UNIVERSIDADE ANHANGUERA DE SÃO PAULO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
IRÃ ASSIS ROCHA
EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE FUNÇÃO INTEGRÁVEL
SÃO PAULO 2016
UNIVERSIDADE ANHANGUERA DE SÃO PAULO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
IRÃ ASSIS ROCHA
EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE FUNÇÃO INTEGRÁVEL
Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Educação Matemática da Universidade Anhanguera de São Paulo como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutor em Educação Matemática. Orientador: Prof. Dr. Luiz Gonzaga Xavier de Barros
SÃO PAULO 2016
3
Rocha, Irã Assis.
Evolução do conceito de Função Integrável / Irã Assis
Rocha
–- 2016.
113 p.
Orientador: Prof. Dr. Luiz Gonzaga Xavier de Barros.
Tese (Doutorado) – Universidade Anhanguera de São Paulo
Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática, São Paulo,
SP, 2016.
1. Educação matemática. 2. História da matemática.
3. Filosofia da matemática. 4. Funções Integráveis.
5. Semiótica. 6. Complementaridade. I. Barros, Luiz Gonzaga
Xavier de,orient. II. Evolução do conceito de Função
Integrável
.
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IRÃ ASSIS ROCHA
EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE FUNÇÃO INTEGRÁVEL
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da Universidade Anhanguera de São Paulo como exigência parcial à obtenção do título de Doutor em Educação Matemática, sob a orientação do Professor Doutor Luiz Gonzaga Xavier de Barros.
Banca Examinadora
Prof. Dr. Luiz Gonzaga Xavier de Barros (orientador) - UNIAN
Prof. Dr. Ruy Cesar Pietropaolo - UNIAN
Prof. Dr. Ubiratan D'Ambrosio - UNIAN
Prof. Dr. Henrique Guzzo Jr. - USP
Prof. Dr. Marcos Antonio Santos de Jesus - FEI
5
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a minha esposa Henriqueta, e a minha filha Camila.
Vocês são minha fortaleza.
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AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Luiz Gonzaga Xavier de Barros agradeço principalmente pela
amizade, paciência e incentivo durante esta jornada.
Ao Prof. Dr. Michael Otte, por fornecer a base para o desenvolvimento deste
estudo a partir do artigo “História, Filosofia e Educação Matemática”.
Ao Prof. Me. Sávio Mendes França, amigo de curso e companheiro das
viagens, por suas ideias que enriqueceram o conteúdo.
A Prof.ª Ma. Dorotéa Vilanova Garcia, pela dedicação e presteza no trabalho
de edição.
E a todos que de forma direta ou indireta tornaram possível o desenvolvimento
deste trabalho.
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RESUMO
Este trabalho objetiva descrever e analisar a evolução dos conceitos de integrais e funções integráveis por três diferentes e complementares pontos de vista: o histórico, o filosófico e o matemático. O referencial teórico filosófico está apoiado na Semiótica de Peirce (SANTAELLA, 1995) e no Princípio da Complementaridade aplicado à Educação Matemática (OTTE, 1993, 2012). A abordagem histórica e matemática trata da evolução do conceito de função, de continuidade e de integrabilidade. O conceito de função evoluiu praticamente junto com o conceito de continuidade, percorreu um caminho longo até as definições de Euler e Cauchy e se beneficiou enormemente da Semiótica quando foram associadas suas representações geométricas e algébricas. O conceito de função contínua foi que permitiu a evolução de cálculo de áreas de figuras planas para o conceito de integral. A noção de integrabilidade nasceu com o método da quadratura de figuras planas utilizado na Grécia Antiga, e passou pelo método dos indivisíveis de Cavalieri, que motivou Fermat no cálculo de áreas limitadas pelos gráficos de certas funções. Enquanto Cauchy e Riemann se apoiam na Geometria para desenvolverem o conceito de integral e integrabilidade, Newton e Leibniz atacam o problema via uma abordagem algébrica por meio das antiderivadas. Percebe-se aí a presença de uma complementaridade de visões do problema: a visão geométrica e a visão algébrica, reflexo da complementaridade existente na Matemática entre a Geometria e a Álgebra, entre o contínuo e o discreto. Lebesgue revolucionou a solução do problema, introduzindo a noção de medida de conjuntos, que generalizou a noção de distância euclidiana, e ampliou o sentido do conceito, mostrando que o que interessa são as funções mensuráveis. Palavras-chave: Medida e Integração. História da Matemática. Filosofia da Matemática. Complementaridade. Semiótica.
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ABSTRACT
This work is a doctoral thesis that aims to describe and analyze the evolution of the concepts of integrals and integrable functions by three different and complementary points of view: the historical, the philosophical and the mathematical. The theoretical and philosophical framework is based on Peirce's Semiotics (SANTAELLA, 1995) and on the principle of Complementarity applied to Mathematics Education (OTTE, 1993, 2012). The historical and mathematical approach deals with the evolution of the concept of function, of continuity and of integrability. The concept of function has evolved pretty much along with the concept of continuity, has come a long way up the definitions of Euler and Cauchy and they were benefited enormously from Semiotics when they were associated with their geometric and algebraic representations. The concept of continuous function was that allowed the evolution of calculating areas of planar figures for the concept of integral. The notion of integrability was born with the quadrature method of planar figures used in Ancient Greece, and passed by the Cavalieri’s method of indivisible, which motivated Fermat in the calculus of areas that are limited by the graphs of certain functions. While Cauchy and Riemann rely on Geometry to develop the concept of integral and integrability, Newton and Leibniz attacked the problem via an algebraic approach using the antiderivative. One can tell that there is a complementarity of visions of the problem: the geometric vision and the algebraic vision, reflecting the existing complementarity in Mathematics between Geometry and Algebra, between the continuous and the discrete. Lebesgue revolutionized the solution of the problem, introducing the notion of set measure, which generalizes the notion of Euclidean distance, and expanded the meaning of the concept, showing that what matters are the measurable functions. Keywords: Measure and Integration. History of Mathematics. Philosophy of Mathematics. Complementarity. Semiotics.
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Tríade de Peirce ......................................................................... 21
Figura 2. Função Contínua e Descontínua ................................................ 41
Figura 3. Uma descontinuidade de primeira espécie ................................ 43
Figura 4. Uma descontinuidade de segunda espécie ................................ 43
Figura 5. Quadratura do retângulo ............................................................ 45
Figura 6. Quadratura do pentágono .......................................................... 46
Figura 7. Triângulo central inscrito e circunscrito ...................................... 48
Figura 8. Quadratura do paralelogramo .................................................... 50
Figura 9. A quadratura de Fermat da curva � = �� ................................... 51
Figura 10. Quadratura de Fermat de � = ��� ............................................. 52
Figura 11. Cálculo da subtangente ............................................................ 55
Figura 12. Triangulo diferencial ................................................................. 57
Figura 13. Teorema Fundamental ............................................................. 59
Figura 14. A quadratura de � = �� ............................................................ 61
Figura 15. Área sobre a curva ................................................................... 65
Figura 16. Área do conjunto sob o gráfico e o eixo Ox .............................. 66
Figura 17. As parcelas de uma soma de Cauchy ...................................... 70
Figura 18. Áreas equivalentes ................................................................... 77
Figura 19. Descontinuidade de primeira espécie ....................................... 79
Figura 20. Primitiva contínua em 1 ............................................................ 79
Figura 21. As somas de Lebesgue para função crescente ........................ 94
Figura 22. Soma inferior de Lebesgue ...................................................... 96
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO _____________________________________________________ 12
CAPÍTULO 1 ______________________________________________________ 17
NOÇÕES DE COMPLEMENTARIDADE E SEMIÓTICA. ____________________ 17
1.1 NOÇÕES DE COMPLEMENTARIDADE ____________________________ 17
1.2 NOÇÕES DE SEMIÓTICA _______________________________________ 20
1.3 A SEMIÓTICA E A EDUCAÇÃO MATEMÁTICA ______________________ 22
1.4 A COMPLEMENTARIDADE NA HISTÓRIA E NA FILOSOFIA DA MATEMÁTICA _____________________________________________________29
CAPÍTULO 2 ______________________________________________________ 38
A EVOLUÇÃO CONCEITUAL DE FUNÇÃO CONTÍNUA ____________________ 38
2.1 O TRATAMENTO DE EULER PARA FUNÇÕES _____________________ 38
2.2 A CONTINUIDADE SEGUNDO CAUCHY ___________________________ 40
2.3 O FORMALISMO DA CONTINUIDADE DE FUNÇÕES ________________ 41
CAPÍTULO 3 ______________________________________________________ 44
AS ORIGENS DA TEORIA DA INTEGRAÇÃO ____________________________ 44
3.1 O CÁLCULO NA GRÉCIA ANTIGA ________________________________ 44
3.1.1 A quadratura geométrica ________________________________________ 44
3.1.2 O método da Exaustão _________________________________________ 46
3.2 A INTEGRAL NO SÉCULO XVII __________________________________ 49
3.2.1 Os indivisíveis de Cavalieri ______________________________________ 49
3.2.2 A integral de Fermat ___________________________________________ 50
3.2.3 A integral de Barrow ___________________________________________ 57
3.2.4 A integral de Wallis ____________________________________________ 60
3.3 A INTEGRAL NO SÉCULO XVIII __________________________________ 63
3.3.1 A integral de Newton ___________________________________________ 64
3.3.2 A integral de Leibniz ___________________________________________ 66
CAPÍTULO 4 ______________________________________________________ 67
A EVOLUÇÃO CONCEITUAL DE FUNÇÃO INTEGRÁVEL DE CAUCHY A LESBEGUE _______________________________________________________ 67
4.1 A INTEGRAL DE CAUCHY ______________________________________ 67
11
4.1.1 As obras de Cauchy ___________________________________________ 68
4.1.2 A integral definida de Cauchy ____________________________________ 69
4.1.3 Propriedades algébricas e a interpretação geométrica da integral definida de Cauchy ___________________________________________________________76
4.2 A INTEGRAL DE RIEMANN _____________________________________ 82
4.2.1 As obras de Riemann __________________________________________ 82
4.2.2 A integral de Riemann como limite de somas. ________________________ 83
4.2.3 A integral de Riemann como igualdade de duas integrais _______________ 87
4.3 A INTEGRAL DE LEBESGUE ____________________________________ 89
4.3.1 A obra de Lebesgue ___________________________________________ 90
4.3.2 A integral definida de Lebesgue __________________________________ 92
4.3.3 A medida exterior de Lebesgue em R . _____________________________ 98
4.3.4 A integral de Lebesgue para funções limitadas ______________________ 104
CONSIDERAÇÕES FINAIS __________________________________________ 106
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ___________________________________ 109
12
INTRODUÇÃO
Este trabalho é o resultado de uma pesquisa de caráter bibliográfico, que
pretendeu descrever e analisar a evolução dos conceitos de integrais e funções
integráveis por três diferentes e complementares pontos de vista: o histórico, o
filosófico e o matemático.
Embora por vezes não seja valorizada nos processos de ensino e
aprendizagem de Matemática, a História da Matemática é muito rica de informações.
A História do Cálculo Diferencial e Integral, em particular, é sumamente recheada de
fatos que se distribuem por mais de dois mil anos.
A História da Matemática se ocupa em descrever os processos de
crescimento e desenvolvimento da Matemática, ao passo que a Filosofia da
Matemática se preocupa com as questões passíveis de justificativas dessa disciplina.
Ambas desempenham um papel fundamental no contexto educacional. Entretanto,
existe uma disparidade entre elas. A História e a Filosofia da Matemática percorrem a
mesma estrada em sentidos opostos e complementares. Enquanto a primeira procura
cada vez mais por particularidades, a segunda persegue incansavelmente a
generalidade.
A importância da Filosofia para a Educação Matemática decorre, no mínimo,
do fato de que o conceito de “explicação” é central nas nossas práticas educacionais.
Sem conteúdo, a Matemática não pode ser organizada de maneira frutífera na escola
como um tópico profissional básico ou mesmo como uma mera linguagem. A
Educação Matemática, como as outras disciplinas, tem que contribuir numa busca
comum pela clareza dos assuntos fundamentais e também pela formação do
indivíduo. Assim, para o processo de ensino e aprendizagem de Matemática, a
formação filosófica parece ser tão importante quanto a exatidão lógica ou o letramento
matemático.
Estudar Filosofia da Matemática implica em estudar os processos
epistemológicos, cognitivos e semióticos envolvidos na Matemática e na Educação
Matemática. Dessa forma, um processo de ensino e aprendizagem de Matemática só
estará completo se, além de outras disciplinas, contiver História e Filosofia da
Matemática.
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Um dos grandes problemas da Educação Matemática é o caráter
aparentemente infalível e estático do conhecimento matemático. Tudo é como parece
ser: P = P! Este Princípio da Identidade está no cerne da Lógica e das Ciências Exatas,
e se posiciona contra quaisquer preocupações históricas ou filosóficas. P significa
apenas P!
Nenhum comentário ou investigação histórica, nenhuma consideração
psicológica ou filosófica será capaz de acrescentar algo ao assunto. A Matemática
parece tão imutável e absoluta que a história sociocultural do conhecimento sempre a
excluiu de suas considerações.
Dentro desse contexto, frequentemente é afirmado, particularmente por
alguns matemáticos, que a Matemática não possui uma História que valha a pena ser
conhecida. Qualquer concentração adicional nas idas e vindas do processo histórico
é sem valor, dizem os matemáticos, pois toda a cognição matemática está de acordo
com o seu paradigma contemporâneo. Se existisse uma História, ela seria mais um
passatempo, ou seja, a História da Matemática é de certo modo considerada como
dogma e de certo modo como fuxico. A atitude dogmática serve para excluir todas as
visões alternativas da Matemática, enquanto a atitude de mero fuxico a coloca fora
das considerações de registro oficial. Contudo, essa visão vem mudando e o mais
novo estado de arte da Matemática tem assumido e reformulado em termos modernos
o que parece ser digno de ser lembrado.
Olhando sob o ponto de vista do Princípio da Identidade, a Matemática é vista
como um conjunto de trabalhos completos e teorias finalizadas que podem às vezes
revelar seus segredos para algum talentoso descobridor, mas que não pode ser
ensinada nem aprendida. Ou se tem esse jeito matemático para olhar as coisas ou
não se tem. Sendo uma mera forma da realidade, ou uma realidade sui generis, ela
não tem nada a ver com atividades humanas ou com emoções.
Tal visão não permite a consideração de problemas não resolvidos porque
frente a um obstáculo temos que buscar recursos de qualquer jeito, e, às vezes, as
mais loucas intuições ou ideias é que são as mais produtivas. Além disso, a intuição
não tem regras! Será visto um exemplo disso quando se tratará da visão de Lebesgue
sobre integração.
Não é bom não levar em conta esses aspectos do pensamento matemático,
porque grande parte da Matemática consiste de problemas. A Matemática não é
14
completa nem em termos de sua lógica e nem de seus métodos. Excluir de
consideração perguntas sem resposta e problemas sem solução não ajuda a estimular
o espírito da criatividade e da verdade nos estudantes. Dessa forma a perspectiva
histórica da Matemática é essencial para a busca da verdade e da criatividade.
Perceber as mudanças das coisas certamente nos ajuda a vê-las mais
claramente. Por exemplo, o Princípio da Continuidade em suas múltiplas formas foi o
mais importante veículo para a generalização da Matemática até a Idade Moderna,
perdendo seu trono apenas quando o espírito reducionista do rigor veio a prevalecer.
Uma razão para este banimento do Princípio da Continuidade foi a ilusória busca de
um rigor absoluto.
O mundo fenomenológico que se apresenta diante de nossos sentidos é um
mundo contínuo, onde tudo é relacional e relativo: não existe coisa pesada, amarga,
doce ou quente. Tudo isso existe só relativamente. Não existe distância grande,
depende do contexto. Um sabor, ou uma cor, ou uma distância, é um contínuo, que a
Ciência Moderna representa por relações, as quais, por sua vez, são dadas em termos
numéricos. Os números são usados para distinguir as coisas, para contrariar as
semelhanças que regem o mundo. A distinção e o Princípio da Identidade dominam o
mundo matemático.
Continuidade é algo ideal como a distinção também é; não existe em geral
uma “uniformidade da Natureza”, sempre se requerem esforços epistemológicos para
usar bem o Princípio da Continuidade. A intuição erra muito, mas, mesmo assim, ela
é indispensável. Isso leva a um tipo diferente de ressalva. As considerações históricas
frequentemente são simples reações negativas ao dogmatismo matemático e ao
positivismo, tentando utilizar a História como um meio de ridicularizar a hipótese de
um desenvolvimento linear e lógico da Matemática, como se isso fosse uma ilusão e,
algumas vezes, insinuando uma crítica ideológica abstrata.
Contudo, a abordagem histórica não pode ser justificada apenas apontando
para os interesses e as preocupações humanas. E mesmo a mais ampla abordagem
sociocultural da História da Matemática tem que modelar suas principais categorias
de modo a torná-las aplicáveis à Matemática e às questões cognitivas mais próximas.
É difícil entender os caminhos da criatividade intuitiva, mas existe uma lógica ali
também. A História é lógica, e não mero oposto.
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Portanto, devemos perseguir uma História da Matemática na qual os fatos
sejam iluminados pela reflexão epistemológica e cultural.
Lakatos costumava parafrasear Kant: “A História da Matemática sem o guia
da Filosofia é cega, enquanto a Filosofia da Matemática, ignorando os mais intrigantes
fenômenos da História, é vazia” (LAKATOS, 1970, p. 135).
Durante o século XIX apareceram novas aplicações da Matemática. Novos
problemas e transições ocorreram em virtude das novas ideias teóricas sobre a
natureza da Matemática e de seus objetos. Estes desenvolvimentos, que podem ser
observados na evolução da Axiomática de Euclides para a Teoria dos Conjuntos e a
Axiomática Formal de Hilbert e Peano, fizeram com que a Matemática se tornasse
mais abstrata e menos explicativa.
É curioso observar que a Matemática oriunda das necessidades concretas de
comunicação em larga escala e a longas distâncias é que deu origem à Matemática
abstrata. A ironia está no fato de que o seu caráter formal, ao mesmo tempo em que
facilita, também dificulta a sua comunicação e a sua aprendizagem. Dificuldades de
aprendizagem resultam no mínimo do fato de que o conceito de “explicação” é central
às práticas educacionais e objetivas, visto que a Ciência moderna e a Matemática não
oferecem explicações das coisas no sentido desejado. Elas são ou muito hipotéticas
e abstratas ou muito instrumentais e técnicas. A Matemática não deve ser organizada
e ensinada na escola como um tópico primeiramente profissional, mas, como as outras
ciências e disciplinas, deve também contribuir para uma busca comum pelo
esclarecimento das questões fundamentais.
Casari (CASARI, 1974, p. 61) observa que “a axiomática no sentido de
Euclides, isto é, a redução lógica, a análise e a organização de conceitos inteligíveis
e de sentenças significativas, parece permanecer uma ferramenta irredutível e
fundamental para o nosso pensamento”. Isso não significa que todos queiram voltar
ao estilo e aos métodos da Matemática da época de Euclides, nem estimular um
fundamentalismo matemático que vise reduzir tudo à Matemática elementar. Mas
alguns matemáticos acreditam, que a Matemática não mudou de caráter, de estilo e
dos métodos principais, desde os dias de Euclides. É uma visão pouco realista e anti-
histórica como já foi dito. Entretanto isso mostra que a Matemática moderna está
dividida entre a sua epistemologia e a sua metodologia desde o início da modernidade.
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O desenvolvimento ontológico prévio relativo à natureza da Matemática e dos
objetos matemáticos foi sustentado pelas mudanças epistemológicas, cuja
compreensão é importante se queremos usar a História da Matemática com objetivos
educacionais. Houve uma mudança de abordagens diretas e construtivas para
abordagens indiretas e analíticas. Também houve uma mudança do raciocínio
instrumental para o pensamento relacional.
O assunto que se pretendeu estudar neste trabalho, a evolução do conceito
de integral e de função integrável, tenta ilustrar e substanciar a seguinte hipótese
geral: O progresso das Ciências e da Matemática foi concebido, até certo grau, como
um processo de desenvolvimento de seus objetos e de sua particular noção de
realidade.
No Capítulo 1 é introduzido o referencial teórico, que trata basicamente de
rudimentos da Semiótica de Peirce e do Princípio da Complementaridade, e de suas
influências e relações com a Matemática e com a Educação Matemática. São
primordiais as noções de signos, símbolos, índices e ícones. Também são
apresentadas e exploradas as noções de intensão e extensão de um conceito e as
relações de complementaridade entre essas noções.
O Capítulo 2 trata da evolução conceitual de função, e, em particular, de
função contínua, que teve sua evolução conceitual quase que simultaneamente com
o conceito de integrabilidade.
No Capítulo 3, são abordados historicamente e matematicamente as origens
da teoria da integração desde os tempos da Grécia antiga até o século XVIII.
No Capítulo 4, são apresentadas as integrais de Cauchy, Riemann e
Lebesgue do ponto de vista matemático.
Nas Considerações Finais, procura-se fazer uma revisão dos conceitos
apresentados, agora sob a ótica da Semiótica e da Complementaridade.
17
CAPÍTULO 1 NOÇÕES DE COMPLEMENTARIDADE E SEMIÓTICA.
Neste capítulo serão introduzidas noções de dois conceitos que são
primordiais para uma análise moderna do assunto das integrais e das funções
integráveis: a Semiótica e o Princípio da Complementaridade. Esses dois conceitos
surgiram no final do século XIX e começo do século XX, e, de certa forma,
revolucionaram o modo de se ver e analisar o desenvolvimento epistemológico das
Ciências.
Michael Friedrich Otte, ao longo de seus inúmeros trabalhos (OTTE, 1984,
1990,1993, 2001, 2003b, 2006, 2007, 2012), sugere um método didático, baseado no
binômio indissociável e complementar da História e da Filosofia da Matemática,
interpretadas na linguagem dos signos, a Semiótica, como roteiro para se enfrentar
as dificuldades cognitivas e epistemológicas inerentes à Educação Matemática.
