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Mulheres negrasMulheres negras enfrentam uma dose dupla de preconceito na sociedade

brasileira. São inúmeras as pesquisas que demonstram, por exemplo, a remu-neração mais baixa dispensada às mulheres em qualquer campo de atividadeprofissional. Se ela é negra, enfrenta ainda a discriminação racial que a impede,em muitos casos, até de exercer qualquer profissão que seja. Discriminação quenão faz jus ao papel que elas já desempenham ou poderiam desempenhar parao desenvolvimento do País.

A importância do papel das mulheres negras aparece com muita força quandoolhamos para comunidades quilombolas. Como a de Onze Negras, no municípiodo Cabo de Santo Agostinho. Fundada por homens, a comunidade passou a sedesenvolver, de fato, quando um grupo de mães começou a atuar sistematica-mente junto ao poder público para exigir melhorias nas condições de vida dascerca de 400 famílias do local. O grupo evoluiu para uma associação de moradoresformalmente constituída, fundada por onze mulheres - as Onze Negras que hojedão nome à comunidade. Em lembrança ao mês da mulher, o GT Racismo pres-ta uma homenagem a elas contando sua história nas páginas 6 e 7.

Ainda fazendo referência ao mês da mulher, o jornal do GT entrevistou a biólo-ga Fernanda Lopes sobre a manifestação do racismo institucional no serviço desaúde, levando-se em consideração raça e gênero, além da necessidade de imple-mentação da polícia nacional de saúde integral da população negra. Nesta edição,o jornal também traz um artigo da promotora Helena Capela, integrante do GT,sobre as expectativas que recaem sobre o novo presidente dos Estados Unidos,Barack Obama, o primeiro negro da História a assumir a Casa Branca. E, na pági-na 5, uma matéria mostra como a questão racial começa a chamar a atenção daimprensa pernambucana.

Na comunidadequilombolaOnze Negras,no Cabo deSanto Agostinho,elas são as líderese o motor dodesenvolvimento

ATÉ QUANDO?

"Temos de nos arrepender não tanto pelas ações más das pes-soas más, mas pelo silêncio assustador das pessoas boas".

Martin Luther King

Em 4 de novembro de 2008, o senador democrataBarack Hussein Obama foi eleito o primeiro presidentenegro da história dos Estados Unidos. O mundo inteirofestejou, sorriu, chorou. Uma eleição que já entrou paraa história. O feitio multicultural da vitória democratarespondeu ao objetivo perseguido com determinaçãopor Barack Obama: colocar sua candidatura acima dasquestões raciais. Não foi uma eleição de negros versusbrancos, até porque, se assim fosse, provavelmenteObama sequer teria chegado às prévias, considerandoque nos Estados Unidos a população negra é minoria.Foi uma estratégia de campanha acertada, ao contráriodo que ocorreu há 20 anos, quando o pastor JesseJackson tentou, pela segunda vez, ser indicado a can-didato à presidência, pelo mesmo Partido Democrata, enão conseguiu. "Os EUA não estavam preparados paraum candidato afroamericano" dizia-se.

Passada a comemoração pela vitória, coloca-se aseguinte indagação: o que acontecerá agora? Obamaassumiu a presidência em meio a uma gravíssima criseeconômica mundial, só comparável ao crack de 1929.Qualquer previsão de recuperação da maior potênciaeconômica do planeta é arriscada, seja a curto ou médioprazo. "Talvez não dê para fazer em um ano, talvez nemem um mandato", reconheceu o próprio Obama em seudiscurso de posse.Para além do cenário da crise econômica global e dos

esforços para superação, a maior mudança já está ocor-rendo no plano sócio-cultural de um país cuja história émarcada por grandes e trágicos conflitos raciais. O filhode um negro queniano (e mulçumano) com uma amer-icana branca, nascido no Havaí, foi eleito com umavotação recorde num país em que o voto é facultativo.Ao virar uma página da história, Obama provou à mino-

ria negra que é possível mudar, que eles também podem.Para os negros, então, a mudança representa um forteestímulo à autoestima.

