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176-
8463
Dossiê Bio terapia nutricional na doença renal crônica
Sementes encapsuladas arquitetura e escassez de recursos naturais
A milenar cultura do chá e seus benefícios à saúde12
Imagem
Causas e consequências
de tanta insatisfação
corporal
nest
lé
Ivan F. ZuritaPresidente da Nestlé Brasil
Direção Editorial: Ivan F. Zurita, Izael Sinem Jr. e Célia Suzuki
Consultor Editorial: Claudio Galperin
Conselho Consultivo: Pedro Simão
Colaboradores: Juliana Lofrese, Maria Helena Sato, Anne Donnet, Jennifer Dean, Cédric Horton, Roberto Sato, Felipe Abramides
Editor: Claudio Galperin Jornalista-responsável: MTb 12.834 Assistente Editorial: Maria Fernanda Elias Llanos Assistente de Redação: Betina Galperin
Edição de Arte, Produção Gráfica e Pré-Media: D’Lippi Design+Print — (11) 3031.2900 — www.dlippi.com.br Edição de Arte: Paulo Primati e Ricardo Borges
Arte-final: Ricardo Lugo Fotografia: Hans Georg, Iwan Baan, Marcos Fachini, Michigan State University, Philippe Prêtre (APG image Ltd - Swiss Media Center), Ricardo Teles
e Shutterstock Ilustração: Félix Reiners, Maurício Negro e Tati Móes Capa: Maurício Negro Revisão: Eliete Soares Impressão: Mattavelli Tiragem: 40.000 exemplares
Conhecimento compartilhado
A revista Nestlé.Bio é um produto informativo da Nestlé Brasil destinado a promover pesquisas e práticas no campo da ciência da nutrição realizadas no país e no exterior, sob os cuidados de um criterioso processo editorial. Alinhada ao histórico papel da Nestlé no apoio à difusão da informação científica, a revista abre espaço para a diversidade de opiniões, que consideramos ser essencial para o intercâmbio de ideias e conceitos inovadores. As declarações expressas na revista não refletem necessariamente o posicionamento institucional da companhia com relação aos temas tratados.
editorial
Neste número da Nestlé.Bio, o leitor poderá conhecer o Simpósio Internacional Nestlé de Nutrição, que, em sua
última edição, contou com dois prêmios Nobel e abrigou o importante debate sobre políticas públicas que levam
em conta o estado da saúde, da economia e da nutrição.
No Dossiê Bio, a nutricionista Lilian Cuppari, Professora afiliada da disciplina de Nefrologia da Universidade Federal
de São Paulo (UNIFESP) e a nutricionista Flavia Baria nos trazem os mais recentes avanços na terapia nutricional
das doenças renais crônicas.
Em Ponto de Vista, Maria Rita Marques de Oliveira, Professora do Instituto de Biociências e da Faculdade de Ciên-
cias Farmacêuticas da Universidade Estadual Paulista (UNESP), e a Doutora em Alimentos e Nutrição Lilian Galesi
registram como a capacidade funcional pode constituir um indicador do estado nutricional em idosos.
Em Palavra, a acadêmica Marle dos Santos Alvarenga nos fala de sua experiência no estudo dos distúrbios da
imagem vinculados a transtornos alimentares e suas consequências para a saúde.
Na seção Leitura Crítica, os Doutores Fábio Cardoso de Carvalho e Raquel Bedani discutem, respectivamente, uma
possível mudança de paradigma na história natural da aterosclerose e uma nova perspectiva para a saúde huma-
na a partir da modulação, pela dieta, da microbiota intestinal.
Finalmente, em Sabor e Saúde, nos juntamos a estudantes de Nutrição e de Turismo da Universidade de São Paulo
(USP) para uma visita guiada ao Mercado Municipal de São Paulo — ponto de encontro para sabores, aromas,
aprendizado em nutrição e, até mesmo, fabulações sobre o Manifesto Antropofágico de Oswald de Andrade e o
Movimento Modernista brasileiro.
Graças a todos os profissionais de saúde que compartilham conosco seu conhecimento, uma boa leitura a todos.
Sou nutricionista há 25 anos. Imagi-nem quantas publicações da área já recebi! E agora me percebo ansiosa esperando a revista de vocês chegar pelo correio. O que mais me atrai é a profundidade dos artigos. Mesmo quando curtos, não são rasos. E as ilustrações, as personalidades se-lecionadíssimas, o bom humor nas abordagens, as citações bibliográfi-cas, tudo irretocável! Parabéns. Neusa Silvana Stoffel. Novo Hamburgo (RS).
Gostaria de parabenizá-los pela exce-lente fonte de informação que vocês estão proporcionando a nós, profissio-nais de nutrição, com matérias atuali-zadas, objetivas, que muito contribuem para a reciclagem profissional. Lívia Garcia Mangieri. Salvador (BA).
Gosto muito das reportagens da Nestlé.Bio. Os assuntos são atuais e os convidados muito expressivos na área da saúde e nutrição. Rece-bo seus exemplares periodicamente, mas me faltou a edição com a primei-ra parte do artigo Terapia nutricional da insuficiência hepática, um as-sunto que trabalho com minhas alu-nas. Gostaria de solicitá-la. Parabéns à Nestlé pela publicação! Zilda de Albuquerque Santos, Supervisora da Clínica de Nutrição e Docente do Curso de Nutrição do Centro Universitário Metodista IPA. Porto Alegre (RS).
Aguardamos seus comentários e sugestões para o e-mail [email protected] ou para a caixa postal 11.177, CEP 05422-970, São Paulo (SP), com seu nome completo, registro profissional, local de trabalho e cidade de origem.
38resultadoUnindo gastronomia e inclusão social, a Gastromotiva amplia o conceito de Economia Verde.
ÍNDICEintercâmbio ne
stlé
04capaMarle dos Santos Alvarenga, nutricionista do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, fala sobre estudos que abordam a insatisfação com a imagem corporal.
12conhecerEm simpósio organizado pela Nestlé, cientistas e lideranças mundiais discutem como transformações econômicas e sociais afetam o estado nutricional de diferentes grupos populacionais.
17 dossiê bioAs nutricionistas Flavia Baria e Lilian Cuppari, filiadas à Universidade Federal de São Paulo, publicam a primeira parte do artigo Terapia Nutricional na doença renal crônica.
22calendárioConfira os próximos encontros, congressos e simpósios voltados para temas ligados à nutrição.
42sabor e saúdeSob um mesmo teto, o prazer de comer, lições de nutrição e um encontro com Oswald de Andrade e o Modernismo brasileiro.
46leitura críticaEstamos diante de uma mudança de paradigma em relação à aterosclerose? A manipulação da microbiota intestinal pode atenuar doenças e promover saúde? Confira estes temas na seção Leitura Crítica desta edição.
23 ponto de vistaMaria Rita Marques de Oliveira e Lilian Galesi, da Universidade Estadual Paulista, discutem como a capacidade funcional pode constituir um indicador do estado nutricional entre idosos.
24nutrição e culturaO pavilhão britânico da Expo Xangai, com sementes encapsuladas expostas ao sol, estabelece um diálogo entre a arquitetura e a escassez de recursos naturais.
29qualidadeO novo Molico TotalCálcio fornece 100% das recomendações diárias de cálcio em apenas dois copos, além de ser rico em vitamina D.
32focoO encontro da milenar cultura de beber chá com estudos contemporâneos sobre seus potenciais benefícios à saúde humana.
palavra
Existem na literatura várias definições para o termo
imagem corporal, assim como discussões sobre as
mudanças que a natureza dessa imagem podem so-
frer ao longo da história e variar entre as diferentes
culturas [1]. Os estudos nessa área buscam enten-
der quais são os fatores que exercem papel no de-
senvolvimento e na manutenção dos distúrbios da
imagem e dos transtornos alimentares, assim como
suas consequências para a saúde [2].
entrev i sta _ Maria Fernanda Elias Llanos
fo to _ Ricardo Teles
i l us traç õ e s _ Maurício Negro
A palavra de Marle dos Santos Alvarenga
A insatisfação com a imagem corporal pode levar à adoção de com-
portamentos nocivos à saúde na tentativa de se adequar ao mode-
lo de beleza idealizado, mas muitas vezes distante do saudável. De
modo geral, as mulheres apresentam nível de insatisfação corporal
maior do que os homens, assim como maior prevalência de transtor-
nos alimentares. Estudos apontam a associação entre insatisfação
corporal e sintomas depressivos, estresse, baixa autoestima, maior
restrição alimentar e limitações quanto à prática de atividade física e
outras ações em que ocorre a exposição do corpo [2].
com a imagemInsatisfação
corporal
6 palavra
mulheres deseja mudar algo em sua aparência, espe-
cialmente o peso, pois vivemos em uma cultura que
alimenta a insatisfação; as mensagens e imagens re-
cebidas por elas trazem a “necessidade” de mudar, de
“melhorar”. A mensagem geral é: você não pode estar
bem da forma que está, transforme-se.
Quais são as principais consequências disso para o
indivíduo?
A insatisfação com a imagem corporal pode levar à
adoção de comportamentos perigosos na tentativa
de modificar o peso e a aparência. Podem ocorrer
desde problemas emocionais, como depressão, até
isolamento social.
Quais fatores influenciam o desenvolvimento de
distúrbios da imagem corporal?
Os distúrbios podem ser relacionados ao componente
perceptivo da imagem corporal (se ver diferente da-
quilo que se é) e ao componente atitudinal (ter pen-
samentos, sentimentos e comportamentos inadequa-
dos em relação ao corpo e à forma). Fatores como os
biológicos, psicológicos e familiares também exercem
influência, assim como cultura e mídia. Esses mes-
mos fatores estão também implicados nos problemas
de comportamento alimentar. Entretanto, pode-se di-
zer que o principal fator hoje seja o sociocultural, pois
somos fortemente influenciados pelo ambiente onde
vivemos, e, se nos dizem a todo momento que preci-
samos ser mais magros, mais fortes, torneados, sem
rugas, jovens e belos, é muito fácil sentir-se insatisfei-
to e ter sentimentos e pensamentos inadequados em
relação ao corpo.
Qual é a definição mais aceita para o termo “imagem
corporal” e por que estudar este tema?
A definição mais aceita é a de Slade, que afirma que a
imagem corporal é a imagem que o indivíduo tem em
sua mente do tamanho e formas do seu corpo, bem
como os sentimentos associados a essas caracterís-
ticas [3]. É importante estudar imagem corporal por
sua relação com saúde física e mental, pela magnitu-
de da insatisfação corporal nos dias de hoje — mes-
mo em crianças e adolescentes — e por ser um im-
portante fator de risco para transtornos alimentares.
A mulher ocidental contemporânea parece cada vez
mais insatisfeita com a sua imagem corporal...
Sim, vários estudos apontam neste sentido, além de
isso ser perceptível no discurso das mulheres. O ter-
mo “descontentamento normativo” é utilizado para
se referir a essa realidade, na qual a insatisfação
não é a exceção e sim a norma. A grande maioria das
O termo "descontentamento normativo" se refere a uma realidade na qual a insatisfação não é uma exceção, mas a regra. Pode levar à depressão e ao isolamento social
Atento a essas questões, um grupo de pesquisadoras
da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade
Federal de São Paulo (UNIFESP) conduziu um estudo
com jovens universitárias de 37 instituições de educa-
ção superior, nas cinco regiões do Brasil. O objetivo foi
o de avaliar a insatisfação corporal desta população e
suas possíveis associações e correlações.
A nutricionista Marle dos Santos Alvarenga, integrante
do grupo, que também atua no Instituto de Psiquiatria
do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
USP, compartilha sua experiência com os leitores da
Nestlé.Bio e comenta sobre a metodologia e os resul-
tados desta pesquisa.
palavra 7
E como avaliar a insatisfação corporal?
Algumas escalas foram desenvolvidas para medir a
satisfação corporal, como a Body Shape Questionnaire
(BSQ) e a Body Attitude Questionnaire (BAQ). Es-
calas de Silhuetas também permitem a avaliação
de forma simples e rápida, como as de Stunkard e
Kakeshita — recentemente validadas para a popula-
ção brasileira. A medida ocorre por meio da diferen-
ça entre o corpo atual e o corpo referido como ideal.
Todos os instrumentos apresentam limitações e sua
utilidade dependerá dos objetivos da pesquisa em
questão. É preciso checar se foram validados para
o público-alvo e quais dimensões da satisfação cor-
poral serão avaliadas [4,5,6,7].
Qual ferramenta foi utilizada na pesquisa “Insatisfa-
ção com a imagem corporal em universitárias brasi-
leiras” e por que o grupo optou por utilizá-la?
Fizemos uso da Escala de Silhuetas de Stunkard,
um dos primeiros instrumentos disponíveis na área
de pesquisa sobre imagem corporal e amplamente
utilizada. A escala possui algumas limitações, como
uma representação pequena de figuras, quando se
leva em conta o fato de ter relação direta com ca-
tegorias do estado nutricional. Ela foi escolhida por
sua simplicidade de aplicação e porque um trabalho
brasileiro concluiu que é adequada e válida para
estudo sobre imagem corporal na população femini-
na nacional. Além disso, na época, as Silhuetas de
Kakeshita ainda não estavam validadas e publica-
das no Brasil [2,7].
Ainda sobre a pesquisa, por que considerar apenas o
gênero feminino no grupo amostral?
Estudamos jovens do sexo feminino quanto às atitu-
des alimentares e imagem corporal porque se sabe
que estes problemas são mais prevalentes nessa
população. Mas os homens também podem ter im-
portante insatisfação corporal e estudos recentes
apontam nesta direção. A diferença é que, muitas
vezes, os homens querem ser maiores do que suas
figuras atuais — uma vez que o modelo de beleza
masculina “exige” músculos salientes e força. En-
tretanto, assim como as mulheres, muitos jovens
também desejam ser mais magros e são insatisfei-
tos com seus corpos, sofrendo os mesmos riscos
que a população feminina [2].
8 palavra
O que era visto como padrão de beleza no passado e
o que se almeja hoje?
O padrão do século passado era o de uma mulher
com mais curvas e um homem menos musculoso.
Atualmente, para serem belas, as mulheres devem
ser magras, muito magras, e os homens devem ter
o “torso em V” e “barriga tanquinho”. Os padrões de
beleza sempre mudam e o problema não é o padrão
atual, até porque com a diversidade de corpos e de
formas qualquer padrão único seria injusto. O pa-
drão de beleza atual se caracteriza por ser, prova-
velmente, aquele mais difícil de alcançar e o mais
paradoxal: as pessoas nunca foram tão estimuladas
a comer (pela disponibilidade e oferta de alimentos,
tamanho das porções, comunicação intensa) e nun-
ca se pediu que elas fossem tão magras!
Por que a busca por uma imagem idealizada se con-
funde cada vez mais com o combate ao sobrepeso e
à obesidade?
Porque o ideal proposto muitas vezes é irreal. Aquilo
que se divulga hoje como uma mulher em boa forma
normalmente equivale a um peso abaixo do mínimo
saudável e as supostas imperfeições são corrigidas
por programas de computador. Basta comparar o
índice de Massa Corpórea (IMC) de mulheres consi-
deradas ícones de beleza do século passado, como
Marta Rocha e Marilyn Monroe, que era em torno de
20-21, com o das celebridades chamadas de padrão
de beleza hoje (abaixo da linha mínima de 18,5).
Alguns acreditam, erroneamente, que a magreza deva
ser estimulada e até idolatrada, em razão dos níveis
atuais de obesidade. Na verdade, o que deve ser
O IMC de ícones de beleza do século passado era
em torno de 20-21, hoje encontra-se abaixo de 18,5
palavra 9
estimulado são os bons hábitos: alimentação saudá-
vel e prática regular de atividade física. Pessoas com
hábitos saudáveis são saudáveis e não é apenas o
peso que determina isso. Estipular metas irreais faz
com que as pessoas se sintam frustradas, aumentan-
do a insatisfação corporal e levando muitos a desisti-
rem de tentar algo mais saudável, pois sentem que a
meta é impossível de ser atingida.