1.1 NOÇÕES DE COMPLEMENTARIDADE
O Princípio da Complementaridade foi formulado por Niels Bohr no ano de
1927 no Congresso Internacional de Física realizado na cidade de Como, Itália, em
memória ao centenário de morte de Alessandro Volta, motivado pelo fato de que
quando se observam fenômenos atômicos surgem registros que não pode se saber
com certeza se pertencem à própria natureza do fenômeno ou à interferência do
observador. Dessa forma, em algumas situações, as propriedades da luz se
apresentam como propriedades de ondas eletromagnéticas e, em outras, como
propriedades de matéria.
A partir de Bohr, o termo complementaridade tem sido utilizado por diversos
autores para capturar os aspectos essenciais do desenvolvimento cognitivo e
epistemológico de conceitos matemáticos e científicos (OTTE e STEINBRING, 1977;
KUYK, 1977; OTTE, 1984, 1990, 1994, 2001, 2003, 2003b, 2007; DOUADY, 1991;
SFARD, 1991; JAHNKE, 1992).
Segundo Abbagnano (ABBAGNANO, 1982, p. 144), “conceitos
complementares são conceitos opostos que se corrigem reciprocamente e se
integram na descrição de um fenômeno”.
18
Os termos intensão e extensão foram introduzidos por Leibniz para expressar
a distinção entre o entendimento que a Lógica de Port Royal expressara para o par
compreensão-extensão e o entendimento que a Lógica de Stuart Mill expressara para
o par conotação-denotação.
Na concepção de Hamilton (HAMILTON, 1866, pág. 142), a intensão (ou
intensidade) de uma noção é a quantidade interna dessa noção, constituída por
diferentes atributos, cujo resultado é a soma dos vários caracteres conexos do próprio
conceito pensado num uno total. Já a extensão de uma noção é a quantidade externa
dessa noção, constituída pela classe dos objetos que são pensados imediatamente
através desse conceito.
Na concepção de Lewis (LEWIS, 1950, pág. 39-41), a intensão de um termo
é a conjunção de todos os termos que devem ser aplicáveis àquilo a que o termo é
corretamente aplicável. Desse modo, a intensão (ou a conotação) é delimitada por
toda definição correta do termo e representa a ideia de quem o emprega. A extensão
(ou a denotação) de um termo é a classe das coisas reais às quais esse termo se
aplica.
Para Quine, (QUINE, 1969), a intensão de um termo é o significado desse
termo, enquanto a extensão é a classe das entidades às quais o termo pode ser
atribuído com verdade.
Otte (OTTE, 2003a, 2003b) mostra que o Princípio da Complementaridade
está presente na Matemática e na Educação Matemática quando do estudo dos
aspectos intensional e extensional de um conceito matemático. Esses aspectos não
devem ser vistos apenas como uma dualidade, mas, sim, como aspectos que
interagem e se integram para capturar os aspectos essenciais do desenvolvimento
cognitivo e epistemológico desse conceito.
A noção de intensão de termos ou conceitos matemáticos explicita as relações
entre classes de objetos matemáticos, assim como suas relações estruturais.
Entretanto, tal noção não esgota a conceituação do objeto matemático em si. Os
números, por exemplo, podem ser conceituados via os axiomas de Peano ou via uma
abordagem axiomática dos números reais. As abordagens axiomáticas mostram que
a Matemática não trata de objetos que existem concretamente, mas de objetos ideais
e de relações gerais.
19
A noção de extensão de termos ou conceitos matemáticos está relacionada à
interpretação dos objetos matemáticos, assim como às suas aplicações, e
caracterizam os modelos de uma teoria.
Dessa forma, uma abordagem complementarista entre a intensão e a
extensão de termos ou conceitos matemáticos torna-se relevante por causa da
impossibilidade de se definir a realidade matemática independentemente de suas
possíveis representações e da própria atividade cognitiva (Otte, 2003b).
Com a aritmetização da Matemática, ocorrida no final do século XIX, e com
as axiomatizações, como as de Hilbert e Peano, os conceitos primitivos e os axiomas,
que antes, na Geometria Euclidiana, eram dados de certa forma pela intuição,
passaram a ser premissas de raciocínios hipotético-dedutivos, libertando-se da
intuição. A mudança da visão de Riemann para a visão de Lebesgue sobre integração
ilustrará bem esse fato.
Segundo Otte (OTTE, 2003b), porém, a tendência de transformar a
Matemática em Lógica é equivocada, visto que a Matemática possui objetos, enquanto
que a Lógica não se ocupa com a natureza das coisas e não afirma nada acerca do
mundo. De um modo geral se pode dizer que a Lógica se ocupa de formas e não de
objetos. Essa é a diferença fundamental entre as duas (OTTE, 2003b).
Uma teoria axiomática moderna é, na verdade, um par no seguinte sentido:
por um lado ela é uma teoria intensional, descrevendo a relação entre seus termos
teóricos por meio de axiomas; e, por outro, ela constitui as referências ou as extensões
de tais termos, evidenciando as aplicações, interpretações ou modelos da teoria
(OTTE, 2003b). Não se trata apenas de uma simples dualidade de aspectos de uma
teoria axiomática, mas de aspectos que são fundamentais e que se complementam
na descrição dessa teoria.
Objetos matemáticos possuem uma natureza dual. Eles podem ser dados
intencionalmente por um sistema axiomático, mas devem ser complementados com
referências e atributos. Além das características relacionais dadas pela axiomática,
eles devem conter também as possíveis interpretações de seus termos.
Ainda para Otte (OTTE, 2003b, p. 205), as relações que envolvem a
característica intensional e a característica extensional de um objeto matemático são
complexas, pois elas não são totalmente independentes e não podem ser olhadas
como relações inversas no sentido clássico, isto é, dada uma, obtém-se a outra por
20
meio de uma simples operação. As características intensional e extensional de um
objeto matemático são relativamente independentes, e conectam-se de modo circular
ou complementar. Isto fica visível quando se observa a gênese do conhecimento
matemático e a relação entre o sujeito e o objeto matemático, que produzem a
atividade matemática. Assim, o par intensão e extensão de termos matemáticos
devem ser distinguidos de uma mera dualidade, e a mútua influência entre eles
enfatiza o caráter evolutivo do conhecimento matemático, dentro do que se chama
uma epistemologia genética.
Nessa perspectiva, o foco do estudo tem que estar na relação entre o sujeito
e o objeto matemático, e não somente no objeto em si. Esses fatores evidenciam a
relevância da noção de complementaridade no que concerne aos estudos
epistemológicos da aprendizagem matemática (OTTE, 2003b, p. 205).
A compreensão matemática nessa perspectiva genética do conhecimento nos
obriga a abandonar as noções que envolvem os objetos ideais, independentes do
sujeito, ou verdades separadas das possibilidades de interpretações ou verificações.
O objeto da Matemática ou o conteúdo da atividade matemática não podem ser
definidos, de forma alguma, independentes dos meios da atividade matemática
(OTTE, 1993, p. 226).
1.2 NOÇÕES DE SEMIÓTICA
Semiótica é a ciência que estuda os signos e as leis que regem sua geração,
transmissão e interpretação. A origem da Semiótica remonta à Grécia Antiga, e, assim
sendo, ela é contemporânea ao nascimento da Filosofia. Os médicos naquela época
já usavam o termo semiótica para se referir à especialidade geralmente conhecida
como sintomologia.
No final do século XIX vieram à luz as pesquisas de Fernand Saussure (1857
- 1915) na França e Charles Sanders Peirce (1839 - 1914) nos Estados Unidos, que
são considerados os pais da Semiótica, e a partir daí esse campo do saber ganhou
independência e passou a ser considerado uma ciência.
Este trabalho se restringirá à uma apresentação resumida da Semiótica de
Peirce, suficiente para os propósitos desta pesquisa.
21
Peirce nasceu em Cambridge, Massachussets, nos
Estados Unidos. Por influência do pai, o matemático, físico e
astrônomo Benjamin Peirce, formou-se na Universidade de
Harvard em Química e Matemática. Além de outras áreas das
ciências exatas, interessou-se também, durante toda sua vida, por
assuntos relativos à Educação e à Filosofia. Foi um dos fundadores
da corrente filosófica conhecida como Pragmatismo, e é
considerado um dos maiores lógicos, matemáticos e filósofos das ciências de todos
os tempos.
O nome Semiótica se origina do termo grego semeion, que significa signo. Um
signo (ou representamen ou representação) é aquilo que sob certo aspecto representa
alguma coisa para alguém. Dirigindo-se a uma pessoa, esse signo cria na mente
dessa pessoa, por meio de um processo chamado semiose, um signo equivalente a
si mesmo ou, eventualmente, um signo mais desenvolvido, que é denominado o
interpretante daquele signo. A coisa representada é denominada o objeto. Costuma-
se apresentar a noção de signo por meio da seguinte representação triádica: Objeto
– Representação – Interpretante.
Figura 1. Tríade de Peirce
Representação
Objeto Interpretante
Fonte: autor 2016
De acordo com Peirce, a semiose, a atividade do signo, caracteriza-se como
uma atividade eminentemente evolutiva. A definição de signo feita por Peirce conduz
ao centro das discussões os argumentos da fundação do pragmatismo, que é o
postulado das relações lógicas existentes e inter-relacionadas dos três elementos
sígnicos: o representamen, o objeto e o interpretante.
Essa tríade pode ser estudada de três modos diferentes:
(1) O modo sintático, ou a sintaxe do signo, que estuda as relações entre
o representamen e o interpretante.
22
(2) O modo semântico, ou a semântica do signo, que estuda as relações
entre o representamen e o objeto.
(3) O modo pragmático, ou a pragmática do signo, que estuda as relações
entre o interpretante e o objeto.
No modo semântico, existem três tipos de signos: os ícones, os índices e os
símbolos.
Um ícone é um signo que tem alguma semelhança com o objeto representado,
por exemplo, uma escultura ou uma fotografia de um objeto.
Um índice é um signo que tem uma relação causal de contiguidade física com
o que ele representa. Eles indicam alguma coisa. É o caso dos signos ditos naturais,
como a palidez que indica cansaço, a fumaça que indica fogo, a nuvem escura que
indica chuva, as pegadas na areia que indicam a presença de uma pessoa ou um
animal.
O símbolo é um signo ligado ao objeto em virtude de uma associação de ideias
produzidas por uma convenção. É o caso de uma bandeira representar, ou simbolizar,
a Pátria, uma pomba branca simbolizar a Paz, a cor verde simbolizar a Esperança.
1.3 A SEMIÓTICA E A EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
Aprofundando um pouco mais a discussão sobre a teoria dos signos e dos
três tipos fundamentais de signos mencionados por Peirce e suas relações com a
Matemática e a Educação Matemática.
A indicialidade é um dos fatores que faz com que a abordagem semiótica da
Matemática e da Educação Matemática seja inevitável, porque ela ajuda a resolver o
enigma dos objetos matemáticos.
O próprio Peirce escreve:
“Não haveria uso de índices em matemática pura, lidando, como se faz, com criações ideais, sem levar em conta se elas estão realizadas em algum lugar ou não. Mas, as construções imaginárias do matemático, e até mesmo os sonhos, até agora aproximam da realidade como se tivesse um certo grau de fixidez, em consequência da qual eles podem ser reconhecidos e identificados como individuais. Há uma forma degenerada de observação que é direcionada para criações de nossas mentes, usando o termo observação em seu sentido completo como implicação de algum grau de fixação e quase-realidade no objeto para o qual se empreende para conformar. Em conformidade,
23
encontramos que índices são absolutamente indispensáveis em matemática” (PEIRCE, CP 2.305).
Os índices que ocorrem na Matemática pura se referem a entidades ou
objetos que pertencem a um modelo de uma teoria, e não pertencem ao mundo real.
A visão de um modelo teórico não é obviamente possível sem a iconicidade.
O plano dos números complexos, por exemplo, é uma representação icônica ou uma
metáfora, que se provou indispensável para o desenvolvimento do conceito de
número, e a aritmetização da Matemática pura, ocorrida nos séculos XIX e XX, não
teria sido possível sem ele.
O símbolo é o signo mais importante e mais difícil de se compreender. Uma
proposição deve ser interpretada como um símbolo. Por exemplo, “esta rosa é
vermelha”. O símbolo é a relação entre “a rosa” e “a vermelhidão”. É a cópula da
sentença e representa uma possibilidade porque existem rosas que não são
vermelhas. É muito difícil encontrar uma proposição simples que não se refira a dois
signos, um índice e um ícone.
“Os símbolos incorporam o hábito, e é indispensável para a aplicação de qualquer hábito intelectual pelo menos. Símbolos proporcionam um meio de pensar sobre o pensamento de um jeito que não pdemos pensar sem eles. Eles nos permitem criar abstrações, sem os quais careceríamos de um grande motor de descobertas.” (PEIRCE, CP 4.531). “Um símbolo é um signo convencional que sendo anexado a um objeto significa que o objeto tem certas características. Mas, um símbolo, ele próprio é um simples sonho, ele não mostra sobre o que está falando. Precisa estar conectado com o seu objeto. Por essa razão, um índice é indispensável. Nenhum outro tipo de signo questionará o objetivo” (PEIRCE, CP 4.56).
A característica chave de um ícone é que ele carrega alguma semelhança
com o objeto representado, mesmo que tal objeto não exista. A semelhança pode ser
extrema como a de uma fotografia ou pode ser sutil. “Em qualquer circunstância, cada
ícone participa de alguma característica mais ou menos ostensiva de seu objeto”
(PEIRCE, CP 4.531).
Essa característica pode ser de um tipo complexo. Particularmente
merecedores de menção são os ícones nos quais a semelhança é atingida por regras
convencionais. Assim, uma fórmula algébrica é um ícone, com as regras
convencionais fixadas pelas regras de comutação, associação e distribuição dos
símbolos. Pode parecer no primeiro relance que é uma classificação arbitrária chamar
24
uma expressão algébrica de ícone, a qual poderia muito bem ser considerada como
um signo convencional composto. Mas não é assim.
Uma vez que um ícone é ajustado em relação ao objeto, inferências sobre ele
se tornam inferências sobre o objeto. Uma figura da fala matemática seria dizer que o
ícone é um mapa de uma representação sobre outra. Tem-se o empregado uma
analogia matemática na fala do ícone, o reverso dessa moeda é que ícones são de
importância chave para a matemática. Analogia ou similaridade estrutural, por
exemplo, tem um papel fundamental na Matemática. Para melhor compreender essa
grande propriedade peculiar do ícone sobre a qual Peirce fala, deve-se compará-lo
com uma definição, a qual está sempre confinada a um tipo de exibição.
Ícones podem ser completamente substituídos por seus objetos e podem se
tornar indistinguíveis deles. Os ícones ou as imagens são particularmente adequados
para tornar palpável e concebível o possível e o potencial além do real e do factual.
Esse é o caso dos diagramas da álgebra e da geometria. Diagramas são
essencialmente ícones. A Matemática tem sido chamada, ás vezes, de ciência das
possibilidades, ou do logicamente possível. Para verificar se alguma combinação de
asserções são consistentes ou logicamente possíveis, isso deve ser visualizado, pois
a dificuldade dessa verificação reside na interação entre as várias afirmações, em vez
de um significado particular.
Professores sempre tentam alertar seus pupilos não para identificar coisas e
ícones, mas para enxergar os diagramas geométricos como símbolos. É o caso do
triângulo geral. A associação da ideia de um triângulo geral como um símbolo é, por
um lado, imperfeita, pois o triângulo geral não é oblíquo, nem retângulo, nem
equilátero, nem escaleno, mas todos eles e nenhum deles. Por outro lado, tem-se a
necessidade de associação de uma figura que represente o triângulo geral pela
conveniência da comunicação e ampliação do conhecimento. Em geometria, o geral
só pode ser representado pelo particular, pois uma imagem pura não tem
generalidade.
Uma simbolização ou uma atividade proposicional toma algum aspecto
particular que parece apropriado com relação a certo problema ou certa meta. Pode-
se, por exemplo, afirmar que o que serve como ideia geral em geometria deveria ser
interpretado em relação ao propósito particular em mãos. Se, por exemplo, se quer
provar o teorema que as três medianas de um triângulo se intersectam exatamente
25
em um mesmo ponto, então, um triângulo equilátero serve perfeitamente como um
exemplo de um triângulo geral, porque a afirmação do teorema faz menção apenas a
conceitos que são independentes da distância e dos ângulos, isto é, as condições do
teorema em questão são invariantes com respeito a uma transformação afim. Por
outro lado, pode ser mais fácil encontrar um argumento para provar um teorema em
um caso do que no outro. O triângulo equilátero, por causa de suas características
altamente simétricas, é uma instância favorável no caso da interseção das medianas.
É a forma indeterminável do ícone, que permite selecionar a perspectiva apropriada.
Nenhuma definição linguística tem a sua liberdade e a sua variabilidade.
Assim, segue que para compreender o desenho geométrico ou o diagrama
matemático em termos semióticos, se tem que levar em conta, não apenas sua
aparência concreta, mas também sua funcionalidade, que depende da variação e
continuidade. O que se faz é transformar nosso diagrama enquanto algum fato
perceptual não se torne inegável. Essa vasta discussão sobre ícone leva à conclusão
que a classificação dos signos de Peirce deveria ser vista como uma classificação de
representação das funções cognitivas ou categorias.
O mesmo se aplica para os tokens (sinal, marca, símbolos..), que são
compreendidos como índices. Nenhum assunto pode ser tratado sem o uso de algum
signo servindo como um índice.
“em álgebra, as letras, quantitativa e funcional,são dessa natureza. Mas, os símbolos, por si só, não indicam qual o tema do discurso. E esse pode, de fato, não ser descrito em termos gerais e pode apenas estar indicado. O mundo real não pode ser distinguido de um mundo de imaginação de qualquer descrição. Daí a necessidade de pronome e índices, e quanto mais complicado for o sujeito maior é a necessidade dele” (PEIRCE, CP 3.363).
Um ícone representa por semelhança. Um índice por outro lado, não tem
nenhuma semelhança com o seu objeto. A principal coisa sobre um índice é que ele
tem uma ligação existencial com seu objeto. O uso da língua portuguesa ordinária é
suficiente para o nosso discurso sobre índices. O índice “dedo”, por exemplo, é usado
para apontar para alguma coisa. O que mostra uma conexão existencial direta com o
apontado, e, assim, “dedo” é um índice no sentido peirceano. Índices servem de
identidade de referência.
“Inchaço, dor, vermelhidão, febre, são índices de inflamação. Índices fornecem garantia positiva da realidade e a proximidade
26
de seu objeto. Mas com a garantia não se vai a nenhum insight sobre a natureza desses objetos” (PEIRCE, CP 4.531).
Pode-se não conhecer nada sobre a doença ou o que a febre indica. Porém,
quanto mais sintomas e mais reações que se observarem, mais clara será a imagem,
porque os sintomas, como inchaço ou febre, não são índices puros, embora também
forneçam informações. É importante notar que os signos, por quaisquer meios, não
precisam necessariamente serem ícones ou índices ou símbolos puros. Um signo na
frente de uma loja é indicial por sua conexão com a loja, mas ele também pode ser
icônico, por ter, por exemplo, a imagem de um livro para indicar que a loja é uma
livraria.
“As letras ordinárias da álgebra que não apresentam nenhuma peculiaridade, são índices. Então também são as letras A, B, C, etc., anexadas à figuras geométrica. Advogados e outros que precisam declarar um caso complicado com precisão, têm que recorrer às letras para distinguir indivíduos. Letras tão usadas são meramente pronomes relativos. Assim, enquanto pronomes pessoais e demonstrativos são, usados ordinariamente como índices genuínos, pronomes relativos são “índices degenerados”, pois, embora eles possam, acidentalmente e indiretamente, se referirem a coisas existentes, eles se referem diretamente e precisam se referir às imagens na mente a qual apenas as palavras prévias tinham criado” (PEIRCE, CP 2.305).
O valor de um ícone consiste na exibição de características do estado das
coisas consideradas como se isso fosse puramente imaginário e aberto para
modificações arbitrárias. Índices, por outro lado, fornecem garantias positivas da
realidade e da proximidade de seus objetos. Mas, aqui esses objetos podem, como
as letras na álgebra ou na geometria, pertencer a uma realidade completamente
virtual.
O desenvolvimento das ideias matemáticas, num nível formal e abstrato, só
foi possível a partir da utilização de representações de objetos matemáticos por meio
de símbolos. Viète, no fim do século XVI, Descartes, no início do século XVII e Leibniz,
no final do século XVII, iniciaram e deram grande impulso a esse processo.
É relevante destacar também o papel das representações, ou seja, para que
algo realmente exista para nós, deve ser representado. Isto traz outro fator a ser
considerado, aquele que diz respeito à complementaridade entre as diferentes
representações de um objeto matemático, pois estas podem ser vistas como
27
referenciais ou como atributos. Dessa forma, o conhecimento pode ser visto como
uma atividade humana que está sempre em construção.
As diferentes representações de um objeto matemático apresentam nuances
diversas, mas que se relacionam ou se correspondem. Essa característica de ser
mutável permite ao aprendiz realizar transformações nas representações de um
objeto, levando assim a passar o objeto de uma forma para outra. Para cada forma
existem ferramentas específicas para manejá-la. Daí a importância das
representações na construção do conhecimento em Matemática. A edificação desse
conhecimento passa pela apropriação dos conteúdos existentes em cada
representação e estabelece relações entre os diferentes sistemas semióticos.
Na Matemática e na Educação Matemática os objetos de estudo são os
objetos matemáticos, os quais são entes abstratos, produtos da construção da mente
humana. Números, variáveis, funções, relações, conceitos, estruturas são exemplos
de objetos matemáticos. As representações são fundamentais para os processos de
ensino e aprendizagem de Matemática, pois diferentemente dos processos de ensino
e aprendizagem de outras ciências, somente por meio das representações é que se
pode ter acesso aos objetos matemáticos.
Um conceito matemático não existe independentemente de suas
representações, mas não deve ser confundido com nenhuma delas. Além disso, o fato
de não ser possível determinar todas as possíveis representações de um objeto
matemático sugere a busca de novas formas de representá-los, novos referenciais e
modelos, mundo artificiais para interpretá-los.
Há uma interação entre sujeito e objeto por algum tipo de mediação. Dessa
forma, uma representação pode ser entendida como alguma coisa que produz uma
intermediação entre o sujeito e o objeto do conhecimento.
