UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHO CENTRO DE CINCIAS HUMANAS
MESTRADO EM CINCIAS SOCIAIS
JOS BARROS FILHO
A TRADIO ENGAJADA: origens, redes e recursos eleitorais no percurso de um agente
So Lus 2007
JOS BARROS FILHO
A TRADIO ENGAJADA: origens, redes e recursos eleitorais no percurso de um agente
Dissertao de Mestrado em Cincias Sociais apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Cincias Sociais da Universidade Federal do Maranho para defesa pblica
Orientador: Prof. Dr. Igor Gastal Grill
So Lus 2007
JOS BARROS FILHO
Barros Filho, Jos. A tradio engajada: origens, redes recursos eleitorais no percurso de
um agente / Jos Barros Filho. So Lus, 2007.
160f.
Impresso por computador (fotocpia).
Orientador: Igor Gastal Grill
Dissertao (Mestrado) Universidade Federal do Maranho, Centro
de Cincias Humanas, 2007.
A TRADIO ENGAJADA: origens, redes e recursos eleitorais no percurso de um agente
Dissertao de Mestrado em Cincias Sociais apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Cincias Sociais da Universidade Federal do Maranho para defesa pblica
Aprovada em _____/_____/_____
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________ Prof. Dr. Igor Gastal Grill (Orientador)
Doutor em Cincia Poltica Universidade Federal do Maranho
__________________________________________ Prof. Dr. Maria de Ftima da Costa Gonalves
Doutora em Polticas Pblicas Universidade Federal do Maranho
__________________________________________
Prof. Dr. Csar Barreira Doutor em Sociologia
Universidade Federal do Cear
AGRADECIMENTOS
A minha me, Dona Deuza, pelo carinho e pacincia de sempre.
Ao seu Z Barros, meu pai, figura de algum modo sempre presente em tudo que fazemos.
Aos meus irmos pelo convvio, apoio e amizade.
A Renata, com quem compartilho muito desse trabalho, por cotidianamente me fazer r-amar.
Aos colegas do mestrado, especialmente a Amanda, Gerson, Carlos, Ernesto, Christianne e
Bruno.
A Nonato Penha, pela ajuda de sempre.
A Sislene, pela fora nas tradues.
Aos professores do Programa, muito especialmente Sandra Nascimento, Maristela de Paula
Andrade, Beta, Carlo, Bin, Horcio Antunes e Srgio Ferreti.
s professoras Arleth Borges e Beta pelos valiosos comentrios na banca de qualificao.
professora Maria de Ftima Gonalves pelo incentivo, ajudas e inspirao, minha sempre
gratido.
Ao professor Igor Gastal Grill pela disposio permanente em discutir e orientar esse
trabalho.
FAPEMA pela concesso da bolsa de pesquisa.
RESUMO
Este trabalho procura focalizar as diferentes lgicas que unem recursos sociais, herana poltica e atividade profissional, atravs da anlise do percurso de Flvio Dino de Castro e Costa. Num primeiro momento, estudo as origens sociais do agente, atentando para o perfil familiar e as relaes deste com diferentes concepes e prticas polticas. Relaciono a constituio de alianas polticas para o enfrentamento de problemticas legtimas referidas ao espao jurdico; e uma produo intelectual movida pelo desejo de interveno em questes sociais ao itinerrio profissional do agente no campo do direito, marcado pela militncia poltica. Procuro ainda compreender as estratgias de reconverso de diferentes recursos sociais em bases eleitorais a partir da anlise de sua candidatura a deputado federal pelo Estado do Maranho, nas eleies de 2006. Destaco, para tanto, os trunfos constitudos no espao profissional, as redes de relaes pessoais e polticas que lhe possibilitaram atuar como mediador de interesses de bases eleitorais junto aos centros do poder. Entra em jogo aqui a mobilizao de cadeias de lderes-seguidores, marcadas por relaes de reciprocidade e trocas entre bases eleitorais e candidato, com vistas criao e cultivo de alianas polticas. Por ltimo, busco examinar a constituio de uma rede de grandes eleitores para a disputa eleitoral, privilegiando no somente divises polticas mais institucionalizadas, como os partidos, mas centrando a anlise no modo como o candidato agencia recursos para compor uma rede poltica em torno de seu empreendimento eleitoral, rede esta atravessada por diferentes lgicas parentesco, relaes pessoais, alianas polticas com bases em laos de reciprocidade, adeso a faces e servios jurdicos. Palavra-chave: herana poltica; recursos eleitorais; mediao; redes polticas.
RSUM Ce travail vise focaliser sur les diffrents logiques que unissent ressources sociaux, hritage politique et activit profissionelle, travers de lanalyse du parcours de Flvio Dino de Castro et Costa. Dabord, jtudie les origines sociaux du agent, en faisant attention au profil familial et ses relations avec diffrents conceptions et pratiques politiques. Je rapporte la constitution des alliances politiques pour des problmatiques lgitimes du champ juridique, et une production intellectuelle qui se dplace pour le dsir dintervenir en questions sociaux dans le parcours profissionel du agent dans le champ du droit, remarqu par la lutte politique. Je vise aussi compreendre les estratgies de reconversion des diffrents ressources sociaux en bases lectoraux a partir de lanalyse de leur candidature deput fdral pour l tat du Maranho, dans les lections de 2006. Je remarque les atouts constitus dans le champ profissionel, les reseaux de relations personnelles et politiques, lesquelles lui a permi agir comme mdiauteur des intrts de bases lectoraux, auprs des centres des pouvoirs. Entre en Jeux ici la mobilisation des chaines des lderes-suivantes, remarqu par relations de rciprocit et changes entre bases lectourax et candidats, en visant la cration et la culture de alliances politiques. Enfin, Je veux examiner la constitution de un rseau des grands lecteurs en direction la dispute lectoral, en privilgiant non seulement les divisions politiques mais aussi les divisions, par exemple les parti, mais en centrant lanalyse dans la manire comme le candidat les ressources afin de composer un rseau politique vers leur enteprise lectoral, ce que est travess par diffrents logiques parent, relations personnels, alliances politiques avec bases en liens de rciprocit, adhsion factions et services juridiques. Mots-cls: hritage politique; ressources lectoraux; rseaux politiques
LISTA DE SIGLAS
ADEPOL Associao dos Delegados de Polcia
AJUFE Associao dos Juizes Federais
APROAB Associao dos Professores de Direito Ambiental do Brasil
APRUMA Associao dos Professores da UFMA
AML Academia Maranhense de Letras
AMLJ Academia Maranhense de Letras Jurdicas
APEM Arquivo Pblico do Estado do Maranho
ARENA Aliana Nacional Renovadora
DCE Diretrio Central
FAMEM Federao dos Municpios do Estado do Maranho
IAJUP Instituto de Apoio Jurdico Popular
IHGM Instituto Histrico e Geogrfico do Maranho
PAN Partido dos Aposentados do Brasil
PDC Partido Democrata Cristo
PDS Partido Democrata Social
PFL Partido da Frente Liberal
PT Partido dos Trabalhadores
PSDB Partido da Social Democracia Brasileira
UJS Unio da Juventude Socialista
PC do B Partido Comunista do Brasil
SIOGE Servio de Imprensa Oficial do Governo do Estado
SINPROESSEMA Sindicato dos Professores do Ensino Mdio do Maranho
STF Supremo Tribunal Federal
TRE Tribunal Regional Eleitoral
UFMA Universidade Federal do Maranho
UMES Unio Municipal de Estudantes
LISTA DE QUADROS E TABELA
Quadro 1 Subsdios para anlise das posies de Nicolau Dino de Castro e Costa ......
23
Quadro 2 Cargos ocupados por Slvio Dino de Castro e Costa no governo estadual ...
29
Quadro 3 Subsdios para anlise das posies de Slvio Dino de Castro e Costa .........
31
Quadro 4 Posies poltico-institucionais de Flvio Dino e (dis)posies em sua produo intelectual .......................................................................................
56
Quadro 5 Quadro sintico sobre material de campanha de Flvio Dino........................ 83
Quadro 6 Quadro sintico sobre material de propaganda de aliados de Flvio Dino.................................................................................................................
105
Quadro 7 Principais votaes de Flvio Dino indicadas por municpios e alguns dos respectivos apoiadores....................................................................................
109
Tabela 1 Profisses e ocupaes declaradas no Manifesto da Sociedade Civil em apoio a Flvio Dino Deputado Federal......................................................... 98
LISTA DE ILUSTRAES
Ilustrao 1 Genealogia de Flvio Dino Castro e Costa ...........................................
42
Ilustrao 2 Flvio Dino em entrevista ao programa da TV Difusora de Caxias.... 72
Ilustrao 3 Manchete sobre liberao de recursos no Jornal de Verdade............ 74
Ilustrao 4 Associao entre Vidigal, um caxiense, e Flvio Dino, um mediador ......................................................................................
78
Ilustrao 5 Imagem de vdeo sobre solenidade mostra conversa de Flvio Dino com Marco Aurlio de Mello, Ministro do STF........................................................................................................
