e definida ou suave a gradual
Breslin (2009) confirma tal classificaccedilatildeo ao dizer que
A qualidade de uma fonte de luz tem a ver com o modo como as ondas
percorrem o espaccedilo Se elas o fazem em linha reta a partir da fonte ateacute iluminar
o objeto satildeo refletidas de volta para a lente de um olho ou cacircmera em linhas
similarmente retas Isso produz luz dura direta ou localizada A energia
luminosa cobre uma aacuterea relativamente pequena mas manteacutem a intensidade ou
brilho maacuteximos A luz direta enfatiza a textura (BRESLIN 2009 p92)
A autora acrescenta que a luz que atinge um objeto pode ser dura ao produzir
sombras nitidamente definidas e partes mais claras distintas Jaacute quando produz partes
claras e sombras sutis e com uma borda menos definida ela eacute classificada como uma luz
suave Assim a luz comeccedila direta mas suas ondas podem desviar ou refletir de uma a
outra superfiacutecie ateacute que encontram o seu caminho para a lente Dependendo do caminho
percorrido se ―produz luz suave difusa ou lavada Uma fonte de luz difusa cobriraacute uma
aacuterea grande mas eacute menos intensa ou brilhante do que a mesma quantidade inicial de luz
direta na mesma distacircncia do objeto (BRESLIN 2009 p93)
Salles (2006) ressalta que ao iluminar artificialmente uma cena qualquer os planos
de composiccedilatildeo de luz desta cena devem ser cuidadosamente elaborados a fim de que a
fotografia do filme esteja em harmonia esteacutetica com o roteiro e sua proposta
22 Cor
Durante praticamente quarenta anos o cinema se manteve em preto e branco
Qualidade natural dos seres e objetos a cor possibilita maior realismo nas obras fiacutelmicas
pois aumenta a veracidade da imagem
27
Sendo assim a partir de um trabalho manual dos teacutecnicos que coloriam os filmes agrave
matildeo ou com o auxiacutelio de paletas eacute que se tornou possiacutevel colocar cor nas telas mediante
muito trabalho Experiecircncias foram realizadas e tomou-se conhecimento de uma nova
teacutecnica os chamados ―banhos onde a peliacutecula era tingida com cores uniformes com o
intuito de atribuir tanto realismo quanto simbolismo Basicamente era usado azul para
designar a noite e amarelo para as cenas de interiores agrave noite enquanto que para
simbolizar os incecircndios e as revoluccedilotildees optava-se pelo vermelho e para as matas e
paisagens a cor verde (MARTIN 2003) A bicromia e a tricomia comeccedilaram a serem
utilizadas em meados dos anos 30 No entanto eacute apenas na metade dos anos 50 que a cor
passou a ser usada de forma generalizada
Natildeo se pode negar que a cor possui um papel fundamental na composiccedilatildeo da
fotografia cinematograacutefica A partir de sua utilizaccedilatildeo torna-se possiacutevel representar a
realidade com mais perfeiccedilatildeo e precisatildeo Aumont (2003 p63) acrescenta que ―apesar da
especificidade da cor no cinema o modelo criacutetico e esteacutetico foi quase sempre a pintura
Esta circulou enormemente no imaginaacuterio fiacutelmico em trecircs grandes formas a
ficcionalizaccedilatildeo a imitaccedilatildeo e a anaacutelise sendo a base para as futuras produccedilotildees
audiovisuais Contudo o autor ressalta que
a ausecircncia de leis gerais e verificaacuteveis explica a ausecircncia quase total de reflexatildeo
teoacuterica sobre a cor na imagem em movimento As uacutenicas consideraccedilotildees agraves
vezes propostas no tocante ao valor simboacutelico ou expressivo da cor (o vermelho
como siacutembolo de guerra ou de paixatildeo o azul bem como o azul-celeste para a
paz o violeta associado agrave lamentaccedilatildeo funeraacuteria etc) Como tais valores satildeo bem
variaacuteveis conforme as culturas e as eacutepocas Eacute difiacutecil fazer uma teoria deles e a
esteacutetica da cor no cinema confunde-se praticamente com a constataccedilatildeo de
estilos pessoais ou de efeitos de gecircnero (AUMONT 2003 p63)
Ainda em relaccedilatildeo ao uso das cores fala-se em harmonia e contraste cromaacutetico A
harmonia ocorre quando em uma imagem existem cores proacuteximas (laranja amarelo
torrado amarelo e vermelho) Jaacute ao mencionar contraste cromaacutetico se refere quando na
imagem existem cores contrastantes (azul vs Vermelho amarelo vs Violeta por
exemplo) Contudo Sousa (2004) revela outras maneiras de evidenciar contraste
cromaacutetico (a) contraste de cores fortes com cores neutras (por exemplo vermelho vivo vs
cinzento claro) (b) complementaccedilatildeo entre cores claras e cores escuras (por exemplo o
amarelo-limatildeo faz o azul marinho parecer mais escuro) (c) contraste entre tons intensos
da mesma cor (o vermelho carregado contrasta com o vermelho claro)
Sousa (2004) acrescenta que eacute possiacutevel expressar quietude e tranquumlilidade ao
recorrer agrave harmonia cromaacutetica de cores quentes suaves como o castanho-terra suave e o
28
amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada
diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis
Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de
ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem
teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas
especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade
Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores
satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada
espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos
valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem
23 Enquadramentos
O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que
determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo
que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores
O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada
Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira
como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave
objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela
Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos
teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos
notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena
mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar
mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico
Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o
tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos
objetos que constituem a cena
Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees
possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de
detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar
Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma
29
―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para
a tela
231 Planos
O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre
dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no
qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute
determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da
objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da
narrativa que se pretende obter
Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada
autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute
possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos
planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o
observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta
planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os
intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro
plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens
plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por
exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA
(2004 p67-68)
A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano
Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade
fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte
1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro
2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos
joelhos para cima ou da cintura para cima
3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um
pouco abaixo
4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima
5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator
6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na
altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas
30
232 Acircngulos de Filmagem
De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto
que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir
um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo
superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto
que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade
No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de
baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de
superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e
do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do
personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele
em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador
233 Movimentos de Cacircmera
Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por
Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da
ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental
de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a
descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou
uma personagem
Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de
cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o
deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem
constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A
panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio
eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a
trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com
o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural
Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou
complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir
de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um
―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena
31
3 O cinema de autor
No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria
recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas
produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo
(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na
tela diferentes percepccedilotildees diante da trama
Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de
vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de
variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao
participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim
conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro
Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista
produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete
instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs
Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo
No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)
juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores
(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os
produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do
filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas
No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith
4
Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico
2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do
cinema mudo
3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano
um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas
4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de
Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o
movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o
filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)
5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro
de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia
de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou
em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia
32
devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e
dirigindo na publicidade de seus filmes
Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica
quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na
―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do
existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do
autor
Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-
sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e
substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a
atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando
que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo
metafiacutesicas (STAM 2003 p111)
Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo
que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi
responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou
a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras
refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica
abordando o ato de fazer e assistir a um filme
Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita
sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de
determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a
mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais
cineastas
Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers
Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica
Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes
que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar
conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as
filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios
seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma
simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)
Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do
Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os
grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas
6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem
como no sete de filmagem
33
como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o
suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e
o puacuteblico como seu divertimento
Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no
cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes
nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees
inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo
autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de
caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor
(COVALESKI 2009 p83)
Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o
contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa
eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a
obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma
noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a
outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI
2009 p 84)
Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute
responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo
do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute
responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas
necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo
com Bernardet
Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua
maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um
filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que
preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em
perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)
O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem
traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na
direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas
optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas
uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na
direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta
34
Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora
diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior
originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade
crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais
Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de
autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para
Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do
discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia
Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e
situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi
apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser
considerado como tal
O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica
com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra
determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem
defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos
paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor
Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja
autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de
1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e
Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de
presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de
suas matildeos
Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo
(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do
curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos
experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar
Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo
Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se
tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila
Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras
produtoras independentes do paiacutes
No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute
que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal
35
Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam
de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que
Meirelles considera ter feito em sua vida
No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas
publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos
que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar
notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar
e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas
da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para
natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar
em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade
Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a
produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando
Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2
Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no
mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios
internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca
de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio
Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede
Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura
completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um
departamento juriacutedico aacutegil
Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme
foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes
selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival
Internacional de Rotterdam
O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de
20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores
no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais
Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo
internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores
filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro
indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o
filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta
36
Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado
como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no
manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a
pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo
sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No
entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional
Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao
levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner
o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na
categoria de Melhor Diretor
Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando
Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do
romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O
filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14
de maio de 2008
37
4 Metodologia
A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando
compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria
nos filmes de Fernando Meirelles
Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave
argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise
detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades
sociais
Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo
aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de
entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira
indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o
caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como
objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro
Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra
selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes
representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a
esteacutetica publicitaacuteria
Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que
seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem
fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de
expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica
Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do
conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia
e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise
a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e
organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir
das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)
interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em
funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo
Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise
fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra
que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da
38
linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa
fiacutelmica
Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo
1 Preacute-anaacutelise
a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor
enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)
2 Descriccedilatildeo Analiacutetica
a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos
3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando
em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes
Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute
necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo
haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica
efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo
pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando
necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que
considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde
que natildeo descarte as antecedentes
39
5 Anaacutelises
Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica
publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel
a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica
descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo
estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a
narrativa de cada um dos filmes
Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de
Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)
51 Domeacutesticas
Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas
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Sinopse
Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de
Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada
Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa
sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar
de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute
Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida
Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com
um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por
missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a
mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que
satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se
estivessem dando uma espeacutecie de depoimento
Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas
aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de
emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o
outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das
domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo
Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo
encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas
por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do
plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave
novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um
sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da
profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento
cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes
publicitaacuterios
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Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas
(Plano aberto e plano conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas
com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal
Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos
lateralizados
A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em
plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo
pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee
possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem
disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco
conotando mais tristeza agrave cena
Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e
cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como
acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute
limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera
tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no
estacionamento do preacutedio
Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em
que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a
personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o
deslocamento da personagem daquele mundo
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Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas
(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de
serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves
tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas
com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)
Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em
um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um
domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao
casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte
observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre
sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o
responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua
profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela
As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena
No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo
agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute
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devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de
nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude
alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade
sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento
Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as
personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo
O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo
vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das
diversas dificuldades no seu dia-a-dia
O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano
meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em
meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave
criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)
isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo
dos exageros
Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna
da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores
quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde
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e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila
dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme
Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas
52 Cidade de Deus
Sinopse
O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro
protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou
um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a
estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto
de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante
amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente
suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num
ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele
descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se
fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista
do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos
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principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria
mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um
mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute
Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro
dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto
Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos
bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute
usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute
centralizada e em leve plongeacutee
Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no
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comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo
frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas
casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e
suave
A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do
traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na
criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar
perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-
plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem
Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano
geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo
compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando
naturalidade
Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)
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Iluminaccedilatildeo e cor
Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo
deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute
observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa
frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo
pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo
Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste
elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem
a funccedilatildeo de criar um visual expressivo
Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente
natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a
inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre
dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na
cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute
ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo
consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena
interna e provavelmente noturna
Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua
maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais
frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo
com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute
amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute
modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos
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periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo
publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama
Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante
Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com
a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um
material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a
imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee
com armas em punho apontadas para os policiais
Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela
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Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus
53 O Jardineiro Fiel
Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel
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Sinopse
O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em
Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa
uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem
aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para
substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes
um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute
transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu
idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a
trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin
acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir
na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de
amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa
estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional
envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em
seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a
disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no
Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e
ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar
como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se
para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final
bastante diferente do que seria esperado
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a
imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia
de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio
em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao
lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar
para se proteger
Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem
Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em
51
plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades
azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um
embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em
plongeacutee e plano aberto em conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na
figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A
imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano
aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo
dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais
amenos frios
Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada
retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao
receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade
possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento
As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a
imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua
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Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em
leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens
contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante
natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel
perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral
aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores
quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave
luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem
composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local
em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo
A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela
cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A
impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena
que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma
53
desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do
ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas
sim no seu proacuteprio lucro
Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de
ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir
contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis
por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele
seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com
movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma
arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite
suavidade e calor agrave cena
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel
(variaccedilatildeo entre suave e dura)
Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando
com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na
lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em
equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira
imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais
onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena
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ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens
em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)
ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem
possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua
composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)
como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel
54 Ensaio sobre a Cegueira
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira
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Sinopse
O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que
atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas
passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no
tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados
em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a
lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a
uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que
juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute
baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com
o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de
cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo
manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O
enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para
a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e
branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria
compotildee as cenas da trama
Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento
panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da
trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade
esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o
motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa
ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais
Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o
motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo
adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de
quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia
56
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
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Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
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A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
59
do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
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ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
20
plano da expressatildeo ou no do conteuacutedo produzindo um efeito de
personalizaccedilatildeo muito embora remeta a obra anterior independente de
estabelecer uma relaccedilatildeo polecircmica ou contratual com aquela A estilizaccedilatildeo
intertextual na publicidade com referencial cinematograacutefico eacute constante e
ultrapassa o uso apenas dos elementos de linguagem cinematograacutefica Alguns
filmes publicitaacuterios utilizam em suas produccedilotildees as teacutecnicas de trucagem1 se
aproveitam dos efeitos especiais e ateacute dos estilos lanccedilados pelo cinema Um
bom exemplo dessa estilizaccedilatildeo encontra-se em um comercial da Samsung que
se utilizada da mesma esteacutetica tecnoloacutegia e uso de efeitos especiais do filme
Matrix (The Matrix de Andy e Larry Wachowski - 1999)
No Brasil de acordo com Covaleski (2009) eacute possiacutevel perceber tambeacutem um
caminho oposto a esta intertextualidade Cada vez mais a publicidade interfere na atual
produccedilatildeo cinematograacutefica nacional como fonte de inspiraccedilatildeo Este papel de fonte de
referecircncia possibilita a utilizaccedilatildeo de diferentes abordagens da linguagem audiovisual nas
produccedilotildees contemporacircneas como eacute o caso dos filmes ―Domeacutesticas ―Cidade de Deus
―O Jardineiro Fiel e ―Ensaio sobre a Cegueira de Fernando Meirelles
1 Trucagem A accedilatildeo de modificar imagens previamente filmadas ao vivo tanto em sua forma (cor e
tamanho) como na ordem de sua projeccedilatildeo (congelamento aceleraccedilatildeo inversatildeo) Satildeo possiacuteveis tambeacutem a
superposiccedilatildeo de letreiros a fusatildeo (teacutecnica de escurecer uma cena ao mesmo tempo em que outra vai
surgindo provocando a sobreposiccedilatildeo de uma sobre a outra) e outros efeitos especiais O equipamento
utilizado eacute a truca Disponiacutevel em lthttpwwwebaufmgbrmidiaartequadroaquadro gt Acesso em 14
Jun 2010
21
2 A fotografia na esteacutetica audiovisual
A palavra fotografia vem do grego foacutes (luz) e grafis (estilo pincel) ou
grafecirc e significa desenhar com luz e contraste Natildeo eacute possiacutevel definir um uacutenico
inventor pois foram vaacuterios os responsaacuteveis pela sua origem Em 1826 o francecircs Joseph
Niceacutephore Nieacutepce teve sua imagem reconhecida como a primeira fotografia tal imagem
foi produzida mediante o uso de uma placa de estanho coberta com um derivado de
petroacuteleo fotossensiacutevel chamado Betume da Judeacuteia O processo de exposiccedilatildeo agrave luz solar
chamado de heliografia durava cerca de oito horas para que a imagem fosse obtida
Neste mesmo periacuteodo Louis Daguerre deu continuidade aos experimentos
fotograacuteficos de Joseph Niceacutephore Nieacutepce fato este que lhe concedeu uma descoberta
decisiva Em 1835 Daguerre apanhou uma placa revestida de prata sensibilizada com
iodeto de prata que apesar de exposta natildeo apresentava sequer vestiacutegios de imagem
guardou-a displicentemente em um armaacuterio e ao abri-lo no dia seguinte encontrou uma
imagem revelada Fez experiecircncias por eliminaccedilatildeo com os outros produtos que estavam
no armaacuterio para descobrir que a imagem latente tinha sido revelada por accedilatildeo do mercuacuterio
Logo apoacutes o falecimento de Niegravepce Daguerre desenvolveu um processo
conhecido como daguerreotipia no qual era possiacutevel reduzir o tempo de revelaccedilatildeo de
horas para minutos devido a utilizaccedilatildeo de vapor de mercuacuterio Daguerre descreveu seu
processo agrave Academia de Ciecircncias e Belas Artes na Franccedila e logo depois requereu a
patente do seu invento na Inglaterra Breslin possibilita um melhor entendido deste
processo
Os daguerreoacutetipos inventados em 1839 foram os primeiros dentre os processos
fotograacuteficos iniciais a se tornar comercialmente disponiacuteveis O processo utiliza
placas uacutemidas que satildeo placas de cobre cobertas por uma emulsatildeo fotossensiacutevel
agrave base de prata As placas eram reveladas em campo enquanto ainda uacutemidas
criando um negativo Os negativos entatildeo podiam ser trazidos de volta ao
estuacutedio onde um pedaccedilo de papel fotograacutefico era assentado sobre a emulsatildeo do
negativo e exposto ao sol A luz do sol expunha a impressatildeo que era fixada (isto
eacute estabilizada por uma processo quiacutemico) e lavada (BRESLIN 2009 p26)
Jaacute em 1839 o britacircnico William Fox Talbot ao tomar conhecimento dos avanccedilos
de Daguerre decidiu apressar a apresentaccedilatildeo de suas pesquisas com papeacuteis fotossensiacuteveis
agrave Royal Institution e agrave Royal Society com o intuito de garantir os direitos sobre suas
invenccedilotildees No entanto Talbot desenvolveu um processo diferente denominado caloacutetipo -
utilizava folhas de papel cobertas com cloreto de prata que posteriormente eram colocadas
22
em contato com outro papel produzindo assim a imagem positiva Trata-se de um
processo semelhante ao usado atualmente em que utiliza-se um negativo para a obtenccedilatildeo
posterior de imagens positivas
A fotografia entatildeo popularizou-se como produto de consumo a partir de 1888 com
a introduccedilatildeo da cacircmera tipo caixatildeo e pelo filme em rolos substituiacuteveis criados por
George Eastman Desde entatildeo o mercado fotograacutefico tem experimentado uma crescente
evoluccedilatildeo tecnoloacutegica como o estabelecimento do filme colorido como padratildeo e o foco
automaacutetico ou exposiccedilatildeo automaacutetica Essas inovaccedilotildees sem duacutevida facilitam a captaccedilatildeo da
imagem melhoram a qualidade de reproduccedilatildeo ou a rapidez do processamento mas muito
pouco foi alterado nos princiacutepios baacutesicos da fotografia
A grande mudanccedila recente produzida a partir do final do seacuteculo XX foi a
digitalizaccedilatildeo dos sistemas fotograacuteficos A fotografia digital mudou paradigmas no mundo
da fotografia minimizando custos reduzindo etapas acelerando processos e facilitando a
produccedilatildeo manipulaccedilatildeo armazenamento e transmissatildeo de imagens pelo mundo O
aperfeiccediloamento da tecnologia de reproduccedilatildeo de imagens digitais tem quebrado barreiras
de restriccedilatildeo em relaccedilatildeo a este sistema por setores que ainda prestigiam o tradicional filme
e assim irreversivelmente ampliando o domiacutenio da fotografia digital
Natildeo se pode esquecer de salientar que a partir de tais descobertas no ramo da
fotografia eacute que foi possiacutevel a invenccedilatildeo do cinema O instantacircneo a possibilidade de
congelar um instante no fluxo contiacutenuo dos acontecimentos soacute se torna possiacutevel de fato
com o advento da fotografia Sendo assim os estudos de Muybrigde referentes aos
instantacircneos sucessivos associada ao aparato do fuzil fotograacutefico de Marey iratildeo resultar na
invenccedilatildeo do cinema Sabe-se que o cinema confere agrave imagem uma continuidade aparente
pois na verdade trata-se de uma seacuterie de instantacircneos separados por intervalos poreacutem aos
sentidos ele se apresenta de forma lisa e fluida como a proacutepria natureza do movimento
Machado acrescenta que
O cinema mesmo o cinema stricto sensu ou seja o cinema que se constitui a
partir do cinematoacutegrafo de LeRoy Edison Paul Skladanwsky e dos Lumiegravere
natildeo era nos seus primoacuterdios o que hoje chamamos de cinema Ele reunia na
sua base de celuloacuteide vaacuterias modalidades de espetaacuteculos derivadas das formas
populares de cultura como circo o carnaval a magia e a prestidigitaccedilatildeo a
pantomima a feira de atraccedilotildees e aberraccedilotildees etc (MACHADO 1997 p 76)
No iniacutecio os filmes eram de curta duraccedilatildeo nos quais o puacuteblico era composto
basicamente de operaacuterios As exibiccedilotildees eram realizadas em grandes galpotildees durante o
23
intervalo de serviccedilo do proletariado Machado (1997 p79) explica que o cinema era uma
em diversas atraccedilotildees oferecidas pelos vaudevilles pois ―natildeo se havia ainda desenvolvido
um conjunto de teacutecnicas e procedimentos de linguagem apropriados para a elaboraccedilatildeo de
uma narrativa visual que fosse suficientemente autocircnoma a ponto de poder se dispensar a
―explicaccedilatildeo de um apresentador
Atualmente pensa-se primeiramente em imagens forma-se um raciociacutenio a partir
de mosaicos audiovisuais que possibilitam um dado significado Tal modelo de
pensamento atraveacutes da imagem tecnoloacutegica deve-se ao conjunto de referecircncias
adquiridas
Assim sendo a fotografia possui papel fundamental na linguagem audiovisual
Sabe-se que a foi a partir da fotografia que se tornou possiacutevel agrave invenccedilatildeo do cinema
Dubois (2004) assegura que
Com a fotografia a maacutequina natildeo se contenta mais em preacute-ver ela inscreve
tambeacutem a imagem por meio das reaccedilotildees fotossensiacuteveis de certos materiais que
registram por si mesmos as aparecircncias sensiacuteveis geradas pela radiaccedilatildeo luminosa
A maacutequina intervecircm aqui portanto no coraccedilatildeo mesmo do processo de
constituiccedilatildeo da imagem que aparece assim como representaccedilatildeo quase
automaacuteticalsquo objetivalsquo sine manu factalsquo O gesto humano passa a ser mais um
gesto de conduccedilatildeo da maacutequina do que de figuraccedilatildeo direta (DUBOIS 2004
p38)
Em sua brilhante anaacutelise Barthes evidencia o fato de que a fotografia significa
muito mais uma ruptura do que uma continuidade em relaccedilatildeo agrave pintura Isso porque a
reaccedilatildeo quiacutemica dos sais de prata fotossensiacuteveis mediada pelo aparelho oacutetico que projeta a
imagem eacute colocada no centro do dispositivo de criaccedilatildeo da imagem deslocando o papel do
criador que antes que antes tinha que compor o instante representado a partir de instantes
distintos usando os coacutedigos da pintura para unificar a fatura e agora passava a poder
recortar um instante na sua proacutepria duraccedilatildeo com o uso da fotografia Dubois acrescenta
que tal uso
abandona o tempo crocircnico real evolutivo o tempo que passa como um rio
nosso tempo dos seres humanos inscritos na duraccedilatildeo para entrar em uma
temporalidade nova separada e simboacutelica a da foto temporalidade que tambeacutem
dura tatildeo infinita em princiacutepio quanto a primeira mas infinita na imobilidade
total congelada na interminaacutevel duraccedilatildeo das estaacutetuas (DUBOIS 1993 p168)
Com a invenccedilatildeo do instantacircneo fotograacutefico a pose a produccedilatildeo a composiccedilatildeo
elementos proacuteprios agrave linguagem da pintura figurativa satildeo subvertidas datildeo lugar tambeacutem
ao efecircmero ao flagrante agrave espontaneidade
Durante o seacuteculo XIX a fotografia buscou ancorar-se na esteacutetica proacutepria agrave pintura
para almejar sua entrada no panteatildeo das Belas-Artes em um movimento chamado pela
24
historiografia de pictorialismo Como bem analisou Walter Benjamin em sua Pequena
Histoacuteria da Fotografia de 1931 esse movimento se revelou improdutivo jaacute que os
fotoacutegrafos buscavam encaixar-se nos mesmos padrotildees de valoraccedilatildeo esteacutetica que foram
subvertidos com a invenccedilatildeo da fotografia
O discurso sobre a fotografia no seacuteculo XIX ainda estaacute muito contaminado por
valores esteacuteticos que consideram a teacutecnica em oposiccedilatildeo agrave arte ou na melhor das hipoacuteteses
como uma mera serviccedilal da arte Mas a proacutepria invenccedilatildeo da fotografia primeira forma de
produzir imagens completamente mediada pela teacutecnica na qual o ―laacutepis da Natureza
(Talbot) age sozinho sem a ajuda da matildeo do homem estava subvertendo completamente
os valores vigentes instaurando uma estreita ligaccedilatildeo entre teacutecnica e arte
Trazer a teacutecnica para o primeiro plano eacute uma das transformaccedilotildees mais radicais que
a imagem fotograacutefica instaura no campo da produccedilatildeo de imagens Esse tipo de imagem
criada por um aparelho chamada por Vileacutem Flusser de ―imagem teacutecnica foi capaz de
superar oposiccedilotildees vazias entre arte e teacutecnica
Com a virada para o seacuteculo XX se inicia um movimento de valorizaccedilatildeo da
fotografia por suas peculiaridades constitutivas advindas de seu proacuteprio mecanismo de
inscriccedilatildeo da imagem a instantaneidade o corte a conexatildeo fiacutesica com o referente A
chamada fotografia moderna se estabelece em duas frentes nas vanguardas europeacuteias e no
movimento chamado Photo Secession que ocorreu nos Estados Unidos8
A obra de Henri Cartier-Bresson eacute das mais importantes para a afirmaccedilatildeo da
fotografia por suas qualidades constitutivas Ele percebeu a potencialidade do aparato e o
foi um dos primeiros a usar uma cacircmera compacta de pequeno formato para sacar
instantes da realidade ainda na deacutecada de 1930 Com o tempo amadureceu uma filosofia
do chamado ―instante decisivo Para ele o fotoacutegrafo eacute como um flaneur que vaga pelo
mundo em busca daqueles raros momentos em que todos os elementos do enquadramento
se alinham em sua maacutexima expressatildeo dando agrave narrativa um potencial de siacutentese
A partir dessa reflexatildeo pode-se dizer que a fotografia audiovisual possibilita
transmitir ao espectador uma verossimilhanccedila com a realidade A anaacutelise da fotografia no
cinema se faz a partir do conhecimento dos elementos que a compotildee e suas variaccedilotildees
Assim cada elemento seraacute tratado separadamente para que seja possiacutevel uma melhor
explanaccedilatildeo de cada componente da fotografia audiovisual
25
21 Iluminaccedilatildeo
De acordo com Sousa (2004) eacute intuitivo afirmar que no momento em que se
ilumina um determinado objetopersonagem em detrimento de outros revela-se apenas
aquele que estaacute exposto agrave luz No entanto essa natildeo eacute a uacutenica contribuiccedilatildeo da iluminaccedilatildeo
para a construccedilatildeo de sentido a uma imagem Aleacutem disso eacute responsaacutevel por transmitir
noccedilotildees de profundidade e de relevo Segundo Roberts-Breslin (2009) eacute atraveacutes da
iluminaccedilatildeo que satildeo criados os padrotildees de luz e sombra que datildeo sentido ao nosso mundo
como tambeacutem o alto contraste do sol do meio-dia ou o baixo contraste monocromaacutetico
num dia chuvoso Aumont (2004) acrescenta que
A luz no cinema estaacute sempre ali e ateacute mesmo duplamente ali jaacute que a luz do
projetos ndash a luz depois do filme ndash serve para mostrar a luz registrada tal como
ela caiacutea sobre as coisas filmadas ndash a luz de antes do filme Haacute entre as duas uma
conivecircncia inextinguiacutevel jaacute reconhecida aqui mesmo em sua forma negativa ndash o
escuro - e que nutriu com frequecircncia a fantasia (em Murnau em Sternberg ou
Godard) de que uma natildeo eacute senatildeo a continuaccedilatildeo da outra por outros meios
Consequumlecircncia articulaccedilatildeo da diferenccedila a luz do quadro natildeo teve de ser
produzida realmente a do filme foi real Diferenccedila ontoloacutegica que se duplica em
outra infinitamente contingente poreacutem sensiacutevel a luz utilizada na produccedilatildeo do
filme eacute uma luz eleacutetrica seu aspecto eacute particular variaacutevel aliaacutes ao longo da
histoacuteria do cinema (AUMONT 2004 p 172)
As condiccedilotildees de iluminaccedilatildeo satildeo capazes de indicar a hora do dia a eacutepoca do ano e
a parte do planeta em que a imagem estaacute sendo reproduzida A luz ―empresta um tom a um
lugar ou experiecircncia ndash o brilho suave e romacircntico de uma vela as inesperadas e
desconhecidas sombras da noite a firme e escura melancolia do crepuacutesculo do inverno
ou seja possibilita a criaccedilatildeo de um determinado clima agrave cena (Breslin 2009 p87) Moura
afirma que
A fotografia em nada se diferencia da natureza Todas as luzes e efeitos estatildeo agrave
mostra para o olho educado Os efeitos dos filtros os contrastes das luzes as
densidades das cores tudo e todos estatildeo na natureza agrave vista de quem quiser ver
Se vocecirc prestar atenccedilatildeo ao tipo de luz que o sol gera saberaacute qual refletor de
quanto como e onde colocar Se vocecirc se abstrair do tamanho do sol e se
concentrar no efeito da sua luz poderaacute intuir a direccedilatildeo a natureza e a
intensidade da luz que vocecirc precisaraacute para ter o mesmo resultado Afinal de
contas o sol tem que iluminar a terra toda e noacutes soacute um pequeno estuacutedio As
diferenccedilas de tamanho satildeo irrelevantes para o raciociacutenio Para se chegar ao
pequeno partimos do grande Nada no pequeno mundo da fotografia inexiste no
vasto mundo de todos noacutes Talvez a uacutenica coisa que possamos criar e que jaacute natildeo
exista em escala maior e em melhor forma na natureza seja a escrita (MOURA
2001 p 20)
Breslin (2009 p88) acredita que a luz consiste na base da miacutedia visual pois
―tecnicamente a luz fornece a energia que nos permite reproduzir uma imagem
Esteticamente a luz junto com a composiccedilatildeo revela verdades e mentiras criando beleza e
26
feiura dentro do quadro Para Martin (2003 p 71) a iluminaccedilatildeo eacute o ―fator decisivo da
expressividade da imagem poreacutem sua importacircncia natildeo eacute percebida pelo espectador
devido ao fato de possibilitar a criaccedilatildeo de uma atmosferalsquo elemento este dificilmente
analisaacutevel
As sombras criadas com a iluminaccedilatildeo ―ajudam a transmitir profundidade clima e
lugar mas devem ser cuidadosamente controladas A iluminaccedilatildeo na verdade pode ser
definida como lanccedilar e controlar as sombrasrdquo (BRESLIN 2009 p95) Sendo assim a
luz possui vaacuterias caracteriacutesticas essenciais qualidade direccedilatildeosentido contraste
uniformidade cor e intensidade
Conforme Sousa (2004) a qualidade da luz refere-se principalmente ao tipo de
sombra que um objeto iluminado produz seja ela dura e definida ou suave a gradual
Breslin (2009) confirma tal classificaccedilatildeo ao dizer que
A qualidade de uma fonte de luz tem a ver com o modo como as ondas
percorrem o espaccedilo Se elas o fazem em linha reta a partir da fonte ateacute iluminar
o objeto satildeo refletidas de volta para a lente de um olho ou cacircmera em linhas
similarmente retas Isso produz luz dura direta ou localizada A energia
luminosa cobre uma aacuterea relativamente pequena mas manteacutem a intensidade ou
brilho maacuteximos A luz direta enfatiza a textura (BRESLIN 2009 p92)
A autora acrescenta que a luz que atinge um objeto pode ser dura ao produzir
sombras nitidamente definidas e partes mais claras distintas Jaacute quando produz partes
claras e sombras sutis e com uma borda menos definida ela eacute classificada como uma luz
suave Assim a luz comeccedila direta mas suas ondas podem desviar ou refletir de uma a
outra superfiacutecie ateacute que encontram o seu caminho para a lente Dependendo do caminho
percorrido se ―produz luz suave difusa ou lavada Uma fonte de luz difusa cobriraacute uma
aacuterea grande mas eacute menos intensa ou brilhante do que a mesma quantidade inicial de luz
direta na mesma distacircncia do objeto (BRESLIN 2009 p93)
Salles (2006) ressalta que ao iluminar artificialmente uma cena qualquer os planos
de composiccedilatildeo de luz desta cena devem ser cuidadosamente elaborados a fim de que a
fotografia do filme esteja em harmonia esteacutetica com o roteiro e sua proposta
22 Cor
Durante praticamente quarenta anos o cinema se manteve em preto e branco
Qualidade natural dos seres e objetos a cor possibilita maior realismo nas obras fiacutelmicas
pois aumenta a veracidade da imagem
27
Sendo assim a partir de um trabalho manual dos teacutecnicos que coloriam os filmes agrave
matildeo ou com o auxiacutelio de paletas eacute que se tornou possiacutevel colocar cor nas telas mediante
muito trabalho Experiecircncias foram realizadas e tomou-se conhecimento de uma nova
teacutecnica os chamados ―banhos onde a peliacutecula era tingida com cores uniformes com o
intuito de atribuir tanto realismo quanto simbolismo Basicamente era usado azul para
designar a noite e amarelo para as cenas de interiores agrave noite enquanto que para
simbolizar os incecircndios e as revoluccedilotildees optava-se pelo vermelho e para as matas e
paisagens a cor verde (MARTIN 2003) A bicromia e a tricomia comeccedilaram a serem
utilizadas em meados dos anos 30 No entanto eacute apenas na metade dos anos 50 que a cor
passou a ser usada de forma generalizada
Natildeo se pode negar que a cor possui um papel fundamental na composiccedilatildeo da
fotografia cinematograacutefica A partir de sua utilizaccedilatildeo torna-se possiacutevel representar a
realidade com mais perfeiccedilatildeo e precisatildeo Aumont (2003 p63) acrescenta que ―apesar da
especificidade da cor no cinema o modelo criacutetico e esteacutetico foi quase sempre a pintura
Esta circulou enormemente no imaginaacuterio fiacutelmico em trecircs grandes formas a
ficcionalizaccedilatildeo a imitaccedilatildeo e a anaacutelise sendo a base para as futuras produccedilotildees
audiovisuais Contudo o autor ressalta que
a ausecircncia de leis gerais e verificaacuteveis explica a ausecircncia quase total de reflexatildeo
teoacuterica sobre a cor na imagem em movimento As uacutenicas consideraccedilotildees agraves
vezes propostas no tocante ao valor simboacutelico ou expressivo da cor (o vermelho
como siacutembolo de guerra ou de paixatildeo o azul bem como o azul-celeste para a
paz o violeta associado agrave lamentaccedilatildeo funeraacuteria etc) Como tais valores satildeo bem
variaacuteveis conforme as culturas e as eacutepocas Eacute difiacutecil fazer uma teoria deles e a
esteacutetica da cor no cinema confunde-se praticamente com a constataccedilatildeo de
estilos pessoais ou de efeitos de gecircnero (AUMONT 2003 p63)
Ainda em relaccedilatildeo ao uso das cores fala-se em harmonia e contraste cromaacutetico A
harmonia ocorre quando em uma imagem existem cores proacuteximas (laranja amarelo
torrado amarelo e vermelho) Jaacute ao mencionar contraste cromaacutetico se refere quando na
imagem existem cores contrastantes (azul vs Vermelho amarelo vs Violeta por
exemplo) Contudo Sousa (2004) revela outras maneiras de evidenciar contraste
cromaacutetico (a) contraste de cores fortes com cores neutras (por exemplo vermelho vivo vs
cinzento claro) (b) complementaccedilatildeo entre cores claras e cores escuras (por exemplo o
amarelo-limatildeo faz o azul marinho parecer mais escuro) (c) contraste entre tons intensos
da mesma cor (o vermelho carregado contrasta com o vermelho claro)
Sousa (2004) acrescenta que eacute possiacutevel expressar quietude e tranquumlilidade ao
recorrer agrave harmonia cromaacutetica de cores quentes suaves como o castanho-terra suave e o
28
amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada
diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis
Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de
ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem
teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas
especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade
Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores
satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada
espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos
valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem
23 Enquadramentos
O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que
determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo
que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores
O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada
Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira
como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave
objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela
Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos
teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos
notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena
mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar
mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico
Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o
tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos
objetos que constituem a cena
Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees
possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de
detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar
Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma
29
―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para
a tela
231 Planos
O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre
dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no
qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute
determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da
objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da
narrativa que se pretende obter
Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada
autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute
possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos
planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o
observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta
planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os
intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro
plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens
plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por
exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA
(2004 p67-68)
A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano
Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade
fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte
1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro
2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos
joelhos para cima ou da cintura para cima
3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um
pouco abaixo
4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima
5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator
6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na
altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas
30
232 Acircngulos de Filmagem
De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto
que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir
um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo
superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto
que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade
No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de
baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de
superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e
do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do
personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele
em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador
233 Movimentos de Cacircmera
Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por
Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da
ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental
de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a
descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou
uma personagem
Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de
cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o
deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem
constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A
panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio
eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a
trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com
o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural
Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou
complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir
de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um
―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena
31
3 O cinema de autor
No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria
recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas
produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo
(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na
tela diferentes percepccedilotildees diante da trama
Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de
vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de
variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao
participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim
conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro
Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista
produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete
instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs
Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo
No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)
juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores
(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os
produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do
filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas
No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith
4
Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico
2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do
cinema mudo
3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano
um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas
4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de
Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o
movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o
filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)
5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro
de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia
de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou
em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia
32
devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e
dirigindo na publicidade de seus filmes
Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica
quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na
―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do
existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do
autor
Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-
sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e
substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a
atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando
que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo
metafiacutesicas (STAM 2003 p111)
Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo
que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi
responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou
a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras
refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica
abordando o ato de fazer e assistir a um filme
Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita
sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de
determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a
mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais
cineastas
Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers
Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica
Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes
que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar
conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as
filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios
seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma
simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)
Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do
Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os
grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas
6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem
como no sete de filmagem
33
como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o
suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e
o puacuteblico como seu divertimento
Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no
cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes
nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees
inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo
autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de
caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor
(COVALESKI 2009 p83)
Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o
contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa
eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a
obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma
noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a
outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI
2009 p 84)
Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute
responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo
do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute
responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas
necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo
com Bernardet
Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua
maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um
filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que
preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em
perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)
O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem
traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na
direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas
optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas
uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na
direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta
34
Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora
diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior
originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade
crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais
Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de
autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para
Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do
discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia
Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e
situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi
apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser
considerado como tal
O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica
com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra
determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem
defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos
paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor
Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja
autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de
1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e
Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de
presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de
suas matildeos
Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo
(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do
curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos
experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar
Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo
Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se
tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila
Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras
produtoras independentes do paiacutes
No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute
que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal
35
Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam
de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que
Meirelles considera ter feito em sua vida
No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas
publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos
que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar
notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar
e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas
da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para
natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar
em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade
Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a
produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando
Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2
Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no
mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios
internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca
de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio
Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede
Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura
completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um
departamento juriacutedico aacutegil
Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme
foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes
selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival
Internacional de Rotterdam
O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de
20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores
no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais
Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo
internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores
filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro
indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o
filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta
36
Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado
como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no
manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a
pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo
sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No
entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional
Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao
levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner
o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na
categoria de Melhor Diretor
Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando
Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do
romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O
filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14
de maio de 2008
37
4 Metodologia
A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando
compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria
nos filmes de Fernando Meirelles
Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave
argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise
detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades
sociais
Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo
aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de
entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira
indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o
caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como
objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro
Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra
selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes
representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a
esteacutetica publicitaacuteria
Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que
seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem
fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de
expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica
Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do
conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia
e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise
a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e
organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir
das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)
interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em
funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo
Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise
fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra
que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da
38
linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa
fiacutelmica
Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo
1 Preacute-anaacutelise
a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor
enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)
2 Descriccedilatildeo Analiacutetica
a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos
3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando
em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes
Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute
necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo
haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica
efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo
pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando
necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que
considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde
que natildeo descarte as antecedentes
39
5 Anaacutelises
Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica
publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel
a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica
descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo
estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a
narrativa de cada um dos filmes
Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de
Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)
51 Domeacutesticas
Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas
40
Sinopse
Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de
Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada
Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa
sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar
de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute
Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida
Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com
um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por
missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a
mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que
satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se
estivessem dando uma espeacutecie de depoimento
Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas
aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de
emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o
outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das
domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo
Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo
encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas
por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do
plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave
novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um
sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da
profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento
cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes
publicitaacuterios
41
Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas
(Plano aberto e plano conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas
com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal
Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos
lateralizados
A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em
plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo
pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee
possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem
disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco
conotando mais tristeza agrave cena
Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e
cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como
acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute
limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera
tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no
estacionamento do preacutedio
Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em
que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a
personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o
deslocamento da personagem daquele mundo
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Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas
(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de
serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves
tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas
com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)
Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em
um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um
domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao
casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte
observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre
sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o
responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua
profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela
As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena
No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo
agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute
43
devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de
nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude
alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade
sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento
Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as
personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo
O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo
vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das
diversas dificuldades no seu dia-a-dia
O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano
meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em
meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave
criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)
isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo
dos exageros
Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna
da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores
quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde
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e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila
dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme
Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas
52 Cidade de Deus
Sinopse
O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro
protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou
um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a
estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto
de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante
amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente
suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num
ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele
descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se
fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista
do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos
45
principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria
mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um
mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute
Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro
dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto
Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos
bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute
usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute
centralizada e em leve plongeacutee
Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no
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comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo
frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas
casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e
suave
A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do
traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na
criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar
perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-
plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem
Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano
geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo
compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando
naturalidade
Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)
47
Iluminaccedilatildeo e cor
Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo
deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute
observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa
frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo
pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo
Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste
elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem
a funccedilatildeo de criar um visual expressivo
Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente
natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a
inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre
dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na
cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute
ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo
consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena
interna e provavelmente noturna
Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua
maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais
frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo
com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute
amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute
modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos
48
periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo
publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama
Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante
Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com
a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um
material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a
imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee
com armas em punho apontadas para os policiais
Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela
49
Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus
53 O Jardineiro Fiel
Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel
50
Sinopse
O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em
Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa
uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem
aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para
substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes
um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute
transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu
idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a
trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin
acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir
na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de
amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa
estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional
envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em
seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a
disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no
Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e
ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar
como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se
para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final
bastante diferente do que seria esperado
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a
imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia
de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio
em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao
lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar
para se proteger
Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem
Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em
51
plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades
azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um
embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em
plongeacutee e plano aberto em conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na
figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A
imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano
aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo
dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais
amenos frios
Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada
retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao
receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade
possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento
As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a
imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua
52
Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em
leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens
contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante
natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel
perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral
aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores
quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave
luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem
composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local
em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo
A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela
cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A
impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena
que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma
53
desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do
ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas
sim no seu proacuteprio lucro
Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de
ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir
contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis
por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele
seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com
movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma
arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite
suavidade e calor agrave cena
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel
(variaccedilatildeo entre suave e dura)
Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando
com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na
lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em
equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira
imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais
onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena
54
ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens
em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)
ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem
possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua
composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)
como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel
54 Ensaio sobre a Cegueira
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira
55
Sinopse
O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que
atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas
passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no
tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados
em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a
lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a
uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que
juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute
baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com
o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de
cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo
manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O
enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para
a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e
branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria
compotildee as cenas da trama
Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento
panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da
trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade
esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o
motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa
ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais
Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o
motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo
adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de
quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia
56
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
57
Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
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A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
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do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
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Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003
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ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
21
2 A fotografia na esteacutetica audiovisual
A palavra fotografia vem do grego foacutes (luz) e grafis (estilo pincel) ou
grafecirc e significa desenhar com luz e contraste Natildeo eacute possiacutevel definir um uacutenico
inventor pois foram vaacuterios os responsaacuteveis pela sua origem Em 1826 o francecircs Joseph
Niceacutephore Nieacutepce teve sua imagem reconhecida como a primeira fotografia tal imagem
foi produzida mediante o uso de uma placa de estanho coberta com um derivado de
petroacuteleo fotossensiacutevel chamado Betume da Judeacuteia O processo de exposiccedilatildeo agrave luz solar
chamado de heliografia durava cerca de oito horas para que a imagem fosse obtida
Neste mesmo periacuteodo Louis Daguerre deu continuidade aos experimentos
fotograacuteficos de Joseph Niceacutephore Nieacutepce fato este que lhe concedeu uma descoberta
decisiva Em 1835 Daguerre apanhou uma placa revestida de prata sensibilizada com
iodeto de prata que apesar de exposta natildeo apresentava sequer vestiacutegios de imagem
guardou-a displicentemente em um armaacuterio e ao abri-lo no dia seguinte encontrou uma
imagem revelada Fez experiecircncias por eliminaccedilatildeo com os outros produtos que estavam
no armaacuterio para descobrir que a imagem latente tinha sido revelada por accedilatildeo do mercuacuterio
Logo apoacutes o falecimento de Niegravepce Daguerre desenvolveu um processo
conhecido como daguerreotipia no qual era possiacutevel reduzir o tempo de revelaccedilatildeo de
horas para minutos devido a utilizaccedilatildeo de vapor de mercuacuterio Daguerre descreveu seu
processo agrave Academia de Ciecircncias e Belas Artes na Franccedila e logo depois requereu a
patente do seu invento na Inglaterra Breslin possibilita um melhor entendido deste
processo
Os daguerreoacutetipos inventados em 1839 foram os primeiros dentre os processos
fotograacuteficos iniciais a se tornar comercialmente disponiacuteveis O processo utiliza
placas uacutemidas que satildeo placas de cobre cobertas por uma emulsatildeo fotossensiacutevel
agrave base de prata As placas eram reveladas em campo enquanto ainda uacutemidas
criando um negativo Os negativos entatildeo podiam ser trazidos de volta ao
estuacutedio onde um pedaccedilo de papel fotograacutefico era assentado sobre a emulsatildeo do
negativo e exposto ao sol A luz do sol expunha a impressatildeo que era fixada (isto
eacute estabilizada por uma processo quiacutemico) e lavada (BRESLIN 2009 p26)
Jaacute em 1839 o britacircnico William Fox Talbot ao tomar conhecimento dos avanccedilos
de Daguerre decidiu apressar a apresentaccedilatildeo de suas pesquisas com papeacuteis fotossensiacuteveis
agrave Royal Institution e agrave Royal Society com o intuito de garantir os direitos sobre suas
invenccedilotildees No entanto Talbot desenvolveu um processo diferente denominado caloacutetipo -
utilizava folhas de papel cobertas com cloreto de prata que posteriormente eram colocadas
22
em contato com outro papel produzindo assim a imagem positiva Trata-se de um
processo semelhante ao usado atualmente em que utiliza-se um negativo para a obtenccedilatildeo
posterior de imagens positivas
A fotografia entatildeo popularizou-se como produto de consumo a partir de 1888 com
a introduccedilatildeo da cacircmera tipo caixatildeo e pelo filme em rolos substituiacuteveis criados por
George Eastman Desde entatildeo o mercado fotograacutefico tem experimentado uma crescente
evoluccedilatildeo tecnoloacutegica como o estabelecimento do filme colorido como padratildeo e o foco
automaacutetico ou exposiccedilatildeo automaacutetica Essas inovaccedilotildees sem duacutevida facilitam a captaccedilatildeo da
imagem melhoram a qualidade de reproduccedilatildeo ou a rapidez do processamento mas muito
pouco foi alterado nos princiacutepios baacutesicos da fotografia
A grande mudanccedila recente produzida a partir do final do seacuteculo XX foi a
digitalizaccedilatildeo dos sistemas fotograacuteficos A fotografia digital mudou paradigmas no mundo
da fotografia minimizando custos reduzindo etapas acelerando processos e facilitando a
produccedilatildeo manipulaccedilatildeo armazenamento e transmissatildeo de imagens pelo mundo O
aperfeiccediloamento da tecnologia de reproduccedilatildeo de imagens digitais tem quebrado barreiras
de restriccedilatildeo em relaccedilatildeo a este sistema por setores que ainda prestigiam o tradicional filme
e assim irreversivelmente ampliando o domiacutenio da fotografia digital
Natildeo se pode esquecer de salientar que a partir de tais descobertas no ramo da
fotografia eacute que foi possiacutevel a invenccedilatildeo do cinema O instantacircneo a possibilidade de
congelar um instante no fluxo contiacutenuo dos acontecimentos soacute se torna possiacutevel de fato
com o advento da fotografia Sendo assim os estudos de Muybrigde referentes aos
instantacircneos sucessivos associada ao aparato do fuzil fotograacutefico de Marey iratildeo resultar na
invenccedilatildeo do cinema Sabe-se que o cinema confere agrave imagem uma continuidade aparente
pois na verdade trata-se de uma seacuterie de instantacircneos separados por intervalos poreacutem aos
sentidos ele se apresenta de forma lisa e fluida como a proacutepria natureza do movimento
Machado acrescenta que
O cinema mesmo o cinema stricto sensu ou seja o cinema que se constitui a
partir do cinematoacutegrafo de LeRoy Edison Paul Skladanwsky e dos Lumiegravere
natildeo era nos seus primoacuterdios o que hoje chamamos de cinema Ele reunia na
sua base de celuloacuteide vaacuterias modalidades de espetaacuteculos derivadas das formas
populares de cultura como circo o carnaval a magia e a prestidigitaccedilatildeo a
pantomima a feira de atraccedilotildees e aberraccedilotildees etc (MACHADO 1997 p 76)
No iniacutecio os filmes eram de curta duraccedilatildeo nos quais o puacuteblico era composto
basicamente de operaacuterios As exibiccedilotildees eram realizadas em grandes galpotildees durante o
23
intervalo de serviccedilo do proletariado Machado (1997 p79) explica que o cinema era uma
em diversas atraccedilotildees oferecidas pelos vaudevilles pois ―natildeo se havia ainda desenvolvido
um conjunto de teacutecnicas e procedimentos de linguagem apropriados para a elaboraccedilatildeo de
uma narrativa visual que fosse suficientemente autocircnoma a ponto de poder se dispensar a
―explicaccedilatildeo de um apresentador
Atualmente pensa-se primeiramente em imagens forma-se um raciociacutenio a partir
de mosaicos audiovisuais que possibilitam um dado significado Tal modelo de
pensamento atraveacutes da imagem tecnoloacutegica deve-se ao conjunto de referecircncias
adquiridas
Assim sendo a fotografia possui papel fundamental na linguagem audiovisual
Sabe-se que a foi a partir da fotografia que se tornou possiacutevel agrave invenccedilatildeo do cinema
Dubois (2004) assegura que
Com a fotografia a maacutequina natildeo se contenta mais em preacute-ver ela inscreve
tambeacutem a imagem por meio das reaccedilotildees fotossensiacuteveis de certos materiais que
registram por si mesmos as aparecircncias sensiacuteveis geradas pela radiaccedilatildeo luminosa
A maacutequina intervecircm aqui portanto no coraccedilatildeo mesmo do processo de
constituiccedilatildeo da imagem que aparece assim como representaccedilatildeo quase
automaacuteticalsquo objetivalsquo sine manu factalsquo O gesto humano passa a ser mais um
gesto de conduccedilatildeo da maacutequina do que de figuraccedilatildeo direta (DUBOIS 2004
p38)
Em sua brilhante anaacutelise Barthes evidencia o fato de que a fotografia significa
muito mais uma ruptura do que uma continuidade em relaccedilatildeo agrave pintura Isso porque a
reaccedilatildeo quiacutemica dos sais de prata fotossensiacuteveis mediada pelo aparelho oacutetico que projeta a
imagem eacute colocada no centro do dispositivo de criaccedilatildeo da imagem deslocando o papel do
criador que antes que antes tinha que compor o instante representado a partir de instantes
distintos usando os coacutedigos da pintura para unificar a fatura e agora passava a poder
recortar um instante na sua proacutepria duraccedilatildeo com o uso da fotografia Dubois acrescenta
que tal uso
abandona o tempo crocircnico real evolutivo o tempo que passa como um rio
nosso tempo dos seres humanos inscritos na duraccedilatildeo para entrar em uma
temporalidade nova separada e simboacutelica a da foto temporalidade que tambeacutem
dura tatildeo infinita em princiacutepio quanto a primeira mas infinita na imobilidade
total congelada na interminaacutevel duraccedilatildeo das estaacutetuas (DUBOIS 1993 p168)
Com a invenccedilatildeo do instantacircneo fotograacutefico a pose a produccedilatildeo a composiccedilatildeo
elementos proacuteprios agrave linguagem da pintura figurativa satildeo subvertidas datildeo lugar tambeacutem
ao efecircmero ao flagrante agrave espontaneidade
Durante o seacuteculo XIX a fotografia buscou ancorar-se na esteacutetica proacutepria agrave pintura
para almejar sua entrada no panteatildeo das Belas-Artes em um movimento chamado pela
24
historiografia de pictorialismo Como bem analisou Walter Benjamin em sua Pequena
Histoacuteria da Fotografia de 1931 esse movimento se revelou improdutivo jaacute que os
fotoacutegrafos buscavam encaixar-se nos mesmos padrotildees de valoraccedilatildeo esteacutetica que foram
subvertidos com a invenccedilatildeo da fotografia
O discurso sobre a fotografia no seacuteculo XIX ainda estaacute muito contaminado por
valores esteacuteticos que consideram a teacutecnica em oposiccedilatildeo agrave arte ou na melhor das hipoacuteteses
como uma mera serviccedilal da arte Mas a proacutepria invenccedilatildeo da fotografia primeira forma de
produzir imagens completamente mediada pela teacutecnica na qual o ―laacutepis da Natureza
(Talbot) age sozinho sem a ajuda da matildeo do homem estava subvertendo completamente
os valores vigentes instaurando uma estreita ligaccedilatildeo entre teacutecnica e arte
Trazer a teacutecnica para o primeiro plano eacute uma das transformaccedilotildees mais radicais que
a imagem fotograacutefica instaura no campo da produccedilatildeo de imagens Esse tipo de imagem
criada por um aparelho chamada por Vileacutem Flusser de ―imagem teacutecnica foi capaz de
superar oposiccedilotildees vazias entre arte e teacutecnica
Com a virada para o seacuteculo XX se inicia um movimento de valorizaccedilatildeo da
fotografia por suas peculiaridades constitutivas advindas de seu proacuteprio mecanismo de
inscriccedilatildeo da imagem a instantaneidade o corte a conexatildeo fiacutesica com o referente A
chamada fotografia moderna se estabelece em duas frentes nas vanguardas europeacuteias e no
movimento chamado Photo Secession que ocorreu nos Estados Unidos8
A obra de Henri Cartier-Bresson eacute das mais importantes para a afirmaccedilatildeo da
fotografia por suas qualidades constitutivas Ele percebeu a potencialidade do aparato e o
foi um dos primeiros a usar uma cacircmera compacta de pequeno formato para sacar
instantes da realidade ainda na deacutecada de 1930 Com o tempo amadureceu uma filosofia
do chamado ―instante decisivo Para ele o fotoacutegrafo eacute como um flaneur que vaga pelo
mundo em busca daqueles raros momentos em que todos os elementos do enquadramento
se alinham em sua maacutexima expressatildeo dando agrave narrativa um potencial de siacutentese
A partir dessa reflexatildeo pode-se dizer que a fotografia audiovisual possibilita
transmitir ao espectador uma verossimilhanccedila com a realidade A anaacutelise da fotografia no
cinema se faz a partir do conhecimento dos elementos que a compotildee e suas variaccedilotildees
Assim cada elemento seraacute tratado separadamente para que seja possiacutevel uma melhor
explanaccedilatildeo de cada componente da fotografia audiovisual
25
21 Iluminaccedilatildeo
De acordo com Sousa (2004) eacute intuitivo afirmar que no momento em que se
ilumina um determinado objetopersonagem em detrimento de outros revela-se apenas
aquele que estaacute exposto agrave luz No entanto essa natildeo eacute a uacutenica contribuiccedilatildeo da iluminaccedilatildeo
para a construccedilatildeo de sentido a uma imagem Aleacutem disso eacute responsaacutevel por transmitir
noccedilotildees de profundidade e de relevo Segundo Roberts-Breslin (2009) eacute atraveacutes da
iluminaccedilatildeo que satildeo criados os padrotildees de luz e sombra que datildeo sentido ao nosso mundo
como tambeacutem o alto contraste do sol do meio-dia ou o baixo contraste monocromaacutetico
num dia chuvoso Aumont (2004) acrescenta que
A luz no cinema estaacute sempre ali e ateacute mesmo duplamente ali jaacute que a luz do
projetos ndash a luz depois do filme ndash serve para mostrar a luz registrada tal como
ela caiacutea sobre as coisas filmadas ndash a luz de antes do filme Haacute entre as duas uma
conivecircncia inextinguiacutevel jaacute reconhecida aqui mesmo em sua forma negativa ndash o
escuro - e que nutriu com frequecircncia a fantasia (em Murnau em Sternberg ou
Godard) de que uma natildeo eacute senatildeo a continuaccedilatildeo da outra por outros meios
Consequumlecircncia articulaccedilatildeo da diferenccedila a luz do quadro natildeo teve de ser
produzida realmente a do filme foi real Diferenccedila ontoloacutegica que se duplica em
outra infinitamente contingente poreacutem sensiacutevel a luz utilizada na produccedilatildeo do
filme eacute uma luz eleacutetrica seu aspecto eacute particular variaacutevel aliaacutes ao longo da
histoacuteria do cinema (AUMONT 2004 p 172)
As condiccedilotildees de iluminaccedilatildeo satildeo capazes de indicar a hora do dia a eacutepoca do ano e
a parte do planeta em que a imagem estaacute sendo reproduzida A luz ―empresta um tom a um
lugar ou experiecircncia ndash o brilho suave e romacircntico de uma vela as inesperadas e
desconhecidas sombras da noite a firme e escura melancolia do crepuacutesculo do inverno
ou seja possibilita a criaccedilatildeo de um determinado clima agrave cena (Breslin 2009 p87) Moura
afirma que
A fotografia em nada se diferencia da natureza Todas as luzes e efeitos estatildeo agrave
mostra para o olho educado Os efeitos dos filtros os contrastes das luzes as
densidades das cores tudo e todos estatildeo na natureza agrave vista de quem quiser ver
Se vocecirc prestar atenccedilatildeo ao tipo de luz que o sol gera saberaacute qual refletor de
quanto como e onde colocar Se vocecirc se abstrair do tamanho do sol e se
concentrar no efeito da sua luz poderaacute intuir a direccedilatildeo a natureza e a
intensidade da luz que vocecirc precisaraacute para ter o mesmo resultado Afinal de
contas o sol tem que iluminar a terra toda e noacutes soacute um pequeno estuacutedio As
diferenccedilas de tamanho satildeo irrelevantes para o raciociacutenio Para se chegar ao
pequeno partimos do grande Nada no pequeno mundo da fotografia inexiste no
vasto mundo de todos noacutes Talvez a uacutenica coisa que possamos criar e que jaacute natildeo
exista em escala maior e em melhor forma na natureza seja a escrita (MOURA
2001 p 20)
Breslin (2009 p88) acredita que a luz consiste na base da miacutedia visual pois
―tecnicamente a luz fornece a energia que nos permite reproduzir uma imagem
Esteticamente a luz junto com a composiccedilatildeo revela verdades e mentiras criando beleza e
26
feiura dentro do quadro Para Martin (2003 p 71) a iluminaccedilatildeo eacute o ―fator decisivo da
expressividade da imagem poreacutem sua importacircncia natildeo eacute percebida pelo espectador
devido ao fato de possibilitar a criaccedilatildeo de uma atmosferalsquo elemento este dificilmente
analisaacutevel
As sombras criadas com a iluminaccedilatildeo ―ajudam a transmitir profundidade clima e
lugar mas devem ser cuidadosamente controladas A iluminaccedilatildeo na verdade pode ser
definida como lanccedilar e controlar as sombrasrdquo (BRESLIN 2009 p95) Sendo assim a
luz possui vaacuterias caracteriacutesticas essenciais qualidade direccedilatildeosentido contraste
uniformidade cor e intensidade
Conforme Sousa (2004) a qualidade da luz refere-se principalmente ao tipo de
sombra que um objeto iluminado produz seja ela dura e definida ou suave a gradual
Breslin (2009) confirma tal classificaccedilatildeo ao dizer que
A qualidade de uma fonte de luz tem a ver com o modo como as ondas
percorrem o espaccedilo Se elas o fazem em linha reta a partir da fonte ateacute iluminar
o objeto satildeo refletidas de volta para a lente de um olho ou cacircmera em linhas
similarmente retas Isso produz luz dura direta ou localizada A energia
luminosa cobre uma aacuterea relativamente pequena mas manteacutem a intensidade ou
brilho maacuteximos A luz direta enfatiza a textura (BRESLIN 2009 p92)
A autora acrescenta que a luz que atinge um objeto pode ser dura ao produzir
sombras nitidamente definidas e partes mais claras distintas Jaacute quando produz partes
claras e sombras sutis e com uma borda menos definida ela eacute classificada como uma luz
suave Assim a luz comeccedila direta mas suas ondas podem desviar ou refletir de uma a
outra superfiacutecie ateacute que encontram o seu caminho para a lente Dependendo do caminho
percorrido se ―produz luz suave difusa ou lavada Uma fonte de luz difusa cobriraacute uma
aacuterea grande mas eacute menos intensa ou brilhante do que a mesma quantidade inicial de luz
direta na mesma distacircncia do objeto (BRESLIN 2009 p93)
Salles (2006) ressalta que ao iluminar artificialmente uma cena qualquer os planos
de composiccedilatildeo de luz desta cena devem ser cuidadosamente elaborados a fim de que a