E no Brasil, país que tem a maior população afrode-scendente das Américas, qual a influência do fenômenoObama? Ao se analisarem as semelhanças e diferençasentre os Estados Unidos e Brasil, tem-se que os negrosamericanos representam 12% da população, ao passoem que aqui os afrodescendentes são maioria (49,7% depretos e pardos, contra 49,4% de brancos, segundo oIBGE). Fica a pergunta: onde estão os negrosbrasileiros? O fato de que eles se constituem uma mino-ria política só torna ainda mais grave e preocupantequalquer comparação com a realidade vivida pelosnegros americanos. Há 60 anos, nos EUA existiam leissegregacionistas. Elas não só foram revogadas, apósintensa luta dos negros, como houve políticas afirmati-vas fixando dispositivos legais em favor da minorianegra.

No Brasil, apesar dos avanços no processo de aper-feiçoamento da democracia, a questão racial ainda estálonge do estágio alcançado pela sociedade norte-ameri-cana. Prevalece aqui a cínica tese de que não existeracismo entre brasileiros. Para os que insistem nesteargumento ou não conseguem perceber que a discrimi-nação racial é uma triste realidade, basta conferir asestatísticas de ocorrências vinculadas ao preconceito, oque demonstra o quanto a sociedade precisa caminhare conquistar.

A conta do nosso atraso é altíssima. É inadmissívelque ainda se discrimine metade da população de umpaís. O Brasil deixa de produzir, diariamente, profes-sores, médicos, engenheiros, artistas, políticos, emrazão da pobreza, da falta de educação, e até mesmo dodireito à vida. Até quando vamos tolerar a invisibilidaderacista?

* Promotora de Justiça de Olindae integrante do GT Racismo

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Reprodução do livro “Onze Negras”

NÚMERO 13MARÇO 2009

Helena Capela*

CONSCIÊNCIA NEGRAAs comunidades quilombolas e o acesso à educação foram osdestaques do evento que o Ministério Público de Pernambuco(MPPE) realizou no dia 19 de novembro em lembrança ao Dia daConsciência Negra, comemorado oficialmente em todo o País em20 de novembro. A reunião organizada pelo Grupo de Trabalhosobre Discriminação Racial (GT Racismo) foi principalmente fes-tiva: com presença marcante do afoxé Omin Sabá, do bairro doCordeiro, promotores, procuradores e parceiros da instituição seconfraternizaram e reafirmaram a necessidade de união na lutacontra o racismo.

SÃO BENTO DO UNAPersonagens do documentário "Quilombolas: uma história deresistência", os quilombolas da comunidade Serrote do GadoBrabo, em São Bento do Una, foram os primeiros no Estado a assi-stir ao vídeo, produzido pela Assessoria de Comunicação do MPPEe GT Racismo para apoiar a implantação da Lei 10.639/03 (modi-ficada pela 11.645/08) em todas as escolas do município. O mate-rial foi apresentado no dia 18 de novembro, também como partedas comemorações promovidas pelo Ministério Público em lem-brança ao Dia da Consciência Negra. No evento, a comunidadetambém pôde conferir os quadros da exposição fotográficaQuilombolas, também produzida pelo MPPE com a finalidade darsubsídios à discussão sobre a temática racial nas escolas de SãoBento do Una. A coordenadora do GT, procuradora BernadeteAzevedo, participou das festividades.

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CAPACITAÇÃO HOMENAGEM EXPEDIENTE

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MPEM AÇÃONessa coluna, o GT Racismo reserva espaço para publicação denotícias das atividades dos promotores e procuradores de Justiçano combate ao racismo. Envie seu material e participe dasdiscussões sobre discriminação e promoção da igualdade racial.

>>> Ainda este semestre, os membros e servidores doMinistério Público terão a oportunidade de participar deoficinas de sensibilização e capacitação para o enfrenta-mento do racismo. Serão quatro seminários, a serem rea-lizados nas regiões Capital e Metropolitana; Zona daMata, Agreste e Sertão. O foco principal será a implemen-tação da Lei 10.639/03 (modificada pela 11.645/08), queinstituiu a inclusão das relações étnico-raciais nas práti-cas pedagógicas das escolas de todo o País.

>>> A Secretaria de Defesa Social vai apresentar àPromotoria de Direitos Humanos da Capital o projeto de cria-ção de um grupo de trabalho para o enfrentamento ao ra-cismo institucional dentro do órgão. A informação foi dadapor um representante da SDS durante audiência realizadano dia 17 de março pelo promotor Westei Conde dentro deum procedimento aberto para investigar a prática do racis-mo na Polícia Militar. O projeto será apresentado também aentidades do movimento negro. A data ainda será marcada.