79
Ilustrao 6 Flvio Dino com Nelson Jobim, ento Ministro do STF....................... 79
Ilustrao 7 Imagens de vdeo com registro de Flvio Dino atuando como secretrio-geral do CNJ.........................................................................
79
Ilustrao 8 A proximidade com o poder: foto de Flvio Dino em conversa com Pedro Malan, ento ministro da Fazenda do Brasil..............................
79
Ilustrao 9 Insero do candidato Flvio Dino no Horrio Eleitoral Gratuito exibido na TV, uma externa feita em frente ao prdio do STF, em Braslia....................................................................................................
90
Ilustrao 10 Material de campanha da candidata Cleide Coutinho............................
103
Ilustrao 11 Rede poltica da campanha de Flvio Dino identificada pela pesquisa.
113
Ilustrao 12 Mapeamento de apoiadores por municpio, no Estado do Maranho.... 114
Ilustrao 13 Reportagem mostrando o candidato Flvio Dino em conversa com Aldo Rabelo, deputado federal pelo PC do B e presidente da Cmara dos Deputados ....................................................................................... 120
SUMRIO
1 INTRODUO ................................................................................................................... 13
1.1 Redes, faces e mediao: noes para pensar o trabalho ............................................... 16
1.2 Notas sobre o trabalho de campo .................................................................................... 19
2 PATRIMNIO SIMBLICO FAMILIAR: estratgias de consagrao e reproduo
da vocao ............................................................................................................................
21
2.1 Posies e disposies de Slvio Dino de Castro e Costa .............................................. 26
2.2 Transmitindo a herana ...................................................................................................
32
2.3 Trajetria de um herdeiro ...............................................................................................
43
2.3.1 Produo intelectual: imbricaes entre o direito ordinrio e a poltica extraordinria... 49
2.3.2 Estreando com legitimidade ............................................................................................ 53
3 A CONSTRUO PBLICA DO CANDIDATO ........................................................... 61
3.1. A busca do reconhecimento pblico como poltico ...................................................... 61
3.2 Diferentes modalidades de campanha e de apresentao ............................................ 66
3.2.1 Gestar identidades, gerir relaes ................................................................................... 67
3.2.2 Recursos instrumentais: mediao de recursos pblicos e a lgica poltica de
compromissos e empenhos eleitorais ......................................................................................
72
3.2.3 Propaganda poltica e diversidade de bases sociais de apoio .......................................... 80
3.2.3.1 Atividade profissional, ttulos sociais e reconverses na poltica................................. 88
3.2.3.2 O manifesto do voto de opinio ................................................................................ 94
3.2.3.3 Mediando conscincias: disputas pelo voto de opinio ............................................ 99
3.2.3.2 O que dizem os panfletos dos aliados polticos........................................................ 101
4. REDES E RELAES ATUALIZADAS NA CAMPANHA ELEITORAL ............... 108
4.1 Conjunto de ao ideolgico e o voto de opinio como trunfo ................................. 115
4.1.1 O professor-discpulo ...................................................................................................... 116
4.1.2 Dirigente do PC do B...................................................................................................... 118
4.2 Investidura faccional e ampliao das bases eleitorais ................................................. 121
4.2.1 O vereador empresrio..................................................................................................... 122
4.2.2 O secretrio de governo ................................................................................................... 126
4.3 Etnografia de um grupo de apoiadores ......................................................................... 128
4.3.1 O comcio ........................................................................................................................ 131
4.3.2 Dia seguinte ao comcio .................................................................................................. 134
4.3.3 Conversa com um sub-lder ............................................................................................ 135
4. 4 Acompanhando as atividades de campanha do candidato .......................................... 140
4.5 Trnsito, identidades e interdies: quem votou em Flvio Dino? ................................ 144
5. CONSIDERAES FINAIS ........................................................................................... 148
REFERNCIAS .................................................................................................................... 152
ANEXO................................................................................................................................. 160
13
1. INTRODUO
O objetivo dessa dissertao apreender as lgicas, processos e formas de relao
entre origens sociais e tomadas de posio no trabalho de mobilizao de recursos sociais
para constituio de redes com vistas disputa eleitoral. Tomo como estratgia de anlise o
esquadrinhamento do percurso de um agente, Flvio Dino de Castro e Costa, filho de uma
famlia com tradicional presena na poltica e no espao jurdico no Maranho, que
mobiliza recursos oriundos desses espaos na empresa de volta1 poltica aps 16 anos de
magistratura federal e ocupao de funes pblicas de destaque.
Com base nessa perspectiva, a anlise da trajetria de Flvio Dino pode servir
para entender a maneira como este agente incorpora prticas, concepes de poltica, se
estabelece em campos de saber e poder, reatualizando heranas familiares, rede de relaes
pessoais, espaos de socializao poltica2. Na primeira parte do trabalho, destaco o percurso
de Flvio Dino at a sua volta poltica. A ateno se volta para as origens sociais do
agente, bem como seu itinerrio escolar e profissional e como se relacionam com tomadas de
posio do agente em relao poltica, ao direito e intelectualidade.
Foco na descrio do agente sobre seu convvio com a poltica e com o
direito, para evidenciar os processos de familiaridade com e familiarizao desses
espaos que implicaram na ratificao do investimento familiar sob forma de vocao em
seguir a profisso jurdica e a poltica.
Pierre Bourdieu inspira parte deste trabalho e, desse modo, assume importncia na
anlise os condicionantes sociais no percurso do agente, estudados a partir de informaes
concernentes origem social, caractersticas sociais (formao escolar, famlia, espaos de
socializao, formao religiosa), bem como os princpios de hierarquizao e estruturao
dos capitais que definem a legitimidade do poder no espao jurdico e poltico.
Nestes espaos sociais, os agentes esto posicionados com capitais, podendo
lanar mo de recursos, acionar esquemas de percepo e apreciao, gerando prticas sociais.
1 No trabalho, as aspas duplas so empregadas para marcar citaes e categorias nativas. O itlico ser usado como marcador de categorias e recursos tericos, assim como termos em lngua estrangeira. 2 Grynspan estudou as relaes de patronagem no Brasil a partir da anlise da trajetria poltica de Tenrio Cavalcante. Assim se refere ao valor eurstico da anlise de trajetrias individuais: [...]o exame de trajetrias individuais nos permite avaliar estratgias e aes de atores em diferentes situaes e posies sociais, seus movimentos, seus recursos, as formas como os utilizam ou procuram maximiz-los, suas redes de relaes, como se estruturam, como as acionam, nelas se locomovem ou as abandonam. Centrando nossa ateno em atores estamos, ao mesmo tempo, refletindo sobre padres e mecanismos sociais mais amplos. (GRYNSPAN, 1990, p.2).
14
Os trunfos acumulados, os capitais adquiridos e potencializados e as reconverses
desses capitais importam em modificaes de estratgias sociais. Assim, as opes, carreiras e
estratgias sero objetivadas a partir do mapeamento dos possveis em cada momento, fruto
do cruzamento entre os princpios de hierarquizao do espao social com as posies do
agente.
Em relao ao Brasil, no entanto, outras lgicas podem colaborar na elucidao da
configurao que pretendo estudar, os quais se baseiam em relaes de parentesco,
patronagem, amizade, bem como o capital social3 acumulado pelo agente. Coradini chama
ateno para as relaes polticas em condies perifricas, se d por meio de lgicas
personificadas em redes de reciprocidade, dom e na personificao de qualidades4.
O estudo de Daniel Pcaut (1990) sobre as relaes entre intelectualidade e
poltica no Brasil, indica que a idia de um campo intelectual orientado por idias de
autonomia no se enquadra nas vrias conjunturas intelectuais no Brasil, nas quais, boa parte
dos intelectuais subordinam sua produo cultural a demandas polticas, a que o autor chamou
de realismo.
No tpico Patrimnio Simblico Familiar: estratgias de consagrao e
reproduo da vocao busco recompor a trajetria da famlia Castro e Costa, traar as
propriedades de posio de cada agente para entender o sistema de relaes sociais no qual se
movem. imprescindvel a anlise dos espaos que possibilitaram a aquisio de disposies
sociais. No caso de Flvio Dino, traar esses espaos possibilitou visualizar em que medida
suas prticas polticas relacionam-se com as disposies adquiridas e expressas no convvio
de sua famlia com a poltica, no engajamento em causas polticas, no recrutamento, quando
adolescente, por organizaes polticas de esquerda.
Procuro ainda analisar a produo intelectual, atentando para o lugar institucional
de fala do agente nos diversos momentos, a tomada de posio diante de temas e problemas, a
escolha dentre os possveis e o conjunto de outros agentes envolvidos nas disputas pela
definio legtima dessas questes.