Qual é o nível de insatisfação corporal dos brasi-
leiros quando comparado à população de outros
países?
Diversos estudos apontam que a insatisfação corpo-
ral em mulheres jovens é alta. Uma pesquisa recém-
publicada realizada em 26 países concluiu que a insa-
tisfação corporal é lugar-comum ao redor do mundo.
Outros trabalhos nacionais também encontraram
níveis altos de insatisfação. O que o nosso mostra de
novidade é que esta insatisfação é generalizada para
todas as regiões do Brasil e não está relacionada ao
peso corporal, uma vez que mesmo as eutróficas de-
sejavam ser menores (dos 64,4% de universitárias
brasileiras que desejavam ser menores em algum
grau, 70,6% eram de eutróficas) [2,8].
Em que região do país ocorre maior índice de insatis-
fação? Renda e idade são variáveis significativas?
Surpreendentemente, a insatisfação maior foi encon-
trada na Região Norte do país. Digo supreendentemente
porque se imagina, de modo geral, que estas questões
são mais importantes nas regiões mais desenvolvidas
do país, o que não parece ser verdadeiro. Quanto à ida-
de, em análise da resposta de qual figura as universitá-
rias chamavam de ideal e saudável em relação ao seu
estado nutricional, as mulheres mais velhas escolhe-
ram figuras menores. Não houve diferença significati-
va na escolha para a variável renda [2].
É correto interpretar que as pessoas estão dispostas
a abrir mão da saúde na busca pela imagem ideal?
Sim, infelizmente as razões para as pessoas cuida-
rem de seu peso e corpo são normalmente estéticas
e não sanitárias. O nosso estudo comparou o “eu ideal”
com o “eu saudável”, e, em média, as estudantes es-
colheram como do tipo saudável figuras maiores do
que as que escolheram como ideal. O aumento dos
transtornos alimentares e a adesão a dietas “mila-
grosas” e outras técnicas alternativas na busca por
perda de peso ou “melhora da aparência” mostram
justamente que, muitas vezes, a aparência importa
mais do que a saúde. Novamente, ocorre uma distor-
ção do que é mais importante quando todas as ce-
lebridades magras são apresentadas como “em boa
forma” e quando mulheres normais são chamadas de
“cheinhas” [2].
E como reverter esse quadro generalizado de insatis-
fação e busca por um ideal que não é o saudável?
Seria preciso que os meios de comunicação exibis-
sem imagens dos vários padrões de corpos para que
as pessoas pudessem entender que eles também
podem ser bonitos e saudáveis e terem expectativas
de pesos mais reais. É possível também fazer um tra-
balho sobre educação em mídia para que as pessoas,
especialmente os jovens, vejam as mensagens de
forma mais crítica. Os profissionais de saúde devem
contribuir tendo como foco real a saúde e os compor-
tamentos saudáveis, e não peso e estética.
A insatisfação é generalizada para todas as regiões do Brasil, mesmo entre as mulheres eutróficas
10 palavra
Existe a tendência de escolher os alimentos para
consumo levando em consideração apenas a contri-
buição nutricional?
Este é um foco atual. O alimento passou a agregar
também o “regime das pessoas” e especialmente,
desde a década de 1980 no Brasil, a questão das
dietas trouxe o foco para as calorias. Isso apenas
se intensificou com o tempo, mas não trouxe ne-
nhuma diminuição da obesidade e contribuiu para o
aumento dos transtornos alimentares. São muitos
os aspectos considerados nas nossas escolhas ali-
mentares, dentre eles o nutricional e o energético.
Entretanto, se este for o único ou principal ponto da
escolha alimentar, é sinal de que algo está errado
e que a pessoa tem uma relação inadequada com
os alimentos, podendo evoluir para um transtorno
alimentar.
Ter vontade de consumir determinado alimento,
mesmo sem sentir fome, é considerada uma atitu-
de adequada?
Claro que sim. Afinal, o ser humano não come ape-
nas por razões biológicas. Precisamos saciar a fome
e consumir nutrientes, mas carecemos também de
prazer, de satisfação, de celebração, de conforto —
e a comida representa tudo isso para o ser humano.
Claude Fischler, sociólogo francês, diz que: “O homem
é um onívoro que se alimenta de carne, vegetais e do
imaginário: a alimentação conduz à biologia, mas não
se reduz a ela; o simbólico, os signos, os mitos, os
fantasmas também alimentam e concorrem para re-
grar nossa alimentação”.
O que é o Modelo de Competência Alimentar de Satter,
utilizado em intervenções nutricionais?
O modelo de Satter tem como premissa que as atitudes
alimentares devem ter consonância com experiências
internas e externas, incluindo uma expectativa relaxa-
da das recompensas de prazer por meio da alimenta-
ção. Ele afirma que os comedores competentes têm
atitudes positivas sobre a alimentação; são capazes
de aceitar uma variedade de alimentos, em razão de
suas habilidades de regulação interna, que permitem
intuitivamente consumir alimento suficiente para ter
energia e vigor e para manter um peso estável (e não
em razão de prescrições externas); bem como capa-
zes de administrar o contexto alimentar harmonizando
desejos e escolhas [9].
A insatisfação corporal afeta diretamente o prazer
de comer?
Sim, pois, quando se tem uma relação ruim com o
corpo, esta relação pode se transferir para a alimen-
tação. O alimento passa a ser visto como um “for-
necedor de calorias” e um “engordante”. Isso ocorre
também quando se fica preocupado com a eventual
capacidade de o comer alterar ou não o corpo. A partir
desse ponto, até as necessidades biológicas podem
ser negadas, mas especialmente o prazer de comer.
O comer (especialmente algo mais saboroso) passa
a ser proibido e fonte de culpa, com o pensamento de
que se deve comer apenas para “satisfazer as neces-
sidades biológicas básicas”. Isso não é saudável e
significa restringir as possibilidades, necessidades e
a amplitude do ser humano.
O homem é um onívoro que se alimenta de carne, vegetais e do imaginário. O simbólico também concorre para regrar nossa alimentação
palavra 11
Os aspectos sociais e psicológicos da alimentação
costumam ser levados em consideração pela ciên-
cia da nutrição?
Infelizmente, de modo geral, não. A ciência da nutrição
normalmente foca apenas os chamados aspectos “pós-
deglutição”, ou seja, no alimento e nas suas funções após
digestão e absorção pelo organismo. Ela dá pouco valor
aos aspectos “pré-deglutição”, que estariam implicados
em cultura, sociedade, experiências, comportamentos e
atitudes alimentares. Os estudos de Paul Rozin, Professor
da Universidade da Pennsylvania, apontam que a relação
que as pessoas têm com o alimento pode influenciar a
sua saúde, uma vez que o prazer e a satisfação podem
contribuir, enquanto o estresse tem um papel antagônico.
Deveríamos estudar e dar mais atenção a esses aspectos
e às atitudes alimentares das populações e não apenas à
composição dos alimentos e das dietas [10].
Na sua visão, qual é o verdadeiro papel do alimento
para o ser humano?
O alimento não pode ser fonte de culpa, medo, obses-
são e paranoia. Deve sim ser um facilitador de rela-
ções, elemento de festa, prazer, conforto, expectativa
positiva, boas memórias, demonstração de afeto.
A comida tem funções simbólicas tão importantes
quanto as funções nutricionais. E acredito que é pa-
pel do nutricionista defender a tese de que as neces-
sidades nutricionais devem ser atingidas juntamente
com as necessidades culturais e simbólicas.
(1) Featherstone, M. Body, Image and Affect in Consumer Culture. Body & Society 2010;16:193. (2) Alvarenga, M.S., Philippi, S.T., Lourenço, B.H, et al. Insatisfação com a imagem corporal em universitárias brasileiras. J. bras. psiquiatr. 2010; 59(1): 44-51. (3) Slade PD. What is body image? Behav Resear Ther. 1994;32(5):497-502. (4) Di Pietro, M.C. Validade interna, dimensionalidade e desempenho da escala BSQ – “Body Shape Questionnaire” em uma população de universitários. [dissertação]. 2001.
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Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2008. (7) Stunkard, A., Sorensen, T., Schulsinger, F. Use of the Danish adoption register for the study of obesity and thinness. In: Kety, S. et al. The genetics of neurological and
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international body project I. Pers Soc Psychol Bull. 2010 Mar;36(3):309-25. (9) Satter, E. Eating Competence: Definition and Evidence for the Satter Eating Competence Model. J Nutr Educ Behav. 2007;39:S142-S153. (10) Rozin, P., Fischler, C., Imada, S., et al. Attitudes to food and the role of food in life in USA, Japan, Flemish Belgium and France: possible implications for the diet-health debate.
Appetite 1999, 33, 163-180.
rEfErênCIAS
Diversidade acadê mica por um
12 conhecer
Membros da Diretoria do Conselho de nutrição da nestlé atentos às considerações finais do sr. Paul Bulcke, CEO da empresa, na cerimônia de encerramento do Simpósio
conhecer
por _ Teodoro Holck
fo to s _ Philippe Prêtre (APG image
Ltd - Swiss Media Center)
Uma vez por ano, no outono eu-
ropeu antes de a neve congelar a Suíça,
cientistas, economistas e intelectuais de
várias áreas de atuação reúnem-se em
Lausanne em simpósio de pesquisa or-
ganizado pela nestlé. num formato mais
dinâmico e menos carregado do que os
fóruns mundiais organizados pelas or-
ganizações políticas, o evento pode não
levar a deliberações no plano diplomáti-
co, mas, desde a primeira edição há seis
anos, prova que consegue pôr em pauta
assuntos de primeira ordem.
Enquanto não começa a edição deste ano do Nestlé Inter-
national Nutrition Symposium (Simpósio Internacional nestlé
de nutrição), agendada para outubro, economistas, biólogos,
nutricionistas e outros profissionais de saúde vêm colocando
em prática o que discutiram no último encontro — focado no en-
trelaçamento multidisciplinar de saúde, economia e nutrição.
Para os participantes, este tripé foi identificado como a base do
desenvolvimento sustentável.
Por lá estiveram personalidades de peso como o Diretor
da escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard (EUA)
e ex-ministro mexicano da Saúde Julio frenk; o Professor da
escola de relações Públicas e Internacionais da Universidade
de Princeton (EUA), Uwe reinhardt; o Professor da escola de
Administração do Imperial College de Londres, Inglaterra, Peter
Smith; o Professor Paul Gertler, da Universidade da Califórnia,
em Berkeley (EUA); e os norte-americanos vencedores do Prê-
mio nobel de Economia, robert fogel e James Heckman.
São poucas as certezas, mas do intenso debate come-
çam a surgir diagnósticos e esboços de soluções. Acima das
retaliações diplomáticas e patriotismos em jogo, cada gestor de
saúde, economista, entre outros especialistas, fala movido pela
experiência na própria área de atuação, sem se atrelar a ban-
deiras. Desponta um franco debate em prol do desenvolvimento
que, querendo ou não, fica a serviço da produção industrial.
O 6º Simpósio Internacional Nestlé de Nutrição recebe dois prêmios Nobel e promove o debate de políticas públicas que levam em conta o estado da saúde, da economia e da nutrição
Diversidade acadê mica por ummundo melhor
Em linha com o modelo Nestlé de Criação de Valor
Compartilhado [1], este simpósio representa uma con-
tribuição ao debate global, uma vez que todas as pales-
tras proferidas e todo o teor dos debates ficam disponí-
veis online depois do fórum [2]. Qualquer pessoa com
acesso à internet pode conferir a troca de experiências e
teorias compartilhadas a cada ano em Lausanne.
Nesta sexta edição do encontro, o médico brasilei-
ro e Professor de Pediatria da Universidade de Brasília
Dioclécio Campos Júnior acompanhou os debates. “Foi
um evento de altíssimo nível e extremamente produti-
vo”, lembra. “Deixou expectativas de que isso possa vir a
se propagar de alguma maneira e contribuir para o apri-
moramento do sistema de saúde no mundo todo”.
Aberto aos relatos de cada participante sobre ex-
periências bem-sucedidas em suas áreas de atuação, o
simpósio serve de panorama do estado da saúde e da
nutrição no planeta. A partir de exemplos vivos, vislum-
bram-se soluções que podem ser implementadas para
driblar obstáculos à saúde das populações, promover o
aumento da produtividade decorrente de um bem-estar
generalizado e a manutenção da qualidade de vida.
Nesse sentido, o Diretor de Pesquisa e Ciência da
Nestlé, Peter van Bladeren, disse em sua primeira inter-
venção que “se falamos de saúde, falamos também de
nutrição. Em nossa visão, cientistas desta empresa têm
de fazer pessoas saudáveis ainda mais saudáveis”, re-
sumiu. “É um mundo difícil”.
Muito mais difícil de fato do que o simples racio-
cínio que costuma acompanhar reflexões sobre o de-
senvolvimento científico, seu impacto na nutrição e no
surgimento de soluções industriais para a melhora dos
alimentos produzidos em massa. No lugar da ideia de
que crescimento econômico leva ao bem-estar social
de forma quase automática, cientistas presentes ao en-
contro deram uma noção bem mais complexa das inter-
relações entre saúde, nutrição e economia.
Ao mesmo tempo ovo e galinha “Essa relação é vista em geral de forma simples: cres-
cimento econômico promove saúde ao criar infraestrutura
sanitária, melhor nutrição e habitação e melhor acesso a
serviços de alta qualidade”, resume Julio Frenk, Diretor da
escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard. “Mas
novas pesquisas têm demonstrado que boa saúde e nu-
trição não são apenas produtos, mas também condições
para o crescimento econômico sustentável, reduzindo a po-
breza, protegendo bens da família, aumentando a produtivi-
dade do trabalho e melhorando a performance educativa”.
Na visão do Dr. Dioclécio, esses temas são “indis-
sociáveis”. “Não tem como separar nutrição de saúde,
saúde de economia, isso tudo é entrelaçado, sobretudo
14 conhecer
Apresentação do Prof. Uwe reinhardt, da escola de relações Públicas e Internacionais da Universidade
de Princeton (EUA), sobre Economia da Saúde
Qualquer pessoa com acesso à internet pode conferir a troca de experiências e teorias compartilhadas em Lausanne
conhecer 15
na visão mais macroeconômica”, diz o brasileiro. “Um
dos convidados abordou a importância de se investir em
saúde como forma de melhorar a economia”.
Esse convidado era o próprio Frenk. Em sua análi-
se, deu alguns números que ajudam a dar corpo à equa-
ção do desenvolvimento a partir das melhoras na saúde
pública. São dados da Comissão de Macroeconomia e
Saúde da Organização Mundial da Saúde (OEA), criada
há dez anos para estudar o setor. “O relatório dessa co-
missão demonstrou que um aumento de 10% na expec-
tativa de vida ao nascimento é associado a um cresci-
mento econômico anual de 0,3% a 0,4%”, resume. “Essa
descoberta levou a um aumento nos investimentos glo-
bais em saúde e nutrição, mas vimos que vamos preci-
sar não só de mais dinheiro para a saúde, como também
de mais saúde para o dinheiro”.
Primeira infânciaNessa dobradinha de saúde e dinheiro, entra outro
fator de peso. Saúde sozinha não basta para impulsio-
nar o crescimento econômico, como demonstraram as
conferências em Lausanne. Boas condições físicas e
boa nutrição na verdade são só pré-requisitos básicos
para o bom desenvolvimento cognitivo. É a educação
na primeira infância, segundo alguns palestrantes, que
pode alavancar o desempenho acadêmico ao longo da
vida e resultar em posições mais bem remuneradas no
mercado de trabalho.