fotografia do filme esteja em harmonia esteacutetica com o roteiro e sua proposta
22 Cor
Durante praticamente quarenta anos o cinema se manteve em preto e branco
Qualidade natural dos seres e objetos a cor possibilita maior realismo nas obras fiacutelmicas
pois aumenta a veracidade da imagem
27
Sendo assim a partir de um trabalho manual dos teacutecnicos que coloriam os filmes agrave
matildeo ou com o auxiacutelio de paletas eacute que se tornou possiacutevel colocar cor nas telas mediante
muito trabalho Experiecircncias foram realizadas e tomou-se conhecimento de uma nova
teacutecnica os chamados ―banhos onde a peliacutecula era tingida com cores uniformes com o
intuito de atribuir tanto realismo quanto simbolismo Basicamente era usado azul para
designar a noite e amarelo para as cenas de interiores agrave noite enquanto que para
simbolizar os incecircndios e as revoluccedilotildees optava-se pelo vermelho e para as matas e
paisagens a cor verde (MARTIN 2003) A bicromia e a tricomia comeccedilaram a serem
utilizadas em meados dos anos 30 No entanto eacute apenas na metade dos anos 50 que a cor
passou a ser usada de forma generalizada
Natildeo se pode negar que a cor possui um papel fundamental na composiccedilatildeo da
fotografia cinematograacutefica A partir de sua utilizaccedilatildeo torna-se possiacutevel representar a
realidade com mais perfeiccedilatildeo e precisatildeo Aumont (2003 p63) acrescenta que ―apesar da
especificidade da cor no cinema o modelo criacutetico e esteacutetico foi quase sempre a pintura
Esta circulou enormemente no imaginaacuterio fiacutelmico em trecircs grandes formas a
ficcionalizaccedilatildeo a imitaccedilatildeo e a anaacutelise sendo a base para as futuras produccedilotildees
audiovisuais Contudo o autor ressalta que
a ausecircncia de leis gerais e verificaacuteveis explica a ausecircncia quase total de reflexatildeo
teoacuterica sobre a cor na imagem em movimento As uacutenicas consideraccedilotildees agraves
vezes propostas no tocante ao valor simboacutelico ou expressivo da cor (o vermelho
como siacutembolo de guerra ou de paixatildeo o azul bem como o azul-celeste para a
paz o violeta associado agrave lamentaccedilatildeo funeraacuteria etc) Como tais valores satildeo bem
variaacuteveis conforme as culturas e as eacutepocas Eacute difiacutecil fazer uma teoria deles e a
esteacutetica da cor no cinema confunde-se praticamente com a constataccedilatildeo de
estilos pessoais ou de efeitos de gecircnero (AUMONT 2003 p63)
Ainda em relaccedilatildeo ao uso das cores fala-se em harmonia e contraste cromaacutetico A
harmonia ocorre quando em uma imagem existem cores proacuteximas (laranja amarelo
torrado amarelo e vermelho) Jaacute ao mencionar contraste cromaacutetico se refere quando na
imagem existem cores contrastantes (azul vs Vermelho amarelo vs Violeta por
exemplo) Contudo Sousa (2004) revela outras maneiras de evidenciar contraste
cromaacutetico (a) contraste de cores fortes com cores neutras (por exemplo vermelho vivo vs
cinzento claro) (b) complementaccedilatildeo entre cores claras e cores escuras (por exemplo o
amarelo-limatildeo faz o azul marinho parecer mais escuro) (c) contraste entre tons intensos
da mesma cor (o vermelho carregado contrasta com o vermelho claro)
Sousa (2004) acrescenta que eacute possiacutevel expressar quietude e tranquumlilidade ao
recorrer agrave harmonia cromaacutetica de cores quentes suaves como o castanho-terra suave e o
28
amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada
diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis
Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de
ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem
teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas
especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade
Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores
satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada
espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos
valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem
23 Enquadramentos
O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que
determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo
que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores
O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada
Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira
como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave
objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela
Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos
teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos
notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena
mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar
mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico
Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o
tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos
objetos que constituem a cena
Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees
possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de
detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar
Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma
29
―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para
a tela
231 Planos
O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre
dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no
qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute
determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da
objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da
narrativa que se pretende obter
Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada
autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute
possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos
planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o
observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta
planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os
intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro
plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens
plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por
exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA
(2004 p67-68)
A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano
Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade
fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte
1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro
2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos
joelhos para cima ou da cintura para cima
3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um
pouco abaixo
4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima
5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator
6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na
altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas
30
232 Acircngulos de Filmagem
De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto
que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir
um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo
superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto
que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade
No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de
baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de
superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e
do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do
personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele
em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador
233 Movimentos de Cacircmera
Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por
Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da
ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental
de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a
descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou
uma personagem
Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de
cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o
deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem
constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A
panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio
eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a
trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com
o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural
Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou
complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir
de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um
―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena
31
3 O cinema de autor
No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria
recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas
produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo
(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na
tela diferentes percepccedilotildees diante da trama
Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de
vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de
variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao
participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim
conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro
Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista
produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete
instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs
Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo
No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)
juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores
(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os
produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do
filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas
No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith
4
Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico
2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do
cinema mudo
3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano
um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas
4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de
Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o
movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o
filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)
5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro
de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia
de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou
em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia
32
devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e
dirigindo na publicidade de seus filmes
Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica
quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na
―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do
existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do
autor
Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-
sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e
substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a
atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando
que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo
metafiacutesicas (STAM 2003 p111)
Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo
que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi
responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou
a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras
refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica
abordando o ato de fazer e assistir a um filme
Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita
sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de
determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a
mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais
cineastas
Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers
Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica
Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes
que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar
conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as
filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios
seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma
simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)
Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do
Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os
grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas
6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem
como no sete de filmagem
33
como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o
suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e
o puacuteblico como seu divertimento
Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no
cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes
nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees
inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo
autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de
caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor
(COVALESKI 2009 p83)
Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o
contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa
eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a
obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma
noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a
outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI
2009 p 84)
Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute
responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo
do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute
responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas
necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo
com Bernardet
Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua
maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um
filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que
preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em
perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)
O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem
traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na
direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas
optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas
uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na
direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta
34
Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora
diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior
originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade
crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais
Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de
autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para
Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do
discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia
Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e
situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi
apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser
considerado como tal
O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica
com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra
determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem
defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos
paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor
Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja
autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de
1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e
Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de
presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de
suas matildeos
Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo
(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do
curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos
experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar
Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo
Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se
tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila
Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras
produtoras independentes do paiacutes
No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute
que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal
35
Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam
de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que
Meirelles considera ter feito em sua vida
No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas
publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos
que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar
notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar
e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas
da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para
natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar
em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade
Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a
produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando
Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2
Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no
mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios
internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca
de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio
Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede
Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura
completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um
departamento juriacutedico aacutegil
Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme
foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes
selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival
Internacional de Rotterdam
O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de
20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores
no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais
Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo
internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores
filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro
indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o
filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta
36
Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado
como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no
manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a
pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo
sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No
entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional
Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao
levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner
o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na
categoria de Melhor Diretor
Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando
Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do
romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O
filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14
de maio de 2008
37
4 Metodologia
A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando
compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria
nos filmes de Fernando Meirelles
Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave
argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise
detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades
sociais
Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo
aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de
entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira
indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o
caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como
objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro
Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra
selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes
representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a
esteacutetica publicitaacuteria
Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que
seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem
fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de
expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica
Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do
conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia
e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise
a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e
organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir
das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)
interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em
funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo
Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise
fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra
que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da
38
linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa
fiacutelmica
Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo
1 Preacute-anaacutelise
a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor
enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)
2 Descriccedilatildeo Analiacutetica
a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos
3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando
em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes
Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute
necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo
haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica
efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo
pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando
necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que
considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde
que natildeo descarte as antecedentes
39
5 Anaacutelises
Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica
publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel
a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica
descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo
estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a
narrativa de cada um dos filmes
Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de
Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)
51 Domeacutesticas
Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas
40
Sinopse
Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de
Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada
Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa
sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar
de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute
Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida
Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com
um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por
missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a
mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que
satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se
estivessem dando uma espeacutecie de depoimento
Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas
aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de
emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o
outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das
domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo
Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo
encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas
por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do
plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave
novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um
sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da
profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento
cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes
publicitaacuterios
41
Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas
(Plano aberto e plano conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas
com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal
Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos
lateralizados
A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em
plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo
pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee
possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem
disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco
conotando mais tristeza agrave cena
Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e
cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como
acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute
limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera
tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no
estacionamento do preacutedio
Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em
que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a
personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o
deslocamento da personagem daquele mundo
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Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas
(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de
serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves
tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas
com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)
Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em
um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um
domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao
casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte
observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre
sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o
responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua
profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela
As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena
No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo
agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute
43
devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de
nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude
alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade
sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento
Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as
personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo
O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo
vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das
diversas dificuldades no seu dia-a-dia
O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano
meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em
meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave
criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)
isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo
dos exageros
Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna
da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores
quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde
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e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila
dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme
Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas
52 Cidade de Deus
Sinopse
O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro
protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou
um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a
estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto
de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante
amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente
suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num
ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele
descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se
fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista
do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos
45
principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria
mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um
mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute
Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro
dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto
Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos
bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute
usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute
centralizada e em leve plongeacutee
Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no
46
comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo
frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas
casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e
suave
A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do
traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na
criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar
perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-
plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem
Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano
geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo
compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando
naturalidade
Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)
47
Iluminaccedilatildeo e cor
Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo
deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute
observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa
frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo
pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo
Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste
elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem
a funccedilatildeo de criar um visual expressivo
Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente
natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a
inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre
dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na
cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute
ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo
consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena
interna e provavelmente noturna
Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua
maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais
frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo
com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute
amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute
modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos
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periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo
publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama
Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante
Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com
a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um
material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a
imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee
com armas em punho apontadas para os policiais
Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela
49
Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus
53 O Jardineiro Fiel
Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel
50
Sinopse
O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em
Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa
uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem
aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para
substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes
um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute
transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu
idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a
trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin
acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir
na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de
amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa
estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional
envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em
seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a
disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no
Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e
ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar
como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se
para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final
bastante diferente do que seria esperado
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a
imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia
de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio
em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao
lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar
para se proteger
Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem
Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em
51
plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades
azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um
embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em
plongeacutee e plano aberto em conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na
figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A
imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano
aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo
dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais
amenos frios
Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada
retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao
receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade
possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento
As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a
imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua
52
Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em
leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens
contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante
natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel
perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral
aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores
quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave
luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem
composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local
em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo
A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela
cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A
impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena
que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma
53
desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do
ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas
sim no seu proacuteprio lucro
Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de
ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir
contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis
por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele
seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com
movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma
arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite
suavidade e calor agrave cena
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel
(variaccedilatildeo entre suave e dura)
Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando
com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na
lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em
equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira
imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais
onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena
54
ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens
em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)
ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem
possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua
composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)
como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel
54 Ensaio sobre a Cegueira
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira
55
Sinopse
O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que
atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas
passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no
tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados
em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a
lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a
uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que
juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute
baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com
o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de
cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo
manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O
enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para
a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e
branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria
compotildee as cenas da trama
Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento
panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da
trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade
esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o
motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa
ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais
Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o
motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo
adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de
quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia
56
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
57
Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
58
A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
59
do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003
65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
22
em contato com outro papel produzindo assim a imagem positiva Trata-se de um
processo semelhante ao usado atualmente em que utiliza-se um negativo para a obtenccedilatildeo
posterior de imagens positivas
A fotografia entatildeo popularizou-se como produto de consumo a partir de 1888 com
a introduccedilatildeo da cacircmera tipo caixatildeo e pelo filme em rolos substituiacuteveis criados por
George Eastman Desde entatildeo o mercado fotograacutefico tem experimentado uma crescente
evoluccedilatildeo tecnoloacutegica como o estabelecimento do filme colorido como padratildeo e o foco
automaacutetico ou exposiccedilatildeo automaacutetica Essas inovaccedilotildees sem duacutevida facilitam a captaccedilatildeo da
imagem melhoram a qualidade de reproduccedilatildeo ou a rapidez do processamento mas muito
pouco foi alterado nos princiacutepios baacutesicos da fotografia
A grande mudanccedila recente produzida a partir do final do seacuteculo XX foi a
digitalizaccedilatildeo dos sistemas fotograacuteficos A fotografia digital mudou paradigmas no mundo
da fotografia minimizando custos reduzindo etapas acelerando processos e facilitando a
produccedilatildeo manipulaccedilatildeo armazenamento e transmissatildeo de imagens pelo mundo O
aperfeiccediloamento da tecnologia de reproduccedilatildeo de imagens digitais tem quebrado barreiras
de restriccedilatildeo em relaccedilatildeo a este sistema por setores que ainda prestigiam o tradicional filme
e assim irreversivelmente ampliando o domiacutenio da fotografia digital
Natildeo se pode esquecer de salientar que a partir de tais descobertas no ramo da
fotografia eacute que foi possiacutevel a invenccedilatildeo do cinema O instantacircneo a possibilidade de
congelar um instante no fluxo contiacutenuo dos acontecimentos soacute se torna possiacutevel de fato
com o advento da fotografia Sendo assim os estudos de Muybrigde referentes aos
instantacircneos sucessivos associada ao aparato do fuzil fotograacutefico de Marey iratildeo resultar na
invenccedilatildeo do cinema Sabe-se que o cinema confere agrave imagem uma continuidade aparente
pois na verdade trata-se de uma seacuterie de instantacircneos separados por intervalos poreacutem aos
sentidos ele se apresenta de forma lisa e fluida como a proacutepria natureza do movimento
Machado acrescenta que
O cinema mesmo o cinema stricto sensu ou seja o cinema que se constitui a
partir do cinematoacutegrafo de LeRoy Edison Paul Skladanwsky e dos Lumiegravere
natildeo era nos seus primoacuterdios o que hoje chamamos de cinema Ele reunia na
sua base de celuloacuteide vaacuterias modalidades de espetaacuteculos derivadas das formas
populares de cultura como circo o carnaval a magia e a prestidigitaccedilatildeo a
pantomima a feira de atraccedilotildees e aberraccedilotildees etc (MACHADO 1997 p 76)
No iniacutecio os filmes eram de curta duraccedilatildeo nos quais o puacuteblico era composto
basicamente de operaacuterios As exibiccedilotildees eram realizadas em grandes galpotildees durante o
23
intervalo de serviccedilo do proletariado Machado (1997 p79) explica que o cinema era uma
em diversas atraccedilotildees oferecidas pelos vaudevilles pois ―natildeo se havia ainda desenvolvido
um conjunto de teacutecnicas e procedimentos de linguagem apropriados para a elaboraccedilatildeo de
uma narrativa visual que fosse suficientemente autocircnoma a ponto de poder se dispensar a
―explicaccedilatildeo de um apresentador
Atualmente pensa-se primeiramente em imagens forma-se um raciociacutenio a partir
de mosaicos audiovisuais que possibilitam um dado significado Tal modelo de
pensamento atraveacutes da imagem tecnoloacutegica deve-se ao conjunto de referecircncias
adquiridas
Assim sendo a fotografia possui papel fundamental na linguagem audiovisual
Sabe-se que a foi a partir da fotografia que se tornou possiacutevel agrave invenccedilatildeo do cinema
Dubois (2004) assegura que
Com a fotografia a maacutequina natildeo se contenta mais em preacute-ver ela inscreve
tambeacutem a imagem por meio das reaccedilotildees fotossensiacuteveis de certos materiais que
registram por si mesmos as aparecircncias sensiacuteveis geradas pela radiaccedilatildeo luminosa
A maacutequina intervecircm aqui portanto no coraccedilatildeo mesmo do processo de
constituiccedilatildeo da imagem que aparece assim como representaccedilatildeo quase
automaacuteticalsquo objetivalsquo sine manu factalsquo O gesto humano passa a ser mais um
gesto de conduccedilatildeo da maacutequina do que de figuraccedilatildeo direta (DUBOIS 2004
p38)
Em sua brilhante anaacutelise Barthes evidencia o fato de que a fotografia significa
muito mais uma ruptura do que uma continuidade em relaccedilatildeo agrave pintura Isso porque a
reaccedilatildeo quiacutemica dos sais de prata fotossensiacuteveis mediada pelo aparelho oacutetico que projeta a
imagem eacute colocada no centro do dispositivo de criaccedilatildeo da imagem deslocando o papel do
criador que antes que antes tinha que compor o instante representado a partir de instantes
distintos usando os coacutedigos da pintura para unificar a fatura e agora passava a poder
recortar um instante na sua proacutepria duraccedilatildeo com o uso da fotografia Dubois acrescenta
que tal uso
abandona o tempo crocircnico real evolutivo o tempo que passa como um rio
nosso tempo dos seres humanos inscritos na duraccedilatildeo para entrar em uma
temporalidade nova separada e simboacutelica a da foto temporalidade que tambeacutem
dura tatildeo infinita em princiacutepio quanto a primeira mas infinita na imobilidade
total congelada na interminaacutevel duraccedilatildeo das estaacutetuas (DUBOIS 1993 p168)
Com a invenccedilatildeo do instantacircneo fotograacutefico a pose a produccedilatildeo a composiccedilatildeo
elementos proacuteprios agrave linguagem da pintura figurativa satildeo subvertidas datildeo lugar tambeacutem
ao efecircmero ao flagrante agrave espontaneidade
Durante o seacuteculo XIX a fotografia buscou ancorar-se na esteacutetica proacutepria agrave pintura
para almejar sua entrada no panteatildeo das Belas-Artes em um movimento chamado pela
24
historiografia de pictorialismo Como bem analisou Walter Benjamin em sua Pequena
Histoacuteria da Fotografia de 1931 esse movimento se revelou improdutivo jaacute que os
fotoacutegrafos buscavam encaixar-se nos mesmos padrotildees de valoraccedilatildeo esteacutetica que foram
subvertidos com a invenccedilatildeo da fotografia
O discurso sobre a fotografia no seacuteculo XIX ainda estaacute muito contaminado por
valores esteacuteticos que consideram a teacutecnica em oposiccedilatildeo agrave arte ou na melhor das hipoacuteteses
como uma mera serviccedilal da arte Mas a proacutepria invenccedilatildeo da fotografia primeira forma de
produzir imagens completamente mediada pela teacutecnica na qual o ―laacutepis da Natureza
(Talbot) age sozinho sem a ajuda da matildeo do homem estava subvertendo completamente
os valores vigentes instaurando uma estreita ligaccedilatildeo entre teacutecnica e arte
Trazer a teacutecnica para o primeiro plano eacute uma das transformaccedilotildees mais radicais que
a imagem fotograacutefica instaura no campo da produccedilatildeo de imagens Esse tipo de imagem
criada por um aparelho chamada por Vileacutem Flusser de ―imagem teacutecnica foi capaz de
superar oposiccedilotildees vazias entre arte e teacutecnica
Com a virada para o seacuteculo XX se inicia um movimento de valorizaccedilatildeo da
fotografia por suas peculiaridades constitutivas advindas de seu proacuteprio mecanismo de
inscriccedilatildeo da imagem a instantaneidade o corte a conexatildeo fiacutesica com o referente A
chamada fotografia moderna se estabelece em duas frentes nas vanguardas europeacuteias e no
movimento chamado Photo Secession que ocorreu nos Estados Unidos8
A obra de Henri Cartier-Bresson eacute das mais importantes para a afirmaccedilatildeo da
fotografia por suas qualidades constitutivas Ele percebeu a potencialidade do aparato e o
foi um dos primeiros a usar uma cacircmera compacta de pequeno formato para sacar
instantes da realidade ainda na deacutecada de 1930 Com o tempo amadureceu uma filosofia
do chamado ―instante decisivo Para ele o fotoacutegrafo eacute como um flaneur que vaga pelo
mundo em busca daqueles raros momentos em que todos os elementos do enquadramento
se alinham em sua maacutexima expressatildeo dando agrave narrativa um potencial de siacutentese
A partir dessa reflexatildeo pode-se dizer que a fotografia audiovisual possibilita
transmitir ao espectador uma verossimilhanccedila com a realidade A anaacutelise da fotografia no
cinema se faz a partir do conhecimento dos elementos que a compotildee e suas variaccedilotildees
Assim cada elemento seraacute tratado separadamente para que seja possiacutevel uma melhor
explanaccedilatildeo de cada componente da fotografia audiovisual
25
21 Iluminaccedilatildeo
De acordo com Sousa (2004) eacute intuitivo afirmar que no momento em que se
ilumina um determinado objetopersonagem em detrimento de outros revela-se apenas
aquele que estaacute exposto agrave luz No entanto essa natildeo eacute a uacutenica contribuiccedilatildeo da iluminaccedilatildeo
para a construccedilatildeo de sentido a uma imagem Aleacutem disso eacute responsaacutevel por transmitir
noccedilotildees de profundidade e de relevo Segundo Roberts-Breslin (2009) eacute atraveacutes da
iluminaccedilatildeo que satildeo criados os padrotildees de luz e sombra que datildeo sentido ao nosso mundo
como tambeacutem o alto contraste do sol do meio-dia ou o baixo contraste monocromaacutetico
num dia chuvoso Aumont (2004) acrescenta que
A luz no cinema estaacute sempre ali e ateacute mesmo duplamente ali jaacute que a luz do
projetos ndash a luz depois do filme ndash serve para mostrar a luz registrada tal como
ela caiacutea sobre as coisas filmadas ndash a luz de antes do filme Haacute entre as duas uma
conivecircncia inextinguiacutevel jaacute reconhecida aqui mesmo em sua forma negativa ndash o
escuro - e que nutriu com frequecircncia a fantasia (em Murnau em Sternberg ou
Godard) de que uma natildeo eacute senatildeo a continuaccedilatildeo da outra por outros meios
Consequumlecircncia articulaccedilatildeo da diferenccedila a luz do quadro natildeo teve de ser
produzida realmente a do filme foi real Diferenccedila ontoloacutegica que se duplica em
outra infinitamente contingente poreacutem sensiacutevel a luz utilizada na produccedilatildeo do
filme eacute uma luz eleacutetrica seu aspecto eacute particular variaacutevel aliaacutes ao longo da
histoacuteria do cinema (AUMONT 2004 p 172)
As condiccedilotildees de iluminaccedilatildeo satildeo capazes de indicar a hora do dia a eacutepoca do ano e
a parte do planeta em que a imagem estaacute sendo reproduzida A luz ―empresta um tom a um
lugar ou experiecircncia ndash o brilho suave e romacircntico de uma vela as inesperadas e
desconhecidas sombras da noite a firme e escura melancolia do crepuacutesculo do inverno
ou seja possibilita a criaccedilatildeo de um determinado clima agrave cena (Breslin 2009 p87) Moura
afirma que
A fotografia em nada se diferencia da natureza Todas as luzes e efeitos estatildeo agrave
mostra para o olho educado Os efeitos dos filtros os contrastes das luzes as
densidades das cores tudo e todos estatildeo na natureza agrave vista de quem quiser ver
Se vocecirc prestar atenccedilatildeo ao tipo de luz que o sol gera saberaacute qual refletor de
quanto como e onde colocar Se vocecirc se abstrair do tamanho do sol e se
concentrar no efeito da sua luz poderaacute intuir a direccedilatildeo a natureza e a
intensidade da luz que vocecirc precisaraacute para ter o mesmo resultado Afinal de
contas o sol tem que iluminar a terra toda e noacutes soacute um pequeno estuacutedio As
diferenccedilas de tamanho satildeo irrelevantes para o raciociacutenio Para se chegar ao
pequeno partimos do grande Nada no pequeno mundo da fotografia inexiste no
vasto mundo de todos noacutes Talvez a uacutenica coisa que possamos criar e que jaacute natildeo
exista em escala maior e em melhor forma na natureza seja a escrita (MOURA
2001 p 20)
Breslin (2009 p88) acredita que a luz consiste na base da miacutedia visual pois
―tecnicamente a luz fornece a energia que nos permite reproduzir uma imagem
Esteticamente a luz junto com a composiccedilatildeo revela verdades e mentiras criando beleza e
26
feiura dentro do quadro Para Martin (2003 p 71) a iluminaccedilatildeo eacute o ―fator decisivo da
expressividade da imagem poreacutem sua importacircncia natildeo eacute percebida pelo espectador
devido ao fato de possibilitar a criaccedilatildeo de uma atmosferalsquo elemento este dificilmente
analisaacutevel
As sombras criadas com a iluminaccedilatildeo ―ajudam a transmitir profundidade clima e
lugar mas devem ser cuidadosamente controladas A iluminaccedilatildeo na verdade pode ser
definida como lanccedilar e controlar as sombrasrdquo (BRESLIN 2009 p95) Sendo assim a
luz possui vaacuterias caracteriacutesticas essenciais qualidade direccedilatildeosentido contraste
uniformidade cor e intensidade
Conforme Sousa (2004) a qualidade da luz refere-se principalmente ao tipo de
sombra que um objeto iluminado produz seja ela dura e definida ou suave a gradual
Breslin (2009) confirma tal classificaccedilatildeo ao dizer que
A qualidade de uma fonte de luz tem a ver com o modo como as ondas
percorrem o espaccedilo Se elas o fazem em linha reta a partir da fonte ateacute iluminar
o objeto satildeo refletidas de volta para a lente de um olho ou cacircmera em linhas
similarmente retas Isso produz luz dura direta ou localizada A energia
luminosa cobre uma aacuterea relativamente pequena mas manteacutem a intensidade ou
brilho maacuteximos A luz direta enfatiza a textura (BRESLIN 2009 p92)
A autora acrescenta que a luz que atinge um objeto pode ser dura ao produzir
sombras nitidamente definidas e partes mais claras distintas Jaacute quando produz partes
claras e sombras sutis e com uma borda menos definida ela eacute classificada como uma luz
suave Assim a luz comeccedila direta mas suas ondas podem desviar ou refletir de uma a
outra superfiacutecie ateacute que encontram o seu caminho para a lente Dependendo do caminho
percorrido se ―produz luz suave difusa ou lavada Uma fonte de luz difusa cobriraacute uma
aacuterea grande mas eacute menos intensa ou brilhante do que a mesma quantidade inicial de luz
direta na mesma distacircncia do objeto (BRESLIN 2009 p93)
Salles (2006) ressalta que ao iluminar artificialmente uma cena qualquer os planos
de composiccedilatildeo de luz desta cena devem ser cuidadosamente elaborados a fim de que a
fotografia do filme esteja em harmonia esteacutetica com o roteiro e sua proposta
22 Cor
Durante praticamente quarenta anos o cinema se manteve em preto e branco
Qualidade natural dos seres e objetos a cor possibilita maior realismo nas obras fiacutelmicas
pois aumenta a veracidade da imagem
27
Sendo assim a partir de um trabalho manual dos teacutecnicos que coloriam os filmes agrave
matildeo ou com o auxiacutelio de paletas eacute que se tornou possiacutevel colocar cor nas telas mediante
muito trabalho Experiecircncias foram realizadas e tomou-se conhecimento de uma nova
teacutecnica os chamados ―banhos onde a peliacutecula era tingida com cores uniformes com o
intuito de atribuir tanto realismo quanto simbolismo Basicamente era usado azul para
designar a noite e amarelo para as cenas de interiores agrave noite enquanto que para
simbolizar os incecircndios e as revoluccedilotildees optava-se pelo vermelho e para as matas e
paisagens a cor verde (MARTIN 2003) A bicromia e a tricomia comeccedilaram a serem
utilizadas em meados dos anos 30 No entanto eacute apenas na metade dos anos 50 que a cor
passou a ser usada de forma generalizada
Natildeo se pode negar que a cor possui um papel fundamental na composiccedilatildeo da
fotografia cinematograacutefica A partir de sua utilizaccedilatildeo torna-se possiacutevel representar a
realidade com mais perfeiccedilatildeo e precisatildeo Aumont (2003 p63) acrescenta que ―apesar da
especificidade da cor no cinema o modelo criacutetico e esteacutetico foi quase sempre a pintura
Esta circulou enormemente no imaginaacuterio fiacutelmico em trecircs grandes formas a
ficcionalizaccedilatildeo a imitaccedilatildeo e a anaacutelise sendo a base para as futuras produccedilotildees
audiovisuais Contudo o autor ressalta que
a ausecircncia de leis gerais e verificaacuteveis explica a ausecircncia quase total de reflexatildeo
teoacuterica sobre a cor na imagem em movimento As uacutenicas consideraccedilotildees agraves
vezes propostas no tocante ao valor simboacutelico ou expressivo da cor (o vermelho
como siacutembolo de guerra ou de paixatildeo o azul bem como o azul-celeste para a
paz o violeta associado agrave lamentaccedilatildeo funeraacuteria etc) Como tais valores satildeo bem
variaacuteveis conforme as culturas e as eacutepocas Eacute difiacutecil fazer uma teoria deles e a
esteacutetica da cor no cinema confunde-se praticamente com a constataccedilatildeo de
estilos pessoais ou de efeitos de gecircnero (AUMONT 2003 p63)
Ainda em relaccedilatildeo ao uso das cores fala-se em harmonia e contraste cromaacutetico A
harmonia ocorre quando em uma imagem existem cores proacuteximas (laranja amarelo
torrado amarelo e vermelho) Jaacute ao mencionar contraste cromaacutetico se refere quando na
imagem existem cores contrastantes (azul vs Vermelho amarelo vs Violeta por
exemplo) Contudo Sousa (2004) revela outras maneiras de evidenciar contraste
cromaacutetico (a) contraste de cores fortes com cores neutras (por exemplo vermelho vivo vs
cinzento claro) (b) complementaccedilatildeo entre cores claras e cores escuras (por exemplo o
amarelo-limatildeo faz o azul marinho parecer mais escuro) (c) contraste entre tons intensos
da mesma cor (o vermelho carregado contrasta com o vermelho claro)
Sousa (2004) acrescenta que eacute possiacutevel expressar quietude e tranquumlilidade ao
recorrer agrave harmonia cromaacutetica de cores quentes suaves como o castanho-terra suave e o
28
amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada
diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis
Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de
ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem
teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas
especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade
Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores
satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada
espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos
valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem
23 Enquadramentos
O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que
determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo
que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores
O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada
Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira
como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave
objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela
Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos
teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos
notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena
mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar
mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico
Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o
tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos
objetos que constituem a cena
Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees
possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de
detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar
Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma
29
―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para
a tela
231 Planos
O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre
dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no
qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute
determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da
objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da
narrativa que se pretende obter
Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada
autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute
possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos
planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o
observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta
planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os
intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro
plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens
plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por
exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA
(2004 p67-68)
A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano
Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade
fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte
1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro
2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos
joelhos para cima ou da cintura para cima
3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um
pouco abaixo
4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima
5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator
6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na
altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas
30
232 Acircngulos de Filmagem
De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto
que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir
um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo
superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto
que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade
No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de
baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de
superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e
do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do
personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele
em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador
233 Movimentos de Cacircmera
Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por
Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da
ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental
de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a
descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou
uma personagem
Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de
cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o
deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem
constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A
panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio
eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a
trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com
o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural
Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou
complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir
de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um
―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena
31
3 O cinema de autor
No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria
recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas
produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo
(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na
tela diferentes percepccedilotildees diante da trama
Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de
vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de
variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao
participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim
conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro
Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista
produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete
instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs
Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo
No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)
juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores
(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os
produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do
filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas
No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith
4
Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico
2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do
cinema mudo
3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano
um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas
4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de
Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o
movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o
filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)
5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro
de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia
de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou
em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia
32
devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e
dirigindo na publicidade de seus filmes
Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica
quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na
―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do
existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do
autor
Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-
sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e
substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a
atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando
que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo
metafiacutesicas (STAM 2003 p111)
Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo
que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi
responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou
a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras
refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica
abordando o ato de fazer e assistir a um filme
Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita
sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de
determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a
mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais
cineastas
Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers
Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica
Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes
que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar
conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as
filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios
seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma
simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)
Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do
Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os
grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas
6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem
como no sete de filmagem
33
como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o
suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e
o puacuteblico como seu divertimento
Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no
cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes
nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees
inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo
autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de
caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor
(COVALESKI 2009 p83)
Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o
contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa
eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a
obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma
noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a
outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI
2009 p 84)
Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute
responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo
do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute
responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas
necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo
com Bernardet
Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua
maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um
filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que
preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em
perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)
O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem
traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na
direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas
optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas
uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na
direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta
34
Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora
diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior
originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade
crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais
Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de
autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para
Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do
discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia
Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e
situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi
apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser
considerado como tal
O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica
com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra
determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem
defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos
paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor
Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja
autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de
1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e
Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de
presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de
suas matildeos
Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo
(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do
curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos
experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar
Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo
Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se
tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila
Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras
produtoras independentes do paiacutes
No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute
que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal
35
Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam
de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que
Meirelles considera ter feito em sua vida
No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas
publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos
que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar
notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar
e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas
da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para
natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar
em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade
Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a
produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando
Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2
Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no
mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios
internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca
de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio
Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede
Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura
completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um
departamento juriacutedico aacutegil
Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme
foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes
selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival
Internacional de Rotterdam
O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de
20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores
no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais
Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo
internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores
filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro
indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o
filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta
36
Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado
como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no
manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a
pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo
sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No
entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional
Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao
levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner
o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na
categoria de Melhor Diretor
Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando
Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do
romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O
filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14
de maio de 2008
37
4 Metodologia
A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando
compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria
nos filmes de Fernando Meirelles
Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave
argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise
detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades
sociais
Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo
aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de
entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira
indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o
caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como
objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro
Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra
selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes
representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a
esteacutetica publicitaacuteria
Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que
seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem
fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de
expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica
Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do
conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia
e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise
a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e
organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir
das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)
interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em
funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo
Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise
fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra
que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da
38
linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa
fiacutelmica
Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo
1 Preacute-anaacutelise
a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor
enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)
2 Descriccedilatildeo Analiacutetica
a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos
3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando
em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes
Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute
necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo
haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica
efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo
pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando
necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que
considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde
que natildeo descarte as antecedentes
39
5 Anaacutelises
Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica
publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel
a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica
descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo
estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a
narrativa de cada um dos filmes
Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de
Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)
51 Domeacutesticas
Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas
40
Sinopse
Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de
Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada
Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa
sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar
de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute
Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida
Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com
um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por
missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a
mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que
satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se
estivessem dando uma espeacutecie de depoimento
Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas
aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de
emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o
outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das
domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo
Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo
encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas
por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do
plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave
novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um
sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da
profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento
cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes
publicitaacuterios
41
Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas
(Plano aberto e plano conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas
com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal
Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos
lateralizados
A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em
plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo
pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee
possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem
disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco
conotando mais tristeza agrave cena
Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e
cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como
acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute
limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera
tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no
estacionamento do preacutedio
Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em
que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a
personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o
deslocamento da personagem daquele mundo
42
Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas
(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de
serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves
tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas
com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)
Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em
um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um
domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao
casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte
observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre
sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o
responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua
profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela
As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena
No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo
agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute
43
devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de
nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude
alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade
sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento
Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as
personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo
O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo
vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das
diversas dificuldades no seu dia-a-dia
O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano
meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em
meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave
criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)
isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo
dos exageros
Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna
da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores
quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde
44
e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila
dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme
Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas
52 Cidade de Deus
Sinopse
O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro
protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou
um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a
estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto
de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante
amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente
suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num
ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele
descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se
fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista
do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos
45
principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria
mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um
mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute
Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro
dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto
Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos
bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute
usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute
centralizada e em leve plongeacutee
Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no
46
comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo
frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas
casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e
suave
A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do
traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na
criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar
perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-
plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem
Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano
geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo
compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando
naturalidade
Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)
47
Iluminaccedilatildeo e cor
Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo
deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute
observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa
frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo
pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo
Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste
elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem
a funccedilatildeo de criar um visual expressivo
Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente
natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a
inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre
dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na
cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute
ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo
consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena
interna e provavelmente noturna
Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua
maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais
frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo
com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute
amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute
modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos
48
periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo
publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama
Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante
Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com
a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um
material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a
imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee
com armas em punho apontadas para os policiais
Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela
49
Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus
53 O Jardineiro Fiel
Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel
50
Sinopse
O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em
Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa
uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem
aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para
substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes
um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute
transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu
idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a
trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin
acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir
na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de
amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa
estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional
envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em
seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a
disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no
Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e
ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar
como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se
para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final
bastante diferente do que seria esperado
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a
imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia
de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio
em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao
lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar
para se proteger
Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem
Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em
51
plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades
azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um
embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em
plongeacutee e plano aberto em conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na
figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A
imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano
aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo
dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais
amenos frios
Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada
retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao
receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade
possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento
As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a
imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua
52
Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em
leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens
contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante
natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel
perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral
aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores
quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave
luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem
composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local
em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo
A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela
cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A
impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena
que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma
53
desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do
ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas
sim no seu proacuteprio lucro
Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de
ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir
contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis
por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele
seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com
movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma
arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite
suavidade e calor agrave cena
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel
(variaccedilatildeo entre suave e dura)
Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando
com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na
lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em
equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira
imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais
onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena
54
ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens
em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)
ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem
possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua
composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)
como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel
54 Ensaio sobre a Cegueira
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira
55
Sinopse
O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que
atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas
passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no
tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados
em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a
lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a
uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que
juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute
baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com
o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de
cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo
manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O
enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para
a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e
branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria
compotildee as cenas da trama
Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento
panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da
trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade
esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o
motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa
ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais
Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o
motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo
adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de
quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia
56
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
57
Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
58
A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
59
do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
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65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
23
intervalo de serviccedilo do proletariado Machado (1997 p79) explica que o cinema era uma
em diversas atraccedilotildees oferecidas pelos vaudevilles pois ―natildeo se havia ainda desenvolvido
um conjunto de teacutecnicas e procedimentos de linguagem apropriados para a elaboraccedilatildeo de
uma narrativa visual que fosse suficientemente autocircnoma a ponto de poder se dispensar a
―explicaccedilatildeo de um apresentador
Atualmente pensa-se primeiramente em imagens forma-se um raciociacutenio a partir
de mosaicos audiovisuais que possibilitam um dado significado Tal modelo de
pensamento atraveacutes da imagem tecnoloacutegica deve-se ao conjunto de referecircncias
adquiridas
Assim sendo a fotografia possui papel fundamental na linguagem audiovisual
Sabe-se que a foi a partir da fotografia que se tornou possiacutevel agrave invenccedilatildeo do cinema
Dubois (2004) assegura que
Com a fotografia a maacutequina natildeo se contenta mais em preacute-ver ela inscreve
tambeacutem a imagem por meio das reaccedilotildees fotossensiacuteveis de certos materiais que
registram por si mesmos as aparecircncias sensiacuteveis geradas pela radiaccedilatildeo luminosa
A maacutequina intervecircm aqui portanto no coraccedilatildeo mesmo do processo de
constituiccedilatildeo da imagem que aparece assim como representaccedilatildeo quase
automaacuteticalsquo objetivalsquo sine manu factalsquo O gesto humano passa a ser mais um
gesto de conduccedilatildeo da maacutequina do que de figuraccedilatildeo direta (DUBOIS 2004
p38)
Em sua brilhante anaacutelise Barthes evidencia o fato de que a fotografia significa
muito mais uma ruptura do que uma continuidade em relaccedilatildeo agrave pintura Isso porque a
reaccedilatildeo quiacutemica dos sais de prata fotossensiacuteveis mediada pelo aparelho oacutetico que projeta a
imagem eacute colocada no centro do dispositivo de criaccedilatildeo da imagem deslocando o papel do
criador que antes que antes tinha que compor o instante representado a partir de instantes
distintos usando os coacutedigos da pintura para unificar a fatura e agora passava a poder
recortar um instante na sua proacutepria duraccedilatildeo com o uso da fotografia Dubois acrescenta
que tal uso
abandona o tempo crocircnico real evolutivo o tempo que passa como um rio
nosso tempo dos seres humanos inscritos na duraccedilatildeo para entrar em uma
temporalidade nova separada e simboacutelica a da foto temporalidade que tambeacutem
dura tatildeo infinita em princiacutepio quanto a primeira mas infinita na imobilidade
total congelada na interminaacutevel duraccedilatildeo das estaacutetuas (DUBOIS 1993 p168)
Com a invenccedilatildeo do instantacircneo fotograacutefico a pose a produccedilatildeo a composiccedilatildeo
elementos proacuteprios agrave linguagem da pintura figurativa satildeo subvertidas datildeo lugar tambeacutem
ao efecircmero ao flagrante agrave espontaneidade
Durante o seacuteculo XIX a fotografia buscou ancorar-se na esteacutetica proacutepria agrave pintura
para almejar sua entrada no panteatildeo das Belas-Artes em um movimento chamado pela
24
historiografia de pictorialismo Como bem analisou Walter Benjamin em sua Pequena
Histoacuteria da Fotografia de 1931 esse movimento se revelou improdutivo jaacute que os
fotoacutegrafos buscavam encaixar-se nos mesmos padrotildees de valoraccedilatildeo esteacutetica que foram
subvertidos com a invenccedilatildeo da fotografia
O discurso sobre a fotografia no seacuteculo XIX ainda estaacute muito contaminado por
valores esteacuteticos que consideram a teacutecnica em oposiccedilatildeo agrave arte ou na melhor das hipoacuteteses
como uma mera serviccedilal da arte Mas a proacutepria invenccedilatildeo da fotografia primeira forma de
produzir imagens completamente mediada pela teacutecnica na qual o ―laacutepis da Natureza
(Talbot) age sozinho sem a ajuda da matildeo do homem estava subvertendo completamente
os valores vigentes instaurando uma estreita ligaccedilatildeo entre teacutecnica e arte
Trazer a teacutecnica para o primeiro plano eacute uma das transformaccedilotildees mais radicais que
a imagem fotograacutefica instaura no campo da produccedilatildeo de imagens Esse tipo de imagem
criada por um aparelho chamada por Vileacutem Flusser de ―imagem teacutecnica foi capaz de
superar oposiccedilotildees vazias entre arte e teacutecnica
Com a virada para o seacuteculo XX se inicia um movimento de valorizaccedilatildeo da
fotografia por suas peculiaridades constitutivas advindas de seu proacuteprio mecanismo de
inscriccedilatildeo da imagem a instantaneidade o corte a conexatildeo fiacutesica com o referente A
chamada fotografia moderna se estabelece em duas frentes nas vanguardas europeacuteias e no
movimento chamado Photo Secession que ocorreu nos Estados Unidos8
A obra de Henri Cartier-Bresson eacute das mais importantes para a afirmaccedilatildeo da
fotografia por suas qualidades constitutivas Ele percebeu a potencialidade do aparato e o
foi um dos primeiros a usar uma cacircmera compacta de pequeno formato para sacar
instantes da realidade ainda na deacutecada de 1930 Com o tempo amadureceu uma filosofia
do chamado ―instante decisivo Para ele o fotoacutegrafo eacute como um flaneur que vaga pelo
mundo em busca daqueles raros momentos em que todos os elementos do enquadramento
se alinham em sua maacutexima expressatildeo dando agrave narrativa um potencial de siacutentese
A partir dessa reflexatildeo pode-se dizer que a fotografia audiovisual possibilita
transmitir ao espectador uma verossimilhanccedila com a realidade A anaacutelise da fotografia no
cinema se faz a partir do conhecimento dos elementos que a compotildee e suas variaccedilotildees
Assim cada elemento seraacute tratado separadamente para que seja possiacutevel uma melhor
explanaccedilatildeo de cada componente da fotografia audiovisual
25
21 Iluminaccedilatildeo
De acordo com Sousa (2004) eacute intuitivo afirmar que no momento em que se
ilumina um determinado objetopersonagem em detrimento de outros revela-se apenas
aquele que estaacute exposto agrave luz No entanto essa natildeo eacute a uacutenica contribuiccedilatildeo da iluminaccedilatildeo
para a construccedilatildeo de sentido a uma imagem Aleacutem disso eacute responsaacutevel por transmitir
noccedilotildees de profundidade e de relevo Segundo Roberts-Breslin (2009) eacute atraveacutes da
iluminaccedilatildeo que satildeo criados os padrotildees de luz e sombra que datildeo sentido ao nosso mundo
como tambeacutem o alto contraste do sol do meio-dia ou o baixo contraste monocromaacutetico
num dia chuvoso Aumont (2004) acrescenta que
A luz no cinema estaacute sempre ali e ateacute mesmo duplamente ali jaacute que a luz do
projetos ndash a luz depois do filme ndash serve para mostrar a luz registrada tal como
ela caiacutea sobre as coisas filmadas ndash a luz de antes do filme Haacute entre as duas uma
conivecircncia inextinguiacutevel jaacute reconhecida aqui mesmo em sua forma negativa ndash o
escuro - e que nutriu com frequecircncia a fantasia (em Murnau em Sternberg ou
Godard) de que uma natildeo eacute senatildeo a continuaccedilatildeo da outra por outros meios
Consequumlecircncia articulaccedilatildeo da diferenccedila a luz do quadro natildeo teve de ser
produzida realmente a do filme foi real Diferenccedila ontoloacutegica que se duplica em
outra infinitamente contingente poreacutem sensiacutevel a luz utilizada na produccedilatildeo do
filme eacute uma luz eleacutetrica seu aspecto eacute particular variaacutevel aliaacutes ao longo da
histoacuteria do cinema (AUMONT 2004 p 172)
As condiccedilotildees de iluminaccedilatildeo satildeo capazes de indicar a hora do dia a eacutepoca do ano e
a parte do planeta em que a imagem estaacute sendo reproduzida A luz ―empresta um tom a um
lugar ou experiecircncia ndash o brilho suave e romacircntico de uma vela as inesperadas e
desconhecidas sombras da noite a firme e escura melancolia do crepuacutesculo do inverno
ou seja possibilita a criaccedilatildeo de um determinado clima agrave cena (Breslin 2009 p87) Moura
afirma que
A fotografia em nada se diferencia da natureza Todas as luzes e efeitos estatildeo agrave
mostra para o olho educado Os efeitos dos filtros os contrastes das luzes as
densidades das cores tudo e todos estatildeo na natureza agrave vista de quem quiser ver
Se vocecirc prestar atenccedilatildeo ao tipo de luz que o sol gera saberaacute qual refletor de
quanto como e onde colocar Se vocecirc se abstrair do tamanho do sol e se
concentrar no efeito da sua luz poderaacute intuir a direccedilatildeo a natureza e a
intensidade da luz que vocecirc precisaraacute para ter o mesmo resultado Afinal de
contas o sol tem que iluminar a terra toda e noacutes soacute um pequeno estuacutedio As
diferenccedilas de tamanho satildeo irrelevantes para o raciociacutenio Para se chegar ao
pequeno partimos do grande Nada no pequeno mundo da fotografia inexiste no
vasto mundo de todos noacutes Talvez a uacutenica coisa que possamos criar e que jaacute natildeo
exista em escala maior e em melhor forma na natureza seja a escrita (MOURA
2001 p 20)
Breslin (2009 p88) acredita que a luz consiste na base da miacutedia visual pois
―tecnicamente a luz fornece a energia que nos permite reproduzir uma imagem
Esteticamente a luz junto com a composiccedilatildeo revela verdades e mentiras criando beleza e
26
feiura dentro do quadro Para Martin (2003 p 71) a iluminaccedilatildeo eacute o ―fator decisivo da
expressividade da imagem poreacutem sua importacircncia natildeo eacute percebida pelo espectador
devido ao fato de possibilitar a criaccedilatildeo de uma atmosferalsquo elemento este dificilmente
analisaacutevel
As sombras criadas com a iluminaccedilatildeo ―ajudam a transmitir profundidade clima e
lugar mas devem ser cuidadosamente controladas A iluminaccedilatildeo na verdade pode ser
definida como lanccedilar e controlar as sombrasrdquo (BRESLIN 2009 p95) Sendo assim a
luz possui vaacuterias caracteriacutesticas essenciais qualidade direccedilatildeosentido contraste
uniformidade cor e intensidade
Conforme Sousa (2004) a qualidade da luz refere-se principalmente ao tipo de
sombra que um objeto iluminado produz seja ela dura e definida ou suave a gradual
Breslin (2009) confirma tal classificaccedilatildeo ao dizer que
A qualidade de uma fonte de luz tem a ver com o modo como as ondas
percorrem o espaccedilo Se elas o fazem em linha reta a partir da fonte ateacute iluminar
o objeto satildeo refletidas de volta para a lente de um olho ou cacircmera em linhas
similarmente retas Isso produz luz dura direta ou localizada A energia
luminosa cobre uma aacuterea relativamente pequena mas manteacutem a intensidade ou
brilho maacuteximos A luz direta enfatiza a textura (BRESLIN 2009 p92)
A autora acrescenta que a luz que atinge um objeto pode ser dura ao produzir
sombras nitidamente definidas e partes mais claras distintas Jaacute quando produz partes
claras e sombras sutis e com uma borda menos definida ela eacute classificada como uma luz
suave Assim a luz comeccedila direta mas suas ondas podem desviar ou refletir de uma a
outra superfiacutecie ateacute que encontram o seu caminho para a lente Dependendo do caminho
percorrido se ―produz luz suave difusa ou lavada Uma fonte de luz difusa cobriraacute uma
aacuterea grande mas eacute menos intensa ou brilhante do que a mesma quantidade inicial de luz
direta na mesma distacircncia do objeto (BRESLIN 2009 p93)
Salles (2006) ressalta que ao iluminar artificialmente uma cena qualquer os planos
de composiccedilatildeo de luz desta cena devem ser cuidadosamente elaborados a fim de que a
fotografia do filme esteja em harmonia esteacutetica com o roteiro e sua proposta
22 Cor
Durante praticamente quarenta anos o cinema se manteve em preto e branco
Qualidade natural dos seres e objetos a cor possibilita maior realismo nas obras fiacutelmicas
pois aumenta a veracidade da imagem
27
Sendo assim a partir de um trabalho manual dos teacutecnicos que coloriam os filmes agrave
matildeo ou com o auxiacutelio de paletas eacute que se tornou possiacutevel colocar cor nas telas mediante
muito trabalho Experiecircncias foram realizadas e tomou-se conhecimento de uma nova
teacutecnica os chamados ―banhos onde a peliacutecula era tingida com cores uniformes com o
intuito de atribuir tanto realismo quanto simbolismo Basicamente era usado azul para
designar a noite e amarelo para as cenas de interiores agrave noite enquanto que para
simbolizar os incecircndios e as revoluccedilotildees optava-se pelo vermelho e para as matas e
paisagens a cor verde (MARTIN 2003) A bicromia e a tricomia comeccedilaram a serem
utilizadas em meados dos anos 30 No entanto eacute apenas na metade dos anos 50 que a cor
passou a ser usada de forma generalizada
Natildeo se pode negar que a cor possui um papel fundamental na composiccedilatildeo da
fotografia cinematograacutefica A partir de sua utilizaccedilatildeo torna-se possiacutevel representar a
realidade com mais perfeiccedilatildeo e precisatildeo Aumont (2003 p63) acrescenta que ―apesar da
especificidade da cor no cinema o modelo criacutetico e esteacutetico foi quase sempre a pintura
Esta circulou enormemente no imaginaacuterio fiacutelmico em trecircs grandes formas a
ficcionalizaccedilatildeo a imitaccedilatildeo e a anaacutelise sendo a base para as futuras produccedilotildees
audiovisuais Contudo o autor ressalta que
a ausecircncia de leis gerais e verificaacuteveis explica a ausecircncia quase total de reflexatildeo
teoacuterica sobre a cor na imagem em movimento As uacutenicas consideraccedilotildees agraves
vezes propostas no tocante ao valor simboacutelico ou expressivo da cor (o vermelho
como siacutembolo de guerra ou de paixatildeo o azul bem como o azul-celeste para a
paz o violeta associado agrave lamentaccedilatildeo funeraacuteria etc) Como tais valores satildeo bem
variaacuteveis conforme as culturas e as eacutepocas Eacute difiacutecil fazer uma teoria deles e a
esteacutetica da cor no cinema confunde-se praticamente com a constataccedilatildeo de
estilos pessoais ou de efeitos de gecircnero (AUMONT 2003 p63)
Ainda em relaccedilatildeo ao uso das cores fala-se em harmonia e contraste cromaacutetico A
harmonia ocorre quando em uma imagem existem cores proacuteximas (laranja amarelo
torrado amarelo e vermelho) Jaacute ao mencionar contraste cromaacutetico se refere quando na
imagem existem cores contrastantes (azul vs Vermelho amarelo vs Violeta por
exemplo) Contudo Sousa (2004) revela outras maneiras de evidenciar contraste
cromaacutetico (a) contraste de cores fortes com cores neutras (por exemplo vermelho vivo vs
cinzento claro) (b) complementaccedilatildeo entre cores claras e cores escuras (por exemplo o
amarelo-limatildeo faz o azul marinho parecer mais escuro) (c) contraste entre tons intensos
da mesma cor (o vermelho carregado contrasta com o vermelho claro)
Sousa (2004) acrescenta que eacute possiacutevel expressar quietude e tranquumlilidade ao
recorrer agrave harmonia cromaacutetica de cores quentes suaves como o castanho-terra suave e o
28
amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada
diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis
Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de
ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem
teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas
especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade
Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores
satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada
espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos
valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem
23 Enquadramentos
O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que
determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo
que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores
O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada
Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira
como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave
objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela
Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos
teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos
notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena
mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar
mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico
Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o
tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos
objetos que constituem a cena
Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees
possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de
detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar
Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma
29
―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para
a tela
231 Planos
O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre
dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no
qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute
determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da
objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da
narrativa que se pretende obter
Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada
autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute
possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos
planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o
observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta
planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os
intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro
plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens
plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por
exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA
(2004 p67-68)
A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano
Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade
fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte
1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro
2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos
joelhos para cima ou da cintura para cima
3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um
pouco abaixo
4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima
5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator
6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na
altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas
30
232 Acircngulos de Filmagem
De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto
que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir
um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo
superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto
que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade
No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de
baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de
superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e
do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do
personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele
em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador
233 Movimentos de Cacircmera
Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por
Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da
ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental
de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a
descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou
uma personagem
Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de
cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o
deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem
constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A
panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio
eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a
trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com
o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural
Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou
complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir
de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um
―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena
31
3 O cinema de autor
No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria
recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas
produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo
(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na
tela diferentes percepccedilotildees diante da trama
Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de
vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de
variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao
participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim
conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro
Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista
produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete
instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs
Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo
No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)
juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores
(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os
produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do
filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas
No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith
4
Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico
2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do
cinema mudo
3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano
um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas
4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de
Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o
movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o
filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)
5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro
de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia
de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou
em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia
32
devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e
dirigindo na publicidade de seus filmes
Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica
quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na
―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do
existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do
autor
Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-
sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e
substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a
atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando
que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo
metafiacutesicas (STAM 2003 p111)
Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo
que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi
responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou
a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras
refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica
abordando o ato de fazer e assistir a um filme
Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita
sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de
determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a
mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais
cineastas
Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers
Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica
Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes
que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar
conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as
filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios
seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma
simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)
Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do
Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os
grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas
6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem
como no sete de filmagem
33
como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o
suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e
o puacuteblico como seu divertimento
Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no
cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes
nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees
inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo
autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de
caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor
(COVALESKI 2009 p83)
Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o
contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa
eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a
obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma
noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a
outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI
2009 p 84)
Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute
responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo
do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute
responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas
necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo
com Bernardet
Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua
maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um
filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que
preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em
perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)
O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem
traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na
direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas
optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas
uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na
direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta
34
Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora
diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior
originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade
crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais
Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de
autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para
Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do
discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia
Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e
situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi
apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser
considerado como tal
O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica
com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra
determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem
defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos
paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor
Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja
autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de
1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e
Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de
presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de
suas matildeos
Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo
(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do
curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos
experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar
Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo
Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se
tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila
Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras
produtoras independentes do paiacutes
No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute
que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal
35
Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam
de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que
Meirelles considera ter feito em sua vida
No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas
publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos
que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar
notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar
e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas
da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para
natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar
em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade
Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a
produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando
Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2
Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no
mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios
internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca
de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio
Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede
Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura
completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um
departamento juriacutedico aacutegil
Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme
foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes
selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival
Internacional de Rotterdam
O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de
20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores
no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais
Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo
internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores
filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro
indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o
filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta
36
Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado
como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no
manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a
pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo
sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No
entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional
Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao
levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner
o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na
categoria de Melhor Diretor
Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando
Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do
romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O
filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14
de maio de 2008
37
4 Metodologia
A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando
compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria
nos filmes de Fernando Meirelles
Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave
argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise
detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades
sociais
Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo
aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de
entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira
indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o
caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como
objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro
Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra
selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes
representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a
esteacutetica publicitaacuteria
Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que
seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem
fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de
expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica
Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do
conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia
e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise
a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e
organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir
das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)
interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em
funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo
Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise
fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra
que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da
38
linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa
fiacutelmica
Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo
1 Preacute-anaacutelise
a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor
enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)
2 Descriccedilatildeo Analiacutetica
a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos
3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando
em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes
Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute
necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo
haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica
efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo
pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando
necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que
considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde
que natildeo descarte as antecedentes
39
5 Anaacutelises
Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica
publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel
a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica
descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo
estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a
narrativa de cada um dos filmes
Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de
Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)
51 Domeacutesticas
Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas
40
Sinopse
Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de
Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada
Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa
sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar
de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute
Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida
Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com
um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por
missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a
mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que
satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se
estivessem dando uma espeacutecie de depoimento
Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas
aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de
emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o
outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das
domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo
Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo
encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas
por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do
plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave
novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um
sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da
profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento
cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes
publicitaacuterios
41
Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas
(Plano aberto e plano conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas
com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal
Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos
lateralizados
A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em
plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo
pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee
possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem
disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco
conotando mais tristeza agrave cena
Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e
cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como
acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute
limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera
tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no
estacionamento do preacutedio
Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em
que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a
personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o
deslocamento da personagem daquele mundo
42
Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas
(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de
serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves
tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas
com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)
Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em
um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um
domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao
casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte
observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre
sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o
responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua
profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela
As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena
No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo
agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute
43
devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de
nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude
alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade
sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento
Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as
personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo
O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo
vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das
diversas dificuldades no seu dia-a-dia
O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano
meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em
meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave
criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)
isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo
dos exageros
Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna
da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores
quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde
44
e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila
dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme
Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas
52 Cidade de Deus
Sinopse
O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro
protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou
um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a
estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto
de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante
amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente
suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num
ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele
descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se
fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista
do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos
45
principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria
mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um
mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute
Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro
dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto
Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos
bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute
usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute
centralizada e em leve plongeacutee
Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no
46
comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo
frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas
casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e
suave
A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do
traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na
criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar
perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-
plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem
Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano
geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo
compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando
naturalidade
Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)
47
Iluminaccedilatildeo e cor
Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo
deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute
observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa
frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo
pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo
Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste
elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem
a funccedilatildeo de criar um visual expressivo
Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente
natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a
inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre
dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na
cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute
ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo
consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena
interna e provavelmente noturna
Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua
maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais
frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo
com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute
amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute
modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos
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periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo
publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama
Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante
Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com
a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um
material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a
imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee
com armas em punho apontadas para os policiais
Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela
49
Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus
53 O Jardineiro Fiel
Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel
50
Sinopse
O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em
Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa
uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem
aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para
substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes
um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute
transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu
idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a
trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin
acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir
na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de
amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa
estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional
envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em
seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a
disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no
Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e
ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar
como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se
para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final
bastante diferente do que seria esperado
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a
imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia
de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio
em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao
lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar
para se proteger
Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem
Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em
51
plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades
azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um
embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em
plongeacutee e plano aberto em conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na
figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A
imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano
aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo
dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais
amenos frios
Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada
retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao
receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade
possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento
As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a
imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua
52
Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em
leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens
contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante
natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel
perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral
aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores
quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave
luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem
composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local
em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo
A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela
cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A
impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena
que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma
53
desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do
ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas
sim no seu proacuteprio lucro
Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de
ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir
contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis
por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele
seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com
movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma
arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite
suavidade e calor agrave cena
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel
(variaccedilatildeo entre suave e dura)
Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando
com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na
lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em
equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira
imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais
onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena
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ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens
em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)
ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem
possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua
composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)
como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel
54 Ensaio sobre a Cegueira
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira
55
Sinopse
O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que
atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas
passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no
tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados
em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a
lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a
uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que
juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute
baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com
o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de
cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo
manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O
enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para
a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e
branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria
compotildee as cenas da trama
Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento
panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da
trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade
esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o
motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa
ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais
Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o
motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo
adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de
quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia
56
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
57
Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
58
A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
59
do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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2007 Disponiacutevel em lthttpblogdeblindnessblogspotcomgt
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guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos
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64
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XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e
Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003
65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
24
historiografia de pictorialismo Como bem analisou Walter Benjamin em sua Pequena
Histoacuteria da Fotografia de 1931 esse movimento se revelou improdutivo jaacute que os
fotoacutegrafos buscavam encaixar-se nos mesmos padrotildees de valoraccedilatildeo esteacutetica que foram
subvertidos com a invenccedilatildeo da fotografia
O discurso sobre a fotografia no seacuteculo XIX ainda estaacute muito contaminado por
valores esteacuteticos que consideram a teacutecnica em oposiccedilatildeo agrave arte ou na melhor das hipoacuteteses
como uma mera serviccedilal da arte Mas a proacutepria invenccedilatildeo da fotografia primeira forma de
produzir imagens completamente mediada pela teacutecnica na qual o ―laacutepis da Natureza
(Talbot) age sozinho sem a ajuda da matildeo do homem estava subvertendo completamente
os valores vigentes instaurando uma estreita ligaccedilatildeo entre teacutecnica e arte
Trazer a teacutecnica para o primeiro plano eacute uma das transformaccedilotildees mais radicais que
a imagem fotograacutefica instaura no campo da produccedilatildeo de imagens Esse tipo de imagem
criada por um aparelho chamada por Vileacutem Flusser de ―imagem teacutecnica foi capaz de
superar oposiccedilotildees vazias entre arte e teacutecnica
Com a virada para o seacuteculo XX se inicia um movimento de valorizaccedilatildeo da
fotografia por suas peculiaridades constitutivas advindas de seu proacuteprio mecanismo de
inscriccedilatildeo da imagem a instantaneidade o corte a conexatildeo fiacutesica com o referente A
chamada fotografia moderna se estabelece em duas frentes nas vanguardas europeacuteias e no
movimento chamado Photo Secession que ocorreu nos Estados Unidos8
A obra de Henri Cartier-Bresson eacute das mais importantes para a afirmaccedilatildeo da
fotografia por suas qualidades constitutivas Ele percebeu a potencialidade do aparato e o
foi um dos primeiros a usar uma cacircmera compacta de pequeno formato para sacar
instantes da realidade ainda na deacutecada de 1930 Com o tempo amadureceu uma filosofia
do chamado ―instante decisivo Para ele o fotoacutegrafo eacute como um flaneur que vaga pelo
mundo em busca daqueles raros momentos em que todos os elementos do enquadramento
se alinham em sua maacutexima expressatildeo dando agrave narrativa um potencial de siacutentese
A partir dessa reflexatildeo pode-se dizer que a fotografia audiovisual possibilita
transmitir ao espectador uma verossimilhanccedila com a realidade A anaacutelise da fotografia no
cinema se faz a partir do conhecimento dos elementos que a compotildee e suas variaccedilotildees
Assim cada elemento seraacute tratado separadamente para que seja possiacutevel uma melhor
explanaccedilatildeo de cada componente da fotografia audiovisual
25
21 Iluminaccedilatildeo
De acordo com Sousa (2004) eacute intuitivo afirmar que no momento em que se
ilumina um determinado objetopersonagem em detrimento de outros revela-se apenas
aquele que estaacute exposto agrave luz No entanto essa natildeo eacute a uacutenica contribuiccedilatildeo da iluminaccedilatildeo
para a construccedilatildeo de sentido a uma imagem Aleacutem disso eacute responsaacutevel por transmitir
noccedilotildees de profundidade e de relevo Segundo Roberts-Breslin (2009) eacute atraveacutes da
iluminaccedilatildeo que satildeo criados os padrotildees de luz e sombra que datildeo sentido ao nosso mundo
como tambeacutem o alto contraste do sol do meio-dia ou o baixo contraste monocromaacutetico
num dia chuvoso Aumont (2004) acrescenta que
A luz no cinema estaacute sempre ali e ateacute mesmo duplamente ali jaacute que a luz do
projetos ndash a luz depois do filme ndash serve para mostrar a luz registrada tal como
ela caiacutea sobre as coisas filmadas ndash a luz de antes do filme Haacute entre as duas uma
conivecircncia inextinguiacutevel jaacute reconhecida aqui mesmo em sua forma negativa ndash o
escuro - e que nutriu com frequecircncia a fantasia (em Murnau em Sternberg ou
Godard) de que uma natildeo eacute senatildeo a continuaccedilatildeo da outra por outros meios
Consequumlecircncia articulaccedilatildeo da diferenccedila a luz do quadro natildeo teve de ser
produzida realmente a do filme foi real Diferenccedila ontoloacutegica que se duplica em
outra infinitamente contingente poreacutem sensiacutevel a luz utilizada na produccedilatildeo do
filme eacute uma luz eleacutetrica seu aspecto eacute particular variaacutevel aliaacutes ao longo da
histoacuteria do cinema (AUMONT 2004 p 172)
As condiccedilotildees de iluminaccedilatildeo satildeo capazes de indicar a hora do dia a eacutepoca do ano e
a parte do planeta em que a imagem estaacute sendo reproduzida A luz ―empresta um tom a um
lugar ou experiecircncia ndash o brilho suave e romacircntico de uma vela as inesperadas e
desconhecidas sombras da noite a firme e escura melancolia do crepuacutesculo do inverno
ou seja possibilita a criaccedilatildeo de um determinado clima agrave cena (Breslin 2009 p87) Moura
afirma que
A fotografia em nada se diferencia da natureza Todas as luzes e efeitos estatildeo agrave
mostra para o olho educado Os efeitos dos filtros os contrastes das luzes as
densidades das cores tudo e todos estatildeo na natureza agrave vista de quem quiser ver
Se vocecirc prestar atenccedilatildeo ao tipo de luz que o sol gera saberaacute qual refletor de
quanto como e onde colocar Se vocecirc se abstrair do tamanho do sol e se
concentrar no efeito da sua luz poderaacute intuir a direccedilatildeo a natureza e a
intensidade da luz que vocecirc precisaraacute para ter o mesmo resultado Afinal de
contas o sol tem que iluminar a terra toda e noacutes soacute um pequeno estuacutedio As
diferenccedilas de tamanho satildeo irrelevantes para o raciociacutenio Para se chegar ao
pequeno partimos do grande Nada no pequeno mundo da fotografia inexiste no
vasto mundo de todos noacutes Talvez a uacutenica coisa que possamos criar e que jaacute natildeo
exista em escala maior e em melhor forma na natureza seja a escrita (MOURA
2001 p 20)
Breslin (2009 p88) acredita que a luz consiste na base da miacutedia visual pois
―tecnicamente a luz fornece a energia que nos permite reproduzir uma imagem
Esteticamente a luz junto com a composiccedilatildeo revela verdades e mentiras criando beleza e
26
feiura dentro do quadro Para Martin (2003 p 71) a iluminaccedilatildeo eacute o ―fator decisivo da
expressividade da imagem poreacutem sua importacircncia natildeo eacute percebida pelo espectador
devido ao fato de possibilitar a criaccedilatildeo de uma atmosferalsquo elemento este dificilmente
analisaacutevel
As sombras criadas com a iluminaccedilatildeo ―ajudam a transmitir profundidade clima e
lugar mas devem ser cuidadosamente controladas A iluminaccedilatildeo na verdade pode ser
definida como lanccedilar e controlar as sombrasrdquo (BRESLIN 2009 p95) Sendo assim a
luz possui vaacuterias caracteriacutesticas essenciais qualidade direccedilatildeosentido contraste
uniformidade cor e intensidade
Conforme Sousa (2004) a qualidade da luz refere-se principalmente ao tipo de
sombra que um objeto iluminado produz seja ela dura e definida ou suave a gradual
Breslin (2009) confirma tal classificaccedilatildeo ao dizer que
A qualidade de uma fonte de luz tem a ver com o modo como as ondas
percorrem o espaccedilo Se elas o fazem em linha reta a partir da fonte ateacute iluminar
o objeto satildeo refletidas de volta para a lente de um olho ou cacircmera em linhas
similarmente retas Isso produz luz dura direta ou localizada A energia
luminosa cobre uma aacuterea relativamente pequena mas manteacutem a intensidade ou
brilho maacuteximos A luz direta enfatiza a textura (BRESLIN 2009 p92)
A autora acrescenta que a luz que atinge um objeto pode ser dura ao produzir
sombras nitidamente definidas e partes mais claras distintas Jaacute quando produz partes
claras e sombras sutis e com uma borda menos definida ela eacute classificada como uma luz
suave Assim a luz comeccedila direta mas suas ondas podem desviar ou refletir de uma a
outra superfiacutecie ateacute que encontram o seu caminho para a lente Dependendo do caminho
percorrido se ―produz luz suave difusa ou lavada Uma fonte de luz difusa cobriraacute uma
aacuterea grande mas eacute menos intensa ou brilhante do que a mesma quantidade inicial de luz
direta na mesma distacircncia do objeto (BRESLIN 2009 p93)
Salles (2006) ressalta que ao iluminar artificialmente uma cena qualquer os planos
de composiccedilatildeo de luz desta cena devem ser cuidadosamente elaborados a fim de que a
fotografia do filme esteja em harmonia esteacutetica com o roteiro e sua proposta
22 Cor
Durante praticamente quarenta anos o cinema se manteve em preto e branco
Qualidade natural dos seres e objetos a cor possibilita maior realismo nas obras fiacutelmicas
pois aumenta a veracidade da imagem
27
Sendo assim a partir de um trabalho manual dos teacutecnicos que coloriam os filmes agrave
matildeo ou com o auxiacutelio de paletas eacute que se tornou possiacutevel colocar cor nas telas mediante
muito trabalho Experiecircncias foram realizadas e tomou-se conhecimento de uma nova
teacutecnica os chamados ―banhos onde a peliacutecula era tingida com cores uniformes com o
intuito de atribuir tanto realismo quanto simbolismo Basicamente era usado azul para
designar a noite e amarelo para as cenas de interiores agrave noite enquanto que para
simbolizar os incecircndios e as revoluccedilotildees optava-se pelo vermelho e para as matas e
paisagens a cor verde (MARTIN 2003) A bicromia e a tricomia comeccedilaram a serem
utilizadas em meados dos anos 30 No entanto eacute apenas na metade dos anos 50 que a cor
passou a ser usada de forma generalizada
Natildeo se pode negar que a cor possui um papel fundamental na composiccedilatildeo da
fotografia cinematograacutefica A partir de sua utilizaccedilatildeo torna-se possiacutevel representar a
realidade com mais perfeiccedilatildeo e precisatildeo Aumont (2003 p63) acrescenta que ―apesar da
especificidade da cor no cinema o modelo criacutetico e esteacutetico foi quase sempre a pintura
Esta circulou enormemente no imaginaacuterio fiacutelmico em trecircs grandes formas a
ficcionalizaccedilatildeo a imitaccedilatildeo e a anaacutelise sendo a base para as futuras produccedilotildees
audiovisuais Contudo o autor ressalta que
a ausecircncia de leis gerais e verificaacuteveis explica a ausecircncia quase total de reflexatildeo
teoacuterica sobre a cor na imagem em movimento As uacutenicas consideraccedilotildees agraves
vezes propostas no tocante ao valor simboacutelico ou expressivo da cor (o vermelho
como siacutembolo de guerra ou de paixatildeo o azul bem como o azul-celeste para a
paz o violeta associado agrave lamentaccedilatildeo funeraacuteria etc) Como tais valores satildeo bem
variaacuteveis conforme as culturas e as eacutepocas Eacute difiacutecil fazer uma teoria deles e a
esteacutetica da cor no cinema confunde-se praticamente com a constataccedilatildeo de
estilos pessoais ou de efeitos de gecircnero (AUMONT 2003 p63)
Ainda em relaccedilatildeo ao uso das cores fala-se em harmonia e contraste cromaacutetico A
harmonia ocorre quando em uma imagem existem cores proacuteximas (laranja amarelo
torrado amarelo e vermelho) Jaacute ao mencionar contraste cromaacutetico se refere quando na
imagem existem cores contrastantes (azul vs Vermelho amarelo vs Violeta por
exemplo) Contudo Sousa (2004) revela outras maneiras de evidenciar contraste
cromaacutetico (a) contraste de cores fortes com cores neutras (por exemplo vermelho vivo vs
cinzento claro) (b) complementaccedilatildeo entre cores claras e cores escuras (por exemplo o
amarelo-limatildeo faz o azul marinho parecer mais escuro) (c) contraste entre tons intensos
da mesma cor (o vermelho carregado contrasta com o vermelho claro)
Sousa (2004) acrescenta que eacute possiacutevel expressar quietude e tranquumlilidade ao
recorrer agrave harmonia cromaacutetica de cores quentes suaves como o castanho-terra suave e o
28
amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada
diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis
Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de
ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem
teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas
especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade
Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores
satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada
espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos
valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem
23 Enquadramentos
O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que
determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo
que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores
O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada
Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira
como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave
objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela
Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos
teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos
notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena
mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar
mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico
Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o
tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos
objetos que constituem a cena
Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees
possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de
detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar
Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma
29
―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para
a tela
231 Planos
O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre
dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no
qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute
determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da
objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da
narrativa que se pretende obter
Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada
autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute
possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos
planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o
observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta
planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os
intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro
plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens
plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por
exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA
(2004 p67-68)
A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano
Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade
fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte
1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro
2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos
joelhos para cima ou da cintura para cima
3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um
pouco abaixo
4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima
5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator
6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na
altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas
30
232 Acircngulos de Filmagem
De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto
que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir
um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo
superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto
que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade
No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de
baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de
superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e
do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do
personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele
em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador
233 Movimentos de Cacircmera
Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por
Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da
ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental
de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a
descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou
uma personagem
Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de
cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o
deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem
constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A
panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio
eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a
trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com
o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural
Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou
complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir
de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um
―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena
31
3 O cinema de autor
No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria
recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas
produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo
(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na
tela diferentes percepccedilotildees diante da trama
Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de
vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de
variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao
participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim
conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro
Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista
produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete
instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs
Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo
No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)
juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores
(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os
produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do
filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas
No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith
4
Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico
2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do
cinema mudo
3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano
um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas
4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de
Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o
movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o
filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)
5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro
de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia
de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou
em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia
32
devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e
dirigindo na publicidade de seus filmes
Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica
quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na
―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do
existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do
autor
Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-
sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e
substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a
atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando
que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo
metafiacutesicas (STAM 2003 p111)
Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo
que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi
responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou
a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras
refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica
abordando o ato de fazer e assistir a um filme
Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita
sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de
determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a
mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais
cineastas
Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers
Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica
Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes
que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar
conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as
filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios
seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma
simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)
Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do
Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os
grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas
6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem
como no sete de filmagem
33
como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o
suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e
o puacuteblico como seu divertimento
Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no
cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes
nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees
inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo
autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de
caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor
(COVALESKI 2009 p83)
Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o
contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa
eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a
obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma
noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a
outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI
2009 p 84)
Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute
responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo
do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute
responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas
necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo
com Bernardet
Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua
maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um
filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que
preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em
perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)
O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem
traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na
direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas
optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas
uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na
direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta
34
Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora
diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior
originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade
crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais
Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de
autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para
Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do
discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia
Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e
situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi
apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser
considerado como tal
O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica
com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra
determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem
defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos
paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor
Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja
autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de
1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e
Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de
presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de
suas matildeos
Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo
(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do
curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos
experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar
Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo
Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se
tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila
Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras
produtoras independentes do paiacutes
No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute
que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal
35
Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam
de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que
Meirelles considera ter feito em sua vida
No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas
publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos
que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar
notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar
e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas
da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para
natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar
em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade
Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a
produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando
Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2
Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no
mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios
internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca
de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio
Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede
Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura
completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um
departamento juriacutedico aacutegil
Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme
foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes
selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival
Internacional de Rotterdam
O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de
20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores
no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais
Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo
internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores
filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro
indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o
filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta
36
Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado
como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no
manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a
pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo
sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No
entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional
Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao
levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner
o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na
categoria de Melhor Diretor
Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando
Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do
romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O
filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14
de maio de 2008
37
4 Metodologia
A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando
compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria
nos filmes de Fernando Meirelles
Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave
argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise
detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades
sociais
Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo
aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de
entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira
indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o
caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como
objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro
Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra
selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes
representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a
esteacutetica publicitaacuteria
Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que
seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem
fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de
expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica
Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do
conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia
e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise
a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e
organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir
das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)
interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em
funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo
Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise
fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra
que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da
38
linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa
fiacutelmica
Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo
1 Preacute-anaacutelise
a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor
enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)
2 Descriccedilatildeo Analiacutetica
a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos
3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando
em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes
Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute
necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo
haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica
efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo
pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando
necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que
considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde
que natildeo descarte as antecedentes
39
5 Anaacutelises
Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica
publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel
a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica
descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo
estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a
narrativa de cada um dos filmes
Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de
Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)
51 Domeacutesticas
Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas
40
Sinopse
Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de
Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada
Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa
sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar
de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute
Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida
Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com
um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por
missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a
mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que
satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se
estivessem dando uma espeacutecie de depoimento
Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas
aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de
emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o
outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das
domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo
Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo
encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas
por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do
plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave
novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um
sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da
profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento
cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes
publicitaacuterios
41
Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas
(Plano aberto e plano conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas
com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal
Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos
lateralizados
A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em
plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo
pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee
possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem
disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco
conotando mais tristeza agrave cena
Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e
cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como
acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute
limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera
tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no
estacionamento do preacutedio
Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em
que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a
personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o
deslocamento da personagem daquele mundo
42
Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas
(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de
serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves
tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas
com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)
Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em
um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um
domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao
casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte
observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre
sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o
responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua
profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela
As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena
No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo
agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute
43
devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de
nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude
alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade
sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento
Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as
personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo
O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo
vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das
diversas dificuldades no seu dia-a-dia
O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano
meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em
meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave
criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)
isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo
dos exageros
Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna
da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores
quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde
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e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila
dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme
Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas
52 Cidade de Deus
Sinopse
O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro
protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou
um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a
estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto
de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante
amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente
suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num
ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele
descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se
fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista
do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos
45
principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria
mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um
mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute
Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro
dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto
Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos
bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute
usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute
centralizada e em leve plongeacutee
Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no
46
comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo
frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas
casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e
suave
A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do
traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na
criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar
perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-
plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem
Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano
geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo
compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando
naturalidade
Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)
47
Iluminaccedilatildeo e cor
Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo
deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute
observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa
frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo
pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo
Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste
elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem
a funccedilatildeo de criar um visual expressivo
Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente
natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a
inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre
dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na
cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute
ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo
consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena
interna e provavelmente noturna
Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua
maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais
frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo
com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute
amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute
modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos
48
periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo
publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama
Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante
Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com
a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um
material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a
imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee
com armas em punho apontadas para os policiais
Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela
49
Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus
53 O Jardineiro Fiel
Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel
50
Sinopse
O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em
Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa
uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem
aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para
substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes
um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute
transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu
idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a
trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin
acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir
na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de
amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa
estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional
envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em
seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a
disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no
Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e
ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar
como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se
para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final
bastante diferente do que seria esperado
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a
imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia
de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio
em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao
lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar
para se proteger
Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem
Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em
51
plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades
azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um
embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em
plongeacutee e plano aberto em conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na
figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A
imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano
aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo
dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais
amenos frios
Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada
retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao
receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade
possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento
As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a
imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua
52
Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em
leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens
contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante
natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel
perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral
aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores
quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave
luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem
composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local
em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo
A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela
cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A
impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena
que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma
53
desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do
ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas
sim no seu proacuteprio lucro
Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de
ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir
contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis
por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele
seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com
movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma
arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite
suavidade e calor agrave cena
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel
(variaccedilatildeo entre suave e dura)
Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando
com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na
lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em
equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira
imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais
onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena
54
ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens
em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)
ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem
possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua
composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)
como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel
54 Ensaio sobre a Cegueira
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira
55
Sinopse
O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que
atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas
passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no
tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados
em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a
lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a
uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que
juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute
baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com
o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de
cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo
manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O
enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para
a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e
branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria
compotildee as cenas da trama
Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento
panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da
trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade
esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o
motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa
ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais
Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o
motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo
adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de
quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia
56
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
57
Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
58
A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
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do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
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guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos
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XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e
Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003
65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
25
21 Iluminaccedilatildeo
De acordo com Sousa (2004) eacute intuitivo afirmar que no momento em que se
ilumina um determinado objetopersonagem em detrimento de outros revela-se apenas
aquele que estaacute exposto agrave luz No entanto essa natildeo eacute a uacutenica contribuiccedilatildeo da iluminaccedilatildeo
para a construccedilatildeo de sentido a uma imagem Aleacutem disso eacute responsaacutevel por transmitir
noccedilotildees de profundidade e de relevo Segundo Roberts-Breslin (2009) eacute atraveacutes da
iluminaccedilatildeo que satildeo criados os padrotildees de luz e sombra que datildeo sentido ao nosso mundo
como tambeacutem o alto contraste do sol do meio-dia ou o baixo contraste monocromaacutetico
num dia chuvoso Aumont (2004) acrescenta que
A luz no cinema estaacute sempre ali e ateacute mesmo duplamente ali jaacute que a luz do
projetos ndash a luz depois do filme ndash serve para mostrar a luz registrada tal como
ela caiacutea sobre as coisas filmadas ndash a luz de antes do filme Haacute entre as duas uma
conivecircncia inextinguiacutevel jaacute reconhecida aqui mesmo em sua forma negativa ndash o
escuro - e que nutriu com frequecircncia a fantasia (em Murnau em Sternberg ou
Godard) de que uma natildeo eacute senatildeo a continuaccedilatildeo da outra por outros meios
Consequumlecircncia articulaccedilatildeo da diferenccedila a luz do quadro natildeo teve de ser
produzida realmente a do filme foi real Diferenccedila ontoloacutegica que se duplica em
outra infinitamente contingente poreacutem sensiacutevel a luz utilizada na produccedilatildeo do
filme eacute uma luz eleacutetrica seu aspecto eacute particular variaacutevel aliaacutes ao longo da
histoacuteria do cinema (AUMONT 2004 p 172)
As condiccedilotildees de iluminaccedilatildeo satildeo capazes de indicar a hora do dia a eacutepoca do ano e
a parte do planeta em que a imagem estaacute sendo reproduzida A luz ―empresta um tom a um
lugar ou experiecircncia ndash o brilho suave e romacircntico de uma vela as inesperadas e
desconhecidas sombras da noite a firme e escura melancolia do crepuacutesculo do inverno
ou seja possibilita a criaccedilatildeo de um determinado clima agrave cena (Breslin 2009 p87) Moura
afirma que
A fotografia em nada se diferencia da natureza Todas as luzes e efeitos estatildeo agrave
mostra para o olho educado Os efeitos dos filtros os contrastes das luzes as
densidades das cores tudo e todos estatildeo na natureza agrave vista de quem quiser ver
Se vocecirc prestar atenccedilatildeo ao tipo de luz que o sol gera saberaacute qual refletor de
quanto como e onde colocar Se vocecirc se abstrair do tamanho do sol e se
concentrar no efeito da sua luz poderaacute intuir a direccedilatildeo a natureza e a
intensidade da luz que vocecirc precisaraacute para ter o mesmo resultado Afinal de
contas o sol tem que iluminar a terra toda e noacutes soacute um pequeno estuacutedio As
diferenccedilas de tamanho satildeo irrelevantes para o raciociacutenio Para se chegar ao
pequeno partimos do grande Nada no pequeno mundo da fotografia inexiste no
vasto mundo de todos noacutes Talvez a uacutenica coisa que possamos criar e que jaacute natildeo
exista em escala maior e em melhor forma na natureza seja a escrita (MOURA
2001 p 20)
Breslin (2009 p88) acredita que a luz consiste na base da miacutedia visual pois
―tecnicamente a luz fornece a energia que nos permite reproduzir uma imagem
Esteticamente a luz junto com a composiccedilatildeo revela verdades e mentiras criando beleza e
26
feiura dentro do quadro Para Martin (2003 p 71) a iluminaccedilatildeo eacute o ―fator decisivo da
expressividade da imagem poreacutem sua importacircncia natildeo eacute percebida pelo espectador
devido ao fato de possibilitar a criaccedilatildeo de uma atmosferalsquo elemento este dificilmente
analisaacutevel
As sombras criadas com a iluminaccedilatildeo ―ajudam a transmitir profundidade clima e
lugar mas devem ser cuidadosamente controladas A iluminaccedilatildeo na verdade pode ser
definida como lanccedilar e controlar as sombrasrdquo (BRESLIN 2009 p95) Sendo assim a
luz possui vaacuterias caracteriacutesticas essenciais qualidade direccedilatildeosentido contraste
uniformidade cor e intensidade
Conforme Sousa (2004) a qualidade da luz refere-se principalmente ao tipo de
sombra que um objeto iluminado produz seja ela dura e definida ou suave a gradual
Breslin (2009) confirma tal classificaccedilatildeo ao dizer que
A qualidade de uma fonte de luz tem a ver com o modo como as ondas
percorrem o espaccedilo Se elas o fazem em linha reta a partir da fonte ateacute iluminar
o objeto satildeo refletidas de volta para a lente de um olho ou cacircmera em linhas
similarmente retas Isso produz luz dura direta ou localizada A energia
luminosa cobre uma aacuterea relativamente pequena mas manteacutem a intensidade ou
brilho maacuteximos A luz direta enfatiza a textura (BRESLIN 2009 p92)
A autora acrescenta que a luz que atinge um objeto pode ser dura ao produzir
sombras nitidamente definidas e partes mais claras distintas Jaacute quando produz partes
claras e sombras sutis e com uma borda menos definida ela eacute classificada como uma luz
suave Assim a luz comeccedila direta mas suas ondas podem desviar ou refletir de uma a
outra superfiacutecie ateacute que encontram o seu caminho para a lente Dependendo do caminho
percorrido se ―produz luz suave difusa ou lavada Uma fonte de luz difusa cobriraacute uma
aacuterea grande mas eacute menos intensa ou brilhante do que a mesma quantidade inicial de luz
direta na mesma distacircncia do objeto (BRESLIN 2009 p93)
Salles (2006) ressalta que ao iluminar artificialmente uma cena qualquer os planos
de composiccedilatildeo de luz desta cena devem ser cuidadosamente elaborados a fim de que a
fotografia do filme esteja em harmonia esteacutetica com o roteiro e sua proposta
22 Cor
Durante praticamente quarenta anos o cinema se manteve em preto e branco
Qualidade natural dos seres e objetos a cor possibilita maior realismo nas obras fiacutelmicas
pois aumenta a veracidade da imagem
27
Sendo assim a partir de um trabalho manual dos teacutecnicos que coloriam os filmes agrave
matildeo ou com o auxiacutelio de paletas eacute que se tornou possiacutevel colocar cor nas telas mediante
muito trabalho Experiecircncias foram realizadas e tomou-se conhecimento de uma nova
teacutecnica os chamados ―banhos onde a peliacutecula era tingida com cores uniformes com o
intuito de atribuir tanto realismo quanto simbolismo Basicamente era usado azul para
designar a noite e amarelo para as cenas de interiores agrave noite enquanto que para
simbolizar os incecircndios e as revoluccedilotildees optava-se pelo vermelho e para as matas e
paisagens a cor verde (MARTIN 2003) A bicromia e a tricomia comeccedilaram a serem
utilizadas em meados dos anos 30 No entanto eacute apenas na metade dos anos 50 que a cor
passou a ser usada de forma generalizada
Natildeo se pode negar que a cor possui um papel fundamental na composiccedilatildeo da
fotografia cinematograacutefica A partir de sua utilizaccedilatildeo torna-se possiacutevel representar a
realidade com mais perfeiccedilatildeo e precisatildeo Aumont (2003 p63) acrescenta que ―apesar da
especificidade da cor no cinema o modelo criacutetico e esteacutetico foi quase sempre a pintura
Esta circulou enormemente no imaginaacuterio fiacutelmico em trecircs grandes formas a
ficcionalizaccedilatildeo a imitaccedilatildeo e a anaacutelise sendo a base para as futuras produccedilotildees
audiovisuais Contudo o autor ressalta que
a ausecircncia de leis gerais e verificaacuteveis explica a ausecircncia quase total de reflexatildeo
teoacuterica sobre a cor na imagem em movimento As uacutenicas consideraccedilotildees agraves
vezes propostas no tocante ao valor simboacutelico ou expressivo da cor (o vermelho
como siacutembolo de guerra ou de paixatildeo o azul bem como o azul-celeste para a
paz o violeta associado agrave lamentaccedilatildeo funeraacuteria etc) Como tais valores satildeo bem
variaacuteveis conforme as culturas e as eacutepocas Eacute difiacutecil fazer uma teoria deles e a
esteacutetica da cor no cinema confunde-se praticamente com a constataccedilatildeo de
estilos pessoais ou de efeitos de gecircnero (AUMONT 2003 p63)
Ainda em relaccedilatildeo ao uso das cores fala-se em harmonia e contraste cromaacutetico A
harmonia ocorre quando em uma imagem existem cores proacuteximas (laranja amarelo
torrado amarelo e vermelho) Jaacute ao mencionar contraste cromaacutetico se refere quando na
imagem existem cores contrastantes (azul vs Vermelho amarelo vs Violeta por
exemplo) Contudo Sousa (2004) revela outras maneiras de evidenciar contraste
cromaacutetico (a) contraste de cores fortes com cores neutras (por exemplo vermelho vivo vs
cinzento claro) (b) complementaccedilatildeo entre cores claras e cores escuras (por exemplo o
amarelo-limatildeo faz o azul marinho parecer mais escuro) (c) contraste entre tons intensos
da mesma cor (o vermelho carregado contrasta com o vermelho claro)
Sousa (2004) acrescenta que eacute possiacutevel expressar quietude e tranquumlilidade ao
recorrer agrave harmonia cromaacutetica de cores quentes suaves como o castanho-terra suave e o
28
amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada
diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis
Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de
ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem
teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas
especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade
Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores
satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada
espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos
valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem
23 Enquadramentos
O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que
determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo
que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores
O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada
Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira
como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave
objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela
Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos
teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos
notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena
mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar
mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico
Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o
tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos
objetos que constituem a cena
Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees
possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de
detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar
Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma
29
―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para
a tela
231 Planos
O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre
dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no
qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute
determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da
objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da
narrativa que se pretende obter
Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada
autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute
possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos
planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o
observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta
planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os
intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro
plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens
plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por
exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA
(2004 p67-68)
A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano
Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade
fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte
1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro
2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos
joelhos para cima ou da cintura para cima
3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um
pouco abaixo
4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima
5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator
6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na
altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas
30
232 Acircngulos de Filmagem
De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto
que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir
um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo
superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto
que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade
No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de
baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de
superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e
do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do
personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele
em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador
233 Movimentos de Cacircmera
Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por
Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da
ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental
de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a
descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou
uma personagem
Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de
cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o
deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem
constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A
panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio
eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a
trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com
o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural
Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou
complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir
de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um
―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena
31
3 O cinema de autor
No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria
recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas
produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo
(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na
tela diferentes percepccedilotildees diante da trama
Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de
vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de
variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao
participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim
conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro
Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista
produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete
instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs
Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo
No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)
juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores
(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os
produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do
filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas
No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith
4
Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico
2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do
cinema mudo
3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano
um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas
4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de
Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o
movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o
filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)
5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro
de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia
de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou
em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia
32
devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e
dirigindo na publicidade de seus filmes
Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica
quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na
―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do
existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do
autor
Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-
sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e
substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a
atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando
que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo
metafiacutesicas (STAM 2003 p111)
Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo
que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi
responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou
a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras
refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica
abordando o ato de fazer e assistir a um filme
Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita
sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de
determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a
mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais
cineastas
Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers
Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica
Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes
que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar
conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as
filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios
seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma
simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)
Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do
Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os
grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas
6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem
como no sete de filmagem
33
como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o
suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e
o puacuteblico como seu divertimento
Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no
cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes
nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees
inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo
autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de
caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor
(COVALESKI 2009 p83)
Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o
contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa
eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a
obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma
noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a
outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI
2009 p 84)
Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute
responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo
do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute
responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas
necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo
com Bernardet
Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua
maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um
filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que
preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em
perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)
O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem
traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na
direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas
optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas
uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na
direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta
34
Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora
diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior
originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade
crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais
Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de
autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para
Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do
discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia
Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e
situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi
apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser
considerado como tal
O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica
com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra
determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem
defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos
paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor
Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja
autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de
1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e
Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de
presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de
suas matildeos
Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo
(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do
curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos
experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar
Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo
Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se
tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila
Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras
produtoras independentes do paiacutes
No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute
que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal
35
Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam
de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que
Meirelles considera ter feito em sua vida
No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas
publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos
que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar
notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar
e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas
da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para
natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar
em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade
Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a
produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando
Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2
Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no
mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios
internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca
de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio
Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede
Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura
completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um
departamento juriacutedico aacutegil
Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme
foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes
selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival
Internacional de Rotterdam
O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de
20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores
no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais
Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo
internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores
filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro
indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o
filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta
36
Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado
como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no
manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a
pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo
sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No
entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional
Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao
levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner
o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na
categoria de Melhor Diretor
Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando
Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do
romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O
filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14
de maio de 2008
37
4 Metodologia
A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando
compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria
nos filmes de Fernando Meirelles
Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave
argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise
detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades
sociais
Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo
aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de
entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira
indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o
caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como
objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro
Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra
selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes
representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a
esteacutetica publicitaacuteria
Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que
seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem
fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de
expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica
Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do
conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia
e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise
a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e
organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir
das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)
interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em
funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo
Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise
fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra
que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da
38
linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa
fiacutelmica
Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo
1 Preacute-anaacutelise
a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor
enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)
2 Descriccedilatildeo Analiacutetica
a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos
3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando
em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes
Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute
necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo
haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica
efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo
pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando
necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que
considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde
que natildeo descarte as antecedentes
39
5 Anaacutelises
Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica
publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel
a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica
descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo
estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a
narrativa de cada um dos filmes
Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de
Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)
51 Domeacutesticas
Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas
40
Sinopse
Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de
Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada
Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa
sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar
de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute
Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida
Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com
um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por
missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a
mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que
satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se
estivessem dando uma espeacutecie de depoimento
Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas
aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de
emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o
outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das
domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo
Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo
encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas
por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do
plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave
novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um
sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da
profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento
cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes
publicitaacuterios
41
Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas
(Plano aberto e plano conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas
com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal
Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos
lateralizados
A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em
plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo
pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee
possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem
disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco
conotando mais tristeza agrave cena
Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e
cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como
acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute
limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera
tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no
estacionamento do preacutedio
Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em
que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a
personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o
deslocamento da personagem daquele mundo
42
Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas
(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de
serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves
tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas
com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)
Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em
um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um
domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao
casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte
observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre
sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o
responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua
profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela
As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena
No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo
agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute
43
devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de
nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude
alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade
sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento
Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as
personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo
O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo
vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das
diversas dificuldades no seu dia-a-dia
O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano
meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em
meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave
criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)
isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo
dos exageros
Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna
da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores
quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde
44
e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila
dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme
Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas
52 Cidade de Deus
Sinopse
O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro
protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou
um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a
estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto
de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante
amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente
suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num
ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele
descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se
fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista
do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos
45
principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria
mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um
mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute
Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro
dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto
Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos
bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute
usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute
centralizada e em leve plongeacutee
Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no
46
comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo
frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas
casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e
suave
A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do
traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na
criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar
perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-
plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem
Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano
geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo
compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando
naturalidade
Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)
47
Iluminaccedilatildeo e cor
Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo
deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute
observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa
frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo
pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo
Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste
elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem
a funccedilatildeo de criar um visual expressivo
Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente
natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a
inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre
dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na
cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute
ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo
consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena
interna e provavelmente noturna
Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua
maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais
frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo
com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute
amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute
modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos
48
periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo
publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama
Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante
Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com
a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um
material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a
imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee
com armas em punho apontadas para os policiais
Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela
49
Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus
53 O Jardineiro Fiel
Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel
50
Sinopse
O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em
Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa
uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem
aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para
substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes
um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute
transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu
idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a
trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin
acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir
na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de
amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa
estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional
envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em
seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a
disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no
Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e
ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar
como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se
para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final
bastante diferente do que seria esperado
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a
imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia
de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio
em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao
lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar
para se proteger
Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem
Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em
51
plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades
azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um
embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em
plongeacutee e plano aberto em conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na
figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A
imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano
aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo
dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais
amenos frios
Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada
retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao
receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade
possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento
As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a
imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua
52
Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em
leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens
contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante
natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel
perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral
aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores
quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave
luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem
composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local
em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo
A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela
cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A
impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena
que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma
53
desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do
ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas
sim no seu proacuteprio lucro
Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de
ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir
contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis
por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele
seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com
movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma
arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite
suavidade e calor agrave cena
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel
(variaccedilatildeo entre suave e dura)
Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando
com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na
lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em
equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira
imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais
onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena
54
ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens
em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)
ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem
possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua
composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)
como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel
54 Ensaio sobre a Cegueira
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira
55
Sinopse
O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que
atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas
passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no
tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados
em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a
lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a
uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que
juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute
baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com
o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de
cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo
manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O
enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para
a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e
branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria
compotildee as cenas da trama
Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento
panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da
trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade
esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o
motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa
ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais
Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o
motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo
adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de
quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia
56
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
57
Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
58
A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
59
do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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2003
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GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo
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XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e
Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003
65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
26
feiura dentro do quadro Para Martin (2003 p 71) a iluminaccedilatildeo eacute o ―fator decisivo da
expressividade da imagem poreacutem sua importacircncia natildeo eacute percebida pelo espectador
devido ao fato de possibilitar a criaccedilatildeo de uma atmosferalsquo elemento este dificilmente
analisaacutevel
As sombras criadas com a iluminaccedilatildeo ―ajudam a transmitir profundidade clima e