GT RACISMO - MPPE

Paulo Varejão - Procurador-Geral de Justiça

Maria Bernadete Martins Azevedo Figueiroa (coordenadora),Gilson Roberto de Melo Barbosa (sub-coordenador), JudithPinheiro Silveira Borba, Roberto Brayner Sampaio, Maria IvanaBotelho Vieira da Silva, Helena Capela Gomes Carneiro Lima,Taciana Alves de Paula Rocha Almeida, Maria Betânia Silva,Janeide de Oliveira Lima e Irene Cardoso Sousa.

www.mp.pe.gov.br � [email protected] � (81)3419.7000Edf. Promotor de Justiça Roberto LyraRua do Imperador, 473, Stº Antônio Recife-PE

Projeto gráfico: Ricardo MeloJornalista responsável: Renata BeltrãoIlustrações: Lucas Veríssimo

>>> A coordenadora do GT Racismo, procuradoraMaria Bernadete Azevedo, foi uma das homenageadasdeste ano no livro “Mulheres que mudaram a históriade Pernambuco”, organizado pelo jornalista CarlosCavalcante. Na biografia de Bernadete, destacam-seprincipalmente seu trabalho na defesa dos direitosdas mulheres, que abraçou desde o início da carreira,e seu engajamento atual no enfrentamento à discrim-inação racial. Do MPPE, também foram home-nageadas no livro as promotoras Sueli Gonçalves,secretária-geral da Instituição, e Rejane Strieder, dacomarca de Brejo da Madre de Deus.

Afoxé Omin Sabá fez apresentação no hall do ed. Roberto Lyra

Fotos: Renata Beltrão

Quilombolas foram os primeiros a assistir ao documentário

não seja esquecida, a creche da comu-nidade hoje leva seu nome.

A própria presidente da Associação,Maria José de Fátima Barros, é bisneta deescravos e trabalhou como doméstica dos12 aos 22 anos. A vice-presidente, MariaConceição Marques, nem sabia que eradescendente de escravos até participar decapacitações na comunidade de Conceiçãodas Creoulas. Hoje, a representante maisvelha da comunidade lembra com orgulhoque é bisneta de negros de Angola.Toda a história de Onze Negras está con-

tada em um livro editado em 2007 pelaprópria comunidade, com apoio da Pre-feitura do Cabo. Além do resgate sobre asorigens da comunidade, a publicação traztambém um apanhado do conhecimentodesenvolvido em Onze Negras em váriasáreas, da culinária à música, passando peloartesanato e as danças tradicionais.

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Fotos: reproduções do livro “Onze Negras”

GT RACISMO - NÚMERO 13 - MARÇO 2009 - 54 - GT RACISMO - NÚMERO 13 - MARÇO 2009

>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>> QUESTÃO RACIAL CHEGA À IMPRENSAA Imprensa é sempre um bom termômetro para medir até que

ponto a sociedade está atenta a um determinado problema deinteresse público. Até bem pouco tempo, a questão racial costu-mava aparecer no noticiário local apenas em três casos específicos:divulgação de pesquisas sócio-econômicas nacionais, debate sobrecotas raciais ou quando alguém acabava preso por crime de racis-mo - normalmente alguém de classe média, o que justificava anotícia mais até do que o crime em si. No entanto, alguns traba-lhos publicados recentemente por veículos pernambucanosmostram uma tendência - ainda tímida, mas ela está lá - de abor-dagens mais aprofundadas com relação à questão racial.

Um dos exemplos mais recentes foi o caderno “Quilombolas - odireito negado de um povo”, publicado pelo Diario dePernambuco em dezembro do ano passado. Em dez páginasinteiras, a repórter Sílvia Bessa e o fotógrafo Helder Tavaresmostram o resultado das entrevistas, pesquisas e visitas a comu-nidades quilombolas de todo o Nordeste, abordando desde as ori-gens históricas à questão fundiária, ressaltando sempre a invisibi-lidade que estes povos enfrentam aos olhos do poder público e detoda a população brasileira. No making of publicado no site doDiario, Sílvia conta da dificuldade de encontrar algumas dascomunidades, muitas com existência desconhecida até para oshabitantes do mesmo município onde estavam localizadas.