“A espécie humana aprende a aprender mais nos
seis primeiros anos de vida do que em qualquer outro
período, porém, para isso, ela precisa de saúde adequa-
da e educação, e não apenas de escolarização, mas da
estimulação para o desenvolvimento intelectual”, avalia
Dr. Dioclécio, com base nos depoimentos acompanha-
dos no simpósio. “Não há nada que traga maior retorno
econômico para a sociedade do que o investimento nes-
se período, e os países precisam entender isso”.
Corroboram essa avaliação as observações do
norte-americano James Heckman, atual Diretor do Centro
de Pesquisa Econômica da Universidade de Chicago e um
dos vencedores do Prêmio Nobel de Economia de 2000.
Pesquisas têm demonstrado que boa saúde e nutrição não são apenas produtos, mas também condições para o crescimento sustentável
Prof. Julio frenk, da escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard (EUA), discorre sobre o tema
Saúde, Economia e Políticas Públicas
Prof. Peter van Bladeren, Vice-presidente do nestlé Science & research e Diretor do nestlé research Center, em suas considerações iniciais
16 conhecer
Seu foco tem sido o de reunir estatísticas científicas que
servem de base para a elaboração de políticas públicas
em saúde e economia, além de criar uma série de ferra-
mentas de econometria para monitorar o setor.
Parte fundamental do trabalho de Heckman, por-
tanto, tem como base a medição da performance de
estudantes nessa fase da vida e um cruzamento de da-
dos com suas condições de saúde e nutrição. Com esse
mesmo procedimento, outras pesquisas apresentadas
em Lausanne ajudaram a dar contornos mais claros a
questões específicas do setor de saúde.
Estratégias e desdobramentosPeter Smith, da escola de Administração do Imperial
College, em Londres, mostrou como vem construindo uma
base de dados com informações de saúde e também de
que maneira esses dados podem ser empregados no aper-
feiçoamento do desempenho desse setor, tanto na esfera
pública quanto privada. É uma base também consultada
por legisladores na elaboração de políticas públicas.
Sabendo também que, diante dos desafios do sé-
culo 21, é quase impossível atender a todas as deman-
das financeiras da área da Saúde, Paul Gertler, Diretor
da escola de Gerenciamento de Serviços de Saúde da
Universidade da Califórnia, em Berkeley, desenvolveu
um método para mensurar a performance de trabalha-
dores no setor de Saúde e dispositivos para premiar
aqueles que se destacam no serviço. Segundo sua
análise, esse sistema que reconhece com mais dinhei-
ro o desempenho de maior qualidade tem sido eficaz
na melhora dos serviços oferecidos à população sem
extrapolar orçamentos públicos.
“Um dos problemas que os países enfrentam na
oferta de serviços de saúde é o da escassez de profis-
sionais motivados”, resume Gertler. “Uma alternativa é
premiar trabalhadores desse setor pela performance,
ou seja, pagamentos de incentivo pelas melhoras no de-
sempenho medidas por indicadores de qualidade”.
Gertler cita como exemplo o caso de Ruanda, país
que em 2006 adotou o sistema. “Isso teve um impacto
significativo e positivo nos partos em hospitais e con-
sultas preventivas de crianças pequenas, além de me-
lhorar a qualidade de exames de pré-natal e imunização
de tétano”, conta. “Também vimos melhoras na altura e
no peso das crianças nascidas nesses hospitais”.
Na opinião do Dr. Dioclécio, que participou desse
debate no encontro, trata-se de um dos pontos mais
importantes na agenda também do Brasil, que precisa
melhorar o Sistema Único de Saúde e poderia, segundo
ele, adotar essa mesma estratégia. “Esse foi um dos te-
mas que eu abordei mais”, diz o médico. “Até sugeri ao
Ministério da Saúde que desencadeasse um simpósio
internacional de saúde para discutir o SUS”.
Enquanto os resultados deste encontro seguem
ecoando proposições e desdobramentos em diferentes
realidades do mundo, um novo grupo de especialistas
prepara-se para a sétima edição do Simpósio Interna-
cional Nestlé de Nutrição, em outubro próximo, focada
em nutrição e epigenética [3].
Prêmio nobel de Economia, o Prof. James Heckman, da Universidade de Chicago (EUA), fala sobre a Origem Desenvolvimentista da Saúde do Adulto
rEfErênCIAS[1] www.nestle.com.br/portalnestle/criandovalorcompartilhado/ [2] www.nestle.com/NestleResearch/NewsAndEvents/AllNewsAndEvents/Nestle_Nutrition_Symposium_Nutrition_Health_Economics.htm [3] www.research.nestle.com/Events/7th+ Nestl%C3%A9+International+Nutrition+Symposium+2010.htm
dossiê bio
1. IntroduçãoA Doença Renal Crônica (DRC) é definida como uma síndrome clínica
caracterizada por perda lenta, progressiva e irreversível das funções renais.
Segundo o Guia Norte-americano de Condutas em Nefrologia (NKF/DOQI
– National Kidney Foundation/Clinical Practices Guidelines for Chronic
Kidney Disease),[1] a DRC caracteriza-se pela presença de dano renal ou
redução das funções renais por um período igual ou superior a três meses,
independentemente de sua etiologia.
Dados do último censo realizado nas unidades de diálise do Brasil mos-
traram uma prevalência de 468 pacientes em tratamento dialítico por milhão
de habitantes. Destes, 89,4% estão em programa de hemodiálise e 10,6% em
programa de diálise peritoneal. Chama a atenção o crescimento de 67,2%
TeRAPIA NuTRICIONAlna doença renal crônica
fLAVIA BArIANutricionista,
Mestre em Nutrição e Doutoranda em
Ciências pelo Programa de Pós-Graduação
em Nutrição da universidade Federal de
São Paulo - uNIFeSP
LILIAn CUPPArINutricionista,
Professora Afiliada da Disciplina de Nefrologia
da universidade Federal de São Paulo –
uNIFeSP.Supervisora de
Nutrição da Fundação Oswaldo Ramos –
órgão suplementar da uNIFeSP
Em razão da importância e da extensão deste tema, o artigo foi dividido em duas partes. Nesta edição, ele prioriza a avaliação do paciente. Na próxima edição da Nestlé.Bio, ele discutirá, em detalhes, aspectos ligados à terapia nutricional.nOtA DO EDItOr
18 dossiê bio
no número de pacientes em diálise entre 1999 e
2008 [2]. esse aumento pode refletir tanto o maior
acesso ao tratamento dialítico quanto o envelheci-
mento da população e o crescimento do número
de pacientes com doenças que são consideradas
fatores de risco para o desenvolvimento de DRC,
como o diabetes melito, a hipertensão arterial e a
obesidade. A prevalência de DRC na fase não dia-
lítica também é elevada e preocupante. No Bra-
sil, estima-se que mais de 2 milhões de indivíduos
apresentem algum grau de disfunção renal [3].
As principais causas de DRC incluem a
hipertensão, o diabetes melito e as glomerulo-
nefrites. Já as causas menos frequentes com-
preendem os rins policísticos, as pielonefrites,
o lúpus eritematoso sistêmico e as doenças con-
gênitas. Vale a pena ressaltar que, independen-
temente da causa da DRC, a associação com
obesidade, dislipidemia e tabagismo acelera a
sua progressão, culminando com a necessida-
de de terapia renal substitutiva [3]. entretanto,
tanto o diabetes como a hipertensão arterial se
prevenidos, detectados precocemente, tratados
corretamente e acompanhados por uma equi-
pe multidisciplinar dificilmente evoluirão com
complicações tão sérias.
2. Doença renal CrônicaA doença renal pode progredir mesmo na
ausência da causa inicial que determinou a le-
são no rim. Apesar de não se saber com exatidão
de que forma a progressão ocorre, acredita-se
que os glomérulos dos néfrons ainda funcionan-
tes sofreriam, como consequência da redução
do leito capilar glomerular total, uma hiperper-
fusão, com consequente hipertensão intraglo-
merular, hiperfiltração e hipertrofia glomeru-
lar. essas alterações funcionais e morfológicas
determinam modificações na permeabilidade
da membrana glomerular às proteínas, de forma
que o aumento do tráfego de proteínas nos túbu-
los renais estimula a produção renal de fatores
de crescimento, citocinas e hormônios. esses
agentes seriam responsáveis pelos processos de
proliferação celular renal, coagulação intraglo-
merular, recrutamento e proliferação de células
imunológicas, aumento de matriz celular, proli-
feração colágena e fibrose. Outros fatores, como
a hiperlipidemia, a retenção de fosfato, a acidose
e as próprias toxinas urêmicas, parecem estar as-
sociados à progressão da lesão renal.
A DRC pode ser dividida em seis está-
gios, a depender da taxa de filtração glomerular
(TFG) (Tabela 1) [1].
Tabela 1. Estadiamento da DRC [1]
Estágio ClassificaçãoTFG (mL/
min/1,73m2)
0Sem lesão renal – grupos de risco para DRC
≥90
1Lesão renal, com TFG normal ou aumentada
≥90
2 Lesão renal com leve da TFG 89 a 60
3Lesão renal com moderada da TFG
59 a 30
4 Lesão renal com grave da TFG 29 a 15
5Insuficiência renal terminal ou fase dialítica
<15
TFG: taxa de filtração glomerular
O tratamento da DRC é dividido em duas
fases: a fase não dialítica, também conhecida
como tratamento conservador, e a fase de terapia
renal substitutiva ou fase dialítica. O tratamento
conservador compreende os estágios de 1 a 4 da
DRC e tem como objetivos retardar a progressão
dossiê bio 19
da DRC, tratar as complicações decorrentes da
perda de função renal e preparar o paciente para o
início da terapia dialítica. Já o tratamento dialítico
tem a função de substituir parte das funções exer-
cidas pelos rins, tais como promover a depuração
de solutos, remover o excesso de líquido corpóreo
e manter o equilíbrio ácido-básico. Os dois tipos
de tratamento necessitam de um grande número
de modificações dietéticas e dessa forma a orien-
tação nutricional merece atenção especial.
2.1 Aspectos nutricionais
A redução da função renal contribui para
o aparecimento de uma série de alterações sis-
têmicas, metabólicas e hormonais que podem
afetar adversamente o estado nutricional dos pa-
cientes com DRC.
A desnutrição energético-proteica (DeP) é
uma condição que atinge cerca de 37% a 48%
dos pacientes com DRC e apresenta uma estrei-
ta relação com a morbidade e a mortalidade [4].
As causas da DeP são multifatoriais, incluindo
ingestão alimentar insuficiente, hipercatabolis-
mo, inflamação, o procedimento dialítico per se
e acidose metabólica [5].
Apesar da elevada prevalência de DeP
encontrada na DRC, tem-se observado um au-
mento na prevalência de sobrepeso e obesidade
nessa população. estudos têm sugerido que a
adiposidade pode estar associada ao desenvol-
vimento da DRC [6]. Além disso, a obesidade
é um fator de risco tradicional para o desen-
volvimento de doença cardiovascular, que é a
principal causa de morbimortalidade nos pa-
cientes com DRC. Por outro lado, há uma série
de trabalhos que mostram que a sobrevida de
pacientes em hemodiálise aumenta conforme o
índice de massa corporal (IMC), o que confere
à obesidade um caráter protetor [7]. As razões
para este aparente paradoxo ainda são tema de
grande debate e não estão bem estabelecidas.
Por esse motivo, medidas conservadoras no sen-
tido de manter os pacientes dentro de um peso
e de uma condição nutricional adequados de-
vem ser implementadas.
A avaliação e o monitoramento do estado
nutricional de pacientes com DRC, durante
todos os estágios da doença, são fundamentais
para prevenir, diagnosticar e tratar alterações nu-
tricionais. Não há um parâmetro isolado que for-
neça informação ampla sobre a condição nutri-
cional do paciente. Por isso, diferentes métodos
devem ser utilizados para a avaliação. Medidas
antropométricas e bioquímicas, avaliação global
subjetiva (AGS) e análise do consumo alimentar
devem fazer parte da avaliação nutricional des-
ses pacientes.
em razão dos distúrbios hídricos comu-
mente presentes, devem-se ter alguns cuida-
dos, como descontar do peso total o volume de
líquido infundido na cavidade abdominal dos
pacientes em diálise peritoneal, realizar as me-
didas antropométricas e AGS dos pacientes em
hemodiálise após a sessão de diálise (momento
no qual o paciente encontra-se mais próximo do
seu peso “seco”) e realizar as medidas no braço
contrário do acesso vascular.
Os parâmetros laboratoriais devem ser in-
terpretados com cautela e devem também ser
utilizados em conjunto com parâmetros antro-
pométricos e com métodos que avaliem o con-
sumo alimentar. A Tabela 2 (na página seguin-
te) mostra os valores de normalidade de cada
parâmetro para indivíduos saudáveis, os valores
desejados para os pacientes com DRC e as suas
respectivas limitações.
20 dossiê bio
Tabela 2. Parâmetros bioquímicos mais utilizados na avaliação nutricional de pacientes com DRC: limites de normalidade, valores desejados e principais limitações [8]
Parâmetro Limites de normalidade Valores desejados na DRC Limitações
Albumina (g/dL) 3,5 a 5,0 >4,0 Vida média longa (17 a 19 dias)
Aumenta na desidratação
Reduz na hipervolemia
Reduz na presença de inflamação
Pré-albumina (mg/dL) 19 a 38 >30 Reduz na inflamação
Pode estar aumentada por reduzido catabolismo renal
Transferrina (mcg/dL) 250 a 450 DLN Reduz na inflamação
Aumenta na deficiência de ferro
Reduz na sobrecarga de ferro
Creatinina (mg/dL) 0,6 a 1,2 Diálise >9 Não pode ser usada na fase não dialítica
Contagem total de linfócitos (mm3) 1.500 a 4.000DLN
<1.200 pode ser significativo para DEP
Diminui em doenças relacionadas à deficiência do sistema imunológico e com uso de corticoesteroides
Aumenta em infecções agudas
Ureia (mg/dL) 10 a 45 Não determinado Aumenta em estados hipercatabólicos
Colesterol (mg/dL) <200DLN
<150 pode ser significativo para DEP
Diminui na inflamação
DLN: dentro dos limites de normalidade; DEP: desnutrição energético-proteica
A avaliação do consumo alimentar fornece in-
formações sobre a ingestão de energia e de nutrien-
tes. A ingestão proteica, porém, independentemen-
te do relato do paciente, pode ser estimada por meio
da geração de ureia, desde que o paciente esteja em
balanço nitrogenado. Isso permite avaliar de forma
mais confiável a adesão do paciente à quantidade
de proteína prescrita. As equações para cálculo do
equivalente Proteico do Aparecimento de Nitrogê-
nio (PNA) estão apresentadas na Tabela 3.
dossiê bio 21
Referências Bibliográficas[1] K/DOQI Clinical practice guidelines for
chronic kidney disease: evaluation, classifi-cation and stratification. Am J Kidney Dis 2002;39:S1-S246.
[2] Departamento de informática da SBN. Regis-tro Brasileiro de Diálise, 2008. http:// www.sbn.org.br.
