INDICAÇÃO CME Nº 01/2019
O CONSELHO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE RIBEIRÃO
PRETO - SP, no uso de suas atribuições legais que lhe confere a Lei Complementar nº
310, de 30 de dezembro de 1993, na qual foi criado este conselho, como um órgão
consultivo, deliberativo e normativo; e a Lei Complementar nº 1.686/2004 que
estabelece suas competências e atribuições, conforme o artigo 179 da Lei Orgânica do
Município e artigo 243 da Constituição do Estado.
CONSIDERANDO a Constituição da República Federativa do Brasil
em seus artigos art. 5º, inciso I e inciso XLII, art. 210, art. 206, inciso I, §1º do art. 242,
art. 215, art. 216, art. 231 e art. 232.
CONSIDERANDO o Estatuto da Criança e do Adolescente em seus
artigos art. 4, art. 53, art. 54 e art. 58.
CONSIDERANDO a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional em seus artigos 26, 26-A e 79-B.
CONSIDERANDO as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação
Escolar Indígena, por meio do Parecer CNE/CEB nº 14/99 e da Resolução CNE/CEB nº
3/99.
CONSIDERANDO a Lei n.º 10.639, de 09 de janeiro de 2003, e a
Lei n.º 11.645, de 10 de março de 2008, que alteraram a Lei n.º 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, acrescentando o art. 26-A, parágrafos 1º e 2º, e art. 79-B, quanto à
obrigatoriedade do ensino da História e da Cultura Afro-brasileira e Indígena.
CONSIDERANDO o Parecer CNE/CP n.º 03/2004, 10 de março de
2004 e a Resolução CNE/CP n.º 01/2004, de 17 de junho de 2004 que instituiu as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o
Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana.
CONSIDERANDO o Plano Nacional de Implementação das
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o
Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana que tem como objetivo
colaborar para que os sistemas de ensino cumpram as determinações legais, enfrentando
as diferentes formas de preconceito racial, racismo e discriminação racial, garantindo o
direito de aprender e a equidade educacional, a fim de promover uma sociedade justa e
solidária. Assim como, oferecer orientação aos sistemas de ensino para que os mesmos
possam cumprir e institucionalizar a implementação das referidas Diretrizes
Curriculares.
CONSIDERANDO o Parecer CNE/CEB n.º 7/2010, 07 de abril de
2010 e a Resolução CNE/CEB n.º 04/2010, de 13 de julho de 2010 que instituiu as
Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica.
CONSIDERANDO o Parecer CNE/CEB n.º 20/2009, 11 de
novembro de 2009 e a Resolução CNE/CEB n.º 05/2009, de 17 de dezembro de 2009
que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil.
CONSIDERANDO o Referencial Curricular Nacional para a
Educação Infantil
CONSIDERANDO o Parecer CNE/CEB n.º 11/2010, 07 de julho de
2010 e a Resolução CNE/CEB n.º 07/2010, de 14 de dezembro de 2010 que instituiu as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Ensino Fundamental de 9 (nove) anos.
CONSIDERANDO o Parecer CNE/CEB nº14/2015, 11 de novembro
de 2015 que institui as Diretrizes Operacionais para a implementação da história e das
culturas dos povos indígena na Educação Básica, em decorrência da Lei nº 11.645/2008.
PROPÕE:
Art. 1º A presente Deliberação institui as Diretrizes Curriculares Municipais da
Educação das Relações Étnico-raciais e do Ensino de História e Cultura Afro-brasileira,
Africana e Indígena, bem como das demais etnias que compõem a população ribeirão-
pretana, a serem observadas pelas Instituições de ensino que compõem o sistema
municipal de ensino de Ribeirão Preto, em todas as suas etapas e modalidades da
Educação.
Art. 2º Caberá à Secretaria Municipal de Educação:
I – Formular o Plano Municipal de Implementação da Educação das Relações Étnico-
raciais e do Ensino de História e Cultura Afro-brasileira, Africana e Indígena, e demais
etnias que compõem a população ribeirão-pretana, em parceria com o Conselho
Municipal de Educação, sendo o mesmo orientado pelo Plano Nacional de
Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações
Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana.
II – Promover políticas públicas de promoção da igualdade racial, combate ao racismo,
ao preconceito, à discriminação e às desigualdades raciais.
III – Elaborar ações pedagógicas de combate ao racismo e as discriminações, com o
objetivo de construir uma educação antirracista.
IV – Adequar as normas municipais norteadoras da Educação, em cada etapa e
modalidade, atendendo aos comandos das normas federais que versam sobre a educação
das relações étnico-raciais e do ensino de história e cultura afro-brasileira, africana e
indígena, e demais etnias que compõem a população ribeirão-pretana.
V – Divulgar amplamente as:
a) Diretrizes Curriculares Municipais da Educação das Relações Étnico-raciais e do
Ensino de História e Cultura Afro-brasileira, Africana e Indígena, e demais
etnias que compõem a população ribeirão-pretana;
b) Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e
para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana;
c) Orientações e Ações para a Implementação da Educação das Relações Étnico-
raciais;
d) História Geral da África (Unesco).
VI – Reformular os Projetos Políticos Pedagógicos de suas unidades escolares, em todas
as etapas e modalidades de ensino, incluindo em seu currículo a educação das relações
étnico-raciais e do ensino de história e cultura afro-brasileira, africana e indígena, bem
como das demais etnias que compõem a população ribeirão-pretana.
VII – Garantir programas de formação continuada para docentes, gestores, equipes
técnicas e demais profissionais do sistema municipal de ensino em consonância com as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o
Ensino de História e Cultura Afro-brasileira, Africana e Indígena, e demais legislações e
publicações direcionadas a temática supracitada.
VIII - Garantir que os programas de formação continuada executados pela Secretaria
Municipal de Educação, devam ser desenvolvidos de maneira sistêmica, regular e
preferencialmente presencial, articulado com o Movimento Negro, os Núcleos de
Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (NEABIs), as Instituições de Ensino Superior
(IES), o Ministério da Educação (MEC) e os Fóruns de Educação e Diversidade Étnico-
racial.
IX – Prover as escolas, os professores e os alunos com material bibliográfico, material
didático e paradidático e outros materiais didático-pedagógicos necessários ao
desenvolvimento da Educação das Relações Étnico-raciais e do Ensino de História e
Cultura Afro-brasileira, Africana, Indígena e demais etnias que compõem a população
ribeirão-pretana, em todas as suas etapas e modalidades da Educação Básica.
X - Prover bibliotecas, salas de leitura e brinquedotecas dos materiais necessários para o
desenvolvimento da temática étnico-racial, na perspectiva da Lei 10.639/2003, da Lei
11.645/2008 e de suas Diretrizes Curriculares.
XI - Implementar ações de aquisição de materiais didáticos-pedagógicos que respeitem
a diversidade étnico-racial, tais como: produção audiovisual, jogos, brinquedos,
especialmente bonecas com diferentes características étnico-raciais.
XII - Produzir e distribuir materiais didáticos e paradidáticos que atendam as
especificidades (artísticas, culturais e religiosas) locais e regionais da população e do
ambiente, visando a Educação das Relações Étnico-raciais e do Ensino de História e
Cultura Afro-brasileira, Africana, Indígena e demais etnias que compõem a população
ribeirão-pretana, em parceria com o Movimento Negro, com o Conselho Municipal do
Desenvolvimento e Promoção da Igualdade Racial (COMDEPIR), com Núcleos de
Estudos Afro-brasileiros e Indígena (NEABIs) e com as Instituições de Ensino Superior
(IES).
XIII - Promover e manter o diálogo, e a participação permanente dos grupos do
Movimento Negro, do Conselho Municipal do Desenvolvimento e Promoção da
Igualdade Racial (COMDEPIR), dos Núcleos de Estudos Afro-brasileiros e Indígena
(NEABIs), das Instituições de Ensino Superior (IES) e da comunidade escolar para
impulsionar a implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das
Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira, Africana e
Indígena.
XIV - Criar instrumentos para supervisionar, monitorar e avaliar o processo de
implantação e implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira,
Africana, Indígena e demais etnias que compõem a população ribeirão-pretana.
XV - Elaborar o Censo Escolar municipal, considerando o recorte étnico-racial, a fim de
contribuir com a produção de dados locais em uma perspectiva étnico-racial.
XVI - Instituir uma estrutura administrativa permanente (presente no desenho
institucional da SME), com equipes técnicas permanentes que serão responsáveis pela
política educacional de implementação e acompanhamento da Lei n.º 10.639/2003 e
suas Diretrizes Curriculares, bem como pelo desenvolvimento da Educação das
Relações Étnico-raciais e do Ensino de História e Cultura Afro-brasileira, Africana,
Indígena e demais etnias que compõem a população ribeirão-pretana, dotada de
condições institucionais, condições adequadas de trabalho e dotação financeira prevista
no orçamento anual da SME.
XVII - Destinar recursos orçamentários necessários ao cumprimento das metas
presentes no Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-
brasileira e Africana.
XVIII - Manter diálogo permanente e a participação das associações de pesquisadores,
tais como: Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN), Associação
Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED); dos Núcleos de
Estudos Afro-brasileiros e Indígena (NEABIs).
XIX - Organizar e promover eventos (congresso, conferência, seminário, mesa redonda,
simpósio, painel de debates, fórum, mostra de trabalhos) para divulgar experiências
pedagógicas exitosas, experiências de gestão democrática e ações estratégicas,
desenvolvidas no sistema municipal de ensino.
XX - Fomentar ações e eventos que contemplem as diferentes linguagens e expressões
culturais, nos quais sejam observadas a história e cultura afro-brasileira e indígena do
município.
XXI - Promover campanhas e peças publicitárias de combate ao preconceito racial, à
discriminação racial e ao racismo nos meios de comunicação do sistema municipal de
ensino.
XXII - Participar regularmente dos Fóruns de Educação e Diversidade Étnico-racial.
§ 1º - O Plano Nacional de Implementação da Educação das Relações Étnico-raciais e
do Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana deverá ser utilizado enquanto
o Plano Municipal não estiver vigente e, após este período, deverá ser utilizado de
maneira complementar.
Art. 3º - Caberá ao Conselho Municipal de Educação:
I - Elaborar o Referencial Curricular Municipal da Educação das Relações Étnico-
raciais e do Ensino de História e Cultura Afro-brasileira, Africana e Indígena, bem
como das demais etnias que compõem a população ribeirão-pretana, em parceria com as
organizações do Movimento Negro de Ribeirão Preto, com o Conselho Municipal do
Desenvolvimento e Promoção da Igualdade Racial (COMDEPIR), com as Instituições
do Ensino Superior (IES) e demais instituições.
II - Produzir legislação complementar e outros documentos norteadores, com a
finalidade de oferecer subsídios ao sistema municipal de ensino no processo de
implementação da Lei 10.639/2003 e suas Diretrizes Curriculares.
III - Promover discussões e debates sobre a Lei 10.639/2003 e suas Diretrizes
Curriculares com os gestores do sistema municipal de ensino e a equipe técnica da
Secretaria Municipal de Educação, com a finalidade de oferecer subsídios no processo
de implementação desta legislação.