“Um objeto, para o qual não podemos produzir uma relação com algum meio qualquer, não existe para nós como objeto do conhecimento. Por isto é que também o objeto do conhecimento não é definível sem os meios” (OTTE, 1993, p. 224).
Segundo OTTE (1993), chama a atenção para o fato de que a equação A = B
pode ser interpretada de modo que A e B tenham diferentes aspectos intensionais de
uma mesma extensão ou diferentes designações de um mesmo objeto matemático.
Os termos A e B têm a mesma referência, na qual os significados ou o modo de
apresentação são diferentes.
28
A esse respeito, a dinâmica do conhecimento consiste evidentemente no fato
de que novos objetos são trazidos para o pensamento e novos conhecimentos são
produzidos; no caso da Matemática, tais objetos não são simplesmente encontrados
em algum lugar, nem podem ser tocados com o dedo, eles são transmitidos pela práxis
social-histórica do homem.
O objeto teórico surge, ao final, como invariante de todas as possíveis e
diferentes descrições e acessos metódicos. Assim os termos A e B podem ter
diferentes aspectos intencionais e recair sobre a mesma extensão. Cada objeto pode
ser considerado e definido sob vários pontos de vista.
Nesse caso,
[...] a variedade também aparece como multiplicidade dos interesses subjetivos e das funções e aplicações subentendidas do saber. Dessa forma, é forçada uma relativa independência do saber, como revela-se em seu caráter teórico. O saber nem pode ser identificado com experiências e intuições individuais, nem pode ser completamente reduzido a significados conteudísticos isolados, isto é, ser concebido como reflexo direto de um objeto. A teorização do saber é assim caracterizada por um duplo distanciamento – tanto do sujeito como do objeto – e dessa forma surge no primeiro plano a complementaridade entre objetos e meios como o processo real da dinâmica do saber (OTTE, 1993, p. 225).
O uso predicativo ou por meio de um atributo é transformado em um uso
referencial a fim de sintetizar novas estruturas relacionais. Isto implica que na
Matemática a relação entre o particular e o geral é de suma importância, e talvez mais
importante do que a busca por fundamentações absolutas e objetivas (OTTE, 1993).
Considerando que na Matemática não há nenhum nível absolutamente
ontológico, e que ela não é uma ciência totalmente analítica nem puramente
descritiva; considerando ainda a impossibilidade de definir a realidade matemática
independente da própria atividade cognitiva, parece-nos plausível concluir que a
Matemática não é puramente intensional tampouco exclusivamente extensional.
Segundo OTTE (2003), nos alerta que os alunos, em geral, têm dificuldades
com as equações em virtude da interpretação do sinal de igualdade. Eles o veem
apenas com uma característica funcional de entrada e saída. Isso representa uma
compreensão direta da equação; para esses alunos, o conceito de equação não foi
transformado em um objeto de reflexão matemática; essa compreensão funcional ou
puramente instrumental é insuficiente, e mesmo as tarefas elementares requerem
29
uma interpretação diferente da equação, uma interpretação que a trate como um
conceito independente.
Por exemplo, os alunos compreendem bem que a mesma operação pode ser
realizada dos dois lados de uma equação, mas, em geral, não compreendem que
adicionar ou subtrair uma equação A = B a outra equação, utilizando A de um lado da
igualdade e B do outro, é tão legítimo como A = A, ou seja, acrescentar ou subtrair A
dos dois lados da igualdade (OTTE, 2003b, p. 208).
Segundo OTTE (2003), tais alunos pensam apenas em termos instrumentais,
mas têm dificuldades com a predicação direta, ou seja, com os significados ou
referências dos termos. A cognição matemática, entretanto, é caracterizada pela
complementaridade predicativa ou extensional e as interpretações instrumentais ou
intencionais (OTTE, 2003b, p. 208).
Conclui-se esta seção, enfatizando que a grande realização de Peirce, além
do estabelecimento das noções básica de signo, foi a caracterização da cognição
como essencialmente um processo semiótico.
A Matemática não deve ser reduzida ao pensamento conceitual e a
linguagem, e é essencial que ela seja concebida como uma atividade. Dessa forma,
as noções de ícone, índice e símbolo tornam-se fundamentalmente importantes.
A teoria semiótica nos permite captar a força da comunicação pela imagem,
apontando-nos essa circulação da imagem entre a semelhança, o traço e a
convenção, isto é, entre o ícone, o índice e o símbolo.
A formação de um conceito e a construção de um conhecimento novo, na
teoria do sentido peirceano, são indissociáveis da ideia de signo. Vale ressaltar que o
modelo de construção de signo peirceano não se limita ao ser humano, mas também
é válido para formas de vida primitiva ou até mecânicas, como é o caso da inteligência
artificial.
1.4 A COMPLEMENTARIDADE NA HISTÓRIA E NA FILOSOFIA DA
MATEMÁTICA
A complementaridade inerente aos conceitos matemáticos é um fenômeno
histórico (KUYK, 1977; OTTE, 2003b). Consequentemente, para melhor compreensão
de sua origem, se deve consultar a História e a Filosofia da Matemática.
30
No início do século XIX, a Matemática Pura surgiu baseada na análise das
demonstrações e na criação de alguns conceitos mais abstratos, com isso ocorreu
uma quebra na harmonia entre os meios e os objetos da atividade matemática.
A atividade matemática e suas fontes caracterizaram momentaneamente um
grande número de conexões entre os resultados de problemas que aparentemente
eram distintos. Nesse contexto, a Geometria Analítica de Descartes iniciou um
processo que se tornou dominante no século XIX.
Um aspecto complementar desse processo tornou-se igualmente
indispensável, embora só viesse a ocorrer muito mais tarde, e foi chamado de
geometrização do pensamento relacional, tornando-se dominante no início do século
XIX, quando a álgebra foi transformada em linguagem de uma ciência estrutural.
Boutroux (BOUTROUX, 1920 apud OTTE, 2003b, p. 215) caracteriza a
ruptura na história da Matemática ocorrida no começo do século XIX em dois eventos
marcantes. Em primeiro lugar, desapareceu a harmonia entre meios e objetos da
atividade matemática. Quando se propõe um problema, é quase impossível prever
quais são os métodos “geralmente indiretos” que permitem resolvê-lo.
Contrariamente, há uma quebra no mecanismo da arte matemática, nem sempre se
vê claramente quais são os problemas em que se deve aplicar essa arte. Em outros
termos, o dualismo manifesta-se no seio da Matemática Pura.
Boutroux acredita que a Matemática se transformou a partir de então em uma
ciência analítica fundamentada unicamente no pensamento conceitual. O fato
matemático é independente da roupagem lógica ou algébrica que se utiliza para
representá-lo. Com efeito, a ideia que se tem é sempre bem mais rica e mais completa
que todas as definições dela que se possa dar, do que todas as formas ou
combinações de sinais ou de quaisquer propostas possíveis que se utilize para
exprimi-las.
Outro ponto de vista surgiu quando Cantor (1883) definiu os números reais
como classes de equivalência de sequências de Cauchy de números racionais. A ideia
não é mais fazer aproximações de uma quantidade dada anteriormente, mas
estabelecer um novo tipo de número por meio de um conjunto de números mais
elementares.
31
Construtivistas, como Kronecker, tentaram fundamentar o contínuo dos
números reais a partir dos números inteiros utilizando métodos ou leis que determinam
cada termo de uma sequência infinita.
No entanto, Cantor discordou do fato de que os métodos de Kronecker e os
símbolos numéricos poderiam descrever completamente o contínuo (CANTOR, 1980,
p. 384, apud OTTE, 2003b). A ruptura apareceu com a introdução do infinito atual no
pensamento matemático.
De fato, o método de Kronecker leva aos números computáveis, isto é, os
números cujo desenvolvimento decimal é dado por algum tipo de algoritmo. Os
números que se conhece são números computáveis. Por exemplo, o número e, que
não é racional nem algébrico, é um número computável.
Não se consegue falar de um número específico a não ser de uma forma
descritível, entretanto, nenhum conceito geral de número emerge desse modo.
A discussão de que tudo pode ser explicitamente descrito é parte dos
resultados de conjuntos enumeráveis. Entretanto, os números não computáveis, não
podem ser eficazmente enumerados, porque aplicar o método da diagonal de Cantor
conduziria a um paradoxo (MINSKY, 1967, p. 161, apud OTTE, 2003b).
O ponto essencial sobre a noção de conjuntos infinitos de Cantor está
exatamente na transformação de um conceito em um objeto, a qual se opera com as
extensões dos conceitos. Esse movimento é realçado e torna-se visível nas próprias
considerações filosóficas de Cantor, por exemplo, na sua afirmação de que “a
essência da Matemática reside em sua liberdade”, que é citada frequentemente por
diversos autores.
Cantor distinguia a Matemática Pura da Matemática Aplicada, considerando
que esta última não tinha tanta liberdade quanto a primeira. Ele acreditava em uma
harmonia preestabelecida. A esse respeito, ele escreve:
[...] há dois sentidos, que podem ser observados ao falar sobre a realidade ou a existência da totalidade dos números, sejam eles finitos ou infinitos. De um lado nós podemos considerar números reais, como nós os estabelecemos por meio das definições em nossa mente [...]. Por outro lado, nós podemos atribuir a realidade aos números, considerados imagens ou expressões dos eventos e as relações de um mundo exterior que confronte o intelecto [...]. Eu não tenho nenhuma dúvida que esses dois tipos de realidade virão sempre juntos no sentido que um conceito, que seja real de acordo com o primeiro significado do termo, também será sempre real em maneiras inumeráveis de acordo com o segundo significado, embora seja uma das
32
tarefas mais difíceis da metafísica verificar essa tese 6 (CANTOR, 1980, p. 181f; apud OTTE, 2003b).
A noção de conjunto tem uma natureza dual. Representa um objeto – coleção
com um elemento – ou um conjunto de objetos – coleção com muitos objetos. A crise
fundamental resultou da tentativa de eliminar a complementaridade e introduzir uma
diferença absoluta entre coisas de um lado e conceitos do outro.
Os conjuntos infinitos não podem, entretanto, ser dados por extensão. Podem
somente ser apresentados intencionalmente por uma descrição conceitual. Um
conjunto infinito é consequentemente uma abstração. Uma ideia, ou uma abstração
no sentido atribuído por Peirce, é algo cuja modalidade de existência depende da
existência de outras coisas fundamentais. Nesse sentido, um conjunto é uma ideia,
baseada na existência de seus próprios elementos (OTTE, 2003b, p. 218).
Dessa maneira, os meios e as condições do pensamento transformam-se em
objetos. O uso atributivo de algum conceito é transformado em um uso referencial a
fim de incorporar as entidades assim sintetizadas em novas estruturas relacionais.
Em consequência, pode-se supor que o significado matemático deve
concentrar-se nos termos da complementaridade da extensão e da intensão. O
significado tem dois componentes objetivos: um que consulta os objetos ou os indica;
o outro que se relaciona às expressões linguísticas ou às representações
diagramáticas, que mostram as características do objeto da atividade. A
complementaridade é estabelecida por processos de generalização e de verificação
(OTTE, 2003b, p. 219).
Em outras palavras, há dois componentes objetivos do sentido: um que
consulta os objetos, e que é nomeado de extensional, ou o componente da
correspondência do sentido; o outro que se relaciona aos conceitos ou expressões
linguísticas, e que é chamado de intensional (OTTE, 2003b, p. 219).
As discussões filosóficas em relação à história dos fundamentos da
Matemática não estão concluídas. Um dos motivos para que se acredite nesta
afirmação pode ser ancorado nas diferenças entre as correntes filosóficas.
Consultando algumas referências recentes sobre a filosofia da Matemática
(por exemplo, BUNGE, 2005), pode-se prontamente distinguir o intuicionismo
construtivista do intuicionismo formalístico.
33
É certo que a situação após a segunda metade do século XX difere das
discussões ocorridas no final do século XIX. Após os resultados de Gödel, se pode
dizer que há mais unanimidade hoje do que havia anteriormente.
Conforme Kuyk (KUYK, 1977), há pelo menos três razões que podem ser
dadas para este desenvolvimento.
Em primeiro lugar, os resultados de Gödel mostraram que a forma tradicional
de estabelecer teorias, utilizando exclusivamente sistemas axiomáticos, está longe de
ser completa. Em outras palavras, os resultados que podem ser provados em uma
abordagem axiomática estão além do que pode ser formulado em linguagem natural,
isto é, versões não axiomáticas de tais teorias. Assim, o ponto de vista intuicionista a
respeito do papel limitado da linguagem é enfatizado pelas descobertas da escola
formalística (KUYK, 1977, p. 129).
Para o matemático intuicionista Brouwer, a natural atividade matemática não
pode ser completamente formalizada e axiomatizada. Aparentemente, Brouwer ficou
consternado quando seu discípulo, Heyting, formulou um grupo de axiomas para a
lógica intuicionista (BUNGE, 2005, p. 63).
Há, em segundo lugar, um conhecimento crescente em relação aos dilemas
tradicionais e antigos, tais como o apriorismo e empirismo, realismo e o idealismo,
entre outros. No entanto ainda não existe clareza em relação a muitos dilemas. Assim,
pode-se sugerir que, de certa forma, ocorre um retorno ao realismo moderado (KUYK,
1977, p. 129).
Em terceiro lugar, numerosas considerações intermediadas entre as três
tendências gerais do logicismo, intuicionismo e o formalismo foram expressas,
evidenciando um conhecimento crescente (KUYK, 1977; BUNGE, 2005).
De certa forma, a história dos fundamentos da Matemática pode ser
observada como um conjunto de tentativas para unir uma variedade de aspectos da
atividade matemática. Alguns destes aspectos são ressaltados por Kuyk:
(1) o papel da lógica, ou “lógica ingênua”, como espontânea, habilidade inata
do homem para formar conceitos das coisas e uma infinita variedade de conceitos das
coisas, conceitos dos conceitos das coisas, etc.;
(2) o papel da linguagem, como uma ferramenta comunicativa, que retém
informação;
34
(3) o papel da lógica (formal), como um conjunto historicamente revelador de
regras do pensamento (mais ou menos formalizados), criados com a proposta
específica de ordenar e organizar, coerentemente e de forma dedutível, os conceitos
pertencentes aos domínios específicos do pensamento (tais como matemáticos,
físicos, etc.);
(4) o papel do pensamento construtivo, no sentido de construir novas
entidades das entidades dadas de tal maneira que as propriedades das novas
propriedades possam ser derivadas de propriedades de entidades anteriores, sem o
uso de terminologia que pressuponha a existência de um mundo platônico de todas
as propriedades de alguma forma;
(5) o papel da intuição, como uma ganância imediata de evidência relacionada
às coisas, por exemplo, uma forma de chegar ao conhecimento, independentemente
da dedução;
(6) a avaliação da questão, se em Matemática há um “primeiro conhecimento”
como oposto ao “extremo conhecimento derivado”, ou “conhecimento secundário” (por
exemplo, o conceito de número é primário ou o conceito de um “conjunto” é básico a
tudo da Matemática, como os cantoristas assumem?);
(7) uma descrição do fato de que ao longo dos caminhos dedutivos a aplicação
dos métodos matemáticos puros, sempre levam ao verdadeiro conhecimento
(aproximado) sobre o mundo, por exemplo, que as propriedades básicas da
Matemática do número e o conhecimento da topologia e análise possam encontrar
aplicações nos domínios não matemáticos (por exemplo, o conceito de grupo que é
aplicável em física é acidental ou as estruturas matemáticas devem ser consideradas
como parte de um modelo de pensamento mais amplo, incluindo o pensamento nas
ciências naturais) (KUYK, 1977, p. 130).
Para KUYK, filósofo e matemático sustenta que todos esses aspectos têm que
ser levados em conta numa filosofia de valores matemáticos. Há, contudo, dois
caminhos diferentes pelos quais se pode lidar com estas questões, a saber, uma
questão implícita e outra explícita.
Explicar o papel dos fatores mencionados é filosofar ou teorizar sobre
Matemática. No passado, a maioria das teorias avaliou dessa forma os papéis dos
diferentes aspectos, do ponto de vista de um único, ou considerando poucos deles,
desse modo omitindo, negando ou negligenciando o papel dos outros (KUYK, 1977).
35
Além disso, a maioria das teorias relacionadas aos fundamentos considera
tudo o que se pode chamar de Matemática, ou seja, todas as áreas da Matemática,
mesmo aquelas que amplamente divergem de uma teoria central e unificada. Quando
esta área (teoricamente central) ou algumas de suas características salientes é
considerada como típica para toda a organização matemática, então o reducionismo
filosófico acontece (KUYK, 1977).
O próprio Kuyk menciona que qualquer soma, exercício ou cálculo pode ser
considerado como um “experimento” em análise abstrata ou álgebra, mesmo se o
significado da palavra “experimento” tenha que ser redefinido de alguma forma para
distingui-la dos experimentos físicos.
Geralmente, num certo sentido, toda teoria tem uma tendência a simplificar.
Assim certas características são acentuadas e outras apagadas. É compreensível que
as principais tendências do formalismo e logicismo selecionem os aspectos lógicos
formais da Matemática como seus pontos de vantagem em vez de aspectos
construtivo-intuitivos ou experimentais. Contudo, ao tentar explicar esta tendência, se
encontra novamente o problema básico relacionado à distinção entre os métodos
sintéticos e analíticos, entre construção e dedução.
A forma implícita de lidar com os aspectos básicos da Matemática começa
com o trabalho do matemático. Um matemático trabalhando em domínios tais como
teoria dos números, topologia ou geometria algébrica, nunca poderá evitar qualquer
um dos sete aspectos mencionados. Todos eles estão engendrados naquilo que ele
faz, especialmente quando o trabalho trata de uma extensão direta de teorias
clássicas da Matemática.
Do ponto de vista da história do empirismo, parece necessário enfatizar o fato
de que a mente humana tem uma habilidade inata para manipular mentalmente e
operar livremente com as entidades geométricas básicas.
Ela geralmente não as manipula como se elas fossem fontes autônomas de
conhecimento, mas ela parece preferir construir “modelos” geométricos destas
entidades, nas quais os axiomas das geometrias específicas são satisfatórios; a
mente, então, passa por novos tipos de experiências e experimentos em um mundo
que ela própria ajudou a criar, relativamente independente do mundo físico (KUYK,
1977, p. 139).
36
Encontra-se aqui uma situação que é comum a todas as áreas da Matemática:
um sistema de axiomas que define uma “estrutura matemática” específica (geometrias
não euclidianas, grupos, anéis, corpos, espaços vetoriais, etc.), que admite em geral
mais do que um “modelo” construtivo, mesmo que geneticamente os axiomas fossem
formulados com visão para um ou somente poucos exemplos importantes de modelos
que pudessem ou não ter uma ligação com a física.
Novamente se ressalta a necessária complementaridade entre os aspectos
intensional e extensional na Matemática, ou seja, um par composto por uma estrutura
axiomática e por modelos de tal estrutura (OTTE, 2003b).
Formular um sistema de axiomas para uma determinada teoria significa criar
uma linguagem que seja relativamente independente do domínio dos modelos para
que essa língua possa ser aplicada. Isso não deve significar que se considera tais
modelos como pré-lingual no sentido de que a forma matemática dos mesmos e a
linguagem da teoria axiomática seguem a construção dos modelos como se fosse “a
função natural do pensamento”. Ao contrário, a verdadeira interação entre a
linguagem axiomática e os modelos é tal que às vezes cada uma delas precede a
outra (KUYK, 1977).
Para Kuyk (KUYK, 1977, p. 142), uma função antecipatória de linguagem
também é evidente quando a manipulação de uma fórmula (ou um conjunto de
fórmulas) leva a um resultado que não poderia ser pensado verdadeiro antes da
manipulação. Para ele isto poderá ocorrer em cada nível de pensamento matemático.
Outro aspecto relevante considerado por Kuyk (1977) evidencia que é típico
do pensamento complementarista considerar o discreto e o contínuo como aspectos
complementares do mundo, de forma análoga ao princípio da complementaridade na
Física.
Para Kuyk (KUYK, 1977, p. 146) poder-se-ia dividir as subáreas da
Matemática conforme suas origens epistemológicas e propósito final em duas
categorias: aquelas que têm origem no domínio do discreto e da teoria dos números
naturais, e aquelas que têm origem no domínio do contínuo e da geometria. Ele afirma
ainda que a natureza da Matemática não decorre simplesmente do método abstrato,
formal ou axiomático, mas em razão da existência relativamente simples e clara das
intuições básicas de continuidade e descontinuidade. Uma abordagem complementar
para a Matemática é concebida conforme o desejo de respeitar o conjunto de teorias
37
que estão no bojo da Matemática Clássica e seu desenvolvimento epistemológico,
considerando a unidade original de uma ciência aplicada (KUYK, 1977, p. 148).
A Filosofia da Matemática emprega necessariamente uma linguagem que, em
geral, é uma mistura da linguagem natural com a linguagem formal, isto é, com a
linguagem lógica, e, por essa natureza, é aberta à inexatidão e contradições. Poderá,
apesar disso, servir para unir as experiências parciais de matemáticos, físicos e
demais cientistas, se não se perder a consciência da complementaridade existente
entre essas duas formas de linguagem.
38
CAPÍTULO 2 A EVOLUÇÃO CONCEITUAL DE FUNÇÃO CONTÍNUA
Neste capítulo pretende-se analisar a evolução do conceito de função, em
particular, o conceito de função contínua, conceitos que estão intimamente ligados às
questões de integrabilidade, que serão abordadas nos próximos capítulos.
Muitos historiadores afirmam que o conceito de dependência funcional já era
utilizado em textos bem antigos na forma de tabelas que eram usadas na astronomia
e em tábuas que determinavam raízes quadradas, raízes cúbicas e outras mais,
embora ainda não se conhecessem as noções gerais de variável e de função.
(BARONI e GARCIA, 2013).
Segundo Youschkevitch (YOUSCHKEVITCH, 1981), a evolução histórica do
conceito da função pode ser sintetizada em três períodos,
(1) Antiguidade: a noção de função aparece como uma dependência de
valores de forma bem intuitiva;
(2) Idade Média: a noção de função está ligada às representações
geométricas e mecânicas;
(3) Idade Moderna: a noção de função passa a ser representada por
expressões analíticas.
Sabe-se que, na Antiguidade e na Idade Média, os conceitos de função e de
continuidade andavam juntos; uma dependência funcional era sempre contínua.