lugar mas devem ser cuidadosamente controladas A iluminaccedilatildeo na verdade pode ser
definida como lanccedilar e controlar as sombrasrdquo (BRESLIN 2009 p95) Sendo assim a
luz possui vaacuterias caracteriacutesticas essenciais qualidade direccedilatildeosentido contraste
uniformidade cor e intensidade
Conforme Sousa (2004) a qualidade da luz refere-se principalmente ao tipo de
sombra que um objeto iluminado produz seja ela dura e definida ou suave a gradual
Breslin (2009) confirma tal classificaccedilatildeo ao dizer que
A qualidade de uma fonte de luz tem a ver com o modo como as ondas
percorrem o espaccedilo Se elas o fazem em linha reta a partir da fonte ateacute iluminar
o objeto satildeo refletidas de volta para a lente de um olho ou cacircmera em linhas
similarmente retas Isso produz luz dura direta ou localizada A energia
luminosa cobre uma aacuterea relativamente pequena mas manteacutem a intensidade ou
brilho maacuteximos A luz direta enfatiza a textura (BRESLIN 2009 p92)
A autora acrescenta que a luz que atinge um objeto pode ser dura ao produzir
sombras nitidamente definidas e partes mais claras distintas Jaacute quando produz partes
claras e sombras sutis e com uma borda menos definida ela eacute classificada como uma luz
suave Assim a luz comeccedila direta mas suas ondas podem desviar ou refletir de uma a
outra superfiacutecie ateacute que encontram o seu caminho para a lente Dependendo do caminho
percorrido se ―produz luz suave difusa ou lavada Uma fonte de luz difusa cobriraacute uma
aacuterea grande mas eacute menos intensa ou brilhante do que a mesma quantidade inicial de luz
direta na mesma distacircncia do objeto (BRESLIN 2009 p93)
Salles (2006) ressalta que ao iluminar artificialmente uma cena qualquer os planos
de composiccedilatildeo de luz desta cena devem ser cuidadosamente elaborados a fim de que a
fotografia do filme esteja em harmonia esteacutetica com o roteiro e sua proposta
22 Cor
Durante praticamente quarenta anos o cinema se manteve em preto e branco
Qualidade natural dos seres e objetos a cor possibilita maior realismo nas obras fiacutelmicas
pois aumenta a veracidade da imagem
27
Sendo assim a partir de um trabalho manual dos teacutecnicos que coloriam os filmes agrave
matildeo ou com o auxiacutelio de paletas eacute que se tornou possiacutevel colocar cor nas telas mediante
muito trabalho Experiecircncias foram realizadas e tomou-se conhecimento de uma nova
teacutecnica os chamados ―banhos onde a peliacutecula era tingida com cores uniformes com o
intuito de atribuir tanto realismo quanto simbolismo Basicamente era usado azul para
designar a noite e amarelo para as cenas de interiores agrave noite enquanto que para
simbolizar os incecircndios e as revoluccedilotildees optava-se pelo vermelho e para as matas e
paisagens a cor verde (MARTIN 2003) A bicromia e a tricomia comeccedilaram a serem
utilizadas em meados dos anos 30 No entanto eacute apenas na metade dos anos 50 que a cor
passou a ser usada de forma generalizada
Natildeo se pode negar que a cor possui um papel fundamental na composiccedilatildeo da
fotografia cinematograacutefica A partir de sua utilizaccedilatildeo torna-se possiacutevel representar a
realidade com mais perfeiccedilatildeo e precisatildeo Aumont (2003 p63) acrescenta que ―apesar da
especificidade da cor no cinema o modelo criacutetico e esteacutetico foi quase sempre a pintura
Esta circulou enormemente no imaginaacuterio fiacutelmico em trecircs grandes formas a
ficcionalizaccedilatildeo a imitaccedilatildeo e a anaacutelise sendo a base para as futuras produccedilotildees
audiovisuais Contudo o autor ressalta que
a ausecircncia de leis gerais e verificaacuteveis explica a ausecircncia quase total de reflexatildeo
teoacuterica sobre a cor na imagem em movimento As uacutenicas consideraccedilotildees agraves
vezes propostas no tocante ao valor simboacutelico ou expressivo da cor (o vermelho
como siacutembolo de guerra ou de paixatildeo o azul bem como o azul-celeste para a
paz o violeta associado agrave lamentaccedilatildeo funeraacuteria etc) Como tais valores satildeo bem
variaacuteveis conforme as culturas e as eacutepocas Eacute difiacutecil fazer uma teoria deles e a
esteacutetica da cor no cinema confunde-se praticamente com a constataccedilatildeo de
estilos pessoais ou de efeitos de gecircnero (AUMONT 2003 p63)
Ainda em relaccedilatildeo ao uso das cores fala-se em harmonia e contraste cromaacutetico A
harmonia ocorre quando em uma imagem existem cores proacuteximas (laranja amarelo
torrado amarelo e vermelho) Jaacute ao mencionar contraste cromaacutetico se refere quando na
imagem existem cores contrastantes (azul vs Vermelho amarelo vs Violeta por
exemplo) Contudo Sousa (2004) revela outras maneiras de evidenciar contraste
cromaacutetico (a) contraste de cores fortes com cores neutras (por exemplo vermelho vivo vs
cinzento claro) (b) complementaccedilatildeo entre cores claras e cores escuras (por exemplo o
amarelo-limatildeo faz o azul marinho parecer mais escuro) (c) contraste entre tons intensos
da mesma cor (o vermelho carregado contrasta com o vermelho claro)
Sousa (2004) acrescenta que eacute possiacutevel expressar quietude e tranquumlilidade ao
recorrer agrave harmonia cromaacutetica de cores quentes suaves como o castanho-terra suave e o
28
amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada
diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis
Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de
ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem
teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas
especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade
Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores
satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada
espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos
valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem
23 Enquadramentos
O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que
determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo
que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores
O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada
Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira
como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave
objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela
Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos
teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos
notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena
mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar
mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico
Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o
tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos
objetos que constituem a cena
Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees
possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de
detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar
Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma
29
―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para
a tela
231 Planos
O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre
dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no
qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute
determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da
objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da
narrativa que se pretende obter
Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada
autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute
possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos
planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o
observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta
planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os
intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro
plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens
plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por
exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA
(2004 p67-68)
A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano
Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade
fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte
1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro
2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos
joelhos para cima ou da cintura para cima
3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um
pouco abaixo
4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima
5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator
6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na
altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas
30
232 Acircngulos de Filmagem
De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto
que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir
um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo
superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto
que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade
No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de
baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de
superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e
do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do
personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele
em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador
233 Movimentos de Cacircmera
Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por
Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da
ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental
de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a
descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou
uma personagem
Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de
cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o
deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem
constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A
panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio
eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a
trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com
o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural
Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou
complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir
de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um
―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena
31
3 O cinema de autor
No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria
recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas
produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo
(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na
tela diferentes percepccedilotildees diante da trama
Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de
vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de
variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao
participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim
conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro
Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista
produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete
instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs
Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo
No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)
juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores
(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os
produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do
filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas
No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith
4
Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico
2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do
cinema mudo
3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano
um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas
4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de
Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o
movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o
filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)
5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro
de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia
de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou
em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia
32
devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e
dirigindo na publicidade de seus filmes
Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica
quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na
―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do
existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do
autor
Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-
sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e
substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a
atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando
que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo
metafiacutesicas (STAM 2003 p111)
Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo
que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi
responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou
a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras
refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica
abordando o ato de fazer e assistir a um filme
Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita
sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de
determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a
mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais
cineastas
Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers
Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica
Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes
que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar
conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as
filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios
seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma
simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)
Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do
Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os
grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas
6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem
como no sete de filmagem
33
como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o
suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e
o puacuteblico como seu divertimento
Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no
cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes
nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees
inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo
autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de
caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor
(COVALESKI 2009 p83)
Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o
contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa
eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a
obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma
noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a
outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI
2009 p 84)
Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute
responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo
do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute
responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas
necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo
com Bernardet
Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua
maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um
filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que
preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em
perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)
O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem
traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na
direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas
optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas
uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na
direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta
34
Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora
diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior
originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade
crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais
Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de
autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para
Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do
discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia
Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e
situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi
apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser
considerado como tal
O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica
com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra
determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem
defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos
paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor
Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja
autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de
1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e
Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de
presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de
suas matildeos
Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo
(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do
curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos
experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar
Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo
Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se
tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila
Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras
produtoras independentes do paiacutes
No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute
que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal
35
Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam
de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que
Meirelles considera ter feito em sua vida
No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas
publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos
que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar
notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar
e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas
da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para
natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar
em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade
Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a
produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando
Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2
Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no
mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios
internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca
de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio
Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede
Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura
completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um
departamento juriacutedico aacutegil
Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme
foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes
selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival
Internacional de Rotterdam
O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de
20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores
no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais
Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo
internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores
filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro
indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o
filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta
36
Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado
como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no
manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a
pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo
sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No
entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional
Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao
levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner
o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na
categoria de Melhor Diretor
Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando
Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do
romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O
filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14
de maio de 2008
37
4 Metodologia
A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando
compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria
nos filmes de Fernando Meirelles
Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave
argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise
detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades
sociais
Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo
aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de
entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira
indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o
caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como
objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro
Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra
selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes
representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a
esteacutetica publicitaacuteria
Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que
seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem
fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de
expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica
Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do
conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia
e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise
a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e
organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir
das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)
interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em
funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo
Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise
fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra
que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da
38
linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa
fiacutelmica
Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo
1 Preacute-anaacutelise
a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor
enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)
2 Descriccedilatildeo Analiacutetica
a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos
3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando
em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes
Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute
necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo
haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica
efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo
pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando
necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que
considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde
que natildeo descarte as antecedentes
39
5 Anaacutelises
Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica
publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel
a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica
descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo
estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a
narrativa de cada um dos filmes
Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de
Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)
51 Domeacutesticas
Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas
40
Sinopse
Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de
Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada
Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa
sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar
de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute
Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida
Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com
um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por
missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a
mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que
satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se
estivessem dando uma espeacutecie de depoimento
Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas
aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de
emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o
outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das
domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo
Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo
encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas
por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do
plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave
novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um
sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da
profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento
cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes
publicitaacuterios
41
Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas
(Plano aberto e plano conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas
com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal
Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos
lateralizados
A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em
plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo
pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee
possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem
disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco
conotando mais tristeza agrave cena
Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e
cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como
acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute
limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera
tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no
estacionamento do preacutedio
Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em
que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a
personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o
deslocamento da personagem daquele mundo
42
Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas
(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de
serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves
tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas
com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)
Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em
um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um
domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao
casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte
observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre
sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o
responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua
profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela
As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena
No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo
agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute
43
devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de
nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude
alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade
sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento
Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as
personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo
O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo
vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das
diversas dificuldades no seu dia-a-dia
O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano
meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em
meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave
criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)
isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo
dos exageros
Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna
da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores
quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde
44
e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila
dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme
Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas
52 Cidade de Deus
Sinopse
O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro
protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou
um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a
estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto
de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante
amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente
suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num
ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele
descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se
fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista
do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos
45
principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria
mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um
mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute
Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro
dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto
Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos
bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute
usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute
centralizada e em leve plongeacutee
Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no
46
comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo
frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas
casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e
suave
A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do
traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na
criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar
perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-
plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem
Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano
geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo
compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando
naturalidade
Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)
47
Iluminaccedilatildeo e cor
Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo
deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute
observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa
frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo
pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo
Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste
elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem
a funccedilatildeo de criar um visual expressivo
Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente
natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a
inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre
dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na
cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute
ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo
consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena
interna e provavelmente noturna
Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua
maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais
frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo
com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute
amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute
modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos
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periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo
publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama
Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante
Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com
a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um
material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a
imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee
com armas em punho apontadas para os policiais
Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela
49
Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus
53 O Jardineiro Fiel
Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel
50
Sinopse
O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em
Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa
uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem
aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para
substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes
um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute
transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu
idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a
trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin
acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir
na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de
amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa
estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional
envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em
seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a
disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no
Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e
ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar
como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se
para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final
bastante diferente do que seria esperado
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a
imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia
de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio
em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao
lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar
para se proteger
Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem
Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em
51
plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades
azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um
embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em
plongeacutee e plano aberto em conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na
figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A
imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano
aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo
dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais
amenos frios
Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada
retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao
receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade
possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento
As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a
imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua
52
Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em
leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens
contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante
natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel
perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral
aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores
quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave
luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem
composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local
em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo
A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela
cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A
impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena
que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma
53
desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do
ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas
sim no seu proacuteprio lucro
Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de
ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir
contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis
por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele
seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com
movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma
arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite
suavidade e calor agrave cena
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel
(variaccedilatildeo entre suave e dura)
Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando
com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na
lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em
equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira
imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais
onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena
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ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens
em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)
ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem
possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua
composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)
como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel
54 Ensaio sobre a Cegueira
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira
55
Sinopse
O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que
atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas
passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no
tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados
em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a
lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a
uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que
juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute
baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com
o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de
cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo
manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O
enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para
a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e
branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria
compotildee as cenas da trama
Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento
panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da
trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade
esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o
motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa
ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais
Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o
motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo
adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de
quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia
56
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
57
Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
58
A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
59
do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
27
Sendo assim a partir de um trabalho manual dos teacutecnicos que coloriam os filmes agrave
matildeo ou com o auxiacutelio de paletas eacute que se tornou possiacutevel colocar cor nas telas mediante
muito trabalho Experiecircncias foram realizadas e tomou-se conhecimento de uma nova
teacutecnica os chamados ―banhos onde a peliacutecula era tingida com cores uniformes com o
intuito de atribuir tanto realismo quanto simbolismo Basicamente era usado azul para
designar a noite e amarelo para as cenas de interiores agrave noite enquanto que para
simbolizar os incecircndios e as revoluccedilotildees optava-se pelo vermelho e para as matas e
paisagens a cor verde (MARTIN 2003) A bicromia e a tricomia comeccedilaram a serem
utilizadas em meados dos anos 30 No entanto eacute apenas na metade dos anos 50 que a cor
passou a ser usada de forma generalizada
Natildeo se pode negar que a cor possui um papel fundamental na composiccedilatildeo da
fotografia cinematograacutefica A partir de sua utilizaccedilatildeo torna-se possiacutevel representar a
realidade com mais perfeiccedilatildeo e precisatildeo Aumont (2003 p63) acrescenta que ―apesar da
especificidade da cor no cinema o modelo criacutetico e esteacutetico foi quase sempre a pintura
Esta circulou enormemente no imaginaacuterio fiacutelmico em trecircs grandes formas a
ficcionalizaccedilatildeo a imitaccedilatildeo e a anaacutelise sendo a base para as futuras produccedilotildees
audiovisuais Contudo o autor ressalta que
a ausecircncia de leis gerais e verificaacuteveis explica a ausecircncia quase total de reflexatildeo
teoacuterica sobre a cor na imagem em movimento As uacutenicas consideraccedilotildees agraves
vezes propostas no tocante ao valor simboacutelico ou expressivo da cor (o vermelho
como siacutembolo de guerra ou de paixatildeo o azul bem como o azul-celeste para a
paz o violeta associado agrave lamentaccedilatildeo funeraacuteria etc) Como tais valores satildeo bem
variaacuteveis conforme as culturas e as eacutepocas Eacute difiacutecil fazer uma teoria deles e a
esteacutetica da cor no cinema confunde-se praticamente com a constataccedilatildeo de
estilos pessoais ou de efeitos de gecircnero (AUMONT 2003 p63)
Ainda em relaccedilatildeo ao uso das cores fala-se em harmonia e contraste cromaacutetico A
harmonia ocorre quando em uma imagem existem cores proacuteximas (laranja amarelo
torrado amarelo e vermelho) Jaacute ao mencionar contraste cromaacutetico se refere quando na
imagem existem cores contrastantes (azul vs Vermelho amarelo vs Violeta por
exemplo) Contudo Sousa (2004) revela outras maneiras de evidenciar contraste
cromaacutetico (a) contraste de cores fortes com cores neutras (por exemplo vermelho vivo vs
cinzento claro) (b) complementaccedilatildeo entre cores claras e cores escuras (por exemplo o
amarelo-limatildeo faz o azul marinho parecer mais escuro) (c) contraste entre tons intensos
da mesma cor (o vermelho carregado contrasta com o vermelho claro)
Sousa (2004) acrescenta que eacute possiacutevel expressar quietude e tranquumlilidade ao
recorrer agrave harmonia cromaacutetica de cores quentes suaves como o castanho-terra suave e o
28
amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada
diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis
Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de
ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem
teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas
especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade
Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores
satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada
espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos
valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem
23 Enquadramentos
O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que
determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo
que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores
O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada
Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira
como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave
objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela
Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos
teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos
notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena
mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar
mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico
Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o
tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos
objetos que constituem a cena
Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees
possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de
detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar
Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma
29
―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para
a tela
231 Planos
O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre
dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no
qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute
determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da
objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da
narrativa que se pretende obter
Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada
autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute
possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos
planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o
observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta
planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os
intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro
plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens
plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por
exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA
(2004 p67-68)
A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano
Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade
fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte
1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro
2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos
joelhos para cima ou da cintura para cima
3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um
pouco abaixo
4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima
5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator
6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na
altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas
30
232 Acircngulos de Filmagem
De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto
que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir
um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo
superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto
que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade
No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de
baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de
superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e
do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do
personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele
em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador
233 Movimentos de Cacircmera
Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por
Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da
ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental
de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a
descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou
uma personagem
Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de
cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o
deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem
constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A
panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio
eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a
trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com
o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural
Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou
complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir
de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um
―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena
31
3 O cinema de autor
No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria
recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas
produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo
(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na
tela diferentes percepccedilotildees diante da trama
Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de
vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de
variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao
participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim
conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro
Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista
produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete
instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs
Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo
No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)
juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores
(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os
produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do
filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas
No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith
4
Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico
2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do
cinema mudo
3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano
um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas
4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de
Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o
movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o
filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)
5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro
de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia
de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou
em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia
32
devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e
dirigindo na publicidade de seus filmes
Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica
quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na
―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do
existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do
autor
Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-
sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e
substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a
atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando
que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo
metafiacutesicas (STAM 2003 p111)
Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo
que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi
responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou
a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras
refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica
abordando o ato de fazer e assistir a um filme
Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita
sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de
determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a
mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais
cineastas
Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers
Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica
Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes
que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar
conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as
filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios
seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma
simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)
Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do
Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os
grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas
6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem
como no sete de filmagem
33
como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o
suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e
o puacuteblico como seu divertimento
Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no
cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes
nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees
inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo
autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de
caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor
(COVALESKI 2009 p83)
Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o
contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa
eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a
obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma
noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a
outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI
2009 p 84)
Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute
responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo
do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute
responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas
necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo
com Bernardet
Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua
maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um
filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que
preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em
perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)
O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem
traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na
direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas
optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas
uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na
direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta
34
Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora
diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior
originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade
crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais
Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de
autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para
Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do
discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia
Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e
situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi
apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser
considerado como tal
O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica
com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra
determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem
defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos
paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor
Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja
autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de
1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e
Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de
presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de
suas matildeos
Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo
(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do
curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos
experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar
Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo
Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se
tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila
Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras
produtoras independentes do paiacutes
No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute
que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal
35
Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam
de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que
Meirelles considera ter feito em sua vida
No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas
publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos
que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar
notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar
e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas
da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para
natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar
em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade
Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a
produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando
Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2
Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no
mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios
internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca
de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio
Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede
Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura
completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um
departamento juriacutedico aacutegil
Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme
foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes
selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival
Internacional de Rotterdam
O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de
20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores
no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais
Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo
internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores
filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro
indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o
filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta
36
Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado
como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no
manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a
pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo
sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No
entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional
Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao
levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner
o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na
categoria de Melhor Diretor
Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando
Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do
romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O
filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14
de maio de 2008
37
4 Metodologia
A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando
compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria
nos filmes de Fernando Meirelles
Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave
argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise
detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades
sociais
Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo
aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de
entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira
indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o
caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como
objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro
Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra
selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes
representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a
esteacutetica publicitaacuteria
Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que
seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem
fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de
expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica
Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do
conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia
e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise
a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e
organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir
das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)
interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em
funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo
Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise
fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra
que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da
38
linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa
fiacutelmica
Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo
1 Preacute-anaacutelise
a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor
enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)
2 Descriccedilatildeo Analiacutetica
a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos
3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando
em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes
Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute
necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo
haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica
efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo
pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando
necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que
considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde
que natildeo descarte as antecedentes
39
5 Anaacutelises
Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica
publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel
a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica
descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo
estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a
narrativa de cada um dos filmes
Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de
Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)
51 Domeacutesticas
Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas
40
Sinopse
Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de
Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada
Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa
sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar
de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute
Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida
Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com
um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por
missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a
mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que
satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se
estivessem dando uma espeacutecie de depoimento
Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas
aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de
emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o
outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das
domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo
Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo
encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas
por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do
plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave
novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um
sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da
profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento
cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes
publicitaacuterios
41
Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas
(Plano aberto e plano conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas
com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal
Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos
lateralizados
A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em
plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo
pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee
possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem
disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco
conotando mais tristeza agrave cena
Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e
cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como
acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute
limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera
tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no
estacionamento do preacutedio
Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em
que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a
personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o
deslocamento da personagem daquele mundo
42
Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas
(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de
serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves
tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas
com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)
Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em
um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um
domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao
casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte
observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre
sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o
responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua
profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela
As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena
No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo
agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute
43
devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de
nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude
alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade
sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento
Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as
personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo
O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo
vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das
diversas dificuldades no seu dia-a-dia
O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano
meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em
meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave
criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)
isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo
dos exageros
Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna
da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores
quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde
44
e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila
dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme
Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas
52 Cidade de Deus
Sinopse
O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro
protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou
um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a
estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto
de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante
amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente
suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num
ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele
descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se
fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista
do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos
45
principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria
mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um
mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute
Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro
dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto
Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos
bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute
usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute
centralizada e em leve plongeacutee
Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no
46
comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo
frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas
casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e
suave
A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do
traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na
criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar
perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-
plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem
Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano
geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo
compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando
naturalidade
Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)
47
Iluminaccedilatildeo e cor
Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo
deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute
observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa
frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo
pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo
Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste
elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem
a funccedilatildeo de criar um visual expressivo
Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente
natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a
inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre
dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na
cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute
ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo
consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena
interna e provavelmente noturna
Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua
maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais
frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo
com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute
amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute
modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos
48
periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo
publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama
Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante
Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com
a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um
material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a
imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee
com armas em punho apontadas para os policiais
Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela
49
Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus
53 O Jardineiro Fiel
Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel
50
Sinopse
O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em
Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa
uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem
aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para
substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes
um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute
transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu
idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a
trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin
acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir
na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de
amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa
estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional
envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em
seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a
disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no
Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e
ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar
como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se
para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final
bastante diferente do que seria esperado
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a
imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia
de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio
em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao
lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar
para se proteger
Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem
Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em
51
plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades
azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um
embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em
plongeacutee e plano aberto em conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na
figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A
imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano
aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo
dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais
amenos frios
Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada
retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao
receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade
possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento
As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a
imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua
52
Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em
leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens
contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante
natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel
perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral
aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores
quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave
luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem
composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local
em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo
A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela
cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A
impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena
que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma
53
desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do
ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas
sim no seu proacuteprio lucro
Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de
ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir
contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis
por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele
seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com
movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma
arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite
suavidade e calor agrave cena
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel
(variaccedilatildeo entre suave e dura)
Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando
com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na
lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em
equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira
imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais
onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena
54
ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens
em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)
ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem
possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua
composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)
como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel
54 Ensaio sobre a Cegueira
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira
55
Sinopse
O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que
atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas
passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no
tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados
em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a
lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a
uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que
juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute
baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com
o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de
cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo
manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O
enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para
a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e
branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria
compotildee as cenas da trama
Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento
panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da
trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade
esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o
motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa
ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais
Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o
motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo
adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de
quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia
56
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
57
Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
58
A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
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do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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2003
BERNARDET Jean-Claude O autor no cinema ndash a poliacutetica dos autores Franccedila Brasil
anos 50 e 60 Satildeo Paulo Brasiliense 1994
CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem
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DUBOIS Philippe Cinema Viacutedeo Godard Traduccedilatildeo de Mateus Arauacutejo Silva Satildeo
Paulo Cosac Naify 2004
FIORIN J L Linguagem e Ideologia Satildeo Paulo Aacutetica 2002
GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo
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guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos
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VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas
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XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e
Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003
65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
28
amarelo-torrado Enquanto isso a exploraccedilatildeo da ideia de frieza pode ser conquistada
diante da harmonia de cores frias como por exemplo os azuis
Aleacutem de provocar sensaccedilotildees a utilizaccedilatildeo da cor acarreta alguns problemas de
ordem teacutecnica e psicoloacutegica De acordo com Martin (2003) tais problemas de ordem
teacutecnica estatildeo ligados aos filmes utilizados jaacute que cada um possui suas caracteriacutesticas
especiacuteficas variando tanto em relaccedilatildeo agrave capacidade de conservaccedilatildeo quanto agrave tonalidade
Ao mesmo tempo ocasionam problemas psicoloacutegicos referentes ao modo como as cores
satildeo recebidas por cada indiviacuteduo e os valores que lhes satildeo conferidas Sendo assim cada
espectador teraacute uma sensaccedilatildeo diferente ao entrar em contato com o filme devido aos
valores jaacute agregados em relaccedilatildeo aos elementos que constituem tal imagem
23 Enquadramentos
O modo e o local onde se pretende posicionar a cacircmera durante as gravaccedilotildees eacute que
determina o enquadramento Assim sendo refere-se ao visual da cena qual parte da accedilatildeo
que estaacute ocorrendo melhor a define aos olhos de seus espectadores
O enquadramento revela o ponto de vista do diretor sobre a accedilatildeo ali representada
Segundo Martin (2003 p45) se refere agrave ―composiccedilatildeo do conteuacutedo da imagem a maneira
como o realizador organiza e planifica o fragmento da realidade que eacute apresentado agrave
objetiva e que seraacute retratado de forma idecircntica na tela
Logo que o cinema surgiu o enquadramento era muito semelhante aos espetaacuteculos
teatrais pois a cacircmera era posicionada de modo que captasse toda a accedilatildeo Aos poucos
notou-se que era possiacutevel modificar esse posicionamento sem perder o sentido da cena
mostrando apenas alguns detalhes que possibilitassem ao espectador completar
mentalmente o restante do espaccedilo fiacutelmico
Ao capturar uma imagem em um quadro estamos ao mesmo tempo decidindo o
tamanho desse assunto dentro deste quadro e determinando o niacutevel de relevacircncia dos
objetos que constituem a cena
Aleacutem de definir o ponto de vista da cena o enquadramento em suas variaccedilotildees
possibilita aguccedilar as sensaccedilotildees dos personagens revelar suas emoccedilotildees por meio de
detalhes de suas expressotildees ndash foco no rosto nas matildeos e principalmente no olhar
Segundo Martin (2003 p36) mediante o enquadramento o cinema se entrega a uma
29
―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para
a tela
231 Planos
O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre
dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no
qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute
determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da
objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da
narrativa que se pretende obter
Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada
autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute
possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos
planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o
observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta
planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os
intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro
plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens
plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por
exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA
(2004 p67-68)
A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano
Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade
fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte
1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro
2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos
joelhos para cima ou da cintura para cima
3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um
pouco abaixo
4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima
5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator
6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na
altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas
30
232 Acircngulos de Filmagem
De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto
que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir
um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo
superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto
que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade
No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de
baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de
superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e
do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do
personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele
em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador
233 Movimentos de Cacircmera
Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por
Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da
ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental
de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a
descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou
uma personagem
Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de
cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o
deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem
constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A
panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio
eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a
trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com
o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural
Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou
complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir
de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um
―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena
31
3 O cinema de autor
No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria
recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas
produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo
(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na
tela diferentes percepccedilotildees diante da trama
Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de
vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de
variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao
participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim
conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro
Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista
produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete
instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs
Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo
No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)
juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores
(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os
produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do
filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas
No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith
4
Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico
2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do
cinema mudo
3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano
um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas
4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de
Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o
movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o
filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)
5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro
de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia
de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou
em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia
32
devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e
dirigindo na publicidade de seus filmes
Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica
quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na
―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do
existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do
autor
Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-
sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e
substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a
atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando
que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo
metafiacutesicas (STAM 2003 p111)
Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo
que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi
responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou
a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras
refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica
abordando o ato de fazer e assistir a um filme
Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita
sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de
determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a
mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais
cineastas
Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers
Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica
Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes
que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar
conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as
filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios
seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma
simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)
Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do
Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os
grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas
6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem
como no sete de filmagem
33
como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o
suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e
o puacuteblico como seu divertimento
Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no
cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes
nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees
inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo
autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de
caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor
(COVALESKI 2009 p83)
Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o
contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa
eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a
obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma
noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a
outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI
2009 p 84)
Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute
responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo
do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute
responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas
necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo
com Bernardet
Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua
maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um
filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que
preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em
perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)
O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem
traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na
direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas
optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas
uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na
direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta
34
Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora
diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior
originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade
crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais
Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de
autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para
Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do
discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia
Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e
situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi
apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser
considerado como tal
O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica
com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra
determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem
defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos
paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor
Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja
autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de
1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e
Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de
presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de
suas matildeos
Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo
(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do
curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos
experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar
Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo
Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se
tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila
Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras
produtoras independentes do paiacutes
No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute
que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal
35
Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam
de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que
Meirelles considera ter feito em sua vida
No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas
publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos
que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar
notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar
e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas
da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para
natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar
em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade
Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a
produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando
Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2
Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no
mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios
internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca
de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio
Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede
Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura
completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um
departamento juriacutedico aacutegil
Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme
foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes
selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival
Internacional de Rotterdam
O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de
20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores
no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais
Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo
internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores
filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro
indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o
filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta
36
Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado
como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no
manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a
pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo
sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No
entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional
Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao
levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner
o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na
categoria de Melhor Diretor
Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando
Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do
romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O
filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14
de maio de 2008
37
4 Metodologia
A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando
compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria
nos filmes de Fernando Meirelles
Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave
argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise
detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades
sociais
Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo
aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de
entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira
indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o
caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como
objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro
Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra
selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes
representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a
esteacutetica publicitaacuteria
Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que
seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem
fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de
expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica
Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do
conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia
e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise
a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e
organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir
das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)
interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em
funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo
Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise
fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra
que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da
38
linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa
fiacutelmica
Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo
1 Preacute-anaacutelise
a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor
enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)
2 Descriccedilatildeo Analiacutetica
a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos
3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando
em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes
Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute
necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo
haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica
efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo
pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando
necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que
considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde
que natildeo descarte as antecedentes
39
5 Anaacutelises
Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica
publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel
a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica
descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo
estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a
narrativa de cada um dos filmes
Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de
Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)
51 Domeacutesticas
Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas
40
Sinopse
Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de
Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada
Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa
sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar
de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute
Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida
Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com
um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por
missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a
mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que
satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se
estivessem dando uma espeacutecie de depoimento
Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas
aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de
emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o
outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das
domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo
Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo
encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas
por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do
plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave
novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um
sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da
profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento
cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes
publicitaacuterios
41
Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas
(Plano aberto e plano conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas
com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal
Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos
lateralizados
A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em
plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo
pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee
possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem
disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco
conotando mais tristeza agrave cena
Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e
cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como
acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute
limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera
tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no
estacionamento do preacutedio
Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em
que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a
personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o
deslocamento da personagem daquele mundo
42
Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas
(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de
serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves
tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas
com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)
Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em
um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um
domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao
casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte
observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre
sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o
responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua
profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela
As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena
No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo
agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute
43
devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de
nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude
alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade
sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento
Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as
personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo
O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo
vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das
diversas dificuldades no seu dia-a-dia
O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano
meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em
meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave
criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)
isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo
dos exageros
Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna
da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores
quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde
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e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila
dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme
Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas
52 Cidade de Deus
Sinopse
O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro
protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou
um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a
estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto
de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante
amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente
suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num
ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele
descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se
fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista
do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos
45
principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria
mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um
mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute
Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro
dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto
Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos
bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute
usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute
centralizada e em leve plongeacutee
Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no
46
comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo
frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas
casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e
suave
A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do
traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na
criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar
perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-
plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem
Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano
geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo
compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando
naturalidade
Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)
47
Iluminaccedilatildeo e cor
Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo
deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute
observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa
frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo
pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo
Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste
elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem
a funccedilatildeo de criar um visual expressivo
Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente
natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a
inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre
dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na
cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute
ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo
consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena
interna e provavelmente noturna
Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua
maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais
frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo
com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute
amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute
modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos
48
periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo
publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama
Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante
Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com
a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um
material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a
imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee
com armas em punho apontadas para os policiais
Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela
49
Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus
53 O Jardineiro Fiel
Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel
50
Sinopse
O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em
Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa
uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem
aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para
substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes
um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute
transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu
idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a
trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin
acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir
na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de
amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa
estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional
envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em
seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a
disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no
Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e
ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar
como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se
para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final
bastante diferente do que seria esperado
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a
imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia
de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio
em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao
lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar
para se proteger
Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem
Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em
51
plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades
azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um
embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em
plongeacutee e plano aberto em conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na
figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A
imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano
aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo
dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais
amenos frios
Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada
retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao
receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade
possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento
As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a
imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua
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Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em
leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens
contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante
natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel
perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral
aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores
quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave
luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem
composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local
em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo
A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela
cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A
impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena
que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma
53
desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do
ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas
sim no seu proacuteprio lucro
Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de
ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir
contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis
por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele
seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com
movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma
arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite
suavidade e calor agrave cena
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel
(variaccedilatildeo entre suave e dura)
Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando
com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na
lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em
equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira
imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais
onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena
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ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens
em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)
ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem
possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua
composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)
como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel
54 Ensaio sobre a Cegueira
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira
55
Sinopse
O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que
atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas
passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no
tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados
em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a
lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a
uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que
juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute
baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com
o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de
cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo
manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O
enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para
a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e
branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria
compotildee as cenas da trama
Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento
panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da
trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade
esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o
motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa
ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais
Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o
motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo
adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de
quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia
56
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
57
Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
58
A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
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do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos
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XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e
Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003
65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
29
―extraordinaacuteria transformaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da realidade e transporta tal realidade para
a tela
231 Planos
O plano nada mais eacute do que um segmento de imagem contiacutenua compreendido entre
dois cortes Sendo assim trata-se da imagem registrada durante o intervalo de tempo no
qual a cacircmera estaacute gravando Martin (2003 p37) acrescenta que a grandeza dos planos eacute
determinada ―a partir da distacircncia entre a cacircmera e o assunto e pela distacircncia focal da
objetiva utilizada fato que varia devido agrave comodidade de percepccedilatildeo e a clareza da
narrativa que se pretende obter
Segundo Sousa (2004) o enquadramento concretiza-se no plano Embora cada
autor possua uma classificaccedilatildeo particular das variaccedilotildees e das tipologias dos planos eacute
possiacutevel considerar basicamente a existecircncia de quatro tipos de planos
planos gerais ndash satildeo os planos abertos informativos e servem para situar o
observador mostrando uma localizaccedilatildeo concreta
planos de conjunto ndash planos gerais mais fechados onde se distinguem os
intervenientes da accedilatildeo e a proacutepria accedilatildeo com facilidade e por inteiro
plano meacutedio ndash servem para relacionar os objetos e personagens
plano de detalhe ndash enfatizam particularidades (um rosto uma janela por
exemplo) frequentemente mais expressivos do que informativos SOUSA
(2004 p67-68)
A fotografia eacute uma unidade de significaccedilatildeo precisa pois se concretiza num plano
Cada plano possui uma dada finalidade diferente em relaccedilatildeo ao niacutevel da expressividade
fotograacutefica A classificaccedilatildeo dos planos utilizada para a anaacutelise desse estudo eacute a seguinte
1 PLANO GERAL enquadramento que mostra o ator de corpo inteiro
2 PLANO AMERICANO enquadramento de cinema que mostra a personagem dos
joelhos para cima ou da cintura para cima
3 PLANO CONJUNTO enquadramento que corta o ator na altura dos joelhos ou um
pouco abaixo
4 PLANO MEacuteDIO enquadramento que mostra o ator da cintura para cima
5 PRIMEIRIacuteSSIMO PLANO enquadramento que mostra apenas a cabeccedila do ator
6 PRIMEIRO PLANO enquadramento que mostra a cabeccedila do ator cortando-o na
altura do peito Enfatiza bastante as emoccedilotildees vividas pelas pessoas
30
232 Acircngulos de Filmagem
De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto
que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir
um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo
superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto
que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade
No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de
baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de
superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e
do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do
personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele
em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador
233 Movimentos de Cacircmera
Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por
Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da
ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental
de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a
descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou
uma personagem
Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de
cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o
deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem
constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A
panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio
eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a
trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com
o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural
Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou
complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir
de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um
―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena
31
3 O cinema de autor
No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria
recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas
produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo
(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na
tela diferentes percepccedilotildees diante da trama
Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de
vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de
variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao
participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim
conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro
Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista
produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete
instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs
Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo
No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)
juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores
(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os
produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do
filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas
No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith
4
Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico
2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do
cinema mudo
3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano
um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas
4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de
Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o
movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o
filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)
5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro
de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia
de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou
em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia
32
devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e
dirigindo na publicidade de seus filmes
Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica
quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na
―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do
existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do
autor
Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-
sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e
substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a
atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando
que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo
metafiacutesicas (STAM 2003 p111)
Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo
que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi
responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou
a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras
refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica
abordando o ato de fazer e assistir a um filme
Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita
sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de
determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a
mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais
cineastas
Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers
Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica
Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes
que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar
conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as
filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios
seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma
simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)
Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do
Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os
grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas
6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem
como no sete de filmagem
33
como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o
suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e
o puacuteblico como seu divertimento
Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no
cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes
nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees
inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo
autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de
caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor
(COVALESKI 2009 p83)
Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o
contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa
eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a
obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma
noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a
outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI
2009 p 84)
Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute
responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo
do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute
responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas
necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo
com Bernardet
Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua
maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um
filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que
preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em
perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)
O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem
traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na
direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas
optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas
uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na
direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta
34
Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora
diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior
originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade
crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais
Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de
autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para
Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do
discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia
Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e
situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi
apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser
considerado como tal
O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica
com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra
determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem
defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos
paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor
Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja
autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de
1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e
Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de
presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de
suas matildeos
Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo
(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do
curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos
experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar
Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo
Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se
tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila
Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras
produtoras independentes do paiacutes
No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute
que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal
35
Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam
de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que
Meirelles considera ter feito em sua vida
No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas
publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos
que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar
notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar
e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas
da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para
natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar
em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade
Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a
produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando
Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2
Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no
mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios
internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca
de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio
Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede
Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura
completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um
departamento juriacutedico aacutegil
Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme
foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes
selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival
Internacional de Rotterdam
O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de
20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores
no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais
Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo
internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores
filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro
indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o
filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta
36
Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado
como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no
manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a
pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo
sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No
entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional
Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao
levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner
o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na
categoria de Melhor Diretor
Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando
Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do
romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O
filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14
de maio de 2008
37
4 Metodologia
A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando
compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria
nos filmes de Fernando Meirelles
Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave
argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise
detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades
sociais
Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo
aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de
entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira
indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o
caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como
objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro
Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra
selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes
representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a
esteacutetica publicitaacuteria
Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que
seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem
fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de
expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica
Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do
conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia
e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise
a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e
organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir
das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)
interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em
funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo
Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise
fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra
que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da
38
linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa
fiacutelmica
Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo
1 Preacute-anaacutelise
a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor
enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)
2 Descriccedilatildeo Analiacutetica
a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos
3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando
em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes
Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute
necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo
haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica
efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo
pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando
necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que
considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde
que natildeo descarte as antecedentes
39
5 Anaacutelises
Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica
publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel
a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica
descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo
estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a
narrativa de cada um dos filmes
Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de
Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)
51 Domeacutesticas
Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas
40
Sinopse
Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de
Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada
Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa
sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar
de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute
Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida
Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com
um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por
missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a
mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que
satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se
estivessem dando uma espeacutecie de depoimento
Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas
aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de
emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o
outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das
domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo
Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo
encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas
por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do
plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave
novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um
sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da
profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento
cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes
publicitaacuterios
41
Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas
(Plano aberto e plano conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas
com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal
Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos
lateralizados
A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em
plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo
pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee
possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem
disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco
conotando mais tristeza agrave cena
Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e
cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como
acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute
limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera
tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no
estacionamento do preacutedio
Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em
que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a
personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o
deslocamento da personagem daquele mundo
42
Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas
(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de
serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves
tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas
com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)
Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em
um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um
domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao
casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte
observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre
sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o
responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua
profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela
As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena
No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo
agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute
43
devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de
nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude
alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade
sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento
Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as
personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo
O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo
vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das
diversas dificuldades no seu dia-a-dia
O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano
meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em
meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave
criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)
isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo
dos exageros
Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna
da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores
quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde
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e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila
dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme
Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas
52 Cidade de Deus
Sinopse
O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro
protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou
um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a
estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto
de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante
amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente
suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num
ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele
descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se
fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista
do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos
45
principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria
mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um
mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute
Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro
dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto
Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos
bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute
usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute
centralizada e em leve plongeacutee
Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no
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comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo
frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas
casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e
suave
A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do
traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na
criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar
perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-
plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem
Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano
geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo
compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando
naturalidade
Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)
47
Iluminaccedilatildeo e cor
Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo
deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute
observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa
frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo
pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo
Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste
elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem
a funccedilatildeo de criar um visual expressivo
Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente
natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a
inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre
dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na
cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute
ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo
consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena
interna e provavelmente noturna
Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua
maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais
frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo
com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute
amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute
modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos
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periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo
publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama
Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante
Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com
a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um
material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a
imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee
com armas em punho apontadas para os policiais
Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela
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Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus
53 O Jardineiro Fiel
Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel
50
Sinopse
O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em
Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa
uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem
aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para
substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes
um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute
transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu
idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a
trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin
acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir
na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de
amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa
estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional
envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em
seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a
disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no
Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e
ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar
como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se
para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final
bastante diferente do que seria esperado
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a
imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia
de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio
em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao
lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar
para se proteger
Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem
Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em
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plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades
azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um
embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em
plongeacutee e plano aberto em conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na
figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A
imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano
aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo
dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais
amenos frios
Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada
retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao
receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade
possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento
As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a
imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua
52
Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em
leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens
contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante
natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel
perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral
aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores
quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave
luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem
composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local
em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo
A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela
cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A
impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena
que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma
53
desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do
ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas
sim no seu proacuteprio lucro
Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de
ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir
contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis
por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele
seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com
movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma
arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite
suavidade e calor agrave cena
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel
(variaccedilatildeo entre suave e dura)
Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando
com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na
lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em
equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira
imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais
onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena
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ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens
em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)
ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem
possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua
composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)
como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel
54 Ensaio sobre a Cegueira
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira
55
Sinopse
O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que
atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas
passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no
tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados
em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a
lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a
uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que
juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute
baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com
o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de
cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo
manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O
enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para
a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e
branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria
compotildee as cenas da trama
Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento
panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da
trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade
esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o
motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa
ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais
Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o
motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo
adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de
quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia
56
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
57
Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
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A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
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do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
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65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
30
232 Acircngulos de Filmagem
De acordo com Martin (2003) o posicionamento da cacircmera em relaccedilatildeo ao objeto
que estaacute sendo filmado relaciona-se diretamente aos acircngulos de filmagem aleacutem de sugerir
um significado psicoloacutegico particular e preciso Ao colocar a cacircmera em uma posiccedilatildeo
superior - plongeacutee que eacute o acircngulo em que a cacircmera fica de cima para baixo ndash ao objeto
que esta sendo filmado atribui-se a este objeto uma posiccedilatildeo de inferioridade
No entanto ao utilizar o acircngulo contra-plongeacutee ndash no qual o objeto eacute filmado de
baixo para cima ndash o objeto filmado adquire destaque pois recebe um posicionamento de
superioridade Aleacutem disso eacute necessaacuterio destacar a existecircncia do ponto de vista subjetivo e
do ponto de vista objetivo o primeiro eacute aquele em que a cacircmera se encontra no lugar do
personagem da accedilatildeo ndash como se fosse a visatildeo do proacuteprio personagem jaacute o segundo eacute aquele
em que a cacircmera adquire a posiccedilatildeo do espectador
233 Movimentos de Cacircmera
Os diferentes movimentos de cacircmera possuem algumas funccedilotildees definidas por
Martin (2003) em relaccedilatildeo ao ponto de vista de expressatildeo fiacutelmica como a criaccedilatildeo da
ilusatildeo do movimento em um objeto ou personagem parado a expressatildeo da tensatildeo mental
de uma personagem o acompanhamento de um objeto ou personagem em movimento a
descriccedilatildeo de um espaccedilo de accedilatildeo ou ateacute mesmo acentuar dramaticamente um objeto ou
uma personagem
Do mesmo modo o autor possibilita a distinccedilatildeo entre trecircs tipos de movimentos de
cacircmera o travelling a panoracircmica e a trajetoacuteria O travelling nada mais eacute do que o
deslocamento da cacircmera em que tanto a trajetoacuteria quanto o acircngulo permanecem
constantes Pode ter diversas direccedilotildees cada uma com um significado particular A
panoracircmica por sua vez eacute o movimento de rotaccedilatildeo da cacircmera em torno do seu proacuteprio
eixo tanto horizontal quanto vertical poreacutem sem o deslocamento do aparelho Jaacute a
trajetoacuteria refere-se agrave uma mistura indefinida entre travelling e panoracircmica contando com
o auxiacutelio de uma grua sendo um movimento raro e pouco natural
Segundo Martin (2003) os movimentos de cacircmera independentemente de sutis ou
complexos podem ser muito belos quando carregam um significado pois somente a partir
de um ―sentido de existir eacute que transmitem veracidade e se percebe a existecircncia de um
―criador da obra em que cada detalhe possui um ―por quecirc de estar ali compondo a cena
31
3 O cinema de autor
No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria
recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas
produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo
(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na
tela diferentes percepccedilotildees diante da trama
Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de
vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de
variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao
participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim
conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro
Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista
produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete
instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs
Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo
No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)
juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores
(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os
produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do
filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas
No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith
4
Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico
2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do
cinema mudo
3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano
um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas
4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de
Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o
movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o
filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)
5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro
de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia
de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou
em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia
32
devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e
dirigindo na publicidade de seus filmes
Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica
quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na
―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do
existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do
autor
Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-
sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e
substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a
atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando
que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo
metafiacutesicas (STAM 2003 p111)
Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo
que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi
responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou
a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras
refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica
abordando o ato de fazer e assistir a um filme
Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita
sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de
determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a
mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais
cineastas
Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers
Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica
Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes
que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar
conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as
filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios
seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma
simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)
Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do
Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os
grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas
6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem
como no sete de filmagem
33
como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o
suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e
o puacuteblico como seu divertimento
Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no
cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes
nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees
inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo
autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de
caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor
(COVALESKI 2009 p83)
Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o
contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa
eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a
obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma
noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a
outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI
2009 p 84)
Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute
responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo
do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute
responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas
necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo
com Bernardet
Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua
maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um
filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que
preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em
perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)
O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem
traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na
direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas
optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas
uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na
direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta
34
Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora
diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior
originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade
crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais
Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de
autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para
Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do
discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia
Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e
situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi
apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser
considerado como tal
O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica
com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra
determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem
defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos
paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor
Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja
autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de
1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e
Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de
presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de
suas matildeos
Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo
(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do
curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos
experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar
Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo
Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se
tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila
Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras
produtoras independentes do paiacutes
No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute
que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal
35
Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam
de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que
Meirelles considera ter feito em sua vida
No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas
publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos
que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar
notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar
e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas
da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para
natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar
em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade
Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a
produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando
Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2
Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no
mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios
internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca
de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio
Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede
Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura
completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um
departamento juriacutedico aacutegil
Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme
foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes
selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival
Internacional de Rotterdam
O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de
20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores
no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais
Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo
internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores
filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro
indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o
filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta
36
Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado
como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no
manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a
pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo
sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No
entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional
Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao
levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner
o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na
categoria de Melhor Diretor
Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando
Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do
romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O
filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14
de maio de 2008
37
4 Metodologia
A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando
compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria
nos filmes de Fernando Meirelles
Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave
argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise
detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades
sociais
Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo
aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de
entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira
indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o
caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como
objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro
Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra
selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes
representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a
esteacutetica publicitaacuteria
Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que
seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem
fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de
expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica
Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do
conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia
e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise
a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e
organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir
das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)
interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em
funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo
Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise
fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra
que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da
38
linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa
fiacutelmica
Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo
1 Preacute-anaacutelise
a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor
enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)
2 Descriccedilatildeo Analiacutetica
a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos
3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando
em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes
Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute
necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo
haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica
efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo
pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando
necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que
considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde
que natildeo descarte as antecedentes
39
5 Anaacutelises
Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica
publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel
a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica
descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo
estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a
narrativa de cada um dos filmes
Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de
Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)
51 Domeacutesticas
Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas
40
Sinopse
Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de
Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada
Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa
sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar
de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute
Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida
Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com
um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por
missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a
mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que
satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se
estivessem dando uma espeacutecie de depoimento
Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas
aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de
emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o
outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das
domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo
Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo
encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas
por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do
plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave
novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um
sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da
profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento
cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes
publicitaacuterios
41
Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas
(Plano aberto e plano conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas
com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal
Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos
lateralizados
A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em
plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo
pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee
possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem
disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco
conotando mais tristeza agrave cena
Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e
cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como
acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute
limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera
tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no
estacionamento do preacutedio
Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em
que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a
personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o
deslocamento da personagem daquele mundo
42
Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas
(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de
serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves
tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas
com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)
Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em
um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um
domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao
casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte
observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre
sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o
responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua
profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela
As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena
No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo
agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute
43
devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de
nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude
alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade
sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento
Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as
personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo
O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo
vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das
diversas dificuldades no seu dia-a-dia
O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano
meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em
meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave
criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)
isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo
dos exageros
Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna
da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores
quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde
44
e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila
dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme
Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas
52 Cidade de Deus
Sinopse
O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro
protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou
um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a
estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto
de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante
amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente
suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num
ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele
descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se
fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista
do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos
45
principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria
mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um
mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute
Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro
dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto
Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos
bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute
usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute
centralizada e em leve plongeacutee
Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no
46
comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo
frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas
casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e
suave
A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do
traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na
criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar
perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-
plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem
Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano
geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo
compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando
naturalidade
Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)
47
Iluminaccedilatildeo e cor
Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo
deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute
observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa
frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo
pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo
Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste
elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem
a funccedilatildeo de criar um visual expressivo
Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente
natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a
inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre
dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na
cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute
ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo
consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena
interna e provavelmente noturna
Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua
maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais
frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo
com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute
amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute
modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos
48
periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo
publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama
Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante
Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com
a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um
material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a
imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee
com armas em punho apontadas para os policiais
Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela
49
Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus
53 O Jardineiro Fiel
Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel
50
Sinopse
O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em
Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa
uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem
aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para
substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes
um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute
transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu
idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a
trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin
acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir
na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de
amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa
estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional
envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em
seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a
disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no
Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e
ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar
como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se
para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final
bastante diferente do que seria esperado
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a
imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia
de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio
em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao
lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar
para se proteger
Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem
Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em
51
plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades
azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um
embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em
plongeacutee e plano aberto em conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na
figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A
imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano
aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo
dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais
amenos frios
Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada
retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao
receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade
possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento
As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a
imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua
52
Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em
leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens
contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante
natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel
perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral
aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores
quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave
luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem
composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local
em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo
A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela
cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A
impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena
que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma
53
desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do
ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas
sim no seu proacuteprio lucro
Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de
ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir
contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis
por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele
seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com
movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma
arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite
suavidade e calor agrave cena
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel
(variaccedilatildeo entre suave e dura)
Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando
com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na
lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em
equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira
imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais
onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena
54
ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens
em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)
ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem
possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua
composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)
como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel
54 Ensaio sobre a Cegueira
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira
55
Sinopse
O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que
atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas
passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no
tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados
em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a
lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a
uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que
juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute
baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com
o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de
cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo
manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O
enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para
a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e
branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria
compotildee as cenas da trama
Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento
panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da
trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade
esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o
motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa
ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais
Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o
motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo
adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de
quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia
56
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
57
Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
58
A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
59
do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
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65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
31
3 O cinema de autor
No meio audiovisual a relaccedilatildeo entre as esteacuteticas cinematograacutefica e publicitaacuteria
recai tambeacutem ao autor da obra jaacute que sua personalidade eacute muitas vezes impressa nas
produccedilotildees as quais dirige Por se tratar de uma multiplicidade de linguagens aacuteudio e viacutedeo
(imagens em movimento) o cinema requer um olhar multifacetado capaz de retratar na
tela diferentes percepccedilotildees diante da trama
Na primeira deacutecada do seacuteculo XX Charles Spencer Chaplin ator inglecircs de
vaudeville imigrou para Hollywood juntamente com sua companhia de teatro de
variedades Artista desde crianccedila logo se destacou na nascente induacutestria do cinema ao
participar de curtas-metragens nas chamadas comeacutedia-pastelatildeo Tais comeacutedias eram assim
conhecidas pois quase sempre acabava um jogando torta - pastelatildeo - na cara do outro
Chaplin foi um dos primeiros verdadeiros ―autores do cinema Diretor roteirista
produtor cacircmera editor compositor das trilhas sonoras um ―homem dos sete
instrumentos Enfim um artista completo que influenciado pelo pioneiro cocircmico francecircs
Max Linder2 criou um personagem que era a proacutepria essecircncia do cinema mudo
No iniacutecio dos anos 30 surge o Star System (sistema de estrelas e astros)
juntamente com o cinema falado Nesses anos dourados as atrizes (estrelas) e os atores
(astros) ganharam maior notoriedade sendo os chamarizes de bilheteria Sendo assim os
produtores diretores e os roteiristas natildeo eram reconhecidos como autores artiacutesticos do
filme jaacute que o centro das atenccedilotildees estava voltado agraves ―estrelas
No entanto houve algumas exceccedilotildees como por exemplo De Mille3 Griffith
4
Chaplin e Sennet5 que eram nomes e personalidades reconhecidos pelo grande puacuteblico
2 Max Linder (Gabriel Leuvielle) (Saint-Loubeacutes 1883 - Paris 1925) foi um ator de cinema francecircs da era do
cinema mudo
3 Cecil Blount DeMille (Ashfield 12 de agosto de 1881- 21 de janeiro de 1959) foi um cineasta americano
um dos 36 fundadores da Academia de Artes e Ciecircncias Cinematograacuteficas
4 David Llewelyn Wark Griffith geralmente conhecido por DW Griffith (22 de Janeiro de 1875ndash23 de
Julho de 1948) era um diretor de cinema estadunidense Foi o primeiro a utilizar o close dramaacutetico e o
movimento de cacircmera sendo o cineasta que filmou o primeiro longa-metragem americano em 1915 com o
filme ―Nascimento de Uma Naccedilatildeo (The Birth of a Nation)
5 Mack Sennet nascido Michael Sinnott (Richmond 17 de janeiro de 1880 mdash Los Angeles 5 de novembro
de 1960) foi um produtor roteirista ator e diretor de cinema estadunidense nascido no Canadaacute na proviacutencia
de Quebec Era conhecido como The King of Comedy (O Rei da Comeacutedia) Produtor de comeacutedias fundou
em 1912 os Estuacutedios Keystone responsaacutevel pela popularizaccedilatildeo dos filmes mudos de comeacutedia
32
devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e
dirigindo na publicidade de seus filmes
Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica
quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na
―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do
existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do
autor
Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-
sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e
substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a
atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando
que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo
metafiacutesicas (STAM 2003 p111)
Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo
que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi
responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou
a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras
refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica
abordando o ato de fazer e assistir a um filme
Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita
sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de
determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a
mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais
cineastas
Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers
Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica
Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes
que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar
conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as
filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios
seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma
simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)
Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do
Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os
grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas
6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem
como no sete de filmagem
33
como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o
suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e
o puacuteblico como seu divertimento
Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no
cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes
nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees
inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo
autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de
caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor
(COVALESKI 2009 p83)
Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o
contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa
eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a
obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma
noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a
outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI
2009 p 84)
Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute
responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo
do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute
responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas
necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo
com Bernardet
Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua
maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um
filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que
preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em
perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)
O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem
traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na
direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas
optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas
uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na
direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta
34
Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora
diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior
originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade
crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais
Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de
autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para
Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do
discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia
Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e
situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi
apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser
considerado como tal
O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica
com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra
determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem
defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos
paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor
Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja
autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de
1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e
Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de
presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de
suas matildeos
Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo
(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do
curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos
experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar
Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo
Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se
tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila
Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras
produtoras independentes do paiacutes
No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute
que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal
35
Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam
de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que
Meirelles considera ter feito em sua vida
No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas
publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos
que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar
notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar
e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas
da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para
natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar
em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade
Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a
produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando
Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2
Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no
mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios
internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca
de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio
Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede
Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura
completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um
departamento juriacutedico aacutegil
Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme
foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes
selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival
Internacional de Rotterdam
O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de
20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores
no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais
Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo
internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores
filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro
indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o
filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta
36
Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado
como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no
manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a
pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo
sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No
entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional
Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao
levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner
o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na
categoria de Melhor Diretor
Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando
Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do
romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O
filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14
de maio de 2008
37
4 Metodologia
A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando
compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria
nos filmes de Fernando Meirelles
Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave
argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise
detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades
sociais
Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo
aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de
entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira
indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o
caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como
objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro
Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra
selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes
representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a
esteacutetica publicitaacuteria
Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que
seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem
fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de
expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica
Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do
conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia
e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise
a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e
organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir
das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)
interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em
funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo
Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise
fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra
que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da
38
linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa
fiacutelmica
Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo
1 Preacute-anaacutelise
a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor
enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)
2 Descriccedilatildeo Analiacutetica
a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos
3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando
em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes
Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute
necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo
haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica
efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo
pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando
necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que
considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde
que natildeo descarte as antecedentes
39
5 Anaacutelises
Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica
publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel
a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica
descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo
estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a
narrativa de cada um dos filmes
Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de
Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)
51 Domeacutesticas
Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas
40
Sinopse
Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de
Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada
Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa
sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar
de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute
Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida
Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com
um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por
missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a
mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que
satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se
estivessem dando uma espeacutecie de depoimento
Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas
aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de
emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o
outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das
domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo
Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo
encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas
por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do
plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave
novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um
sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da
profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento
cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes
publicitaacuterios
41
Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas
(Plano aberto e plano conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas
com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal
Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos
lateralizados
A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em
plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo
pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee
possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem
disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco
conotando mais tristeza agrave cena
Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e
cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como
acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute
limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera
tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no
estacionamento do preacutedio
Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em
que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a
personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o
deslocamento da personagem daquele mundo
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Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas
(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de
serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves
tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas
com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)
Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em
um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um
domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao
casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte
observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre
sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o
responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua
profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela
As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena
No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo
agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute
43
devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de
nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude
alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade
sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento
Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as
personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo
O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo
vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das
diversas dificuldades no seu dia-a-dia
O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano
meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em
meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave
criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)
isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo
dos exageros
Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna
da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores
quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde
44
e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila
dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme
Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas
52 Cidade de Deus
Sinopse
O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro
protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou
um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a
estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto
de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante
amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente
suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num
ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele
descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se
fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista
do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos
45
principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria
mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um
mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute
Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro
dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto
Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos
bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute
usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute
centralizada e em leve plongeacutee
Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no
46
comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo
frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas
casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e
suave
A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do
traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na
criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar
perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-
plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem
Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano
geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo
compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando
naturalidade
Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)
47
Iluminaccedilatildeo e cor
Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo
deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute
observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa
frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo
pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo
Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste
elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem
a funccedilatildeo de criar um visual expressivo
Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente
natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a
inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre
dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na
cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute
ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo
consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena
interna e provavelmente noturna
Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua
maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais
frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo
com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute
amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute
modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos
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periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo
publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama
Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante
Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com
a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um
material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a
imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee
com armas em punho apontadas para os policiais
Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela
49
Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus
53 O Jardineiro Fiel
Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel
50
Sinopse
O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em
Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa
uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem
aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para
substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes
um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute
transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu
idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a
trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin
acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir
na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de
amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa
estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional
envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em
seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a
disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no
Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e
ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar
como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se
para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final
bastante diferente do que seria esperado
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a
imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia
de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio
em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao
lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar
para se proteger
Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem
Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em
51
plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades
azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um
embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em
plongeacutee e plano aberto em conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na
figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A
imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano
aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo
dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais
amenos frios
Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada
retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao
receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade
possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento
As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a
imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua
52
Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em
leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens
contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante
natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel
perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral
aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores
quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave
luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem
composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local
em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo
A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela
cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A
impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena
que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma
53
desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do
ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas
sim no seu proacuteprio lucro
Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de
ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir
contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis
por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele
seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com
movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma
arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite
suavidade e calor agrave cena
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel
(variaccedilatildeo entre suave e dura)
Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando
com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na
lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em
equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira
imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais
onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena
54
ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens
em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)
ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem
possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua
composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)
como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel
54 Ensaio sobre a Cegueira
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira
55
Sinopse
O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que
atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas
passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no
tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados
em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a
lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a
uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que
juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute
baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com
o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de
cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo
manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O
enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para
a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e
branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria
compotildee as cenas da trama
Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento
panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da
trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade
esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o
motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa
ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais
Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o
motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo
adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de
quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia
56
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
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Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
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A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
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do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
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de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
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65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
32
devido agrave propaganda de seus estuacutedios bem como Alfred Hithicock que aparecia falando e
dirigindo na publicidade de seus filmes
Entre as deacutecadas de 50 e 60 o ―autorismo comeccedilou a dominar tanto a criacutetica
quanto a teoria do cinema Segundo Stam (2003 p102) este movimento consiste na
―expressatildeo de um humanismo existencialista de inflexatildeo fenomenoloacutegica que diverge do
existencialismo de Satre onde ―a existecircncia precede a essecircncia Deste modo a teoria do
autor
Ao forccedilar o deslocamento da atenccedilatildeo para os filmes em si e para a mise-en-
sceacutene6 como assinatura estiliacutestica do autor o autorismo prestou uma clara e
substancial contribuiccedilatildeo agrave teoria e metodologia cinematograacuteficas Deslocou a
atenccedilatildeo do ―o quecirc (histoacuteria tema) para o ―como (estilo teacutecnica) mostrando
que o estilo em si apresenta reverberaccedilotildees pessoais ideoloacutegicas e ateacute mesmo
metafiacutesicas (STAM 2003 p111)
Andreacute Bazin criacutetico e teoacuterico de cinema foi um grande referencial para a geraccedilatildeo
que despontava no mundo artiacutestico do cinema e da criacutetica especializada Aleacutem disso foi
responsaacutevel em incentivar cineastas como Truffaut a realizar filmes como tambeacutem apoiou
a criaccedilatildeo de cineclubes e a revitalizaccedilatildeo da Cinemateca Francesa Basicamente Suas obras
refletem na anaacutelise da criaccedilatildeo cinematograacutefica e do desenvolvimento da sua esteacutetica
abordando o ato de fazer e assistir a um filme
Segundo Paula (2008) Andreacute Bazin nada mais eacute do que um grande nome da escrita
sobre cinema e divulgador das ideacuteias sobre a marca de estilo e as ideologias de
determinados cineastas Sendo assim estes eram os verdadeiros autores dos filmes pois a
mensagem que se escondia nas entrelinhas destas obras possibilitava caracterizar tais
cineastas
Em 1955 mediante o artigo ―Politique des Auteursrdquo publicado na revista Cahiers
Du Cinema Franccedilois Truffaut lanccedilou seu movimento teoacuterico da criacutetica cinematograacutefica
Foi quem impulsionou nessa publicaccedilatildeo o chamado Cinema de Autor filmes
que eram verdadeiras marcas de cineastas pelo seu estilo e modo de filmar
conduzindo seus atores em abordagens inovadoras desde o roteiro ateacute as
filmagens e a montagem do filme tentavam transpor em imagens seus anseios
seus sentimentos e olhar de mundo nas suas assinaturas denunciando em uma
simples cena ou tema do filme quem era seu realizador (PAULA 2008 p 24)
Truffaut foi o primeiro a reconhecer o inglecircs Alfred Hitchcock como o Mestre do
Suspense Os estudiosos franceses antes dos americanos colocaram seu nome entre os
grandes do cinema Anteriormente Hitchcock era considerado pelos seus compatriotas
6 De origem francesa surgiu no teatro claacutessico e refere-se agrave movimentaccedilatildeo e posicionamento no palco bem
como no sete de filmagem
33
como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o
suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e
o puacuteblico como seu divertimento
Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no
cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes
nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees
inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo
autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de
caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor
(COVALESKI 2009 p83)
Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o
contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa
eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a
obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma
noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a
outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI
2009 p 84)
Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute
responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo
do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute
responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas
necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo
com Bernardet
Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua
maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um
filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que
preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em
perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)
O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem
traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na
direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas
optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas
uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na
direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta
34
Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora
diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior
originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade
crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais
Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de
autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para
Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do
discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia
Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e
situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi
apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser
considerado como tal
O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica
com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra
determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem
defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos
paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor
Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja
autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de
1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e
Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de
presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de
suas matildeos
Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo
(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do
curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos
experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar
Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo
Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se
tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila
Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras
produtoras independentes do paiacutes
No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute
que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal
35
Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam
de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que
Meirelles considera ter feito em sua vida
No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas
publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos
que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar
notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar
e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas
da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para
natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar
em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade
Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a
produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando
Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2
Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no
mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios
internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca
de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio
Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede
Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura
completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um
departamento juriacutedico aacutegil
Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme
foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes
selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival
Internacional de Rotterdam
O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de
20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores
no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais
Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo
internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores
filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro
indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o
filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta
36
Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado
como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no
manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a
pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo
sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No
entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional
Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao
levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner
o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na
categoria de Melhor Diretor
Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando
Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do
romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O
filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14
de maio de 2008
37
4 Metodologia
A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando
compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria
nos filmes de Fernando Meirelles
Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave
argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise
detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades
sociais
Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo
aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de
entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira
indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o
caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como
objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro
Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra
selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes
representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a
esteacutetica publicitaacuteria
Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que
seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem
fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de
expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica
Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do
conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia
e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise
a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e
organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir
das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)
interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em
funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo
Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise
fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra
que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da
38
linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa
fiacutelmica
Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo
1 Preacute-anaacutelise
a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor
enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)
2 Descriccedilatildeo Analiacutetica
a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos
3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando
em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes
Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute
necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo
haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica
efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo
pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando
necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que
considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde
que natildeo descarte as antecedentes
39
5 Anaacutelises
Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica
publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel
a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica
descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo
estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a
narrativa de cada um dos filmes
Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de
Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)
51 Domeacutesticas
Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas
40
Sinopse
Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de
Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada
Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa
sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar
de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute
Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida
Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com
um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por
missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a
mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que
satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se
estivessem dando uma espeacutecie de depoimento
Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas
aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de
emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o
outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das
domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo
Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo
encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas
por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do
plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave
novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um
sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da
profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento
cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes
publicitaacuterios
41
Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas
(Plano aberto e plano conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas
com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal
Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos
lateralizados
A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em
plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo
pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee
possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem
disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco
conotando mais tristeza agrave cena
Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e
cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como
acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute
limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera
tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no
estacionamento do preacutedio
Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em
que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a
personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o
deslocamento da personagem daquele mundo
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Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas
(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de
serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves
tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas
com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)
Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em
um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um
domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao
casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte
observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre
sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o
responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua
profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela
As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena
No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo
agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute
43
devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de
nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude
alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade
sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento
Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as
personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo
O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo
vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das
diversas dificuldades no seu dia-a-dia
O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano
meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em
meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave
criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)
isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo
dos exageros
Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna
da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores
quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde
44
e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila
dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme
Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas
52 Cidade de Deus
Sinopse
O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro
protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou
um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a
estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto
de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante
amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente
suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num
ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele
descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se
fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista
do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos
45
principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria
mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um
mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute
Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro
dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto
Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos
bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute
usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute
centralizada e em leve plongeacutee
Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no
46
comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo
frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas
casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e
suave
A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do
traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na
criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar
perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-
plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem
Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano
geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo
compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando
naturalidade
Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)
47
Iluminaccedilatildeo e cor
Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo
deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute
observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa
frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo
pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo
Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste
elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem
a funccedilatildeo de criar um visual expressivo
Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente
natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a
inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre
dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na
cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute
ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo
consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena
interna e provavelmente noturna
Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua
maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais
frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo
com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute
amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute
modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos
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periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo
publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama
Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante
Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com
a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um
material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a
imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee
com armas em punho apontadas para os policiais
Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela
49
Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus
53 O Jardineiro Fiel
Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel
50
Sinopse
O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em
Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa
uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem
aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para
substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes
um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute
transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu
idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a
trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin
acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir
na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de
amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa
estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional
envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em
seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a
disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no
Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e
ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar
como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se
para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final
bastante diferente do que seria esperado
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a
imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia
de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio
em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao
lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar
para se proteger
Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem
Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em
51
plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades
azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um
embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em
plongeacutee e plano aberto em conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na
figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A
imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano
aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo
dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais
amenos frios
Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada
retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao
receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade
possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento
As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a
imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua
52
Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em
leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens
contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante
natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel
perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral
aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores
quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave
luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem
composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local
em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo
A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela
cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A
impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena
que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma
53
desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do
ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas
sim no seu proacuteprio lucro
Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de
ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir
contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis
por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele
seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com
movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma
arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite
suavidade e calor agrave cena
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel
(variaccedilatildeo entre suave e dura)
Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando
com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na
lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em
equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira
imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais
onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena
54
ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens
em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)
ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem
possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua
composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)
como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel
54 Ensaio sobre a Cegueira
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira
55
Sinopse
O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que
atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas
passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no
tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados
em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a
lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a
uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que
juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute
baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com
o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de
cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo
manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O
enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para
a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e
branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria
compotildee as cenas da trama
Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento
panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da
trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade
esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o
motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa
ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais
Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o
motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo
adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de
quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia
56
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
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Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
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A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
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do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
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de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
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Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
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ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
33
como um veterano cineasta de respeito precursor de gecircnero considerado menor o
suspense filmes de misteacuterio e entretenimento Enfim um brincalhatildeo que tinha o cinema e
o puacuteblico como seu divertimento
Assim sendo Covaleski (2009) confirma a complexidade do papel do autor no
cinema devido a sua capacidade de dialogar como se fosse um interlocutor diferentes
nuances artiacutesticas A partir dessa estreita analogia o cineasta acaba por inserir expressotildees
inerentes a si capazes de classificar seu modo eou estilo de criaccedilatildeo Tal estilizaccedilatildeo
autoral eacute responsaacutevel por gerar ―uma personalidade para a obra criando sobre ela traccedilos de
caraacuteter vestiacutegios de emoccedilotildees amostras de habilidades teacutecnicas proacutepria de cada autor
(COVALESKI 2009 p83)
Uma obra de arte seria impensaacutevel se isolada Ela ecoa forccedilosamente o
contexto cultural em que foi germinada jaacute que o autor eacute realidade de uma certa
eacutepoca e uma memoacuteria do passado Natildeo haacute como desvincular inteiramente a
obra de um determinado periacuteodo e mesmo de uma civilizaccedilatildeo Haacute sempre uma
noccedilatildeo de acuacutemulo sedimentaccedilatildeo e experiecircncias anteriores texto que remete a
outro precedente suscitando evocaccedilotildees (ALCAcircNTARA apud COVALESKI
2009 p 84)
Durante o processo de filmagens o diretor (entendido aqui como o autor) eacute
responsaacutevel pela escolha das locaccedilotildees pelos testes de elenco pela iluminaccedilatildeo pelo estilo
do figurino pela forma de montagem da trama entre outras vaacuterias decisotildees Enfim eacute
responsaacutevel por arquitetar a obra em sua mente e posteriormente delegar as etapas
necessaacuterias para que o resultado imaginado seja alcanccedilado ao final do processo De acordo
com Bernardet
Os verdadeiros autores de hoje raramente satildeo os que geram com ciuacutemes sua
maestria que tentam perpetuar os signos de sua autoridadeautorismo de um
filme para outro ou executar seu proacuteprio programa seriam antes os que
preferem colocar em questatildeo seu tiacutetulo de autor a cada novo filme colocar em
perigo a sua maestria (BERNARDET 1994 p175)
O criacutetico de cinema Ismail Xavier (2003) acrescenta que alguns diretores possuem
traccedilos em suas obras que possibilitam perceber certas caracteriacutesticas pessoais tanto na
direccedilatildeo quanto de um modo em geral em seu estilo autoral Contudo alguns cineastas
optam pela diversidade de teacutecnicas e estilos de abordagem a fim de natildeo consagrar apenas
uma estilizaccedilatildeo Assim sendo eacute possiacutevel que se abra um leque de variadas atuaccedilotildees na
direccedilatildeo devido a uma postura natildeo modular do cineasta
34
Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora
diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior
originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade
crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais
Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de
autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para
Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do
discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia
Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e
situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi
apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser
considerado como tal
O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica
com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra
determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem
defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos
paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor
Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja
autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de
1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e
Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de
presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de
suas matildeos
Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo
(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do
curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos
experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar
Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo
Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se
tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila
Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras
produtoras independentes do paiacutes
No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute
que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal
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Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam
de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que
Meirelles considera ter feito em sua vida
No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas
publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos
que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar
notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar
e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas
da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para
natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar
em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade
Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a
produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando
Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2
Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no
mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios
internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca
de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio
Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede
Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura
completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um
departamento juriacutedico aacutegil
Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme
foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes
selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival
Internacional de Rotterdam
O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de
20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores
no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais
Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo
internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores
filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro
indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o
filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta
36
Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado
como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no
manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a
pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo
sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No
entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional
Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao
levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner
o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na
categoria de Melhor Diretor
Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando
Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do
romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O
filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14
de maio de 2008
37
4 Metodologia
A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando
compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria
nos filmes de Fernando Meirelles
Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave
argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise
detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades
sociais
Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo
aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de
entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira
indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o
caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como
objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro
Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra
selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes
representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a
esteacutetica publicitaacuteria
Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que
seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem
fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de
expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica
Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do
conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia
e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise
a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e
organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir
das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)
interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em
funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo
Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise
fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra
que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da
38
linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa
fiacutelmica
Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo
1 Preacute-anaacutelise
a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor
enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)
2 Descriccedilatildeo Analiacutetica
a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos
3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando
em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes
Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute
necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo
haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica
efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo
pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando
necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que
considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde
que natildeo descarte as antecedentes
39
5 Anaacutelises
Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica
publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel
a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica
descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo
estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a
narrativa de cada um dos filmes
Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de
Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)
51 Domeacutesticas
Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas
40
Sinopse
Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de
Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada
Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa
sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar
de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute
Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida
Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com
um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por
missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a
mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que
satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se
estivessem dando uma espeacutecie de depoimento
Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas
aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de
emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o
outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das
domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo
Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo
encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas
por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do
plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave
novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um
sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da
profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento
cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes
publicitaacuterios
41
Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas
(Plano aberto e plano conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas
com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal
Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos
lateralizados
A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em
plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo
pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee
possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem
disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco
conotando mais tristeza agrave cena
Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e
cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como
acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute
limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera
tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no
estacionamento do preacutedio
Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em
que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a
personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o
deslocamento da personagem daquele mundo
42
Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas
(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de
serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves
tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas
com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)
Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em
um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um
domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao
casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte
observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre
sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o
responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua
profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela
As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena
No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo
agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute
43
devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de
nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude
alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade
sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento
Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as
personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo
O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo
vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das
diversas dificuldades no seu dia-a-dia
O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano
meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em
meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave
criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)
isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo
dos exageros
Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna
da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores
quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde
44
e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila
dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme
Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas
52 Cidade de Deus
Sinopse
O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro
protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou
um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a
estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto
de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante
amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente
suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num
ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele
descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se
fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista
do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos
45
principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria
mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um
mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute
Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro
dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto
Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos
bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute
usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute
centralizada e em leve plongeacutee
Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no
46
comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo
frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas
casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e
suave
A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do
traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na
criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar
perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-
plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem
Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano
geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo
compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando
naturalidade
Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)
47
Iluminaccedilatildeo e cor
Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo
deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute
observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa
frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo
pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo
Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste
elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem
a funccedilatildeo de criar um visual expressivo
Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente
natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a
inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre
dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na
cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute
ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo
consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena
interna e provavelmente noturna
Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua
maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais
frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo
com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute
amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute
modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos
48
periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo
publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama
Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante
Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com
a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um
material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a
imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee
com armas em punho apontadas para os policiais
Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela
49
Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus
53 O Jardineiro Fiel
Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel
50
Sinopse
O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em
Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa
uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem
aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para
substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes
um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute
transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu
idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a
trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin
acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir
na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de
amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa
estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional
envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em
seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a
disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no
Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e
ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar
como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se
para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final
bastante diferente do que seria esperado
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a
imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia
de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio
em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao
lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar
para se proteger
Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem
Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em
51
plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades
azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um
embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em
plongeacutee e plano aberto em conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na
figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A
imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano
aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo
dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais
amenos frios
Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada
retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao
receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade
possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento
As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a
imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua
52
Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em
leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens
contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante
natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel
perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral
aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores
quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave
luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem
composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local
em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo
A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela
cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A
impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena
que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma
53
desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do
ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas
sim no seu proacuteprio lucro
Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de
ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir
contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis
por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele
seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com
movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma
arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite
suavidade e calor agrave cena
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel
(variaccedilatildeo entre suave e dura)
Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando
com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na
lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em
equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira
imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais
onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena
54
ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens
em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)
ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem
possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua
composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)
como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel
54 Ensaio sobre a Cegueira
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira
55
Sinopse
O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que
atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas
passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no
tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados
em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a
lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a
uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que
juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute
baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com
o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de
cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo
manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O
enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para
a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e
branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria
compotildee as cenas da trama
Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento
panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da
trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade
esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o
motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa
ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais
Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o
motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo
adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de
quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia
56
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
57
Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
58
A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
59
do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
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64
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65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
34
Para Lauro Zavala (apud COVALESKI 2009 p86) ―nos encontramos agora
diante de um cinema da ilusatildeo e do fragmento onde a paroacutedia eacute emblemaacutetica da maior
originalidade que poderiacuteamos esperar neste espaccedilo definido por uma intertextualidade
crescente capaz de gerar novas abordagens esteacuteticas nas produccedilotildees audiovisuais
Segundo Mensato (2008) a anaacutelise de discurso tambeacutem discute as questotildees de
autor e autoria Esses temas satildeo bastante discutidos pelos teoacutericos do discurso Para
Foucault (2001) ―o autor eacute entatildeo considerado como princiacutepio de agrupamento do
discurso como unidade e origem de suas significaccedilotildees como fulcro de sua coerecircncia
Esse mesmo teoacuterico diz que o princiacutepio da autoria natildeo vale para todos os sujeitos e
situaccedilotildees para Foucault o autor eacute aquele que estaacute na origem do dizer Contudo Orlandi
apud Mensato (2008) refuta a ideacuteia de que o autor deva estar na origem do dizer para o ser
considerado como tal
O cinema de autor segundo Covaleski (2009) consiste em uma expressatildeo artiacutestica
com elementos inconfundiacuteveis de seu criador Ao mesmo tempo em que se enquadra
determinada obra a seu autor determinado estilo a um gecircnero fiacutelmico existe quem
defenda que eacute hora de redefinir certos paracircmetros diante do surgimento de novos
paradigmas cinematograacuteficos associados agrave figura do diretor
Neste trabalho em especial a ecircnfase seraacute dada ao cineasta Fernando Meirelles cuja
autoralidade estaacute sendo analisada Fernando eacute paulista e nasceu em 9 de novembro de
1955 Filho de meacutedico gastroenterologista Meirelles viajou diversas vezes para a Aacutesia e
Ameacuterica do Norte conhecendo diversas culturas ainda jovem Aos 12 anos ganhou de
presente sua primeira cacircmera de filmar O que era para ser um passatempo jamais saiu de
suas matildeos
Nos anos 80 cursou Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Satildeo Paulo
(USP) sendo aprovado com a nota miacutenima pois apresentou um filme como conclusatildeo do
curso Ainda estudante juntamente com Paulo Morelli realizou seus primeiros viacutedeos
experimentais jaacute obtendo destaque no meio Na mesma eacutepoca Fernando fundou a Olhar
Eletrocircnico produtora independente com alguns amigos Paulo Morelli Marcelo
Machado Dariu Vizeu e Beto Salatini Cada um investiu cerca de mil doacutelares e se
tornaram soacutecios comprando uma ilha de ediccedilatildeo Localizada numa casinha na Praccedila
Benedito Calixto em Pinheiros onde moravam a Olhar tornou-se uma das primeiras
produtoras independentes do paiacutes
No iniacutecio usavam os equipamentos para fazer os proacuteprios viacutedeos experimentais jaacute
que tinham pouco dinheiro e nenhum cliente ―Garotas do Subuacuterbio ―Marly Normal
35
Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam
de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que
Meirelles considera ter feito em sua vida
No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas
publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos
que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar
notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar
e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas
da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para
natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar
em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade
Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a
produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando
Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2
Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no
mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios
internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca
de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio
Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede
Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura
completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um
departamento juriacutedico aacutegil
Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme
foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes
selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival
Internacional de Rotterdam
O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de
20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores
no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais
Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo
internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores
filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro
indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o
filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta
36
Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado
como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no
manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a
pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo
sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No
entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional
Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao
levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner
o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na
categoria de Melhor Diretor
Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando
Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do
romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O
filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14
de maio de 2008
37
4 Metodologia
A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando
compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria
nos filmes de Fernando Meirelles
Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave
argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise
detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades
sociais
Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo
aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de
entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira
indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o
caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como
objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro
Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra
selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes
representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a
esteacutetica publicitaacuteria
Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que
seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem
fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de
expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica
Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do
conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia
e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise
a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e
organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir
das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)
interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em
funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo
Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise
fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra
que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da
38
linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa
fiacutelmica
Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo
1 Preacute-anaacutelise
a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor
enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)
2 Descriccedilatildeo Analiacutetica
a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos
3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando
em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes
Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute
necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo
haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica
efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo
pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando
necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que
considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde
que natildeo descarte as antecedentes
39
5 Anaacutelises
Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica
publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel
a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica
descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo
estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a
narrativa de cada um dos filmes
Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de
Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)
51 Domeacutesticas
Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas
40
Sinopse
Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de
Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada
Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa
sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar
de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute
Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida
Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com
um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por
missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a
mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que
satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se
estivessem dando uma espeacutecie de depoimento
Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas
aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de
emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o
outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das
domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo
Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo
encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas
por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do
plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave
novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um
sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da
profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento
cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes
publicitaacuterios
41
Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas
(Plano aberto e plano conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas
com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal
Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos
lateralizados
A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em
plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo
pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee
possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem
disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco
conotando mais tristeza agrave cena
Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e
cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como
acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute
limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera
tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no
estacionamento do preacutedio
Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em
que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a
personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o
deslocamento da personagem daquele mundo
42
Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas
(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de
serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves
tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas
com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)
Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em
um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um
domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao
casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte
observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre
sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o
responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua
profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela
As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena
No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo
agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute
43
devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de
nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude
alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade
sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento
Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as
personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo
O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo
vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das
diversas dificuldades no seu dia-a-dia
O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano
meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em
meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave
criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)
isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo
dos exageros
Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna
da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores
quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde
44
e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila
dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme
Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas
52 Cidade de Deus
Sinopse
O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro
protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou
um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a
estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto
de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante
amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente
suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num
ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele
descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se
fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista
do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos
45
principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria
mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um
mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute
Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro
dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto
Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos
bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute
usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute
centralizada e em leve plongeacutee
Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no
46
comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo
frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas
casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e
suave
A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do
traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na
criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar
perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-
plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem
Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano
geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo
compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando
naturalidade
Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)
47
Iluminaccedilatildeo e cor
Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo
deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute
observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa
frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo
pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo
Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste
elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem
a funccedilatildeo de criar um visual expressivo
Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente
natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a
inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre
dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na
cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute
ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo
consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena
interna e provavelmente noturna
Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua
maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais
frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo
com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute
amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute
modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos
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periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo
publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama
Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante
Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com
a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um
material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a
imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee
com armas em punho apontadas para os policiais
Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela
49
Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus
53 O Jardineiro Fiel
Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel
50
Sinopse
O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em
Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa
uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem
aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para
substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes
um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute
transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu
idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a
trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin
acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir
na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de
amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa
estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional
envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em
seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a
disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no
Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e
ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar
como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se
para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final
bastante diferente do que seria esperado
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a
imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia
de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio
em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao
lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar
para se proteger
Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem
Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em
51
plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades
azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um
embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em
plongeacutee e plano aberto em conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na
figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A
imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano
aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo
dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais
amenos frios
Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada
retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao
receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade
possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento
As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a
imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua
52
Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em
leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens
contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante
natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel
perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral
aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores
quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave
luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem
composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local
em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo
A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela
cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A
impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena
que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma
53
desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do
ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas
sim no seu proacuteprio lucro
Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de
ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir
contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis
por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele
seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com
movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma
arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite
suavidade e calor agrave cena
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel
(variaccedilatildeo entre suave e dura)
Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando
com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na
lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em
equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira
imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais
onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena
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ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens
em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)
ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem
possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua
composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)
como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel
54 Ensaio sobre a Cegueira
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira
55
Sinopse
O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que
atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas
passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no
tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados
em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a
lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a
uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que
juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute
baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com
o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de
cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo
manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O
enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para
a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e
branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria
compotildee as cenas da trama
Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento
panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da
trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade
esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o
motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa
ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais
Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o
motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo
adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de
quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia
56
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
57
Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
58
A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
59
do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
35
Do outro lado da sua casa foram viacutedeos realizados pela Olhar Eletrocircnico que serviam
de vitrina para a produtora Sendo ―Garotas do Subuacuterbio o viacutedeo mais consistente que
Meirelles considera ter feito em sua vida
No final dos anos 80 Meirelles tornou-se responsaacutevel por duas campanhas
publicitaacuterias que fizeram sucesso Semp Toshiba (os nossos japoneses satildeo mais criativos
que os dos outros) e a Brastemp (natildeo eacute assim uma Brastemp) Assim passou a ganhar
notoriedade ateacute que Roberto Oliveira entatildeo diretor da TV Cultura convidou-o para criar
e dirigir uma seacuterie infantil o Castelo Raacute-Tim-Bum O programa era voltado para crianccedilas
da preacute-escola O infantil era como se a cada minuto o programa mudasse de canal para
natildeo cansar as crianccedilas e contou com mais de 180 episoacutedios Com a finalidade de colocar
em praacutetica tal projeto Fernando teve que abandonar a publicidade
Da televisatildeo migrou para o cinema publicitaacuterio e com a saiacuteda de alguns soacutecios a
produtora independente se tornou a O2 Filmes sob o comando dos soacutecios Fernando
Meirelles Paulo Morelli e Andrea Barata Ribeiro Atuante no mercado desde 1991 a O2
Filmes eacute hoje considerada uma das mais criativas e importantes produtoras brasileiras no
mercado mundial Realiza projetos independentes e em parceria com grandes estuacutedios
internacionais e emissoras de televisatildeo Durante toda a sua trajetoacuteria a O2 realizou cerca
de 9000 peccedilas publicitaacuterias e conquistou diversos precircmios como Cannes Lions Clio
Awards e eacute a maior vencedora do Precircmio Profissionais do Ano promovido pela Rede
Globo Com escritoacuterios no Rio de Janeiro e Satildeo Paulo conta com uma infra-estrutura
completa estuacutedios equipamentos de cacircmera e iluminaccedilatildeo departamento de elenco um
departamento juriacutedico aacutegil
Dirigido por Fernando Meirelles e Nando Olival em 2001 ―Domeacutesticas o filme
foi vencedor de diversos precircmios em festivais nacionais aleacutem de ter sido um dos 15 filmes
selecionados no mundo inteiro para a competiccedilatildeo do Tiger Award no Festival
Internacional de Rotterdam
O segundo longa produzido pela O2 Filmes foi ―Cidade de Deus no ano de
20202 com direccedilatildeo de Fernando Meirelles Visto por mais de 33 milhotildees de espectadores
no Brasil Cidade de Deus recebeu mais de 40 precircmios nacionais e internacionais
Dirigindo o aclamado filme ―Cidade de Deus seu trabalho ganhou uma repercussatildeo
internacional sendo considerado um dos melhores filmes da deacutecada e um dos melhores
filmes brasileiros de todos os tempos O sucesso foi tatildeo grande que o filme recebeu quatro
indicaccedilotildees ao Oscar uma delas para Meirelles na categoria de Melhor Diretor Assim o
filme eacute considerado a grande virada na carreira do cineasta
36
Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado
como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no
manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a
pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo
sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No
entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional
Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao
levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner
o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na
categoria de Melhor Diretor
Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando
Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do
romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O
filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14
de maio de 2008
37
4 Metodologia
A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando
compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria
nos filmes de Fernando Meirelles
Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave
argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise
detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades
sociais
Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo
aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de
entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira
indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o
caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como
objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro
Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra
selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes
representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a
esteacutetica publicitaacuteria
Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que
seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem
fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de
expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica
Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do
conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia
e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise
a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e
organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir
das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)
interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em
funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo
Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise
fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra
que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da
38
linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa
fiacutelmica
Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo
1 Preacute-anaacutelise
a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor
enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)
2 Descriccedilatildeo Analiacutetica
a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos
3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando
em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes
Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute
necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo
haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica
efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo
pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando
necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que
considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde
que natildeo descarte as antecedentes
39
5 Anaacutelises
Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica
publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel
a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica
descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo
estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a
narrativa de cada um dos filmes
Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de
Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)
51 Domeacutesticas
Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas
40
Sinopse
Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de
Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada
Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa
sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar
de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute
Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida
Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com
um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por
missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a
mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que
satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se
estivessem dando uma espeacutecie de depoimento
Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas
aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de
emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o
outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das
domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo
Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo
encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas
por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do
plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave
novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um
sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da
profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento
cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes
publicitaacuterios
41
Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas
(Plano aberto e plano conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas
com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal
Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos
lateralizados
A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em
plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo
pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee
possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem
disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco
conotando mais tristeza agrave cena
Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e
cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como
acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute
limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera
tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no
estacionamento do preacutedio
Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em
que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a
personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o
deslocamento da personagem daquele mundo
42
Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas
(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de
serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves
tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas
com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)
Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em
um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um
domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao
casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte
observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre
sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o
responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua
profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela
As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena
No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo
agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute
43
devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de
nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude
alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade
sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento
Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as
personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo
O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo
vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das
diversas dificuldades no seu dia-a-dia
O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano
meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em
meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave
criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)
isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo
dos exageros
Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna
da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores
quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde
44
e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila
dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme
Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas
52 Cidade de Deus
Sinopse
O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro
protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou
um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a
estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto
de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante
amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente
suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num
ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele
descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se
fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista
do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos
45
principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria
mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um
mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute
Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro
dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto
Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos
bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute
usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute
centralizada e em leve plongeacutee
Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no
46
comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo
frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas
casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e
suave
A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do
traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na
criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar
perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-
plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem
Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano
geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo
compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando
naturalidade
Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)
47
Iluminaccedilatildeo e cor
Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo
deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute
observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa
frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo
pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo
Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste
elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem
a funccedilatildeo de criar um visual expressivo
Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente
natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a
inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre
dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na
cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute
ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo
consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena
interna e provavelmente noturna
Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua
maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais
frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo
com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute
amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute
modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos
48
periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo
publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama
Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante
Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com
a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um
material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a
imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee
com armas em punho apontadas para os policiais
Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela
49
Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus
53 O Jardineiro Fiel
Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel
50
Sinopse
O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em
Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa
uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem
aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para
substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes
um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute
transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu
idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a
trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin
acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir
na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de
amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa
estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional
envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em
seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a
disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no
Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e
ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar
como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se
para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final
bastante diferente do que seria esperado
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a
imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia
de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio
em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao
lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar
para se proteger
Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem
Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em
51
plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades
azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um
embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em
plongeacutee e plano aberto em conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na
figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A
imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano
aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo
dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais
amenos frios
Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada
retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao
receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade
possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento
As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a
imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua
52
Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em
leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens
contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante
natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel
perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral
aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores
quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave
luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem
composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local
em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo
A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela
cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A
impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena
que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma
53
desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do
ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas
sim no seu proacuteprio lucro
Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de
ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir
contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis
por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele
seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com
movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma
arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite
suavidade e calor agrave cena
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel
(variaccedilatildeo entre suave e dura)
Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando
com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na
lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em
equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira
imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais
onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena
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ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens
em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)
ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem
possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua
composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)
como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel
54 Ensaio sobre a Cegueira
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira
55
Sinopse
O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que
atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas
passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no
tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados
em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a
lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a
uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que
juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute
baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com
o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de
cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo
manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O
enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para
a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e
branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria
compotildee as cenas da trama
Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento
panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da
trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade
esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o
motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa
ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais
Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o
motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo
adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de
quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia
56
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
57
Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
58
A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
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do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos
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XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e
Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003
65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
36
Segundo Ivana Bentes (2005 p20) o filme Cidade de Deus pode ser conceituado
como uma ―cosmeacutetica da fome referecircncia agrave expressatildeo ―Esteacutetica da Fome presente no
manifesto escrito pelo idealizador do Cinema Novo Glauber Rocha em 1965 Conforma a
pesquisadora ―a montagem aacutegil e virtuosismo da cacircmera satildeo sintomas de uma ambiccedilatildeo
sinistra a de transformar a matanccedila de pobres entre si em espetaacuteculo para consumo No
entanto ela considera que o filme eacute um dos melhores da retomada do Cinema Nacional
Em 2005 firmou-se como um dos mais importantes diretores internacionais ao
levar para o cinema ―O Jardineiro Fiel Originalmente intitulado ―The Constant Gardner
o filme lhe rendeu uma indicaccedilatildeo ao Globo de Ouro e outra ao BAFTA ambas na
categoria de Melhor Diretor
Blindness em portuguecircs ―Ensaio Sobre a Cegueira uacuteltimo longa de Fernando
Meirelles foi rodado no Canadaacute Uruguai e no Brasil O filme eacute uma adaptaccedilatildeo do
romance de mesmo tiacutetulo escrito pelo premiado escritor Portuguecircs Joseacute Saramago O
filme foi exibido pela primeira vez durante a abertura do 61ordm Festival de Cannes no dia 14
de maio de 2008
37
4 Metodologia
A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando
compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria
nos filmes de Fernando Meirelles
Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave
argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise
detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades
sociais
Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo
aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de
entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira
indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o
caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como
objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro
Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra
selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes
representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a
esteacutetica publicitaacuteria
Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que
seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem
fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de
expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica
Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do
conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia
e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise
a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e
organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir
das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)
interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em
funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo
Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise
fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra
que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da
38
linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa
fiacutelmica
Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo
1 Preacute-anaacutelise
a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor
enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)
2 Descriccedilatildeo Analiacutetica
a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos
3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando
em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes
Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute
necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo
haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica
efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo
pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando
necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que
considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde
que natildeo descarte as antecedentes
39
5 Anaacutelises
Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica
publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel
a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica
descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo
estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a
narrativa de cada um dos filmes
Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de
Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)
51 Domeacutesticas
Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas
40
Sinopse
Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de
Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada
Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa
sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar
de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute
Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida
Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com
um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por
missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a
mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que
satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se
estivessem dando uma espeacutecie de depoimento
Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas
aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de
emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o
outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das
domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo
Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo
encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas
por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do
plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave
novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um
sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da
profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento
cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes
publicitaacuterios
41
Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas
(Plano aberto e plano conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas
com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal
Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos
lateralizados
A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em
plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo
pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee
possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem
disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco
conotando mais tristeza agrave cena
Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e
cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como
acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute
limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera
tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no
estacionamento do preacutedio
Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em
que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a
personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o
deslocamento da personagem daquele mundo
42
Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas
(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de
serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves
tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas
com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)
Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em
um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um
domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao
casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte
observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre
sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o
responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua
profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela
As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena
No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo
agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute
43
devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de
nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude
alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade
sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento
Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as
personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo
O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo
vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das
diversas dificuldades no seu dia-a-dia
O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano
meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em
meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave
criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)
isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo
dos exageros
Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna
da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores
quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde
44
e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila
dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme
Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas
52 Cidade de Deus
Sinopse
O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro
protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou
um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a
estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto
de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante
amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente
suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num
ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele
descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se
fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista
do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos
45
principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria
mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um
mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute
Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro
dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto
Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos
bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute
usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute
centralizada e em leve plongeacutee
Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no
46
comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo
frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas
casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e
suave
A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do
traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na
criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar
perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-
plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem
Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano
geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo
compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando
naturalidade
Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)
47
Iluminaccedilatildeo e cor
Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo
deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute
observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa
frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo
pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo
Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste
elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem
a funccedilatildeo de criar um visual expressivo
Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente
natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a
inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre
dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na
cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute
ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo
consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena
interna e provavelmente noturna
Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua
maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais
frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo
com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute
amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute
modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos
48
periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo
publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama
Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante
Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com
a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um
material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a
imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee
com armas em punho apontadas para os policiais
Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela
49
Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus
53 O Jardineiro Fiel
Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel
50
Sinopse
O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em
Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa
uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem
aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para
substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes
um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute
transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu
idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a
trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin
acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir
na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de
amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa
estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional
envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em
seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a
disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no
Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e
ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar
como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se
para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final
bastante diferente do que seria esperado
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a
imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia
de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio
em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao
lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar
para se proteger
Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem
Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em
51
plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades
azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um
embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em
plongeacutee e plano aberto em conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na
figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A
imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano
aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo
dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais
amenos frios
Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada
retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao
receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade
possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento
As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a
imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua
52
Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em
leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens
contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante
natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel
perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral
aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores
quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave
luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem
composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local
em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo
A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela
cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A
impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena
que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma
53
desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do
ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas
sim no seu proacuteprio lucro
Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de
ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir
contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis
por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele
seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com
movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma
arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite
suavidade e calor agrave cena
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel
(variaccedilatildeo entre suave e dura)
Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando
com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na
lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em
equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira
imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais
onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena
54
ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens
em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)
ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem
possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua
composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)
como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel
54 Ensaio sobre a Cegueira
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira
55
Sinopse
O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que
atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas
passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no
tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados
em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a
lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a
uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que
juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute
baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com
o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de
cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo
manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O
enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para
a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e
branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria
compotildee as cenas da trama
Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento
panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da
trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade
esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o
motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa
ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais
Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o
motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo
adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de
quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia
56
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
57
Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
58
A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
59
do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
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XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e
Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003
65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
37
4 Metodologia
A pesquisa se concentra no estudo da fotografia audiovisual buscando
compreender de que maneira ela eacute trabalhada na construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria
nos filmes de Fernando Meirelles
Trata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Michel (2005) refere-se agrave
argumentaccedilatildeo loacutegica das ideacuteias Uma experimentaccedilatildeo realizada a partir de uma anaacutelise
detalhada abrangente consistente e coerente com intuito de compreender as realidades
sociais
Consiste em um estudo de caso caracterizado por Michel (2005) como um estudo
aprofundado que busca reunir o maior nuacutemero possiacutevel de informaccedilotildees com o objetivo de
entender todas as variaacuteveis da unidade analisada Sendo assim concluir de maneira
indutiva sobre as questotildees sugeridas na escolha da unidade de anaacutelise Neste trabalho o
caso se constitui a partir da noccedilatildeo de autor do diretor Fernando Meirelles tendo como
objeto empiacuterico os seus filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de Deus (2002) O Jardineiro
Fiel (2005) e Ensaio sobre a cegueira (2008) No entanto cabe ressaltar que a amostra
selecionada para anaacutelise constitui-se por fragmentos de cada um desses filmes
representados pelos frames ou seja momentos nos quais se evidencia mais fortemente a
esteacutetica publicitaacuteria
Para isso utiliza-se a teacutecnica de anaacutelise de conteuacutedo aliada agrave anaacutelise fiacutelmica que
seratildeo operadas sobre os respectivos frames abordando os elementos da linguagem
fotograacutefica audiovisual responsaacutevel pela criaccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria capaz de
expressar uma dada significaccedilatildeo e um dado sentido diante da obra fiacutelmica
Deste modo Michel (2005) acrescenta que o objetivo eacute aprofundar a anaacutelise do
conteuacutedo das informaccedilotildees procurando ver e analisar em maior profundidade a pertinecircncia
e a coerecircncia bem como a loacutegica dos dados informados Para tornar possiacutevel esta anaacutelise
a autora classifica trecircs etapas fundamentais para o processo (1) preacute-anaacutelise coleta e
organizaccedilatildeo do material a ser analisado (2) descriccedilatildeo analiacutetica estudo do material partir
das hipoacuteteses e referencial teoacuterico aleacutem da escolha das unidades de anaacutelise (3)
interpretaccedilatildeo inferencial com os quadros de referecircncia os conteuacutedos satildeo revelados em
funccedilatildeo dos propoacutesitos do estudo
Atraveacutes dos estudos de Vanoye e Goliot-Leacuteteacute (2002) seraacute utilizada a anaacutelise
fiacutelmica como aliada A anaacutelise fiacutelmica incide em um estudo aprofundado acerca da obra
que se deseja transpor e transcodificar atraveacutes da observaccedilatildeo dos elementos da
38
linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa
fiacutelmica
Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo
1 Preacute-anaacutelise
a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor
enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)
2 Descriccedilatildeo Analiacutetica
a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos
3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando
em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes
Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute
necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo
haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica
efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo
pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando
necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que
considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde
que natildeo descarte as antecedentes
39
5 Anaacutelises
Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica
publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel
a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica
descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo
estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a
narrativa de cada um dos filmes
Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de
Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)
51 Domeacutesticas
Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas
40
Sinopse
Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de
Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada
Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa
sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar
de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute
Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida
Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com
um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por
missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a
mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que
satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se
estivessem dando uma espeacutecie de depoimento
Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas
aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de
emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o
outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das
domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo
Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo
encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas
por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do
plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave
novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um
sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da
profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento
cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes
publicitaacuterios
41
Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas
(Plano aberto e plano conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas
com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal
Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos
lateralizados
A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em
plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo
pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee
possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem
disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco
conotando mais tristeza agrave cena
Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e
cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como
acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute
limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera
tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no
estacionamento do preacutedio
Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em
que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a
personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o
deslocamento da personagem daquele mundo
42
Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas
(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de
serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves
tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas
com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)
Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em
um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um
domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao
casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte
observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre
sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o
responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua
profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela
As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena
No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo
agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute
43
devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de
nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude
alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade
sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento
Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as
personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo
O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo
vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das
diversas dificuldades no seu dia-a-dia
O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano
meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em
meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave
criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)
isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo
dos exageros
Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna
da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores
quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde
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e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila
dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme
Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas
52 Cidade de Deus
Sinopse
O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro
protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou
um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a
estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto
de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante
amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente
suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num
ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele
descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se
fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista
do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos
45
principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria
mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um
mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute
Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro
dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto
Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos
bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute
usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute
centralizada e em leve plongeacutee
Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no
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comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo
frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas
casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e
suave
A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do
traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na
criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar
perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-
plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem
Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano
geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo
compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando
naturalidade
Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)
47
Iluminaccedilatildeo e cor
Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo
deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute
observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa
frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo
pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo
Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste
elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem
a funccedilatildeo de criar um visual expressivo
Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente
natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a
inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre
dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na
cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute
ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo
consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena
interna e provavelmente noturna
Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua
maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais
frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo
com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute
amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute
modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos
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periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo
publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama
Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante
Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com
a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um
material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a
imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee
com armas em punho apontadas para os policiais
Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela
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Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus
53 O Jardineiro Fiel
Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel
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Sinopse
O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em
Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa
uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem
aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para
substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes
um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute
transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu
idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a
trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin
acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir
na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de
amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa
estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional
envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em
seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a
disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no
Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e
ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar
como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se
para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final
bastante diferente do que seria esperado
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a
imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia
de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio
em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao
lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar
para se proteger
Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem
Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em
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plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades
azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um
embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em
plongeacutee e plano aberto em conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na
figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A
imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano
aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo
dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais
amenos frios
Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada
retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao
receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade
possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento
As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a
imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua
52
Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em
leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens
contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante
natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel
perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral
aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores
quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave
luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem
composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local
em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo
A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela
cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A
impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena
que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma
53
desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do
ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas
sim no seu proacuteprio lucro
Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de
ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir
contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis
por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele
seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com
movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma
arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite
suavidade e calor agrave cena
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel
(variaccedilatildeo entre suave e dura)
Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando
com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na
lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em
equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira
imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais
onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena
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ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens
em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)
ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem
possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua
composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)
como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel
54 Ensaio sobre a Cegueira
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira
55
Sinopse
O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que
atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas
passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no
tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados
em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a
lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a
uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que
juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute
baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com
o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de
cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo
manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O
enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para
a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e
branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria
compotildee as cenas da trama
Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento
panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da
trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade
esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o
motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa
ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais
Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o
motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo
adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de
quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia
56
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
57
Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
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A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
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do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos
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XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e
Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003
65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
38
linguagem fotograacutefica audiovisual buscando estabelecer uma relaccedilatildeo com a narrativa
fiacutelmica
Sendo assim as etapas metodoloacutegicas analiacuteticas satildeo
1 Preacute-anaacutelise
a) seleccedilatildeo dos elementos da linguagem fotograacutefica audiovisual iluminaccedilatildeo cor
enquadramentos (planos acircngulos e movimentos de cacircmera)
2 Descriccedilatildeo Analiacutetica
a) descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos
3 Interpretaccedilatildeo estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando
em consideraccedilatildeo a narrativa de cada um dos filmes
Diante disso analisar um filme sugere que se veja e reveja o mesmo Para tanto eacute
necessaacuterio que o analista estabeleccedila um dispositivo de observaccedilatildeo do filme para que natildeo
haja exposiccedilatildeo a erros nem margem agraves distorccedilotildees Assim o trabalho de anaacutelise fiacutelmica
efetua-se por dois motivos O primeiro consiste na maleabilidade do objeto de estudo
pois o filme permite que o analista trabalhe sobre o mesmo podendo ―movecirc-lo quando
necessaacuterio E em segundo lugar o analista pode reavaliar suas impressotildees cada vez que
considerar aspectos ainda natildeo percebidos ou remodele ideias antes desenvolvidas desde
que natildeo descarte as antecedentes
39
5 Anaacutelises
Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica
publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel
a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica
descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo
estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a
narrativa de cada um dos filmes
Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de
Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)
51 Domeacutesticas
Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas
40
Sinopse
Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de
Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada
Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa
sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar
de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute
Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida
Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com
um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por
missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a
mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que
satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se
estivessem dando uma espeacutecie de depoimento
Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas
aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de
emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o
outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das
domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo
Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo
encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas
por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do
plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave
novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um
sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da
profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento
cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes
publicitaacuterios
41
Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas
(Plano aberto e plano conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas
com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal
Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos
lateralizados
A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em
plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo
pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee
possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem
disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco
conotando mais tristeza agrave cena
Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e
cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como
acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute
limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera
tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no
estacionamento do preacutedio
Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em
que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a
personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o
deslocamento da personagem daquele mundo
42
Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas
(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de
serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves
tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas
com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)
Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em
um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um
domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao
casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte
observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre
sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o
responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua
profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela
As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena
No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo
agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute
43
devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de
nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude
alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade
sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento
Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as
personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo
O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo
vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das
diversas dificuldades no seu dia-a-dia
O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano
meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em
meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave
criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)
isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo
dos exageros
Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna
da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores
quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde
44
e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila
dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme
Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas
52 Cidade de Deus
Sinopse
O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro
protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou
um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a
estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto
de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante
amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente
suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num
ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele
descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se
fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista
do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos
45
principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria
mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um
mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute
Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro
dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto
Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos
bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute
usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute
centralizada e em leve plongeacutee
Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no
46
comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo
frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas
casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e
suave
A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do
traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na
criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar
perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-
plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem
Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano
geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo
compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando
naturalidade
Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)
47
Iluminaccedilatildeo e cor
Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo
deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute
observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa
frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo
pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo
Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste
elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem
a funccedilatildeo de criar um visual expressivo
Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente
natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a
inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre
dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na
cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute
ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo
consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena
interna e provavelmente noturna
Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua
maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais
frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo
com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute
amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute
modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos
48
periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo
publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama
Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante
Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com
a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um
material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a
imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee
com armas em punho apontadas para os policiais
Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela
49
Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus
53 O Jardineiro Fiel
Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel
50
Sinopse
O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em
Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa
uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem
aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para
substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes
um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute
transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu
idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a
trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin
acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir
na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de
amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa
estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional
envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em
seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a
disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no
Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e
ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar
como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se
para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final
bastante diferente do que seria esperado
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a
imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia
de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio
em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao
lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar
para se proteger
Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem
Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em
51
plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades
azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um
embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em
plongeacutee e plano aberto em conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na
figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A
imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano
aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo
dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais
amenos frios
Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada
retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao
receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade
possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento
As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a
imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua
52
Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em
leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens
contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante
natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel
perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral
aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores
quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave
luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem
composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local
em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo
A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela
cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A
impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena
que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma
53
desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do
ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas
sim no seu proacuteprio lucro
Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de
ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir
contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis
por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele
seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com
movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma
arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite
suavidade e calor agrave cena
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel
(variaccedilatildeo entre suave e dura)
Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando
com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na
lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em
equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira
imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais
onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena
54
ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens
em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)
ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem
possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua
composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)
como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel
54 Ensaio sobre a Cegueira
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira
55
Sinopse
O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que
atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas
passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no
tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados
em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a
lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a
uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que
juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute
baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com
o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de
cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo
manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O
enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para
a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e
branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria
compotildee as cenas da trama
Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento
panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da
trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade
esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o
motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa
ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais
Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o
motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo
adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de
quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia
56
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
57
Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
58
A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
59
do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
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XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e
Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003
65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
39
5 Anaacutelises
Este trabalho tem por objetivo analisar a construccedilatildeo de uma dada esteacutetica
publicitaacuteria na fotografia dos filmes do diretor Fernando Meirelles Para que seja possiacutevel
a realizaccedilatildeo desta anaacutelise algumas etapas precisam ser respeitadas descriccedilatildeo analiacutetica
descriccedilatildeo dos frames no que diz respeito aos elementos fotograacuteficos e interpretaccedilatildeo
estabelecer as relaccedilotildees entre os elementos e seus significados levando em consideraccedilatildeo a
narrativa de cada um dos filmes
Em ordem cronoloacutegica a anaacutelise segue pelos filmes Domeacutesticas (2001) Cidade de
Deus (2002) O Jardineiro Fiel (2005) e por uacuteltimo Ensaio sobre a Cegueira (2008)
51 Domeacutesticas
Figura1 ndash Pocircster do filme Domeacutesticas
40
Sinopse
Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de
Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada
Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa
sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar
de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute
Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida
Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com
um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por
missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a
mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que
satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se
estivessem dando uma espeacutecie de depoimento
Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas
aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de
emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o
outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das
domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo
Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo
encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas
por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do
plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave
novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um
sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da
profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento
cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes
publicitaacuterios
41
Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas
(Plano aberto e plano conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas
com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal
Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos
lateralizados
A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em
plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo
pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee
possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem
disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco
conotando mais tristeza agrave cena
Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e
cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como
acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute
limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera
tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no
estacionamento do preacutedio
Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em
que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a
personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o
deslocamento da personagem daquele mundo
42
Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas
(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de
serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves
tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas
com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)
Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em
um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um
domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao
casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte
observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre
sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o
responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua
profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela
As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena
No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo
agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute
43
devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de
nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude
alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade
sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento
Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as
personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo
O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo
vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das
diversas dificuldades no seu dia-a-dia
O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano
meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em
meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave
criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)
isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo
dos exageros
Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna
da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores
quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde
44
e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila
dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme
Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas
52 Cidade de Deus
Sinopse
O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro
protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou
um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a
estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto
de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante
amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente
suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num
ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele
descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se
fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista
do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos
45
principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria
mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um
mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute
Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro
dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto
Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos
bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute
usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute
centralizada e em leve plongeacutee
Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no
46
comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo
frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas
casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e
suave
A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do
traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na
criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar
perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-
plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem
Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano
geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo
compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando
naturalidade
Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)
47
Iluminaccedilatildeo e cor
Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo
deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute
observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa
frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo
pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo
Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste
elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem
a funccedilatildeo de criar um visual expressivo
Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente
natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a
inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre
dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na
cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute
ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo
consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena
interna e provavelmente noturna
Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua
maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais
frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo
com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute
amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute
modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos
48
periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo
publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama
Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante
Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com
a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um
material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a
imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee
com armas em punho apontadas para os policiais
Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela
49
Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus
53 O Jardineiro Fiel
Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel
50
Sinopse
O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em
Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa
uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem
aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para
substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes
um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute
transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu
idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a
trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin
acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir
na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de
amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa
estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional
envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em
seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a
disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no
Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e
ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar
como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se
para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final
bastante diferente do que seria esperado
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a
imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia
de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio
em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao
lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar
para se proteger
Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem
Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em
51
plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades
azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um
embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em
plongeacutee e plano aberto em conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na
figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A
imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano
aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo
dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais
amenos frios
Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada
retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao
receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade
possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento
As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a
imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua
52
Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em
leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens
contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante
natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel
perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral
aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores
quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave
luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem
composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local
em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo
A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela
cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A
impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena
que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma
53
desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do
ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas
sim no seu proacuteprio lucro
Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de
ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir
contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis
por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele
seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com
movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma
arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite
suavidade e calor agrave cena
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel
(variaccedilatildeo entre suave e dura)
Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando
com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na
lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em
equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira
imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais
onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena
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ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens
em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)
ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem
possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua
composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)
como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel
54 Ensaio sobre a Cegueira
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira
55
Sinopse
O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que
atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas
passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no
tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados
em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a
lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a
uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que
juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute
baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com
o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de
cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo
manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O
enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para
a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e
branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria
compotildee as cenas da trama
Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento
panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da
trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade
esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o
motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa
ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais
Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o
motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo
adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de
quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia
56
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
57
Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
58
A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
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do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
40
Sinopse
Nessa histoacuteria de Fernando Meirelles e Nando Olival baseado no teatro-danccedila de
Renata Melo que eacute co-roteirista do filme e tambeacutem atua na produccedilatildeo como a empregada
Cida eacute expressa a trageacutedia social do paiacutes em uma boa comeacutedia No meio da nossa
sociedade existe um Brasil notado por poucos Um Brasil formado por pessoas que apesar
de morar dentro de sua casa e fazer parte de seu dia-a-dia eacute como se natildeo estivesse laacute
Cinco das integrantes deste Brasil satildeo mostradas em Domeacutesticas - O Filme Cida
Roxane Quiteacuteria Raimunda e Creacuteo Uma quer se casar a outra eacute casada mas sonha com
um marido melhor Uma sonha em ser artista de novela e outra acredita que tem por
missatildeo na Terra servir a Deus e agrave sua patroa Todas tecircm sonhos distintos mas vivem a
mesma realidade trabalhar com empregada domeacutestica
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Poucos satildeo os planos fechados como os primeiros planos que
satildeo mais utilizados em momentos em que as domeacutesticas se dirigem agrave cacircmera como se
estivessem dando uma espeacutecie de depoimento
Essa situaccedilatildeo ocorre em dois momentos do filme logo no iniacutecio quando todas
aparecem em peacute com um fundo de parede de azulejos retratando uma entrevista de
emprego ndash elas mesmas comeccedilam a fala com a pergunta e em seguida a respondem o
outro momento eacute percebido durante o desenrolar da histoacuteria onde cada uma das
domeacutesticas conta como foi sua vida ateacute se encontrar em tal profissatildeo
Na figura 2 temos o uso do plano geral na cena em que a personagem Creacuteo
encontra sua filha que fugiu de casa no centro da cidade As personagens ficam abraccediladas
por alguns segundos enfatizando o lado dramaacutetico da cena Aleacutem disso temos o uso do
plano de conjunto na cena em que as domeacutesticas estatildeo reunidas no quarto assistindo agrave
novela e comendo pipoca Alegres e sorridentes as personagens transmitem um
sentimento de felicidade mesmo em meio agraves dificuldades e privaccedilotildees oriundas da
profissatildeo Eacute possiacutevel notar a construccedilatildeo de uma atmosfera voltada ao embelezamento
cuidado com o cenaacuterio mostrando a realidade de uma forma trabalhada comum em filmes
publicitaacuterios
41
Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas
(Plano aberto e plano conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas
com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal
Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos
lateralizados
A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em
plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo
pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee
possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem
disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco
conotando mais tristeza agrave cena
Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e
cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como
acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute
limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera
tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no
estacionamento do preacutedio
Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em
que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a
personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o
deslocamento da personagem daquele mundo
42
Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas
(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de
serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves
tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas
com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)
Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em
um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um
domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao
casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte
observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre
sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o
responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua
profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela
As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena
No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo
agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute
43
devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de
nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude
alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade
sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento
Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as
personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo
O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo
vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das
diversas dificuldades no seu dia-a-dia
O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano
meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em
meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave
criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)
isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo
dos exageros
Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna
da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores
quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde
44
e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila
dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme
Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas
52 Cidade de Deus
Sinopse
O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro
protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou
um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a
estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto
de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante
amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente
suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num
ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele
descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se
fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista
do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos
45
principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria
mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um
mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute
Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro
dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto
Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos
bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute
usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute
centralizada e em leve plongeacutee
Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no
46
comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo
frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas
casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e
suave
A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do
traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na
criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar
perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-
plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem
Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano
geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo
compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando
naturalidade
Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)
47
Iluminaccedilatildeo e cor
Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo
deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute
observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa
frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo
pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo
Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste
elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem
a funccedilatildeo de criar um visual expressivo
Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente
natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a
inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre
dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na
cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute
ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo
consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena
interna e provavelmente noturna
Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua
maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais
frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo
com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute
amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute
modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos
48
periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo
publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama
Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante
Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com
a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um
material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a
imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee
com armas em punho apontadas para os policiais
Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela
49
Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus
53 O Jardineiro Fiel
Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel
50
Sinopse
O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em
Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa
uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem
aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para
substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes
um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute
transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu
idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a
trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin
acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir
na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de
amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa
estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional
envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em
seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a
disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no
Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e
ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar
como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se
para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final
bastante diferente do que seria esperado
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a
imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia
de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio
em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao
lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar
para se proteger
Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem
Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em
51
plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades
azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um
embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em
plongeacutee e plano aberto em conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na
figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A
imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano
aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo
dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais
amenos frios
Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada
retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao
receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade
possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento
As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a
imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua
52
Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em
leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens
contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante
natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel
perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral
aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores
quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave
luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem
composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local
em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo
A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela
cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A
impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena
que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma
53
desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do
ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas
sim no seu proacuteprio lucro
Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de
ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir
contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis
por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele
seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com
movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma
arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite
suavidade e calor agrave cena
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel
(variaccedilatildeo entre suave e dura)
Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando
com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na
lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em
equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira
imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais
onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena
54
ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens
em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)
ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem
possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua
composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)
como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel
54 Ensaio sobre a Cegueira
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira
55
Sinopse
O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que
atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas
passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no
tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados
em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a
lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a
uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que
juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute
baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com
o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de
cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo
manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O
enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para
a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e
branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria
compotildee as cenas da trama
Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento
panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da
trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade
esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o
motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa
ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais
Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o
motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo
adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de
quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia
56
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
57
Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
58
A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
59
do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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2003
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XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e
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65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
41
Figura 2 - Planos encontrados em Domeacutesticas
(Plano aberto e plano conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
usualmente satildeo os mais comuns Haacute tambeacutem uma grande variedade de cenas filmadas
com uma certa diagonalidade como se a cacircmera estivesse fora do seu eixo principal
Alguns plongeacutees tambeacutem satildeo observados bem como o uso de enquadramentos
lateralizados
A imagem da domeacutestica com olhar triste formada por um primeiriacutessimo plano em
plongeacutee com enquadramento lateral enfatiza sua inferioridade seu sentimento de natildeo
pertencimento ao mundo em que vive Essa ideia eacute transmitida pois o acircngulo plongeacutee
possui a finalidade de oprimir desvalorizar a personagem eou objeto filmado Aleacutem
disso apenas nos depoimentos das domeacutesticas utiliza-se a coloraccedilatildeo em preto e branco
conotando mais tristeza agrave cena
Tambeacutem ocorrem cenas em que o personagem estaacute ligeiramente lateralizado e
cenas em que o enquadramento varia em funccedilatildeo do movimento dos personagens como
acontece na cena em que as domeacutesticas estatildeo conversando na cozinha ndash uma estaacute
limpando o chatildeo ajoelhada e a outra lavando em peacute com o rodo O movimento de cacircmera
tambeacutem estaacute presente nas cenas em que o personagem Gilvan lava os carros no
estacionamento do preacutedio
Outro recurso utilizado eacute a imagem fora do eixo da cacircmera vista tanto na cena em
que o personagem Gilvan lava os carros no estacionamento quanto na cena em que a
personagem Creacuteo estaacute sentada desolada na cozinha de sua patroa de modo a enfatizar o
deslocamento da personagem daquele mundo
42
Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas
(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de
serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves
tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas
com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)
Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em
um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um
domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao
casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte
observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre
sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o
responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua
profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela
As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena
No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo
agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute
43
devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de
nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude
alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade
sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento
Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as
personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo
O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo
vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das
diversas dificuldades no seu dia-a-dia
O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano
meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em
meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave
criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)
isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo
dos exageros
Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna
da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores
quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde
44
e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila
dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme
Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas
52 Cidade de Deus
Sinopse
O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro
protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou
um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a
estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto
de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante
amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente
suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num
ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele
descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se
fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista
do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos
45
principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria
mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um
mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute
Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro
dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto
Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos
bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute
usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute
centralizada e em leve plongeacutee
Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no
46
comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo
frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas
casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e
suave
A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do
traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na
criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar
perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-
plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem
Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano
geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo
compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando
naturalidade
Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)
47
Iluminaccedilatildeo e cor
Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo
deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute
observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa
frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo
pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo
Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste
elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem
a funccedilatildeo de criar um visual expressivo
Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente
natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a
inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre
dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na
cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute
ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo
consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena
interna e provavelmente noturna
Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua
maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais
frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo
com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute
amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute
modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos
48
periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo
publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama
Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante
Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com
a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um
material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a
imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee
com armas em punho apontadas para os policiais
Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela
49
Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus
53 O Jardineiro Fiel
Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel
50
Sinopse
O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em
Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa
uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem
aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para
substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes
um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute
transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu
idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a
trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin
acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir
na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de
amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa
estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional
envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em
seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a
disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no
Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e
ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar
como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se
para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final
bastante diferente do que seria esperado
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a
imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia
de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio
em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao
lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar
para se proteger
Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem
Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em
51
plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades
azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um
embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em
plongeacutee e plano aberto em conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na
figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A
imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano
aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo
dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais
amenos frios
Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada
retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao
receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade
possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento
As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a
imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua
52
Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em
leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens
contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante
natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel
perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral
aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores
quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave
luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem
composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local
em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo
A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela
cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A
impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena
que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma
53
desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do
ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas
sim no seu proacuteprio lucro
Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de
ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir
contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis
por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele
seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com
movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma
arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite
suavidade e calor agrave cena
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel
(variaccedilatildeo entre suave e dura)
Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando
com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na
lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em
equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira
imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais
onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena
54
ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens
em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)
ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem
possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua
composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)
como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel
54 Ensaio sobre a Cegueira
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira
55
Sinopse
O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que
atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas
passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no
tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados
em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a
lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a
uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que
juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute
baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com
o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de
cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo
manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O
enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para
a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e
branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria
compotildee as cenas da trama
Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento
panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da
trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade
esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o
motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa
ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais
Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o
motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo
adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de
quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia
56
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
57
Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
58
A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
59
do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e
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65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
42
Figura 3 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Domeacutesticas
(em sentido horaacuterio Plongeacute e dois contra plongeacutee diagonal)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme percebe-se uma relevacircncia das cenas diurnas pois retrata a rotina de
serviccedilo das empregadas domeacutesticas Eacute possiacutevel perceber a escolha por luzes suaves
tambeacutem chamadas difusas ou lavadas que satildeo aquelas que cobrem uma grande aacuterea mas
com equiliacutebrio na distribuiccedilatildeo e intensidade da luz (BRESLIN 2009)
Na figura 3 nota-se o realismo atraveacutes da luminosidade da cena que se passa em
um final de tarde de domingo no parque Nada mais persuasivo e publicitaacuterio do que um
domingo feliz na vida de qualquer mortal ao lado do ser amado que no filme refere-se ao
casal Raimunda e Gilvan ela domeacutestica e ele lavador de carros Na imagem seguinte
observa-se o zelador do preacutedio em que as personagens circulam dando depoimento sobre
sua profissatildeo Plano meacutedio centralizado e uso de contra-plongeacutee este uacuteltimo item eacute o
responsaacutevel em conotar certa importacircncia notoriedade ao personagem Assim sua
profissatildeo aparentemente eacute reconhecida e respeitada e percebe-se que ele orgulha-se dela
As cores quentes e vibrantes completam o clima de realismo agrave cena
No entanto a imagem em que a domeacutestica Quiteacuteria daacute seu depoimento em relaccedilatildeo
agraves dificuldades de sua vida eacute realizada propositalmente em preto e branco Isso se daacute
43
devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de
nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude
alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade
sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento
Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as
personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo
O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo
vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das
diversas dificuldades no seu dia-a-dia
O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano
meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em
meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave
criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)
isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo
dos exageros
Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna
da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores
quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde
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e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila
dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme
Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas
52 Cidade de Deus
Sinopse
O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro
protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou
um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a
estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto
de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante
amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente
suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num
ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele
descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se
fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista
do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos
45
principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria
mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um
mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute
Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro
dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto
Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos
bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute
usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute
centralizada e em leve plongeacutee
Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no
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comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo
frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas
casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e
suave
A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do
traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na
criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar
perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-
plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem
Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano
geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo
compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando
naturalidade
Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)
47
Iluminaccedilatildeo e cor
Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo
deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute
observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa
frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo
pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo
Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste
elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem
a funccedilatildeo de criar um visual expressivo
Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente
natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a
inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre
dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na
cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute
ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo
consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena
interna e provavelmente noturna
Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua
maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais
frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo
com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute
amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute
modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos
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periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo
publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama
Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante
Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com
a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um
material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a
imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee
com armas em punho apontadas para os policiais
Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela
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Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus
53 O Jardineiro Fiel
Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel
50
Sinopse
O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em
Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa
uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem
aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para
substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes
um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute
transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu
idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a
trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin
acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir
na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de
amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa
estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional
envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em
seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a
disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no
Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e
ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar
como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se
para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final
bastante diferente do que seria esperado
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a
imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia
de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio
em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao
lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar
para se proteger
Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem
Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em
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plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades
azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um
embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em
plongeacutee e plano aberto em conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na
figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A
imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano
aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo
dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais
amenos frios
Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada
retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao
receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade
possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento
As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a
imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua
52
Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em
leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens
contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante
natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel
perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral
aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores
quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave
luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem
composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local
em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo
A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela
cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A
impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena
que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma
53
desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do
ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas
sim no seu proacuteprio lucro
Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de
ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir
contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis
por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele
seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com
movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma
arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite
suavidade e calor agrave cena
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel
(variaccedilatildeo entre suave e dura)
Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando
com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na
lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em
equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira
imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais
onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena
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ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens
em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)
ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem
possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua
composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)
como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel
54 Ensaio sobre a Cegueira
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira
55
Sinopse
O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que
atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas
passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no
tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados
em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a
lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a
uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que
juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute
baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com
o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de
cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo
manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O
enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para
a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e
branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria
compotildee as cenas da trama
Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento
panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da
trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade
esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o
motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa
ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais
Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o
motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo
adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de
quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia
56
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
57
Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
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A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
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do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003
65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
43
devido aos efeitos psicoloacutegicos transmitidos pelas cores Sabe-se que elas satildeo capazes de
nos motivar a ter sensaccedilotildees das mais diversas tanto tranquumlilidade quanto inquietude
alegria e tristeza amor e oacutedio etc Neste caso tal coloraccedilatildeo transmite tristeza piedade
sofrimento e confere um tom documental (testemunhal) ao depoimento
Figura 4 - Iluminaccedilatildeo realista encontrada em Domeacutesticas No entanto muda apenas quando as
personagens datildeo seu depoimento a respeito da profissatildeo
O filme Domeacutesticas na maioria de suas cenas eacute composto por uma coloraccedilatildeo
vibrante alegre retratando a descontraccedilatildeo das personagens centrais mesmo diante das
diversas dificuldades no seu dia-a-dia
O primeiro trecho mostra a personagem enquadrada lateralmente em um plano
meacutedio frontal com leve diagonalidade A iluminaccedilatildeo realista retrata um belo dia de sol em
meio a um jardim florido Nas cenas diurnas se percebe uma iluminaccedilatildeo discreta suave
criando sombras e brilhos nas imagens simulando a iluminaccedilatildeo solar Para Martin (2003)
isso acontece porque os diretores buscam dar a seus filmes um ―ar de realidade fugindo
dos exageros
Os outros dois trechos mostram as personagens trabalhando uma na parte interna
da casa e a outra na parte externa Ambas as cenas possuem em comum o uso de cores
quentes ndash laranja amarelo vermelho ndash em total equiliacutebrio com as cores frias ndash azul verde
44
e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila
dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme
Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas
52 Cidade de Deus
Sinopse
O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro
protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou
um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a
estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto
de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante
amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente
suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num
ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele
descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se
fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista
do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos
45
principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria
mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um
mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute
Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro
dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto
Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos
bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute
usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute
centralizada e em leve plongeacutee
Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no
46
comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo
frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas
casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e
suave
A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do
traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na
criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar
perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-
plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem
Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano
geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo
compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando
naturalidade
Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)
47
Iluminaccedilatildeo e cor
Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo
deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute
observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa
frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo
pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo
Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste
elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem
a funccedilatildeo de criar um visual expressivo
Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente
natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a
inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre
dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na
cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute
ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo
consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena
interna e provavelmente noturna
Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua
maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais
frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo
com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute
amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute
modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos
48
periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo
publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama
Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante
Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com
a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um
material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a
imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee
com armas em punho apontadas para os policiais
Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela
49
Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus
53 O Jardineiro Fiel
Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel
50
Sinopse
O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em
Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa
uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem
aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para
substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes
um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute
transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu
idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a
trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin
acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir
na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de
amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa
estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional
envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em
seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a
disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no
Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e
ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar
como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se
para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final
bastante diferente do que seria esperado
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a
imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia
de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio
em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao
lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar
para se proteger
Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem
Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em
51
plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades
azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um
embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em
plongeacutee e plano aberto em conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na
figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A
imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano
aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo
dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais
amenos frios
Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada
retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao
receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade
possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento
As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a
imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua
52
Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em
leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens
contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante
natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel
perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral
aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores
quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave
luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem
composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local
em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo
A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela
cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A
impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena
que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma
53
desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do
ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas
sim no seu proacuteprio lucro
Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de
ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir
contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis
por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele
seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com
movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma
arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite
suavidade e calor agrave cena
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel
(variaccedilatildeo entre suave e dura)
Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando
com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na
lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em
equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira
imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais
onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena
54
ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens
em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)
ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem
possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua
composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)
como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel
54 Ensaio sobre a Cegueira
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira
55
Sinopse
O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que
atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas
passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no
tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados
em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a
lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a
uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que
juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute
baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com
o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de
cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo
manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O
enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para
a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e
branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria
compotildee as cenas da trama
Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento
panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da
trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade
esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o
motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa
ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais
Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o
motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo
adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de
quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia
56
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
57
Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
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A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
59
do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
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Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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2003
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cinematograacutefica uma anaacutelise imageacutetica e poacutes-moderna de Cidade de Deus UFF
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ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
44
e branco Neste filme vaacuterias cenas se passam ao ar livre o que torna frequumlente a presenccedila
dos elementos da natureza que fortalecem o clima descontraiacutedo e vibrante do filme
Figura 5 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em Domeacutesticas
52 Cidade de Deus
Sinopse
O principal personagem do filme Cidade de Deus natildeo eacute uma pessoa O verdadeiro
protagonista eacute o lugar Cidade de Deus eacute uma favela que surgiu nos anos 60 e se tornou
um dos lugares mais perigosos do Rio de Janeiro no comeccedilo dos anos 80 Para contar a
estoacuteria deste lugar o filme narra a vida de diversos personagens todos vistos sob o ponto
de vista do narrador Buscapeacute Este um menino pobre negro muito sensiacutevel e bastante
amedrontado com a ideacuteia de se tornar um bandido mas tambeacutem inteligente
suficientemente para se resignar com trabalhos quase escravos Buscapeacute cresceu num
ambiente bastante violento Apesar de sentir que todas as chances estavam contra ele
descobre que pode ver a vida com outros olhos os de um artista Acidentalmente torna-se
fotoacutegrafo profissional o que foi sua libertaccedilatildeo Buscapeacute natildeo eacute o verdadeiro protagonista
do filme natildeo eacute o uacutenico que faz a estoacuteria acontecer natildeo eacute o uacutenico que determina os fatos
45
principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria
mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um
mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute
Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro
dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto
Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos
bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute
usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute
centralizada e em leve plongeacutee
Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no
46
comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo
frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas
casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e
suave
A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do
traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na
criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar
perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-
plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem
Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano
geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo
compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando
naturalidade
Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)
47
Iluminaccedilatildeo e cor
Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo
deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute
observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa
frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo
pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo
Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste
elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem
a funccedilatildeo de criar um visual expressivo
Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente
natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a
inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre
dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na
cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute
ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo
consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena
interna e provavelmente noturna
Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua
maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais
frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo
com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute
amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute
modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos
48
periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo
publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama
Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante
Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com
a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um
material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a
imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee
com armas em punho apontadas para os policiais
Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela
49
Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus
53 O Jardineiro Fiel
Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel
50
Sinopse
O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em
Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa
uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem
aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para
substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes
um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute
transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu
idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a
trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin
acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir
na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de
amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa
estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional
envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em
seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a
disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no
Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e
ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar
como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se
para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final
bastante diferente do que seria esperado
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a
imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia
de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio
em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao
lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar
para se proteger
Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem
Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em
51
plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades
azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um
embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em
plongeacutee e plano aberto em conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na
figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A
imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano
aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo
dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais
amenos frios
Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada
retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao
receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade
possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento
As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a
imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua
52
Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em
leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens
contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante
natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel
perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral
aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores
quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave
luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem
composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local
em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo
A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela
cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A
impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena
que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma
53
desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do
ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas
sim no seu proacuteprio lucro
Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de
ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir
contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis
por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele
seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com
movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma
arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite
suavidade e calor agrave cena
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel
(variaccedilatildeo entre suave e dura)
Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando
com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na
lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em
equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira
imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais
onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena
54
ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens
em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)
ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem
possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua
composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)
como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel
54 Ensaio sobre a Cegueira
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira
55
Sinopse
O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que
atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas
passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no
tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados
em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a
lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a
uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que
juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute
baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com
o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de
cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo
manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O
enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para
a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e
branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria
compotildee as cenas da trama
Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento
panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da
trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade
esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o
motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa
ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais
Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o
motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo
adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de
quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia
56
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
57
Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
58
A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
59
do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
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XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e
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65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
45
principais No entanto natildeo somente sua vida estaacute ligada com os acontecimentos da estoacuteria
mas tambeacutem eacute atraveacutes da sua perspectiva que entendemos a humanidade existente em um
mundo aparentemente condenado por uma violecircncia infinita
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos gerais e conjuntos com a finalidade de retratar os ambientes em que as
personagens se encontram Utilizaccedilatildeo do primeiro plano ao mostrar o personagem Zeacute
Pequeno chegando a umas das ―bocas da favela Na cena do baile realizado no morro
dois personagens danccedilam alegremente em um plano meacutedio em conjunto
Em outro momento do filme o personagem Buscapeacute tira uma fotografia dos
bandidos juntamente com suas armas em uma composiccedilatildeo geral O grande plano geral eacute
usado para revelar a comunidade ―Cidade de Deus nos anos 60 iniacutecio da trama A cena eacute
centralizada e em leve plongeacutee
Figura 6 - Planos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio primeiro meacutedio em conjunto e dois gerais)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente situam os personagens no ambiente em que a cena eacute realizada Logo no
46
comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo
frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas
casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e
suave
A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do
traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na
criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar
perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-
plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem
Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano
geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo
compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando
naturalidade
Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)
47
Iluminaccedilatildeo e cor
Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo
deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute
observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa
frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo
pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo
Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste
elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem
a funccedilatildeo de criar um visual expressivo
Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente
natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a
inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre
dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na
cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute
ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo
consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena
interna e provavelmente noturna
Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua
maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais
frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo
com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute
amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute
modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos
48
periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo
publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama
Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante
Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com
a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um
material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a
imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee
com armas em punho apontadas para os policiais
Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela
49
Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus
53 O Jardineiro Fiel
Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel
50
Sinopse
O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em
Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa
uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem
aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para
substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes
um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute
transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu
idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a
trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin
acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir
na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de
amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa
estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional
envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em
seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a
disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no
Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e
ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar
como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se
para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final
bastante diferente do que seria esperado
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a
imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia
de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio
em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao
lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar
para se proteger
Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem
Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em
51
plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades
azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um
embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em
plongeacutee e plano aberto em conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na
figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A
imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano
aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo
dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais
amenos frios
Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada
retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao
receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade
possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento
As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a
imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua
52
Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em
leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens
contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante
natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel
perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral
aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores
quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave
luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem
composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local
em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo
A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela
cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A
impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena
que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma
53
desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do
ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas
sim no seu proacuteprio lucro
Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de
ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir
contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis
por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele
seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com
movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma
arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite
suavidade e calor agrave cena
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel
(variaccedilatildeo entre suave e dura)
Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando
com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na
lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em
equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira
imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais
onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena
54
ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens
em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)
ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem
possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua
composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)
como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel
54 Ensaio sobre a Cegueira
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira
55
Sinopse
O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que
atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas
passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no
tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados
em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a
lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a
uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que
juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute
baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com
o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de
cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo
manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O
enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para
a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e
branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria
compotildee as cenas da trama
Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento
panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da
trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade
esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o
motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa
ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais
Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o
motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo
adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de
quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia
56
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
57
Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
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A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
59
do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e
Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003
65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
46
comeccedilo do filme o personagem Buscapeacute eacute apresentado em um plano meacutedio com acircngulo
frontal e enquadramento centralizado No fundo na imagem eacute possiacutevel perceber algumas
casas que compotildeem a favela composta por tonalidades pasteacuteis e iluminaccedilatildeo natural e
suave
A cena em que o personagem aponta a arma e eacute observado pelos comandantes do
traacutefico mostra uma praacutetica comum durante a trama a iniciaccedilatildeo dos menores na
criminalidade Assim o menino eacute sucumbido a matar com o intuito de se auto-afirmar
perante os criminosos Nota-se o plano meacutedio em conjunto o uso do acircngulo contra-
plongeacutee enfatizando a accedilatildeo ao transmitir certa superioridade ao personagem
Enquanto isso a outra imagem mostra a favela atraveacutes do uso do plongeacutee em plano
geral Possibilita situar a cena revelando uma parte da favela Ambas as imagens satildeo
compostas por uma iluminaccedilatildeo com excessiva claridade e ao mesmo tempo conotando
naturalidade
Figura 7 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Cidade de Deus
(em sentido horaacuterio enquadramento centralizado contra-plongeacutee e plongeacutee diagonal)
47
Iluminaccedilatildeo e cor
Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo
deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute
observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa
frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo
pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo
Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste
elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem
a funccedilatildeo de criar um visual expressivo
Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente
natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a
inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre
dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na
cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute
ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo
consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena
interna e provavelmente noturna
Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua
maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais
frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo
com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute
amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute
modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos
48
periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo
publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama
Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante
Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com
a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um
material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a
imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee
com armas em punho apontadas para os policiais
Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela
49
Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus
53 O Jardineiro Fiel
Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel
50
Sinopse
O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em
Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa
uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem
aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para
substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes
um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute
transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu
idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a
trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin
acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir
na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de
amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa
estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional
envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em
seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a
disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no
Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e
ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar
como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se
para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final
bastante diferente do que seria esperado
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a
imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia
de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio
em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao
lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar
para se proteger
Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem
Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em
51
plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades
azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um
embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em
plongeacutee e plano aberto em conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na
figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A
imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano
aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo
dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais
amenos frios
Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada
retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao
receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade
possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento
As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a
imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua
52
Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em
leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens
contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante
natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel
perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral
aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores
quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave
luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem
composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local
em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo
A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela
cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A
impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena
que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma
53
desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do
ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas
sim no seu proacuteprio lucro
Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de
ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir
contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis
por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele
seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com
movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma
arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite
suavidade e calor agrave cena
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel
(variaccedilatildeo entre suave e dura)
Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando
com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na
lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em
equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira
imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais
onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena
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ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens
em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)
ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem
possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua
composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)
como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel
54 Ensaio sobre a Cegueira
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira
55
Sinopse
O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que
atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas
passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no
tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados
em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a
lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a
uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que
juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute
baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com
o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de
cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo
manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O
enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para
a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e
branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria
compotildee as cenas da trama
Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento
panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da
trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade
esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o
motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa
ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais
Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o
motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo
adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de
quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia
56
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
57
Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
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A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
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do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
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XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e
Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003
65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
47
Iluminaccedilatildeo e cor
Apesar de todo o realismo enfatizado como o aparente objetivo da iluminaccedilatildeo
deste filme em algumas cenas noturnas uma tonalidade azulada ou esverdeada eacute
observada nas cenas Essa tonalidade fria eacute utilizada com o intuito de expressar certa
frieza pois a maioria das cenas noturnas mostra os traficantes portando armas correndo
pela favela atirando sem receio como tambeacutem matando seus inimigos de traacutefico Segundo
Roberts-Breslin (2009) a luz dura ou direta contribui para a criaccedilatildeo de um contraste
elevado uma vez que as sombras satildeo escuras e com limites definidos Esta iluminaccedilatildeo tem
a funccedilatildeo de criar um visual expressivo
Na figura 8 percebe-se uma cena durante o dia com iluminaccedilatildeo aparentemente
natural e amarelada sugerindo claridade solar Em leve plongeacutee este plano meacutedio retrata a
inferioridade das crianccedilas diante de um dos traficantes no momento em que ele descobre
dinheiro proveniente da venda oculta de drogas realizada por tais crianccedilas No entanto na
cena ao lado os traficantes estatildeo posando para uma foto tirada pelo personagem Buscapeacute
ndash que trabalha em um jornal ndash a fim de registrar seu poder diante do governo que natildeo
consegue deter a accedilatildeo dos traficantes Utilizaccedilatildeo de luz fria na realizaccedilatildeo de uma cena
interna e provavelmente noturna
Figura 8 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Neste filme as cenas satildeo formadas por coloraccedilotildees vibrantes e expressivas em sua
maioria Apenas em momentos de cenas de tensatildeo eacute que se escolheu o uso de cores mais
frias que retratam um clima de apreensatildeo Eacute possiacutevel perceber uma variaccedilatildeo de coloraccedilatildeo
com o passar dos anos No iniacutecio do filme a trama se desenrola nos anos 60 a coloraccedilatildeo eacute
amarelada em tons pasteacuteis No entanto apoacutes a transiccedilatildeo para a deacutecada de 70 a coloraccedilatildeo eacute
modificada ou seja a luz do filme se adapta agraves intenccedilotildees narrativas de cada um dos
48
periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo
publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama
Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante
Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com
a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um
material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a
imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee
com armas em punho apontadas para os policiais
Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela
49
Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus
53 O Jardineiro Fiel
Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel
50
Sinopse
O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em
Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa
uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem
aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para
substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes
um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute
transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu
idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a
trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin
acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir
na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de
amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa
estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional
envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em
seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a
disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no
Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e
ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar
como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se
para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final
bastante diferente do que seria esperado
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a
imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia
de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio
em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao
lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar
para se proteger
Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem
Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em
51
plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades
azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um
embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em
plongeacutee e plano aberto em conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na
figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A
imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano
aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo
dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais
amenos frios
Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada
retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao
receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade
possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento
As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a
imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua
52
Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em
leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens
contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante
natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel
perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral
aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores
quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave
luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem
composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local
em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo
A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela
cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A
impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena
que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma
53
desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do
ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas
sim no seu proacuteprio lucro
Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de
ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir
contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis
por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele
seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com
movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma
arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite
suavidade e calor agrave cena
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel
(variaccedilatildeo entre suave e dura)
Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando
com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na
lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em
equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira
imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais
onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena
54
ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens
em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)
ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem
possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua
composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)
como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel
54 Ensaio sobre a Cegueira
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira
55
Sinopse
O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que
atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas
passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no
tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados
em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a
lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a
uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que
juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute
baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com
o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de
cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo
manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O
enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para
a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e
branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria
compotildee as cenas da trama
Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento
panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da
trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade
esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o
motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa
ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais
Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o
motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo
adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de
quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia
56
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
57
Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
58
A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
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do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
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Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
48
periacuteodos em que a histoacuteria se passa Esta utilizaccedilatildeo eacute bastante caracteriacutestica da composiccedilatildeo
publicitaacuteria com o intuito de diferenciar a noccedilatildeo espaccedilo-tempo de realizaccedilatildeo da trama
Figura 9 - Coloraccedilatildeo encontrada em Cidade de Deus
Na figura 10 uma cena claacutessica do filme que em plano geral mostra o traficante
Zeacute Pequeno e todos os seus companheiros de crime na entrada da favela em confronto com
a poliacutecia Vale ressaltar que tal imagem deu origem ao pocircster do filme figura 11 que eacute um
material de publicidade jaacute que sua funccedilatildeo eacute ―vender o filme Eacute possiacutevel notar a
imponecircncia dos personagens em meio agrave situaccedilatildeo centralizados e em leve contra-plongeacutee
com armas em punho apontadas para os policiais
Figura 10 ndash Traficantes na entrada da favela
49
Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus
53 O Jardineiro Fiel
Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel
50
Sinopse
O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em
Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa
uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem
aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para
substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes
um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute
transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu
idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a
trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin
acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir
na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de
amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa
estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional
envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em
seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a
disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no
Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e
ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar
como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se
para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final
bastante diferente do que seria esperado
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a
imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia
de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio
em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao
lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar
para se proteger
Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem
Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em
51
plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades
azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um
embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em
plongeacutee e plano aberto em conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na
figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A
imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano
aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo
dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais
amenos frios
Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada
retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao
receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade
possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento
As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a
imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua
52
Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em
leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens
contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante
natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel
perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral
aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores
quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave
luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem
composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local
em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo
A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela
cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A
impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena
que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma
53
desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do
ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas
sim no seu proacuteprio lucro
Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de
ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir
contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis
por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele
seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com
movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma
arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite
suavidade e calor agrave cena
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel
(variaccedilatildeo entre suave e dura)
Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando
com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na
lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em
equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira
imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais
onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena
54
ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens
em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)
ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem
possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua
composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)
como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel
54 Ensaio sobre a Cegueira
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira
55
Sinopse
O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que
atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas
passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no
tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados
em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a
lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a
uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que
juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute
baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com
o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de
cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo
manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O
enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para
a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e
branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria
compotildee as cenas da trama
Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento
panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da
trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade
esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o
motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa
ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais
Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o
motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo
adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de
quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia
56
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
57
Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
58
A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
59
do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
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CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem
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MEIRELLES Fernando Blog Diaacuterio de Blindness Postagem dia 12 de novembro de
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MICHEL Maria Helena Metodologia e Pesquisa Cientiacutefica em Ciecircncias Sociais um
guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos
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PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra
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VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas
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XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e
Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003
65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
49
Figura 11 ndash Pocircster do filme Cidade de Deus
53 O Jardineiro Fiel
Figura 12 ndash Pocircster do filme O Jardineiro Fiel
50
Sinopse
O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em
Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa
uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem
aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para
substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes
um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute
transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu
idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a
trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin
acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir
na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de
amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa
estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional
envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em
seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a
disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no
Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e
ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar
como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se
para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final
bastante diferente do que seria esperado
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a
imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia
de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio
em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao
lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar
para se proteger
Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem
Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em
51
plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades
azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um
embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em
plongeacutee e plano aberto em conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na
figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A
imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano
aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo
dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais
amenos frios
Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada
retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao
receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade
possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento
As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a
imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua
52
Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em
leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens
contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante
natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel
perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral
aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores
quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave
luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem
composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local
em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo
A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela
cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A
impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena
que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma
53
desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do
ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas
sim no seu proacuteprio lucro
Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de
ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir
contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis
por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele
seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com
movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma
arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite
suavidade e calor agrave cena
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel
(variaccedilatildeo entre suave e dura)
Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando
com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na
lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em
equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira
imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais
onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena
54
ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens
em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)
ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem
possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua
composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)
como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel
54 Ensaio sobre a Cegueira
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira
55
Sinopse
O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que
atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas
passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no
tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados
em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a
lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a
uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que
juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute
baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com
o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de
cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo
manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O
enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para
a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e
branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria
compotildee as cenas da trama
Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento
panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da
trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade
esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o
motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa
ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais
Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o
motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo
adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de
quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia
56
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
57
Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
58
A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
59
do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
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CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem
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MEIRELLES Fernando Blog Diaacuterio de Blindness Postagem dia 12 de novembro de
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MICHEL Maria Helena Metodologia e Pesquisa Cientiacutefica em Ciecircncias Sociais um
guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos
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PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra
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VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas
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XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e
Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003
65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
50
Sinopse
O filme apresenta a trajetoacuteria de Justin Quayle um diplomata britacircnico lotado em
Nairoacutebi no Quecircnia que decide investigar as razotildees do assassinato de sua esposa Tessa
uma ativista de direitos humanos No iniacutecio o interesse de Justin em jardinagem
aparentemente eacute maior do que aquele pelos acontecimentos a sua volta Escalado para
substituir um colega em uma palestra ele conhece e acaba se apaixonando por Tessa apoacutes
um breve desentendimento entre ambos devido agrave poliacutetica externa britacircnica Justin eacute
transferido para a Aacutefrica e casa-se com Tessa que por natildeo conseguir controlar seu
idealismo acaba por ser bastante criticada pelos colegas de Justin Numa viagem a
trabalho Tessa eacute assassinada em condiccedilotildees muito suspeitas e todos tentam fazer Justin
acreditar que ela o traiacutea com Arnold um meacutedico que trabalhava junto com ela Ao persistir
na investigaccedilatildeo do assassinato de sua esposa mesmo recebendo ameaccedilas e avisos de
amigos Justin descobre-se em meio a uma teia de revelaccedilotildees mais profunda sua esposa
estava envolvida numa investigaccedilatildeo sigilosa sobre uma conspiraccedilatildeo internacional
envolvendo governos e multinacionais do setor farmacecircutico e testes de medicamentos em
seres humanos Segundo a investigaccedilatildeo sob o pretexto de ajudar a prevenir a
disseminaccedilatildeo da AIDS e distribuir gratuitamente medicamentos para seu tratamento no
Quecircnia uma grande empresa testava um novo medicamento contra a tuberculose e
ocultando pela manipulaccedilatildeo dos testes seus severos efeitos colaterais Apoacutes planejar
como trazer a puacuteblico a informaccedilatildeo sobre todos os envolvidos no caso Justin prepara-se
para enfrentar seu destino no mesmo lugar em que sua esposa foi assassinada num final
bastante diferente do que seria esperado
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute feita uma opccedilatildeo por ambientar as cenas atraveacutes da escolha de planos
mais abertos que exploram as paisagens em que as cenas satildeo ambientadas Na figura 9 a
imagem mostra a personagem Tessa (Rachel Weisz) uma ativista poliacutetica na companhia
de seu amigo observando a entrega de remeacutedios agrave populaccedilatildeo nativa Em um plano meacutedio
em conjunto aberto enquadrados pelo teto composto por galhos e lona Na imagem ao
lado os habitantes aparecem andando em um plano geral aberto em busca de um lugar
para se proteger
Jaacute a cena do carro tombado refere-se ao suposto acidente sofrido pela personagem
Tessa no qual ele perde a vida Com uma iluminaccedilatildeo natural plano geral aberto em
51
plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades
azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um
embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em
plongeacutee e plano aberto em conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na
figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A
imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano
aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo
dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais
amenos frios
Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada
retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao
receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade
possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento
As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a
imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua
52
Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em
leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens
contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante
natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel
perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral
aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores
quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave
luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem
composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local
em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo
A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela
cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A
impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena
que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma
53
desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do
ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas
sim no seu proacuteprio lucro
Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de
ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir
contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis
por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele
seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com
movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma
arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite
suavidade e calor agrave cena
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel
(variaccedilatildeo entre suave e dura)
Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando
com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na
lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em
equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira
imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais
onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena
54
ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens
em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)
ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem
possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua
composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)
como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel
54 Ensaio sobre a Cegueira
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira
55
Sinopse
O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que
atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas
passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no
tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados
em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a
lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a
uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que
juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute
baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com
o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de
cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo
manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O
enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para
a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e
branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria
compotildee as cenas da trama
Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento
panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da
trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade
esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o
motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa
ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais
Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o
motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo
adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de
quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia
56
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
57
Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
58
A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
59
do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
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BERNARDET Jean-Claude O autor no cinema ndash a poliacutetica dos autores Franccedila Brasil
anos 50 e 60 Satildeo Paulo Brasiliense 1994
CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem
cinematograacutefica uma anaacutelise imageacutetica e poacutes-moderna de Cidade de Deus UFF
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MICHEL Maria Helena Metodologia e Pesquisa Cientiacutefica em Ciecircncias Sociais um
guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos
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PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra
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VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas
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XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e
Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003
65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
51
plongeacutee com o uso de contraste cromaacutetico ndash tons pasteacuteis em detrimento das tonalidades
azuladas Esse contraste eacute percebido ao decorrer do filme possibilitando um
embelezamento suave agraves cenas uma dada tranquumlilidade em meio ao caos
Figura 13 - Planos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio plano meacutedio em conjunto aberto plano geral aberto plano geral aberto em
plongeacutee e plano aberto em conjunto)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem satildeo observados acircngulos frontais que
frequentemente possuem uma certa diagonalidade bem como o uso de plongeacutees Na
figura 10 eacute possiacutevel dizer que a cena se passa ao entardecer devido agrave coloraccedilatildeo do ceacuteu A
imagem mostra o personagem principal diante do tuacutemulo de sua esposa em um plano
aberto em plongeacutee com leve diagonalidade O enquadramento se daacute pelas flores que estatildeo
dispostas sobre o tuacutemulo Por se tratar de um momento de tristeza os tons satildeo mais
amenos frios
Diante de um enquadramento lateral o primeiro plano em coloraccedilatildeo esverdeada
retrata a reaccedilatildeo do personagem principal Justin o diplomata vivido por Ralph Fiennes ao
receber a notiacutecia do falecimento de sua esposa Assim tal frieza de luminosidade
possibilita a criaccedilatildeo de um ambiente de tristeza e sofrimento
As belas paisagens tambeacutem satildeo enfatizadas ao longo da trama como mostra a
imagem em plongeacutee contrastando os tons amarelados das montanhas com o azul da aacutegua
52
Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em
leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens
contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante
natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel
perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral
aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores
quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave
luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem
composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local
em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo
A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela
cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A
impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena
que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma
53
desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do
ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas
sim no seu proacuteprio lucro
Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de
ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir
contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis
por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele
seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com
movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma
arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite
suavidade e calor agrave cena
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel
(variaccedilatildeo entre suave e dura)
Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando
com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na
lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em
equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira
imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais
onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena
54
ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens
em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)
ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem
possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua
composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)
como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel
54 Ensaio sobre a Cegueira
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira
55
Sinopse
O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que
atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas
passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no
tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados
em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a
lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a
uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que
juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute
baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com
o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de
cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo
manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O
enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para
a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e
branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria
compotildee as cenas da trama
Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento
panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da
trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade
esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o
motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa
ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais
Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o
motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo
adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de
quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia
56
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
57
Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
58
A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
59
do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
ASSMAN Juracy S Narrativas Verbais e Visuais ndash Leituras Reflexivas Satildeo Leopoldo
RS Unisinos 2003
AUMONT Jacques et al A esteacutetica do filme Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller
Campinas Papirus 1995
AUMONT J MARIE M Dicionaacuterio teoacuterico e criacutetico de cinema Campinas Papirus
2003
BERNARDET Jean-Claude O autor no cinema ndash a poliacutetica dos autores Franccedila Brasil
anos 50 e 60 Satildeo Paulo Brasiliense 1994
CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem
cinematograacutefica uma anaacutelise imageacutetica e poacutes-moderna de Cidade de Deus UFF
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DUBOIS Philippe Cinema Viacutedeo Godard Traduccedilatildeo de Mateus Arauacutejo Silva Satildeo
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FIORIN J L Linguagem e Ideologia Satildeo Paulo Aacutetica 2002
GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo
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MICHEL Maria Helena Metodologia e Pesquisa Cientiacutefica em Ciecircncias Sociais um
guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos
Satildeo Paulo Atlas 2005
PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra
Campinas Papirus 2000
ROBERTS-BRESLIN Jan Produccedilatildeo de imagem e som Rio de Janeiro Elsevier 2009
SADOUL Georges Histoacuteria Mundial do Cinema Satildeo Paulo Martins 1963
64
SOUSA Jorge Pedro Fotojornalismo - Introduccedilatildeo agrave histoacuteria agraves teacutecnicas e agrave linguagem
da fotografia na imprensa Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 2004
STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello
Campinas Papirus 2003
VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas
Papirus 2002
XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e
Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003
65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
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Este contraste tambeacutem eacute percebido da imagem seguinte composta por um plano geral em
leve plongeacutee onde o personagem caminha em meio ao mercado aacute ceacuteu aberto
Figura 14 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em O Jardineiro Fiel
(em sentido horaacuterio contra plongeacutee diagonal enquadramento lateral plongeacutee e leve plongeacutee)
Iluminaccedilatildeo e cor
Neste filme haacute um predomiacutenio das cenas diurnas Sendo assim tais filmagens
contam com o predomiacutenio de uma iluminaccedilatildeo eacute suave e discreta com um aspecto bastante
natural A primeira parte do filme mostra uma iluminaccedilatildeo mais dura fria Eacute possiacutevel
perceber tal recurso na cena em que o jardineiro estaacute no paacutetio de casa em um plano geral
aberto em plongeacutee com enquadramento centralizado Nessa cena apesar do uso de cores
quentes nas flores os demais componentes estatildeo apagados o dia parece nublado devido agrave
luminosidade aparentemente esbranquiccedilada Enquanto isso a imagem da paisagem
composta por um grande plano geral mostra o personagem Justin indo em direccedilatildeo ao local
em sua esposa foi morta agrave espera de sua proacutepria execuccedilatildeo
A impassibilidade a frieza eacute notada na cena em que o personagem caminha pela
cidade rodeada por preacutedios espelhados com o predomiacutenio das cores azul e branco A
impressatildeo de ausecircncia de vida transmitida por essa utilizaccedilatildeo completa o sentido na cena
que mostra o poder em detrimento do humano Isso porque o filme revela a forma
53
desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do
ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas
sim no seu proacuteprio lucro
Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de
ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir
contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis
por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele
seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com
movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma
arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite
suavidade e calor agrave cena
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel
(variaccedilatildeo entre suave e dura)
Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando
com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na
lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em
equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira
imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais
onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena
54
ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens
em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)
ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem
possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua
composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)
como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel
54 Ensaio sobre a Cegueira
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira
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Sinopse
O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que
atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas
passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no
tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados
em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a
lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a
uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que
juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute
baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com
o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de
cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo
manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O
enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para
a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e
branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria
compotildee as cenas da trama
Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento
panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da
trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade
esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o
motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa
ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais
Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o
motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo
adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de
quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia
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Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
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Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
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A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
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do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
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RS Unisinos 2003
AUMONT Jacques et al A esteacutetica do filme Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller
Campinas Papirus 1995
AUMONT J MARIE M Dicionaacuterio teoacuterico e criacutetico de cinema Campinas Papirus
2003
BERNARDET Jean-Claude O autor no cinema ndash a poliacutetica dos autores Franccedila Brasil
anos 50 e 60 Satildeo Paulo Brasiliense 1994
CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem
cinematograacutefica uma anaacutelise imageacutetica e poacutes-moderna de Cidade de Deus UFF
(Universidade Federal Fluminense) 2006 Disponiacutevel em
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CASTELLS Manuel O poder da identidade Traduccedilatildeo de Klauss Brandini Gerhardt
Satildeo Paulo Paz e Terra 1999
COVALESKI Rogeacuterio Cinema Publicidade Interfaces Curitiba Maxi Editora 2009
DUBOIS Philippe Cinema Viacutedeo Godard Traduccedilatildeo de Mateus Arauacutejo Silva Satildeo
Paulo Cosac Naify 2004
FIORIN J L Linguagem e Ideologia Satildeo Paulo Aacutetica 2002
GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo
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MACHADO A A arte do viacutedeo Satildeo Paulo Brasiliense 1996
MARTIN M A linguagem cinematograacutefica Satildeo Paulo Brasiliense 2003
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MICHEL Maria Helena Metodologia e Pesquisa Cientiacutefica em Ciecircncias Sociais um
guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos
Satildeo Paulo Atlas 2005
PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra
Campinas Papirus 2000
ROBERTS-BRESLIN Jan Produccedilatildeo de imagem e som Rio de Janeiro Elsevier 2009
SADOUL Georges Histoacuteria Mundial do Cinema Satildeo Paulo Martins 1963
64
SOUSA Jorge Pedro Fotojornalismo - Introduccedilatildeo agrave histoacuteria agraves teacutecnicas e agrave linguagem
da fotografia na imprensa Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 2004
STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello
Campinas Papirus 2003
VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas
Papirus 2002
XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e
Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003
65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
53
desumana como os nativos satildeo tratados considerados cobaias de grandes empresas do
ramo farmacecircutico que natildeo estatildeo interessados nos efeitos colaterais de tais drogas mas
sim no seu proacuteprio lucro
Ao descobrir tais pesquisas o personagem principal volta ao Quecircnia a fim de
ajudar a desmascarar os responsaacuteveis pela morte de sua esposa jaacute que ela foi morta por ir
contra essa situaccedilatildeo e estar disposta a trazer a tona tal barbaacuterie Todavia os responsaacuteveis
por essa experiecircncia tomaram conhecido da vontade de Justin e consequentemente ele
seria o proacuteximo a ser executado Sendo assim a imagem - em plano geral aberto com
movimento de traveling ndash mostra o momento em que o personagem Justin recebe uma
arma para se proteger pois sua caccedilada estava por vir A iluminaccedilatildeo amarelada transmite
suavidade e calor agrave cena
Figura 15 - Iluminaccedilatildeo encontrada em O Jardineiro Fiel
(variaccedilatildeo entre suave e dura)
Algo interessante eacute o predomiacutenio das cores amarelas e alaranjadas contrastando
com a cor azul nas cenas nas paisagens nas ruas e nas pessoas Tal recurso baseia-se na
lei da complementaccedilatildeo cromaacutetica ou seja uso de tonalidades quentes (amareladas) em
equiliacutebrio com tonalidades frias (azuladas) Na figura 16 eacute possiacutevel perceber na primeira
imagem uma coloraccedilatildeo vibrante e ao mesmo tempo suave compondo uma das cenas finais
onde o personagem principal contempla a paisagem agrave espera de sua execuccedilatildeo Jaacute na cena
54
ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens
em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)
ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem
possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua
composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)
como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel
54 Ensaio sobre a Cegueira
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira
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Sinopse
O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que
atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas
passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no
tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados
em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a
lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a
uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que
juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute
baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com
o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de
cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo
manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O
enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para
a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e
branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria
compotildee as cenas da trama
Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento
panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da
trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade
esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o
motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa
ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais
Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o
motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo
adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de
quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia
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Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
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Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
58
A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
59
do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
ASSMAN Juracy S Narrativas Verbais e Visuais ndash Leituras Reflexivas Satildeo Leopoldo
RS Unisinos 2003
AUMONT Jacques et al A esteacutetica do filme Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller
Campinas Papirus 1995
AUMONT J MARIE M Dicionaacuterio teoacuterico e criacutetico de cinema Campinas Papirus
2003
BERNARDET Jean-Claude O autor no cinema ndash a poliacutetica dos autores Franccedila Brasil
anos 50 e 60 Satildeo Paulo Brasiliense 1994
CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem
cinematograacutefica uma anaacutelise imageacutetica e poacutes-moderna de Cidade de Deus UFF
(Universidade Federal Fluminense) 2006 Disponiacutevel em
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CASTELLS Manuel O poder da identidade Traduccedilatildeo de Klauss Brandini Gerhardt
Satildeo Paulo Paz e Terra 1999
COVALESKI Rogeacuterio Cinema Publicidade Interfaces Curitiba Maxi Editora 2009
DUBOIS Philippe Cinema Viacutedeo Godard Traduccedilatildeo de Mateus Arauacutejo Silva Satildeo
Paulo Cosac Naify 2004
FIORIN J L Linguagem e Ideologia Satildeo Paulo Aacutetica 2002
GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo
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MACHADO A A arte do viacutedeo Satildeo Paulo Brasiliense 1996
MARTIN M A linguagem cinematograacutefica Satildeo Paulo Brasiliense 2003
MEIRELLES Fernando Blog Diaacuterio de Blindness Postagem dia 12 de novembro de
2007 Disponiacutevel em lthttpblogdeblindnessblogspotcomgt
MICHEL Maria Helena Metodologia e Pesquisa Cientiacutefica em Ciecircncias Sociais um
guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos
Satildeo Paulo Atlas 2005
PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra
Campinas Papirus 2000
ROBERTS-BRESLIN Jan Produccedilatildeo de imagem e som Rio de Janeiro Elsevier 2009
SADOUL Georges Histoacuteria Mundial do Cinema Satildeo Paulo Martins 1963
64
SOUSA Jorge Pedro Fotojornalismo - Introduccedilatildeo agrave histoacuteria agraves teacutecnicas e agrave linguagem
da fotografia na imprensa Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 2004
STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello
Campinas Papirus 2003
VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas
Papirus 2002
XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e
Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003
65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
54
ao lado a coloraccedilatildeo vibrante eacute muito bem retratada pelo figurino alegre das personagens
em meio a um teatro a ceacuteu aberto Ao considerar o uso das cores quentes Martin (2003)
ressalta seu poder convidativo caloroso e atrativo Aleacutem disso a construccedilatildeo a imagem
possibilita associar a cena a uma pintura devido ao grande realismo e cuidado em sua
composiccedilatildeo Esse uso refere-se agrave categoria de alusatildeo considerada por Covaleski (2009)
como uma das trecircs categorias de intertextualidade entre o cinema e a publicidade
Figura 16 - Coloraccedilatildeo vibrante encontrada em O Jardineiro Fiel
54 Ensaio sobre a Cegueira
Figura 17 ndash Pocircster do filme Ensaio sobre a cegueira
55
Sinopse
O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que
atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas
passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no
tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados
em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a
lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a
uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que
juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute
baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com
o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de
cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo
manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O
enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para
a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e
branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria
compotildee as cenas da trama
Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento
panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da
trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade
esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o
motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa
ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais
Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o
motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo
adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de
quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia
56
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
57
Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
58
A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
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do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
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6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
ASSMAN Juracy S Narrativas Verbais e Visuais ndash Leituras Reflexivas Satildeo Leopoldo
RS Unisinos 2003
AUMONT Jacques et al A esteacutetica do filme Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller
Campinas Papirus 1995
AUMONT J MARIE M Dicionaacuterio teoacuterico e criacutetico de cinema Campinas Papirus
2003
BERNARDET Jean-Claude O autor no cinema ndash a poliacutetica dos autores Franccedila Brasil
anos 50 e 60 Satildeo Paulo Brasiliense 1994
CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem
cinematograacutefica uma anaacutelise imageacutetica e poacutes-moderna de Cidade de Deus UFF
(Universidade Federal Fluminense) 2006 Disponiacutevel em
lthttpwwwuffbrmestciilayohtmgt
CASTELLS Manuel O poder da identidade Traduccedilatildeo de Klauss Brandini Gerhardt
Satildeo Paulo Paz e Terra 1999
COVALESKI Rogeacuterio Cinema Publicidade Interfaces Curitiba Maxi Editora 2009
DUBOIS Philippe Cinema Viacutedeo Godard Traduccedilatildeo de Mateus Arauacutejo Silva Satildeo
Paulo Cosac Naify 2004
FIORIN J L Linguagem e Ideologia Satildeo Paulo Aacutetica 2002
GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo
Paulo Summus 1978
MACHADO A A arte do viacutedeo Satildeo Paulo Brasiliense 1996
MARTIN M A linguagem cinematograacutefica Satildeo Paulo Brasiliense 2003
MEIRELLES Fernando Blog Diaacuterio de Blindness Postagem dia 12 de novembro de
2007 Disponiacutevel em lthttpblogdeblindnessblogspotcomgt
MICHEL Maria Helena Metodologia e Pesquisa Cientiacutefica em Ciecircncias Sociais um
guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos
Satildeo Paulo Atlas 2005
PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra
Campinas Papirus 2000
ROBERTS-BRESLIN Jan Produccedilatildeo de imagem e som Rio de Janeiro Elsevier 2009
SADOUL Georges Histoacuteria Mundial do Cinema Satildeo Paulo Martins 1963
64
SOUSA Jorge Pedro Fotojornalismo - Introduccedilatildeo agrave histoacuteria agraves teacutecnicas e agrave linguagem
da fotografia na imprensa Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 2004
STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello
Campinas Papirus 2003
VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas
Papirus 2002
XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e
Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003
65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
55
Sinopse
O filme conta a histoacuteria de uma ineacutedita e inexplicaacutevel epidemia de cegueira que
atinge uma cidade Chamada de cegueira branca jaacute que as pessoas atingidas apenas
passam a ver uma superfiacutecie leitosa a doenccedila surge inicialmente em um homem no
tracircnsito e pouco a pouco se espalha pelo paiacutes Agrave medida que os afetados satildeo colocados
em quarentena e os serviccedilos oferecidos pelo Estado comeccedilam a falhar as pessoas passam a
lutar por suas necessidades baacutesicas expondo seus instintos primaacuterios Nesta situaccedilatildeo a
uacutenica pessoa que ainda consegue enxergar eacute a mulher de um meacutedico (Julianne Moore) que
juntamente com um grupo de internos tenta encontrar a humanidade perdida O filme eacute
baseado no livro homocircnimo do consagrado Joseacute Saramago
Planos acircngulos de filmagem enquadramentos e movimentos de cacircmera
Neste filme eacute possiacutevel notar o uso muitas vezes de planos gerais em conjunto com
o intuito de situar o espectador na trama Na figura abaixo percebe-se a composiccedilatildeo de
cena mediante um plano geral em conjunto onde revela o corredor de um antigo
manicocircmio onde estatildeo alojadas as pessoas infectadas pela chamada ―cegueira branca O
enquadramento centralizado possibilita analisar o espaccedilo com um todo e daacute destaque para
a fila indiana que surge no corredor Nota-se tambeacutem a predominacircncia das cores azul e
branca que seguiraacute em boa parte do filme Aleacutem disso uma excessiva claridade fria
compotildee as cenas da trama
Na outra imagem a cidade eacute mostrada em um grande plano geral em movimento
panoracircmico Essa cena eacute uma das cenas iniciais do filme e responsaacutevel pelo desenrolar da
trama Parados no sinal vaacuterios carros enfileirados em uma possiacutevel grande cidade
esperam o sinal verde para seguir passagem No entanto ao olhar para a sinaleira o
motorista enxerga um claratildeo totalmente branco e natildeo enxerga mais nada somente essa
ausecircncia de visatildeo O sinal abre e o motorista natildeo se locomove o que perturba os demais
Alguns minutos se passam e alguns passantes percebem que haacute algo de errado com o
motorista A partir daiacute todos os que entrarem em contato com este personagem iratildeo
adquirir a tal cegueira e seratildeo encaminhados para um alojamento uma espeacutecie de
quarentena ateacute que seja encontrada uma soluccedilatildeo para tal epidemia
56
Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
57
Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
58
A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
59
do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
ASSMAN Juracy S Narrativas Verbais e Visuais ndash Leituras Reflexivas Satildeo Leopoldo
RS Unisinos 2003
AUMONT Jacques et al A esteacutetica do filme Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller
Campinas Papirus 1995
AUMONT J MARIE M Dicionaacuterio teoacuterico e criacutetico de cinema Campinas Papirus
2003
BERNARDET Jean-Claude O autor no cinema ndash a poliacutetica dos autores Franccedila Brasil
anos 50 e 60 Satildeo Paulo Brasiliense 1994
CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem
cinematograacutefica uma anaacutelise imageacutetica e poacutes-moderna de Cidade de Deus UFF
(Universidade Federal Fluminense) 2006 Disponiacutevel em
lthttpwwwuffbrmestciilayohtmgt
CASTELLS Manuel O poder da identidade Traduccedilatildeo de Klauss Brandini Gerhardt
Satildeo Paulo Paz e Terra 1999
COVALESKI Rogeacuterio Cinema Publicidade Interfaces Curitiba Maxi Editora 2009
DUBOIS Philippe Cinema Viacutedeo Godard Traduccedilatildeo de Mateus Arauacutejo Silva Satildeo
Paulo Cosac Naify 2004
FIORIN J L Linguagem e Ideologia Satildeo Paulo Aacutetica 2002
GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo
Paulo Summus 1978
MACHADO A A arte do viacutedeo Satildeo Paulo Brasiliense 1996
MARTIN M A linguagem cinematograacutefica Satildeo Paulo Brasiliense 2003
MEIRELLES Fernando Blog Diaacuterio de Blindness Postagem dia 12 de novembro de
2007 Disponiacutevel em lthttpblogdeblindnessblogspotcomgt
MICHEL Maria Helena Metodologia e Pesquisa Cientiacutefica em Ciecircncias Sociais um
guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos
Satildeo Paulo Atlas 2005
PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra
Campinas Papirus 2000
ROBERTS-BRESLIN Jan Produccedilatildeo de imagem e som Rio de Janeiro Elsevier 2009
SADOUL Georges Histoacuteria Mundial do Cinema Satildeo Paulo Martins 1963
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SOUSA Jorge Pedro Fotojornalismo - Introduccedilatildeo agrave histoacuteria agraves teacutecnicas e agrave linguagem
da fotografia na imprensa Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 2004
STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello
Campinas Papirus 2003
VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas
Papirus 2002
XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e
Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003
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ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
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Figura 18 - Planos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plano geral em conjunto e grande plano geral)
Em relaccedilatildeo aos acircngulos de filmagem a base do filme eacute formada pelos frontais e
plongeacutees Jaacute os enquadramentos satildeo na maioria das vezes centralizados ou emoldurados
por objetos que compotildee as cenas como por exemplo janelas e grades caracteriacutesticos em
filmes publicitaacuterios
Na figura 19 temos a cena que mostra uma das alas do alojamento jaacute lotado As
camas estatildeo bagunccediladas as pessoas amontoadas e as roupas penduradas em cordas que
foram colocadas para facilitar a locomoccedilatildeo dos alojados jaacute que eles estatildeo cegos Com um
plano geral eacute possiacutevel ver toda a ala enquadrada de forma centralizada em um movimento
de plongeacutee Na cena ao lado o meacutedico oculista que atendeu o primeiro infectado encontra-
se sentado na sala de sua casa junto de sua esposa Neste momento ele apavora-se pois
tambeacutem foi infectado e natildeo estaacute mais enxergando A cena eacute formada por um
enquadramento lateral dos personagens e emoldurada pela porta de vidro que daacute entrada a
tal sala
Figura 19 - Acircngulos e enquadramentos encontrados em Ensaio sobre a Cegueira
(Plongeacutee com enquadramento centralizado e enquadramento lateral emoldurado pela porta de vidro)
57
Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
58
A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
59
do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
ASSMAN Juracy S Narrativas Verbais e Visuais ndash Leituras Reflexivas Satildeo Leopoldo
RS Unisinos 2003
AUMONT Jacques et al A esteacutetica do filme Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller
Campinas Papirus 1995
AUMONT J MARIE M Dicionaacuterio teoacuterico e criacutetico de cinema Campinas Papirus
2003
BERNARDET Jean-Claude O autor no cinema ndash a poliacutetica dos autores Franccedila Brasil
anos 50 e 60 Satildeo Paulo Brasiliense 1994
CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem
cinematograacutefica uma anaacutelise imageacutetica e poacutes-moderna de Cidade de Deus UFF
(Universidade Federal Fluminense) 2006 Disponiacutevel em
lthttpwwwuffbrmestciilayohtmgt
CASTELLS Manuel O poder da identidade Traduccedilatildeo de Klauss Brandini Gerhardt
Satildeo Paulo Paz e Terra 1999
COVALESKI Rogeacuterio Cinema Publicidade Interfaces Curitiba Maxi Editora 2009
DUBOIS Philippe Cinema Viacutedeo Godard Traduccedilatildeo de Mateus Arauacutejo Silva Satildeo
Paulo Cosac Naify 2004
FIORIN J L Linguagem e Ideologia Satildeo Paulo Aacutetica 2002
GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo
Paulo Summus 1978
MACHADO A A arte do viacutedeo Satildeo Paulo Brasiliense 1996
MARTIN M A linguagem cinematograacutefica Satildeo Paulo Brasiliense 2003
MEIRELLES Fernando Blog Diaacuterio de Blindness Postagem dia 12 de novembro de
2007 Disponiacutevel em lthttpblogdeblindnessblogspotcomgt
MICHEL Maria Helena Metodologia e Pesquisa Cientiacutefica em Ciecircncias Sociais um
guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos
Satildeo Paulo Atlas 2005
PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra
Campinas Papirus 2000
ROBERTS-BRESLIN Jan Produccedilatildeo de imagem e som Rio de Janeiro Elsevier 2009
SADOUL Georges Histoacuteria Mundial do Cinema Satildeo Paulo Martins 1963
64
SOUSA Jorge Pedro Fotojornalismo - Introduccedilatildeo agrave histoacuteria agraves teacutecnicas e agrave linguagem
da fotografia na imprensa Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 2004
STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello
Campinas Papirus 2003
VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas
Papirus 2002
XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e
Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003
65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
57
Iluminaccedilatildeo e cor
Por se tratar de um filme que aborda como tema central a cegueira que consiste na
ausecircncia de visatildeo imagina-se o breu a sombra a escuridatildeo No entanto na trama a
cegueira eacute branca ou seja uma nova modalidade ainda desconhecida Assim sendo haacute o
predomiacutenio de cores frias azul branco prata cinza bem como uma iluminaccedilatildeo fria seca
saturada de claridade
Em poucos momentos se percebe o uso de cores e iluminaccedilatildeo quente Um deles eacute
quando os alojados liderados pela esposa do meacutedico - uacutenica personagem que natildeo foi
infectada e que cuidou o tempo todo dos enfermos no alojamento se passando por cega -
colocam fogo nas instalaccedilotildees e fogem do manicocircmio O uso de sombras e de iluminaccedilatildeo
focalizada eacute bastante visto no decorrer do filme
Ao mesmo tempo apoacutes a fuga os infectados tomam a cidade e se deparam com
uma devastaccedilatildeo um completo caos Em meio a tanta sujeira e destruiccedilatildeo tem-se iniacutecio a
composiccedilatildeo de imagens ainda frias mas com alguns elementos em cores vibrantes como
o vermelho e o amarelo em objetos e placas de sinalizaccedilatildeo e o verde em elementos da
natureza como aacutervores e plantas espalhados pela cidade
Figura 20 - Iluminaccedilatildeo encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
Ao considerar a classificaccedilatildeo feita por Covaleski (2009) em relaccedilatildeo agrave
intertextualidade eacute possiacutevel perceber que o filme eacute composto por diversas fontes de
referecircncias nas artes plaacutesticas Pode-se considerar como exemplo de citaccedilatildeo a reproduccedilatildeo
da famosa obra ―A Paraacutebola dos Cegos de Brueguel O proacuteprio Fernando Meirelles falou
sobre este uso em seu blog de produccedilatildeo durante o periacuteodo de filmagens do filme
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A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
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do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
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6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
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de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
ASSMAN Juracy S Narrativas Verbais e Visuais ndash Leituras Reflexivas Satildeo Leopoldo
RS Unisinos 2003
AUMONT Jacques et al A esteacutetica do filme Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller
Campinas Papirus 1995
AUMONT J MARIE M Dicionaacuterio teoacuterico e criacutetico de cinema Campinas Papirus
2003
BERNARDET Jean-Claude O autor no cinema ndash a poliacutetica dos autores Franccedila Brasil
anos 50 e 60 Satildeo Paulo Brasiliense 1994
CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem
cinematograacutefica uma anaacutelise imageacutetica e poacutes-moderna de Cidade de Deus UFF
(Universidade Federal Fluminense) 2006 Disponiacutevel em
lthttpwwwuffbrmestciilayohtmgt
CASTELLS Manuel O poder da identidade Traduccedilatildeo de Klauss Brandini Gerhardt
Satildeo Paulo Paz e Terra 1999
COVALESKI Rogeacuterio Cinema Publicidade Interfaces Curitiba Maxi Editora 2009
DUBOIS Philippe Cinema Viacutedeo Godard Traduccedilatildeo de Mateus Arauacutejo Silva Satildeo
Paulo Cosac Naify 2004
FIORIN J L Linguagem e Ideologia Satildeo Paulo Aacutetica 2002
GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo
Paulo Summus 1978
MACHADO A A arte do viacutedeo Satildeo Paulo Brasiliense 1996
MARTIN M A linguagem cinematograacutefica Satildeo Paulo Brasiliense 2003
MEIRELLES Fernando Blog Diaacuterio de Blindness Postagem dia 12 de novembro de
2007 Disponiacutevel em lthttpblogdeblindnessblogspotcomgt
MICHEL Maria Helena Metodologia e Pesquisa Cientiacutefica em Ciecircncias Sociais um
guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos
Satildeo Paulo Atlas 2005
PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra
Campinas Papirus 2000
ROBERTS-BRESLIN Jan Produccedilatildeo de imagem e som Rio de Janeiro Elsevier 2009
SADOUL Georges Histoacuteria Mundial do Cinema Satildeo Paulo Martins 1963
64
SOUSA Jorge Pedro Fotojornalismo - Introduccedilatildeo agrave histoacuteria agraves teacutecnicas e agrave linguagem
da fotografia na imprensa Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 2004
STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello
Campinas Papirus 2003
VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas
Papirus 2002
XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e
Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003
65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
58
A ideacuteia de reproduzir quadros num filme natildeo eacute original mas nesta histoacuteria sobre
visatildeo trazer referecircncias do imaginaacuterio humano ao longo do tempo pareceu fazer
algum sentido Fora este Brueguel quem conhece um pouco de pintura vai
identificar referecircncias a Hieronymus Bosch Rembrandt Malevitch alguns
dadaiacutestas cubistas Francis Bacon gravuras japonesas e principalmente
algumas telas do Lucien Freud que nem referecircncias satildeo satildeo coacutepias mesmo
Homenagem O que me espantou ao reproduzir estes quadros foi constatar que
apesar do nosso empenho em buscar imagens expressivas no filme cada vez que
estas referecircncias aparecem na tela elas saltam Isso talvez explique porque estes
artistas resistiriam ao tempo Em seus trabalhos conseguiram alguma espeacutecie de
siacutentese que mesmo nessas coacutepias fora do seu tempo ainda continuam
expressivas (MEIRELLES 2007 disponiacutevel em
httpblogdeblindnessblogspotcom)
Diante de tal relato nota-se o empenho e o cuidado com que Meirelles constroacutei
seus filmes Nada do que vemos estaacute ali por acaso mas foi cuidadosamente pensado e
elaborado a fim de sensibilizar o espectador Na figura abaixo encontra-se a imagem
reproduzida pelo jornal ―O Estado de Satildeo Paulo dos bastidores das filmagens realizadas
nas ruas centrais de Satildeo Paulo Ao lado o quadro ―A paraacutebola dos Cegos de Brueguel
utilizada com referecircncia na construccedilatildeo da imagem fiacutelmica anterior
Figura 21 - Foto do set de filmagens publicada pelo jornal Estadatildeo e ao lado o quadro ldquoA Paraacutebola
dos Cegosrdquo de Brueguel
Haacute predomiacutenio de cores pasteacuteis frias com alguns detalhes mais vibrantes muito
raramente Na figura abaixo ambas as cenas retratam o desfecho da trama Na primeira o
grupo central dos infectados anda pelas ruas da cidade agrave procura da casa do meacutedico onde
pretendem se abrigar Composta por um grande plano geral os personagens estatildeo
enquadramentos com certa lateralidade Os personagens encontram a casa e comeccedilam a
viver como uma grande famiacutelia Os dias passam ateacute que um dos infectados tem sua visatildeo
de volta ao normal Tal acontecimento eacute motivo de felicidade e comemoraccedilatildeo pois se ele
voltou a enxergar os demais tambeacutem poderiam ter a mesma sorte
Sendo assim chega-se no segundo trecho que eacute a imagem final do filme Mostra a
visatildeo da esposa do meacutedico vivida pela atriz Julianne Moore em grande plano geral diante
59
do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
ASSMAN Juracy S Narrativas Verbais e Visuais ndash Leituras Reflexivas Satildeo Leopoldo
RS Unisinos 2003
AUMONT Jacques et al A esteacutetica do filme Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller
Campinas Papirus 1995
AUMONT J MARIE M Dicionaacuterio teoacuterico e criacutetico de cinema Campinas Papirus
2003
BERNARDET Jean-Claude O autor no cinema ndash a poliacutetica dos autores Franccedila Brasil
anos 50 e 60 Satildeo Paulo Brasiliense 1994
CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem
cinematograacutefica uma anaacutelise imageacutetica e poacutes-moderna de Cidade de Deus UFF
(Universidade Federal Fluminense) 2006 Disponiacutevel em
lthttpwwwuffbrmestciilayohtmgt
CASTELLS Manuel O poder da identidade Traduccedilatildeo de Klauss Brandini Gerhardt
Satildeo Paulo Paz e Terra 1999
COVALESKI Rogeacuterio Cinema Publicidade Interfaces Curitiba Maxi Editora 2009
DUBOIS Philippe Cinema Viacutedeo Godard Traduccedilatildeo de Mateus Arauacutejo Silva Satildeo
Paulo Cosac Naify 2004
FIORIN J L Linguagem e Ideologia Satildeo Paulo Aacutetica 2002
GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo
Paulo Summus 1978
MACHADO A A arte do viacutedeo Satildeo Paulo Brasiliense 1996
MARTIN M A linguagem cinematograacutefica Satildeo Paulo Brasiliense 2003
MEIRELLES Fernando Blog Diaacuterio de Blindness Postagem dia 12 de novembro de
2007 Disponiacutevel em lthttpblogdeblindnessblogspotcomgt
MICHEL Maria Helena Metodologia e Pesquisa Cientiacutefica em Ciecircncias Sociais um
guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos
Satildeo Paulo Atlas 2005
PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra
Campinas Papirus 2000
ROBERTS-BRESLIN Jan Produccedilatildeo de imagem e som Rio de Janeiro Elsevier 2009
SADOUL Georges Histoacuteria Mundial do Cinema Satildeo Paulo Martins 1963
64
SOUSA Jorge Pedro Fotojornalismo - Introduccedilatildeo agrave histoacuteria agraves teacutecnicas e agrave linguagem
da fotografia na imprensa Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 2004
STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello
Campinas Papirus 2003
VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas
Papirus 2002
XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e
Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003
65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
59
do terraccedilo de seu apartamento A primeira tomada comeccedila com o claratildeo do ceacuteu e a cacircmera
vai se movimentando ateacute encontrar o horizonte e revelando a paisagem da cidade
composta por preacutedios e muitas aacutervores com uma coloraccedilatildeo mais variada do que a utilizada
no decorrer do filme
Figura 22 - Coloraccedilatildeo fria encontrada em Ensaio sobre a Cegueira
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
ASSMAN Juracy S Narrativas Verbais e Visuais ndash Leituras Reflexivas Satildeo Leopoldo
RS Unisinos 2003
AUMONT Jacques et al A esteacutetica do filme Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller
Campinas Papirus 1995
AUMONT J MARIE M Dicionaacuterio teoacuterico e criacutetico de cinema Campinas Papirus
2003
BERNARDET Jean-Claude O autor no cinema ndash a poliacutetica dos autores Franccedila Brasil
anos 50 e 60 Satildeo Paulo Brasiliense 1994
CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem
cinematograacutefica uma anaacutelise imageacutetica e poacutes-moderna de Cidade de Deus UFF
(Universidade Federal Fluminense) 2006 Disponiacutevel em
lthttpwwwuffbrmestciilayohtmgt
CASTELLS Manuel O poder da identidade Traduccedilatildeo de Klauss Brandini Gerhardt
Satildeo Paulo Paz e Terra 1999
COVALESKI Rogeacuterio Cinema Publicidade Interfaces Curitiba Maxi Editora 2009
DUBOIS Philippe Cinema Viacutedeo Godard Traduccedilatildeo de Mateus Arauacutejo Silva Satildeo
Paulo Cosac Naify 2004
FIORIN J L Linguagem e Ideologia Satildeo Paulo Aacutetica 2002
GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo
Paulo Summus 1978
MACHADO A A arte do viacutedeo Satildeo Paulo Brasiliense 1996
MARTIN M A linguagem cinematograacutefica Satildeo Paulo Brasiliense 2003
MEIRELLES Fernando Blog Diaacuterio de Blindness Postagem dia 12 de novembro de
2007 Disponiacutevel em lthttpblogdeblindnessblogspotcomgt
MICHEL Maria Helena Metodologia e Pesquisa Cientiacutefica em Ciecircncias Sociais um
guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos
Satildeo Paulo Atlas 2005
PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra
Campinas Papirus 2000
ROBERTS-BRESLIN Jan Produccedilatildeo de imagem e som Rio de Janeiro Elsevier 2009
SADOUL Georges Histoacuteria Mundial do Cinema Satildeo Paulo Martins 1963
64
SOUSA Jorge Pedro Fotojornalismo - Introduccedilatildeo agrave histoacuteria agraves teacutecnicas e agrave linguagem
da fotografia na imprensa Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 2004
STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello
Campinas Papirus 2003
VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas
Papirus 2002
XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e
Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003
65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
60
6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este projeto se preocupou com a anaacutelise dos elementos que compotildeem a fotografia
audiovisual dos filmes de Fernando Meirelles a partir de quatro tiacutetulos de sua autoria a fim
de constatar a construccedilatildeo de uma esteacutetica publicitaacuteria em tais filmes
Com um suporte bibliograacutefico consistente diversas hipoacuteteses foram traccediladas
entretanto isto foi feito de forma isolada o que limita muito a relevacircncia das
consideraccedilotildees Em relaccedilatildeo aos motivos que nortearam tal pesquisa pretendeu-se descobrir
a forma como o autor Fernando Meirelles constroacutei a esteacutetica publicitaacuteria com base na
fotografia de seus filmes Sendo assim estas consideraccedilotildees finais foram construiacutedas a
partir da observaccedilatildeo atenta dos quatros filmes selecionados sendo a amostra para anaacutelise
constituiacuteda por frames ou seja fragmentos de cada um desses filmes
Os elementos que compotildeem a fotografia audiovisual foram os criteacuterios fundamentais
na realizaccedilatildeo desta anaacutelise A escolha dos planos enquadramentos movimentos de
cacircmera a cor e a iluminaccedilatildeo que melhor retrata a ideia imaginada pelo autor e sua equipe
Enfim cada escolha possuiu um dado significado e possibilitou a representaccedilatildeo de uma
realidade que expressa um estilo um modo como o diretor ―vecirc a histoacuteria da trama e como
quer que ela seja recebida pelos espectadores
No filme ―Domeacutesticas foi possiacutevel perceber uma agilidade nas mudanccedilas de planos
variaccedilotildees de enquadramentos e trocas de eixos de cacircmera Uma nova linguagem
videograacutefica mais perceptiacutevel em videoclipes A fotografia que por vezes eacute aparentemente
natural foi trabalhada com esse intuito e objetivando criar uma atmosfera leve e
descontraiacuteda para falar sobre uma realidade natildeo tatildeo positiva assim Ou seja estetizar uma
realidade dura e cruel uma rotina pesada e inuacutemeras vezes ―triste Ora o filme traz a
reflexatildeo sobre uma classe economicamente desfavorecida no entanto foca nas
personagens enquanto sujeitos humanos com valores e princiacutepios pessoas dignas que
durante o dia vivenciam a atmosfera espacial das casas dos seus patrotildees e no final do dia
adentram o espaccedilo de seu universo real a vida na periferia
Haacute momentos em que as personagens olham para a cacircmera e falam como se
estivessem dando um depoimento ou mesmo refletindo sobre sua proacutepria situaccedilatildeo tal
como em publicidades que operam a estrateacutegia testemunhal Nestes instantes a coloraccedilatildeo
do filme muda revelando a troca e intenccedilatildeo de valor dramaacutetico da cena A iluminaccedilatildeo eacute
suave e com tom documental As cenas satildeo bem produzidas os elementos satildeo ordenados
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
ASSMAN Juracy S Narrativas Verbais e Visuais ndash Leituras Reflexivas Satildeo Leopoldo
RS Unisinos 2003
AUMONT Jacques et al A esteacutetica do filme Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller
Campinas Papirus 1995
AUMONT J MARIE M Dicionaacuterio teoacuterico e criacutetico de cinema Campinas Papirus
2003
BERNARDET Jean-Claude O autor no cinema ndash a poliacutetica dos autores Franccedila Brasil
anos 50 e 60 Satildeo Paulo Brasiliense 1994
CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem
cinematograacutefica uma anaacutelise imageacutetica e poacutes-moderna de Cidade de Deus UFF
(Universidade Federal Fluminense) 2006 Disponiacutevel em
lthttpwwwuffbrmestciilayohtmgt
CASTELLS Manuel O poder da identidade Traduccedilatildeo de Klauss Brandini Gerhardt
Satildeo Paulo Paz e Terra 1999
COVALESKI Rogeacuterio Cinema Publicidade Interfaces Curitiba Maxi Editora 2009
DUBOIS Philippe Cinema Viacutedeo Godard Traduccedilatildeo de Mateus Arauacutejo Silva Satildeo
Paulo Cosac Naify 2004
FIORIN J L Linguagem e Ideologia Satildeo Paulo Aacutetica 2002
GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo
Paulo Summus 1978
MACHADO A A arte do viacutedeo Satildeo Paulo Brasiliense 1996
MARTIN M A linguagem cinematograacutefica Satildeo Paulo Brasiliense 2003
MEIRELLES Fernando Blog Diaacuterio de Blindness Postagem dia 12 de novembro de
2007 Disponiacutevel em lthttpblogdeblindnessblogspotcomgt
MICHEL Maria Helena Metodologia e Pesquisa Cientiacutefica em Ciecircncias Sociais um
guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos
Satildeo Paulo Atlas 2005
PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra
Campinas Papirus 2000
ROBERTS-BRESLIN Jan Produccedilatildeo de imagem e som Rio de Janeiro Elsevier 2009
SADOUL Georges Histoacuteria Mundial do Cinema Satildeo Paulo Martins 1963
64
SOUSA Jorge Pedro Fotojornalismo - Introduccedilatildeo agrave histoacuteria agraves teacutecnicas e agrave linguagem
da fotografia na imprensa Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 2004
STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello
Campinas Papirus 2003
VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas
Papirus 2002
XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e
Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003
65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
61
de forma agradaacutevel aos olhos Vende-se uma realidade difiacutecil mas de maneira mais
apraziacutevel mais sutil da vida
Em ―Cidade de Deus o filme mais aclamado de Meirelles as mudanccedilas no modo
de fazer cinema jaacute evidenciadas em ―Domeacutesticas satildeo ressaltadas com maior relevacircncia
Nesta obra a maioria das cenas foi filmada com a cacircmera na matildeo a fim de representar
com maior fidelidade a realidade vivenciada no morro A iluminaccedilatildeo favorece a fotografia
crua e seca que predomina ao longo trama Os planos satildeo variados e mudam com muita
agilidade em ritmo quase freneacutetico As imagens primam pelo realismo no entanto satildeo
muito bem elaboradas e produzidas Essa abordagem multifacetada com o uso da
pluralidade de elementos eacute uma das caracteriacutesticas que evidenciam a esteacutetica publicitaacuteria
presente no cinema contemporacircneo
O ―Jardineiro Fiel por muitos eacute considerado o filme mais belo dos quatros aqui
analisados As paisagens em que as cenas foram filmadas satildeo deslumbrantes e mostram a
beleza e ressaltam a exuberacircncia da paisagem da natureza Cores fortes e saturadas das
imagens em Nairoacutebi e na favela de Quibera no Quecircnia contrastam com as cores soacutebrias de
Londres e Berlim A iluminaccedilatildeo tambeacutem contribui bastante nesta relaccedilatildeo de contraste
entre as cenas Enquanto satildeo mostrados os quenianos nas ruas a iluminaccedilatildeo eacute solar Jaacute nas
cenas em que o diplomata encontra-se em Berlim e em Londres ela eacute dura fria Mesmo
com toda a dificuldade e limitaccedilotildees dos quenianos de um povo sofrido a iluminaccedilatildeo
demonstra a ―vida que haacute naquele lugar naquele povo que luta em meio agraves adversidades
Em contrapartida os poderosos do ramo farmacecircutico satildeo retratados em uma atmosfera
sombria pesada que conota sua frieza em relaccedilatildeo ao resto do mundo uma vez que usam
seres humanos como cobaias de suas novas drogas O ritmo do filme tambeacutem eacute acelerado
com uma montagem bastante recortada o que natildeo permite o espectador desviar a atenccedilatildeo
da tela
Em relaccedilatildeo ao filme ―Ensaio sobre a Cegueira pode-se evidenciar o uso enfaacutetico de
cores frias e luminosidade excessivamente clara conotando frieza inquietude Esse uso
reflete no tema central da trama a ―cegueira branca e mostra um mundo globalizado
onde cada um se importa apenas consigo mesmo e natildeo pensa nas consequumlecircncias de suas
atitudes Pode-se dizer que o filme tem por finalidade fazer uma criacutetica ao modo de vida
da sociedade contemporacircnea ―cega em seu proacuteprio mundinho individualista Sendo
assim utiliza os mais variados planos para representar a convivecircncia destes infectados em
um alojamento onde estatildeo isolados do resta da sociedade Neste local precisam da ajuda
muacutetua jaacute que natildeo enxergam e precisam aprender a viver com esta debilidade
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
ASSMAN Juracy S Narrativas Verbais e Visuais ndash Leituras Reflexivas Satildeo Leopoldo
RS Unisinos 2003
AUMONT Jacques et al A esteacutetica do filme Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller
Campinas Papirus 1995
AUMONT J MARIE M Dicionaacuterio teoacuterico e criacutetico de cinema Campinas Papirus
2003
BERNARDET Jean-Claude O autor no cinema ndash a poliacutetica dos autores Franccedila Brasil
anos 50 e 60 Satildeo Paulo Brasiliense 1994
CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem
cinematograacutefica uma anaacutelise imageacutetica e poacutes-moderna de Cidade de Deus UFF
(Universidade Federal Fluminense) 2006 Disponiacutevel em
lthttpwwwuffbrmestciilayohtmgt
CASTELLS Manuel O poder da identidade Traduccedilatildeo de Klauss Brandini Gerhardt
Satildeo Paulo Paz e Terra 1999
COVALESKI Rogeacuterio Cinema Publicidade Interfaces Curitiba Maxi Editora 2009
DUBOIS Philippe Cinema Viacutedeo Godard Traduccedilatildeo de Mateus Arauacutejo Silva Satildeo
Paulo Cosac Naify 2004
FIORIN J L Linguagem e Ideologia Satildeo Paulo Aacutetica 2002
GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo
Paulo Summus 1978
MACHADO A A arte do viacutedeo Satildeo Paulo Brasiliense 1996
MARTIN M A linguagem cinematograacutefica Satildeo Paulo Brasiliense 2003
MEIRELLES Fernando Blog Diaacuterio de Blindness Postagem dia 12 de novembro de
2007 Disponiacutevel em lthttpblogdeblindnessblogspotcomgt
MICHEL Maria Helena Metodologia e Pesquisa Cientiacutefica em Ciecircncias Sociais um
guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos
Satildeo Paulo Atlas 2005
PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra
Campinas Papirus 2000
ROBERTS-BRESLIN Jan Produccedilatildeo de imagem e som Rio de Janeiro Elsevier 2009
SADOUL Georges Histoacuteria Mundial do Cinema Satildeo Paulo Martins 1963
64
SOUSA Jorge Pedro Fotojornalismo - Introduccedilatildeo agrave histoacuteria agraves teacutecnicas e agrave linguagem
da fotografia na imprensa Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 2004
STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello
Campinas Papirus 2003
VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas
Papirus 2002
XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e
Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003
65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
62
Como eacute visiacutevel em todos os filmes analisados eacute recorrente o uso de elementos que
compotildeem a cena objetos dos mais variados para emoldurar novos enquadramentos uns
mais ousados e diferentes que os outros Eacute possiacutevel citar aqui alguns como frestas de
janelas grades buracos no muro entre outros Aleacutem disso utilizam-se planos cortados em
que apenas alguns detalhes satildeo visiacuteveis ndash detalhes apenas das matildeos dos peacutes ndash enfatizando
certos elementos em detrimento de outros e acompanhando o movimento de tais
personagens
Enfim com a realizaccedilatildeo desta anaacutelise foi possiacutevel verificar que a fotografia dos
filmes de Fernando Meirelles ainda que aparente a naturalidade e o realismo eacute pensada e
arquitetada com intuito de alcanccedilar tais motivos e objetivos ou seja nenhum elemento eacute
usado sem um significado concreto e especiacutefico O questionamento aqui natildeo eacute descobrir
se tais artifiacutecios satildeo percebidos pelo espectador mas sim evidenciar que ali se encontram e
produzem sentidos associados a intenccedilotildees publicitaacuterias que refletem uma nova forma de
se fazer cinema de se representar a realidade ―nua e crua de maneira elaborada com
certa beleza
Essa estetizaccedilatildeo e estilizaccedilatildeo conferem ao cinema de Meirelles uma abordagem
publicitaacuteria uma obra que almeja transmitir naturalidade mas para isso se vale de uma
fotografia extremamente elaborada e pensada de modo que a composiccedilatildeo das cenas seja
caracterizada por ser visualmente expressiva e adequada agraves intenccedilotildees narrativas e
dramaacuteticas
Foi possiacutevel analisar as interfaces existentes entre publicidade e cinema a partir da
anaacutelise da composiccedilatildeo fotograacutefica do filme enquanto elemento da esteacutetica audiovisual
Sendo assim verificar a construccedilatildeo da autoralidade de Fernando Meirelles por meio da
percepccedilatildeo de uma estilizaccedilatildeo comum em ambos os filmes e que caracteriza no estilo
proacuteprio do autor Percepccedilatildeo aguccedilada da realidade representada de maneira aacutegil freneacutetica e
principalmente bem elaborada e embelezada por mais natural que se pretendesse ser
retratada Esta eacute uma anaacutelise subjetiva baseada nas impressotildees do pesquisador a partir de
aprofundamento teoacuterico previamente desenvolvido
O tema pesquisado natildeo se encerra aqui jaacute que o que foi exposto baseou-se em um
vieacutes particular que tentou sim ser o mais profundo e abrangente possiacutevel mas que natildeo se
esgota Assim a pesquisa fica em aberto para futuras anaacutelises de outros elementos
audiovisuais que decircem continuidade a tais indagaccedilotildees
63
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
ASSMAN Juracy S Narrativas Verbais e Visuais ndash Leituras Reflexivas Satildeo Leopoldo
RS Unisinos 2003
AUMONT Jacques et al A esteacutetica do filme Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller
Campinas Papirus 1995
AUMONT J MARIE M Dicionaacuterio teoacuterico e criacutetico de cinema Campinas Papirus
2003
BERNARDET Jean-Claude O autor no cinema ndash a poliacutetica dos autores Franccedila Brasil
anos 50 e 60 Satildeo Paulo Brasiliense 1994
CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem
cinematograacutefica uma anaacutelise imageacutetica e poacutes-moderna de Cidade de Deus UFF
(Universidade Federal Fluminense) 2006 Disponiacutevel em
lthttpwwwuffbrmestciilayohtmgt
CASTELLS Manuel O poder da identidade Traduccedilatildeo de Klauss Brandini Gerhardt
Satildeo Paulo Paz e Terra 1999
COVALESKI Rogeacuterio Cinema Publicidade Interfaces Curitiba Maxi Editora 2009
DUBOIS Philippe Cinema Viacutedeo Godard Traduccedilatildeo de Mateus Arauacutejo Silva Satildeo
Paulo Cosac Naify 2004
FIORIN J L Linguagem e Ideologia Satildeo Paulo Aacutetica 2002
GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo
Paulo Summus 1978
MACHADO A A arte do viacutedeo Satildeo Paulo Brasiliense 1996
MARTIN M A linguagem cinematograacutefica Satildeo Paulo Brasiliense 2003
MEIRELLES Fernando Blog Diaacuterio de Blindness Postagem dia 12 de novembro de
2007 Disponiacutevel em lthttpblogdeblindnessblogspotcomgt
MICHEL Maria Helena Metodologia e Pesquisa Cientiacutefica em Ciecircncias Sociais um
guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos
Satildeo Paulo Atlas 2005
PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra
Campinas Papirus 2000
ROBERTS-BRESLIN Jan Produccedilatildeo de imagem e som Rio de Janeiro Elsevier 2009
SADOUL Georges Histoacuteria Mundial do Cinema Satildeo Paulo Martins 1963
64
SOUSA Jorge Pedro Fotojornalismo - Introduccedilatildeo agrave histoacuteria agraves teacutecnicas e agrave linguagem
da fotografia na imprensa Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 2004
STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello
Campinas Papirus 2003
VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas
Papirus 2002
XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e
Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003
65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
63
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
ASSMAN Juracy S Narrativas Verbais e Visuais ndash Leituras Reflexivas Satildeo Leopoldo
RS Unisinos 2003
AUMONT Jacques et al A esteacutetica do filme Traduccedilatildeo de Marina Appenzeller
Campinas Papirus 1995
AUMONT J MARIE M Dicionaacuterio teoacuterico e criacutetico de cinema Campinas Papirus
2003
BERNARDET Jean-Claude O autor no cinema ndash a poliacutetica dos autores Franccedila Brasil
anos 50 e 60 Satildeo Paulo Brasiliense 1994
CARVALHO Layo Fernando Barros Esteacutetica publicitaacuteria amp linguagem
cinematograacutefica uma anaacutelise imageacutetica e poacutes-moderna de Cidade de Deus UFF
(Universidade Federal Fluminense) 2006 Disponiacutevel em
lthttpwwwuffbrmestciilayohtmgt
CASTELLS Manuel O poder da identidade Traduccedilatildeo de Klauss Brandini Gerhardt
Satildeo Paulo Paz e Terra 1999
COVALESKI Rogeacuterio Cinema Publicidade Interfaces Curitiba Maxi Editora 2009
DUBOIS Philippe Cinema Viacutedeo Godard Traduccedilatildeo de Mateus Arauacutejo Silva Satildeo
Paulo Cosac Naify 2004
FIORIN J L Linguagem e Ideologia Satildeo Paulo Aacutetica 2002
GUTIERREZ F Linguagem total uma pedagogia dos meios de comunicaccedilatildeo Satildeo
Paulo Summus 1978
MACHADO A A arte do viacutedeo Satildeo Paulo Brasiliense 1996
MARTIN M A linguagem cinematograacutefica Satildeo Paulo Brasiliense 2003
MEIRELLES Fernando Blog Diaacuterio de Blindness Postagem dia 12 de novembro de
2007 Disponiacutevel em lthttpblogdeblindnessblogspotcomgt
MICHEL Maria Helena Metodologia e Pesquisa Cientiacutefica em Ciecircncias Sociais um
guia praacutetico para acompanhamento da disciplina e elaboraccedilatildeo de trabalhos monograacuteficos
Satildeo Paulo Atlas 2005
PARENTE Andreacute Narrativa e modernidade - Os cinemas natildeo narrativos do poacutes-guerra
Campinas Papirus 2000
ROBERTS-BRESLIN Jan Produccedilatildeo de imagem e som Rio de Janeiro Elsevier 2009
SADOUL Georges Histoacuteria Mundial do Cinema Satildeo Paulo Martins 1963
64
SOUSA Jorge Pedro Fotojornalismo - Introduccedilatildeo agrave histoacuteria agraves teacutecnicas e agrave linguagem
da fotografia na imprensa Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 2004
STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello
Campinas Papirus 2003
VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas
Papirus 2002
XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e
Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003
65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
64
SOUSA Jorge Pedro Fotojornalismo - Introduccedilatildeo agrave histoacuteria agraves teacutecnicas e agrave linguagem
da fotografia na imprensa Florianoacutepolis Letras Contemporacircneas 2004
STAM Robert Introduccedilatildeo agrave teoria do cinema Traduccedilatildeo de Fernando Mascarello
Campinas Papirus 2003
VANOYE F GOLIOT-LEacuteTE A Ensaio sobre a anaacutelise fiacutelmica 2ordf ed Campinas
Papirus 2002
XAVIER I Entrevista concedida ao autor In COVALESKI R L Cinema e
Publicidade Televisual Interfaces Comunicacionais Curitiba UTP 2003
65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
65
ANEXOS
Lista de Premiaccedilotildees do Autor
Premiaccedilotildees de Fernando Meirelles
Profissionais do Ano 199192 Brastemp ndash Natildeo tem comparaccedilatildeo
199293 CampA ndash Programa Abuse amp Use
199394 Samello ndash Montanha
199495 Semp Toshiba ndash Garantia
199697 Gradiente ndash Game Boy e Ipiranga ndash Apaixonados
199798 Pepsi-Cola ndash Tennis e Santista Alimentos ndash Mulheres
199900 Volkswagen ndash Campanha Golf
200203 Parmalat ndash Leite Perfeito
Cannes Lions 1991 (Prata) Lacta ndash Encontro
1992 (Bronze) Brastemp ndash Alain DelonTrailerCinema
1997 (Prata) Honda ndash Vento
1998 (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1998 (Bronze) Pepsi-Cola ndash Tennis
2000 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
FIAP 1997 (Ouro) Itauacute ndash Terreno (Prata) Honda ndash Vento (Bronze) Itauacute ndash Pai e Filha
(Bronze) Lego ndash Bigode II
1998 (Grand Prix) Pepsi-Cola ndash Tennis (Prata) Sansung ndash RaioChuva
1999 (Ouro) Pepsi-Cola ndash Paiacutes do Baseball
2000 (Bronze) Coca-Cola ndash Mania de Famiacutelia
Clio 1998 (Prata) Volkswagen ndash Cronocircmetro
Revista About 2000 Sadia ndash Qualy e Telesp ndash Torpedos
Outros Precircmios Precircmio de melhor diretor dos uacuteltimos cinco anos pela Revista Meio amp Mensagem
Revista Latin Sports ndash Precircmio de melhor diretor (1994 ndash 1998)
El Ojo de Ibero Ameacuterica ndash Latins Spots 1999 ndash Precircmio de melhor diretor brasileiro
Precircmio Revista Istoeacute 2002 ndash Homem do ano na aacuterea da cultura
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