IV - Acompanhar e monitorar em caráter permanente o processo de implementação das
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o
Ensino de História e Cultura Afro-brasileira, Africana e Indígena.
Art. 4º - Caberá às coordenações pedagógicas das unidades escolares:
I – Promover e aprofundar os estudos, para que os professores concebam e
desenvolvam unidades de estudos, projetos e programas, abrangendo os diferentes
componentes curriculares.
II - Conhecer e divulgar o conteúdo do Parecer CNE/CP n.º 03/2004 e a Resolução
CNE/CP n.º 01/2004 e das Leis n.º 10.639/2003 e n.º 11.645/2008 em todo o âmbito
escolar;
III - Colaborar para que os planejamentos de curso incluam conteúdos e atividades
adequadas para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e
Cultura Afro-brasileira, Africana e Indígena de acordo com cada etapa e modalidade de
ensino;
IV - Promover junto aos docentes reuniões pedagógicas a fim de orientar para a
necessidade de constante combate ao racismo, ao preconceito racial, e à discriminação
racial, elaborando em conjunto estratégias de intervenção e educação;
V - Estimular a interdisciplinaridade para a disseminação da temática no âmbito escolar,
construindo junto com os(as) professores(as) e profissionais da educação processos
educativos;
VI - Examinar e encaminhar, juntamente com toda a comunidade escolar, soluções para
situações de discriminação, buscando criar situações educativas para o reconhecimento,
valorização e o respeito da diversidade.
Art. 5º - As políticas educacionais presentes neste documento, não excluem ou se
contrapõe a demais políticas de reparação, de reconhecimento e valorização da história,
da cultura e da identidade dos negros, indígenas e demais etnias, bem como as políticas
de ações afirmativas, ou até mesmo ações de reconhecimento e valorização da
diversidade étnico-racial, presente na sociedade brasileira.
DELIBERAÇÃO DO PLENÁRIO
O Conselho Municipal de Educação aprova, por unanimidade, a presente Indicação nos
termos do voto da Comissão.
Sala do Plenário, em 15 de Setembro de 2019
PARECER CME Nº 03/2019, APROVADO EM 12 DE SETEMBRO DE 2019
INTERESSADO: CONSELHO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO
ASSUNTO: EDUCAÇÃO PARA AS RELAÇÕES ÉTNICO - RACIAIS
DATA DA APROVAÇÃO: 12 DE SETEMBRO DE 2019 – 8ª SESSÃO
ORDINÁRIA
INTRODUÇÃO
Este parecer visa atender os propósitos expressos no Plano Nacional de
Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações
Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e
Indígena, conjunto de medidas que buscam a efetivação das Leis Federais nº
10.639/2003 e 11.645/2008, bem como da Resolução CNE/CP nº 01/2004, o Parecer
CNE/CP nº 03/2004 e o Parecer CNE/CEB 14/2015. Desta forma, objetiva-se cumprir o
estabelecido na Constituição Federal nos seus art. 5º, inciso I, inciso XLII, art. 210, art.
206, inciso I, §1º do art. 242, art. 215, art. 216, art. 231 e art. 232, bem como nos art. 26,
26-A e 79-B da Lei nº 9.394/1996 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que
asseguram o direito à igualdade de condições de vida e de cidadania, assim como
garantem igual direito às histórias e culturas que compõem a nação brasileira, além do
direito de acesso às diferentes fontes da cultura nacional de todos os brasileiros.
Acrescenta-se, também, ao disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº
8.096/1990), bem como o Plano Nacional de Educação (Lei nº 13.005/2014).
Cumpre salientar que as referidas normas são de âmbito nacional, sendo assim,
devem ser seguidas e respeitadas por todos os entes federativos, o que engloba o
município de Ribeirão Preto e seu respectivo sistema de ensino.
Somam-se às normas supramencionadas as reivindicações do Movimento Negro
e do Movimento Indígena ao longo do século XX que reforçam a necessidade de
normas e diretrizes que orientem a formulação de projetos empenhados na valorização
da história e da cultura dos afro-brasileiros e indígenas, assim como comprometidos
com a educação de relações étnico-raciais positivas, a que tais conteúdos devem
conduzir.
Este documento tem como destinatários todos os administradores dos sistemas
de ensino, de mantenedoras de estabelecimentos de ensino, de estabelecimentos de
ensino, de seus professores e a todos, implicados na elaboração, execução, avaliação de
programas, de interesse educacional, de planos institucionais, pedagógicos e de ensino
de Ribeirão Preto. Também devem se apropriar deste Parecer as famílias dos estudantes,
eles próprios e todos os cidadãos comprometidos com a educação dos ribeirão-pretanos,
para que nele busquem orientações, quando pretenderem dialogar com os sistemas de
ensino, escolas e educadores, no que diz respeito às relações étnico-raciais, ao
reconhecimento e valorização da história e da cultura dos afro-brasileiros e indígenas, à
diversidade da nação brasileira, ao igual direito à educação de qualidade, isto é, não
apenas direito ao estudo, mas também à formação para a cidadania responsável pela
construção de uma sociedade justa, democrática e equânime.
Tendo em vista todo o exposto acima, no dia 27 de Novembro de 2018 o
Conselho Municipal de Educação de Ribeirão Preto/SP (CME/RP) convidou diversos
grupos que compõem o Movimento Negro de Ribeirão Preto, professores do sistema
municipal de ensino, bem como a sociedade civil para uma reunião. Na oportunidade foi
realizada uma avaliação sobre a situação do ensino da educação das relações étnico-
racial e da história e cultura afro-brasileira, africana e indígena em nosso município.
Todos os presentes foram uníssonos ao relatar que a implementação da educação étnico-
racial em Ribeirão Preto, por parte do Poder Público, é praticamente inexistente. E que
as únicas ações realizadas nos últimos anos em prol da educação étnico-racial têm sido
de forma pontual e realizada por educadores e militantes do Movimento Negro que
entendem a relevância desta temática. Sendo assim, restou decidido que seria criada
uma comissão mista no CME/RP para realizar um levantamento acerca da
implementação da educação étnico-racial pelo sistema municipal de ensino de Ribeirão
Preto e sugerir possíveis medidas à Secretaria Municipal de Educação (SME/RP) para
que a implementação ocorra de forma efetiva.
Com isso, no dia 12 de dezembro de 2018, na ocasião da 11° Sessão Ordinária
do CME/RP foi criada a Comissão Mista de Estudos para normatização das Leis
10.639/2003 e 11.645/2008, que é composta por membros do CME/RP, professores do
sistema municipal de ensino, membros do COMDEPIR, bem como por integrantes do
Movimento Negro de Ribeirão Preto.
Do levantamento realizado por esta comissão, foi elaborado este Parecer, bem
como a indicação nº 01/2019 que a este acompanha, onde são dadas orientações de
novas práticas por parte da SME/RP para que o município cumpra de forma efetiva e
integral o que determinam as normas federais mencionadas no início deste texto.
A ESCRAVIDÃO COMO BASE DA CONSTRUÇÃO SÓCIO-ECONÔMICA
Antes de entramos na implementação da Educação das relações étnico-racial
propriamente dita, em tempos de negação de fatos históricos, faz-se necessário um
resgate da história de nosso país e de nosso município, para lembrar-nos da relevância
tanto na sociedade brasileira, quanto na sociedade ribeirão-pretana. Devemos, portanto,
recordar que o espaço territorial que hoje chamamos de Brasil já era ocupado por
diferentes povos nativos, de modo que foi conquistado a partir do final do século XV.
Isto é, os povos europeus, respaldados por pseudo teorias de superioridade racial,
praticaram a colonização de territórios africanos e americanos, previamente ocupados
por povos nativos, e, por conseguinte, promoveram a escravização e o genocídio de
indígenas e africanos. Falando-se especificamente do Brasil, antiga colônia portuguesa,
inicialmente deu-se prioridade a escravização dos povos originários, e a partir do século
XVII a escravização de negros se impôs como a principal forma de exploração do
trabalho.
A escravidão em solo brasileiro perdurou por séculos, de modo que toda a
estrutura econômica e das demais relações sociais existentes em nosso país tinham
como base a exploração de povos escravizados. A referida prática era respaldada e
incentivada pelo Estado brasileiro até o ano de 1888, quando se deu a abolição da
escravidão no território nacional. Em que pese, este ter sido um significativo avanço
para os povos não-brancos, de forma direta, e para toda sociedade, indiretamente, a
abolição não veio acompanhada de políticas de reparação, de reconhecimento, de
valorização e de ações afirmativas ou qualquer política pública de promoção da
igualdade racial que possibilitasse a efetivação e a garantia da dignidade humana aos
povos não-brancos.
Muito pelo contrário, o Estado brasileiro promoveu uma política de
branqueamento da população, implementando uma série de políticas públicas para tal.
Dentre elas, o incentivo e a facilitação da vinda de pessoas brancas, majoritariamente
europeias, para o Brasil, fazendo com que esse grupo se tornasse a nova classe
assalariada que o Brasil precisava para manter sua economia e garantir a prosperidade
da nação, visto que a época entendia-se que o progresso só se daria com base numa
população embranquecida.
Incentivando e incentivado pelo mito da democracia racial, o Estado brasileiro,
portanto, promoveu a manutenção dos privilégios aos brancos e das desvantagens aos
demais povos, criando, assim, uma nova forma de exploração baseada na raça. Portanto,
ainda que a escravidão tivesse sido abolida, o racismo foi reformulado, sendo executado
por meio de novas práticas que persistem até a contemporaneidade.
Em Ribeirão Preto, a história não foi diferente. Este município relativamente
jovem foi fundado em 19 de junho de 1856, época em que as lutas pela abolição da
escravidão tomavam conta do cenário nacional. Não obstante, foi com base na mão-de-
obra escravizada que este município nasceu e iniciou seu crescimento econômico que o
tornaria a principal cidade do oeste-paulista e uma das principais cidades do país,
principalmente pela sua produção cafeeira.
Nos seus tenros anos, tendo como base de sua economia o plantio e a
comercialização do café, Ribeirão Preto atraiu pessoas e investimentos de diversos
lugares do Brasil. Famílias importantes e com vastas propriedades, utilizavam da mão-
de-obra escravizada para a preparação do solo, plantio, colheita, secagem e
empacotamento do café que, posteriormente, seria comercializado em todo o país, bem
como no exterior. Portanto, a utilização da mão-de-obra escravizada foi fundamental
para a manutenção da estrutura socioeconômica do município e da região, possibilitando
que brancos livres acumulassem capital, as custa do trabalho de pessoas escravizadas.
No ano de 1874 foi realizado um levantamento populacional do município,
revelando um total de 4.695 indivíduos livres e 857 escravizados.1 Ou seja, já naquela
época ao menos 15% da população ribeirão-pretana era composta por pessoas negras em
extremo nível de vulnerabilidade.