[3] Sociedade Brasileira de Nefrologia, Associação Brasileira dos Centros de Diálise e Transplan-te, Sociedade Brasileira de enfermagem em Nefrologia, Associações de Pacientes Renais Crônicos. Perfil da doença renal crônica – o
Tabela 3. Equações para o cálculo do Equivalente Proteico do Aparecimento de Nitrogênio (PNA) [9]
Fase não dialítica ou tratamento conservador
PNA(g proteína/dia) = [(NUU(g)) + (0,031g N x Kg)] x 6,25
Em que NUU = nitrogênio ureico urinário = volume urinário 24h(L) x [ureia urinária(g/L) ÷ 2,14]
Hemodiálise
PNA do início da semana
PNA(g/kg/dia)= NUS pré-diálise ÷ {[36,3 + (5,48 x Kt/V)] + (53,5 ÷ Kt/V)} + 0,168
Em que: NUS = nitrogênio ureico sérico(mg/dL) = ureia sérica(mg/dL) ÷ 2,14
Para pacientes com função renal residual significativa, o NUS pré-diálise deve ser ajustado (NUSa)= NUS {1+[0,79 + (3,08 ÷ Kt/V)] x Kr÷V}
Em que: Kr = clearance de ureia em mL/min; V = volume corpóreo(L)
Cálculo do Kt/V
Kt/V = -Ln (R - 0,008 x t) + [4 - (3,5 x R)] x UF ÷ P
Em que: Ln = logarítmo natural; R = NUS pós-diálise ÷ NUS pré-diálise; t = duração da sessão de HD em h; UF = volume de ultrafiltração em L; P = peso pós-diálise em kg
Normalização do PNA (nPNA)
O PNA pode ser normalizado pelo peso corpóreo atual ou desejável:
nPNA(g/kg/dia) = PNA(g/dia) ÷ PI (kg)
Ou pelo cálculo do volume corpóreo:
nPNA(g/kg/dia) = [PNA g/dia) ÷ (V ÷ 0,58)]
Em que: V(L) = volume de água corpórea calculado pela fórmula de Watson:
Homens
V = 2,447 – [0,09156 x idade(anos)] + [0,1074 x estatura(cm)] + [0,3362 x peso(kg)]
Mulheres
V = - 2,097 + [0,1069 x estatura(cm)] + [0,2466 x peso(kg)]
Não existe um protocolo estabelecido para
avaliação do estado nutricional, mas em geral peso,
IMC e PNA devem ser avaliados mensalmente nos
pacientes em diálise e a cada 1 a 3 meses nos está-
gios 4 e 5 da DRC. Albumina sérica, pré-albumina
e colesterol podem ser determinados a cada 3 a 6
meses nos pacientes clinicamente estáveis. Outras
medidas devem ser realizadas a cada 6 meses.
desafio brasileiro, 2007. http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/.../Doenca_Renal_Cronica.pdf
[4] Avesani CM, Carrero J, Axelsson J, et al. Inflam-mation and wasting in chronic kidney disease: partners in crime. Kidney Int 2006;70:S8-S13.
[5] Koople JD. McCollum Award lecture, 1996. Protein-energy malnutrition in maintenan-ce dialysis patients. Am J Clin Nutr 1997; 65(5):1544-57.
[6] Kramer H, Saranathan A, luke A, et al. Increasing BMI and obesity in the incident
end-stage renal disease population. J Am Soc Nephrol 2006;17:1453-9.
[7] Kalantar-Zadeh K, Block G, Humphreys MH, et al. Reverse epidemiology of cardiovascular risk factors in maintenance dialysis patients. Kidney Int 2003;63:793-808.
[8] Fouque D, Vennergoor, Wee PT, et al. EBPG Guideline on nutrition. Nephrol Dial Transplant 2007;22:ii45-ii87.
[9] K/DOQI Clinical practice guidelines for nutri-tion in chronic renal failure. Am J Kidney Dis 2000;35:S1-S139.
out. nov.
set.59° Congresso Brasileiro de Coloproctologia
O encontro deste ano será realizado em duas sessões
simultâneas, permitindo maior diversidade de temas
abordados e participação dos coloproctologistas.
A sede será a cidade do Rio de Janeiro (RJ).
Para inscrições: www.jz.com.br/congressos/
coloproctologia/coloproctologia.htm
32nd ESPEN Congress
Após 12 anos, a European Society for Clinical
Nutrition and Metabolism volta a sediar seu
congresso em Nice (França). Detalhes sobre o
evento estão disponíveis no site
www.espen.org/congress/nice2010/default.html
13º Congresso Brasileiro de Ensino e Pesquisa em Saúde da Criança e Adolescente
Porto Alegre será sede do evento que discutirá a
formação do pediatra do século XXI e suas áreas de
atuação. Para mais informações acesse:
www.ensinoepesquisa2010.com.br
29º Congresso Brasileiro de Endocrinologia e Metabologia
O evento da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e
Metabologia (SBEM) acontecerá em Gramado, no Rio Grande
do Sul. As informações preliminares estão disponíveis no
site www.cbem2010.com.br/index.php
4º Congresso Internacional de Bioprocessos na Indústria de Alimentos
A proposta do evento é a de promover a inter-relação
entre a comunidade acadêmica e o setor empresarial.
O Congresso ocorre em Curitiba (PR) simultaneamente
ao X Encontro Regional Sul de Ciência e Tecnologia de
Alimentos. Mais informações: www.icbf2010.com
XVI Congresso Brasileiro de Infectologia Pediátrica
O enfoque do encontro contemplará as enfermidades
infecciosas e o aprimoramento dos métodos
diagnósticos, visando principalmente à prevenção e à
atualização na terapêutica. Acontece em Florianópolis:
www.infectoped2010.com.br
XX Congresso Brasileiro de Perinatologia
Simultaneamente ao evento, acontece a
XVII Reunião de Enfermagem Perinatal.
O tema central é A busca constante da
qualidade: da Assistência Perinatal hoje
à vida futura e as inscrições podem ser
feitas pelo endereço:
www.perinato2010.com.brXX Congresso Brasileiro de Ciência e Tecnologia de Alimentos (CBCTA)
A capital da Bahia foi escolhida para sediar o evento,
cujo tema será Ciência e Tecnologia de Alimentos:
Potencialidades, desafios e inovações. Outras
informações: www.cbcta.com.br
VIII Curso de Atualização em Pediatria
O Departamento de Pediatria da Universidade Federal
de São Paulo (UNIFESP), com o apoio da Sociedade de
Pediatria de São Paulo, realiza, em São Paulo, a oitava
edição do curso. Mais informações:
www.pediatria.epm.br/viiicurso/viiicurso.html
XIV Congresso Brasileiro de Nutrologia
Simultaneamente, acontecem a XV Conferência sobre
Obesidade e Síndrome Metabólica, a VII Conferência
de Direito Humano a Alimentação Adequada e
a VIII Annual Meeting International Colleges for
Advancements of Nutrition. Inscrições pelo site da
ABRAN: www.abran.org.br/congresso
33º Simpósio Internacional de Ciências do Esporte
Organizado pelo CELAFISCS (Centro de Estudos do
Laboratório de Aptidão Física de São Caetano do Sul),
o encontro deste ano, em São Paulo, apresenta o tema
Boas práticas na atividade física e no esporte. Para a
programação, acesse: www.simposiocelafiscs.org.br
XI Congresso Brasileiro de Adolescência
O principal tema a ser discutido durante o evento será
o percentual elevado de jovens em idade escolar com
insatisfação corporal e suas associações. O encontro
vai ocorrer em Salvador e a programação pode ser
conferida em: www.adolescencia2010.com.br
Simpósio “Perspectivas da Nutrição na Era Pós-Genoma”
Promovido pela Sociedade Brasileira de Alimentação e
Nutrição (SBAN), o evento visa debater as pesquisas de
interação gene-nutriente. A cidade de Aracaju foi escolhida
como sede. Mais informações: www.sban.com.br
>> 4 a 7
>> 5 a 8 >> 3 a 6 >> 21 a 24
>> 7 a 10 IX Semana Brasileira do Aparelho Digestivo (SBAD)
O evento vai ocorrer em Florianópolis (SC) e
apresenta programa científico abrangente,
com destaque para refluxo gastroesofágico,
doenças inflamatórias intestinais e
neoplasias. As inscrições devem ser feitas
pelo site: www.sbad.org.br
>> 21 a 25
>> 7 a 10
>> 15 a 17
>> 7 a 9
>> 3 a 6 >> 5 a 8 >> 23 a 25
>> 23 a 26
>> 22 a 23
calendário>> Ao patrocinar e divulgar encontros científicos na área de Nutrição,
a Nestlé espera contribuir para que profissionais de saúde possam debater e compartilhar suas experiências a partir da produção acadêmica mais recente. Confira alguns dos principais eventos que vão ocorrer no segundo semestre de 2010.
ponto de vista
MARIA RITA MARQUES DE OLIVEIRA Profa. do Depto. de Nutrição do Instituto de Biociências da universidade estadual Paulista (uNeSP) e do Programa de Pós-Graduação em Alimentos e Nutrição da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCFAR) da uNeSP.
LILIAN FERNANDA GALESIDoutora em Alimentos e Nutrição pela FCFAR-uNeSP, Araraquara-SP.
Bartali B et al. Nutrition and aging low nutrient intake is an essential component of frailty in older persons. Journal of Gerontology, v.61a, n.6, p.589–593, 2006.
Caldas CP. Envelhecimento com Dependência: responsabilidades e demandas da família. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v.3, n.19, p.773-781, 2003.
Galesi LF. Vigilância nutricional em idosos: proposta para cuidadores sem formação específica. 2010. Tese (Programa de Pós-Graduação em Alimentos e Nutrição) – Faculdade de Ciências Farmacêuticas, Universidade Estadual Paulista, Araraquara-SP.
Knickman JR & Snell EK. The 2030 Problem: Caring for Aging Baby Boomers. Health Services Research, v.37, n.4, p.848-884, 2002.
Norman K et al. Is bioelectrical impedance vector analysis of value in the elderly with malnutrition and impaired functionality? Nutrition, v. 23, p.564–569, 2007.
Oliveira MRM et al. Nutritional status and functional capacity of hospitalized elderly. Nutrition Journal, v.8, n.54, 2009.
Soini H et al. Oral and Nutritional Status – Is The MNA a Useful Tool for Dental Clinics. The Journal of Nutrition, Health & Aging. v.10, n.6, 2006.
rEfErênCIAS
Todos nós, profissionais da saúde, concordamos
que o adequado estado nutricional é fator determinan-
te para uma vida longa e saudável. entretanto, ainda
não chegamos a um consenso sobre quais indicado-
res definem um adequado estado nutricional. entre
os idosos, essa tarefa é para nós ainda mais complexa,
uma vez que as manifestações da desnutrição e do pro-
cesso de envelhecimento mutuamente se confundem.
É buscando contribuir para essa temática que temos
desenvolvido alguns de nossos trabalhos de pesquisa.
O aumento da expectativa de vida está associado
à maior prevalência de doenças crônicas. Condições
como demência, fraturas, doenças reumatológicas,
acidente vascular cerebral, doenças visuais, cardio-
vasculares e pulmonares têm levado ao aumento do
número de idosos com incapacidades cognitivas e
mecânicas e a um quadro de sobrevivência de idosos
dependentes de terceiros.
A maioria dos idosos com idade avançada torna-
se frágil e apresenta mudanças visíveis na capacidade
funcional, a qual se deteriora aos poucos. A perda da au-
tonomia e o comprometimento de funções que dificul-
tam atividades simples como caminhar, alimentar-se e
banhar-se podem estar presentes, exigindo mais cui-
dados. esses idosos estão expostos ao risco nutricio-
nal, uma vez que a incapacidade de se alimentarem
sozinhos e o acesso dificultado aos alimentos levam à
ingestão diminuída. especialmente nessa população,
os indicadores indiretos e subjetivos do estado nutri-
cional tornam-se importantes, apresentando melhor
associação com a preservação da vida.
em pesquisa recente com idosos recém-hospi-
talizados, verificamos que todas as variáveis relativas
à capacidade funcional foram significativamente asso-
ciadas ao estado nutricional (Oliveira et al., 2009). um
terço dessa população classificou-se com desnutrição.
O estado nutricional foi avaliado pela Miniavaliação
Nutricional, e a capacidade funcional pelos Índices de
Atividades de Vida Diária e de Atividades Instrumen-
tais de Vida Diária. A deterioração do estado nutricio-
nal foi associada ao consumo alimentar reduzido, per-
da de peso recente, doença associada ao estresse, grau
de autossuficiência e incapacidade funcional. O esta-
do nutricional debilitado acompanhado da capacidade
funcional reduzida explica-se pelo fato de indivíduos
desnutridos serem mais dependentes e apresentarem
maior dificuldade para estabelecerem comunicação e,
então, satisfazerem suas necessidades. embora não se
possa deixar de levar em conta o próprio processo da
doença, que debilita simultaneamente o estado nutri-
cional e a capacidade funcional do enfermo.
entre os resultados de sua tese de doutorado,
com 150 idosos institucionalizados, Galesi (2010)
encontrou importante associação do estado nutri-
cional debilitado com o uso de cadeira de rodas, a
incapacidade de locomoção, de levantar-se de uma
cama, de banhar-se e se vestir, além da incontinência
urinária e fecal. Resultados semelhantes aos de Soini
et al. (2006) e Norman et al. (2007), que encontra-
ram associação da desnutrição energético-proteica
com a perda de peso, exaustão, baixa velocidade de
caminhada, força manual reduzida e inatividade fí-
sica associadas. Bartali et al. (2006), por sua vez, en-
contraram associação das limitações físicas com risco
aumentado de dieta inadequada.
Quanto ao idoso hospitalizado, ainda carecemos
de instrumentos e protocolos de cuidados específicos
nos quais fatores como falta de apetite, fadiga, dor
e saciedade precoce podem reduzir a ingestão ali-
mentar. A intervenção correta ajuda a reduzir a mor-
talidade, melhorar a qualidade de vida e reduzir os
custos de internação hospitalar. A partir das nossas
pesquisas, afirmamos a necessidade de atenção espe-
cial à capacidade funcional durante o planejamento
da assistência nutricional para idosos, especialmente
quando estão debilitados por doenças.
Capacidade funcional: indicador do estado nutricional entre idosos
no meio de um terreno de 6.000 metros quadrados, o pavilhão britânico na Expo Xangai desponta como ouriço
translúcido. É a ideia um tanto performática e extravagante de encastelar o verde, metonímia para o vigor orgânico,
num objeto arquitetônico com missão diplomática e comercial.
Em forma de cubo, é uma grande estrutura formada por 60 mil hastes de fibra ótica espetadas num volume central.
na ponta de cada uma dessas hastes, uma semente está encapsulada, exposta à luz do sol. É essa mesma luz filtrada que
viaja pelos sete metros de cada fibra transparente para iluminar, em milhares de pontos, o interior do edifício. Visto de den-
tro, o teto lembra uma galáxia de pequenas estrelas, que são as sementes a distância.
Quando sopra o vento, esses fios transparentes balançam na brisa, agitando no ar as mais de 200 mil espécies
de sementes colhidas para o pavilhão. Estendendo a poesia dos arquitetos, é como se cada uma fosse flutuar pelos
ares a qualquer momento, espécie de dente-de-leão a pulverizar seu conteúdo ao longo do estirão do rio Huangpu.
Arquitetura Reflexões a partir da catedral
nutrição e cultura
por _ Teodoro Holck
i l us traç õ e s _ Tati Móes
fo to s _ Iwan Baan
orgânicade sementes do pavilhão britânico na Expo Xangai
Isso porque numa exposição universal cada país
tenta mostrar o que tem de melhor. Nada é gratuito e
a missão é impressionar. No pavilhão do Reino Unido,
montado para a maior mostra mundial já organizada na
história desse tipo de evento, Londres gaba-se de ser a
metrópole mundial com mais áreas verdes em sua ma-
lha urbana.
Também lembra o fato de o primeiro parque pú-
blico do planeta ter surgido na terra de Shakespeare e a
criação do Royal Botanic Gardens, em Kew, com um labo-
ratório de estudo de sementes que reúne agora 25% das
espécies de plantas existentes no planeta.