3 Para Bourdieu capital social o conjunto de recursos atuais ou potenciais que esto ligados posse de uma rede durvel de relaes mais ou menos institucionalizadas de interconhecimento e inter-reconhecimento ou, em outros termos, vinculao a um grupo, como conjunto de agentes que no somente so dotados de propriedades comuns [...] mas tambm so unidos por lugares permanentes e teis. (BOURDIEU, 2001a, p.67-69). 4 Cabe aqui assinalar a utilizao problemtica da noo de campo de Pierre Bourdieu em relao ao contexto brasileiro, uma vez que, como indica Coradini [...]em condies perifricas, no haveria processo histrico nessa situao de relativa autonomizao dos diferentes campos, as relaes entre a constituio dos agentes, ou suas respectivas estruturas de capital e disposies, e as tomadas de posio implicariam, em graus mais elevados, outras lgicas sociais. (CORADINI, 2003, p.1).
15
Ressalto a maneira como ascendentes e descendentes, tendo por suporte o capital
social de que dispem, articulam poltica, direito e produo literria num amlgama de
tradio familiar e descoberta de vocaes individuais de seus membros.
Aps situar o agente e suas relaes constitudas nas experincias familiares,
intelectuais, polticas e profissionais, parto para entender que concepes o agente incorpora
para falar como ex-juiz que se tornou poltico, sem para tanto, constituir relaes muito
diferentes das quais j mantinha.
A estratgia de anlise se volta para as condies de retorno de Flvio Dino
poltica eleitoral. Quais os trunfos mobilizados para o seu investimento na poltica? Que rede
poltica constri em torno de sua candidatura a deputado federal? Quais so os elementos
dessa trajetria oferecidos em forma de smbolos a serem consumidos pelo eleitorado?
Nesta parte do trabalho, a inteno analisar quais os critrios acionados para a
construo da imagem de Flvio Dino como homem poltico, isto , de que princpios
classificatrios se parte para apresent-lo no espao de concorrncia poltica. Entra em jogo a
consecuo de estratgias5 na arena eleitoral, atualizados pela dinmica deste espao de
competio, com vistas constituio de bases eleitorais. Esto em jogo ainda as formas de
apresentao poltica e como as mesmas se relacionam aos variados recursos sociais e
polticos de que dispe o agente, tais como ttulos profissionais, condio prvia de liderana
em determinadas reas, redes pessoais e polticas reatualizadas, a condio de mediador de
demandas regionais, etc,.
Na anlise de como Flvio Dino constri regies6 para si, inicialmente, dou
relevo s auto-classificaes que funcionam para o agente como um rito de instituio
(BOURDIEU, 1998) no espao poltico-eleitoral. Esquadrinhar essas auto-classificaes
significa entender as concepes de poltica de que o agente lana mo em sua empresa
poltico-eleitoral.
Antes de uma questo abstrata, que remete para uma idealizao da poltica com
atividade caracterizada por certos valores, princpios, o que pretendo aqui explicar como ela
5 Diferente do sentido comum, que remete para a idia de algo planejado, de clculo racional, estratgia aqui se baseia na idia de Pierre Bourdieu, isto , como conhecimento incorporado que os agentes sociais adquirem ao longo do tempo e de suas vidas: Ela [estratgia] produto do senso prtico como sentido do jogo, de um jogo social particular, historicamente definido, que se adquire desde a infncia, participando das atividades sociais [...] O bom jogador [...] faz a todo instante o que deve ser feito, o que o jogo demanda e exige. Isso supe uma inveno permanente, indispensvel para se adaptar s situaes indefinidamente variadas, nunca perfeitamente idnticas. (BOURDIEU, 1990, p.81). 6 Configurar uma regio neste trabalho no remete a critrios geogrficos e fsicos, mas a representaes mentais que produzem, por atos de magia social, sua prpria legitimao atravs da ordenao do real (BOURDIEU, 2004b, p.116).
16
pensada em certas situaes. Trata-se de considerar a poltica como uma prtica social que
no necessariamente coincide com os modelos e tipos eleitos como legtimos em cada
contexto7. No estudo das relaes polticas de um agente, poder-se-ia priorizar apenas as
agncias formais como partido, organizaes sindicais, parlamentos etc., normatizando as
relaes por critrios prvios que, muitas vezes, no contemplam a complexidade dos
elementos em jogo.
1.1 Redes, faces e mediao: noes para pensar o trabalho
Para examinar os problemas e temas levantados, no intuito de decompor a
realidade emprica e recomp-la, procuro utilizar instrumentos analticos que dem conta da
dinmica e instncias prprias da situao estudada. Exponho aqui os principais referenciais
analticos acionados, sobretudo, para estudar a reconverso de origens, trajetrias, ttulos em
recursos mobilizados na conformao de bases polticas. Algumas noes ganham
centralidade nesse trabalho para compreender a dinmica e o alcance do que se pretende
estudar. So elas as noes de rede, faco e mediao.
Quanto noo de faco, como afirma Palmeira:
H mltiplas definies de faces, mas entre os antroplogos h um certo consenso de que se trata de unidade de conflito, cujos membros so arregimentados por um lder com base em princpios variados. Em geral, esto em jogo conflitos considerados polticos (envolvendo o uso do poder pblico). As faces no so grupos corporados (via de regra os autores pensam-nas como quase-grupos, grupos didicos no corporados etc.). (PAMEIRA, 1996, p.54, nota 5)
Land caracteriza faco como formada por membros instveis, durao incerta,
liderana personalstica, ausncia de organizao formal e um interesse maior por poder e
esplios do que por ideologia ou poltica. (LAND, 1977, p. 73). As faces so controladas
e o recrutamento de seus componentes feito por um lder. Em funo dos objetivos desse
lder que a faco existe.
Na definio de Mayer:
7 Endosso a perspectiva de que no se deve buscar uma essncia do que seja poltico, mas pensar as relaes sociais em que a poltica aparece. Essa perspectiva sintetizada por Palmeira e Barreira: [...] trata-se menos de discutir em abstrato as relaes entre o domnio poltico e o Estado do que de interrogar a poltica que feita, a poltica que as pessoas dizem fazer ou que identificam como sendo feita pelos outros [...] significa dizer que no h limites atribudos a priori ao que possa ser pensado e vivido como prprio da poltica e que eventuais limites, socialmente construdos, no gozam do privilgio da imutabilidade. (PALMEIRA; BARREIRA, 2006, p.9).
17
[...] as faces so unidades de conflito acionadas em ocasies especficas. As faces so vagamente ordenadas, suas bases de arregimentao so estruturalmente diversas e tornam-se manifestas por meio de uma interconexo de autoridade pessoal entre lder e seguidor. Baseiam-se, tambm, muito mais em transaes do que em questes de princpio, e podem ter como ncleo grupos ou cliques8. (MAYER, 1987, p.149).
J o conceito de rede poltica tem um alcance positivo quando se quer analisar o
capital de relaes de um agente, acumulado ao longo de seu itinerrio e como o mesmo
mobilizado para um fim especfico. Pode-se compreender as associaes polticas a partir do
compartilhamento, pelos membros do grupo, de critrios de adeso - como posio
ideolgica, filiao a partidos polticos, pertencimento a uma categoria profissional; ou pela
diversidade dos critrios pelos quais se estabelecem relaes entre o lder e os seguidores.
Mayer (1987) e Land (1977), ao estudarem esse ltimo aspecto, operam com a
categoria rede para pensar a poltica como um espao atravessado por relaes de
compromisso que se do pelos mais variados interesses e fazem parte de estratgias diversas.
Como sugere Land, para efeito do estudo, necessrio que as redes sejam
limitadas segundo alguns critrios, tendo assim um tamanho manejvel pelo
detalhamento das modalidades de alianas didicas9 que as conforma. Essas alianas tm
como lgica de sustentao princpios de reciprocidade, estruturados a partir de estrelas de
primeira grandeza e egos focais. Uma rede poltica assim pensada pode conter cadeias de
lderes-seguidores em que um lder pode ser ao mesmo tempo, lder, na condio de estrela
de primeira grandeza que controla um sqito e, seguidor, quando ligado a um ego central da
teia em questo.
Mayer, por sua vez, a partir da noo de quase-grupo, pensa rede como uma
estrutura limitada. O quase-grupo composto por um conjunto finito de relaes estruturado
em torno de um ego, e assim pode ser manejado em funo dos desejos e projetos deste. Por
isso no tem continuidade no tempo e no se rege por estatutos ou definio clara de regras. O
ego, em funo de seus objetivos polticos especficos, estrutura conjuntos de ao a partir de
variadas bases de interconexo, podendo fazer uso do parentesco, de relaes de amizade,
patronagem etc.
Optei ento por analisar a volta poltica de Flvio Dino a partir das noes de
rede e faco, levando em conta a maneira como este agente reatualiza para a disputa
8 So indivduos que monopolizam as atividades de lideranas de um agrupamento poltico informal. 9 Land se refere a dois tipos de alianas didicas: aquelas entre pessoas iguais e aquelas entre pessoas de status diferentes, isto , aquelas que so horizontais e aquelas que so verticais. (LAND, 1977, p.4).
18
poltico-eleitoral relaes anteriores constitudas nos mais variados espaos, mobiliza
heranas simblicas, capitais de relaes sociais em variados nveis.
Um dos trunfos importantes para a construo de lideranas polticas, isto , para
arregimentao de apoios, adeses e bases eleitorais a capacidade do homem poltico
constituir-se como mediador.