2.1 O TRATAMENTO DE EULER PARA FUNÇÕES
O suíço Leonard Euler (1707-1783) foi aluno de Johann
Bernoulli, e publicou, entre livros e artigos, cerca de 530
trabalhos durante toda a sua vida. Deixou ainda um número
substancial de manuscritos, o que foi suficiente para
enriquecer as publicações da Academia de São Petersburgo
por mais quarenta e sete anos.
Era considerado um escritor exemplar. São características de seus livros a
linguagem clara, a riqueza de detalhes e a abrangência das ideias. Ocupou-se de
quase todos os ramos da Matemática Pura e Aplicada, sendo o maior responsável
39
pela linguagem e notações que se usa hoje. Uma de suas obras de maior destaque
é, sem dúvida, Introduction in Analysin Infinitorum, composta de dois volumes
publicados em 1748. No primeiro volume, Euler fez um estudo detalhado do conceito
de função e padronizou este termo como foi efetivamente utilizado na Análise
Matemática. Para ele, uma função de quantidade variável é uma expressão analítica
composta de qualquer, quantidade e por quantidades constantes. Será, pois, função
de z toda expressão analítica que além da variável z contiver quantidades constantes.
Por exemplo, + �� ; � + ��, � + ���� − ��� , �� , ��� são funções de z. (EULER,
1748, p. 4, APUD OTTE, 2007).
Para explicar significado de quantidade variável escreve:
“É quantidade variável a quantidade indeterminada ou universal, que compreende absolutamente todo valor determinado. Assim, como todo valor determinado pode expressar-se em número, uma quantidade variável compreende absolutamente todos os números, não importando sua natureza. [...] . Costuma-se representar tais quantidades variáveis pelas últimas letras do alfabeto, z, y, x, etc.” (EULER, 1748, p. 4, APUD OTTE, 2007).
Euler faz a distinção entre funções algébricas e funções transcendentes. As
funções algébricas, em particular os polinômios e as frações racionais, foram
classificados como explícitas ou implícitas. Uma função de x é considerada explícita
quando seu valor y é resultante de um número finito de somas, diferenças, produtos,
quocientes, potências com expoentes racionais sobre x e as constantes; do contrário
a função é implícita. As funções transcendentes sendo as trigonométricas, as
logarítmicas, as trigonométricas inversas e as exponenciais e, ainda, séries de
potências e outras expressões que envolvem limites.
A concepção de função de Euler, segundo a classificação de Boutroux (1845
– 1921), constitui um conceito sintético, e por essa razão não contemplou o conceito
de continuidade plenamente. Para Euler a continuidade da função estava associada
à sua fórmula. O atributo da continuidade, que antes era uma qualidade intrínseca do
conceito de função, foi interpretado por Euler como a unicidade da expressão analítica
dessa função.
40
2.2 A CONTINUIDADE SEGUNDO CAUCHY
Augustin-Louis Cauchy (1789 – 1857) sempre viveu em
ambiente de alto nível cultural, pois seu pai ocupou várias posições
de destaque na administração pública. Em 1805 foi estudar na “École
Polytechnique”, e, a partir de 1810, atuou como engenheiro naval até
1813, quando voltou a Paris para dedicar-se aos seus estudos em
várias áreas das ciências e em Matemática. Em 1816 foi contratado
para ensinar na mesma “École Polytechnique” onde estudara e no mesmo ano tornou-
se membro da “Academié Royale des Sciences”. Durante os 15 anos em que
trabalhou como professor, produziu grande parte de seus trabalhos ligados à
fundamentação da Análise Matemática.
Apesar de gostar de lecionar, devido ao seu estilo teórico, nem sempre
Cauchy era bem aceito tanto por seus alunos, os quais não apreciavam seu estilo
teórico, nem por seus próprios colegas e superiores, que consideravam que ele
gastava muito tempo com detalhes e em introduções, e não dava muita atenção às
aplicações, mas foram exatamente essas características que o tornaram famoso.
(BARONI E GARCIA, 2013).
Cauchy se dedicou a diversas áreas da Matemática, tais como: Teoria de
Funções Complexas, Álgebra (Permutações), Teoria dos Erros, Mecânica Celeste,
Física Matemática; mas seu nome está associado definitivamente à Análise
Matemática, à qual deu contribuições decisivas com vários conceitos fundamentais
como função, limite, continuidade, convergência, derivadas e integrais (ROQUE,
2012).
A definição de continuidade pontual de funções dada por Cauchy é a seguinte:
“Seja f�x� uma função de variável x, e suponhamos que, para cada valor de x central entre dois limites dados, essa função admita constantemente um valor único e finito. Se, partindo de um valor de x compreendido entre esses limites atribuímos a variável x um aumento infinitamente pequeno α, a função receberá ela mesma por aumento a diferença f�x + α� − f�x�, que dependerá ao mesmo tempo da nova variável α e do valor de x. Isso posto, a função f(x) será, entre os dois limites fixados para a variável x, função contínua dessa variável, se, para cada valor central de x entre esses dois limites o valor numérico da diferença f�x + α� − f�x�, decresce indefinidamente com aquela de α . Em outros termos a função f(x) permanecerá contínua em relação a x entre os limites dados se, entre esses limites, um aumento infinitamente pequeno da variável produzir sempre um
41
aumento infinitamente pequeno da própria função. Dizemos ainda f (x) é, na vizinhança de um valor particular atribuído a variável x, função contínua dessa variável, todas vezes em que ela é contínua entre dois limites de x mesmo muito próximos, que contém o valor a que se referem (CAUCHY, 1821, p.34-35, APUD BARONI e GARCIA, 2013) ”.
Dessa forma, a função f dada por
���� = |�| = �−�, � < 0�, � ≥ 0 é descontínua no ponto zero segundo Euler, pois é definida por duas expressões
analíticas; mas, para Cauchy, essa função é contínua.
Para escrever sua definição de continuidade, Cauchy se apoiou no conceito
de “distância” de números reais e assumiu a continuidade geométrica da reta real.
Vale lembrar que a continuidade da reta real somente foi demonstrada anos depois
por Dedekind (1831-1916).
Essa abordagem permitiu a aritmetização da continuidade, e depois de toda
a Análise Matemática, e mostra uma das primeiras situações de complementaridade
entre Geometria e Aritmética. Problemas de Geometria podem ser tratados agora com
ferramentas da Aritmética.
2.3 O FORMALISMO DA CONTINUIDADE DE FUNÇÕES
Usando notação atual, a definição de continuidade pontual de Cauchy pode
ser escrita da seguinte forma:
“Sejam f uma função definida no intervalo I ⊂ ℝ e a ∈ I. A função f será contínua em a se, e somente se, para todo ε > 0 dado, existir δ > 0, δ dependente de ε tal que, para todo x ∈ I, tem-se que |f�x� − f�a�| < ε sempre que |x − a| < δ.”(LIMA,1995)
Figura 2. Função Contínua e Descontínua
� é contínua em + , é descontínua em +
Fonte: autor 2016
42
A figura 02, ilustra a visão intuitiva geométrica da continuidade e da
descontinuidade das funções f e g , respectivamente, no ponto a e conceitua
concretamente que f é contínua em a porque o seu gráfico não apresenta um “salto
vertical em a”; por outro lado, g é descontínua em a porque o seu gráfico possui um
“salto vertical” em a. (GUIDORIZZI, 2003).
A continuidade num ponto a de função também pode ser interpretada usando
a notação de limite da seguinte forma:
“Uma função f definida no intervalo - ⊂ ℝ é contínua em + ∈ . se, e somente se, quando x se aproxima
de a, então f(x) se aproxima de f(a), isto é, f é contínua em a ⇔ lim3→5 ���� = ��+�.” Cauchy não tratou diretamente da continuidade global de uma função, mas
obviamente a continuidade global de uma função f se verifica quando a continuidade
pontual é satisfeita para todo a ∈ - do domínio da função f. Nesse caso, se diz
simplesmente que a função f é contínua.
Se a função � definida no intervalo 6 tem uma descontinuidade no ponto +
então se tem que:
lim3→5 ���� ≠ ��+�
e, atualmente essa descontinuidade é classificada em descontinuidade de primeira e
de segunda espécie.
Segundo LIMA (1995, p.181) uma função �: 6 → ℝ possui uma
descontinuidade de primeira espécie em + ∈ 6 quando � é descontínua no ponto + e,
além disso, existem os limites laterais lim3→59 ���� : lim3→5; ���� . No caso em que + seja
ponto de acumulação de 6 somente de um lado, exige-se apenas que o limite lateral
apenas exista.
Um exemplo de descontinuidade de primeira espécie no ponto 0 acontece
com a função �: ℝ → ℝ , definida por
���� = � + |�|� , � ≠ 0 : ��0� = 0
cujo gráfico é:
43
Figura 3. Uma descontinuidade de primeira espécie
Fonte: autor 2016
Segundo LIMA (1995, p.181) uma descontinuidade + ∈ 6 da função �: 6 → ℝ
é chamada de segunda espécie quando + é ponto de acumulação a direita de 6 e não
existe lim3→59 ���� , ou então quando + é ponto de acumulação de 6 à esquerda e não
existe lim3→5; ���� . Um exemplo de descontinuidade de segunda espécie no ponto 0
acontece com a função ���� = <�= >?3@ A: � ≠ 0 e ��0� = 0, que não admite os limites BCD�→E9 F��� e BCD�→E; F��� . Seu gráfico é
Figura 4. Uma descontinuidade de segunda espécie
Fonte: autor 2016
44
CAPÍTULO 3 AS ORIGENS DA TEORIA DA INTEGRAÇÃO
Este capítulo descreve as origens da integração que se inicia na Grécia
Antiga, com a quadratura de superfícies, passa pelo século XVII, com o método dos
indivisíveis criado por Cavalieri e chega aos tempos de Newton e Leibniz.
3.1 O CÁLCULO NA GRÉCIA ANTIGA
Pode-se dizer que a teoria da integração nasceu dos cálculos de áreas e
volumes de figuras geométricas complexas realizados na Grécia Antiga. O “método
da exaustão”, inventado por Eudóxo (408 - 355 A.C.), foi desenvolvido por Arquimedes
(287 – 212 A.C.), tinha a proposta de calcular tais áreas e volumes através de figuras
geométricas mais básicas e aparece na principal obra científica daquela época: Os
Elementos de Euclides.
3.1.1 A quadratura geométrica
O Cálculo na matemática grega era identificado por dois tipos de problemas
geométricos: a quadratura de superfícies e o traçado de reta tangente a uma curva. A
quadratura consistia em construir um quadrado com área igual à área de uma
superfície dada, e que era chamado o quadrado equivalente à superfície. A construção
devia constar de um número finito de passos, cada um deles baseados somente nas
seguintes operações com régua e compasso:
(1) Construir uma reta que passa por dois pontos distintos.
(2) Construir uma circunferência de centro e raio dados.
(3) Obter pontos de intersecções por reta e circunferência.
Para construir um quadrado equivalente ao retângulo ABCD como na Figura
05, por exemplo, adotava-se o seguinte procedimento:
45
Figura 5. Quadratura do retângulo
Fonte - SUAREZ pág.3
(1) Prolonga-se o lado AB e determina-se sobre ele um ponto E tal que BE =
BC;
(2) Traça-se uma circunferência com centro no ponto O, que é ponto médio
de AE, e raio AO;
(3) Traça-se por B uma perpendicular a AE e se determina um ponto F, que
é a interseção com a semicircunferência;
(4) O segmento FB é o lado de um quadrado, cuja área é igual a área do
retângulo ABCD. Isto é consequência de que a altura FB de um triângulo
retângulo AFE é a média proporcional entre as duas partes em que divide
a hipotenusa, isto é: GHIH = HJGH e assim FB2 = AB.BE = AB.EC.
Pelo raciocínio anterior, que no sentido da equivalência plana, é sempre
possível obter a quadratura de retângulos justapostos, que tem em comum apenas
um lado. Isto é, sempre se consegue obter a quadratura da soma de retângulos.
Como um triângulo é equivalente a um retângulo, e este, por sua vez, é
equivalente a um quadrado, pode-se construir o quadrado equivalente de qualquer
polígono, decompondo-o em triângulos.
46
Figura 6. Quadratura do pentágono
Fonte: autor 2016
Dessa forma, o cálculo de áreas de polígonos (figura 6) podia ser resolvido
mecanicamente por construções geométricas.
3.1.2 O método da Exaustão
O problema permanecia para se obter quadraturas de figuras geométricas que
não eram polígonos, cujas bordas eram curvilíneas. Esse problema foi resolvido por
Eudoxo com seu método da exaustão.
Esse método contornava o problema de lidar com o infinito e permitia assim
comparar áreas de figuras curvilíneas com áreas de figuras poligonais. Ele aparece
na Proposição I do livro X dos Elementos, onde foi chamado de Princípio da Exaustão.
“ Dadas duas grandezas da mesma espécie, se retirarmos da maior uma parte maior que sua metade e do resto retirarmos uma parte maior que sua metade e assim por diante, obteremos após um número finito de etapas uma grandeza menor que as duas grandezas consideradas. ” (BONGIOVANNI, 2005, p.102)
Em termos modernos, segundo Bobadilla (BOBADILLA, 2012), o que Euclides
estabelece nesta proposição é uma condição suficiente para que uma sucessão
convirja para zero.
Em termos modernos pode-se interpretar essa proposição da seguinte
maneira:
“Dadas duas quantidades positivas KL e M tais que KL > M, e dada uma sequência KL, K?, KN , … , KP … tal que K? < QRN , KN <QSN , … , KP < QT;SN , … então existe U tal que KP < V , isto é, limP→W KP = 0.” (BOBADILLA, 2012)
47
A demonstração dessa proposição segue do axioma de Arquimedes, que
garante que dados KL e M, existe X ∈ ℕ tal que XM > KL . Por hipótese se tem que KL > M, onde X ≥ 2 e multiplicando-se por [N obtém-se M ≤ ]N M e portanto: XM − 2M ≥ 0 �XM − 2M� + XM ≥ 0 + XM �2XM − 2M� ≥ XM
Mas deve ser XM > KL, então: �2XM − 2M� = 2�X − 1�M ≥ XM > KL
�X − 1�M ≥ 12 XM > 12 KL
Por hipótese K? < QRN , pois�X − 1�M > K?.
Repetindo o mesmo raciocínio para esta última desigualdade se obtém: �X − 2�M > KN.
Depois de �X − 1� passos chega-se a conclusão de que M > KP.
Usando-se esse método, pode-se calcular a área de um círculo de raio r. Para
isso, consideram-se polígonos regulares inscritos e circunscritos ao círculo. À medida
que o número de lados dos polígonos cresce, a área do polígono inscrito aumenta e
a área do polígono circunscrito diminui, e ambas as áreas se aproximam da área do
círculo.
Em linguagem matemática, chamando an, a área do polígono regular de
n lados inscrito no círculo de raio r, e An, a área do polígono regular circunscrito ao
mesmo círculo, fica estabelecida a seguinte relação:
= ≤ Á`� ab �c`�deb ≤ f=,
Para calcular an, decompõe-se o polígono inscrito em n triângulos isósceles
congruentes, todos com um vértice comum no centro do círculo e os outros dois
vértices apoiados na circunferência do círculo. O ângulo relativo ao vértice comum
coincide com o ângulo central do círculo, cuja medida é NgP radianos. A soma das áreas
desses n triângulos isósceles é uma aproximação por falta da área do círculo.
Lembrando que a base de cada triangulo isósceles é o lado h do polígono e que a sua
altura corresponde ao apótema i resulta que:
48
+P = =. j��k . l. f = =. `�. <�= >m=@ . �b< >m=@
Quando U tende para o infinito esta expressão tende para m. `�.
Figura 7. Triângulo central inscrito e circunscrito
Fonte: KUPKA - pág. 48
Para calcular iP decompõem-se o polígono circunscrito em U triângulos
isósceles congruentes, com o vértice comum no centro do círculo e o lado oposto
tangente à circunferência do círculo. O ângulo relativo ao vértice comum também
coincide com o ângulo central do círculo. A soma das áreas desses U triângulos
isósceles é uma aproximação por excesso da área do círculo. Lembrando que a base
destes triângulos isósceles mede l = �. `. �n >m=@ e a altura do triângulo corresponde
ao raio o do círculo, resulta que:
iP = =. >��@ . l. ` = =. `�. �n >m=@
Quando U tende para o infinito esta expressão tende para m. `�.
Portanto,
m`� ≤ Á`� ab �c`�deb ≤ m`�,
e daí segue que:
Á`� ab �c`�deb = m`�.
49
No método da exaustão podem ser vistos os primeiros sinais da
complementaridade existente entre a Geometria e a Álgebra. O lado geométrico desse
método se apoia no chamado Princípio da Continuidade, o qual predominou durante
toda a Antiguidade. Para complementar aparece o lado algébrico do processo que
permite atacar os problemas relacionados ao contínuo por meio de aproximações
sucessivas e discretas. O Princípio da Continuidade garante o processo de construção
dos polígonos regulares inscritos e circunscritos. A Álgebra aparece formalizado nas
sequências an e An, que geram valores discretos dentro daquela situação contínua e
proporcionam a solução do problema. É a complementaridade entre a Geometria e a
Álgebra, entre o contínuo e o discreto.
3.2 A INTEGRAL NO SÉCULO XVII
O século XVII foi assaz produtivo para o desenvolvimento do cálculo integral,
graças, em grande parte, às novas e vastas áreas de pesquisa que nela se abriram.
Com as contribuições de matemáticos como Fermat, Barrow e Wallis, entre outros, o
Cálculo Integral ascendeu a um plano superior e o conhecimento matemático passa a
ser analítico, e não sintético.
3.2.1 Os indivisíveis de Cavalieri
Bonaventura Cavalieri (1598-1647), discípulo de Galileu e
professor na Universidade de Bolonha, publicou em 1635 o tratado
Geometria Indivisibilibus Continuorum Nova Quadram Ratione
Promota no qual, seguindo ideias de Kepler e Galileu, desenvolveu
uma técnica geométrica para calcular quadraturas, chamada o
método dos indivisíveis.
Conforme Bobadilla (BOBADILLA, 2012), no método dos
indivisíveis Cavalieri considerou a área de uma região plana como sendo formada por
um número infinito de segmentos paralelos, cada um deles sendo interpretado como
um retângulo de base infinitamente estreita. Também considerou um volume como
sendo composto por um número infinito de áreas planas paralelas de altura
infinitamente pequena. Estes elementos foram chamados por Cavalieri de os
indivisíveis de área e de volume respectivamente.
50
Na sua obra Exercitationes Geometrica Sex (1647), Cavalieri faz a seguinte
analogia a respeito dos indivisíveis: uma linha é feita de pontos como as contas de um
colar; um plano é feito de linhas como os fios de um tecido e um sólido é feito de áreas
planas como as folhas de um livro.
Segundo Suarez (SUAREZ, 2008), o método de Cavalieri pode ser observado
na figura 08 para demonstrar que a área do paralelogramo ABCD é igual ao dobro da
área de qualquer um dos triângulos ABD ou BCD. Basta notar que quando GD = BE,
tem-se que GH = FE. Para cada segmento GH do triângulo ABD corresponde um
segmento EF, de mesmo comprimento que GH, no triângulo BCD. Portanto os
triângulos ABD e BCD têm áreas iguais.
Figura 8. Quadratura do paralelogramo
Fonte: autor 2016
3.2.2 A integral de Fermat
A Geometria Analítica de Pierre de Fermat (1601 –1665) propiciou o
aparecimento de muitas novas curvas planas e de novas técnicas
algébricas para resolver os problemas de quadraturas e de reta
tangente. Conforme Suarez (SUAREZ, 2008), ele desenvolveu um
método de quadratura de superfícies limitadas por curvas de
equação y = xn, onde n é um inteiro diferente de 0 e de -1.
O método de quadratura de Fermat foi inspirado no antigo
método da exaustão que consistia na inscrição e circunscrição de retângulos na
superfície a se quadrar, e cujas áreas estavam em progressão geométrica
decrescente.
Por exemplo, para obter a quadratura, isto é, para calcular a área da superfície
limitada pela curva y = x2 no intervalo fechado [0, a], Fermat fixou um número E com
0 < E < 1, subdividiu [0, a] em pontos de abscissas
51
… , pq+, pN+, p+ , +
que definem as bases … pq+�1 − p�, pN+�1 − p�, p+�1 − p�, +�1 − p�
Figura 9. A quadratura de Fermat da curva � = ��
Fonte: autor 2016
dos retângulos inscritos e circunscrito nessa superfície.
A soma das áreas dos infinitos retângulos inscritos é dada pela progressão
geométrica infinita, cujo o primeiro termo é +NpN�1 − p� e a razão pq
�+ − p+��p+�N + �p+ − pN+��pN+�N + �pN+ − pq+��pq+�N + ⋯ = = +qpN�1 − p� + +qps�1 − p� + +qpt�1 − p� + ⋯ =
= +qpN�1 − p��1 + pq + pu + ⋯ … � = +qpN�1 − p� 11 − pq = +qpN1 + p + pN
A soma das áreas dos infinitos retângulos circunscritos (ver Figura 09) é dada
pela série geométrica, cujo o primeiro termo é +N�1 − p� e a razão pq = +q�1 − p� + pq+q�1 − p� + pu+q�1 − p� + ⋯ . =
= +q�1 − p�� 1 + pq + pu + ⋯ � = +q�1 − p� 11 − pq = +q1 + p + pN
Portanto, chamando de v a área do conjunto sob a curva w = �N tem-se que: +qpN1 + p + pN < x < +q1 + p + pN
52
que é válida para todo 0 < p < 1 , e fazendo p = 1, tem-se que:
y = aq3 .