Encomendado ao designer Thomas Heatherwick,
do Heatherwick Studio, o projeto do pavilhão precisava
atender a três quesitos. Primeiro, tinha de ser uma es-
trutura que pela forma já deixasse claro qual seria seu
conteúdo. Em segundo lugar, era preciso criar espaços
abertos em abundância, para que o público pudesse es-
colher entrar no pavilhão ou contemplar sua fachada a
distância. Por último, o governo britânico exigiu que este
fosse diferente de todos os outros pavilhões em Xangai.
nutrição e cultura 25
de sementes do pavilhão britânico na Expo XangaiOs filamentos
transformam a área interna da "catedral"
em uma galáxia de sementes
Mais de 200 mil espécies de sementes
encapsuladas por hastes de fibra ótica
com 7,5 metros de extensão
26 nutrição e cultura
Este projeto simboliza uma espécie de retorno ao mundo pré-revolução industrial. Ao estado das coisas
antes do surgimento das exposições universais
Em um evento de relevância geopolítica como uma
exposição universal, esse apelo exacerbado dos britâni-
cos ao verde faz todo sentido. Mas parece dar um passo
além do programa. Se está embutido nessa estrutura
todo o discurso em prol da sustentabilidade e o surra-
do panfletarismo ecológico, também está presente um
aceno discreto à potência das sementes como alimento.
Sublinham, com certa sutileza, a natureza comestível
dessa arquitetura, extravasando para além da forma
seu caráter orgânico.
Não deixa de ser curioso que esse tipo de fusão entre
arquitetura e comida tenha aparecido com pompa e certa
eloquência numa ocasião como a Expo Xangai. Contrasta o
vigor da coisa viva, processada por organismos para virar
energia, com a decadência e a perda de importância das
exposições universais, relegadas a segundo plano político
e comercial desde a Segunda Guerra Mundial.
De certa forma, a mensagem implícita nessa ar-
quitetura de sementes, projeto biodegradável que será
todo reciclado ao término da mostra, é a de devolver o
mundo à ordem primordial. É a ideia de aparar arestas,
restaurar uma natureza a seu estado prístino, de antes
do aquecimento global, da superpopulação, dos exces-
sos e cataclismas.
É uma espécie de retorno ao mundo pré-revolu-
ção industrial, ou seja, o estado das coisas antes do
surgimento das exposições universais. A primeira ex-
posição desse tipo, que ocorreu, não por acaso, em
Londres, em 1851, inaugurou o bicentenário de explo-
ração desmedida, que culminou em um mundo de se-
cas, fome e poluição, espécie de falência múltipla dos
órgãos naturais.
1851 – Palácio de Cristal (Londres): marco das grandes construções, destruído no início do século passado
1889 – Torre Eiffel (Paris): estrutura mais alta do mundo por 40 anos, localizada no Champ de Mars
1925 – Pavillon de l’Esprit Nouveau (Paris): projetado por Le Corbusier, um dos maiores arquitetos do século 20
nutrição e cultura 27
Paris fez sua primeira exposição universal em 1889, marcada pela construção da Galerie des Machines e da Torre Eiffel
Dentro de uma estrutura de ferro e vidro, o Palá-
cio de Cristal, que acabou destruído no início do século
passado, a Grande Exposição de Londres foi o ponto de
partida para o capitalismo espetacular, a junção da aris-
tocracia combalida à burguesia pujante, tudo em prol do
consumo desenfreado, que serviria para bancar a tão
almejada modernidade.
No rastro de Londres, Paris fez sua primeira exposi-
ção universal em 1889, marcada pela construção da Gale-
rie des Machines, então a maior sala do mundo, e da Torre
Eiffel, hoje símbolo da cidade, e na época a construção mais
alta do mundo, só superada 40 anos depois de erguida.
Uma década depois, na mostra da virada do século,
em 1900, a cidade-luz apostou no art nouveau e formas
em ferro retorcido, o ápice da modernidade então, que
sobrevive até hoje nas estações de metrô da capital fran-
cesa. Le Corbusier, arquiteto franco-suíço considerado um
dos pais do modernismo, exaltaria sua visão de moderno
no Pavillon de l’Esprit Nouveau, em 1925. Quatro anos de-
pois, Mies van der Rohe lançou a célebre cadeira Barcelo-
na na mostra universal da cidade espanhola.
Se por um lado as mostras mundiais foram terre-
nos para reunir toda a modernidade do mundo, uma pro-
va do que o desenvolvimento humano é capaz de atingir,
nas palavras do príncipe Albert, quando abriu a primeira
exposição de Londres, também virou arena de excessos
kitsch e amostras até fálicas de poderio político. Em
1937, o pavilhão alemão, de Albert Speer, digladiando
na paisagem com o pavilhão soviético, de Boris Iofan,
ilustra bem essa ideia.
Esse estado de excessos, querendo ou não, dura
até hoje. Enquanto sai de voga no mundo desenvolvido,
ainda é palavra de ordem e símbolo de status nas eco-
nomias emergentes. A China consolida seu poder global
sediando esse tipo de evento e Londres tenta dar o sinal
de novos tempos com seu pavilhão orgânico, sustentá-
vel, comestível.
1937 – Pavilhão Soviético (Paris): imponente construção dedicada à arte e à tecnologia na vida moderna
2010 – Catedral de Sementes (Xangai): estrutura orgânica projetada por thomas Heatherwick
28 nutrição e cultura
Uma necessidade do verde na arquitetura vem ga-
nhando cada vez mais peso nos últimos anos. Embalada
pela crise econômica de dois anos atrás, a arquitetura
atual descarta projetos mirabolantes, o estilo que teve
seu ápice em empreendimentos imobiliários da dimensão
dos vistos em Dubai e outras metrópoles emergentes, e
cede terreno às obras efêmeras, autoconsumíveis.
Nas artes visuais, o alarme já estava dado, trans-
bordando às vezes para o terreno da arquitetura. Marta
Minujin, artista conceitual argentina, soube devorar o
símbolo fálico dos excessos quando fez uma réplica do
obelisco da avenida Nueve de Julio, em Buenos Aires, de
pão doce. Instalou uma performance em praça pública,
em que tombava seu monumento de rosquinhas para
que fosse devorado pela população vítima dos horrores
da ditadura argentina.
Na mesma época, fim dos anos 1970, o artista
alemão Joseph Beuys denunciou os abusos do mundo
refazendo o encanamento do espaço expositivo com
tubos transparentes. Bombeou mel pela estrutura apa-
rente, em alusão ao trabalho coletivo das abelhas, ideia
mais próxima da perfeição que o socialismo almejava.
Também chegou a usar chocolate, linguiças, gelatina,
margarina, manteiga e gordura em suas obras.
Trabalhos de Maria Thereza Alves, artista brasilei-
ra radicada na Europa há mais de três décadas, têm a
mesma pegada. Mais próxima das ideias da Seed Cathe-
dral, nome do pavilhão britânico na atual Expo Xangai,
ela traça as origens das sementes que encontra em ter-
renos que esquadrinha para suas obras. Cada vez que
participa de uma exposição, elege um trecho de terra
para destrinchar as relações comerciais e políticas que
culminaram naquele espaço.
Sua obra é o oposto da arquitetura pomposa dos
britânicos. Em vez de explodir em três dimensões, com
a volúpia das fibras óticas, Maria Thereza leva ao es-
paço expositivo uma caçamba de terra e retira dali as
sementes caídas ao acaso. Descobre que a China teve
rotas comerciais com a África, que magnatas europeus
trouxeram sem saber algumas espécies traficadas do
novo mundo, que os camelos presenteados ao impera-
dor traziam nas patas sementes de algumas espécies
de plantas hoje dadas por nativas da China.
É de uma sofisticação ímpar esse traçado arqueoló-
gico da comida e das espécies. Denuncia um estado atual
de origens desconhecidas e torna as pessoas mais próxi-
mas daquilo que comem, da natureza que exploram para a
sobrevivência em tempos de natureza ameaçada.
Vai nessa mesma direção a obra da brasileira Riva-
ne Neuenschwander. Numa fusão com a arquitetura, ela
espelha o teto anguloso do Malmö Konsthall, na Suécia,
onde expõe neste ano, com estruturas em acrílico cheias
de temperos coloridos. A instalação é um eco do espaço
construído com as cores da comida, forma perecível que
passa por transformações incontroláveis pela artista.
Neuenschwander funde o acaso à obra. Em parte,
tem o mesmo impacto da Seed Cathedral britânica, com
sementes aprisionadas na fibra ótica mas que depen-
dem da ação do vento e da incidência da luz solar para
atingirem o ápice da expressividade.
Longe da natureza estrambótica da Expo Xangai, a
próxima Bienal de Arquitetura de Veneza vai avançar so-
bre esse mesmo ponto, com nuvens artificiais, presença
solar no espaço expositivo e outros toques orgânicos.
Mostra que a arquitetura, num mundo em perigo, precisa
ser digerida em doses calculadas, da mesma forma que
recursos naturais que já passaram do ponto da escassez.
O verde ganha cada vez mais peso na arquitetura atual, embalada pela crise econômica de dois anos atrás
qualidade
Entre as melhores fontes dietéticas de
cálcio encontram-se o leite, o iogurte
e o queijo
um caminho de sabor e saúde
Os primeiros registros sobre a importância do leite de vaca e seus derivados
para a nutrição humana foram encontrados no deserto do Saara, em documentos
que remontam a 4.000 a.C. De fato, a proteína do leite é considerada de alto valor
biológico por conter todos os aminoácidos essenciais em quantidades e propor-
ções ideais para atender às necessidades orgânicas [1]. Além disso, os produtos
lácteos são importantes fontes de micronutrientes, podendo-se destacar os mine-
rais cálcio e fósforo e as vitaminas A, D e B2 [2].
O leite é consumido principalmente no café da manhã, podendo ser utiliza-
do como ingrediente culinário nas mais variadas preparações doces e salgadas.
As melhores fontes dietéticas de cálcio são leite, queijo e iogurte, sendo
que, sem eles, dificilmente consegue-se atender às recomendações diárias deste
nutriente, quando comparados a outros alimentos considerados fontes, como os
vegetais verde-escuro [2,3]. Isso se deve ao fato de que, em condições favoráveis,
o aproveitamento metabólico do cálcio varia entre 25% a 40% do valor ingerido. Por-
tanto, a recomendação é a de que seja privilegiada a seleção de alimentos cuja
composição química apresente valores mais elevados do mineral [3]. Os leites
com baixo teor de gordura e os desnatados também são ricos em cálcio [4].
Via láctea
por _ Maria Fernanda Elias Llanos
fo to s _ Shutterstock
O papel do cálcio na saúde óssea está relacionado, principalmente, à prevenção da osteoporose
Para o melhor aproveitamento do cálcio dietético,
deve-se evitar a ingestão concomitante de alimentos
fontes de ácido oxálico, como o espinafre. Essa combi-
nação promove a formação de complexos que se preci-
pitam no lúmen intestinal e são, posteriormente, excre-
tados [5]. O excesso de sódio também pode interferir de
forma negativa no aproveitamento do cálcio [3].
A literatura científica oferece amplo conhecimento
sobre a importância do cálcio para as diversas funções
biológicas e seu envolvimento na saúde óssea, pressão
arterial, manutenção do peso corporal, síndrome da re-
sistência à insulina, dentre outros [3].
Saúde ósseaO papel do cálcio na saúde óssea está relacionado
principalmente à prevenção da osteoporose, caracteri-
zada pelo aumento da fragilidade esquelética, em razão
do decréscimo da massa óssea e da deterioração estru-
tural do tecido ósseo. Estima-se que, em um futuro pró-
ximo, os impactos econômicos e de saúde dessa pato-
logia serão extraordinários, com uma projeção de mais
de 6 milhões de casos por ano de fraturas de fêmur pro-
ximal — a mais incapacitante delas. A mulher, em razão
do fator endócrino, é o gênero mais atingido [5].
De modo geral, a variação da massa óssea ocorre
em dois períodos distintos. Seu pico é alcançado duran-
te a infância e a adolescência, enquanto uma progres-
siva perda se dá com o avançar da idade. Tal dinâmica
é determinada por um conjunto de fatores endógenos e
exógenos que interagem entre si, como: genéticos, en-
dócrinos, mecânicos e nutricionais — incluindo a inges-
tão de cálcio [6]. O consumo adequado desse mineral
nos primeiros estágios da vida promove a elevação do
pico de massa óssea, ao mesmo tempo em que reduz o
risco de osteoporose décadas mais tarde [5].
Deve-se considerar que, além do cálcio, outros
nutrientes presentes no leite também são necessários
para a manutenção da saúde óssea, como proteínas, po-
tássio, magnésio, zinco e as vitaminas D e K [3,6].
Pressão arterialExiste na literatura uma série de investigações
sobre o possível papel do cálcio na redução do risco de
hipertensão arterial. Extensas revisões de estudos de
intervenção randomizados e observacionais demons-
traram que a suplementação do mineral reduz modera-
damente a pressão sistólica (1-2 mm Hg) em adultos
hipertensos, mas não apresenta efeito significativo nos
normotensos. Não foram observadas, ainda, alterações
significativas da pressão diastólica [7,8] .
Outros estudos concluíram que indivíduos normo-
tensos e hipertensos que adotaram uma dieta com maior
quantidade de derivados lácteos de baixos teores de gor-
duras, frutas, vegetais e menores níveis de gorduras totais
e saturadas apresentaram redução nos níveis de pressão
arterial. Neste estudo, o consumo de produtos lácteos foi
aumentado de 443 mg para 1.265 mg (11,1 mmol para
31,6 mmol) por dia [7].
Câncer de cólonAs evidências sobre influência da ingestão dietética
de cálcio sobre o risco de câncer de cólon ainda são incon-
sistentes. Enquanto alguns estudos reportam à redução
na proliferação da mucosa após suplementação com cál-
cio, outros demostraram um aumento. Dados coletados
a partir de estudos observacionais de caso-controle não
são conclusivos. Além disso, não existem estudos pros-
pectivos que demonstrem a relação da suplementação de
cálcio e a incidência de câncer de cólon [7].
30 qualidade
rEfErênCIAS[1] Miller, G.D.; Jarvis, J.K.; McBean, L.D. Handbook of dairy foods and nutrition. National Dairy Council. CRC Press. 3rd. Edition. 2007. [2] Philippi, S.T. Pirâmide dos alimentos: fundamentos básicos da nutrição. Barueri, São Paulo: Manole, 2008. [3] Cozzolino, S.M.F. Deficiências de minerais. Estud. Av.; v.21, n.60, p.119-126, 2007. [4] BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Coordenação-Geral da Política de Alimentação e Nutrição. Guia alimentar para a população brasileira: promovendo a alimentação saudável. Brasília, 2006. [5] Morais, G.Q.; Burgos, M.G.P. de A. Impacto dos nutrientes na saúde óssea: novas tendências. Rev. Bras. Ortop. 2007;42(7):189-94. [6] Ramalho, R.A.; Peres, W.A.; Campos, L.F.; Accioly,E. Vitamina K e Saúde Óssea. Rev Bras Nutr Clin 2006; 21(3):224-8. [7] IOM – Institute of Medicine. DRI – Dietary Reference Intakes: for Calcium, Phosphorus, Magnesium, Vitamin D, and Fluoride. Washington, DC: National Academy Press, 1997. 432p. [8] Chung M, Balk EM, Brendel M., et al. Vitamin D and calcium: a systematic review of health outcomes. Evid Rep Technol Assess (Full Rep). Aug (183):1-420 (2009). [9] Heaney, R.P.; Davies, K.M.; Barger-Lux, M.J. Calcium and Weight: Clinical Studies. Journal of the American College of Nutrition, Vol. 21, No. 2, 152S–155S (2002). [10] Pereira, V.B. de L.; Cozzolino, S.M.F. Suprimento dietético de cálcio: uma questão para a prática do nutricionista. Parecer CRN3 - aprovado na 932ª Reunião Plenária Extraordinária, 25 mar. 2010. [11] Pinheiro, M.M.; Schuch, N.J.; Genaro, P.S. et al. Nutrient intakes related to osteoporotic fractures in men and women – The Brazilian Osteoporosis Study (BRAZOS). Nutrition Journal; v.8, n.6, p.1-8, 2009. [12] BRASIL. Resolução RDC nº. 269, de 22 de setembro de 2005. Regulamento Técnico sobre a Ingestão Diária Recomendada (IDR) de proteína, vitaminas e minerais. ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária, 23 set. 2005.