Para Wolf, o mediador (ou intermedirio) estabelece o contato entre um grupo
local e instituies nacionais (WOLF, 2003a). Segundo o autor, a funo do mediador
estabelecer relaes entre indivduos orientados para a comunidade e aqueles orientados para
a nao, comparado a Jano, tm a face voltada para duas direes ao mesmo tempo
(WOLF, 2003a, p.88).
Briquet (1999), ao analisar a mediao poltica exercida pelos notveis na regio
da Crsega (Itlia), identifica modificaes havidas em funo de novas modalidades de
relacionamento que aqueles estabelecem com o Estado. Para o autor, o aumento da
interveno estatal na regio possibilitou a solidificao do poder dos notveis a partir de sua
capacidade de consolidar as mediaes entre a sociedade local e instncias do poder central.
Pois, o pertencimento s redes clientelsticas tornou-se um meio privilegiado para chegar aos
recursos sociais liberados pela autoridade pblica (sob a forma de assistncia, empregos,
subvenes, polticas pblicas).(BRIQUET, 1999, p.16).
A atividade de mediador, no entanto, exercida a partir de certas lgicas e
contextos. Velho e Kuschnir (2000) apontam que o mediador aquele que consegue transitar
por diferentes provncias de significado (VELHO; KUSCHNIR, 2000). Ainda segundo
esses autores, o decisivo no mediador que ele demonstre sua capacidade de trnsito, o que
equivale a demonstrar o manancial de capital social de que dispe por diferentes espaos. No
espao da poltica, o mediador se estabelece pela constituio de redes de troca e
reciprocidade que envolvem bens materiais e valores muito diversificados. (VELHO,
KUSCHNIR, 2000, p.87).
Goldman tambm indica a complexa situao do exerccio de mediao:
Ela [mediao] exige, por um lado, que algum tipo de relao entre aqueles que o mediador deve pr em contato efetivamente se estabelea ou, ao menos, parea se estabelecer sob pena de que se duvide de sua capacidade ou interesse em mediar. Por outro lado, entretanto, a mediao exige tambm, e sempre, que um contato direto entre os mediados jamais se estabelea completamente o que faria com que a mediao simplesmente perdesse a razo de ser. (GOLDMAN, 2006, p.274)
19
Neste trabalho, a mediao pensada como mecanismo de constituio de bases
polticas10 e a conquista de apoios, bem como a manuteno de bases conquistadas, alm do
signo de prestgio e a capacidade de trnsito. Entra em jogo a demonstrao, pelo agente, de
sua capacidade de estabelecer alianas verticais e horizontais, intermediando pleitos de
apoiadores junto ao centro do poder. Trata-se de um agente cuja reputao lhe possibilita
um capital simblico, crdito firmado na crena e no reconhecimento(BOURDIEU, 2004c,
p.187), lanando mo do estoque de prestgio e reconhecimento, reificado na mediao de
recursos e convnios. O capital social se transforma em artefato na disputa poltica.
A reputao em parte construda pela utilizao da profisso de juiz. Esta
simultaneamente apresentada pela lgica intrnseca ao exerccio da profisso, o qual remete
para a partilha de valores e condutas de magistrado, e tambm utilizada como um ttulo, um
trunfo que indica o trnsito do agente.
Busco configurar a rede poltica e os recursos utilizados pelo candidato recursos
materiais, notoriedade, militncia e as modalidades dos seguidores clientelas pessoais,
membros de redes polticas com clientelas prprias, e por ltimo que tipo de retribuio est
em jogo, qual o idioma da reciprocidade se fala.
2.2 Notas sobre o trabalho de campo
O trabalho de campo ocorreu a partir do primeiro semestre de 2006, com a coleta de dados
biogrficos e informaes sobre relaes de parentesco, percurso profissional e origens
sociais do agente. Compulsei currculos, materiais jornalsticos, livros de pretenso
classificatria e memorialsticos. Consultei em So Lus os arquivos da UFMA, visitei a
Biblioteca Pblica Benedito Leite, a Biblioteca Dunshe de Abranches da Assemblia
Legislativa do Maranho, a Biblioteca Central da UFMA, a Biblioteca da Casa de Cultura
Josu Montello e o SIOGE.
Uma segunda parte do trabalho de campo ocorreu a partir de agosto de 2006,
quando comecei a acompanhar atos de campanha de Flvio Dino, coligindo materiais de
campanha, notcias sobre a campanha veiculadas em jornais, panfletos, programas do Horrio
Eleitoral Gratuito.
O acompanhamento dos atos de campanha aconteceu de duas maneiras. Primeiro,
pela tentativa do pesquisador acompanhar formalmente os eventos da candidatura. Assim,
10 O trabalho de Marcos Bezerra (1999) indica como a transferncia de verbas federais por parlamentares federais para os municpios uma forma de vinculao e cultivo de lideranas locais.
20
resolvi me apresentar ao candidato e lhe falar da inteno da pesquisa, estudar as relaes
entre direito e poltica no Maranho a partir de sua trajetria. Afvel, o candidato se colocou
a inteira disposio da pesquisa e disse que no haveria problemas em acompanh-lo pelo
interior do Estado.
Desse modo, acompanhei ainda uma viagem do candidato por alguns municpios
do Estado, integrado a um grupo de militantes ligados ao PC do B que o acompanhavam
naquelas cidades com poucos apoiadores. Depois dessa primeira viagem, decidi que seria
mais fcil conduzir a pesquisa sem que fosse necessrio integrar-me ao pessoal da campanha.
A estratgia agora era tomar nota dos eventos da campanha e acompanha-los por conta
prpria. Nos vrios momentos em que mantive contato com a direo da campanha em So
Lus, fui sempre tratado de forma amistosa, no havendo dificuldades para conseguir
informaes sobre agenda, aliados polticos, material propaganda.
Um dado que no pode ser desprezado no trabalho de campo o fato de ter sido
militante do Partido dos Trabalhadores, o que me possibilitou mobilizar uma rede de contatos
na militncia, j que alguns dos cabos eleitorais de Flvio Dino me conheciam da
militncia partidria e do movimento estudantil universitrio. Havia, portanto uma
familiaridade com o tema, pois conhecia amigos do candidato, tanto pela insero no
espao do direito como pela militncia partidria. Assim, mais do que o contato com
nativos, mobilizei a rede de amigos e conhecidos em prol da pesquisa, sendo este um
meio valioso de obteno de informaes. Nisso busquei acionar minha prpria rede e seguir
assim a trilha da campanha quando fosse possvel, buscando informaes, conquistando
informantes.
Alm do trabalho de observao direta de atos de campanha, fiz tambm
entrevistas com apoiadores de Flvio Dino. Ao todo foram feitas 17 entrevistas, entre os
meses de agosto e dezembro de 2006. A entrevista mais longa demorou 2 horas, a mais
breve, 10 minutos. O tempo total de entrevistas foi de 12 horas.
A seleo dos entrevistados buscou representar as vrias lgicas presentes na
campanha de Flvio Dino. Isso implicou um mapeamento inicial dos apoios recebidos, das
lgicas de retribuio em jogo e das modalidades de adeso campanha.
O material emprico derivado das entrevistas deve ser compreendido dentro dos
limites impostos pelo efeito de constrangimento causado pelo gravador. Em certa ocasio, a
exemplo, a entrevista era marcada por uma relativa homogeneizao na descrio sobre o
candidato apoiado, com destaque para o brilhantismo do candidato, sua capacidade poltica
etc. Terminada a entrevista, o entrevistado, em tom de desabafo, falava de seu desagrado
21
quanto ao modo como estava sendo tratado pelo candidato e seus assessores aps as eleies;
que nunca mais o haviam procurado, que antes das eleies era diferentes, etc; relatou-me
ainda o trabalho de campanha em nuances que no havia dado na entrevista. Em outro
momento, o entrevistado, durante a entrevista, credita a grande votao do candidato Flvio
Dino sua capacidade poltica, ao trabalho que fez durante a campanha. Aps a entrevista,
sintetizou-me assim esse mesmo aspecto: No foi uma varinha de condo, ele entrou no
esquema poltico do estado, que so as alianas com lideranas.
Em situaes nas quais avaliei que seria possvel criar embaraos aos informantes,
procedi mudana dos nomes destes, no intuito de preserv-los.
2. PATRIMNIO SIMBLICO FAMILIAR: estratgias de consagrao e reproduo da
vocao
Esta parte do trabalho trata do mapeamento das origens sociais e familiares de
Flvio Dino de Castro Costa, destacando-se as carreiras profissional e poltica de seu av,
Nicolau Dino de Castro e Costa (1900 -1974), e de seu pai, Slvio de Jesus de Castro e Costa
(1932 - ). Procuro ressaltar ainda a maneira como eles articularam poltica, direito e produo
literria.
A condio de origem guarda relaes sobre a maneira como Flvio Dino usa
ttulo de carreiras, se auto-define como poltico, formas de utilizao da atividade poltica e
profissional. As posies dos ascendentes11 podem informar a utilizao de certas concepes
de poltica, bem como a utilizao estratgica do patrimnio familiar tanto no espao
profissional como da poltica.