Um novo levantamento populacional, realizado em 1886, aponta para uma
população de 10.420 habitantes, representando um crescimento espetacular de quase
88%. Os dados computados pelo censo revelam uma população livre de 9.041 pessoas e
uma população escravizada com 1.379 pessoas. Ou seja, crescimento da população
escravizada foi de 61%, o que pode ser considerado extraordinário, pois se deu em plena
época da crise da escravatura, às vésperas do fim da escravidão.2
Os dados mencionados deixam claro que apesar do município ter nascido já ao
final do período de escravidão no Brasil, foi a partir da escravização de corpos negros
que deu início a sua ascensão econômica.
E, como se não bastasse, Ribeirão Preto foi fortemente influenciada pelas
políticas de branqueamento promovidas pelo Governo Federal do final do século XIX e
início do século XX. Conforme nos conta Furlanetto3, o processo de formação de
Ribeirão Preto tem a imigração de pessoas brancas como fundamental para o
crescimento e urbanização do município. Entre os anos de 1893 e de 1926 chegaram
oficialmente a Ribeirão Preto 76.657 imigrantes de diversas nacionalidades – a grande
maioria, cerca de 70%, italianos, mas também franceses, argentinos, polacos, austríacos,
russos, alemães, japoneses, suíços, belgas, gregos, sírios, espanhóis e portugueses.
A chegada de tantos imigrantes brancos numa sociedade fortemente influenciada
pela justificação da escravidão como a de Ribeirão Preto, assim como em todo o
contexto nacional, somente serviu para marginalizar a população negra do município,
mantendo-as em situação de vulnerabilidade, ainda que não fossem mais escravizadas.
Conforme aponta diversos estudos e pesquisas científicas, a comunidade negra
brasileira e ribeirão-pretana até os dias atuais sofre com a desigualdade racial.
1 BASSANEZI, M. S. C. B. (Org.). São Paulo do passado: Dados demográficos – 1872, vol. III. NEPO.
Unicamp, 1998. p. 37. 2 BASSANEZI, M. S. C. B. (Org.). São Paulo do passado: Dados demográficos – 1886, vol. IV. NEPO.
Unicamp, 1999. p. 106, 213. 3 FURLANETTO, Patrícia Gomes. O associativismo como estratégia de inserção social: as práticas sócio-
culturais do mutualismo migrante italiano em Ribeirão Preto (1895-1920). São Paulo, 2007. p.34-40.
Segundo o Censo Demográfico de 20104, o último realizado até a edição deste
Parecer, Ribeirão Preto comporta 604.682 habitantes, sendo que 29% desse total são
pessoas negras. Sendo assim, a não formulação e não execução, por parte dos Poderes
Públicos deste município, de políticas públicas que sejam direcionadas ao combate ao
racismo mantém 175.707 pessoas em situação de vulnerabilidade.
Pelo breve resumo histórico posto acima, resta nítida a responsabilidade do
Estado brasileiro e ribeirão-pretano para com a população negra aqui residente. Sendo
mandatória a promoção de políticas públicas voltadas a esta população. Ou seja,
necessitamos de uma atuação permanente por parte dos Poderes Executivo, Legislativo
e Judiciário do município de Ribeirão Preto para assegurar políticas públicas de
promoção da igualdade racial permanentes e efetivas na garantia de igualdade do povo
negro ribeirão-pretano que, desde a origem do município, vem sendo a base
trabalhadora e tecnológica pela qual se dá o crescimento e grandiosidade desta
localidade.
O MOVIMENTO NEGRO E A EDUCAÇÃO
Após a abolição da escravatura, para reverter o quadro de marginalização
existente, mulheres e homens negros organizaram diversas associações, tais como:
clubes, entidades beneficentes, grêmios literários, centros cívicos, jornais e
organizações políticas em diferentes localidades do território brasileiro, reunindo um
número expressivo de associados pertencentes à comunidade negra.5
Estas associações, do ponto de vista educacional, denunciavam o analfabetismo
e a precariedade da escolarização da população negra. Muitas delas desenvolveram
ações educativas como apresentações musicais, encenações teatrais, saraus, sessões de
recitais de poesias, cursos e palestras. Mantinham aulas noturnas e bibliotecas, além de
promoverem a escolarização de seus membros.6
Nessa mesma época, houve o desenvolvimento de uma imprensa específica,
denominada imprensa negra, que representava a comunidade negra e denunciava o
4IBGE. Censo Demográfico de 2010. Disponível em:
<https://www.ibge.gov.br/apps/snig/v1/index.html?loc=354340&cat=-1,-2,3,4,-3,128&ind=4707>
Acesso em: 02 mai. 2019. 5 DOMINGUES, P. Movimento negro brasileiro: alguns apontamentos históricos. Tempo, Niterói, v. 12,
n. 23, p. 100-122, 2007. p. 103-104. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/tem/v12n23/v12n23a07.pdf>. Acesso em: 17 abr. 2019. 6 DOMINGUES, P. O recinto sagrado: educação e antirracismo no Brasil. Caderno de Pesquisa, São
Paulo, v. 39, n. 138, p. 963-994, 2009. p. 969. Disponível em:
<file:///C:/Users/Particular/Downloads/222-708-1-PB.pdf>. Acesso em: 24 abr. 2019.
racismo e as precárias condições de vida desta população. A preocupação com a
Educação foi uma constante nos periódicos produzidos, sempre com o ideal de ascensão
social do negro, o que permitiria integrá-lo ao mundo do branco. Neste momento, a
imprensa negra tinha um núcleo básico de pensamento, isto é, o posicionamento do
negro diante do mundo dos brancos, assumindo, em alguns momentos, um caráter
reivindicatório, e em outros um conteúdo pedagógico e moral, mas ainda procurando a
integração do negro no mundo do branco.7
Em 1931, foi criada a Frente Negra Brasileira (FNB), uma união política e social
da Gente Negra Nacional, para a afirmação dos direitos históricos.8 A FNB também
investiu em educação e profissionalização do negro, acreditando que assim facilitaria o
caminho para a aceitação e integração maior do negro na sociedade.9
No Rio de Janeiro, em 1944 surgia o Teatro Experimental do Negro (TEN), com
o objetivo inicial de abrir as artes cênicas para atores negros e contestar a discriminação
racial, além de também organizar cursos de alfabetização. De acordo com Guimarães, a
marca registrada do TEN foi a integração do negro na sociedade nacional e o resgate da
sua autoestima.10
Desta forma, podemos perceber que a educação sempre foi uma reivindicação
constante dos Movimentos Negros brasileiros, pois já nessa época entendia-se que a
única forma de garantir a igualdade entre negros e brancos seria por meio da garantia do
acesso à educação à população negra. No entanto, é com o surgimento e fortalecimento
do Movimento Negro Unificado (MNU), inspirado no Teatro Experimental do Negro,
que a população negra passou a exigir uma educação descolonizada, ou seja, a
superação da perspectiva eurocêntrica do conhecimento e do mundo.
Neste sentido, este movimento social reivindicou o direito à diferença, opondo-
se à proposta de integração via valores brancos, presentes nos movimentos anteriores,
desta forma o trabalho do MNU centralizava-se na elaboração de um projeto político do
povo negro para o Brasil, trazendo uma nova perspectiva ao projeto já existente.11
7 NUNES, Sandra Maria Maciel. A implementação da Lei 10.639/2003 e seus desdobramentos no
município de Ribeirão Preto. Ribeirão Preto, 2018. p. 35. 8 BARBOSA, M. Frente negra brasileira: depoimentos. São Paulo: Quilombhoje, 1998. p. 110 9 HOFBAUER, A. Uma história de branqueamento ou o negro em questão. São Paulo: Editora UNESP,
2006. p. 353 10 GUIMARÃES, A. S. A. Classes, raças e democracia. São Paulo: Editora 34, 2002. p. 89-93. 11 RODRIGUES, T. C. Movimento negro no cenário brasileiro: embates e contribuições à política
educacional nas décadas de 1980-1990. 2005. 113 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) - Centro
de Educação e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2005. p. 43
Disponível em:
<http://www.bdtd.ufscar.br/htdocs/tedeSimplificado//tde_busca/arquivo.php?codArquivo=43
A pauta educacional do MNU incluía ações que valorizavam a população negra,
reivindicando a reavaliação da contribuição do negro na História do Brasil, a
participação na elaboração dos currículos escolares, a inclusão de uma disciplina que
tratasse da História da África, a preocupação com a edição de livros que trouxessem os
estereótipos e o racismo, e já apontavam na direção de políticas de ação afirmativa
quando solicitaram bolsas de estudo para estudantes negros. Mas apresentavam também
propostas universalistas como a garantia do ensino gratuito e público em todos os níveis
educacionais, para todos.12
Nos anos que se seguiram a formação e fortalecimento do MNU, outro sujeito
político se destacou nesta luta, o Movimento de Mulheres Negras, com a criação do
Coletivo de Mulheres Negras de São Paulo, e no ano de 1988 organizando-se o 1º
Encontro Nacional de Mulheres Negras, no Rio de Janeiro.13
Ao longo da trajetória de luta contra a discriminação racial, podemos destacar as
Marchas organizadas pelo Movimento Negro, resultando em avanços legais
significativos para a comunidade negra. Em 1988, ano de Centenário da Abolição, no
Rio de Janeiro, foi realizada em 11 de maio, a “Marcha contra a farsa da Abolição 1888
– 1988. Nada mudou, vamos mudar”. Ainda neste ano, com a promulgação da
Constituição Federal, o racismo foi considerado crime inafiançável, conforme o artigo
5º, parágrafo XLII.14
Durante a década de 1990 as mobilizações do Movimento Negro continuaram e
um dos momentos significativos deste período foi a Marcha Zumbi dos Palmares Contra
o Racismo, pela Cidadania e a Vida15, realizada em 20 de novembro de 1995. A
denúncia do racismo em nossa sociedade foi marcada pela entrega, ao então presidente
da república Fernando Henrique Cardoso, de um documento (Programa de Superação
do Racismo e da Desigualdade Racial) no qual foi apresentado um diagnóstico da
91>. Acesso em: 28 abr. 2019. 12 SANTOS, S. A. Movimentos negros, educação e ações afirmativas. 2007. 554 f. Tese (Doutorado em
Sociologia) - Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Brasília, Brasília, 2007. Disponível em:
<http://repositorio.bce.unb.br/bitstream/10482/1973/1/Tese%20Sales%20versao%20final%20
3.pdf>. Acesso em: 05 abr. 2019. 13 NUNES, Sandra Maria Maciel. A implementação da Lei 10.639/2003 e seus desdobramentos no
município de Ribeirão Preto. Ribeirão Preto, 2018. p. 45. 14 NUNES, Sandra Maria Maciel. A implementação da Lei 10.639/2003 e seus desdobramentos no
município de Ribeirão Preto. Ribeirão Preto, 2018. p. 46. 15 Dez anos depois foi realizada a Marcha Zumbi + 10, exigindo-se avanços nas questões relacionadas a
população negra no Brasil.
desigualdade racial no país, bem como propostas de combate ao racismo e para o
desenvolvimento de políticas públicas nas diferentes áreas, inclusive a Educação.16
Outro momento marcante na história de luta do Movimento Negro foi a
participação na III Conferência Mundial Contra o Racismo, a Discriminação Racial, a
Xenofobia e Intolerância Correlata, em Durban17, em 2001, na África do Sul. Assim, a
participação nesta Conferência representou um ponto de inflexão na forma de
entendimento de como o racismo historicamente tem se estruturado em nossa sociedade.