Manutenção do pesoEvidências científicas publicadas nas últimas
décadas mostram que o leite e seus derivados podem
auxiliar no controle do peso corporal. A revisão da li-
teratura de Van Loan (2009) sugere que a ingestão
de cálcio atua na prevenção do armazenamento do
excesso de gordura pelos adipócitos. Os dados pro-
venientes de seis estudos observacionais e de três
casos-controle, em que a ingestão de cálcio era a va-
riável independente, confirmaram a relação da maior
ingestão do mineral com a menor porcentagem de
gordura corporal e/ou peso corporal [7,9].
recomendações diáriasOrganizações internacionais já estabeleceram as
recomendações diárias para a ingestão de cálcio em
diferentes etapas da vida (DRIs), embora ainda em ní-
vel de ingestão adequada (AI) em razão da dificuldade
de serem estabelecidas quantidades ideais de ingestão
para um nutriente que se incorpora ao organismo ao lon-
go da vida [10].
No país, a recomendação do Guia Alimentar para
a População Brasileira e a da Pirâmide dos Alimentos é
a de que sejam consumidas diariamente três porções
de leite e derivados, sendo uma porção equivalente a
um copo de leite (200 ml) ou 1 ½ fatia (50 g) de quei-
jo tipo Minas [2,4].
Pesquisas realizadas no Brasil nos últimos anos
apontam a ingestão de cálcio pela população como de
cerca de 300 mg a 500 mg por dia, valores muito inferio-
res às recomendações atuais de cerca de 1.000 mg para
a população adulta [3,7]. Os dados são confirmados
pelo estudo BRAZOS (2009), que constatou que 99% da
população apresenta ingestão inadequada do mineral,
com um consumo médio de apenas 52% das necessida-
des diárias [11].
Molico totalCálcioAtenta a todas essas questões, a Nestlé oferece o
novo Molico TotalCálcio, o único leite que fornece 100%
das recomendações diárias de cálcio [12] em apenas
dois copos (400 ml), além de ser rico em vitamina D.
O ícone TotalCálcio, em destaque na embalagem do pro-
duto, é a garantia desse compromisso. Molico TotalCálcio
tem 0% teor de gorduras e pode ser encontrado nas op-
ções em pó e líquida.
qualidade 31
99% da população brasileira apresenta ingestão inadequada de cálcio [11]
Molico TotalCálcio UHT
Molico TotalCálcio Pó
Porção 200 mL (1 copo)
20 g (2 colheres de sopa)
Calorias (kcal) 70 69
Carboidratos (g) 9,5 10
Açúcares (g) N/D N/D
Proteínas (g) 5,8 6,7
Gorduras totais (g) 0,9 0
Gorduras Saturadas (g) 0,5 0
Gorduras Trans (g) Não contém Não contém
Fibra alimentar (g) 0 0
Colesterol (mg) 0 0
Sódio (mg) 112 94
Cálcio (mg) 500 500
Vitamina A (mcg RE) 132 113
Vitamina D (mcg) 1,5 1,5
Informação nutricional
Há muitos e muitos anos, vivia na China um impe-
rador justo e sábio. Preocupado com as epidemias que
devastavam o Império do Meio, Sheng nong (este era o
nome do imperador) ordenou que todos os súditos fer-
vessem a água que fossem beber.
Certa tarde, passeando pelos jardins do palácio,
Sheng nong sentou-se à sombra de uma árvore e pediu
uma xícara de água fervida a seus servidores. Enquanto
esperava o líquido amornar, o vento fez com que algu-
mas folhas verdes caíssem em sua xícara.
A água ganhou um tom dourado e o imperador resol-
veu prová-la. Satisfeito com o aroma e sabor, introduziu a
nova bebida em seu império. Estava inventado o chá.
feita com a infusão de folhas da Camellia sinensis,
a bebida descoberta pelo imperador, segundo a lenda,
tornou-se uma das mais consumidas no mundo.
Mas se passaram muitos séculos antes da po-
pularização e globalização do chá. O mais antigo re-
gistro sobre o uso da bebida foi escrito por volta do
ano 800 d.C.
“O Livro do Chá” (Ch’a Ching) foi escrito pelo
monge Lu Yu após cinco anos de retiro meditativo. En-
quanto refletia sobre o sentido da vida, o monge estu-
dou os diferentes métodos de cultivo e preparo do chá
na antiga China.
na obra, Lu Yu discorre sobre os melhores métodos
de plantio e as formas de fazer e servir a bebida. Define
poeticamente a qualidade que a folha da Camellia sinen-
sis deve ter para fazer um bom chá: “[deve ser] ondulada
como a nuca do touro, encurvada como a bota de um tárta-
ro, clara como a neblina elevando-se sobre a ravina e ma-
cia como o fino pó da terra deslizando com a chuva”.
Rituais, histórias, lendas e efeitos terapêuticos que cabem em uma xícara desta bebida ancestral
foco
Branco, verde, vermelho, preto...
o arco-íris do
fo to s _ Shutterstock
34 foco
Da China, o hábito de beber chá expandiu-se para
o Japão, introduzido por um monge budista entre os sé-
culos 8 e 9. Era recomendado para ajudar na meditação,
provavelmente por ser rico em cafeína.
O chá tornou-se tão importante na cultura japone-
sa que sua apreciação foi sistematizada em uma forma
de arte, a cerimônia do chá. O preparo e a degustação
da bebida são feitos segundo uma rígida estrutura ritual,
que visa trazer harmonia, respeito, pureza e tranquilida-
de aos participantes (1).
A relação dos europeus com a bebida foi diferente.
Introduzido na Europa em 1560 por um jesuíta português,
beber chá era mania (e ostentação) dos ricos. O culto era
mais ao prazer da degustação, embora suas possíveis
propriedades medicinais já fossem ventiladas. O primeiro
anúncio de chá em jornal inglês, em 1658, dizia: “Todos
os médicos aprovaram esta bebida, chamada pelos chine-
ses de Cineans Tcha e por outras nações Tay ou Tee”.
Séculos depois, foi o potencial medicinal da be-
bida que virou mania e é responsável pelo atual boom
do chá, especialmente nas versões “verde” ou “branco”,
que nada mais são do que diferentes formas de proces-
sar a mesma folha de Camellia sinensis.
Os estudos vieram na esteira das descobertas so-
bre os polifenóis, uma vez que o chá é rico em alguns
desses compostos, em especial as catequinas (2).
Os polifenóis do chá já foram bastante estudados
in vitro e em animais como agentes químicos preventi-
vos do câncer e de doenças cardiovasculares. No entan-
to, ainda não está claro quais são os efeitos do consumo
da bebida em humanos. Um estudo de coorte realizado
com 40.530 japoneses, publicado no JAMA (3), concluiu
que consumir chá verde está associado à redução de
mortalidade por todas as causas e por doença cardio-
vascular, mas não à menor mortalidade por câncer.
Saúde cardiovascularO efeito cardioprotetor do chá está relacionado à
ação de seus compostos fenólicos, que têm propriedades
anti-inflamatórias, antitrombóticas e capacidade de dimi-
nuir o nível de lipídeos no sangue. Estas características
foram observadas em vários estudos experimentais.
Do ponto de vista epidemiológico, há pelo menos
dois grandes estudos recentes que apontam para isso.
Além do estudo japonês citado acima, um estudo euro-
peu (4), publicado online em junho de 2010, estabelece
a relação entre o consumo de chá e a saúde do coração.
O trabalho utiliza o coorte holandês do EPIC (Eu-
ropean Prospective Investigation into Cancer and Nutri-
tion), com dados de 37.514 participantes acompanha-
dos por 13 anos.
Os pesquisadores compararam a quantidade de
chá e café consumida e os eventos cardiovasculares
ocorridos. Os dados apontam que o consumo de três a
seis xícaras de chá por dia reduz o risco de doença car-
diovascular em 45%. O tipo de chá mais consumido pela
população pesquisada é o preto.
Da China, o hábito de beber chá expandiu-se para o Japão, introduzido por um monge budista entre os séculos 8 e 9
foco 35
Câncer Estudos in vitro mostram a ação das catequinas
contra células cancerosas, mas as concentrações usa-
das em laboratórios costumam ser maiores do que as
encontradas no plasma de seres humanos ou animais, o
que torna esses trabalhos inconclusivos (5).
Embora essa atividade anticancerígena também
tenha sido observada em estudos com animais (6), in-
felizmente não há evidência, até o momento, sobre os
benefícios reais em seres humanos.
Uma meta-análise de 2009 da Fundação Cochrane
(7), com a revisão sistemática de 51 estudos, incluindo
1,6 milhão de participantes, concluiu que as evidências
para indicar o consumo de chá verde para a prevenção
do câncer são insuficientes e contraditórias no geral.
Nos estudos específicos para diferentes tipos de
câncer, os autores da revisão concluíram que as evidên-
cias para câncer de fígado e de pulmão são limitadas e
para câncer gástrico, do esôfago, do cólon, do reto e do
pâncreas, contraditórias.
Os melhores resultados apareceram nas revisões
sobre câncer de próstata, que sugerem uma diminuição
do risco desse câncer nos homens que consomem maio-
res quantidades de chá verde.
No caso de câncer de bexiga, no entanto, a análi-
se dos estudos mostrou que o chá pode até aumentar o
risco da doença.
Mas os autores afirmam na conclusão que, obede-
cida a recomendação de três a cinco xícaras diárias, o
consumo de chá verde é seguro.
Manutenção do peso corporalEstudos com cultura de células e animais mos-
tram que o chá verde aumenta a oxidação de gorduras
e a termogênese, o que contribui para a perda de peso e
massa gorda (8). Este efeito também foi verificado em
seres humanos.
Uma revisão sistemática (9) dessas investiga-
ções, publicada no início deste ano, verificou que a in-
gestão de catequinas do chá com cafeína mostrou maior
redução do IMC (Índice de Massa Corpórea), do peso e
da circunferência abdominal do que o consumo de ca-
feína isolada. A ingestão de catequinas sem cafeína não
reduziu os parâmetros corporais.
Uma meta-análise anterior (10), divulgada em
2009, também concluiu que as catequinas favorecem
o emagrecimento e ajudam a manter o peso adquirido
após a perda. Entretanto, os autores dos dois estudos
esclarecem que os efeitos são pequenos.
Estudos com cultura de células e animais mostram que o chá verde aumenta a oxidação de gorduras e a termogênese
DermatologiaA divulgação dos possíveis efeitos antioxidantes
do chá verde e do branco atraiu a indústria de cosmé-
ticos, que cada vez mais utiliza extratos do ingrediente
em creme “antienvelhecimento”.
Mas há estudos de dermatologia que mostram algum
grau de benefício no uso tópico de extratos do chá. Um de-
les, publicado ano passado, avaliou a eficácia fotoprotetora
da aplicação local de extratos de chá verde e branco (11).
Os autores concluíram que tanto o chá verde quan-
to o branco aumentam a proteção da pele contra os efei-
tos dos raios ultravioleta, reduzindo o dano ao DNA e às
células cutâneas, mas não diminuem a absorção dos
raios solares pela pele.
Já o uso oral de suplementos com polifenóis de chá
verde não se mostrou superior ao placebo na prevenção
do fotoenvelhecimento, segundo um estudo controlado
e duplo-cego de 2009 (12).
No entanto, o estudo mostrou que o grupo que
consumiu suplementos à base de chá verde teve melho-
res resultados em eritemas e telangietase nas análises
feitas após seis meses e 12 meses de uso.
Outra promessa é o uso tópico do chá verde para
tratamento de acne leve à moderada, segundo um estu-
do publicado este ano (13).
O trabalho foi feito com a aplicação de uma loção
de chá verde a 2% por um período de seis semanas. Os
resultados mostraram uma redução de 58% nas lesões e
de 39% no grau de severidade da acne vulgar.
função cognitivaHá muita expectativa sobre as propriedades neu-
roprotetoras dos compostos do chá verde e sua possível
ação nas patologias cognitivas e neurodegenerativas.
Um estudo populacional publicado em 2006 (14),
que incluiu 1.003 japoneses de 70 ou mais anos de ida-
de, concluiu que o maior consumo de chá verde está as-
sociado à menor perda cognitiva.
Dados como esses aumentam as esperanças de
que o chá possa ter ação preventiva contra o Alzheimer,
e estudos com animais estão sendo feitos com
esse viés.
No entanto, um encontro organizado
pelo National Institutes of Health em maio
deste ano concluiu que, até o momento, não
existe eficácia cientificamente comprovada para
prevenir a doença. As conclusões dizem
respeito aos diversos compostos e téc-
nicas pesquisadas para a prevenção da
doença, não apenas ao chá.
Estudos recentes avaliam uma possível ação do chá em patologias cognitivas e neurodegenerativas
36 foco
Branco, verde, preto... Provenientes da mesma planta, a Camellia sinensis,
os chás são divididos em quatro grandes categorias, de
acordo com a forma com que a planta é processada (15).
O chá branco é obtido dos brotos da Camellia si-
nensis, que passam apenas por um processo de seca-
gem, sem fermentação. O verde é feito com as folhas da
planta, que são torradas imediatamente após a colheita,
para que não ocorra a fermentação.
No chá Oolong, as folhas torradas passam por um
processo de fermentação que é interrompido prematura-
mente e portanto é considerado semifermentado.
No chá preto, o processo de fermentação é reali-
zado até o fim.
O conteúdo de polifenóis do chá pode variar con-
forme o local de cultivo, clima e processamento. Os chás
verdes e brancos costumam apresentar maior teor de
catequinas (16).
Por esse motivo, o chá verde (que é mais comum
do que o branco) é o mais utilizado nas pesquisas sobre
os efeitos do chá na saúde.
No entanto, pesquisas recentes têm mostrado
que, em alguns aspectos, o chá preto pode ser tão eficaz
quanto o verde. É o caso da ação cardioprotetora aponta-
da no estudo com dados do EPIC (4).
Um novo estudo, aprovado para publicação no pe-
riódico Nutrition (17), aponta que o extrato de chá preto
pode ser tão eficaz quanto o de chá verde na redução de
peso e gordura corporal. O estudo foi feito em animais
por pesquisadores do Japão.
O tipo verde é o mais utilizado nas pesquisas sobre os efeitos do chá na saúde
E o vermelho? Na verdade, “chá vermelho” é uma confusão de
termos. Em alguns países, é apenas mais uma designa-
ção do chá preto.
Mas uma infusão feita com uma planta africana,
Rooibos (Aspalanthus linearis), também é comercializa-
da como chá vermelho. Tecnicamente, não é chá, já que
não vem da Camellia sinensis.
O Rooibos é usado por tribos sul-africanas para
tratar asma, eczemas, distúrbios intestinais e aliviar fe-
bres, mas as pesquisas científicas sobre a planta ainda
são poucas e incipientes.