Nicolau Dino descende de uma tradicional famlia amazonense, a famlia
Tapajs12. O livro A genealogia da famlia Tapajs (1971), de Hugo Tapajs, considera
Francisco Manuel Antnio Monteiro Tapajs (1815-1877) o patriarca da famlia. Filho de
portugueses, Francisco Tapajs tornou-se um prspero proprietrio de terras s margens do
Rio Tapajs, na ento provncia do Gro-Par. Colaborou com o governo provincial no
combate Revolta dos Cabanos e, em sinal de gratido pelos servios prestados, foi
proclamado pelo Imperador D. Pedro II13 Heri de Tapajs, tendo este permitido que usasse
um sobrenome brasileiro, sendo Tapajs o escolhido. Alm de Coronel-Comandante da
11 A genealogia aqui feita precria, pois no consegui informaes relativas a vrias alianas matrimoniais. 12 Dados coligidos a partir de Tapajs (1971) e Barata;Bueno (s/d). 13
22
Guarda Nacional, Francisco Tapajs enveredou pela poltica. Foi deputado provincial em
1874, ocupando a presidncia da Assemblia Provincial do Gro-Par.
Uma de suas filhas14, Heloisa Clementina Monteiro Tapajs (1843-1897), casou-
se com o maranhense Nicolau Castro e Costa (1833-?). Nicolau Castro e Costa chegou a
ocupar postos polticos, sendo eleito deputado da Assemblia Provincial do Amazonas em
1874. Desse casamento nasceu Jos Joaquim Tapajs de Castro e Costa (1873), que, por sua
vez, casou-se com a farmacutica Rachel Fonseca Castro e Costa. Os dois so os de Nicolau
Dino de Castro e Costa.
14 Casado por duas vezes, o coronel Francisco Tapajs teve ao todo 18 filhos.
23
Quadro 1: Subsdios para anlise das Posies de Nicolau Dino de Castro e Costa15
Vida acadmica
Espao intelectual Produo intelectual Espao jurdico (carreira)
Da inseminao artificial humana (Tese apresentada Faculdade de Direito de So Lus)_______ Formou-se pela Faculdade de Direito do Par________ Curso secundrio ___ Curso primrio_____
Patrono da Academia Maranhense de Letras Jurdicas (sagrao pstuma) ___________________ Membro do Instituto Histrico e Geogrfico do Maranho Gregrio de Matos __ ___________________ ___________________ ___________________
O Visconde de Vieira da Silva_______________________1974
1964_ Bacharis, mestres e escolares__1956 ____________________________1954 Onze votos vencidos_________1952 O primeiro dos trs discursos clebres de Vieira da Silva ____________1952 Foras militares cearenses nos campos do Maranho ________________1951
1950_
O forte de Itapecuru_________1948_ ___________________________1926_
X_ ____________________________1920 ______________________________X
______________________________ X
__Presidente do Tribunal de Justia do Maranho ____ Nomeado Desembargador do Tribunal de Justia do Maranho ____ Nomeado Juiz de Direito da Capital So Lus _____Nomeado Juiz de Direito no Maranho ___Nomeado Promotor Pblico no Maranho
Nasceu no Estado do Amazonas ______________________________________1900
Nicolau Dino fez os estudos secundrios em Belm, assim como o curso de
Direito, na ento Faculdade de Direito do Par, formando-se em 1920. Ao vir para o 15 Dados retirados de Coutinho (1993), Costa (1952) e do IHGM(2005).
24
Maranho, seguiu o padro de acesso s carreiras jurdicas de Estado no incio do chamado
perodo republicano16, cuja nomeao dependia da indicao dos chefes polticos locais.
Foi ento nomeado promotor pblico, depois juiz de direito, em 1926, passando
por comarcas do interior do Estado, dentre as quais a de Graja, onde casou-se com Maria
Jos de Castro e Costa, membro de tradicional famlia da cidade de Graja(COSTA, 1981),
a famlia Barros. Esta famlia se instalou, desde o sculo XIX, na regio de Barra do Corda,
Pastos Bons e Graja e tem como patriarca Salomo Barros, descendente de judeus. Os
membros da famlia ocuparam postos polticos de destaque na regio17, alm de serem
reconhecidos como intelectuais, sobretudo pelo fato de produzirem a historiografia do
local18. A herana familiar do lado dos Barros, como ser visto, foi mobilizada durante a
campanha de Flvio Dino Cmara Federal.
Em 1948, Nicolau chegou ao cargo de juiz de direito da Capital e, um ano depois
foi nomeado Desembargador do Tribunal de Justia do Maranho. Em 1964, foi eleito
presidente desse rgo. Faleceu como desembargador.
Nicolau Dino se envolveu em querelas polticas, sendo identificado faco
dominante na poltica local nos anos 50, o Vitorinismo19. consagrado o episdio ocorrido
nas eleies para a presidncia do Tribunal de Justia, em 1958, no qual Nicolau, em funo
de seus alinhamentos polticos20, envolveu-se em uma disputa com outro magistrado pela
condio de presidente do Tribunal.
16 Sobre as formas de controle exercidas pelos grupos polticos locais sobre o poder Judicirio na chamada Primeira Repblica, o jurista Victor Nunes Leal (1978) indica que esse controle se dava, em parte, pela falta de garantias institucionais como a vitaliciedade, a inamovabilidade e a irredutibilidade de vencimentos dos juizes estaduais. O trabalho de Koerner (1994) tambm aponta o mesmo padro de controle em relao chamada Justia Federal. 17 Entrevista concedida por um descente da famlia: [...] os Barros quando chegaram em Graja, ele chegaram de certa forma influenciando politicamente a cidade, depois desapareceu.(Entrevista concedida por Alan Kardec Barros em 21/11/06). 18 Slvio de Jesus de Castro e Costa escreveu "Razes Histricas de Graja", onde relata os conflitos travados entre indgenas e posseiros na ocupao da regio. Por ocasio do Encontro da Famlia Barros, realizado em Graja, em 1 de julho de 2006, Allan Wlisses Duailibe Barros enviou carta sobre o evento, ao jornalista Heider Morais, do Jornal Turma da Barra, de circulao nos municpios de Graja, Barra do Corda. Na carta publicada, o parente assim descreve o autor e livro: Destarte, o intelectual, ex-Deputado e membro da Academia Maranhense de Letras, Slvio Dino, que h quatro dcadas orgulha o nosso povo pelo amor a Graja, uma das vozes mais altivas do Maranho do Sul, bisneto de Margarida Duarte de Barros, irm de Salomo Barros, relanou a sua belssima obra "Razes Histricas de Graja", referncia obrigatria para o estudo da histria de Graja! O escritor Slvio tem uma alma nobilssima, pelo seu legado, pela obstinao em "sonhar" com uma Graja justa, desenlaada dos grilhes centenrios que retroage o nosso povo, repudiando as contendas de h quase duzentos anos, relatadas por Abranches, no seu genial "A Esfinge do Graja"!(Jornal Turma da Barra, acesso em 12/08/2006) 19 Como acentua Gonalves, o Vitorinismo uma classificao arbitrria, imposta na tentativa de instituir uma pretensa clivagem entre as administraes anteriores a Jos Sarney em 1965. (GONALVES, 2006, p.53). 20 O episdio narrado pelo jornalista Benedito Buzar: Com a diviso reinante no Tribunal de Justia, por fora do alinhamento dos magistrados s faces polticas dominantes no Estado, a corrente que obedecia orientao do Palcio dos Lees elegeu os desembargadores Nicolau Dino e Tcito Caldas para presidente e vice,
25
Nicolau Dino fez incurses pela vida intelectual. Em 1926, escreveu Gregrio de
Matos, uma tese para concurso de histria da literatura. Em 1952, publicou Onze votos
vencidos, livro que reproduzia julgados nos quais havia participado como desembargador.
Dois anos depois, apresentou Faculdade de Direito de So Lus a tese Da inseminao
artificial humana (1953), com a qual pleiteava a cadeira de Direito Civil. Em 1965,
apresentou nova tese intitulada A figura moderna dos edifcios de apartamentos deve ser
enquadrada juridicamente como uma commixto de propriedade e condomnio, tambm
para ctedra de Direito Civil. Escreveu Visconde de Vieira da Silva (1974), livro sobre o
seu patrocinador no Instituto Histrico e Geogrfico do Maranho (IHGM).
Foi scio do Instituto Histrico e Geogrfico do Maranho (1956), e escreveu
artigos para a revista do Instituto: O primeiro dos trs discursos clebres de Vieira da Silva
(1952) onde relata discursos proferidos por Luis Antnio Vieira da Silva, Senador pelo
Maranho, patrono de sua cadeira no IHGM; Bacharis, mestres de escolares (1956), no
qual tematiza a ao de bacharis em direito, juzes e promotores que criaram escolas pelo
interior do Maranho; e Foras militares cearenses nos campos militares do Maranho
(1951), um relato da presena de foras armadas cearenses no Maranho.