18 Desta forma, o Estado brasileiro reconheceu internacionalmente a existência
institucional do racismo em nosso país e se comprometeu em construir medidas para sua
superação. Assumindo o compromisso efetivo em implementar políticas de Estado, para
o combate ao racismo e a superação das desigualdades raciais. 19
Pensando na história do Movimento Negro contemporâneo, destacam-se a
organização de diferentes instituições (nacionais e locais), com a participação de
mulheres e homens negros, tais como: a Coordenação Nacional de Entidades Negras
(Conen), a União de Negros pela Igualdade (UNEGRO), os agentes de Pastoral Negros
(APNs), a Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN) e a Coordenação
Nacional das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ). 20
Neste sentido, não podemos deixar de referenciar o movimento da juventude
negra, que também tem o propósito de reverter à situação de discriminação, de racismo
e de violência da população negra, e está organizado a partir de grupos culturais, do
movimento hip-hop, na organização de partidos, sindicatos, e em coletivos de
estudantes, dentre outros. Os jovens negros estão presentes nos mais variados setores da
sociedade e se expressam por meio da participação no Movimento Negro e nos
movimentos sociais em geral.21
16 NUNES, Sandra Maria Maciel. A implementação da Lei 10.639/2003 e seus desdobramentos no
município de Ribeirão Preto. Ribeirão Preto, 2018. p. 46-47. 17 Em Durban foi reafirmado o entendimento sobre o direitos dos povos vitimados à reparação, e a
indicação aos Estados que orientassem políticas e programas de combate ao racismo e a discriminação.
(RIBEIRO, 2009). 18 NUNES, Sandra Maria Maciel. A implementação da Lei 10.639/2003 e seus desdobramentos no
município de Ribeirão Preto. Ribeirão Preto, 2018. p. 57. 19 GOMES, N. L. o movimento negro educador: saberes construídos nas lutas por emancipação.
Petrópolis: Vozes, 2017 20 RIBEIRO, M. As políticas de igualdade racial no Brasil. São Paulo: Fundação Friedrich Ebert, 2009,
p.104 21 RIBEIRO, M. Institucionalização das políticas de promoção da igualdade racial no Brasil: percursos e
estratégias 1986 a 2019. 2013. 286 f. Teses (Doutorado em Serviço Social - Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo), 2013.
No campo acadêmico destacamos a formação do Grupo de Trabalho 21 –
Educação e Relações Étnico-raciais, no âmbito da Associação Nacional de Pós-
Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), e a organização do I Congresso de
Pesquisadores Negros (COPENE). Neste evento foi fundada a Associação Brasileira de
Pesquisadores Negros (ABPN)22, com o objetivo principal de congregar pesquisadores
que estudam as relações raciais, surgindo da necessidade que os intelectuais negros
tiveram em produzir conhecimento do ponto de vista dos próprios negros e assim
intervir diretamente na produção do conhecimento científico. 23
Considerando a trajetória histórica do Movimento Negro, o mesmo ressignificou
e politizou o conceito de raça, compreendendo-o como uma construção social.24 Assim
é importante destacar que o Movimento Negro foi responsável por trazer para o debate
as discussões sobre racismo, discriminação racial, desigualdade racial presentes na
sociedade brasileira, e também foi responsável por criticar a democracia racial e impor a
ela a condição de mito. Estes debates foram relevantes para que houvesse mudanças em
nossa sociedade. Desde o princípio, o Movimento Negro destacou a Educação como
uma de suas bandeiras de luta contra o racismo e a discriminação racial. Reivindica o
direito à Educação e principalmente o direito a uma Educação pautada no
reconhecimento e na valorização do negro, reconhecendo-o como sujeito histórico e
produtor de cultura. 25
As ações que foram desenvolvidas, pelo Estado brasileiro após 1988, em
especial pelo Ministério da Educação, devem ser entendidas como decorrentes das
reivindicações do Movimento Negro em nossa sociedade ao longo de sua história.
Assim todo o esforço do Movimento Negro finalmente dá vida à Lei Federal nº
10.639/2003, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e dispõe
sobre a obrigatoriedade, em todo o território nacional, do ensino de história e cultura
afro-brasileira e africana e em todos os níveis de ensino.
O Movimento Negro de Ribeirão Preto acompanhou as mobilizações nacionais e
ao longo do século XX, e diversas foram as lutas travadas para garantir a dignidade dos
negros ribeirão-pretanos. Ativistas não só pleiteavam frente ao Poder Público melhores
22 NUNES, S.M.M. A implementação da Lei 10.639/2003 e seus desdobramentos no município de
Ribeirão Preto. Ribeirão Preto, 2018. p. 48-49 23 SANTOS, S. A. Movimentos negros, educação e ações afirmativas. 2007. 554 f. Tese (Doutorado em
Sociologia) - Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Brasília, Brasília, 2007. 24 GOMES, N. L. o movimento negro educador: saberes construídos nas lutas por emancipação.
Petrópolis: Vozes, 2017, p. 38 25 NUNES, S.M.M. A implementação da Lei 10.639/2003 e seus desdobramentos no município de
Ribeirão Preto. Ribeirão Preto, 2018. p. 49
condições de vida e a garantia da igualdade, como também criavam seus próprios
espaços de cultura, educação, lazer, religiosidade, etc.
Desta forma, utilizando como referência o trabalho do professor e pesquisador
Sérgio Luiz de Souza, publicado em 2007, podemos contemplar como se deu a evolução
do Movimento Negro ribeirão-pretano no início do século XX. Segundo o autor, o
principal objetivo do trabalho foi refletir sobre as realidades culturais, repensando como
a população negra reinventou espaços culturais de convivência e mediação com os
grupos sociais brancos, avaliando as manifestações socioculturais da população negra,
percebendo a construção de estratégias que permitiam aos negros tecer espaços próprios
e específicos, em uma situação de dominação a que estavam submetidos.26
Assim no início do século XX, devido a economia cafeeira, Ribeirão Preto já se
configurava, nacional e internacionalmente, como “Le pays du café”, importante polo
comercial brasileiro. O projeto da elite local era transformar o município em um dos
mais avançados do país, em sua arquitetura e urbanística e isso se deu com a realização
de inúmeras reformas urbanas, bem como na percepção de que o espaço urbano era
também um espaço de ostentação destinado ao usufruto privado de uma determinada
parcela da sociedade. Destacando-se a elevação do quadrilátero central como um ponto
de referência, para os encontros das elites locais.27
Em contrapartida, o processo de marginalização do negro foi intenso. Houve
através das forças do Estado o cerceamento da realização de festas, cerimônias, e
congregações de pessoas negras não só em Ribeirão Preto, mas em todo o país. Os
negros, no início do século XX, foram proibidos de frequentar espaços destinados a elite
branca e de manifestar sua cultura, implicando numa redução drástica de sua cidadania.
Sendo assim, eles encontraram alternativas à repressão que constantemente sofriam, e
foi através da ressignificação de espaços territoriais que foi possível a eles usufruírem
da sua humanidade. Neste sentido, bailes, festas comemorativas, festas de cultos aos
santos, procissões, organização de associações de auxílio mútuo, blocos de carnaval
entre outros espaços foram criados para poder responder a esta demanda de necessidade
de agrupamento, autorreconhecimento e congregação.
Enquanto a efervescência nacional nos aponta a existência da Frente Negra
Brasileira, na década de 1930, similar a esse movimento, em 1910, nascia em Ribeirão
26 SOUZA, S. L. de. (Re)Vivências negras: entre batuques, bailados e devoções: práticas culturais e
territórios negros no interior paulista (1910-1950). Ribeirão Preto, 2007, p. 19 27 SOUZA, S. L. de. (Re)Vivências negras: entre batuques, bailados e devoções: práticas culturais e
territórios negros no interior paulista (1910-1950). Ribeirão Preto, 2007, p. 71
Preto o “Club Recreativo e Beneficente dos Homens de cor”. Há relatos da existência de
outra antiga sociedade, formada somente por cozinheiras, a Sociedade das Cozinheiras.
Podemos citar ainda a Sociedade Carvão de Pedra Nacional, fundada por volta de 1920,
e a Sociedade Estrela Ditosa, iniciada em 1930, ambas formadas por trabalhadores
negros ferroviários, funcionários da Companhia Mogiana. Estas sociedades além de seu
caráter recreativo, e desenvolviam também ações de auxílio mútuo, as chamadas
sociedades beneficentes.28
Tendo a educação como forma de ascensão social, ações foram efetivadas no
município para tentar reverter o patamar de desigualdade educacional da população
negra. Direcionado aos “estudantes de cor”, em janeiro de 1932, surge em Ribeirão
Preto o Centro Recreativo e Literário Machado de Assis, embora também apresentasse o
caráter recreativo, esta sociedade negra pautou-se pela educação moral e intelectual dos
negros. Em 1942, iniciou suas atividades o Clube Negro de Cultura Física e Social, com
o objetivo de proporcionar a população negra de Ribeirão Preto, eventos de caráter
social, cultural e esportivo, buscando assim melhorar o nível geral da população negra
local. Neste sentido é importante salientar que a maioria das sociedades negras, deste
período, compartilhou uma linguagem cultural comum, isto é, constituída pela
ressignificação de práticas culturais que são tradicionalmente vinculadas a população
negra, quanto pela incorporação de símbolos culturais pertencentes a grupos sociais
hegemônicos da sociedade brasileira.29
Mais adiante na história, frisa-se, pela importância, entre diversas sociedades e
organizações das pessoas negras em Ribeirão Preto, o Clube Social e Recreativo José do
Patrocínio, fundado em 1972. Este clube foi central na década de 1980, no sentido que
através dele foi possível o desenvolvimento de algumas frentes que lutaram no combate
a discriminação e ao racismo no município. O Clube teve sede na Rua José Bonifácio,
59, no Centro de Ribeirão, por mais de 40 anos, onde atualmente é o prédio da União
Geral dos Trabalhadores (UGT). Mestre Miguel, com seu Grupo de Capoeira Cativeiro,
fez sede no Clube, um dos mais importantes grupos de capoeira, atuando nas
manifestações culturais de resistência. Destaca-se a ainda a influência política e cultural
trazida por Pedro Paulo, através do Grupo Travessia e os famosos festivais “Batuque de
Tocaia” e FECONEZU – Festival Comunitário Negro Zumbi.
28 SOUZA, S. L. de. (Re)Vivências negras: entre batuques, bailados e devoções: práticas culturais e
territórios negros no interior paulista (1910-1950). Ribeirão Preto, 2007, p. 161-163 29 SOUZA, S. L. de. (Re)Vivências negras: entre batuques, bailados e devoções: práticas culturais e
territórios negros no interior paulista (1910-1950). Ribeirão Preto, 2007, p. 164-167
Portanto, Ribeirão sempre se colocou nessa posição central de resistência negra
perante as adversidades colocadas pela discriminação, e a forma mais genuína desse
movimento foi a presença massiva de organizações negras que tinham como prática a
potencialização dos direitos à educação, à cultura, ao lazer, entre outros que ocorreram à
margem da vida social e do Estado.