O texto alfineta a própria desatanção dos veículos de comuni-cação para com o problema: “os quilombolas, a exemplo dosíndios, merecem também da imprensa tratamento compensatóriopor quase 400 anos de opressão escravista e pelos últimos 120 anosde escanteamento”, diz o texto de abertura da reportagem. Para oMinistério Público de Pernambuco, a publicação do caderno teveum sentido especial. A repórter Sílvia Bessa nunca tinha visitadouma comunidade quilombola até 2007. Na época, ela apuravauma reportagem sobre os direitos dos idosos no Nordeste eprocurou o MPPE, que sugeriu uma ida à comunidade do Serrotedo Gado Bravo, em São Bento do Una, onde a Promotoria localtentava assegurar o direito à aposentadoria dos quilombolas. Umamatéria puxou outra, até a sugestão do caderno Quilombolas (vejao trabalho completo no site do Diario, digitando “quilombolas”no sistema de busca).

A Folha de Pernambuco também tem abordado com mais fre-qüência a questão racial e com enfoque diferenciado. No dia 9 demarço, as dificuldades na implementação da Lei 10.639/03 foitema de matéria do caderno Grande Recife. Em tom crítico, otexto questiona o fato de que, seis anos depois de sancionada,ainda não é cumprida a legislação que obriga à inclusão da história

e cultura afrobrasileira nos currículos escolares. A matéria dá voza uma estudante do ensino médio, negra, que avalia: “muita gentetem vergolha, mas eu acho que é porque não conhece a históriabonita e interessante do nosso povo”. Assim, o jornal informa aseus leitores que a informação é a melhor arma contra o precon-ceito. Em fevereiro do ano passado, a Folha já havia abordado oracismo institucional numa série de reportagens em lembrança aoDia Internacional da Mulher.

Cumprindo sua função social, a TV Universitária também temaberto as portas para o tema. Em 2007, realizou uma série dematérias especiais em comemoração à Semana da ConsciênciaNegra, além de divulgar vídeos e comerciais relacionados ao temado racismo institucional. No geral, as iniciativas ainda são peque-nas e isoladas, mas mostram que a Imprensa começa a dar ouvidosàs demandas da população negra.

Renata Beltrão

ENTREVISTA

Abióloga Fer-nanda Lopestemumexten-so trabalhorelacionadoàquestãoderaça egêneronos serviços desaúde, emes-

pecial noquediz respeito adoenças se-xualmente transmissíveis. Hoje oficial doProgramaemSaúdeReprodutiva eDireitos do FundodePopulaçãodasNaçõesUnidas, Fernanda já coordenouasações de saúdedoProgramade CombateaoRacismo Institucional (PCRI).

Comoo racismo seapresentanaquestãode raça egênerono campoda saúde?Primeiro é importante saber que o processosaúde-doença não é destino. A condição desaúde é influenciada por um conjunto defatores que são de ordem biológica, mastambém de ordem econômica, política, cul-tural, ambiental. Na vigência do racismo, nanegação do pertencimento de pessoas negrasà sociedade, a condição de saúde delas tam-bém será afetada. E quando falamos de mu-lheres negras, que trazem consigo experiên-cias marcadas pela discriminação tanto racialquanto de gênero, o impacto é muito maior.Reflexos negativos desse impacto podem semanifestar no estresse cotidiano, na negaçãodo pertencimento, na baixa qualidade daatenção recebida por parte do serviço desaúde. Tudo isso pode gerar danos psicológi-cos, psíquicos, sofrimento mental. Algumasdoenças prevalentes, como a hipertensão,

podem ter o tratamento dificultado em fun-ção das condições de ambiente, que incidemde forma diferente entre mulheres não-ne-gras e mulheres negras.

Háalgumaexperiência positiva e relevantequepossa ser replicada?É importante marcar que existe uma políticanacional de saúde integral da população ne-gra a partir da qual estados e municípios as-sumem responsabilidades para que as metasdefinidas pela esfera federal possam ser cum-pridas. Alguns municípios vêm implemen-tando essa política, como Recife e Olinda,no caso de Pernambuco; Salvador e Laurode Freitas, na Bahia; o município de SãoPaulo, mas sobretudo o Estado de São Pau-lo, que tem uma política estadual de saúdeintegral da população negra aprovada e emfase de implementação.