(1) “Vivência e Sabedoria do Chá”, Soshitsu Sen XV, ed. T.A. Queiroz, 1981. (2) Higdon JV, Frei B. Tea catechins and polyphenols: health effects, metabolism, and antioxidant functions. Crit Rev Food Sci Nutr. 2003;43:89–143. (3) Kuriyama S, Shimazu T, Ohmori K, Kikuchi N, Nakaya N, Nishino Y, Tsubono Y, Tsuji I. Green tea consumption and mortality due to cardiovascular disease, cancer, and all causes in Japan: the Ohsaki study. JAMA, 2006 Sep 13;296 (10):1255-65. (4) J.M. de Koning Gans, C.S.P.M. Uiterwaal, Y.T. van der Schouw, J.M.A. Boer, D.E. Grobbee, W.M.M. Verschuren, J.W.J. Beulens. Tea and Coffee Consumption and Cardiovascular Morbidity and Mortality. Arteriosclerosis, Thrombosis, and Vascular Biology. Pusblished online June, 18. (5) McKay DL, Blumberg JB. The role of tea in human health: an update. J Am Coll Nutr, 2002, Feb: 21 (1): 1-13. (6) Yang CS, Sang S, Lamber JD, Hou Z, Ju J, Lu G. Possible mechanisms of the cancer-preventive activities of green tea. Mol Nutr Food Res, 2006, feb: 50(2):170-5. (7) Boehm K, Borrelli F, Ernst E, Habacher G, Hung SK, Milazzo S, Horneber M. Green tea (Camellia sinensis) for the prevention of cancer. The Cochrane Database of Systematic Reviews 2010, Issue 6. (8) Wolfran S, Wang Y, Thieleck F. Anti-obesity effects of green tea: from beside to bench. Mol Nutr Food Res. 2006, GFeb: 50 (2): 176-87. (9) Phung OJ, Baker WL, Matthews LJ, Lanosa M, Thorne A, Coleman CI. Effect of green tea catechins with or without caffeine on anthropometric measures: a systematic review and meta-analysis. Am J Clin Nutri, 2010, Jan: 91 (1): 73-81. (10) Hursel R, Viechtbauer W, Westerterp-Plantenga MS. The effects of green tea on weight loss and weight maintenance: a meta-analysis. Int J Obes (Lond) 2009 Sep:33 (9):956-61. (11) Camouse MM, Domingos DS, Swain FR, Conrada EP, Matsui MS, Maes D, Declerq L, Cooper KD, Stevens SR, Baron ED. Topical application of green and white tea extracts provides protection from solar-simulated ultraviolet light in human skin. Exp Dermatol. 2009 Jun:18 (6): 522-6. (12) Janjua R, Munoz C, Gorell E, Rehmus W, Egbert B, Kern D, Chang AL. A two-year, double-blind, randomized placebo-controlled trial of oral green tea polyphenols on the long term clinical and histologic appearance of photoaging skin. J Drugs Dermatol. 2009 Apr: 8(4): 358-64. (13) Elsaie ML, Abdelhamid MF, Elsaaiee LT, Emam HM. The efficacy of topical 2% green tea lotion in mild-to-moderate acne vulgaris. Am J Clin Nutr. 2010 Jan:91 (1): 73-81. (14) Kuriyama S, Hozawa A, Ohmori K, Shimazu T, Matsui T, Ebihara S, Awata S, Nagatomi R, Arai H, Tsuji I. Green tea consumption and cognitive function: a cross-sectional study from the Tsurugaya Project 1. Am J Clin Nutri, 2006, Feb: 83 (2): 355-61. (15) “The Book of Tea”, Alain Stella, 2009, ed. Flammarion. (16) Henning SM, Fajardo-Lira C, Lee HW, Youssefian AA, Go VL, Heber D. Catechin content of 18 teas and a green tea extract supplement correlates with the antioxidant capacity. Nutr Cancer, 2003:45(2): 226-35. (17) S. Uchiyama, Y. Taniguchi, A. Saka, A. Yoshida, H. Yajma. Prevention of diet-induced obesity by dietary Black tea polyphenols extract in vitro and in vivo. Nutrition. Published online ahead of print. Doi:10.1016/j.nut.2010.01.019.
rEfErênCIAS
foco 37
resultado
Unindo gastronomia e inclusão social, a Gastromotiva cria oportunidades para jovens de baixa renda
Economia verde:
O Brasil está entre os 10 países que mais des-
perdiçam comida no mundo, chegando a jogar fora até
40% de tudo o que é produzido. Se os dados indicam
que algo precisa ser feito, algumas iniciativas cha-
mam a responsabilidade para si e mostram que são
capazes não apenas de educar, mas também de gerar
renda. É o caso da Gastromotiva, idealizada pelo chef
David Hertz. Incentivando jovens de baixa renda a
ingressarem no mercado de trabalho e a abrirem seu
próprio negócio, a organização já formou 95 alunos
em quatro anos, sendo que 93% estão empregados.
“trabalhava como empregada doméstica e não tinha
muita expectativa. Agora sou sous-chef da Quitanda
Gourmet [1]. tenho um salário melhor, maior reconhe-
cimento profissional e estou muito feliz”, conta a ex-
aluna fernanda Souza.
“Hoje focamos muito em uma economia verde,
não só no sentido ecológico, mas no que diz respeito a
uma prática inclusiva, que quebre um pouco a lacuna
de acesso”, afirma David Hertz, que recebeu o Prêmio
Empreendedor Social de Futuro 2009, do jornal Folha
de S. Paulo, copatrocinado pela nestlé.
na Gastromotiva, jovens menos favorecidos social-
mente recebem formação em um curso profissionalizan-
te em cozinha. Além das aulas, eles estagiam no bufê da
organização, e toda a renda é reinvestida para gerar mais
capacitação, ou seja, formar mais jovens. Dessa maneira, a
iniciativa gastronômica firma-se como um negócio social.
muito além do sentido ecológico
por _ Julia Alquéres
fo to s _ Hans Georg e Marcos Fachini
40 resultado
Jamie Oliver lá, David Hertz cá Formado pela Faculdade de Gastronomia do SENAC,
em Águas de São Pedro (SP), David Hertz adquiriu gran-
de experiência no mercado de eventos ao trabalhar no
Andréa Fasano Buffet [2] e restaurantes de renome.
Hoje, faz no Brasil o que um dia o chef Jamie Oliver
criou no Reino Unido. O britânico ficou famoso interna-
cionalmente pelo seu trabalho de educar, treinar e em-
pregar pessoas de baixa renda, sempre destacando a
importância da alimentação saudável. Atualmente, faz
programa na TV e dissemina boas práticas pelo mundo
todo. Como Jamie Oliver, David é ambicioso. “Por ora,
o curso só existe em São Paulo, mas a ideia é abrir em
Brasília e no Rio de Janeiro, aproveitando a vinda da
Copa do Mundo e a das Olimpíadas, quando o país vai
precisar de muita profissionalização técnica”, diz.
No Brasil, o chef David Hertz foi influenciado pela história de vida da jovem Uridéia
Andrade, sua aluna no “Cozinheiro cidadão”, um programa de formação de auxilia-
res de cozinha destinado aos jovens da favela do Jaguaré, que, em 2005, obteve o
reconhecimento da ONU como uma das melhores práticas de inclusão de jovens na
sociedade. Com a ajuda de Uridéia, criou a Gastromotiva. No começo, com poucos
recursos, as aulas eram ministradas para cinco alunos na casa de David, onde ficava
também o bufê.
Em 2008, com o apoio da Universidade Anhembi Morumbi e do banco JP Mor-
gan, as aulas passaram a ser realizadas na própria universidade e o número de alu-
nos subiu para uma média de 30 por turma. No ano de 2009, o bufê também ganhou
um espaço novo. Com o crescimento do negócio, a ideia para o ano que vem é formar
120 jovens, o dobro do que se pretende em 2010.
Os alunos que mais se destacam no curso ganham bolsas para estudar Gas-
tronomia ou Administração na Anhembi Morumbi. É o caso de Carlos Henrique dos
Santos, que tem apenas 20 anos e está terminando o curso de Gastronomia. Ele já
trabalhou no Andréa Fasano Buffet e hoje está no restaurante Nadeli delicatessen &
Bistrô [3]. Determinado, o jovem morador da Vila Leopoldina deseja mais:
“Quero me especializar em cozinha Italiana e abrir o meu restaurante. Com a Gastromotiva,
Com uma visibilidade cada vez maior, a primeira turma de 2009 recebeu o núme-
ro máximo de inscrições, foram 300. Não foi tarefa fácil selecionar apenas 30. “O perfil
que procuramos é o jovem de baixa renda que tenha muita vontade de entrar na cozi-
nha”, diz Vera Lúcia de Almeida Silva, coordenadora do curso e responsável pela disci-
plina de Ecogastronomia. São jovens cuja renda familiar não ultrapassa R$ 1.500. Vera
conta que muitos alunos moram longe e há quem demore três horas só para chegar até
o curso. Para os alunos, o esforço vale a pena. “Eu vi que fazia tudo errado na cozinha
e aqui estou aprendendo muita coisa, desde como afiar uma faca até sobre diferentes
molhos e técnicas de corte”, afirma o aluno Marcos Paulo.
vou ajudar as mães da minha comunidade”.
(1) Av. Jacutinga, 96, São Paulo-SP (www.quitandagourmet.com.br). (2) Rua Professor Atílio Innocenti, 52, São Paulo-SP. (3) Rua Caros Steinen, 66, São Paulo-SP (www.nadeli.net). (4) Rua Dr. Renato Paes de Barros, 62, São Paulo-SP (www.valentinarestaurante.com.br). (5) www.nestle.com.br/portalnestle/nutrir
rEfErênCIAS
EcogastronomiaA sustentabilidade é uma das principais bandeiras da Gastromotiva. A exemplo de
programas como o Nutrir, da Nestlé [5], seu “objetivo é o de ensinar como aproveitar ao
máximo o alimento e fazer menos lixo possível. Mostrar que é importante usar o produ-
tor mais próximo, porque gera renda e o alimento vem mais fresco”, explica Vera Lúcia.
Esses ensinamentos também estão presentes no bufê, que recebe produtos de forne-
cedores locais e de pequenos produtores. Estagiando no Gastromotiva Bufê, os alunos
têm ainda a oportunidade de realizar eventos corporativos para as classes A e B.
“Professores e chefs nos ensinaram o quanto é importante a sustentabilidade
na cozinha, a utilização total de todos os ingredientes. Tenho que assumir que antes
eu não tinha esse conceito, mas hoje me identifico com ele”, conta o ex-aluno Lean-
dro Chaves Batista, que hoje é auxiliar de cozinha no restaurante italiano e contem-
porâneo Valentina [4]. “Quero me destacar na área e colocar Taboão da Serra, onde
moro, no mapa gastronômico”, anseia ainda.
resultado 41
Em busca de maior profissionalização, Fernando
Pulcino, 26 anos, deixou Ilhabela (SP), onde trabalhou
por dois anos em restaurante, e veio para São Paulo fa-
zer o curso. “O David está me dando todo o apoio para
levar esse negócio para lá. Quero montar um curso igual
a esse em Ilhabela”, afirma o aluno. “Aprendi muito sobre
cozinha brasileira e a estrutura da faculdade, com labo-
ratórios e biblioteca, ajuda muito em pesquisa”.
Educação empreendedoraO próximo objetivo da organização é o de se tornar
uma incubadora de pequenos grupos. O projeto existe,
mas está em fase de capacitação de recursos. O projeto
piloto da incubadora é um grupo de mulheres de Paraisó-
polis. “Elas são lideradas pela empreendedora Ana Lau-
ra, que faz bufê na comunidade e emprega outras sete
pessoas para fazerem a produção”, conta o chef David.
“O apoio que nós passamos para ela é o da capacitação
em plano de negócios e acesso a crédito. Há um planeja-
mento para o negócio dela ganhar escala”. Parte do pla-
no de negócios é desenvolver cardápios saudáveis para
o bufê de Ana Laura. Uma vez capacitada, ela repassa o
conhecimento aos aprendizes. É assim que, ao dar asas
os sonhos dos jovens, David Hertz e seus colaboradores
almejam fazer da Gastromotiva um centro de educação
empreendedora. Alçando voos cada vez mais altos rumo
a um futuro de inclusão e sustentabilidade.
O premiado chef David Hertz com seus alunos: receitas de gastronomia e sustentabilidade
sabor e saúde 43sabor e saúde 43
O Mercado Municipal de São Paulo proporciona aromas e sabores, aulas de nutrição e, até mesmo, um encontro com o Modernismo brasileiro
Você tem
A geografia do tempoO geógrafo Milton Santos dizia que todo espaço é
formado por um acúmulo de tempos. Ou seja, todo espaço
físico humano pode ser entendido como um acúmulo de
tempos históricos — nos quais estamos, por definição,
mergulhados até o pescoço.
E lá estávamos nós, um grupo atento às explicações
da primeira guia, Letícia Xavier Pereira, estudante de Turis-
mo da USP, destrinchando todas as camadas históricas que
se acumulavam nos 12.600 metros quadrados do Merca-
dão, tal qual as múltiplas fatias do sanduíche de mortadela
do tradicional Bar do Mané. Deliciosas, mas
também repletas de sódio, calorias e
gorduras saturadas, nos lembrava a
segunda guia, Luísa Portásio, aluna
do último ano do curso de Nutrição
da mesma universidade, recomen-
dando moderação.
fome de quê?Logo na entrada, no brasão da prefeitura, a famosa divisa latina anuncia em
tom quase ameaçador: Ducor, non duco (Conduzo, não sou conduzido). Mas é preci-
so ignorá-la. Porque a ideia hoje é justamente deixar-se conduzir pelas monitoras da
visita guiada — bem como pelos aromas que percorrem os corredores de delícias do
Mercado Municipal de São Paulo.
São dez da manhã de uma ensolarada quarta-feira de inverno. Estamos diante
do portão 4, na Rua da Cantareira, região central de São Paulo. O ponto de encontro do
grupo de 11 pessoas é o mezanino — espaço gourmet com restaurantes e praça de
alimentação panorâmica adicionado ao projeto original na última reforma de 2004.
Antes de entrar no prédio, porém, percebo que, do alto de sua fachada em estilo
arquitetônico eclético, oito décadas de história contemplam os visitantes. Com seus
olhos de pedra, as efígies femininas em baixo-relevo testemunham as vertiginosas
transformações sofridas pela cidade.
Se hoje observam o caótico fluxo de automóveis da Avenida do Estado, em sua
origem acompanhavam o lento escoar de embarcações pelo Rio Tamanduateí, transpor-
tando hortifrutigranjeiros das chácaras da região. Este rio — na época limpo e repleto
de peixes — associava-se ao Rio Tietê no transporte de pessoas e de grande parte da
produção de alimentos de São Paulo. Uma cidade que tinha muita fome. Principalmente
de expressão modernista, em meio a uma pauliceia que se urbanizava
rapidamente, canibalizando sua própria história e diluindo na fumaça
das indústrias nascentes suas origens rurais.
Ao entrar no Mercadão e abrir caminho por entre a pletora de
cheiros, nos saúdam duas jovens estudantes da USP, Luísa e Letícia,
nossas guias na visita.
44 sabor e saúde
Se o modernista idealizador da Revista
de Antropofagia Oswald de Andrade ainda pu-
desse frequentar o Mercadão, talvez trocasse
sua fixação pela deglutição do Bispo Sardinha
pela do peixe em si, rico em ômega-3, vendido
em lata no boxe do Empório Cruzília — ou mes-
mo a versão in natura encontrada na Peixaria
Renato Rabelo. Quem sabe até se permitisse
ingerir um tradicional pastel de bacalhau do Hocca Bar,
ignorando sua maior quantidade de calorias e de sódio.
Oswald, assim como o Mercadão, são produtos es-
pecíficos de um momento de intensa ebulição histórica,
econômica e social em que a pujança cafeeira consoli-
dava a ascensão de uma burguesia ávida por construir
monumentos que destacassem seu sucesso — fossem
eles literários ou arquitetônicos.