Mesmo sem ter clara a ideia de integral na cabeça, Fermat calculou, de fato,
a integral definida da função potência ���� = �N no intervalo [0 , +], a qual em notação
atual se escreve:
} �N5L ~� = +q3 ,
Para calcular a quadratura da curva w = ?3� no intervalo [+, +∞[. + > 0 , fixou
número p > 1 e considerou os pontos de abscissas
+, +p, +pN, +pq, +p�, …
Figura 10. Quadratura de Fermat de � = ���
Fonte: autor 2016
A soma das áreas dos retângulos inscritos (ver figura 10) tem área:
�+p − +� 1�+p�N + �+pN − +p� 1�+pN�N + �+pq − +pN� 1�+pq�N + ⋯ =
53
= p − 1+pN � 1p�W
��L = 1+p
A soma das áreas dos retângulos circunscritos (ver figura 10) tem área
�+p − +� 1+N + �+pN − +p� 1�+p�N + �+pq − +pN� 1�+pN�N + ⋯ =
= p − 1+ � 1p�W
��L = p+
Assim, chamando de S a área do conjunto sob a curva tem-se a seguinte
desigualdade: 1+p < v < p+
Como essa desigualdade é válida para todo p > 1, a igualdade x = �
acontece se p = 1. Observando que esse valor é precisamente, a área do retângulo �i�+. Esse exemplo mostrou o cálculo da integral da função ���� = ?3� , definida no
intervalo [+, +∞[ , + > 0 , que em notação atual se escreve
} 1�N�W5 ~� = 1+
Os matemáticos do século XVII viram a necessidade de inventar novas
técnicas para obter reta tangente a curva não exatamente por régua e compasso, mas
sim por processo algébrico inspirado na Geometria Analítica que já havia sido
inventada por Fermat. Mais uma vez a complementaridade entre a Geometria e a
Álgebra se faz presente.
Procurava-se a inclinação da reta tangente que hoje é interpretada como a
derivada num ponto. Fermat usou o conceito de derivada sem sequer defini-lo e usou
esse conceito resolvendo problemas de máximos e mínimos de curvas, investigando
54
o comportamento característico das funções nas proximidades de seus valores
extremos (EDWARDS JR, 1979, p.122).
Em 1637, Fermat escreveu a obra intitulada Methodus ad disquiredam
maximan e minimam. Nela se estabeleceu o primeiro procedimento geral conhecido
para calcular máximos e mínimos. Fermat comparava o valor da função num certo
ponto x com o valor num ponto, muito próximo de x. Se x é um ponto de máximo ou
de mínimo, então a diferença f (x + E) – f (x) tende a zero, e se escreve por: ��� + p� − ���� = 0 (1)
Agora como p ≠ 0 , pode-se escrever:
��3�J����3�J = 0 (2)
e eliminando termos que contém E, obtém-se uma equação na variável x e suas raízes
devem ser pontos de máximo ou de mínimo.
Fermat ilustrava seu método para descobrir o ponto � de um segmento i�
que maximiza a área do retângulo i�. ��. Supõem-se que a medida de i� seja �, e
se escreve i� = �. Se i� tem medida a , i� = + , então �� = � − +. Para maximizar
o produto +. �� − +� = +� − +N. Se + é ponto de máximo tomou + + p próximo de +.
Efetua-se a diferença igual a zero
�+ + p�. �� − + − p� − +. �� − +� = 0 +� − +N + �p − 2+p − pN − +� + +N = 0 �p − 2+p − pN = 0 �p − 2+p − pNp = 0 ⇒ � − 2+ − p = 0
na última equação fazendo p = 0 temos a solução � = 2+. Portanto o retângulo de
área máxima é um quadrado de lado �N .
Esse raciocínio em termos atuais é interpretado pela derivada em da função
em x, ��� + p� − ����p = 0
55
���� + p� − ����p �J�L = 0
e a derivada em � ,
����� = limJ→L ��� + p� − ����p
Esse conceito extrapolou muito o conteúdo estrito do método, para interpretá-
lo na linguagem atual. Em primeiro lugar, ele não pensava em uma quantidade como
função, e por isso fala de “quantidade máxima e mínima”, não de uma função que
alcança o máximo e mínimo. Fermat não tinha clara a noção de variável independente.
Ele estava pensando em uma equação algébrica com duas incógnitas que interpreta
como segmentos, quer dizer quantidades lineares dadas. Fermat não dizia nada
acerca de E que pudesse ser um infinitésimo, nem sequer uma quantidade muito
pequena, e o método não implica em nenhum conceito de limite, pois é puramente
algébrico. Os problemas em que Fermat aplicou seu método são problemas de
construções geométricas, mais do que otimização de quantidades. (SUAREZ, 2008)
Fermat determinou a subtangente a uma parábola fazendo uso de seu
método para máximos e mínimos.
Figura 11. Cálculo da subtangente
Fonte: SUAREZ, 2008
Na figura 11, o segmento �� é a subtangente a parábola em um ponto �. O
vértice da parábola é �. Levando em conta que os triângulos ��� e ��?�? são
semelhantes resulta �S�S�� = �S�S�� (1)
56
Levando em conta agora a propriedade da parábola
��S�� = �S�S���� (2)
e que �?�? < �?�?, deduz-se que:
��S�� < ��S���� (3)
Fazendo agora �� = + , a abscissa da parábola em �, que é conhecida
porque se conhece �. Tomando também �� = � que é a subtangente que se quer
calcular, e ��? = p. A igualdade (2) se expressa por:
+ + p+ < �� + p�N�N ⇔ +�N + p�N < +�N + 2+p� + +pN
Fermat aplicou seu método de máximos e mínimos e substitui esta
desigualdade pela igualdade
+�N + p�N = +�N + 2+p� + +pN
Cancelando termos e dividindo por E obtém-se:
�N = 2+� + +p
Eliminando agora o termo que contém p, igualando e simplificando por �,
obtém-se � = 2+ , resultado já conhecido da Antiguidade e que expressa que a
subtangente vale o dobro da abscissa.
57
3.2.3 A integral de Barrow
Isaac Barrow (1630 – 1677) era um admirador dos geômetras
antigos e editou as obras de Euclides, Apolônio e de
Arquimedes, enquanto também publicava suas próprias obras
Lectiones Opticae (1669) e Lectiones Geometricae (1670) nas
edições as quais Newton, seu aprendiz, foi um colaborador.
O tratado Lectiones Geometricae é considerado uma
das principais contribuições ao Cálculo, onde revisita os problemas de tangentes e
quadraturas.
Nessa obra fez um tratamento detalhado dos conceitos de tempo e
movimento, usando métodos infinitesimais e métodos dos indivisíveis. (SUAREZ,
2008).
Uma das ferramentas que Barrow usava fortemente é o chamado triângulo
característico ou triângulo diferencial.
Figura 12. Triangulo diferencial
Fonte: Suarez, 2008
Partindo do triângulo ��� obtido pelo incremento ��, sendo este triângulo
semelhante ao triângulo ��K , segue que a inclinação da tangente �QQ� é igual a
����.
Barrow considerou que quando o arco ��? é muito pequeno pode-se identificá-lo com
o segmento �� da tangente em �. O triângulo retângulo ���? da figura à direita, no
qual ��? , a hipotenusa, é considerada igual ao arco da curva e como parte da reta
tangente é o triângulo característico ou diferencial.
Na lição X da obra Lectiones Geometricae, Barrow calcula a tangente a uma
curva, dada por uma equação polinomial de duas variáveis ���, w� = 0, em um ponto � = ��, w� da mesma curva da seguinte forma. Toma-se:
58
�? = �� + :, w + +�
um ponto da curva perto de � e calcula-se a equação ��� + :, w + +� = 0. Nas
palavras de Barrow, segundo Suarez, 2008:
“Rejeitamos todos os termos que não há a ou e (porque se anulam uns aos outros pela natureza da curva); rejeitamos todos os termos em que a ou e estão acima da potência um, ou estão ambos multiplicados (porque, sendo infinitamente pequenos, não possuem valor em comparação com o resto”.
Depois destas operações se calcula o quociente 5� que é a inclinação da reta
tangente a curva no ponto �.
Considere a curva �� + �� = `� e para exemplificar o método de Barrow se
calcula a inclinação da reta tangente em um ponto � = ��, w� dessa curva.
O ponto �? = �� + :, w + +� está na curva se tem:
�� + :�q + �w + +�q = oq
�q + 3�N: + 3�:N + :q + wq + 3wN+ + 3w+N + +q = oq
usando �q + wq = oq , tem-se:
�q + 3�N: + 3�:N + :q + wq + 3wN+ + 3w+N + +q = �q + wq
simplificando eliminando as potencias de + e : de grau maior que um, obtém-se:
3�:N + 3wN+ = 0
de onde resulta que a inclinação é: +: = − �NwN
Observando que este procedimento equivale ao da aproximação linear da
função no ponto P e isso substitui o triângulo ���? na figura do lado esquerdo pelo
triângulo diferencial.
59
O método de Barrow é semelhante ao de Fermat. A única diferença é que
Barrow considera incrementos independentes e a nas duas variáveis � e w com o
propósito de calcular o quociente 5�. Embora, os métodos sejam parecidos, segundo
Suarez (SUAREZ, 2008), Barrow não conhecia diretamente a obra de Fermat.
Barrow chegou muito perto de descobrir a relação inversa entre problemas de
tangentes e quadraturas (SUAREZ,2008), mas sua preferência conservadora pelos
métodos geométricos impediu-o de usar efetivamente essa relação. A relação, tal
como se expõe na Lição X, Proposição 11 das Lectiones Geometrae, é apresentada
como a relação inversa da derivada que expressa a área.
Na figura 13 estão representadas duas curvas w = ���� e w = ,���. O
segmento i� representa o eixo da das abscissas donde toma valores �. A
quantidade ,���, representa o valor da área sob o gráfico de f compreendida entre o
ponto i e �. Dado um ponto de abscissa �, se trata de provar que a inclinação da
tangente a w = ,��� no ponto �, que está no ponto ��, ,����, é igual a ���� = �p.
A demonstração de Barrow é geométrica.
Figura 13. Teorema Fundamental
Fonte: Suarez, 2008
Traça-se uma linha reta �� por � que intercepta em � a reta i� e tal que: ���� = ���� = �p
Quer-se provar que �� é a tangente a w = ,��� no ponto �. Tem-se que a
distância horizontal �h, de qualquer ponto h da reta p� a reta �� , é menor que a
distância -h, desse ponto h a curva w = ,��). Isso prova que a reta �� está sempre
abaixo de w = ,���.
60
Assim chega-se que: �h�h = ���� = �p
e por outro lado: áo:+ i�p¡ = �� áo:+ i�¢¡ = �- = h� áo:+ ��p¢ = �� − h� = �h
já que áo:+ ��p¢ < o:£âU,¥¦§ ��. �p
segue que
�h < �� > �p ⟹ �p > �h��
e portanto, �h�h < �h�� ⟹ �h < �� = -h
Desse fato, tem-se que o ponto � está abaixo da curva w = ,��) em D e sua
inclinação é �p = ����. Em termos atuais, o que Barrow provou é que:
~~� } ��£�~£ = ����35
3.2.4 A integral de Wallis
John Wallis (1616 – 1703) publicou em 1655 o tratado
Arithmetica infinitorum em que aritmetizava o método dos
indivisíveis de Cavalieri. Para ilustrar o método de Wallis será
considerado o problema de calcular a área do conjunto sob
a curva w = �� �© = 1,2, . . . � e sobre o intervalo [0, +] conforme ilustra a figura 14.
61
Figura 14. A quadratura de � = ��
Fonte: Suarez, 2008
Seguindo o raciocínio de Cavalieri, Wallis considera a região PQR formada
por um número finito de linhas verticais paralelas, cada uma delas com comprimento ��. Dividindo o segmento �� = i� = + em U partes iguais de comprimento ℎ = 5P
donde U é infinito, então a soma destas infinitas linhas é do tipo: 0� + ℎ� + �2ℎ�� + �3ℎ�� + ⋯ + �Uℎ��
Da mesma maneira, a área do retângulo i�«� é dada por:
+� + +� + +� + ⋯ + +� = �Uℎ�� + �Uℎ�� + �Uℎ�� + ⋯ �Uℎ��
A razão entre a área da região ��� e o retângulo i�«�, tem-se:
Áo:+ ���Áo:+ i�«� = 0� + 1� + 2� + 3� + ⋯ + U�U� + U� + U� + U� + ⋯ + U�
Wallis ao estudar a expressão acima para U = ∞. Estudou casos particulares
para valores de © = 1,2,3 fazendo, em cada caso, somas para distintos valores de U =1,2,3,4, e observou certas regularidades nessas somas e, com uma base bastante
frágil, assume o processo indutivo para U = ∞ e para © = 1,2, . . ., onde se calcula:
0� + 1� + 2� + 3� + ⋯ + U�U� + U� + U� + U� + ⋯ + U� = 1© + 1
Dessa conclusão segue que o valor da área da região ���:
62
Áo:+ ���Áo:+ i�«� = Áo:+ ���+��? = 1© + 1 ⟹ Áo:+ ��� = +��?© + 1 §X © = 1,2,3, …
Segundo Bobadilla (BOBADILLA, 2012), este resultado já era conhecido
anteriormente por Fermat, mas Wallis estendeu o raciocínio para todos os expoentes
racionais positivos. A expressividade do raciocínio de Wallis foi de fundamental, pois
nele se baseou Newton para obter a série binomial. O raciocínio de Wallis pode ser
resumido em termos atuais do seguinte modo:
Define-se o índice, ®���, de uma função � pela igualdade
limP→W ��0� + ��1� + ��2� + ⋯ + ��U���U� + ��U� + ��U� + ⋯ + ��U� = 1®��� + 1
desde que esse limite tenha sentido. Para a expressão: L¯�?¯�N¯�q¯�⋯�P¯P¯�P¯�P¯�P¯�⋯�P¯ = ?��? diz
que para a função ����� = �� o índice é ®���� = © para © = 1,2, …..
Wallis notou que, dada uma progressão geométrica de potências de � como,
por exemplo �, �q, �s, �°, …, a correspondente sucessão de índices 1,3,5,7, . .. forma
uma progressão aritmética. Como ®���� = ©, esta constatação é trivial, pois lhe
permite alcançar a generalização para expoentes racionais, utilizando a seguinte
interpolação:
1, √�´ , � √�´ �N, … , µ √�´ ¶·�?, �
de maneira que a sucessão de seus índices deve formar uma progressão aritmética,
donde se segue que deve ser ® >µ √�´ ¶¸@ = ·̧ para ¹ = 1,2, . . . , º. Assim obtém-se que:
limP→W � √0´ �¸ + � √1´ �¸ + � √2´ �¸ + ⋯ + � √U´ �¸� √U´ �¸ + � √U´ �¸ + � √U´ �¸ + ⋯ + � √U´ �¸ = 1¹º + 1
Em virtude da validação do método de Wallis, também conhecido como
interpolação de Wallis, trouxe a necessidade de resolver o seguinte problema:
63
Dada uma sucessão P¼, definida para valores inteiros de k, encontrar o
significado de P½ quando α não é um número inteiro.
Além disso, Wallis deduziu que necessariamente deve-se ter:
µ √�´ ¶¸ = �¸ ·⁄
E esse resultado que foi usado por Newton um pouco mais tarde, na
introdução de potências fracionárias e negativas. Chega-se inclusive que à igualdade:
} �·̧5L ~� = +·̧�?¹º + 1
Pela quadratura das curvas �¿́, Wallis tentou calcular a integral:
À √� − �N~�?L .
Como sabe-se hoje essa integral representa a área sobre a
semicircunferência de centro �?N , 0� e raio ?N , e que seu valor, portanto é
gt. Wallis
pretendia obter esse resultado valorizando diretamente a integral. Não teve êxito
nesse empenho e Newton posteriormente resolveu, porém, seus resultados o levaram
a obter a chamada fórmula de Wallis, como descrito por Pier (PIER,1996).
Á2 = 2.2.4.4.6.6 …1.3.3.5.5.7 …
3.3 A INTEGRAL NO SÉCULO XVIII
Os historiadores Dahan-Dalmedico e Pfeiffer (1986, p.190) creditam a Isaac
Newton (1642 – 1727) e a Gottfreid Wihelm von Leibniz (1646-1716) a invenção do
cálculo diferencial e integral, cujos trabalhos apareceram no último quarto do século
XVIII de forma autônoma.
Newton e Leibniz sintetizaram os conceitos de derivada e integral
enriquecendo as regras e algoritmos que permitiam dar o sentido algébrico pela
64
referência geométrica, isto é o cálculo tornara-se algébrico. Essa transformação
algébrica constituiu em técnicas inter-relacionadas com a Geometria Analítica de
René Descartes (1596 – 1650), os indivisíveis de Cavalieri (1598 – 1647), o cálculo
das tangentes devido a Descarte, Fermat (1601-1665) e Gilles de Roberval (1602 –
1675), o método para calcular máximos e mínimos de Fermat, e sobretudo a
formalização dos processos infinitos de Wallis, que estabeleceu a passagem dos
indivisíveis para os infinitésimos. (BOBADILLA, 2012).
Desenvolveram também a linguagem simbólica e formalizaram regras de
cálculo aplicado a funções algébricas e transcendentes, independentemente de
qualquer significado geométrico, que os conceitos ficaram analíticos, como argumenta
Youschkevitch (YOUSCHKEVITCH, 1981).
3.3.1 A integral de Newton
Isaac Newton (1642 – 1727) ingressou no Trinity
College (Cambridge) em 1661, onde estudou “Os Elementos”
de Euclides (325 A.C. – 265 A.C.), “Arithmetica infinitorum”
de John Wallis (1616 – 1703) e as obras de Galileu (1574 –
1642) e Fermat (1601 – 1665).
O “Philosphiae Naturalis Principia Mathematica” foi
seu primeiro tratado a ser publicado e devido à sua aprovação, Newton foi eleito em
1669 para representar Cambridge no Parlamento Britânico, conforme citado por
Suarez (SUAREZ, 2008).
Conforme Bobadilla (BOBADILLA, 2012), a sistematização dos resultados de
seus antecessores e ao reconhecimento da relação inversa do cálculo de quadraturas
e o cálculo de tangentes, fez com que Newton desenvolvesse um instrumento
algorítmico de cálculo sistemático. Um dos aspectos mais destacados no cálculo de
Newton, que o coloca na linha de um dos criadores da Análise, é a construção
algébrica da quadratura, ou seja, a concepção de integral.
O cálculo integral de Newton apoia-se na introdução do conceito de primitiva
de uma função, que é o conceito inverso da derivada de uma função.
Essa ideia é discutida por Medeiros (MEDEIROS, 2008). Uma função �,
definida num intervalo - é uma primitiva da função � se �′ = � em -. Nota-se que
65
existem muitas primitivas de f que diferem por constante k, e por essa razão é comum
anotar a integral indefinida de Newton por:
} � = � + ©
e a integral indefinida de � é interpretada pela família de primitivas.
Newton empregava esse conceito para descrever a trajetória de uma partícula
em movimento retilíneo conhecendo-se a posição inicial da partícula e a velocidade
ou, a posição inicial e a velocidade inicial da partícula e a aceleração.
Se v = v�£�, £ ≥ 0 função posição de um móvel em trajetória retilínea, tem–se
que:
v� = � , Ä:¦§Å~+~: ÅUA£+U£âU:+ : ¹§o£+U£§ , } � = v + ©
�� = + , +:¦:o+ç㧠ÅUA£+U£âU:+ : ¹§o£+U£§ , } + = � + ©
Como afirma Katz (KATZ, 1998), Newton percebeu em seus estudos que
encontrar a distância percorrida por um ponto em um dado intervalo de tempo,
conhecendo a velocidade do mesmo é equivalente a encontrar a área sobre a curva
que representa a velocidade. Como mostra o exemplo na figura 15, para Newton a
curva i�� era gerada pelo movimento de � e w, e a área de i��� era gerada pelo
movimento da ordenada ��. Era evidente para ele que a fluxão da área era a
ordenada multiplicada pela fluxão de ��. Isto significa que sendo È a área sob a curva,
então, ÈÉ = w�É , ou ÊÉ3É = w. Em notação moderna: se i��� representa a área sob w = ����
de 0 a �, então, ËIË3 = ����.
Figura 15. Área sobre a curva
Fonte: KATZ, 1998, p. 514
66
3.3.2 A integral de Leibniz
Gottfried Wilhelm Von Leibniz (1646 – 1716) formou-se como
bacharel aos dezessete anos e na universidade estudou disciplinas
como Teologia, Direito, Filosofia e Matemática, e é considerado
como o último sábio a atingir o conhecimento universal. Após
concluir o doutorado na Universidade de Altdorf em Nüremberg,
reforçou sua versatilidade dedicando-se ao serviço diplomático.
A partir de seus estudos sobre séries infinitas e o triângulo harmônico, Leibniz
estudou sobre a cicloide bem como outros pontos da análise infinitesimal (BOYER,
1949).
Em 1673 constatou que a tangente a uma curva dependia da razão entre as
diferenças de ordenadas e abscissas, quando se tornavam infinitamente pequenas, e
que as quadraturas eram dependentes da soma dos retângulos que formam a área.
De acordo com Medeiros (MEDEIROS, 2008), Leibniz descobriu a integral
definida de funções contínuas intuindo que a primitiva F fosse a área de certo conjunto
do plano. Essa ideia atualmente se expressa pelo teorema fundamental do cálculo
que também por notações atuais, se enuncia assim:
" v:Í+ �: [+, �] → ℝ , §U£ÅU¥+ : ¹§AÅ£ÅÄ+ :X [+, �] : �: [+, �] → ℝ ¥X+ ¹oÅXÅ£ÅÄ+ ~: �. v:Í+ i = Î��, w� ∈ ℝN: + ≤ � ≤ � : 0 ≤ w ≤ ����Ï. -U~Å+U~§ + áo:+ ~: i X�i� £:X − A: º¥: , X�i� = } ����~� = ���� − ��+�. "�
5
Figura 16. Área do conjunto sob o gráfico e o eixo Ox
Fonte: autor, 2016
67
CAPÍTULO 4 A EVOLUÇÃO CONCEITUAL DE FUNÇÃO INTEGRÁVEL DE CAUCHY A LESBEGUE
Esse capitulo é a parte central desse trabalho e tem por objetivo descrever a
evolução conceitual de função integrável nos aspectos complementares da História e
da Filosofia da Matemática, iniciando-se em Cauchy, passando por Riemann e
terminando em Lebesgue.
Cauchy definiu a integral como o limite das somas de uma função contínua. A
classe das funções integráveis à Cauchy é formada pelas funções contínuas e
descontínuas por partes no intervalo fechado por funções cuja a integral imprópria era
convergente.