Anecessidadede implantar essa política já estáinternalizadapelos profissionais de saúde?Esse é um grande desafio. Para que ela sejaefetiva, é preciso a sensibilidade e o com-promisso dos gestores, é preciso que asociedade como um todo saiba da existên-cia desse instrumento para poder cobrar suaimplementação. Mas é preciso um investi-mento grande naqueles que fazem com quea política seja operacionalizada: médicos,enfermeiros, auxiliares, agentes comuni-tários de saúde, assistentes sociais, fisioter-apeutas, psicólogos - todos os que devemcompreender o peso do racismo e de outrasfacetas da discriminação, como a de gênero,na condição de saúde das pessoas atendidas.Se o profissional considera que o paciente

faz parte de um grupo com característicasnegativas, então o que for oferecido a ela,mesmo de má qualidade, não fará diferen-ça. Muitas vezes os profissionais de saúdeou de qualquer outra área atuam dessaforma - e é assim que nós percebemos amanifestação do racismo - porque não rece-beram uma formação adequada.

Você considera que a implementação da Lei10.639/03 pode influenciar positivamente noatendimento prestado à população negra?Sim. São duas vias possíveis de impacto.Primeiro, as pessoas que estão nos ensinosfundamental e médio vão se enxergar deuma forma diferente porque, uma vez quea história de seus ancestrais é contada, elascomeçam a se perceber como um sujeitode direitos. Na medida em que os usuáriossão conhecedores de seus direitos, elesexigem uma qualidade diferenciada doserviço. Isso também influencia a atuaçãodos profissionais. Eles serão convidados arepensar os seus atos e algumas coisasaprendidas na escola e na faculdade queeram recheadas de preconceitos, de estig-mas, estereótipos. Coisas que não fazemsentido, mas que influenciam a qualidadedo serviço ofertado porque nunca tinhamparado para pensar. É uma troca, umacomplementaridade. Tudo na saúde -cuidar, prevenir doenças, tratar, reabilitar -é um ato de troca. Mas só há troca quandovocê está aberto para isso. A troca pres-supõe reflexão, reorientação, recondução.Discutir o racismo institucional na saúdepressupõe avaliar toda a construção, anormatização, os processos do setor.

Arquivo pessoal

FERNANDA LOPES Vejaaentrevista completano site:www.mp.pe.gov.br/index.pl/gt.

120 ANOS DA ABOLIÇÃO

GT RACISMO - NÚMERO 13 - MARÇO 2009 - 36 - GT RACISMO - NÚMERO 13 - MARÇO 2009

Embalado pelas teorias eugênicas que fizeramsucesso nomeio científicomundial no início doséculo passado, o Estado brasileiro empreende umarevolução no sistema educacional entre os anos de1917 e 1945. O objetivo: promover o branqueamen-to simbólico da população, utilizando a escola comoveículo para a divulgação das práticas e hábitostidos como civilizados. O livro do pesquisador JerryD’Ávila traz uma análise supreendente sobre este

período da história brasileira, lembrando que o dis-curso da democracia racial foi construído sob aexpectativa de que amiscigenação promovesse ogradual embranquecimento do nosso povo. O estu-domostra, ainda, as bases sólidas e politicamenteconstruídas sobre as quais se firmam o racismo ins-titucional nas escolas brasileiras, mostrandomaisuma vez a necessidade da adoção de ações afirma-tivas para a redução das desigualdades sociais.

DICA DE LEITURA

DIPLOMA DE BRANCURAJerry D’Ávila - Editora Unesp - R$ 60,00

Em lembrança aos 120 anos da abolição, com-pletados em 2008, o Instituto de Pesquisa Eco-nômica Aplicada (Ipea) lançou uma publicaçãocompilando um conjunto de estudos enfocandoos diversos aspectos da questão racial no Brasil.Dividida em sete capítulos, a publicação deno-minada “As políticas pública e a desigualdadesocial no Brasil 120 anos após a abolição” abor-da a formação do mercado de trabalho brasi-leiro a partir do passado histórico; discrimi-nação racial e a ideologia do branqueamento a

partir da abolição. O livro também aborda aquestão da mobilidade social em diferentesperspectivas, em um capítulo baseado na tra-jetória dos estudos relacionados ao tema. Osdados mais recentes da Pesquisa Nacional porAmostra de Domicílios (Pnad) também têmlugar na publicação. No penúltimo capítulo háum apanhado sobre as políticas públicas emandamento no País. O livro pode ser solicitadogratuitamente ao Ipea, bastando o envio de ume-mail para o endereço [email protected].