Legítimo filho de sua época, após ser concebido nas
pranchetas do escritório de arquitetura Ramos de Azeve-
do (cujo DNA pode ser encontrado também no
Teatro Municipal e no Palácio das Indústrias), o
Mercadão teve um parto lento: durou de 1926
a 1933. E sofrido: antes de abrir suas portas
oficialmente ao público, teve de servir de paiol
e abrigo para as forças revolucionárias paulis-
tas de 32 que se opunham a Getúlio Vargas.
Letícia continuava a discorrer sobre
a história com H, aquela em que os aconte-
cimentos ocorrem apenas uma vez no tempo. Mas os
queijos de Minas servidos como aperitivo aos visitantes
no boxe do Queijos Roni nos convidavam a percorrer o
universo literário de Guimarães Rosa, que preferia as
estórias com E — aquelas que acontecem no domí-
nio da fábula, situadas fora do tempo, para que pos-
sam acontecer sempre.
Enquanto beliscava ao lado de Luísa uma tá-
bua mista de queijos (e aprendia qual deveria ser
minha cota diária de cálcio, vitamina D e gordura
saturada), desejava secretamente que aquela vi-
sita guiada não acabasse nunca. E que não demo-
rássemos para provar a goiabada cascão do boxe
ao lado.
Oswald de Andrade e a obcessão pelo Bispo SardinhaEm 1928, Oswald de Andrade publicou seu Manifesto
Antropofágico com algumas de suas principais ideias
sobre o Movimento Modernista brasileiro. A noção de
canibalismo incorporada por Oswald origina-se do pa-
pel simbólico que este possui para certas sociedades
tribais: ao comer outro ser humano, o interesse do
canibal não está em nutrir-se, mas em incorporar as
virtudes do outro. na tradução de Oswald, a cultura
brasileira, ao digerir aquela do europeu colonizador,
torna-se mais forte que ela. não é por outra razão que
os exemplares de sua Revista de Antropofagia eram
numerados, pela ordem, como primeira, segunda, ter-
ceira... dentição. Ou que ele tenha desafiado a lógica
do calendário gregoriano, datando seu Manifesto como
sendo do “Ano 374 da deglutição do Bispo Sardinha.”
Vítima do mais conhecido “banquete antropofágico”
do país, o português Dom Pedro fernandes Sardinha,
primeiro Bispo do Brasil, foi devorado por índios em
1556 com mais dezenas de tripulantes que, com ele,
naufragaram entre o litoral de Sergipe e Alagoas.
sabor e saúde 45
Modismos e escolhas alimentaresDas carnes, passamos às bancas de frutas do Boxe 18.
Junto às tradicionais bananas, uvas, maçãs, melan-
cias e suas cotas de fibras, carboidratos e vitaminas,
encontramos também parentes exóticas que desa-
fiam descrições, como pitayas, chirimoias, mangos-
tins, coroas-de-frade (um tipo de cacto) e rambotins –
uma espécie de lichia barroca.
No estande Massas Nancy, a disputa pela atenção dos
fregueses é tão dura quanto pode ser um legítimo grano duro.
Raviólis brigam com fusilis. Nhoques entram em choque com talha-
rins. Espaguetinis partem para a ignorância com tortelonis. Todos parecem ter sangue al
dente. Mas, olhando mais de perto, vemos que é só molho de tomate.
A última parada do grupo é no boxe Mr. Josef, especializado em temperos. Luísa re-
comenda usarmos mais especiarias naturais em vez de pesar a mão no sódio do sal de
cozinha comum — especialmente nocivo aos hipertensos (e havia alguns no grupo). E,
no lugar do aroma artificial de baunilha, que tal usar as favas da baunilha legítima? Pare-
ce uma ótima pedida.
De sobremesa, aprendemos que doces e compotas são repletos de carboidratos
simples, com elevado índice glicêmico, sem oferecer quantidades significativas de fibras
e outros nutrientes. Isso quando não carregam gorduras saturadas envolvidas em seu
preparo. Todos concordamos que é melhor pegar leve.
Ao final da visita guiada, Luísa despede-se com uma provocação:
“O sistema de produção de alimentos de certo momento histórico é que
determina nosso consumo alimentar. Ao longo do último século, o papel
exercido pela publicidade e pelos meios de comunicação também não
pode ser desprezado como influente formador de opinião nutricional”. E
conclui: “Para escapar dos modismos gastronômicos, é muito importante
que todos nós busquemos as melhores e mais confiáveis fontes de informa-
ção antes de fazermos nossas escolhas”.
Ao mesmo tempo, alheio a tudo
e a todos — e salpicado de gelo moído
— o salmão fresco parecia não se im-
pressionar com a nossa presença. Que
inventário de abismos submarinos não
haveria sido no passado impresso em
suas retinas?
Luísa revela que de sua dieta de
crustáceos restava apenas a coloração
rósea de sua carne, rica de triptofano e
outros aminoácidos essenciais. Mas nem Luísa nem Le-
tícia conseguiam imaginar por quais mares nunca antes
navegados teria singrado o bacalhau fresco ao seu lado.
E as tilápias, tucunarés, tambaquis, bagres e demais
peixes de água doce? Quantas camadas de tempo os
separam das espécies semelhantes que nadavam pelo
vizinho Rio Tamanduateí e eram desembarcadas como
importante fonte proteica no cais do porto que existia no
local em que hoje se localiza a vizinha Ladeira Porto Ge-
ral? O quê? A água chegava até lá? Muitos do grupo, que
não eram naturais de São Paulo, se perguntaram.
Sim, chegava, responde Letícia, observada pe-
los personagens mostrados nos translúcidos e colori-
dos vitrais antigos criados pelo artista russo Conrado
Sorgenicht, que ajudam a iluminar o átrio do Mercadão.
São imagens rurais, idealizadas, de camponeses
das fazendas de café. Uma das senhoras do nosso grupo
diz que acha bonito, mas um pouco acadêmico demais
para seu gosto. Preferiria que os vitrais tivessem a assi-
natura de um Portinari.
Sob essa luz, Luísa nos introduz à fartura de pro-
teína animal fornecida pelas carnes do balcão do boxe
Porco Feliz. Aqui, além da carne suína tradicional, po-
demos comprar carne de bichos tão
diversos como avestruz, pato,
jacaré, coelho, faisão, paca, ca-
teto, queixada, vitelo e cabrito
– todos criados e abatidos
de forma sustentável.
As doenças cardiovasculares são as maiores causas de morte no mundo. Entre os principais fatores de risco encontra-se a obesidade, uma epidemia que acomete cerca de 1,1 bilhão de adultos e 10% das crianças no mundo todo. Embora tais números repre-sentem manifestações clínicas distintas em diferentes órgãos, remetem a um mesmo fe-nômeno: a aterosclerose.
Há anos, considerou-se que seu apa-recimento e desenvolvimento fossem mera-mente acúmulo de lipídios na parede arterial. Estudos recentes, contudo, principalmente nas duas últimas décadas, mudaram essa visão. Avanços em biologia vascular têm esclarecido que as lesões são de fato uma série de respostas celulares e molecula-res altamente específicas e dinâmicas, es-
de eventos, bem como discutir uma estraté-gia terapêutica específica. Se as lesões pri-mordiais são de manifestação muito preco-ce, inclusive na infância, como determinar o momento de iniciar a terapia? É impossível abandonar a gordura e o colesterol da ca-deia alimentar. O “bandido”, em algumas si-tuações, é “mocinho” em outras, visto que a gordura é uma fonte indiscutível de energia e não podemos viver sem ela. Nosso foco é o equilíbrio de cada componente nutricional dentro da dieta.
Esse estudo mostra, pela primeira vez, a presença dos cristais de colesterol nas fa-ses precoces da aterosclerose e como se re-laciona à gênese da inflamação. Entretanto, trata-se de um estudo experimental observa-cional, sem descrição detalhada da amostra e sem população controle, o que limita a inter-pretação dos dados e impede a extrapolação dos resultados para seres humanos. Assim, há um longo caminho a ser trilhado nesse campo e estudos clínicos são necessários para dar robustez ao achado inicial.
À luz dos conhecimentos atuais, a ate-rosclerose deve ser considerada uma doença multifatorial, onde fatores genéticos predis-ponentes encontram um ambiente favorável a seu desenvolvimento, uma vez que o estilo de vida moderno concorre para o consumo de alimentos industrializados, ricos em gordu-ras saturadas e colesterol e a atividade física regular parece uma condição cada vez mais distante. Cabe a nossa contribuição e deci-são para quebrar esse círculo vicioso.
[1] Duewell P, Kono H, Rayner KJ e col. NLRP3 inflammasomes are required for atherogenesis and activated by cholesterol crystals. Nature 2010; 464: 1357-1362.
fábio Cardoso de Carvalho é Doutor em Cardiologia pela faculdade de Medicina de Botucatu – UnESP e médico do setor de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista do Hospital das Clínicas da UnESP.
leitura crítica
Cristais de colesterol sendo projetados da parte interna do vaso, provocando lesão. As cores foram adicionadas para intensificar a visualização
sencialmente inflamatórias por natureza. Em pacientes vulneráveis, fatores de risco traumatizam a porção mais interna do vaso (endotélio), estimulando uma resposta in-flamatória/proliferativa que leva ao desen-volvimento da aterosclerose.
Vários mecanismos têm sido descri-tos para explicar como uma placa estável pode tornar-se instável, romper-se e expor seu conteúdo e as porções mais internas da parede vascular — desencadeando ati-vação do sistema de coagulação e formação de trombo que pode ocluir completamente o vaso. A inflamação, porém, permeia todos eles e está intimamente envolvida na gêne-se, desenvolvimento, progressão e manifes-tação da aterosclerose.
Recentemente, conforme estudo pu-blicado na revista Nature (1), observou-se depósito de cristais de colesterol em fases muito precoces da aterosclerose. Sua pre-sença foi relacionada à maior agregação celular, maior atividade inflamatória e insta-bilização da placa, levando a manifestações clínicas catastróficas.
Diversos são os fatores e substâncias envolvidos nos fenômenos inflamatórios que incidem sobre a aterosclerose. Logo, é difícil apontar um só culpado nessa cadeia
Aterosclerose: uma mudança de paradigma?
fo to _ Michigan State University
A microbiota intestinal (MI) é composta por trilhões de células microbianas que in-fluenciam uma série de reações bioquímicas determinantes da saúde e de diversas doen-ças do hospedeiro. Por isso, é cada vez maior o interesse em modulá-la no sentido de me-lhorar a saúde e reduzir o risco de doenças ao longo da vida.
A composição da MI é similar na maioria dos indivíduos saudáveis, com cerca de 90% dos micro-organismos pertencentes aos filos Firmi-cutes e Bacteroidetes. No entanto, as espécies podem variar entre indivíduos [1,2]. A compo-sição e a atividade metabólica da MI podem ser alteradas por fatores como tratamento com antibióticos, processos inflamatórios, idade e dieta. Evidências sugerem que tais alterações se acompanham por mudanças no genoma co-letivo da MI (microbioma) e estudos recentes têm buscado verificar como alterações no pa-drão alimentar podem influenciar o microbioma e, deste modo, a fisiologia humana.
Nossa dieta pode conter prebióticos, ingredientes seletivamente fermentáveis que permitem mudanças específicas na compo-sição ou atividade da MI [3]. Vários polissa-carídeos complexos não digeríveis de origem vegetal podem ser considerados prebióticos, como os frutanos do tipo inulina e os fruto-oli-gossacarídeos. Estudos in vitro e in vivo mos-tram que esses compostos podem estimular
Modulação da microbiota intestinal: uma nova perspectiva
para a saúde do hospedeiro?seletivamente gêneros de bactérias benéficas ao hospedeiro, como, por exemplo, Lactoba-cillus spp. e Bifidobacterium spp. Esses car-boidratos não digeríveis são a maior fonte de energia para a comunidade microbiana e sua fermentação é uma das principais funções co-dificadas no microbioma. Assim, alterações no tipo e quantidade de prebióticos poderiam re-sultar em mudanças na composição e funções metabólicas da MI.
Em estudo recente [4], foi investigado o locus gênico de utilização de frutanos do Bac-teroides thetaiotaomicron (Bt), com o objetivo de saber como espécies de Bacteroides spp. metabolizam essa classe de carboidratos. Pre-sentes em maior proporção na microbiota hu-mana, apresentam ampla capacidade de uti-lizar diferentes tipos de polissacarídeos que são codificados no seu genoma por clusters de genes corregulados. Análises revelaram um “sensor/receptor” para frutose, que con-trola o locus de utilização de frutano em Bt. Os resultados mostraram, ainda, que o conteúdo genético desse locus difere entre as espécies de Bacteroides spp., sugerindo uma especifici-dade e abrangência na utilização dos frutanos. Além disso, foi verificado que a endofrutanase ß2-6 extracelular (BT1760) distingue, gene-ticamente e funcionalmente, a espécie Bt e permite que esse micro-organismo utilize o frutano tipo levano com ligações ß2-6. Os re-
Dra. raquel Bedani, Mestre e Doutora em Alimentos e nutrição pela faculdade de Ciências farmacêuticas-UnESP e Pós-Doutoranda do Departamento de tecnologia Bioquímico-farmacêutica da faculdade de Ciências farmacêuticas-USP.
[1] Zoetendal, E.G.; Rajilic-Stajanovic, M.; de Vos, W.M. High-throughput diversity and functionality analysis of the gastrointestinal tract microbiota. Gut 57:1605-1615, 2008. [2] Turnbaugh, P.J.; Hamady, M.; Yatsunenko, T., et al. A core gut microbiome in obese and lean twins. Nature, 457:480-484, 2009. [3] Roberfroid, M.B. General introduction: prebiotics in nutrition. In: Gibson, G.R.; Roberfroid, M.B. Handbook of prebiotics. Boca Raton: CRC, 2008. p.1-11. [4] Sonnenburg, E.D.; Zheng, H.; Joglekar, P. et al. Specificity of polysaccharide use in intestinal Bacteroides species dertermines diet-induced microbiota alterations. Cell, 141:1241-1252, 2010.
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sultados indicaram que BT 1760 é uma enzima específica para esse tipo de frutano, com ativi-dade não detectada para frutanos com ligação ß2-1 (inulina, por exemplo). Entre as espécies de Bacteroides spp. testadas, Bt pareceu ser a única capaz de utilizar levano. No entanto, outras espécies foram capazes de utilizar fru-tanos poliméricos com ligação ß2-1.
Os autores sugerem que diferenças feno-típicas associadas a alterações da dieta pode-riam explicar a variabilidade vista entre indiví-duos em estudos de enumeração da microbiota humana. Assim, espécies de micro-organismos mais adaptadas em utilizar um certo prebiótico levariam vantagem competitiva em relação às outras espécies em hospedeiros submetidos a uma dieta rica neste ingrediente.
Os resultados do estudo sugerem que mudanças na MI, induzidas pela dieta, pode-riam ser predeterminadas baseadas na capa-cidade intrínseca das espécies de micro-orga-nismos de metabolizar substratos consumidos pelo hospedeiro. Nesse sentido, a hipótese levantada é a de que dietas enriquecidas (ou deficientes) de determinados polissacarídeos complexos poderiam resultar em microbiotas com diferentes espécies, bem como com dife-rentes atividades metabólicas.
Confirmada essa hipótese, a dieta pode-ria ser personalizada para otimizar a função da microbiota e a interação da mesma com o hos-pedeiro, tendo por base informações obtidas de análises genéticas da comunidade microbiana intestinal do indivíduo. Entretanto, é de suma importância que novos trabalhos sejam realiza-dos, no sentido de se compreender melhor a re-lação entre estrutura e função dos prebióticos, bem como o papel dos micro-organismos intes-tinais na saúde e doença do hospedeiro.
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