A LEI nº 11.645/2008 E A TEMÁTICA DA HISTÓRIA E DA CULTURA DOS
POVOS INDIGENAS NA EDUCAÇÃO BÁSICA
De acordo com Parecer CNE/CEB 14/2015, desde a aprovação da Lei nº
11.645/2008, os sistemas de ensino e suas instituições educacionais têm sido desafiados
a trazer a temática da história e da cultura dos povos indígenas para dentro dos
estabelecimentos de ensino, o que não tem ocorrido sem tensões e contradições entre os
povos indígenas e os sistemas de ensino e suas instituições formadoras.
Isto se dá, principalmente, pelos modos equivocados de implementação dos
dispositivos desta Lei, incorporados na redação da Lei nº 9.394/96 de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (LDBEN), mas em muitos casos, não sendo cumpridos da
maneira estabelecida pelo referido diploma legal.
Desse modo, a Lei nº 11.645/2008 tem provocado inúmeros debates sobre a
necessidade de se repensar os processos relativos à formação de estudantes e de
professores dessa temática, diante de uma concepção mais alargada de cidadania, dada
pelo reconhecimento da participação dos povos indígenas na formação da sociedade
brasileira, bem como de suas culturas e patrimônios.
Neste sentido, a Lei tem favorecido a compreensão de que é preciso construir
representações sociais positivas que valorizem as diferentes origens culturais da
população brasileira como um valor e, ao mesmo tempo, crie um ambiente escolar que
permita a manifestação criativa e transformadora da diversidade como forma de superar
situações de preconceito e discriminações étnico-raciais.
A correta inclusão da temática da história e da cultura dos povos indígenas na
Educação Básica tem, assim, importantes repercussões pedagógicas na formação de
professores e na produção de materiais didáticos e pedagógicos, os quais devem atribuir
os devidos valores à história e culturas dos povos indígenas para o efetivo
reconhecimento da diversidade cultural e étnica da sociedade brasileira.
Isso se faz necessário tendo em vista que, embora haja avanços inegáveis na
quantidade e na qualidade das informações atualmente disponíveis sobre os povos
indígenas, ainda existe, seja em termos de conhecimento acadêmico, seja em termos de
sua difusão pelos meios de comunicação social, tanto em esferas de governo quanto das
diferentes mídias, o desconhecimento e o preconceito em relação aos povos originários.
Esse mesmo preconceito ainda se faz presente com amplas ramificações em toda a
sociedade brasileira, o que exige grande esforço interinstitucional para superar essa
desinformação.
É importante lembrar que a referida Lei representa uma grande conquista para o
movimento indígena brasileiro no plano legal e também reflete um contexto
internacional de afirmação dos direitos sociais e individuais das minorias e dos grupos
historicamente marginalizados. Nas últimas décadas, tem se estabelecido uma política
de reconhecimento dos direitos das diversidades étnicas e culturais no âmbito do direito
internacional, fazendo surgir acordos, decretos e convenções de natureza multilateral.
Neste contexto histórico, as diferenças e diversidades étnicas, culturais e
linguísticas vêm deixando de ser vistas, pelo menos no plano formal ou legal, como
algo negativo e empecilho ao desenvolvimento de muitos países, passando a ser
oficialmente reconhecidas como patrimônios da humanidade, “riquezas” e valores éticos
universais que devem ser valorizados, promovidos e afirmados nos planos internacional,
nacional e local. Dentre esses documentos, merece destaque especial a Convenção nº
169/8930 da Organização Internacional do Trabalho sobre os Povos Indígenas e Tribais,
a qual foi ratificada e promulgada no Brasil por meio dos Decretos nº 143/2002 e nº
5.051/2004.
É necessário salientar que a década de 1970 foi marcada por uma intensa
mobilização indígena em toda a América e o Movimento Indígena Brasileiro
contemporâneo, nasce nessa conjuntura de mobilização e de mudança na forma de
entendimento sobre a questão indígena, neste momento passou-se a defender a
autodeterminação dos povos, além do direito ao território.31
A década de 1980 foi marcada pela atuação do Movimento Indígena no processo
de discussão da nova constituição brasileira. O novo texto constitucional aprovado em
30 Este documento destaca-se pela afirmação à autodeterminação dos povos, contestando qualquer política
assimilacionista, estabelecendo os direitos dos povos originários de participar do planejamento e da
execução de políticas de seu interesse. 31 FANELLI, G. de C. R. A Lei 11.645/08: história, movimentos sociais e mudança curricular. Mestrado
em Educação: História, Política, Sociedade. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP),
2018, p. 26.
1988, em seu artigo 231, garantiu aos povos indígenas o respeito e o direito a sua
“organização social, costumes, línguas, crenças e tradições e os direitos originários
sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União, demarcá-las,
proteger e fazer respeitar todos os seus bens” (BRASIL, 1988). O texto constitucional,
em seu artigo 210 § 2º, também garantiu o “respeito a utilização de suas línguas
maternas e processos próprios de aprendizagem”.
Após a promulgação da Constituição Federal, iniciam-se os debates sobre a nova
LDBEN, assim o Movimento Indígena, as universidades, os indigenistas, os
antropólogos e os professores indígenas buscaram elaborar uma proposta de educação
escolar para os povos indígenas. Uma proposta que garantisse os direitos a uma
educação específica, diferenciada e que respeitasse a autodeterminação e cultura dos
povos indígenas, além do direito a história e a memória desses povos.
O Movimento Indígena promoveu uma ressignificação da ancestralidade
originária e restituiu o orgulho de pertencimento a essa ancestralidade que por muito
tempo foi subjugada pelas diferentes formas de dominação colonialista. Dessa forma, o
Movimento Indígena reivindica direitos que foram negados e também o pertencimento à
história e a diversidade, discordando das noções genéricas de indianidade, das noções
deturpadas e preconceituosas, que foram construídas ao longo da história, por diferentes
instituições. 32
Assim em 1996, foi aprovada a LDBEN, na qual foi mencionada de forma
explícita a educação escolar para os povos indígenas, reconhecendo o direito ao
tratamento diferenciado, através da prática do bilinguismo e da interculturalidade. Além
disso, tivemos a reafirmação do artigo 242 da Constituição, através do § 4º do artigo 26,
no qual foi reconhecido que o “ensino da História do Brasil levará em conta as
contribuições das diferentes culturas e etnias para formação do povo brasileiro,
especialmente das matrizes indígena, africana e europeia” (LDBEN, 1996 art.26 § 4).
Nos anos que seguiram a aprovação da LDBEN o Ministério da Educação
(MEC) formulou os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), de caráter sugestivo e
não obrigatório, para cada área do conhecimento, e os volumes destinados aos Temas
Transversais. No tema transversal da Pluralidade Cultural o objetivo foi reconhecer a
diversidade dos povos indígenas e desfazer as generalizações e preconceitos em relação
32 FANELLI, G. de C. R. A Lei 11.645/08: história, movimentos sociais e mudança curricular. Mestrado
em Educação: História, Política, Sociedade. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP),
2018, p.47.
aos diferentes povos originários. Ainda nos anos de 1990, o Conselho Nacional de
Educação estabeleceu as primeiras Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação
Escolar Indígena, por meio do Parecer CNE/CEB nº 14/99 e da Resolução CNE/CEB nº
3/99. Nestas normativas legais foi definido os fundamentos e conceituação da educação
indígena, a criação da categoria escola indígena, a formação do professor indígena, o
currículo e sua flexibilização, o funcionamento das escolas indígenas, dentre outras.
Esse conjunto de documentos internacionais, ao lado da Constituição Federal de
1988, da LDBEN, dos PCNs, de Pareceres e Resoluções, dentre outras normativas
legais, reconhece o Brasil como um país pluriétnico e multicultural, e fundamenta e
ajuda a garantir o direito dos povos indígenas de serem representados, nos currículos
escolares, em suas diversidades históricas, econômicas, políticas, culturais e
linguísticas.
Entretanto, percebe-se que ainda persistem muitas incompreensões em torno do
que determina a Lei nº 11.645/2008 em seu componente curricular referente à história e
culturas indígenas, quando, por exemplo, são desenvolvidas somente ações isoladas
para a criação e manutenção das escolas indígenas ou para a formação de seus
professores. Pode-se afirmar que, em determinados sistemas de ensino, por exemplo, há
programas e iniciativas que, baseados na ideia geral de diversidade ou de respeito a ela,
não apresentam ações específicas para o tratamento da temática indígena nas escolas.
Em alguns casos, as ações realizadas nesse campo são feitas sem a devida orientação
antropológica, linguística ou histórica, provocando a reprodução de estereótipos e
preconceitos tradicionalmente utilizados contra os povos indígenas.
Assim, considerando as determinações do Conselho Nacional de Educação, que
estabelece aos Conselhos de Educação, de todas as instâncias do sistema nacional de
educação, a tarefa de orientar, por meio de seus atos normativos, os diferentes órgãos
executivos do respectivo sistema de ensino e instituições formadoras de professores e
seus estabelecimentos de ensino para o esforço de organizar e reorganizar seus projetos,
programas, propostas curriculares e pedagógicas, de modo a se adequarem ao proposto
na LDBEN, na redação dada pela Lei nº 11.645/2008, acompanhando sua
implementação e articulando ações e instrumentos que permitam o correto tratamento
da temática da história e da cultura dos povos indígenas pelos sistemas e
estabelecimentos de ensino, o Conselho Municipal de Educação de Ribeirão Preto
orienta, através do presente Parecer e normatiza, através de Deliberação, o ensino da
temática indígena no Sistema Municipal de Ensino.
A IMPLEMENTAÇÃO DA EDUCAÇÃO ÉTNICO-RACIAL E O ENSINO DE
HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E AFRICANA EM RIBEIRÃO
PRETO
Secretaria Municipal de Cultura:
Considerando que o processo de promoção da Educação para a Igualdade Racial,
teve na região de Ribeirão Preto, um grande avanço, considerando que o município de
Bebedouro inclui cotas raciais nos concursos públicos desde 2002, resultando na
presença de três conselheiros no Conselho de Participação e Desenvolvimento da
Comunidade Negra do Estado de São Paulo.
Em 2001, na Secretaria Municipal de Cultura, ocorreu um seminário, no mês de
novembro, com a presença do professor Valter Silvério da UFSCar, a respeito de uma
proposta de Educação para a Democracia que incluía a Educação para a Igualdade
Racial.
O espaço político da Cultura, muitas vezes se intercala com o espaço da
Educação. Em Ribeirão Preto, durante o período de 2001 a 2004, essa ação foi
reforçada, considerando que na Secretaria Municipal de Cultura existia um
“coordenador de Cultura Negra”. É importante destacar, como ocorreu na Secretaria
Municipal de Educação, em anos posteriores, não era regular, ter uma pessoa que
ocupava um cargo na estrutura administrativa da Secretaria Municipal de Cultura,
responsável pela Cultura Negra. Nestes anos, foram responsáveis pela Coordenação de
Cultura Negra: Romilson Madeira, Maria Helena Ramos de Oliveira, Oseias e André
Luis Justino. Neste momento não existia efetivamente recursos financeiros específicos
oriundos do poder público municipal.