Onze mulheres negras>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>

Foi numa conversa de fim de tarde,debaixo de uma jaqueira, que onze mu-lheres negras traçaram o destino de todauma comunidade no Cabo de SantoAgostinho. Cientes dos problemas queenfrentavam - da falta de energia elétrica àausência de um posto de saúde - elasdecidiram fundar uma associação demoradores que hoje é referência nacional.Sim, porque não estamos falando de umacomunidade qualquer, mas de uma comu-nidade quilombola. Tão invisível na épocacomo tantas outras, a localidade na RegiãoMetropolitana do Recife era esquecida dopoder público até que a força de suaslíderes começou a mudar esta história. E épelo sucesso conseguido que, no mês damulher, o GT Racismo presta uma home-nagem à comunidade Onze Negras.

A começar do nome, tudo em OnzeNegras faz referência à atuação de suasmulheres. A comunidade já teve outrasdenominações, mas foi essa, ligada ao des-pertar para uma organização política, quede fato pegou. Muito antes do surgimentoda associação dos moradores, o grupo demães da comunidade era a organizaçãopolítica mais forte do local. Foi o grupoque conseguiu com que a prefeituraabrisse um acesso da comunidade àrodovia BR-101, tirando aquela popu-lação do isolamento geográfico quaseabsoluto. Depois, conseguiram que aCelpe instalasse um transformador emcada um dos três lotes de terra, dando fimàs constantes quedas de energia. E foi tam-bém o grupo de mães que batalhou paraque a escola comunitária fosse reconhecida

pelo Ministério da Educação e passasse areceber recursos para distribuir merendaregularmente.

A Associação foi fundada de fato em1999, como conseqüência natural do tra-balho já desenvolvido pelas líderes comu-nitárias. Algumas das fundadoras já fale-ceram. Mas para manter esta recentetradição, todas foram substituídas tam-bém por mulheres. Negras como AntôniaMaria da Conceição, matriarca da comu-nidade, cuja história não deixa esquecerque a escravização continua no Brasil,apesar da Lei Áurea. Nascida em 1901,Mãe Véia foi vendida aos 12 anos pelopróprio pai. Faleceu em 2000 deixandoonze filhos, oitenta netos, cinqüenta bis-netos e quarenta e cinco tataranetos. Paraque não seja esquecida, a creche da

RACISMO LEVADO A

DEBATE NO CNPGFoi dado o primeiro passo para que o enfrentamento ao racismo se

torne uma preocupação do Ministério Público em todo o País. Emnovembro passado, no encerramento da Semana da Consciência Ne-gra, o MPPE defendeu junto ao Conselho Nacional de Procurado-res-Gerais (CNPG) a necessidade de que a discriminação racial sejatratada institucionalmente. A apresentação foi feita pela coorde-nadora do GT Racismo, procuradora Maria Bernadete Martins deAzevedo, representando o procurador-geral de Justiça, Paulo Varejão.Mostrando dados de pesquisas sobre o racismo, Bernadete conseguiusensibilizar os procuradores-gerais.A reunião do Conselho aconteceu em Fortaleza, capital cearense,

e também contou com a presença da promotora Helena Capela,integrante do GT Racismo. A pauta foi solicitada pelo MPPE em

atendimento a uma demanda do movimento negro do Ministériode Educação. Como sugestão, Bernadete solicitou que os procu-radores-gerais passem a pensar a inclusão social com o recorteracial; que escutem os movimentos sociais; e que incluam a legis-lação anti-racista no conteúdo programático dos concursos paramembros e servidores do Ministério Público.

Bernadete Azevedo defendeu atuação institucional do MP

CONSELHO BRITÂNICO CONHECE TRABALHO DO GTEmbora o problema do racismo tenha surgido na Inglaterra ape-

nas há cerca de 40 ou 50 anos, em decorrência das ondas de imi-gração, o debate naquele país já existe há muito mais tempo doque no Brasil, que viveu quase 400 anos de regime escravista. Aconsideração foi feita pelo vice-presidente do Conselho Britâ-nico, Gerard Lemos, em visita ao Ministério Público dePernambuco (MPPE). Lemos veio à instituição especialmentepara conhecer a atuação do Grupo de Trabalho sobreDiscriminação Racial (GT Racismo), que existe desde 2002,reunindo membros e servidores da instituição. Lemos foi recebido pelo GT Racismo e pela secretária-geral

Fotos: Renata Beltrão