IV Encontro Nacional de Estudos da Imagem I Encontro Internacional de Estudos da Imagem 07 a 10 de maio de 2013 – Londrina-PR
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Imagens da Vida, Imagens de Morte: Representações Fotográficas no Cemitério São Pedro – Londrina/PR e no Cemitério Santo Antônio –
Campo Grande/MS. Danilo Meira Leite1
Resumo: Analisamos as imagens cemiteriais, ou melhor, as fotografias presentes nas lápides,
sob vários olhares teórico-metodológicos, olhares e discursos estes que nos demonstram
como as fontes visuais podem ser usadas como instrumentos de construção do
conhecimento histórico e de percepção da transformação de mentalidades das pessoas no
espaço e tempo. Outro recurso de análise são as entrevistas. Na data de Finados na qual
muitas pessoas vão aos cemitérios prestar homenagens através de flores, velas, rezas, etc.
idosos que vêem como oportunidade para não apenas (re)lembrar parentes, amigos e
colegas falecidos, mas também os vivos, pois esta data também tem por finalidade
encontros. A fotografia presente na lápide dum cemitério está repleta de emoção, pois o que
a família tentou e/ou procurou deixar da memória, da lembrança que represente seu ente-
querido, a demonstração de cuidado e carinho são vistas por muitas pessoas num espaço
muitas vezes público, mas que se estabelece também como um álbum de lembranças para
os passantes. Portanto, os cemitérios municipais vêm a serem uma maneira de conhecer a
história de uma cidade, no caso dos objetos de estudo em questão Campo Grande-MS e
Londrina-PR, e a sua iconografia vem a ser um meio para se entender as mudanças de
mentalidades e costumes do ser humano perante a morte.
Palavras-chave: Cemitério – Imagem – Representação fotográfica.
Abstract:
Analyzing the cemeterial images, or better, the photos presents on tombstones,
under various theoretical and methodological looks. Looks and speeches we demonstrate
how these visual sources can be used as instruments of knowledge construction and
perception of historical transformation of mentalities people in space and time. Another
feature of the analysis are the interviews. On memorial day, in whom many people go to
1 Graduando do 3º ano do curso de História/UEL. Bolsista de iniciação científica PROIC/CNPq. E-mail: [email protected]
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cemeteries to pay their respects with flowers, candles, prayers, etc.. seniors who see it as an
opportunity to not only (re) remembering relatives, friends and colleagues who died, but
also the living, because this date also aims meetings. The photograph on a tombstone of this
cemetery is full of emotion, because the family has tried and / or sought to leave the
memory. the memory that represents their loved one, the demonstration of care and
affection are seen by many people in an area often public, but it is also established as an
album of memories to passersby. Therefore, the municipal cemeteries come to be a way to
know the history of a city. where the objects of study in question Campo Grande, MS, and
Londrina, PR, and its iconography becomes a means to understand the changes in attitudes
and customs of human beings seeing the death.
Key words: Cemetery – Image – Photographics representations.
1 – Introdução:
As imagens, especificamente as fotografias, que serão o foco de análise e reflexão
neste artigo, são fortes e bons meios de evidência/imaginação histórica ou/e um importante
meio de se ler uma determinada época, período ou tempo histórico. Muito embora se tem
discutido a possibilidade de imagens/fotografias em pesquisas históricas ou mesmo se elas
podem ser consideradas como um texto (iconotexto, iconografia), pois o código visual de
leitura de imagens, retratos e fotografias são evidentemente diferentes do código de leitura
de um texto escrito.
Conforme afirma o historiador inglês da cultura, Peter Burke, ainda no prefácio de
sua obra Testemunha Ocular, 2004:
“historiadores céticos quanto ao uso de imagens como evidência histórica, frequentemente afirmam que imagens são ambíguas e que podem ser ‘lidas’ de muitas maneiras. Uma boa resposta a este argumento seria apontar para a ambigüidade dos textos, especialmente quando são traduzidos de uma língua para outra”.