Em 2002, a Secretaria Municipal da Cultura, juntamente com o Instituto Plural
lançou o livro paradidático Abionan: nascido no caminho, com uma proposta de
Educação para as Relações Étnico Raciais, dirigido exclusivamente a crianças de sete a
dez anos, com textos de Silvia Helena Seixas e ilustração de Maria Helena Ramos de
Oliveira, distribuídos a instituições não governamentais.
Neste mesmo período foi apresentado na Câmara Municipal de Ribeirão Preto,
um projeto que tinha como objetivo a instituição de uma Política Municipal de Ações
Afirmativas, não evoluindo para sua aprovação.
Conselho Municipal da comunidade Negra (COMDECON):
Foi instituído o Conselho Municipal da Comunidade Negra (COMDECON), que
funcionou somente por uma gestão, sendo presidido pelo Mestre Tião Preto, que na
época representava o Grupo Cativeiro de Capoeira, ficando na presidência até 2004.
Após o ano de 2005, apesar de várias tentativas, inclusive formalmente, a administração
pública não reorganizou este Conselho.
Importante ressaltar, neste período, a inclusão da Capoeira de forma sistemática,
na Educação, por ação do Movimento Negro, conseguiu-se a contratação dos Mestres de
Capoeira na condição de professores temporários, ação perdida nas administrações
posteriores.
Programa São Paulo Educando pela Diferença para a Igualdade:
Em 2003, através dos membros do Conselho Estadual, Ribeirão Preto, foi
incluída no projeto piloto do Programa São Paulo: educando pela diferença para a
igualdade, que neste ano se limitava a quatro diretorias de ensino, contemplando 200
professores, neste momento não havia convênio com a Universidade Federal de São
Carlos (UFSCar). Este projeto foi instituído pela Comissão de Educação do Conselho
Estadual, que na época era coordenada por Silvia Helena Seixas.
Ribeirão preto, também foi incluído na segunda fase do Programa, através do
Convênio com a UFSCar Em uma terceiro momento, quando o Conselho Estadual
iniciou o diálogo com todas as prefeituras a fim de instituir o Programa também nas
administrações municipais, Ribeirão Preto editou o decreto municipal nº 210 de 10 de
agosto de 2006, com base no decreto estadual nº 48.328, de 15 de dezembro de 2003.
Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial (COMDEPIR):
Ribeirão Preto, tem hoje o Conselho Municipal de Promoção da Igualdade
Racial (COMDEPIR), nomenclatura que acompanha o recomendado pelo Sinapir, com
dois anos de existências, e muitas dificuldades, mas que já no início do primeiro ano,
elencou a Educação e a Saúde como prioridades. Com isso já realizou logo no seu
primeiro ano, um encontro com a participação do Neab da UFSCar, e do professor
Marcos Antonio Cardoso, para formação inicial dos conselheiros, aberto a população,
que tem como obrigação em especial, o monitoramento das atividades ligadas ao tema.
No ano de 2016, o COMDEPIR conseguiu através de emendas parlamentares
recursos para realização de várias atividades, entre elas, um curso de 40 horas de
História da África e Relações Étnico-Raciais, ministrado em parceria com a Secretaria
Municipal da Educação e da Cultura, no espaço do Centro de Acompanhamento,
Avaliação e Formação - CAAF, realizado no ano de 2018.
No ano de 2016, o COMDEPIR, encaminhou comunicação a TODOS os
candidatos a Prefeito de Ribeirão Preto, para discussão e assinatura do termo de
compromisso, atividade realizada na Associação dos Advogados de Ribeirão Preto, cuja
texto segue:
Considerando o histórico de luta da militância negra Ribeirão
Pretana;
Considerando a necessidade da adoção do princípio da não
discriminação nas políticas sociais, o que significa diagnosticar, localizar,
planejar, definir diretrizes e metas e implementar ações para eliminar fontes
de discriminação direta e indireta, bem como todas as formas de
desigualdades, preconceito e racismo;
Considerando a necessidade de assegurar a transversalidade das
políticas de promoção da igualdade racial, superação do racismo e melhor
condição de vida para a população negra, no âmbito das secretarias e demais
órgãos da administração pública na cidade de Ribeirão Preto;
Considerando a necessidade de Implementar e ampliar na esfera
Municipal as políticas, os programas e as ações afirmativas dirigidas à
população negra, e
Considerando a necessidade de Garantir ações e programas
específicos de políticas públicas que contribuam com o empoderamento da
população negra no mercado de trabalho, bem como, investir no
fortalecimento institucional das organizações do movimento negro Ribeirão
Pretano. O Candidato abaixo assinado, neste ato declara formalmente
compromisso na implementação das Propostas de Políticas de Ações
Afirmativas, apresentadas pelo Conselho Municipal de Promoção da
Igualdade Racial de Ribeirão Preto, a saber:
Compromissos:
Criação da Secretaria de promoção da Igualdade racial e na
impossibilidade, criação dentro da Secretaria dos Direitos Humanos a
Coordenadoria de Promoção da Igualdade Racial, instituindo a Prefeitura
como signatária dos sistemas Nacionais e Estaduais de Promoção da
Igualdade;
Realizar Jornadas de Formação para o Combate ao Racismo, as
chefias de toda a administração municipal;
Garantir pela secretaria da Casa Civil/ Governo/Gabinete do
prefeito, uma agenda anual garantindo a comemoração/discussão dos dias: 21
de março (Dia Internacional Pela Eliminação da Discriminação Racial); 13 de
maio (Dia Nacional de Luta Contra o Racismo); 25 de julho (Dia da Mulher
Negra Latino Americana e Caribenha), e dia 20 de novembro (Dia Nacional
da Consciência Negra). Inclusão de acesso de negros, gradativa nos cargos de comissão de
livre nomeação da Prefeitura Municipal, iniciando-se no ano de 2017 com no
mínimo 10% devendo atingir em 2020 o total 20%;
Inclusão nos editais de qualquer modalidade de licitação, da
necessidade da empresa possuir em seus quadros funcionais (em todos os
níveis) de no mínimo 10% de negros, para prestação do objeto da licitação;
Inclusão de negros e negras na publicidade Oficial, conforme prevê
o Estatuto da Igualdade racial;
Na questão da Saúde, incluir um representante, indicado pelo
COMDEPIR, no Conselho Municipal de Saúde; Garantia no Plano de
Governo, o compromisso de cumprimento das DIRETRIZES, estabelecidas
pela Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN),
instituída pela Portaria Ministerial n° 992/2009; e Inclusão dos temas
Racismo e Saúde da População Negra nos processos de formação e educação
permanente dos trabalhadores da saúde e no exercício do controle social na
saúde;
Garantir condições para manifestações culturais africanas e afro-
brasileiras, nos âmbitos da dança, música, artes plásticas, artes cênicas e
demais produções artísticas;
Implantação da capacitação de educadores /professores na temática
de história e cultura africana e afro-brasileira, nos termos da Lei de Diretrizes
e Bases da Educação em especial sua emenda através da Lei 10.639/03; nos
termos da Resolução do CNE e Parâmetros Curriculares Nacionais, incluindo
a produção de material didático-Pedagógico que inclua a discussão das
Relações Étnico-Raciais;
Inclusão sistêmica da capoeira e demais manifestações negras no
processo escolar, através da criação do cargo de Monitor/instrutor de capoeira
com acesso a concurso público ou processo seletivo (nos mesmos moldes do
recém criado referente ao judô);
Garantia de estrutura física e de Recursos Humanos para o
COMDEPIR, incluindo fortalecimento de seu Fundo para ações de formação.
Ribeirão Preto, setembro de 2016”
Em 2017, na administração municipal eleita em 2016, foi realizada uma
audiência e indicado a Educação como fator principal no processo, e diante disso
agendada reunião com a secretária Sueli Vilela, e sua assistente Clarice, para que se
iniciasse uma discussão com o processo, que teve um esfriamento após sua saída.
Por ofício do COMDEPIR, foi retomado o assunto em 2018 com a nova
Secretária, que informou que a partir daquela data, Rafael dos Anjos Silva, seria o elo
da Educação para as Relações Étnico-raciais, na SME, inclusive nomeado como
representação da secretaria junto ao COMDEPIR.
O Comdepir recebeu convite do Conselho Municipal de Educação que discutia o
assunto, e por entender no tocante a legislação específica da Educação, que o espaço do
CME e o regular para discussão e deliberação, sendo o Conselho parceiro secundário
neste tema, aceitou o convite e integra a comissão do CME.
Secretaria Municipal de Educação:
Os dados apresentados a seguir tomam como ponto de partida a promulgação da
Lei 10.639 em janeiro de 2003, assim em 2004, o Movimento Negro de Ribeirão Preto,
representado por diversos grupos e valendo-se do contexto das eleições municipais de
2004, apresentaram propostas aos diversos candidatos ao cargo de Prefeito do
município, buscando firmar um compromisso para o desenvolvimento de ações
afirmativas para a população negra em Ribeirão Preto.
Durante as eleições municipais de 2004, diversas representações do Movimento
Negro de Ribeirão Preto firmaram compromissos com os candidatos a prefeito.
Referidos acordos tiveram como constante o comprometimento dos candidatos em
desenvolver políticas públicas destinadas à promoção da igualdade racial. O Centro
Cultural Orùnmilá33, um dos representantes do Movimento Negro, havia articulado
compromisso político com o então candidato Welson Gasparini, eleito em 26 de outubro
de 2004 para administrar o município, fazendo com que o mesmo se comprometesse a
criar uma Assessoria de Promoção da Igualdade Racial e a indicar um nome, escolhido
pelo próprio Centro Cultural Orùnmilá, para assumir a implementação da Lei
10.639/2003, na Secretaria Municipal de Educação (SME).