Tido como muito estudioso, propriedade ressaltada pelo neto:
Pessoa sempre muito estudiosa, com essa tradio de estudo. Eu lembro, quando eu era criana, ele tinha muitos livros. Essa uma imagem que marca muito. Lia muito Rui Barbosa, ele produzia teses tambm, artigos, textos, enfim, defendia teses jurdicas inovadoras. Ele foi pros Estados Unidos naquele tempo de navio, 1940, defender um ponto de vista acerca da legalidade da inseminao artificial. Foi um estudo de vanguarda naquele momento, eu tenho inclusive esse estudo. (Entrevista com Flvio Dino, em 22/11/06)
Alm de ser membro do IHGM (1973), Nicolau Dino figura no panteo jurdico
local como patrono da cadeira n 40 Academia Maranhense de Letras Jurdicas - AMLJ,
atualmente ocupada por seu neto, Flvio Dino de Castro e Costa.
Agncias como a AMLJ, as Escolas Superiores, eventos de premiaes,
laureamentos moldam, cultivam a crena de que o campo jurdico distinto dos demais por
seus atributos de transcendncia, erudio e autoridade. So mecanismos de distino entre o
notvel e o profano, designando, por critrios profanos quem so os notveis.
(CORADINI, 1998b).
respectivamente; j o segmento afinado com as Oposies elegeu os desembargadores Francisco Costa Fernandes e Eugnio de Lima para os mesmos cargos. Enquanto Nicolau Dino, que detinha o Livro de Atas, pedia ao Governo do Estado reforo policial para garantir o Tribunal, Francisco Costa Fernandes Sobrinho, em poder do qual ficaram as chaves da Secretaria, recusava as tropas militares.(BUZAR, 1998, p.345-346).
26
Muito embora a Academia Maranhense de Letras Jurdicas queira se distinguir da
Academia Maranhense de Letras pelo fato de voltar-se para produo sobre o Direito, no so
os saberes especficos que so exigidos de seus membros, mas uma insero na tradio
cultural da regio, como se percebe no discurso do acadmico Milson Coutinho21
Para isso so as Academias. Eternizar o que efmero, arquivar no cartrio da cultura homens, fatos, livros, idias, etapas. [...] Se esta Academia nasceu para cultuar os Vares de Plutarco de nossas letras jurdicas, fazendo-os renascer na lembrana das geraes passantes, e se brotou, tambm, destinada a promover o incremento de novas e esperadas batalhas em favor da divulgao das obras, que, de certo se havero de escrever no terreno do Direito, verdade que a ela cabe tambm a inquestionvel misso de resgatar memrias apagadas, e trazer do silncio de seus tmulos as figuras maranhenses que honraram as tradies desta terra. (COUTINHO, 2003, p. 15).
A relao dos intelectuais do presente com os do passado, que expressa pelos
patronos nas academias, pelas placas comemorativas, pelos batismos de prdios, bibliotecas,
mais que um tributo memria, uma relao de filiao onde o conjunto das supostas
vocaes equivalentes so congregadas para que se fixem as genealogias, as linhagens
culturais, reproduzindo a tradio. A sucesso entre Flvio Dino e seu av demarca a presena
da famlia e do agente nesta tradio.
Flvio Dino faz aluso constante tradio jurdica maranhense. Foi no perodo em
que estava na direo da Seo Judiciria da 16 Regio da Justia Federal que se instituiu o
Prmio de Monografias Jurdicas Alberto Tavares, mecanismo de transmisso de capital
simblico entre os juristas 22.
2.1 Posies e disposies de Slvio Dino de Castro e Costa Slvio de Jesus de Castro e Costa nasceu em 1932, na cidade de Graja, onde o
pai ocupava o cargo de juiz de direito. Cursou o primrio naquela cidade e o secundrio em
21 O discurso foi proferido em 22 de maro de 1986. Ao final do referido discurso apresenta o nome do maior dos maranhenses vivos, Jos Sarney, para integrar a AMLJ como membro-fundador. Autodefine-se como jornalista, advogado e historiador. Integra o Tribunal de Justia do Maranho, foi seu presidente entre 2004-2005. Ocupa a cadeira de n.3 da AMLJ, alm da cadeira de n. 15 da Academia Maranhense de Letras. 22 Na apresentao da publicao do I Prmio de Monografias (1998), o presidente da Comisso Julgadora, Juiz Cndido Artur Medeiros Ribeiro Filho, assegura: So Lus tem crescido muito nos ltimos anos. E, como no poderia deixar de ser, as atividades culturais tm acompanhado esse progresso, inclusive para que possamos continuar fazendo jus ao ttulo de Atenas. Dentro desse contexto, experimentamos sensvel evoluo no campo das Letras Jurdicas, em razo da qual a juventude estudiosa do Maranho, de vez em vez, participa, com notvel entusiasmo, dos mais diversos concursos lanados em nossa provncia. (RIBEIRO FILHO, 1998)
27
So Lus, no tradicional Colgio So Lus. Dados biogrficos e auto-biogrficos23 informam
que Slvio participou do movimento estudantil, foi membro da Unio Maranhense de
Estudantes Secundaristas (UMES) e atuou nas mobilizaes da chamada greve da meia-
passagem em So Lus, em 1954.
Na Faculdade de Direito de So Lus, participou do Parlamento Escola24, sendo
o orador oficial do Centro Acadmico Clodomir Cardoso. Formou-se em 1954 e ingressou
na advocacia criminalista. Slvio Dino se autodefine como destacado orador, participando
de famosos jris na capital e no interior do Estado (COSTA, 1981). Foi conselheiro da
Ordem dos Advogados do Brasil do Maranho entre 1970 e 1975.
Slvio Dino segue o padro de formao dos juristas tradicionais. Alm de o pai
ocupar posio de destaque no campo jurdico como desembargador, reconverteu a formao
de bacharel em direito para outras esferas de atuao profissional como o jornalismo25. A
capacidade oratria, primeiro do bacharel em Direito, depois do profissional, parece ser
condio de possibilidade de consagrao no espao jurdico local. O prprio Slvio Dino, em
livro sobre a histria da Faculdade de Direito do Maranho, evoca essa propriedade como
distintiva: V-se a tnica dos grandes oradores. Na idade de ouro dos bacharis da Rua do
Sol, ser brilhante tribuno era condio imprescindvel para obter xito.(COSTA, 1996, p.64).
Slvio Dino ingressou na poltica, elegendo-se vereador em 1954, aos 22 anos de
idade, pelo Partido Democrata Cristo (PDC). Em 1962, foi eleito deputado estadual pelo
mesmo partido, que nesse perodo, integrava as chamadas Oposies Coligadas26, faco
que se opunha ao governador Newton Bello. Teve seus direitos polticos cassados em 1964
em virtude do Golpe Militar, sob a acusao de exerccio de atividades comunistas
(BUZAR, 1998, p.450), sendo preso pelo regime militar. A sua cassao sempre referida nas
apresentaes de livros e em coletneas nas quais figura. A cassao poltica constitui-se em
um dos elementos explicativos da tomada de posio esquerda do filho Flvio Dino:
23 Utilizei apresentaes contidas em contra capas de livros de Slvio Dino, bem como produes sobre os chamados intelectuais maranhenses. 24 O Parlamento-Escola era uma instituio que exista na Faculdade de Direito de So Lus, funcionando nos moldes do poder legislativo. Slvio Dino, tido como destacado orador nesse espao, o qualifica como autntica escola de oradores(COSTA, 1996, p.64). Era a prpria sntese da imbricao entre o direito e a poltica, uma narrativa que se esfora por indicar uma formao orientada para as lides polticas. 25 Nos elementos biogrficos coletados sobre Slvio Dino, h meno ao fato de, desde muito cedo, ter trabalhado em jornais, como redator e reprter dos Dirios Associados e como cronista do jornal O Estado do Maranho. 26 Uma das mais conhecidas, re-conhecidas e legitimadas clivagens registradas pela historiografia poltica regional (GONCALVES, 2006, p.55), Oposies Coligadas, designa uma faco poltica que lutava pelo comando poltico do Estado, cujo principal inimigo era Vitorino Freire e que elegeu Jos Sarney para mandatrio do Estado nas eleies de 1966.
28
[...] era uma galera que, desde muito cedo, 14, 15 anos, estava enfronhado na poltica. E, gente tambm que viveu muito trauma da ditadura. O pai de Flvio foi cassado e perseguido. O Buzar, que o padrinho dele, foi cassado, mutatis mutandis, no ambiente de casa, Maria Arago sumiu diversas vezes. Eu era muito garoto, mas Carlos se lembrava, todo mundo desesperado procurando. Lucio Santos, o pai dele, era do MDB histrico. Ento, todo esse ambiente refletia numa formao poltica, numa politizao e numa politizao mais esquerda. (Entrevista com de Mrio de Andrade Macieira em 04/08/06)
Com a vitria de Jos Sarney, candidato das Oposies Coligadas ao governo
do Estado nas eleies de 1966, Slvio Dino se valeu das relaes que mantinha com essa
faco, principalmente com o poltico Henrique de La Rocque, deputado federal pela
ARENA, e integrou a equipe da Secretaria da Fazenda, cujo secretrio era Pedro Neiva de
Santana. Quando este assumiu o governo do Estado (1970-1974), Slvio Dino foi nomeado
Procurador do Estado.