Na introdução desta obra Burke faz, igualmente, uma importante reflexão por meio de uma
citação, “deve-se também deixar espaço para o que Francis Haskell denominou ‘o ímpeto
da imagem na imaginação histórica’. Testemunha Ocular, 2004, p. 16”. Vem a ser
interessante ressaltar as muitas maneiras nas quais as imagens podem ser vistas, SONTAG
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diz, “a fotografia não é praticada pela maioria das pessoas como arte. É sobretudo rito
social, defesa contra a ansiedade e instrumento de poder (Ensaios sobre a fotografia, 1973
p.08)”. Além dos aspectos elencados por Sontag na citação precedente tem-se
problematizado o porquê do uso de fotografias em lápides, ou seja, a imagem cemiterial
surge como objeto de estudo no campo histórico, mais precisamente no campo da história
cultural, história das mentalidades e mesmo as relações de poder estabelecidas nos jazigos,
logo a história política pode ser abordada no campo do cemitério. Procurarei responder ao
por que destes usos da fotografia, assim como a sua representatividade, a sua chegada ao
locus cemiterial e se a sua escolha vem a ser com o intuito de perenizar a pessoa que jaz.
Para isso usarei não apenas os recursos imagéticos, mas também literários e os discursos
teóricos sobre este tema da fotografia e a morte.
2 – Origens:
A fotografia surge na década de 1830, artefato este restrito a um seleto grupo de
pessoas que detinham o acesso aos meios tecnológicos vigentes. Para MAUAD, “Ainda no
século XIX, sua difusão provocou uma grande comoção no meio artístico, marcadamente
naturalista, que via o papel da arte eclipsado pela fotografia (Através da Imagem:
Fotografia e História Interfaces. 1996, p.02)”. Segundo Annateresa Fabris o ingresso da
fotografia na fase de industrialização se dará apenas em 1854, com a descoberta patenteada
por Disderi: o cartão de visita. O cartão de visita estende o direito de imagem ao grande
público, ao próprio proletariado, à classe trabalhadora que não tinha como se apropriar
desse meio tecnológico de alto custo, ou seja, o daguerreótipo, destinado à classe burguesa
(FABRIS, 2004, p. 29).
O uso da imagem com o objetivo de se auto-representar não é contemporâneo,
desde o Egito antigo o ser humano pintava os túmulos. Os estudos “pré-históricos” não se
dariam ou se limitariam grandemente caso não houvesse o auxílio de imagens, de pinturas.
Porém, a fotografia não é exclusivamente de uso individual. A historiadora da arte
Annateresa Fabris usa a expressão “teatralização de uma identidade social”, ou seja, a
fotografia cria um aparato simbólico-realista de uso coletivo. Porém, a priori, a fotografia
servia para criar uma identidade de grupo muito específico, como o uso de acessórios e
cenários para constituir uma espécie de “brasão burguês”, para tornar evidente quem
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detinha não apenas posses, mas status social. Neste mesmo caminho afirma Peter Burke,
“as posturas e gestos dos modelos e os acessórios e objetos representados à sua volta
seguem um padrão e estão frequentemente carregados de sentido simbólico (2004, p.31)”.
Ora, ao mesmo tempo em que há um “padrão a ser seguido” por uma determinada classe
que toma para si privilégios os quais julgam ser lhes exclusivamente inerentes, igualmente
há aqueles que subvertem esse molde estabelecido, “camuflando as diferenças entre classes
sociais, os fotógrafos ofereciam a seus clientes o que foi chamado de ‘imunidade
temporária em relação à realidade’(Testemunha Ocular, 2004, p.34)”. Complementando
esta questão implicitamente econômica subentendida à fotografia, Gisèle Freund descreve o
seguinte fato: “O ateliê do fotógrafo torna-se, deste modo, o depósito de acessórios de um
teatro, no qual são preparadas máscaras de personagens para todos os papéis sociais (In:
Identidades Virtuais, 2004, p.31)”. Com base nestes argumentos pode-se depreender que
seria um equívoco interpretarmos, lermos e analisarmos fotografias com um olhar
despretensioso, mas sim devemos refletir que o fotógrafo é um agente influenciador no que
tange à própria fotografia, não simplesmente o fotografado ou o objeto do fotógrafo. A
pessoa que fotografa tem a sua visão de mundo e estabelece um recorte ao praticar a ação.