Riemann reinterpretou a integral de Cauchy por igualdade das integrais por
falta e por excesso no âmbito das funções limitadas.
Em 1901, Lebesgue introduziu o cálculo de integrais tomando o limite das
integrais de funções simples, e revolucionou o cálculo integral e o conceito de funções
integráveis. Novamente a complementaridade de abordagens é que promove a
evolução de um conceito matemático.
4.1 A INTEGRAL DE CAUCHY
Nessa secção descreve-se a construção da teoria da integração de Cauchy.
A teoria da Integral de Cauchy, se dá no âmbito de funções contínuas e se destinge
dois tipos de integral: a definida e a indefinida.
Inicia-se relatando os feitos de Cauchy que contribuíram parar aritmetização
da análise, enfatizando a convergência das sequências de Cauchy. Segue-se com a
construção da integral da integral e finaliza-se com a extensão dos conceitos da
integração.
68
4.1.1 As obras de Cauchy
Augustin-Louis Cauchy (1789-1857) publicou dois livros
importantes sobre a cálculo diferencial e integral um em 1821: Le
Cours d´Analyse e outro em 1823: Resumé des Leçons Données à
l´École Royale Polytechnique sur le Calcul Infintesimal.
No primeiro livro, Cauchy introduz as definições de função
e continuidade, limite num sentido mais intuitivo e a convergência
de séries. Mais precisamente, ele introduziu um novo conceito de limite que lhe
permitiu definir a continuidade de uma função para resolver o problema dos
infinitésimos. Estes objetos, às vezes, eram considerados nulos, em outras ocasiões
considerados infinitamente pequenos.
Cauchy apresentou a primeira definição de convergência, longe de critérios
de convergência de uma série: “a série converge se e apenas se a sequência de
somas parciais converge”. Identificou as sequências, que hoje são chamadas de
“sequência de Cauchy” e que em linguagem atual é definida da seguinte maneira:
“Uma sequência ��P�P∈ℕ é de Cauchy se satisfaz a seguinte condição: Dado um número real ε > 0 arbitrário, pode-se obter um índice nL ∈ ℕ , tal que para quaisquer outros dois índices m > nL e n > nL vale que |xÑ − xÒ | < ε. “ ( LIMA ,1995,p.98). “
Também afirmou, embora não tenha demonstrado, que se uma sequência
converge, então ela é de Cauchy. Sabe-se hoje, que essa proposição só se pode
demonstrar usando a propriedade da completude dos números reais, que afirma que
toda sequência crescente e limitada de números reais converge para número real ou,
todo conjunto limitado de números reais não vazio admite um limite superior.
(VILLIENEUVE, 2009).
O segundo livro contém os resumos de lições dadas por Cauchy na Escola
Real Politécnica, e neste livro, se relatam quarenta lições divididas igualmente entre
o Cálculo Diferencial e Cálculo Integral. Antes dos trabalhos de Cauchy, não havia
nenhuma técnica para o cálculo da área sob a curva w = � ���, e a integral era
definida como a operação inversa da derivação.
Cauchy demonstrou que a função área de uma função contínua � ��� é uma
primitiva de � ���. A ideia de utilizar a função da área para resolver o problema de
pesquisa de primitivas vem de Lagrange em seu Tratado1 de 1796, porém Lagrange
69
não produziu uma técnica analítica para o cálculo da área sob a curva como fez
Cauchy (BOBADILLA,2012).
Ele demonstrou que no contexto de funções contínuas, a integral definida
resolve o problema de encontrar primitivas. Além disso, a integral indefinida pode ser
usada para calcular a área sob a curva quando a função é contínua. Esta ligação entre
a integral definida e indefinida é o que hoje se chama de "o segundo teorema
fundamental do cálculo. ” (MEDEIROS, 2008).
A teoria da integração de Cauchy se apoia no contexto das funções contínuas
e ele distinguiu duas integrais: a definida e a indefinida. A primeira concebida por limite
de “somas de Cauchy” que permitia calcular a área da superfície limitada pelo gráfico
da função w = ���� e pelo eixo das abscissas. A segunda permite definir a função área
em termos da primitiva da função ����.
4.1.2 A integral definida de Cauchy
Desde o seu início, a teoria do cálculo integral, teve como objetivo calcular
área de superfícies planas quaisquer, Cauchy considerou uma função � continua,
positiva no intervalo fechado [+, �] e calculou a área da superfície plana A limitada
pelas retas � = +, � = �, w = 0 e a curva w = ����, pois percebe-se que uma superfície
plana qualquer pode ser decomposta em várias superfícies desta forma.
A integral definida de Cauchy é o objeto da Lição 21, onde ele introduz as
chamadas “somas de Cauchy” para uma função contínua ���� definida num intervalo
fechado [�E, Ó],
“Suponhamos que a função w = ���� é contínua em relação à variável � entre dois limites finitos � = �L , � = 6. Suponhamos também que se designe por �? , �N, ..., �P�? os novos valores de � interpostos entre estes limites e que vão crescendo ou decrescendo desde o primeiro limite até o segundo. Será possível dividir a diferença 6 − �L em elementos �? − �L , �N − �?, �q − �N, ..., 6 − �P�? os quais serão todos de mesmo sinal. Consideremos agora que cada elemento se multiplica pelo valor ���� que corresponde à origem desses mesmos elementos; a saber, o valor �? − �L por ���L�, o elemento �N − �? por ���?�..., enfim, o elemento 6 −�P�?por ���P�?�; seja v = ��? − �L����L� + ��N − �?����?� + ⋯ + �6 − �P�?����P�?�. “ (CAUCHY, 1994, pág. 287 apud BOBADILLA,2012)
70
Em linguagem atual, uma partição do intervalo fechado [�E, Ó] é um conjunto
finito Ô = Î�E , ��, … , �c��, �c, … , �=��, �=Ï tal que
�E < �� < ⋯ < �c�� < �c < ⋯ < �=�� < �= = Ó,
cujos pontos divisores são escolhidos arbitrariamente em ordem crescente de tal
modo que os comprimentos dos intervalos dessa partição sejam dados pelas
diferenças
�� − �E, �� − ��, �� − ��, … , Ó − �=��
que às vezes são chamadas de amplitudes dos intervalos divisores.
Fixada uma função contínua F: [�E, Ó] → ℝ e uma partição Ô de [�E, Ó] uma soma de
Cauchy da função � com relação a essa partição é indicada por:
xÕ �F, Ô� = ��� − �E�F��E� + � �� − ���F ���� + � �� − ���F ���� + … +�Ó − �=���F��=���.
Cada parcela da soma xÕ �F, Ô� tem referência geométrica num retângulo,
cuja a base é um dos elementos da partição, ��Ö − �Ö�?� e a altura é ���Ö�?�.
Figura 17. As parcelas de uma soma de Cauchy
Fonte: autor, 2016
A figura17, exemplifica a representação gráfica das parcelas de uma soma xÕ �F, Ô� da função contínua �: [�E, Ó] → ℝ com oito retângulos de bases iguais.
No restante da Lição 21, Cauchy ocupou-se com a demonstração de que as
suas somas para uma função contínua, convergem para um número real, chamado
71
de integral definida. Como hoje se sabe, as somas de Cauchy de uma função
uniformemente contínua formam uma sequência de Cauchy, e, portanto, convergem
para um número real (VILLIENEUVE, 2009).
Para demonstrar a convergência de suas somas, Cauchy mostra que para
cada soma xÕ �F, Ô� existe um número real × , 0 < × < 1 tal que:
xÕ �F, Ô� = �Ó − �E�Fµ�E + ×�Ó − �=���¶. Em seguida, Cauchy constrói um refinamento � da partição �. Ele escreve:
“Para passar do modo de divisão que acabamos de considerar para um outro no qual os valores numéricos dos elementos X −xL sejam ainda menores, basta dividir cada uma das expressões x? − xL, xN − x?, xq − xN, … , X − xÒ�? em novos elementos. “ (Apud VILLIENEUVE,2009)
Suponha que no refinamento � da partição �, que subdivide um dos
subintervalos de �, [ �L, �?] seja o primeiro intervalo. Considera-se então um
refinamento do primeiro subintervalo de P: �L = wL, w?, . . . , w� = �?.
Utilizando o mesmo argumento antes explicado, existe um número ÙL entre 0
e 1 de tal modo que no intervalo [ �L, �?] , a soma é escrita por: �w? – wL��� wL� + … + �w� – w��?���w��?� = ��? − �L����L + Ù0��? − �L��
Repetindo esse argumento para os outros subintervalos de �, a nova soma
de Cauchy torna-se:
vÛ��, �� = ��? − �L��µ�L + Ù0��? − �L�¶ + … + ��P − �P�?����P�? + ÙU−1��P − �P�?��
onde ÎÙÖÏ são números entre 0 e 1. Cauchy usou a continuidade da função em [�c�� − �c], para afirmar que existe um VÖ�? tal que: ���Ö�? + ÙÖ�?��Ö − �Ö�?� = ���Ö�?� ± VÖ�?.
A soma de Cauchy sobre a partição � se escreve por:
72
vÝ��, �� = ��? − �L��µ�L + ÙL��? − �L�¶ + ⋯ + ��P − �P�?��µ�P�? + ÙP�?��P − �P�?�¶ vÝ��, �� = ��? − �L�����L� ± ML� + ⋯ + ��P − �P�?�����P�?� ± MP�?�
desenvolvendo-se a última expressão e tomando M um valor médio para os ÎMÖÏ, tem-se:
�±��? − �L�ML ± ⋯ ± ��P − �P�?�MP�? = ��P − �L�M,
As duas somas ficam relacionadas por:
vÛ��, �� = ��? − �L����L� + ⋯ + ��P − �P�?����P�?� ± ��? − �L�ML ± ⋯± ��P − �P�?�MP�? vÛ��, �� = vÛ��, �� ± ��? − �L�ML ± ⋯ ± ��P − �P�?�MP�? vÛ��, �� = vÛ��, �� ± ��P − �L�M.
Portanto, |vÛ��, �� − vÛ��, ��| < ��P − �L�M, e, assim, a sequência ÎvÛ��, ��: ~� → 0Ï
é uma sequência de Cauchy quando a amplitude da partição indicada por
~� = Ká���Ö − �Ö�?�
tende a zero. Tomando-se, por exemplo, M = ?P , tem-se �xÒ − xL�ε ≤ n. dß. n = dß ).
Cauchy escreveu:
“Resulta das equações [Sá �f, P�] e [Sá (f, Q) ], comparadas entre elas que não se alterará sensivelmente o valor de S calculado por uma maneira de divisão no qual os elementos da diferença X − xL têm valores numéricos muito pequenos, se se passa a um segundo modo no qual cada um desses elementos se acham subdivididos em muitos outros”. (Apud VILLENEUVE, 2009)
e conclui que se as partições de [�L, 6] são infinitamente aumentadas então as somas
tendem a um valor fixo, chamado de integral definida da função f.
73
Cauchy propôs vários símbolos para notação da integral definida, mas
escolheu o símbolo À ����~�â3ã , que foi a primeira imaginada por Jean-Baptiste Joseph
Fourier (1768-1830).
O método analítico de obtenção das somas de Cauchy é sempre uma tarefa
árdua, por esta razão ele substitui os elementos da partição por sequências
aritméticas ou geométricas:
“Empregamos frequentemente as fórmulas [somas da esquerda ] e [somas da direita] na busca de valores aproximados das integrais definidas. Para maior simplicidade, geralmente supõe-se que as quantidades xL, x?, . . . , xÒ�?, X compreendidas nessas fórmulas estão em progressão aritmética [...]. Pode-se supor ainda que as quantidades xL, x?, ..., xÒ�?, X formam uma progressão geométrica cuja a razão difere muito pouco da unidade. ” (Apud VILLENUEVE, 2009)
No caso da sequência aritmética, considerava-se a função �: [�ä , 6] → ℝ com
a partição:
Î�L, �L + Å, �L + 2Å, … , �L + UÅ = 6Ï
onde Å = â�3RP é a razão da progressão aritmética. As somas esquerdas e direitas
ficam escritas pelas fórmulas designadas pela letra (A)
vÛ ��, �� = 6 − �LU � ���L + © 6 − �LUP�?��L �
vÛ ��, �� = 6 − �LU � ���L + �© + 1� 6 − �LUP
��? �
No caso da sequência geométrica de razão å > 1 , a partição se escreve Î�L, �L�1 + α�, �L�1 + α�², . . . , �L�1 + α�P = 6Ï
com o passo 1 + α = > â�E@ST . Assim as somas à esquerda e à direita ficam dadas pelas
fórmulas designadas por �¢�
74
vÛ ��, �� = ���L�1 + å���? − �L�1 + å������L�1 + å���� =P�?��L
�Lå ��1 + å�����L�1 + å��� P�?��L
vÛ ��, �� = �Lå ��1 + å�����L�1 + å���?� P�?��L
Essas duas fórmulas de partição permitem calcular não somente valores
aproximados da integral À ����~�â3R , mas também seu valor exato quando se toma o
limite das somas de Cauchy.
Para exemplificar a aplicação das fórmulas �f� e �ç� serão calculados os
valores exatos da integral da função identidade F��� = � contínua em [�b, Ó]. Seja
então, a partição constituída pela média aritmética e tomando a soma a esquerda e
substituindo Å = Ó��E= , a soma de Cauchy por aplicação de �i� é dada por:
vÛ ��, �� = 6 − �LU � ���L + © 6 − �LUP�?��L � = Å � ���L + ©ÅP�?
��L � =
= Å ���L + ©ÅP�?��L � = Å[�L + ��L + Å� + ��L + 2Å� + ⋯ + ��L + �U − 1�Å�] =
= ÅèU�L + ŵ1 + 2 + 3 + ⋯ + �U − 1�¶é = Å êU�L + U�U − 1� ÖNë �1�.
Substituindo-se em ��� U = ��Ec tem-se que:
vÛ ��, �� = Å ì6 − �LÅ �L + 6 − �LÅ j6 − �LÅ − 1k Å2í = �6 − �L��6 + �L – Å� 12,
e tomando-se o limite de vÛ ��, �� quando c tende a zero obtém o seguinte resultado:
75
} �â3R
~� = ¦ÅXÖ→L �6 − �L� �6 + �L – Å�2 = 6N − �LN2 .
Tomando-se agora, a partição na forma de sequência geométrica com o
razão 1 + α = > â3R@ST . A soma de Cauchy para ���� = � em [�L, 6] pela fórmula �¢� se
escreve por:
vÛ ��, �� = �Lå ��1 + å�����L��1 + å��P�?��L = �LNå ��1 + å�N� =P�?
��L
= xLNα �1 + α�NÒ − 1�1 + α�N − 1 = xLN �1 + α�NÒ − 1α + 2 . �2�
Substituindo-se em 1 + α = > â�E@ST em ��� tem-se que:
vÛ ��, �� = xLN XNxLN − 1α + 2 = XN − xLNα + 2 ,
e passando-se ao limite de vÛ ��, �� quando å tende a zero obtém o seguinte
resultado:
} �â3R
~� = ¦ÅXî→L XN − xLNα + 2 = 6N − �LN2
Como afirma Bobadilla (BOBADILLA, 2012), Cauchy demonstrou pela
convergência de suas somas as seguintes propriedades das integrais definidas:
1. } +����~� =â3R
+ } ����~�â3R
2. } ��� + +�~� =â3R
+ } ����~�â�53R�5
3. } ��� − +�~� =â3R
+ } ����~�â�53R�5
76
4.1.3 Propriedades algébricas e a interpretação geométrica da integral definida de Cauchy
Como afirma Bobadilla (BOBADILLA, 2012), na lição 23, Cauchy apresenta
outras propriedades da integral definida:
1. A linearidade:
}����� + ,����~� =â3R
} ����~�â3R
+ } ,���~�â3R
}�+���� + �,����~� =â3R
+ } ����~�â3R
+ � } ,���~�â3R
2. A decomposição de uma integral em outras integrais:
} ����~� =â3R
} ����~� + } ����~�âÝ
Ý3R
3. Integrais definidas de funções de variável complexa:
}�¥��� + √−1Ä����~� =â3R
} ¥���~�â3R
+ √−1 } Ä���~�â3R
4. A Intepretação geométrica da integral definida, Cauchy escreve:
“[A área] será, portanto, equivalente a um retângulo construído sobre uma ordenada média representada por uma expressão da forma f�xL + θ�X − xL�� de modo que teremos A = �X −xL�f�xL + θ�X − xL��, θ designando um número inferior a unidade.” (apud VILLENEUVE, 2009)
que em símbolos se representa por
} ����~� =â3R
�6 − �L��µ�L + Ù�6 − �L�¶.
77
O seguinte caso particular exemplifica a interpretação geométrica da integral
definida de Cauchy. Considere-se a função ���� = �q + 2 restrita ao intervalo fechado [1,2], e graficamente tem-se uma exemplificação da integral definida no cálculo da
área (A) e a área calculada pelo retângulo (B), onde conclui-se que são equivalentes,
conforme figura 18.
Figura 18. Áreas equivalentes
Fonte: VILLENUEVE, 2009 com adaptação do autor
Cauchy prossegue aplicando o mesmo argumento a cada um dos
subintervalos de uma partição do intervalo [ �L, 6]. Ele obtém uma soma de retângulos
de bases ��Ö – �Ö�?� e de alturas ���Ö�? + θÖ��Ö – �Ö�?��, com uma lista θL, … , θP�? de
números positivos inferiores à unidade donde
i = ���Ö – �Ö�?����Ö�? + θÖ��Ö – �Ö�?��PÖ�? .
Passando ao limite, ele obtém a integral definida. Isto significa que a área sob
a curva w = ���� pode se calcular utilizando a integral definida
i = } ����~�.â3R
Essa área f se tornará uma função, chamada de função área, quando o
extremo superior Ó da integral definida se tornar uma variável. Nesse caso f será
também uma primitiva de ����, que em notações atuais se representa por:
78
���� = } ��£�~£ 33R
que é hoje chamado de primeiro teorema fundamental do cálculo. Este trata da
existência de primitivas contínuas.
Cauchy tratou a integral indefinida como uma operação inversa da derivada
pelas fórmulas:
~~� µ����¶ = ���� ⇔ } ����~� = ���� + «.
A integral indefinida de uma função ���� produz uma função ����, dita
antiderivada, que é uma primitiva de ����: uma função ���� é uma primitiva de ����
se �´��� = ����. A antiderivada de uma função ���� é então uma primitiva, embora existam
funções que não admitem primitiva. Em 1835, Liouville demonstrou que existem
funções contínuas sem antiderivada. É o caso da função ���� = :�3� cuja a única
primitiva,
���� = } :�ò�ò�3ò�3R
~£
não pode ser expressa analiticamente no sentido Cauchy.
O segundo teorema fundamental do cálculo se expressa em notações atuais
com os símbolos
} ����~� �5 = ���� − ��+�
para uma função � que está definida e é contínua no intervalo fechado [+, �] e com
uma primitiva � nesse intervalo.
Para exemplificar, esses fatos considera-se a função �: [0,2] → ℝ definida
por:
79
���� = ó�N A: 0 ≤ � < 12 A: 1 ≤ � ≤ 2
cujo gráfico é:
Figura 19. Descontinuidade de primeira espécie
Fonte: Autor, 2016
que é descontínua em 1. Determina-se a primitiva �: [0,2] → ℝ pela seguinte integral
���� = } ��£�NL ~£.
Então,
���� =ôõöõ÷ } £N~£3
L A: 0 ≤ � < 1} £N~£?L + } 2~£3
? A: 2 ≤ � ≤ 1 =
= ø �q3 A: 0 ≤ � < 12� − 53 A: 1 ≤ � ≤ 2
Cujo gráfico é: Figura 20. Primitiva contínua em 1
80
Fonte: autor, 2016
e portanto, tem –se:
} ����NL ~� = ��2� − ��0� = 73 − 0 = 73
O último exemplo da seção anterior mostrou que é possível integrar a função �: [0,2] → ℝ ,
���� = ó�N A: 0 ≤ � < 12 A: 1 ≤ � ≤ 2
com uma descontinuidade de primeira espécie em 1. Para isto basta decompor a
integral
} ����NL ~� = } ����?
L ~� + } ����N? ~� = 13 + 2 = 73.
Cauchy estendeu o conceito de integral definida para integral imprópria de
funções contínuas F: [, +∞[ → ℝ , que se indica por:
} ����~�.�W5
O cálculo da integral imprópria está relacionado com a existência da integral
definida
} ����~��5
81
para todo [+, �], com � < +∞ , por passagem ao limite no infinito:
} ����~��W5 = lim�→�W } ����~��
5
Para exemplificar o cálculo da integral imprópria, calcula-se:
} 1�N + 1 ~�.�W�W
Inicialmente, note-se que F: ℝ → ℝ dada por F��� = ����� é contínua em todo, [−, ], com > E e, portanto, é integrável á Cauchy nesse intervalo. Além disso, ��−�� = ���� para todo � ∈ [−, ], isto é, � é par, e então pode-se escrever
} 1�N + 1 ~� = 2 �W�W } 1�N + 1 ~� = 2 lim�→�W } 1�N + 1 ~��
L �WL
a integral indefinida
} 1�N + 1 ~� = +o£,� +
e assim,
lim�→�W } 1�N + 1 ~� = lim�→�W[+o£,�]L��
L = lim�→�W�+o£,� − +o£,0� = Á2
donde se conclui que:
} 1�N + 1 ~� = 2 �W�W } 1�N + 1 ~� = 2. Á2 = Á�W
L
Por outro lado, não é sempre que a integral imprópria é convergente, como
acontece com a função �: ]0,1] → ℝ dada por ���� = ?3 . Essa função é contínua em
todo intervalo fechado [+, 1] , com 0 < + < 1 e, portanto, integrável a Cauchy nesse
intervalo. Porém, não existe a integral imprópria:
82
} 1� ~� = ?L } 1�N + 1 ~� = lim5→L9 } 1� ~�5
L �WL
Pode-se então concluir que a integral definida de Cauchy constituiu-se num
método inovador e analítico para calcular a integral definida de funções contínuas e
seccionalmente contínua, no intervalo fechado [+, �]. A extensão da integral para
outros intervalos se deu por integral imprópria, calculada em termos de limite de uma
integral.