Com os direitos polticos restabelecidos, Slvio Dino foi eleito deputado estadual
em 1974 pela ARENA, partido de sustentao poltica do regime militar. Em 1978,
candidatou-se pelo mesmo partido, no conseguindo a reeleio, ficando na primeira
suplncia. Em 1980, assumiu o mandato, pelo PDS, exercendo a vice-liderana do Governo
Joo Castelo na Assemblia Legislativa. Em 1982, voltou a candidatar-se a deputado estadual,
no se reelegendo e ficando na sexta suplncia.
As tentativas frustradas de eleio para deputao estadual27 indicam um poltico
com influncia eleitoral em declnio. O bloqueio eleitoral em relao ao cargo de deputado
estadual parece impor uma redefinio de sua estratgia eleitoral, esta se voltando para a
disputa eleitoral no municpio de Joo Lisboa, onde foi eleito prefeito por duas vezes, em
1989 e 1997, pelo PFL. Em 2004, candidatou-se prefeitura do municpio, terminando a
eleio como o candidato menos votado28.
A Consulta aos Anais da Assemblia Legislativa do Maranho de 1980 indica um
parlamentar debatedor de questes sociais, com pronunciamentos a favor dos posseiros
do Maranho29 e contra a grilagem e a exagerada demarcao de terras indgenas na regio
de Barra do Corda e Graja30.
27 Em 1994, candidatou-se ao cargo de deputado estadual pelo estado do Tocantins, pelo PFL, no se elegendo. 28 Nessas eleies obteve apenas 492 votos, enquanto o prefeito eleito obteve 4.500 votos. 29 Ver discurso intitulado Grilagem de terra no Maranho, pronunciado em 14 de maio de 1980. 30 Essas teses de dizer que as multinacionais, que os grupos econmicos na Amaznia esto expulsando, expurgando ou achatando o prprio ndio so teses, via de regra, esposadas pelos radicais de esquerda do Brasil.(COSTA, 1980, p.10).
29
Quadro 2: cargos ocupados por Slvio Dino de Castro e Costa em governos estaduais31
Slvio Dino ocupou vrios cargos de assessoria no poder executivo estadual, fruto
de indicaes polticas. Inicialmente, em funo do bloqueio ao exerccio da atividade poltica
pelo golpe militar de 64, foi assessor jurdico da Secretaria Estadual da Fazenda, na gesto do
Governador Jos Sarney (1966-1970); e, depois, Procurador do Estado no governo de Pedro
Neiva de Santana (1970-1974). Foi Diretor Executivo e Financeiro da Companhia
Maranhense de Abastecimento (1979), na gesto do governador Joo Castelo, e participou da
comisso encarregada de elaborar um plano cultural para o Maranho (1984), no governo
Luiz Rocha, alm de ter sido sub-secretrio da Casa Civil desse mandatrio. Foi ainda,
professor de Direito Penal do Curso de Formao da Secretaria de Segurana do Estado
(1970).
Com base nessas informaes possvel concluir que Slvio Dino sempre esteve
situado em uma rede de relaes polticas e pessoais que inclui as principais lideranas
polticas do Estado.
Quanto insero no espao intelectual, Slvio Dino tem produes nas formas
literrias conto, poesia e romance, alm do trabalho relacionado com sua atuao parlamentar
como Onde o Par, onde o Maranho (1990), uma resenha de sua atuao como
parlamentar na polmica sobre a definio das fronteiras entre esses estados. No gnero
memria produziu A faculdade de Direito do Maranho(1996), livro sobre as figuras e
lentes da faculdade de Direito de So Lus.
O livro considerado de estria, Nas barrancas do Tocantins (1981), comporta
histrias e crnicas sobre a regio tocantina. apresentado por cinco figuras
conhecidas do meio intelectual maranhense Carlos Cunha, historiador; o jornalista Benedito
Buzar, o poeta Ubiratan Teixeira; e o ento jornalista e advogado Milson Coutinho,
conformando uma sociedade de admirao mtua. Os atributos com os quais Slvio Dino 31 Fonte: Assemblia Legislativa do Maranho. Biografia dos Deputados (1983-1987). Sioge: Maranho, 1987. RAMOS, Clvis. A intelectualidade maranhense (Fase Contempornea) Braslia: Centro Grfico do Senado Federal, 1990.
Governante Perodo Cargo Assessor da Secretaria Estadual da Fazenda Jos Sarney 1966-1970 Professor de Direito Penal do Curso de Formao da Secretaria de Segurana do Estado (1970)
Pedro Neiva de Santana 1971-1974 Procurador do Estado Joo Castelo 1979-1982 Diretor da Companhia Maranhense de Abastecimento (1979)
Membro da Comisso de Elaborao do Plano Cultural para o Maranho (1984)
Luiz Alves Rocha 1982-1986
Sub-secretrio da Casa Civil (1986)
30
reconhecido se referem sua capacidade oratria, ao tribuno, polemista e lutador
(NASCIMENTO, 1990).
Slvio Dino pertence a instncias de consagrao local. Foi eleito para a
Academia Maranhense de Letras em 1998. , ainda, membro fundador da Academia
Imperatrizense de Letras e referido como pertencente gerao contempornea da
intelectualidade maranhense (RAMOS, 1990).
31
32 Dados retirados de: Ramos (1990), Santos (2002) e Dino (1980).
Quadro 3: Subsdios para anlise das Posies de Slvio Dino de Castro e Costa32
Vida acadmica
Espao/produo intelectual
Funes ocupadas Espao poltico
Professor de Direito Penal do Curso de ---Formao da Secretaria de Segurana do Estado Formou-se pela Faculdade de Direito de So Lus------------- Secundrio no Colgio So Lus Primrio em Graja ------------
Membro da Academia Maranhense de Letras_ Fundador da Academia Imperatrizense de Letras ___________ A Faculdade de Direito do Maranho(1996) Onde o Par, onde o Maranho(1990) Nas barrancas do Tocantins(1981) Amaral Raposo Clarindo Santiago Luzia: quase uma lenda O perfil histrico do Rio Tocantins Semeando Manhs(1985) Trilogia da emoo Verde, Sertes e Vida ----------------------------- Liberdade: suprema autonomia da clula social_______________ _____________________ --------------------------------
2004_
____________________________1999
______________________________ X
1997_
1994_
1989_
Plano de Metas do Governo Luiz Rocha (fez parte da comisso setorial de cultural)_________________________1983_
1982_
1980_ Diretor Executivo e Financeiro da Companhia Maranhense de Abastecimento__________________1979_
1978_
1974_
Procurador do Estado do Maranho________________________ 1970
Assessor Jurdico da Secretaria da Fazenda do Maranho_____________________ 1966
1964_
1962_
_____________________________1956_ Advogado criminalisa_________1955_
______________________________1954_ __________________________________X __________________________________X
_disputa eleio para prefeito de Joo Lisboa, no se elegendo.
---Prefeito de Joo Lisboa (MA)
--Disputa eleio para deputado estadual pelo Estado do Tocantins, no se elegendo. ---Prefeito de Joo Lisboa (MA)
-- Candidato a deputado estadual pelo PDS, no se reelegeu, ficando na sexta suplncia ---Assume mandato de deputado estadual sendo a vice-liderana na Assemblia Legislativa do Governo Joo Castelo
---no se reelegeu deputado estadual, ficando na suplncia.
--Elegeu-se deputado estadual
__ Direitos polticos cassados
___Deputado Estadual (MA)
---Vereador em So Lus ---Tido como lder estudantil na Faculdade de Direito
Nasceu em Graja (MA)____________________________________________________1932
32
2.2 Transmitindo a herana
Slvio Dino casou-se com a advogada Rita Maria Santos de Castro e Costa, de
cuja unio nasceram quatro filhos: Nicolao Dino de Castro e Costa Neto, Flavio Dino de
Castro e Costa e Slvio Dino de Castro e Costa Junior, e uma filha, Themis Castro e Costa33.
Nicolao Dino de Castro e Costa Neto nasceu em So Lus e concluiu o curso de
Direito na Universidade Federal do Maranho UFMA, em 1985. Em 1986, fez uma
especializao em Semiologia Poltica, promovida pelo curso de Direito da UFMA em
convnio com a Universidade Federal de Santa Catarina, sendo esse um espao de
socializao das teses do chamado Direito Crtico. Seu trabalho de concluso de curso
intitulou-se Direitos...Humanos?. Tornou-se professor da UFMA em 1990. Nicolao Dino
foi Procurador do Estado e Juiz do Trabalho. Em 1991, foi aprovado em concurso para
Procurador da Repblica e, atualmente, preside, pela segunda vez, a Associao Nacional dos
Procuradores da Repblica. Divide espaos com o irmo Flvio Dino em institutos e revistas
jurdicas, com investimentos tericos na rea de Direito Ambiental.