A distorção fotográfica pode vir a ser o objeto de estudo do historiador, são
fenômenos que implicitamente os/as historiadores/as das identidades, mentalidades entre
outros/as podem procurar elucidar ou mesmo tecer uma imaginação lógica. É possível
estudar os detalhes da fotografia, ou seja, as poses, vestimentas, gestos, etc. “A
interpretação de imagens através de uma análise de detalhes tornou-se conhecida como
‘iconografia’ (BURKE, 2004, p.41)”. Cito dois autores que se contrapõem ao que diz
respeito à maneira, ao uso do verbo “ler” em relação às imagens, apenas para explicitar as
divergências teóricas em torno de interpretações imagéticas. Roger Chartier afirma numa
entrevista cedida à cientista política Isabel Lustosa, no ano de 2004:
“Fazer imagens a partir de textos, é o princípio de toda a iconografia cristã. Textos se transformam em imagens, e vice-versa, mas nunca são idênticos entre si, pois há toda uma série de interpretações, mediações, apropriações. (...) Creio que querer analisá-la (imagem) como texto é uma perspectiva teoricamente equivocada, porque a lógica de construção da imagem ou de decifração da imagem não é a mesma do texto. Parece-me que a lógica gráfica e a lógica textual não se identificam”
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Contraditoriamente, o crítico “Roland Barthes (1915-1980) certa vez declarou: ‘Eu leio
textos, imagens, cidades, rostos, gestos, cenas, etc.’ (In: Testemunha Ocular, p. 44)”. Ou
seja, Barthes põe em pé de igualdade a leitura de artefatos culturais que para Chartier são
de lógicas que não se identificam, que se contrapõem.
3 – Cemitério
3.1. – Campo Grande
Conforme Paulo Coelho Machado em A Rua Velha, nas páginas 28 e 29, temos:
“Nessa época foi preciso desocupar o local onde era o cemitério, pois previa-se a expansão
da cidade para o lado norte (...) Tomavam a iniciativa os líderes da comunidade, por um
consenso tácito do povo”. A seguir o autor cita a ata da reunião e na mesma implícito o
motivo da mudança do referido cemitério:
“aos 21 dias do mês de novembro de 1887, nesta povoação de Santo Antônio de Campo Grande, reunidos os cidadãos Vicente F. Da Silva, Filadelfo de C. Machado, Joaquim V. d’Almeida, Possidônio V. d’Almeida, José M. Cardoso e Bernardo Baís, resolveram e de comum acordo combinaram em promover uma subscrição para com o resultado ser feito um novo cemitério em lugar conveniente, visto ser o atual não só insuficiente pelo tamanho e construção como por estar muito próximo ao povoado. MACHADO, Paulo Coelho. Pelas Ruas de Campo Grande Vol. I: A Rua Velha. Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, Agosto de 1990”.
Nesta época Campo Grande ainda era um pequeno povoado do sul do estado de Mato
Grosso, pois: “em 1880, o sul de Mato Grosso contava com poucos aglomerados humanos,
o antigo arraial de Beliago, existente desde 1729 e qua a lei provincial de 6 de novembro de
1872 elavara a distrito judiciário de Corumbá, esta a grande e única cidade sulina” apenas
com o início do período republicano, nos idos de 1889 que Campo Grande pela lei
provincial número 792, vem a ser criado com o nome de distrito de paz de Santo Antonio
de Campo Grande, este o padroeiro da cidade. E como capital do atual estado de Mato
Grosso do Sul apenas na década de 1970, ainda durante a ditadura militar.
As duas imagens abaixo mostram a questão do pioneiro na cidade de Campo
Grande-MS,
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Fotografias tiradas pelo autor do artigo in loco, em 20.07.2012. (as demais fotografias presentes neste trabalho
foram , igualmente, realizadas pelo autor).
No qual tem-se na primeira, embora muito escura devido às extensas árvores que observa-
se no local gerando consequentemente ampla área com sombras, a esfinge esculpida do
patrono da cidade: José Antônio Pereira que foi o responsávlel, como se observa, por tirar
Campo Grande do atraso. Assim como há outro monumento fálico de Pereira na Av.
Afonso Pena esquina com a Rua José Antônio, um dos cruzamentos principais da cidade e,
por conseguinte, de grande fluxo.