4.2 A INTEGRAL DE RIEMANN
Nessa seção é introduzida a noção de integral segundo Riemann. A técnica
introduzida por Riemann, distinta da técnica introduzida por Cauchy, abarca uma
classe maior de funções que são integráveis do que a classe de funções integráveis
segundo a abordagem de Cauchy. Mais especificamente, a classe das funções
integráveis segundo Riemann (ou Riemann-integráveis) no intervalo fechado [+, � ] contém as funções integráveis segundo Cauchy e outras funções com um certo
grau de descontinuidade em seu domínio.
Como será visto, essas técnicas são complementares no seguinte sentido: a
integração segundo Cauchy se apoia na noção de antiderivada e tem um propósito
algébrico, enquanto a integração segundo Riemann se baseia em aspectos
geométricos da integração.
4.2.1 As obras de Riemann
Bernhard Riemann (1826 - 1866) foi um dos matemáticos que
mais influenciaram as ideias matemáticas do século XIX. Era
filho de um pastor luterano e tinha problemas de saúde desde a
infância. Mesmo com a família em condições financeiras
precárias, seu pai conseguiu proporcionar-lhe uma boa
educação que começou na Universidade de Göttingen e
continuou na Universidade Humboldt de Berlim. Obteve o doutorado na Universidade
de Göttingen com uma tese no campo da teoria das funções complexas.
83
Nessa tese aparecem as equações diferenciais que garantem a derivabilidade
de uma função de variável complexa (as condições de Cauchy-Riemann), e também
se encontra o conceito de superfícies de Riemann, o qual trouxe considerações
topológicas à análise.
Em 1854 Riemann escreveu sua obra “Sobre a representatividade de uma
função por uma série trigonométrica”, a qual foi apresentada como tese para sua
qualificação como professor em Göttingen, tendo sido publicada em 1868 por
Dedekind (1831-1916). Nessa obra Riemann mostra que o conceito de integral
definida é uma importante ferramenta no intento de resolver o problema proposto por
Fourier sobre a representação de funções por séries trigonométricas:
O seguinte tratado sobre as séries trigonométricas consiste essencialmente em duas partes distintas. A primeira parte contém uma história da pesquisa e as concepções de funções arbitrárias (dadas graficamente) e sua representação por séries trigonométricas. Em sua composição me foi dado algumas indicações do conhecido matemático a quem se deve o primeiro trabalho rigoroso sobre este assunto. Na segunda parte eu ofereço a investigação sobre a representação de uma função por uma série trigonométrica, o que inclui os casos não resolvidos até agora. Foi necessário prefixar um pequeno tratado sobre o conceito de integral definida e o âmbito de sua validade (RIEMANN, 2000, p. 41 APUD BOBADILLA, 2012).
O matemático a quem Riemann se refere na citação é Dirichilet, que foi o
responsável pela caracterização de funções mais gerais que apresentam certo grau
de descontinuidade em seu domínio.
Na quarta parte desse trabalho, Riemann trata do significado do objeto
matemático
} ����~�,�5
que é conhecido como a integral definida da função � no intervalo fechado [+, �], por meio da convergência das somas : (VILLENEUVE, 2009).
v���, �� = � �PÖ�? ��Ö�? + MÖùÖ�ùÖ.
4.2.2 A integral de Riemann como limite de somas.
84
Para dar sentido à integral definida À ����~��5 , Riemann propôs estudar a
convergência da soma v���, �� = ∑ �PÖ�? ��Ö�? + MÖùÖ�ùÖ de uma função F definida no
intervalo compacto [+, �], onde P é uma partição de [+, �]. Conforme Bobadilla (BOBADILLA, 2009), para construir a soma, Riemann
tomou números �? , �N , �q , ..., �P entre + e � da seguinte forma
+ < �? < �N < �q < ⋯ < �P�? < �.
Em notação atual diz-se que ele considerou uma partição � de [+, �], dada
pelo conjunto finito
� = Î�L, �?, �N, … , �P�?, �PÏ com = �L e � = �P. A amplitude de cada intervalo foi representada por:
ùÖ = �Ö − �Ö�? , Å = 1,2, … , U.
Em cada intervalo [�Ö�? − �Ö], Å = 1,2, … , U , escolheu números arbitrários
�Ö�? + ùÖMÖ, Å = 1,2,3, … , U
onde cada 0 < MÖ < 1, considerou a seguinte soma
v���, �� = � �PÖ�? ��Ö�? + MÖùÖ�ùÖ.
Em notação atual, os números positivos ûcsão substituídos por ∆�c, ∆�Ö = �Ö − �Ö�? , Å = 1,2, … , U
e os números arbitrários �Ö�? + ùÖMÖ por Ö , Ö = �Ö�? + ùÖMÖ , Å = 1,2, … , U
e, assim, nessa notação, como se encontra em (GUIDORIZZI, 2001, pág.300) a soma
fica escrita por:
85
v���, �� = � �PÖ�? �Ö�∆�Ö .
A existência da integral definida À ����~��5 está condicionada à existência do
limite finito dessas somas, chamadas atualmente por somas de Riemann, quando a
norma da partição � fica tão pequena quanto se queira, isto é, tende para zero, e
que se simboliza por:
‖�‖ = Xá�Î∆�cÏ → 0.
Assim pode-se assumir a seguinte definição:
“Diz-se que a função �: [+, �] → ℝ é integrável segundo Riemann (ou
Riemann-integrável) em [+, �], se existir h ∈ ℝ, tal que para todo V > 0 , existe ù > 0
e para toda partição P com ‖�‖ < ù, tem-se |∑ �PÖ�? �Ö�∆�Ö − h| < V independente
da escolha dos �c”.
Usando-se a notação de limite escreve-se h = lim‖�‖→L ∑ �PÖ�? �Ö�∆�Ö. Quando existe esse número h, ele é único e é chamado a integral definida de � em [, �] e indicado por h = À ����~��5 .
O exemplo mais simples de uma função Riemann-integrável é a função
constante, �: [+, �] → ℝ , definida por ���� = © , © ∈ ℝ .
Prova-se que � é integrável e que vale À ©~��5 = ©�� − +�. A demonstração é feita como se segue. Primeiramente, observe que para
qualquer partição de [+, �] se tem:
� ∆�Ö =PÖ�? �+ − �?� + ��N − �?� + ⋯ + ��P�? − �P�N� + �� − �P� = � − +
e que para qualquer partição de [+, �] a soma de Riemann de � será :
� ©∆�Ö = © � ∆�Ö = ©�� − +�PÖ�?
PÖ�?
86
Portanto,
} ©~��5 = lim‖�‖→L � ©P
Ö�? ∆�Ö = ©�� − +�.
Da demonstração de Riemann, observa-se que uma subclasse da classe das
funções Riemann-integráveis é a classe das funções � definidas no intervalo
compacto [+, �] , e que admitem uma função primitiva em [+, �]. Evidentemente � é
contínua em [, �] e, como se sabe é integrável segundo Cauchy.
Uma adaptação da demonstração da integral de Riemann para esta subclasse
de funções, em geral encontrada em livros de Cálculo Diferencial e Integral, é
apresentada a seguir.
Sabe-se que para essas funções vale o Teorema do Valor Médio, que afirma:
“ Se � é uma função definida em [+, �] e derivável em ]+, �[, então existe � ∈]+, �[ tal que ���� − ��+� = ���� = �� − +�".
Considere-se agora uma primitiva � de � em [+, �], isto é, isto é, uma função � tal que �’��� = ���� para todo � ∈ [+, �]. Para uma partição � qualquer de [+, �] pode-se escrever:
���� − ��+� = �[���Ö� − ���Ö�?�]PÖ�? ,
e, aplicando o Teorema do Valor Médio no intervalo [�Ö�?, �Ö], encontra-se Ö tal que ���Ö� − ���Ö�?� = ���Ö���Ö − �Ö�?�. Como ���Ö� = ��Ö�, pode-se escrever que ���Ö� − ���Ö�?� = ��Ö�∆�Ö ,e, portanto, tem-se ���� − ��+� = ∑ ��Ö�∆�ÖPÖ�? .
Tomando-se o limite com a norma da partição tendendo a zero, obtém-se
���� − ��+� = lim‖�‖→L � ��Ö�∆�ÖP
�? = } ����~��5 .
87
Nota-se que esse resultado consiste em um algoritmo sintético para calcular
a integral definida À ����~��5 , que é conhecido hoje como o Teorema Fundamental
do Cálculo, e é apresentado pela fórmula:
} ����~��5 = ���� − ��+�.
4.2.3 A integral de Riemann como igualdade de duas integrais
Em 1875, Darboux reinterpretou a integral de Riemann, utilizando somas
superiores e inferiores no âmbito das funções limitadas (VILLENEUVE, 2009).
O conceito de função limitada pode ser interpretado de modo mais simples
observando-se que o conjunto imagem da função está contido em um intervalo
limitado e fechado.
Uma definição de função limitada pode ser encontrada em Lima (LIMA,
pag.240, 1976):
“Uma função �: [+, �] → ℝ , é limitada se existem números reais K e X tais
que vale X ≤ ���� ≤ K para todo � ∈ [+, �]. Costuma-se denotá-los por X =ÅU�Î����; � ∈ [+, �]Ï e K = A¥¹Î����; � ∈ [+, �]Ï.”
Como consequência dessa definição, pode-se caracterizar as funções
limitadas pelo seguinte resultado imediato encontrado em (LIMA, pág.240,1976).
“Supondo a existência de � = Xá�Î|K|, |X|Ï, onde X = ÅU�Î����; � ∈ [+, �]Ï e K = A¥¹Î����; � ∈ [+, �]Ï, então a função �: [+, �] → ℝ é limitada em [+, �] se e
somente se |����| ≤ � para todo � ∈ [+, �].”
É fácil perceber que toda função contínua definida num intervalo fechado é
limitada, e, assim, se conclui que estas constituem uma classe de funções limitadas.
Esse resultado atende pelo nome de Teorema de Weirstrass (1815 – 1897) e sua
demonstração pode ser encontrada, por exemplo, em Lima (LIMA, pág.187,1976).
88
Se uma função �: [+, �] → ℝ, é integrável segundo Riemann em [+, �] certamente ela será limitada. Isto é, a limitação é uma condição necessária para
integrabilidade. Evidentemente, a limitação não é condição suficiente para
integrabilidade. O exemplo a seguir mostra uma função limitada no intervalo [0, 1],
mas que não é Riemann-integrável: seja a função �: [0,1] → ℝ, definida por
���� = ó1, � ∈ ℚ∩ [0,1]0, � ∉ ℚ ∩ [0,1].
Assim, � é limitada em [0,1]. Para mostrar que ela não é integrável,
considerem-se as somas de Riemann para partições nas quais os Ö são escolhidos
ora racionais em [0,1], ora irracionais em [0,1]. Dessa forma as somas assumem
valores distintos:
� ��Ö�∆�Ö =ôõöõ÷� ∆�Ö
PÖ�? = � − +, � ∈ ℚ ∩ [0,1]� 0. ∆�Ö
PÖ�? = 0, � ∉ ℚ ∩ [0,1]
PÖ�?
e, portanto, não existe À ����~�?L .
Para construir as somas de Riemann-Darboux, considera-se agora o conjunto
das funções �: [+, �] → ℝ definidas no compacto [+, �] e que são limitadas, isto é,
funções f para as quais existem números reais X = ÅU�Î����; � ∈ [+, �]Ï e K = A¥¹Î����; � ∈ [+, �]Ï com X ≤ ���� ≤ K para todo � ∈ [+, �].
Fixa-se uma partição P de [+, �] : + < �? < �N < �q < ⋯ < �P�? < �, e tomam-se números reais, XÖ e KÖ tais que XÖ ≤ ���� ≤ KÖ , Å = 1,2, . . . , U, e
definidos por: XÖ = ÅU�Î����; � ∈ [�Ö�?, �Ö]Ï : KÖ = A¥¹Î����; � ∈ [�Ö�?, �Ö]Ï. Considerando-se a soma inferior A��, �� e a soma superior v��, ��,
A��, �� = � XÖP
Ö�? ∆�Ö : v��, �� = � KÖP
Ö�? ∆�Ö tem-se que X�� − +� ≤ A��, �� ≤ v��, �� ≤ K�� − +�.
89
Por meio das somas inferiores e superiores, definem-se duas integrais: a
integral inferior e a superior, respectivamente,
} ����~� = A¥¹�A��, ��; } ����~� = A¥¹�v��, ���5
��5
. De posse das integrais inferiores e superiores, a definição de integrabilidade
em termos de duas integrais é a seguinte:
“ Se �: [+, �] → ℝ uma função limitada definida no compacto [+, �] , então
f é integrável em [+, �], e somente se, À ����~� = À ����~��5��5 .”
Nesse caso a integral definida coincide com os valores das integrais, isto é,
} ����~��5 = } ����~� = } ����~��
5�
�5.
A integral de Riemann interpretada por aquelas duas integrais é na verdade a
aplicação do princípio da completeza dos números reais, que afirma: “todo
subconjunto de números reais, não vazio e limitado superiormente e inferiormente,
tem supremo e ínfimo”. A integral inferior é a maior cota inferior, enquanto a integral
superior é a menor cota superior da integral definida.
Essa definição é a mais utilizada atualmente em Análise Matemática para
justificar a integrabilidade de funções limitadas, em particular, a integrabilidade de
funções contínuas definidas num intervalo fechado [+, �].
4.3 A INTEGRAL DE LEBESGUE
Nessa secção descreve-se o processo de criação da integral de Lebesgue,
como extensão da integral de Riemann.
Como consequência da extensão, toda função integrável a Riemann é
integrável a Lebesgue, com o mesmo valor para integral. A integral imprópria de
Riemann também é incluída pela teoria de Lebesgue. Além dito, a classe das funções
Lebesgue integráveis contém a classe das funções Riemann integráveis, e mais
90
determinados limites de sequencias de funções Riemann integráveis, de forma a
garantir fortes teoremas de convergência.
A integral de Lebesgue foi concebida no conceito da medida de conjuntos e
no âmbito das funções mensuráveis. Essa integral ampliou a coleção das funções
para as quais se pode definir uma integral, como por exemplo, calculou a integral de
funções quase continuas, isto é, descontinuas num conjunto de medida nula.
Inicia-se com o histórico da obra de Lebesgue. Mostra-se as ideias da
construção da medida exterior de Lebesgue para subconjuntos de números reais. A
seguir constrói-se a integral de Lebesgue para função mensurável limitada em
intervalo fechado, pelo fio condutor do cálculo da área da superfície plana limitada
pelo eixo � e o gráfico da curva w = ����, mostrando a relação com as somas de
Riemann-Darboux. Finaliza-se com a definição da integral de Lebesgue dessas
funções limitadas por meio da integral de funções simples
4.3.1 A obra de Lebesgue
Henri León Lebesgue (1865 – 1941) notável matemático francês
que não dava dimensão exata da importância de seus trabalhos
na área cientifica (PERRIN, 1948, pág.286). Tornou-se célebre
por criar importantes teorias matemática na metade do século XX
(MAY,1966, pág.1), entre elas uma nova teoria da integração.
Perrin, (PERRIN, 1948, pág.286), o reconhece como o
grande renovador da Análise Matemática, exatamente por suas ideias criativas. Além
disso, sua influência é marcante no desenvolvimento da Matemática que perdura até
hoje, pois suas ideias e métodos constituem ferramentas científicas indispensáveis na
pesquisa em diversas áreas.
Lebesgue mostra suas brilhantes ideias, logo após terminar sua graduação,
com a publicação das seguintes obras (Ibid., pág.2):
1ª. Sobre aproximação das funções, 1898;
2ª. Sobre as funções de várias variáveis, 1899ª;
3ª. Sobre algumas superfícies não regulares aplicáveis sobre o plano, 1899b;
4ª. Sobre a definição de área de uma superfície, 1899c.
Na primeira dessas obras, Lebesgue apresentou uma prova mais simples do
teorema da aproximação de Weierstrass (MAY, 1966, pág.2). A terceira obra,
91
caracteriza a origem de sua descoberta, que hoje é chamada integral de Lebesgue
(MONTEL, 1941, pág. 198). Essa publicação não teve o êxito esperado por causa da
oposição de alguns analistas convencionais que se estranhavam com as funções
patológicas, que não possuíam derivadas (MAY, 1966, pág.2). Dentre entre esses
analistas, estava Charles Hermite (1822 – 1901) que em uma carta a Thomas Jan
Stieltjès (1856 – 1894) escreve:
“eu evito com medo e horror esse uso lamentável das funções que não tem derivadas” (LEBESGUE, 1922, pág. 13 APUD – 2006, PALLARO).
Lebesgue apresentou sua tese de Doutorado, intitulada Integral,
Comprimento, Área em 10 de fevereiro de 1902 na Faculdade de Ciências da
Universidade de Nancy, a qual foi aprovada pelo Decano Gastón Darboux e pulicada
no mesmo ano nos Anais de Matemática Pura e Aplicada de Milão BOBADILLA,2012,
pág.134).
Em sua tese, Lebesgue se propunha a estabelecer as definições mais gerais
e mais precisas possíveis dos conceitos de integral definida, com relação a
comprimento de uma curva e área de uma superfície, e resolver o problema
fundamental do cálculo integral: “ encontrar uma função a qual se conhece a derivada”.
Em sua teoria da integração, fundamentada no conceito de medida, Lebesgue
resolveu vários aspectos relacionados com os três problemas propostos por seus
antecessores: o problema da medida, o cálculo de primitivas e a representação de
funções em séries trigonométricas; assim impulsionou o desenvolvimento da análise
funcional, da análise de Fourier entre outros. Sua teoria da integração alcançou alto
grau de abstração e generalização, e é considerada como uma das mais frutíferas do
século XX por suas múltiplas aplicações BOBADILLA,2012, pág.134)
A tese de Doutorado, onde aparecem os resultados fundamentais
relacionadas com a teoria da medida e integração de Lebesgue, por isso é
considerada a pedra angular de sua teoria, consiste em seis capítulos desenvolvidos
em 129 páginas. O primeiro capitulo é dedicado ao problema da medida e a definição
de conjuntos mensuráveis, seguido pela definição de funções mensuráveis. No
segundo capitulo se desenrola a teoria da integração, donde se demostram dois
resultados fundamentais da integral de Lebesgue, e que evidencia sua superioridade
com relação a Riemann: a integrabilidade se preserva com a passagem ao limite, e
toda derivada limitada é integrável. Os terceiro e quarto capítulos são dedicados para
92
a definição do comprimento de uma curva e a área de superfície, respectivamente.
Nos dois últimos capítulos Lebesgue se propõe a resolver dois problemas: encontrar
as superfícies correspondentes ponto a ponto em um plano, de modo que as
distancias se conservam, e dado um contorno fechado, encontrar uma superfície
limitada por este contorno com área mínima (BOBADILLA,2012, pág.135).
Incialmente aborda-se a construção da integral de Lebesgue de função
limitada definida em intervalo fechado, por construção das integrais superiores e
inferiores. Conceitua-se a medida exterior de Lebesgue afim de conceituar funções
mensuráveis, estabelecendo a mensurabilidade das funções simples. Por fim
conceitua-se a integral de Lebesgue de funções limitadas por integral de funções
simples.
4.3.2 A integral definida de Lebesgue
Lebesgue, introduziu sua integral definida com o intuito de calcular área de
determinadas superfícies planas. Para associar um número positivo a uma dessas
superfícies que será chamado a área da superfície, ele usou os fatos de que
superfícies planas congruentes tem áreas iguais e, que se uma superfície é formada
por uma reunião de outras superfícies que se interceptam duas a duas em, no máximo,
numa curva de sua fronteira, a área da reunião é a soma das áreas das superfícies
que a compõe.
O problema de calcular a área de superfícies planas fica fácil se esta é um
retângulo, no entanto, se a superfície tem fronteiras curvilíneas a área pode ser
calculada em termos de limites das áreas de retângulos que a cobrem interiormente
ou exteriormente. Supondo que a figura esteja contida numa sequência decrescente
de retângulos exteriores, a área é o ínfimo das áreas dos retângulos. Se a figura
estiver contida numa sequência crescente de retângulos interiores então a área será
a supremo das áreas desses retângulos.
Para definir a integral À ����~� �5 , pelo cálculo da área de uma superfície plana,
assim como já havia sido feito por Cauchy, Lebesgue inicialmente, tomou uma função � continua positiva, porém crescente, no intervalo fechado [+, �] e calculou a área da
superfície plana A limitada pelas retas � = +, � = �, w = 0 e a curva definida por w =���� (PIER, 1996).
93
A função � é limitada inferiormente por ��+� e superiormente por ����, pois,
por hipótese, é contínua e crescente, daí tem-se, ��+� ≤ ���� ≤ ���� se + ≤ � ≤ �. Tomando-se uma partição � do conjunto imagem [��+�, ����],
�: ��+� = wL < w? < wN < ⋯ < wÖ < wÖ�? < ⋯ < wP = ����
definem-se U intervalos, contidos no eixo � e assim definidos:
pL = Î� ∈ [+, �] ∶ ���� = wLÏ p? = Î� ∈ [+, �] ∶ wL < ���� ≤ w?Ï pN = Î� ∈ [+, �] ∶ w? < ���� ≤ wNÏ … … … … … … … … … … … …. pP = Î� ∈ [+, �] ∶ wP�? < ���� ≤ wPÏ.
Note que pL pode ser um ponto ou um intervalo fechado (depende das
características da função crescente), mas os demais são intervalos da forma ]¹, º]. Além disso, pL coincide com a imagem inversa de wL por � e que cada pÖ, coincide
com a imagem inversa do intervalo ]wÖ�?, w?] por �. Observa-se que os conjuntos pÖ com Å = 0,1,2, … , U induzem uma partição de [+, �] , tal que pÖ ∩ p� = ∅ sempre que Å ≠ Í, e simbolizando por X�pÖ� a medida de pÖ
, tem-se que:
X�[+, �]� = � X�pÖP
Ö�? �,
onde X�[+, �]� é a medida [+, �].
Dessa forma, para cada partição � que divide a imagem de � em U partes,
obtém-se dois polígonos, um no exterior da superfície plana A e outro no interior de
A, observa-se que cada um deles é constituído por U retângulos justapostos de base pÖ e altura wÖ, no caso do polígono exterior e, de base pÖ e altura wÖ�?, no caso do
polígono interior. A área de cada um dos dois polígonos é dada pela soma das áreas
desses retângulos.