Ainda que o acordo tenha sido firmado pelo Prefeito, o ativismo negro foi
fundamental para que o município desse início de fato ao processo de implementação da
Lei 10.639/2003. E somente em novembro de 2005 foram assinadas as portarias de
nomeação para o cargo de provimento em comissão de um Assessor de Gabinete, junto
ao gabinete do Prefeito e, também para o cargo de uma Assessora Técnica Educacional,
junto a SME, ficando responsável pela implementação da Lei 10.639/2003 no sistema
municipal de ensino e vinculada diretamente ao gabinete do Secretário Municipal de
Educação.34
No entanto, a nomeação da Assessora Técnica Educacional não foi suficiente
para dar início à implementação da Lei no município. Segundo seu relato, ela não
contava com um espaço físico dentro da SME/RP para desenvolver suas atividades,
sendo alocada em uma escola municipal. Nesta unidade escolar, além de desenvolver o
trabalho para que foi nomeada, envolveu-se com as demandas do cotidiano escolar,
resolvendo conflitos raciais que ocorriam dentro da escola. Buscando desenvolver
alternativas para a implementação da Lei 10.639/2003 na SME, dedicou-se à elaboração
33 O Centro Cultural Orùnmilá foi fundado em março de 1994, no bairro do Tanquinho, zona Norte do
município de Ribeirão Preto – SP. Nascido de uma Casa de Orixá, este Centro Cultural tornou-se um
importante “intelectual coletivo” na luta contra o racismo e a discriminação racial. Disponível em:
<http://orunmila.institucional.ws/origem/>. Acesso em: 27 abril. 2019. 34 NUNES, Sandra Maria Maciel. A implementação da Lei 10.639/2003 e seus desdobramentos no
município de Ribeirão Preto. Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto, 2018. p. 104-105
de um plano de trabalho junto ao MEC e ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação (FNDE).35
Nítido, portanto, está o racismo institucional, pois, ainda que houvesse uma
Assessora Técnica Educacional devidamente nomeada, a Secretaria Municipal da
Educação colocou toda forma de empecilho para que não conseguisse desenvolver seu
trabalho da forma adequada. Ainda assim, convencida da importância da implementação
da Educação Étnico- Racial, a Assessora conseguiu ter seu projeto aprovado no final do
ano de 2006, o qual objetivava o desenvolvimento de um curso de formação continuada
para os educadores e gestores das escolas municipais, sobre as Relações Étnico-raciais,
História e Cultura Africana e Afro-brasileira.
No segundo semestre de 2006, em 10 de agosto, foi promulgado o Decreto nº
21036, no qual foi instituída, no âmbito da administração pública municipal, a Política
de Ações Afirmativas para Afrodescendentes. Neste decreto, além da instituição da
política pública de promoção da igualdade racial, foi criada, com o apoio da Secretaria
Municipal da Casa Civil, a Comissão de Coordenação e Acompanhamento da Política
de Ações Afirmativas para os afrodescendentes. De acordo com o referido decreto,
coube a esta Comissão sugerir diretrizes e procedimentos administrativos que
garantissem a adequada implementação da Política de Ações Afirmativas em todas as
secretarias municipais.
Coube à Secretaria Municipal da Educação as seguintes incumbências
específicas que explicitamos a seguir:
Artigo 6º - A Secretaria da Educação deverá:
I - No exercício das prerrogativas fixadas no artigo 24, IX e §§ 1º a 4º, da
Constituição Federal, desenvolver um plano de ação para capacitação dos
docentes e inclusão, no currículo das escolas da rede pública municipal, do
ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira, na forma da Lei Federal no
9.394, de 20 de dezembro de 1996, com a alteração prevista na Lei Federal
no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, e legislação correlata;
II - desenvolver o "Programa Ribeirão Preto: Educando pela Diferença para a
Igualdade" - Capacitação dos professores das áreas de Educação Artística,
Literatura e História a ser discutida com os representantes da Comunidade
Negra.
Parágrafo Único - O Secretário da Educação criará, mediante resolução,
comissão para o desenvolvimento do programa a que se refere o inciso II
deste artigo, assim como destinará recursos para sua implantação.37
35 NUNES, Sandra Maria Maciel. A implementação da Lei 10.639/2003 e seus desdobramentos no
município de Ribeirão Preto. Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto, 2018. p. 105-107 36 Este decreto foi baseado no Decreto Estadual 48.328, de 15 de dezembro de 2003. 37 RIBEIRÃO PRETO. Decreto no 210, de 10 de agosto de 2006. Institui, no âmbito da administração
pública do município de Ribeirão Preto, estado de São Paulo, a Política de Ações Afirmativas para
Afrodescendentes e dá providências correlatas. Diário Oficial do Município de Ribeirão Preto – SP,
Ribeirão Preto, SP, 11 ago. 2006. Disponível em:
<http://cultura.pmrp.com.br/dom/200608/060811/i73executivo.php>. Acesso em: 28 abril. 2019.
Verifica-se, dessa forma, que o decreto elaborado, ainda em vigor, dita as ações
para a SME quanto à implementação da educação étnico-racial no município, entretanto
o mesmo não contemplou a amplitude e profundidade exposta pelo Parecer CNE/CP
003/2004. Devemos considerar também que o mesmo foi aprovado antes da publicação
do Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-
Brasileira e Africana. É importante considerar que no referido decreto, a formação
docente foi denominada como “capacitação” de professores, cabe destacar que muitos
projetos ou programas desenvolvidos por estados e municípios são oferecidos neste
formato de capacitação, o qual está relacionado a formações aligeiradas e superficiais e
não atendem as necessidades básicas dos professores. Os programas de formação
docente devem romper com esta concepção de “capacitação”, e considerar os novos
paradigmas de formação continuada de professores.38Assim,
Já haviam se passado quase dois anos da posse da atual gestão e, embora
houvesse ocorrido nomeações, assinaturas de decretos e portarias, aprovação
de projeto de formação docente e até a apresentação da Assessora Técnica
Educacional para os gestores da SME, a implementação da Lei 10.639/2003
no município, ainda estava longe de produzir ações concretas. [...] Assim,
uma das condições necessárias à implementação da Lei 10.639/2003 e suas
Diretrizes Curriculares no município estavam diretamente relacionadas à
aceitação dos gestores públicos, neste caso prefeito e secretário municipal da
educação, em desenvolver uma política educacional que contemplasse a
diversidade e o direito à diferença, e não apenas à continuidade de uma
política universalista no campo da Educação. Desta forma, reconhecer as
desigualdades raciais e a necessidade de realizar políticas direcionadas à
população negra foi um fator importante para que as ações fossem efetivadas,
e o posicionamento e a atuação do Movimento Negro foram determinantes
para o reconhecimento dessa problemática por parte do poder público.39
Neste sentido, somente com a nomeação de um novo Secretário de Educação, a
Assessora Técnica Educacional passou a atuar dentro das dependências da SME e a
desenvolver um trabalho direcionado, especificamente para a implementação da Lei
10.639/2003. A partir deste momento, diversas ações foram desenvolvidas pela
SME/RP. Nos anos que se seguiram foram nomeados, dois outros Assessores Técnicos
Educacionais (cargo de provimento em comissão) responsáveis pelo processo de
implementação da Lei 10.639/2003 no município. A SME durante o período de 2005 a
2016, nomeou três assessores responsáveis pela implementação da Lei 10639/2003 no
38 NUNES, Sandra Maria Maciel. A implementação da Lei 10.639/2003 e seus desdobramentos no
município de Ribeirão Preto. Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto, 2018. p. 110-111. 39 NUNES, Sandra Maria Maciel. A implementação da Lei 10.639/2003 e seus desdobramentos no
município de Ribeirão Preto. Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto, 2018. p. 114-115.
município, são eles: Silvany Euclênio Silva, Antônio Carlos Lopes Petean e Rosana de
Lourdes Alves Monteiro da Silva. Assim ao longo do período de 2005 a 2016,
identificamos três momentos específicos, nos quais essas ações foram desenvolvidas.
Durante o primeiro momento, as seguintes ações foram desenvolvidas: a
realização de seminários; palestras; oficinas de sensibilização; visita monitorada ao
Museu Afro Brasil; cursos de curta duração; mostra de trabalhos produzidos pelos
discentes; festival de dança; organização de eventos para a Semana da Consciência
Negra; Conferência Regional de Promoção da Igualdade Racial; projetos de formação
docente direcionados a algumas escolas da Educação Infantil; desenvolvimento do
Projeto Baobá - Ribeirão Preto Educando para a Igualdade Étnico-racial, direcionado
à formação docente e a distribuição de material didático para as unidades escolares e por
fim a criação de uma Comissão na SME para promoção e acompanhamento do
desenvolvimento do Projeto Baobá - Ribeirão Preto Educando para a Igualdade
Étnico-racial.
No segundo momento podemos citar as seguintes ações desenvolvidas:
organização de eventos na Semana da Consciência Negra; palestras; oficinas; curso de
curta duração; seminário; exposição de fotografia e arte; concurso fotográfico; visita
monitorada ao Museu Afro Brasil; visita monitorada ao Centro de Documentação,
Cultura e Política Negra de Piracicaba; e a distribuição de material didático. Durante
este período houve uma aproximação com pesquisadores universitários para o estudo e
desenvolvimento das políticas públicas.
No terceiro momento destacam-se as seguintes ações: realização de oficinas;
palestras; cursos de extensão para a formação docente; curso de aperfeiçoamento
oferecido pela UFSCar; cursos de curta duração; formação docente oferecida em horário
de Trabalho Docente Coletivo (TDC), distribuição de jogo educativo com foco na
história do negro na localidade; Simpósio Regional de Educação Inclusiva; Festival de
Cultura Afro Dandhara; Ação Sankofa: socialização das ações desenvolvidas em
algumas escolas municipais; Curso Diversidade Étnico-racial: Invisibilidade do Negro
em Ribeirão Preto; Mostra sobre Práticas Pedagógicas do Sistema de Ensino Municipal;
Programa Mais Cultura na Escola; Produção de material didático: Mapa Cultural e
Roteiro de Formação Docente e a ampliação da equipe técnica responsável pela
implementação da Lei 10.639/2003 na SME.
Após o final do ano de 2016 a SME/RP deixou de ter um Assessor Técnico
Educacional responsável pela implementação da Lei 10.639/2003, e nenhum outro foi
nomeado por esta secretaria. A seguir destacamos as ações desenvolvidas nos anos
seguintes.
No ano de 2017 destacam-se as seguintes ações: organização dos currículos nas
unidades escolares, com a temática da educação étnico-racial; ocupação da cadeira do
COMDEPIR por um representante da SME; participação na Conferência Regional da
Promoção da Igualdade Racial; atividades para os estudantes na Semana da Consciência
Negra e debate sobre racismo na Educação Infantil.
No ano seguinte foram desenvolvidas as ações de formação de professores em
Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA), a Jornada sobre a saúde da população negra
e o desenvolvimento de projetos permanentes de valorização da cultura afrobrasileira e
africana.
Assim, como podemos notar, diferentes ações foram realizadas nos períodos
mencionados. Neste sentido, faz-se necessária algumas considerações sobre o que foi
realizado no município no que diz respeito à implementação da Lei 10.639/2003.
Cabe aqui enaltecer e valorizar o trabalho de ativistas negros e de educadores
que, por iniciativa própria, mesmo que de forma pontual, vêm realizando trabalhos com
a temática aqui abordada.
Já de início é imprescindível destacar a importância que o Movimento Negro
teve no processo de implementação da Lei. Sua participação foi decisiva e determinante
para que o chefe do executivo municipal assumisse publicamente o compromisso em
promover políticas públicas de promoção da igualdade racial. Neste sentido o
Movimento Negro pode ser entendido como um dos principais atores que reeducam a
sociedade, através da luta antirracista.40 O caminho trilhado não se fez sem embates e
dificuldades, tão pouco sem as evidências do racismo institucional e do mito da
democracia racial.