Assim é descrito José Antônio Pereira:
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Ou seja, como “fundador de Campo Grande”. Perspectiva esta que desconsidera a imagem
do nativo indígena que há muitos séculos habitavam estas terras, como exemplo os povos
Guaikurus, Guaranis-Kaiowá, entre outros. Muito embora este não seja o foco da discussão,
no entanto deve-se ressaltar estes aspectos para elucidarmos o espaço geográfico no qual,
também, se insere esta pesquisa.
Segundo a historiadora Ana Maria MAUAD, em Fotografia e as dimensões visuais
do privado e do público na trajetória de imigrantes libaneses no Rio de Janeiro (1900-
1950) In: Olhares sobre narrativas visuais (2012), afirma: “deslocamentos, expectativas,
projetos e esperanças, tudo isso registrado em fotografias que revelam a busca de
construção de uma imagem no presente que se lance para a posteridade”. Desta forma se
evidencia as fotografias cemiteriais, que conforme Mauad neste mesmo artigo estabelece:
“Documentos/monumentos apresentam aspectos da cultura material que orienta os projetos
de estabelecimento das comunidades”. Portanto as fotografias vem a ser meios de ser ver o
local em que se está inserido, como um museu a céu aberto, ou mesmo um ábum de família.
Mas, não apenas como um campo harmonioso, pois o cemitério denota um espaço de luta
de símbolos e mesmo político-religiosas. Como exemplo a representação fotográfica
presente no belo monumento abaixo, localizado no cemitério municipal Santo Antônio:
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São nítidos os sincretismos religiosos presentes neste jazigo, pois desde os
caracteres orientais, presumivelmente de cunho religioso, que a priori não denota ser
cristão, assim como os utensílios à extrema esquerda e à extrema direita deste mausoléu
não remetem à religião cristã. Muito embora ao centro se encontra um ícone forte da
religião cristã, isto se deve “por intermédio dos contatos, choques, trocas e negociações
culturais decorrentes da imigração japonesa, certas tipologias de túmulos, apropriando-se
de diferentes matizes culturais (ANDRÉ, Richard Gonçalves, 2011)”.
Ainda ao que se refere a Campo Grande, no qual esta cidade ainda pertencia ao
estado de Mato Grosso, num processo que se encontra na década de 1920, tem se um
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jazigo, um documento interessante a se analisar, dos possíveis fundadores do cemitério:
Abaixo este jazigo em detalhes:
Nesta imagem ao lado observa-se a seguinte
epígrafe: “A cidade de Campo Grande ao seu Benemerito Bem feitor – Amando D’Oliveira
– 1925”, na placa abaixo o nome deste e de sua esposa Dorothea de Oliveira, este/a que
foram, segundo a epígrafe: “Doadores de parte de sua fazenda Bandeira para construção
deste cemitério. Homenagem de seus descendentes”. A fotografia de seu Amando não
aparece no túmulo, homenagem, possivelmente por ter morrido num tempo em que o
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acesso à imagem fotográfica era um recurso difícil nos “sertões” do Brasil, porém a da
senhora Dorothea se encontra, numa década em que o acesso a fotografia era menos difícil,
década de 1970 quando ela falece. Fotografia que procura representar a proprietária de
terras como benigna, como doadora da terra no qual ela veio a usurpar, imaginário de
produtoção e criação que vai de encontro ao modo de vida existente na região em que
habitavam nativos. Dorothea aparece como sendo de uma família tradicional e pelo
vestuário, de fato, da elite ruralista do contexto da pós-marcha para Oeste, que decorreu a
extensa exploração dos recursos do estado do ainda Mato Grosso. Representação
fotográfica esta que como conceitualizado num artigo por Roger Chartier designa
“enfrentamentos sociais baseados nas confrontações diretas, brutais, sangrentas, cedam
cada vez mais lugar a lutas que têm por armas e por objetos as representações (1994, Rio de
Janeiro, v.7. p.97-113)”. O que explicita a fotografia num campo demarcado por
coonfrontos, sejam eles religiosos (sincretismos, apropriações), econômicos (suntuosidade,
beleza dos túmulos/jazigos) e mesmo políticos como os exemplos citados anteriormente,
presentes no cemitério Santo Antônio/Campo Grande-MS, assim como veremos
semelhanças e particularidas com o cemitério São Pedro, de Londrina-PR.