94
Figura 21. As somas de Lebesgue para função crescente
Fonte: Autor,2016
A figura 21 representa as somas de Lebesgue com uma partição de cinco
pontos na imagem de �, onde o polígono inscrito é formado por cinco retângulos
inscritos pintados em vermelho; o polígono externo é formado por cinco retângulos
circunscritos pintados em azul.
Se U tende ao infinito, as amplitudes dos intervalos [wÖ�?, wÖ] tendem a zero e
assim a área dos polígonos interiores aumentam para um valor limite S e as áreas dos
polígonos exteriores diminuem para um valor limite s isto é,
A = A¥¹�∈℘ÎA�Ï v = ÅU��∈℘Îv�Ï
onde ℘ é o conjunto de todas partições de [��+�, ����]. Observa-se que a somas de
Lebesgue para função crescente, coincidem com as somas de Rieman-Darboux para
as integrais superiores e inferiores respectivamente, no caso de funções continuas,
que se indica por:
} ����~� = v : �5 } ����~� = A�
5 .
95
Quando os valores v e A se igualam diz-se que a função é integrável á
Lebesgue e, nesse caso, o valor comum é o valor da integral definida que é igual área
da superfície plana A que pode ser indicada por;
} ����~� = X�i��5 ,
onde X�i� é a área do conjunto A.
Da mesma forma, se a função é decrescente, cada intervalo da
partição ]wÖ�?, w?] da imagem corresponde ao intervalo ]�Ö�?, �Ö] e conduz á mesma
definição da integral.
Considere-se agora a função �: [+, �] → ℝ , positiva e limitada em [+, �], não
necessariamente monótona, tal que existem X e K com X ≤ ���� ≤ K onde X =ÅU�Î����, � ∈ [+, �]Ï K = A¥¹Î����, � ∈ [+, �]Ï. Com o objetivo de calcular a área da
superfície plana A limitada lateralmente pelas retas de equações � = + e � = �, abaixo
pelo eixo x e acima pelo gráfico de w = ����, particionando-se o conjunto imagem [X, K], cobre-se A por retângulos dois a dois justapostos.
Toma-se a partição � do intervalo fechado [X, K], definida assim
�: X = wL < w? < ⋯ < wÖ�? < wÖ < ⋯ < wP = K.
A imagem inversa de cada intervalo [wÖ�?, wÖ[ é um conjunto pÖ tal que
pÖ = -Ö¿]
¸�?
Onde cada intervalo:
-Ö¿ = [wÖ�?, wÖ], Å = 1,2,3, … , U
96
Figura 22. Soma inferior de Lebesgue
Fonte: Autor, 2016
Nessas condições as somas inferiores e exteriores são obtidas para essa
situação e escritas da mesma forma:
v� = X�pL�wL + � X�pÖ�PÖ�? wÖ .
A� = X�pL�wL + � X�pÖ�PÖ�? wÖ�?.
Se U tende ao infinito, as amplitudes dos intervalos [wÖ�?, wÖ] tendem a zero e
assim a área dos polígonos interiores aumentam para um valor limite S; as áreas dos
polígonos exteriores diminuem para um valor limite s isto é, A = A¥¹�∈℘ÎA�Ï
97
v = ÅU��∈℘Îv�Ï
onde ℘ é o conjunto de todas partições de [X, K]. Novamente se estabelecem para
as somas de Lebesgue de uma função não monótona, da mesma forma que
acontecem as somas de Riemann-Darboux, que dão origem as integrais superiores e
inferiores respectivamente, que se indica por:
} ����~� = v : �5 } ����~� = A�
5 .
Quando os valores v e A se igualam diz-se que a função é integrável á
Lebesgue e, nesse caso, o valor comum é o valor da integral definida que é igual área
do conjunto A que pode ser indicada por;
} ����~� = X�i��5 ,
onde X�i� é a área do conjunto A.
No caso mais geral em que a função �: [+, �] → ℝ não é monótona e pode ser
positiva e negativa, para calcular a área da superfície plana A, basta recorrer à
integrabilidade do módulo de �,
}|����|~� = X�i��5 .
Para interpretar a integral de Lebesgue em termos práticos é possível fazer
uma analogia entre as partições de Riemann e as de Lebesgue através do modo de
contar moedas feito por dois comerciantes:
Podemos dizer que, de acordo com o procedimento de Riemann, tenta-se somar os indivisíveis, considerando-os na ordem em que são fornecidos pela variação de x. Opera-se, portanto, como um comerciante sem método que conta as moedas e as notas de modo aleatório à medida que chegam às suas mãos. Nós operamos como um comerciante metódico que diz: eu tenho m (E1) moedas de um centavo, que valem 1.m(E1). eu tenho m (E2) moedas de cinco centavos, que valem 5. m (E2). eu tenho m (E3) moedas de dez centavos, que valem 10. m (E3). E assim por diante. Ao todo, eu tenho: S = 1.m(E1) + 5.m(E2) + 10.m(E3) + ...... (LESBEGUE 1996, p.181 APUD. OTTE,2007).
98
A proposta dessa analogia é deixar claro as diferenças entre os dois modos
de particionar como (PALLARO, 2006) acrescenta que:
Os dois procedimentos conduzirão, ao mesmo resultado pois, independentemente da quantidade de dinheiro que ele tenha, há apenas um número finito de notas para contar; mas para nós que temos de adicionar uma infinidade de indivisíveis, diferença entre os dois métodos é fundamental.
Lebesgue adota o procedimento de contagem do comerciante metódico,
agrupando valores iguais restritos a um intervalo.
4.3.3 A medida exterior de Lebesgue em ℝ .
Na secção anterior indicou-se a medida exterior de Lebesgue pela letra X e
assumiu-se a medida exterior de intervalos limitados da reta real pela diferença entre
as extremidades: X[+, �] = X]+, �[ = X]+, �] = X[+, �[ = � − +.
Nessa secção pretende-se conceituar a medida exterior de Lebesgue para
subconjuntos E ⊂ ℝ e atingir o conceito de função mensurável. ℘�ℝ� = Î∅, ℝ, ℕ,ℤ,ℚ, ℝ −ℚ, [+, �], ]+, �[, ]+, �], [+, �[ … Ï.
A medida exterior de Lebesgue, X� é uma função que tem domínio em uma ®-álgebra ℳ contida no conjunto das partes de ℝ: ℳ ⊂ ℘�ℝ� = Î∅, ℝ, ℕ,ℤ,ℚ, ℝ − ℚ, [+, �], ]+, �[, ]+, �], [+, �[ … Ï gerada pelo conjunto E ⊂ ℝ com as propriedades:
(1) Se p ∈ ℳ então o complementar de p, pÝ ∈ ℳ.
(2) Se para cada Å ∈ ℕ , pÖ ∈ ℳ então a união enumerável ⋃ pÖ ∈WÖ�? ℳ
e que assume valores positivos na reta real estendida: X�:ℳ → [0, +∞] = [0, +∞] = [0, +∞[ ∪ Î+∞Ï
com as seguintes propriedades:
(1) X��∅� = 0
(2) p ⊂ ⋃ pÖWÖ�? então X��p� ≤ ∑ X��pÖ� WÖ�? .
99
Para obter a medida exterior de um conjunto p ⊂ ℝ , considera-se uma
coleção de intervalos abertos Î-ÖÏ que cobrem p , isto é,
p ⊂ -Ö ,
e, para cada coleção considera-se a soma dos comprimentos dos intervalos da
coleção.
Desde que os comprimentos são números positivos, essa soma é unicamente
determinada e definida independentemente da ordem dos termos. Com essas
hipóteses define-se a medida exterior X��p� de p como sendo o ínfimo de todas essas
somas, e, simbolicamente se escreve (ROYDEN, 1968):
X��p� = ÅU�J⊂⋃�� � X�-Ö�.
Dessa definição decorre que: X��∅� = 0 , X��Î+Ï� = 0 e que se p ⊂ � então X��p� ≤ X���� . Sobre a medida exterior há dois resultados importantes que são colocados
em duas proposições:
Proposição 1: A medida de um intervalo é seu comprimento.
A demonstração pode ser encontrada em (ROYDEN, 1968) e ela garante que
a medida exterior dos intervalos finitos é a diferença das extremidades: X�[+, �] = X�]+, �[ = X�]+, �] = X�[+, �[ = � − +,
e a medida exterior de intervalos ilimitados é +∞, isto é X� = ]+, +∞[ = X�[+, +∞[ = +∞
e, portanto, a medida exterior de ℝ e da reta estendida ℝ = ℝ ∪ Î−∞, +∞Ï é também +∞.
Proposição 2. Seja Îi�Ï uma coleção enumerável de subconjuntos de números
reais. Então
X� �i�W
��? � ≤ � X��i��W��? .
100
Demonstração:
Se para algum i� tem-se, X��i�� = +∞, então a desigualdade é trivialmente
verdadeira. Assim pode-se assumir que para todo © tem-se X��i�� < +∞. Fixado ©,
existe uma cobertura de intervalos abertos �-���� tal que
i� ⊂ -Ö���WÖ�?
e dado ∈> 0,
� X�W
Ö�? >-Ö���@ ≤ X��i�� + M2�. Como se tem
i�W
��? ⊂ � -Ö���WÖ�? �W
��?
Segue então,
X� �i�W
��? � ≤ � �� X>-Ö���@WÖ�? �W
��? ≤ � >X��i�� + M2�@W��? = � X��i�� + MW
��? .
Desde que M > 0 é um número arbitrário, segue que,
X� �i�W
��? � ≤ � X��i��W��? .
Dessa proposição segue que se A é enumerável então X��i� = 0,e, assim
conclui-se que, a medida exterior do conjunto dos números racionais ℚ é igual a zero.
Deve-se a CARATHÓDORY (1873 – 1950), a seguinte a definição de conjunto
Lebesgue mensurável e essa definição também pode ser encontrada em (HÖNIG,
1977).
Definição 1: Um conjunto p ⊂ ℝ é dito mensurável a Lebesgue se para todo conjunto i ⊂ ℝ se tem: X��i� = X��i ∩ p� + X��i ∩ pÝ�, onde pÝ é o complementar de p.
Com essa definição é possível demonstrar os seguintes resultados:
(1) se X��p� = 0, então p é mensurável.
101
(2) se p? e pN são mensuráveis então p? ∪ pN é mensurável. E pensando no
conjunto, ℳ = Îp ⊂ ℝ: p X:UA¥oáÄ:¦Ï tem-se que ℳ é uma ® −álgebra ⊂ ℘�ℝ�.
Agora é preciso dizer quando uma propriedade vale quase sempre:
Definição 3: Seja p ⊂ ℝ mensurável. Uma propriedade � vale quase sempre, e será
indicada por : q.s, em p se o conjunto
Î� ∈ p: � U㧠Ä+¦: :X � Ï tem medida nula. Por exemplos:
(1) seja a função �: ℝ → ℝ , definida por:
���� = �A:U j1�k , � ≠ 0.0, � = 0
f só é descontinua em Î0Ï e X�Î0Ï� = 0, e portanto � é q.s continua em ℝ.
(2) seja a função �: ℝ → ℝ , definida por:
���� = [�] = ÎU ∈ ℤ: U ≤ �Ï
é descontínua em ℤ e X�ℤ� = 0 , logo f é q.s contínua em ℝ. O gráfico dessa
função apresenta degraus paralelos aos eixos x de altura n. Essa função será
chamada de função simples.
(4) seja a função �: [0,1] → ℝ , definida por:
(5)
���� = ó1, � ∈ [0,1] ∩ ℚ0, � ∉ [0,1] ∩ ℚ
���� = 1 q.s , pois X�Î� ∈ [0,1]: ���� ≠ 1Ï� = 0
O conceito de função mensurável é posto na seguinte definição, que se
encontra em (ROEDEN ,1968, pág. 66):
102
Definição 2: Seja p ⊂ ℝ mensurável. Uma função, �: p → ℝ = ℝ ∪ Î−∞, +∞Ï é mesurável se satisfaz uma das seguintes propriedades equivalentes:
(1) para todo å ∈ ℝ o conjunto Î� ∈ p: ���� > åÏ é mesurável.
(2) para todo å ∈ ℝ o conjunto Î� ∈ p: ���� ≥ åÏ é mesurável.
(3) para todo å ∈ ℝ o conjunto Î� ∈ p: ���� < åÏ é mesurável.
(4) para todo å ∈ ℝ o conjunto Î� ∈ p: ���� ≤ åÏ é mesurável.
A função característica de um conjunto i ⊂ p mensurável, definida por:
�I��� = �1, � ∈ i0, � ∉ i
é uma função mensurável. A integral de Lebesgue da função característica de i é
definida por:
} �I���~� = X��i�I
Assim se considerar, a função característica do conjunto ℚ ∩ [0,1] tem-se que:
} �I���~� = X��ℚ∩ [0,1] � = 0ℚ∩[L,?]
Uma função simples é uma combinação linear de funções características.
Considere-se p = ⋃ pÖPÖ�? , com cada pÖ mensurável e pÖ ∩ p� , Å ≠ Í . Sejam dados U
números reais +Ö ∈ ℝ. A função �: p → ℝ definida por:
���� = � +ÖP
�? �J����
é mensurável e chama-se função simples. A integral de Lebesgue da função simples � é definida por:
} ����~� =J � +ÖP
�? X��p�.
103
Por exemplo. Considere-se a função simples �: [0,1] → ℝ e seja p = Î� ∈ ℚ ∩ [0,1]Ï definida por:
���� = ó3, � ∈ ℚ ∩ [0,1]2, � ∉ ℚ ∩ [0,1]
Isto é, ���� é a seguinte combinação linear: ���� = 3. �J��� + 2�J����.
A integral de Lebesgue de � é calculada por:
} ����~� =[L,?] 3X��ℚ∩ [0,1]� + 2X��� ∉ ℚ ∩ [0,1]� = 3.0 + 2.1 = 2
Duas propriedades para funções simples, são essências para os
desenvolvimentos futuros: Sejam �,�: p → ℝ funções simples e sejam +, � ∈ ℝ então
valem as seguintes propriedades:
(1) À �+���� + ������~� = + À ����~� + � À ����~�JJJ
(2) se � ≤ � em E, então À ����~� ≤ À ����~�JJ
Por exemplo, considere as seguintes funções simples: �: [0,1] → ℝ � → ���� = 3��� + 2�ë?N,Lë���
�: [0,1] → ℝ � → ���� = �êL,?që��� + 4�ë?q,Nqë��� + 5�ëNq,?ë���
Então, � + �: [0,1] → ℝ �� + ����� = 4�êL,?që��� + 7�ë?q,?Në��� + 6�ë?N,Nqë��� + 7�ëNq,?ë���
e a integral da soma
104
} �� + �����~� = 4X� jì0, 13ík + 7X� jí13 , 12ík + 6X� jí12 , 23ík + 7X� jí23 , 1ík[L,?] =
= 43 + 76 + 1 + 73 = 356
Conclui-se essa secção exibindo outras propriedades das funções
mensuráveis. Se as funções � e , são quase sempre continuas e um número real
então �, ,, �, � + ,, �, são mensuráveis BARTLE,1995, pág11).
O próximo item tratará da construção da integral de Lebesgue de funções
limitadas definidas em conjunto mensurável, como aproximação por integral de função
simples.
4.3.4 A integral de Lebesgue para funções limitadas
É fácil perceber que, no item 4.3.2, quando se introduziu a integral de
Lebesgue para funções continuas definidas em intervalo [+, �], as coberturas
interiores e exteriores dadas pela partição da imagem, nada mais são que funções
simples, cujos gráficos cobrem a superfície. Agora já se sabe calcular integral de
função simples, então a ideia é fazer com que a integral de uma função � limitada
definida em conjunto p , com X��E� < +∞. O seguinte teorema dá o passo para a
definição da integral de Lebesgue para essas funções.
Teorema: Seja �: p → ℝ , limitada e X��E� < +∞. Sejam:
ÅU���� } ����~� = ÅU� �} ����~�: � ≤ �,J � AÅX¹¦:A�J
A¥¹��� } ����~� = A¥¹ �} ����~�:� ≤ �,J � AÅX¹¦:A�J
Tem-se então: ÅU���� À ����~� = A¥¹��� À ����~�JJ , se e somente se, f é mensurável.
105
Com base nesse resultado define-se a integral de Lebesgue:
Definição: Seja �: p → ℝ , função limitada e mensurável, e X��E� < +∞. A integral de
Lebesgue de � sobre p é definida por:
} ����~� =J ÅU���� } ����~� =J A¥¹��� } ����~�J
onde � e � são funções simples.
A integral de Lebesgue satisfaz as seguintes propriedades: sejam funções
limitadas mensuráveis �, , → ℝ com X��E� < +∞,e, seja ∈ ℝ, então valem as
propriedades:
(1) À +����~� = +J À ����~�J
(2) À �� + ,����~� = À ����~�J + À ,���~�JJ
(3) Se � = 0 , quase sempre, então À ����~� = 0J
Para exemplificar a propriedade (3) considere a função �[0,1] → ℝ definida
por:
���� = ó0, � ∈ ℚ ∩ [0,1]1, � ∉ ℚ ∩ [0,1] ,
que é nula em ℚ∩ [0,1]. Então a integral de Lebesgue é zero. Isto é À ����~� = 0[L,?] .
Percebe-se então que Lebesgue pretendia generalizar a integral de Riemann
pelo conceito de funções simples, e com isto criou também uma teoria axiomática para
o operador integral, que se baseia a Teoria da Medida e Integração que se pratica em
cursos de Matemática Pura.
106
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho objetivou descrever e analisar a evolução dos conceitos de
integrais e funções integráveis por três diferentes e complementares pontos de vista:
o histórico, o filosófico e o matemático, e tentou ilustrar e substanciar a seguinte
hipótese geral: “O progresso das Ciências e da Matemática foi concebido, até certo
grau, como um processo de desenvolvimento de seus objetos e de sua particular
noção de realidade”.
O conceito de função, isto é, a intensão do conceito função, evoluiu
praticamente junto com o conceito de continuidade, percorreu um caminho longo até
as definições de Euler e Cauchy e se beneficiou enormemente da Semiótica quando
foram associadas suas representações geométricas e algébricas. A intensão de
integrabilidade nasceu com o método da quadratura de figuras planas utilizado na
Grécia Antiga, e evoluiu, graças ao método dos indivisíveis de Cavalieri, para o cálculo
de áreas limitadas pelos gráficos de certas funções feito por Fermat. Foi o
desenvolvimento e evolução da intensão do conceito de função contínua que permitiu
a evolução de cálculo de áreas de figuras planas para o surgimento da intensão do
conceito de integral.
O século XVII foi um marco no desenvolvimento do cálculo integral, tendo
como representantes Fermat, Wallis e Barrow, os quais basearam seus estudos no
método dos indivisíveis de Cavalieri e criaram uma integral aritmética que calculava
área sob algumas curvas. Posteriormente, Newton, inspirado pelos trabalhos de
Barrow, estabeleceu o cálculo integral como a operação inversa da derivação.
Similarmente a Newton, Leibniz construiu a integral definida para derivadas contínuas,
atualmente conhecida como Teorema Fundamental do Cálculo. Neste caso, percebe-
se claramente a evolução de uma abordagem aritmética do problema para uma
abordagem complementar algébrica. Percebe-se a mudança de uma abordagem
intuitiva para uma abordagem complementar formal. A intensão do cálculo integral de
Leibniz foi aperfeiçoar o uso da integral para calcular áreas de superfícies planas e
aplicá-la em outras áreas científicas, nas quais certos fenômenos são resultado do
produto de duas grandezas e cuja representação semiótica sugere um cálculo de
“área”. Dessa forma a extensão do conceito de integral se ampliou enormemente.
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No século XVIII, por meio das contribuições de Euler e Cauchy, estabeleceu-
se com mais rigor a intensão das funções e das funções contínuas, como conhecemos
hoje, o que permitiu a evolução da intensão do conceito de função integrável.
Na época do processo conhecido como Aritmetização da Matemática, em
meados do século XIX, Cauchy, trabalhando com a intensão do conceito de funções
contínuas, desenvolveu o conceito de integral definida e como consequência pode
calcular a área de subconjuntos do plano limitados pelas retas verticais � = + e � = �,
pelo eixo x e pelo gráfico da função continua w = ���� definida no intervalo fechado [+, �]. Riemann generalizou as somas de Cauchy, impondo limitações mais fracas
para as funções. Dessa forma, a integral de Riemann é uma generalização da integral
de Cauchy que permite calcular a integral de certas funções limitadas, como por
exemplo, as funções descontínuas em apenas um conjunto finito de pontos.
Lebesgue, por meio da Teoria da Medida Exterior, definiu a intensão de
funções mensuráveis e passou a estudar a questão da integrabilidade sobre essa de
funções. A integral de Lebesgue foi obtida pela partição do conjunto imagem da
função, recobrindo a superfície plana, limitada pelo gráfico da função e o eixo x, por
certas funções chamadas simples. Lebesgue trabalha com uma visão complementar
à visão de Riemann, e que estende a intensão do conceito de integrabilidade para um
conjunto mais amplo de funções.
Reafirma-se que a História da Matemática se ocupa em descrever os
processos de crescimento e desenvolvimento da Matemática, ao passo que a Filosofia
da Matemática se preocupa com as questões passíveis de justificativas dessa ciência.
Ambas desempenham um papel fundamental no contexto educacional. Entretanto,
existe uma disparidade entre elas. A História e a Filosofia da Matemática percorrem a
mesma estrada em sentidos complementares. Enquanto a primeira procura cada vez
mais por particularidades, a segunda persegue incansavelmente a generalidade.
Ao longo deste trabalho esperamos ter dado um exemplo de que “o progresso
das Ciências e da Matemática foi concebido, até certo grau, como um processo de
desenvolvimento de seus objetos e de sua particular noção de realidade”. Nesse
processo de desenvolvimento do conceito estudado, percebe-se claramente a
mudança das intensões dos conceitos de funções integráveis, e, isso se deu sempre
graças a um jogo de complementaridades entre a Aritmética e a Álgebra, entre a
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Geometria e a Álgebra, entre o contínuo e o discreto, entre a intuição e o formalismo,
sempre na perseguição incansável de generalizações do conceito de funções
integráveis.
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