A regulamentação da referida Lei no município se deu, a princípio através do
Decreto nº 210/2006 e da Resolução SME nº 08/2007. Neste sentido nenhum outro
documento legal foi produzido, assim a elaboração deste Parecer e da Deliberação
coloca o município de Ribeirão Preto dentro das atribuições e incumbências que
determinam os aportes legais que fundamentam a Lei 10.639/2003 e a Lei 11.645/2008.
Sabemos que em 2009 foi instituído o Plano Nacional de Implementação das Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e o Ensino de
História Cultura Afro-brasileira e Africana, nesta normativa foram estabelecidas as 40 GOMES, N. L.
atribuições dos sistemas municipais de ensino, relacionadas à implementação das
Diretrizes. Neste sentido faz-se necessária a adequação da legislação municipal ao Plano
Nacional, levando-se em consideração os seis eixos que fundamentam o processo de
implementação da referida Lei e as atribuições dos sistemas municipais de ensino.
Assim, uma das incumbências da SME é promover a formação docente de maneira
sistêmica e regular, em colaboração com as instituições de ensino superior (IES), com
os Núcleos de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (NEABIs), e com o Movimento
Negro.
O Decreto nº 210/2006 instituiu no âmbito da administração pública uma
Política de Ações Afirmativas para Afrodescendentes, criando uma Comissão de
Coordenação e Acompanhamento desta Política. Este documento determinou
incumbências específicas para as secretaria municipais, ainda que de forma limitada,
neste caso, a SME deveria promover e desenvolver um plano de ação para
“capacitação” dos docentes e a inclusão, no currículo das escolas, do ensino de História
e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Entretanto, o mesmo não levou em consideração
todas as possibilidades apontadas nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
das Relações Étnico-Raciais e o Ensino de História Cultura Afro-brasileira e Africana,
ele apenas indicou um plano de ação para desenvolver uma “capacitação” docente.
Como já foi dito anteriormente, o termo “capacitação” remete a formações aligeiradas e
superficiais. O referido Decreto destinou a “capacitação” especificamente para os
professores de Educação Artística, Literatura e História.
De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das
Relações Étnico-Raciais e o Ensino de História Cultura Afro-brasileira e Africana, a
obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira se dá no âmbito de todo o
currículo escolar. Sabemos que os cursos de formação docente promovidos pela SME
foram disponibilizados a todos os docentes e gestores, no entanto é importante que esta
legislação esteja em consonância com as normativas estabelecidas pelo Conselho
Nacional de Educação. Entendemos a importância da formação docente para o
desenvolvimento das políticas educacionais, e em especial para o desenvolvimento das
políticas públicas de promoção da igualdade racial, entretanto a partir do que foi
explicitado, restringir as incumbências da SME somente ao desenvolvimento de cursos
de formação docente, expõe a insuficiência de medidas destinadas ao processo de
implementação da referida Lei.
É importante destacar também que os cursos de formação docente, oferecidos
pela SME, na maioria das vezes não eram obrigatórios, e foram ministrados fora do
período de trabalho dos professores, o que culminou numa baixa adesão por parte dos
docentes, assim se faz necessário utilizar os horários destinados à formação docente
presentes em sua jornada de trabalho. Além disso, os cursos em sua maioria atenderam a
professores interessados nesta temática, tendo em vista que a maioria dos processos
formativos se dava por adesão. É necessário garantir também a formação dos todos os
professores, inclusive aqueles que ainda são resistentes à temática étnico-racial. Os
referidos cursos devem ter como foco a sensibilização dos docentes e também a sua
formação acadêmica, por meio de conteúdos científicos e bibliografia referenciada.
Além disso, recomenda-se que esta formação seja realizada não só nos espaços
convencionais, como também em museus, arquivos históricos e demais espaços
culturais e socioeducativos.
Conforme o Plano Nacional de Implementação, os sistemas de ensino também
devem ser produzido materiais didáticos que promovam de forma positiva a imagem do
negro, sua cultura e sua história, além de abordar a temática das relações étnico-raciais,
da discriminação, do preconceito e do racismo. A SME/RP realizou a produção e
distribuição de materiais didáticos destinados aos discentes e aos docentes, política esta
que deve ser destacada e mantida em caráter permanente. No entanto, deixamos a
ressalva de que o Plano Nacional de Implementação preconiza que os materiais
didáticos tenham maior apego a história dos negros da localidade, ou seja, existe a
necessidade de produzir maior número de materiais que apresentem e enalteçam os
feitos dos negros da região de Ribeirão Preto, neste momento é importante a
aproximação da SME com o Movimento Negro local, bem como com as instituições de
ensino superior (IES).
Outro ponto de extrema importância é a inexistência de um plano de ação
municipal para a implementação da Educação das Relações Étnico-raciais e para o
ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana. O MEC disponibilizou um
Plano Nacional de Implementação, sendo assim é necessário que se faça um estudo
aprofundado deste plano e, a partir dele, se formule um plano municipal. Referida
tarefa, segundo o próprio Plano Nacional, é uma incumbência da CME/RP em conjunto
com a SME/RP.
Segundo o Plano Nacional de Implementação também cabe aos CMEs a
regulamentação, avaliação e o monitoramento das ações que tem como objetivo a
implementação da educação étnico-racial. Durante os períodos analisados houveram
poucos momentos em que o CME pôde avaliar o processo, o que não é suficiente.
Portanto deve-se desenvolver mecanismos para que o CME/RP consiga cumprir seu
papel de forma plena, bem como garantir a diversidade étnica na composição do
CME/RP para que, assim, se promova a efetiva implementação da Lei nº 10.639/03.
É importante destacar que a regulamentação das Diretrizes Curriculares
Nacionais no município é de fundamental importância para que a política pública de
promoção da igualdade racial tenha perenidade e efetividade. Os municípios devem
promover o fortalecimento do marco legal, através de seus CME, proporcionando a
institucionalização da temática étnico-racial em seus sistemas de ensino. A partir da
regulamentação da Lei 10.639/2003 e suas Diretrizes, as ações e os programas
desenvolvidos pela SME não estarão limitados apenas a formação docente, mas a um
conjunto de ações destinadas ao desenvolvimento de uma pedagogia antirracista.
Ademais, não podemos deixar de citar que a implementação da Educação
Étnico-racial deve ser efetiva e permanente, ou seja, devem ser garantidas condições
institucionais para que a política de implementação se dê de forma contínua e com a
amplitude e profundidade prevista no Plano Nacional de Implementação. Muitas foram
as dificuldades dos Assessores Técnicos Educacionais para a realização de seu trabalho:
falta de material, falta de autonomia institucional, falta de estrutura física, falta de
equipe técnica e falta de recursos financeiros são algumas dessas dificuldades. Em
muitos momentos as ações só se deram por conta de financiamentos federais ou pela
pelo envolvimento dos Assessores com a temática racial, fosse pela militância ou pela
carreira acadêmica e, por isso, estavam convictos da importância da Lei e da
necessidade em combater o racismo e a discriminação racial, mostraram-se empenhados
na materialização de políticas de reconhecimento e de valorização da história e da
cultura africana e afro-brasileira e foram, principalmente, conscientes da importância da
discussão étnico-racial no contexto educacional. E, como se não bastasse, o cargo dos
Assessores era comissionado, o que não lhes garantia a segurança necessária para a
execução das ações, considerando que os mesmos foram nomeados, pelo chefe do
executivo, em comissão, isto é, ocuparam temporariamente o cargo de Assessor Técnico
Educacional na administração pública municipal, desta maneira, demonstrando a
vulnerabilidade deste processo.
Deste modo, seguindo o que determina o Plano Nacional de Implementação,
bem como a Resolução CNE/CP nº 01/2004 e o Parecer CNE/CP nº 03/2004, é
fundamental que se crie uma estrutura permanente dentro do desenho institucional
(organograma) da SME/RP que disponha de dotação orçamentária específica e
previamente prevista, que tenha autonomia administrativa e institucional para a
realização de seus projetos e ações, que tenha uma equipe técnica permanente composta
por especialistas, acadêmicos e ativistas negros e que seja dirigida por uma figura
institucional escolhida de forma democrática pelos próprios professores do sistema
municipal de ensino.
Frisa-se a importância da transversalidade na implementação da Educação
Étnico-racial, uma vez que esta está intimamente ligada a promoção de demais ações
afirmativas voltadas à promoção da igualdade racial. Sendo assim, é necessário o
trabalho em conjunto com as demais Secretarias, conforme prevê o próprio Decreto nº
210/2006, para que a dignidade da pessoa humana seja garantida à comunidade negra
que compõe o povo ribeirão-pretano.
Assim, os municípios têm um papel importante, na promoção da Educação em
nossa sociedade, garantindo sistemas de ensino que priorizem a Educação das relações
étnico-raciais. Sabemos que a Educação é vista como um dos espaços possíveis para a
luta contra o racismo. Para Gonçalves41 esta luta é bastante complexa quando sabemos
que teremos que enfrentar um forte inimigo, o mito da democracia racial. Sabemos
também que não encontraremos um espaço neutro, a escola ainda é uma instituição onde
convivem conflitos e contradições. Neste sentido é necessário construir políticas
públicas consistentes e permanentes que não reproduzam o racismo e a discriminação
racial, mas, no entanto, produzam novas pedagogias antirracistas, buscando a educação
das relações étnico-raciais positivas, e tenham como “objetivo fortalecer entre os negros
e despertar entre os brancos a consciência negra” como nos diz a professora Petronilha
B. G. e Silva em seu Parecer CNE/CP 03/2004.
Por fim, reforçamos a necessidade de tratar a implementação da Educação
Étnico-racial de forma séria, de modo a garantir uma educação inclusiva, representativa
e que dê a todos os cidadãos ribeirão-pretanos as condições de entenderem as
complexas relações sociais e étnicas de nosso município, estado e país. Logo, faz-se
necessária a edição e aprovação de uma deliberação das Diretrizes Curriculares
Municipais, por parte do CME/RP que considere todo o acima exposto e que se baseie
41 GONÇALVES, L. A. O. Pensar a Educação, pensar o racismo no Brasil. In: FONSECA, M. V.;
SILVA, C. M. N. da; FERNANDES, A. B. Relações Étnico-raciais e Educação no Brasil. Belo
Horizonte: Mazza Edições, 2011. p. 93-144.
da legislação pertinente exaustivamente mencionada ao longo deste parecer para que se
regulamente a implementação a educação étnico-racial no sistema de ensino do
município de Ribeirão Preto e para que este cumpra suas obrigações educacionais
previstas na Constituição Federal e na Lei Federal nº 10.639/2003.
DELIBERAÇÃO DO PLENÁRIO
O Conselho Municipal de Educação aprova, por unanimidade, o presente Parecer nos
termos do voto da Comissão.
Sala do Plenário, em 12 de Setembro de 2019
COMISSÃO ESPECIAL DE ESTUDOS
Claudinei de Souza
Eduardo Machado
Gabriel Leví Borges de Souza
Jair Fortunato Borges Junior
Marcelo Vinicius Domingos Rodrigues dos Santos
Marcio Silva
Rafael José dos Anjos Silva
Sandra Maria Maciel Nunes
Silvia Helena Seixas
MARCIO SILVA
PRESIDENTE DO CME/RP
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