3.2. – Londrina
A cidade de Londrina fora colonizada por um grupo de ingleses proprietários da
Companhia de Terras Norte do Paraná, a esta empresa associa-se pela visão dos
dominantes como a que trouxe o ideal de progresso. Como exemplo, são fontes deste
período as fotografias realizadas pelo fotógrafo José Juliani, contratado pela companhia:
“As fotografias de Juliani foram produzidas ao longo das décadas de 1930 e 1940, num
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contexto bastante específico, perpassado por interesses de diversos matizes, desde a venda
de terras à expansão das fronteiras nacionais (ANDRÉ, Richard. 2006. p.31)”.
Neste contexto histórico se pode observar no Brasil, década de 1930, fator de grande
relevância no que concerne às demarcações de fronteiras, de representações de força
simbólicas e políticas, a assim chamada marcha para o Oeste. Esta marcha que fora
realizada por meio do ideal civilizador do governo de Getúlio Vargas, no qual a cidade de
Londrina se insere. Pode-se destacar também que de fins do século XIX aos primeiros anos
da década de 1930 a fotografia vem a se comportar no cemitério, fase esta da entrada e
consagração da imagem fotográfica enquanto elemento de memória (Gawryszewski, 2013
p.02. Fotógrafos e suas fotografias em cemitérios: Cidades do Rio de Janeiro e Curitiba.
1900-1935).
Conforme Philippe Ariès, “as imagens da morte traduzem as atitudes dos homens
perante a morte (Sobre a História da Morte no Ocidente, 2003, p.97)”. Completaria esta
citação de Ariès com base em estudos da historiografia da cultura, entre eles Roger
Chartier, Peter Burke, entre outros, que estabelecem que não apenas em “atitudes” as
imagens traduzem o sentimento do ser humano em relação à morte, assim como aspectos
culturais diferenciados num tempo e espaço são característicos, as relações de poder, as
representações religiosas e simbólicas são outros elementos que se mesclam e se fundem,
nos quais consequentemente ampliam o locus de estudo e conhecimento acerca deste objeto
tão amplo, muito embora deveras conflituoso e complexo. Complexo, entre outros fatores,
o cemitério ter sua própria geografia: “O cemitério é um espaço dividido por classes, não
pode se iludir. As alas centrais, as mais altas, próximas a capela do mesmo, são as mais
cobiçadas pela elite (Gawryszewski, 2013. p.19)”. Este fator foi ressaltado anteriormente
quando citei e procurei analisar a entrada do cemitério Santo Antônio, em Campo Grande-
MS, no qual o fundador, o pioneiro que demarca o progresso desta cidade estava justamente
na “recepção”, na entrada dando “boas vindas” aos passantes e/ou visitantes.
Abaixo representação de jazigo do cemitério São Pedro, de Londrina-PR.
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Fotografia realizada em 11.04.2013. in loco. (as demais referentes à cidade de Londrina-PR foram realizadas
neste dia, pelo autor do artigo).
Nesta imagem acima, pode-se observar algumas questões. Observações estas que
nos remetem a reflexões acerca da hora mortis. A família vem a ser, evidentemente, cristã
católica, por estar presente a estátua que representa o Sagrado Coração de Cristo. Há
algumas fotografias da família (cinco), não apenas a presença da fotografia, mas como a
epígrafe vem a elucidar o tempo em que fora produzida.
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Delphina Frediani, a garota à extrema esquerda no canto superior do jazigo, nos mostra o
imaginário da criança como um ser inocente. Pois falecera com apenas 6 anos de idade
deixando saudades dos seus. A sua fotografia presente na lápide é um fator a ser
considerado por ter sido colocada num período em que o acesso à tecnologia fotográfica
eram para poucas pessoas, devido ser um recurso ainda caro, como afirmado por
Gawryszewski:
“a burguesia ascendente optou pelo uso da imagem fotográfica feita sobre porcelana em estúdios fotográficos profissionais, para ornamentar seus túmulos e mausoléus, inaugurando, assim, nos primeiros anos do início do século XX uma prática que se entende até hoje para todas as classes sociais (2013, p.02)”.
Aqui, no que diz respeito à vulgarização da fotografia há um diálogo com a historiadora da
arte Annateresa Fabris no qual ela afirma que com o advento do cartão de visita (porta
retrato) por Disdèri a fotografia alcança um público não tão elitista, porém até meados do
século XX no Brasil ainda não se pode falar em fotografias como de acesso público.
Numa perspectiva imagética maior está Delphina Frediani. Fotografia ornamentada
em bronze, material este cada vez mais escasso em cemitérios devido aos furtos, realizados
em demasia no decorrer de 2010/2011, como foi noticiado pelo próprio JL (Jornal de
Londrina) http://www.jornaldelondrina.com.br/mundo/conteudo.phtml?id=1276542 apesar que desde
fins de novembro de 2012 com a utilização de câmeras de vigiliância, assim como o uso de
vigilantes e postes de iluminação vem reduzindo ass ações de vândalos neste ambiente.
Pode-se ressaltar brevemente nesta fotografia de Dorothea aspectos de sua época, como o
vestuário e adornos típicos, exemplo o lenço ou fita na cabeça.
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Neste cemitério São Pedro, para ficarmos apenas em mais um exemplo de imagem
cemiterial, no qual se observa os conflitos já mencionados acerca das práticas simbólicas e
político-econômicas, se observam neste jazigo abaixo:
A primeira refere-se à parte frontal do monumento. No qual há certa linearidade na
leitura desta imagem. Pois se nota o casal acima (supostamente os patriarca e matriarca da
família), e abaixo possivelmente os filho e filha do casal. Compreendo desta forma, muito
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embora me limito a esta leitura da família por só haver as imagens fotográficas, as
inscrições por estarem num código linguístico que não compreendo se estreita numa análise
mais simplória. Muito embora possamos observar outros fatores presentes nestas duas
imagens que corresponder ao mesmo jazigo, ao fundo de ambas se percebe uma paisagem
repleta de edifícios nos quais o cemitério a priori veio a ser construído num campo distante
da urbe, porém o avanço desta se aproximou ao campo cemiterial, portanto, indo de
encontro aos ideais médico-higiênicos de finais do oitocentos. Este é um túmulo
tipicamente oriental, nele se podem ler (ou apenas observar) um código linguístico bem
diferente dos quais no cotidiano usamos, tanto na parte frontal quanto na parte de trás do
túmulo. Há, ao fundo, diversos jazigos representados com uma cruz cristã, uns mais
simples outros feitos com mais recursos financeiros.
No que concerne às práticas religiosas podemos constatar nítido contato das pessoas
com a religião cristã, sejam demonstrações simples, nos quais se tem apenas uma cruz, ou
um terço, ou velas que podem denotar rezas/orações. Ou até grandes esfinges, estatuárias
complexas, como exemplo com Cristo num tamanho de uma pessoa de estatura média na
página de número 11 deste artigo, nesta imagem se pode observar também representações
de capelas ao fundo, devido entre outros aspectos que foram estudados por Philippe Ariès,
pela impossibilidade das fiéis serem enterradas no recinto relativo à igreja, como as elites
assim faziam em boa parte do Ocidente cristão até meados do oitocentos, “a morte é uma
cerimônia pública, organizada pelo próprio moribundo (ARIÈS, 2003, p.24)”. Portanto,
quando não o falecido a sua família o procura representar pelas suas práticas que o
identificavam, ou ao menos o faziam se identificar pelo olhar dos/as outros/as.
4. Considerações Finais
À guisa de conclusão, a imagem no campo cemiterial como fora procurado mostrar
através de suas representações e de exemplos neste artigo, vem ao encontro duma história
cultural, no entanto não deixa de elucidar através de um diálogo político. A ênfase é dada
no que se refere às práticas, às mentalidades, às apropriações por povos e costumes dos
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mais diversos, de referenciais teórico-metodológicos que se inserem em questões técnicas
mas também em fatores que abarcam a arte, arquitetura, entre outros.
O que se propõem, em resumo, ao estudar este espaço tão rico e farto são os
diálogos que o ser humano estabelece com o ambiente, com as práticas religiosas e
costumes afins. A fotografia vem a ser elucidativa para se entender olhares da época em
que fora realizada, do vestuário como fora afirmado, da própria pose e de como percebemos
na história presente as décadas ou mesmo séculos passados. Propôs-se neste texto observar
e refletir os valores destas épocas e seus símbolos.
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