Slvio Dino de Castro e Costa Junior fez o primeiro e segundo graus no Colgio
Dom Bosco, em So Lus, no qual foi coordenador do grmio estudantil. Ingressou no curso
de Direito da UFMA em 1994 e, no mesmo ano, sucedendo as relaes polticas do irmo
Flvio Dino no espao do movimento estudantil, foi eleito Coordenador-Geral do Diretrio
Central dos Estudantes - DCE. Slvio Dino Junior ainda militou no movimento do curso de
Direito, integrando a gesto do Centro Acadmico de Direito em 1996. Concluiu o curso em
1998 e ingressou na advocacia no escritrio Macieira, Zagallo e Associados, do qual seu
irmo Flvio Dino havia sido scio-fundador. Entre 2000 e 2004, foi assessor jurdico da
deputada estadual Helena Heluy, do Partido dos Trabalhadores - PT, ao qual tambm
filiado. Em 2005, assumiu a Secretaria Estadual de Cidadania e Justia no governo de Jos
Reinaldo Tavares. Ocupa a Secretaria Extraordinria de Direitos Humanos no governo
Jackson Lago (2006).
Flvio Dino de Castro e Costa nasceu em So Lus, Maranho, em 30 de abril de
1968. Estudou no colgio catlico Marista, reduto de formao da elite local, onde ocupou a
direo do Centro Cvico, perodo marcado pela convivncia com filhos de polticos34, pelo
33 A filha do casal faleceu em virtude de um problema de sade. 34 Um dos informantes da pesquisa afirmou que, nesse perodo, havia a convivncia de vrios filhos de polticos como Igor Lago (filho de Jackson Lago, atual governador do Estado do Maranho), Jos Ribamar Heluy (filho do juiz de direito Jos Ribamar Heluy e da ento promotora de Justia Helena Barros Heluy, atualmente deputada estadual), Gervsio Santos e Lcio Santos (filhos do deputado Estadual Carlos Santos), Carlos
33
engajamento nas campanhas pelas Diretas J (1984) e do Colgio Eleitoral (1985). Nesse
momento, era rea de influncia do Partido Comunista do Brasil (PC do B).
A adolescncia narrada por um processo crescente de afirmao poltica, como a
primeira interveno pblica aos 14 anos de idade, a partir da qual se tornou uma
referncia poltica no colgio.
O ingresso no curso de Direito da UFMA referido como uma deciso precoce
em funo da influncia familiar35. Militou no movimento estudantil, ligando-se ao Partido
dos Trabalhadores, mais tarde integrando-se Articulao, tendncia considerada moderada
no PT. Exerceu o cargo de Secretrio-geral e de Coordenador do Diretrio Central dos
Estudantes, em 1988. Coordenou a campanha presidncia da Repblica de Lula, em So
Lus, em 1989, sendo vice-presidente do Diretrio Municipal do PT,
Trata-se de um agente cuja famlia detm projeo no espao jurdico local, com
um av desembargador, o pai advogado e poltico e o irmo professor universitrio de Direito.
possvel depreender que o mesmo dispunha de um capital social acumulado pela famlia,
que facilitava reconverses em sua trajetria.
Se no se pode atribuir a Flvio Dino uma deliberada posio de herdeiro do
capital poltico familiar, pode-se perceber uma trama que permite que esse capital seja
transmitido e se reatualize.
Narrando suas origens familiares Flvio Dino reivindica a condio de classe
mdia, cuja preocupao dos avs e pais era a educao dos filhos36. Inicia contando fatos da
vida de seu av Nicolau Dino, do qual ressalta:
Macieira e Mario Macieira (filhos de Simone Macieira e Roberto Macieira, a primeira ex-vereadora de So Lus, e o segundo ex-secretrio de Indstria no Governo Joo Castelo, ex-prefeito de So Lus (1981-1983) e irmo de Marly Macieira Sarney, casada com o poltico de projeo nacional Jos Sarney). 35 Em discurso pronunciado na condio de presidente da AJUFE e em homenagem ao renomado jurista Evandro Lins e Silva, Flvio Dino assim indica sua opo pela advocacia: [...] finalizo com o mesmo tom confessional com que iniciei, em final dos anos 70 assisti trechos do julgamento de Cabo Frio. E naquele mesmo dia aprendi o que era um cisne, o que era o canto de cisne e decidi que queria ser advogado, por inspirao da minha famlia. Naquela ocasio, ao finalizar, meu pai me perguntou o que eu seria quando crescesse. E eu disse que queria ser advogado, entusiasmado com as lies de Evandro Lins e Silva e Evaristo de Morais.(COSTA, 2002, p.584). 36 Bourdieu (2001b) analisa a relao entre a aquisio do habitus primrio e a transformao deste em uma disposio especfica exigida por um campo. Afasta a hiptese de que essa transformao se d por um processo mecnico de inculcao para demonstrar como esse trabalho socialmente organizado, iniciando no grupo familiar, sobretudo quando este se define por um investimento em uma instituio escolar. os novatos trazem consigo disposies previamente constitudas no interior do grupo familiar socialmente situado [...] Somente por meio de toda uma srie de transaes insensveis, de compromissos semiconscientes e operaes psicolgicas [...] socialmente encorajadas, sustentadas, canalizadas, at organizadas, tais disposies se transformam aos poucos em disposies especficas, ao cabo de todos os ajustamentos infinitesimais necessrios para estar altura ou, ao contrrio, para desistir [...] Nesse processo de transmutao, os ritos de instituio, em especial aqueles arranjados pela instituio escolar, como as provas iniciatrias de preparao e seleo, idnticas em sua lgica e seus efeitos s das sociedades arcaicas, desempenham um papel determinante ao favorecer um investimento inicial no jogo (BOURDIEU, 2001 a, p. 199-200)
34
FD - Pessoa sempre muito estudiosa, com essa tradio de estudo. Eu lembro, quando eu era criana, ele tinha muitos livros. Essa uma imagem que marca muito. Lia muito Rui Barbosa. Ele produzia teses tambm, artigos, textos, enfim, defendia teses jurdicas inovadoras. Ele foi pros Estados Unidos naquele tempo de navio, 1940, defender um ponto de vista acerca da legalidade da inseminao artificial. Foi um estudo de vanguarda naquele momento. Eu tenho inclusive esse estudo. E - Havia tambm uma tese sobre condomnio... FD - , ele tinha umas teses inovadoras. Ele inclusive chegou a publicar uma vez um pequeno livreto chamado Meus votos vencidos. E - Eu j vi na biblioteca. um opsculo... FD - Exato. Ento essa imagem, era um juiz, um magistrado de carreira, que tinha posies inovadoras e certamente deve ter influenciado meu pai. Eu imagino que sim. Minha av era uma sertaneja, uma mulher do lar, como tradicionalmente, a vida toda dedicada ao marido e aos filhos. Uma mulher que ele conheceu em Graja, de uma tradicional famlia grajauense, a famlia Barros. At hoje uma famlia importante socialmente, n. Com muitos ramos. Meu pai, desde cedo, meu pai estudou no Ateneu, no Colgio So Lus. Desde cedo se envolveu em poltica, grmio, essas coisas, nos efervescentes anos 50, n. Depois foi eleito vereador de So Lus aos 22 anos de idade, 1954. Foi vereador de So Lus, a partir da nunca parou, foi candidato a deputado, se elegeu deputado estadual, foi cassado quando do regime militar, foi preso, perdeu o mandato, enfim, teve essa longa trajetria de parlamentar, de mandatos, candidaturas por quase 50 anos. Do lado da minha me, um imigrante portugus. Como a maioria dos imigrantes portugueses, comerciante. Um pequeno comerciante. Tinha um comrcio de charutos, cigarros, tabaco. Acabou falecendo muito jovem. Minha prpria me no o conheceu direito. Quando ele morreu, ela tinha 4, 5 anos de idade. E a minha av materna, professora do municpio, e com essa remunerao dessa atividade, educou trs filhas. E - Aqui em So Lus? FD - Aqui em So Lus. Meu pai e minha me casaram aqui em So Lus. Eu nasci em So Lus. Eu tenho essa origem remota. basicamente isso. E eu te diria que eu sou um filho da classe mdia, da classe mdia em sentido ampliado; no da nobreza, n. Das famlias mais nobres do Maranho, mas filho que a origem remota seria sempre a pequena burguesia, n. Porque os juizes tradicionalmente no tinham a remunerao que tinham hoje. A remunerao hoje muito maior que h quarenta anos atrs. Tanto que o padro de vida do meu av era um padro de vida modesto. Ns morvamos na Rua de Santana, do lado da Lusitana ali, no 384, e, em baixo, morava meu av e minha av. E ns morvamos em cima, quase um apartamento, tinha dois quartos. Uma vida de... classe mdia, padro normal de classe mdia, nada de extraordinrio. Bons colgios, meu pai tinha um carro, um fusca. Foi assim que ns, a origem social essa, um filho da classe mdia, um filho da pequena burguesia. (FLVIO DINO, 2006, 22/11/06)
Socializado nos gostos da classe mdia, foi no espao de casa, quando
criana, que Flvio Dino foi iniciado na poltica, na literatura, nos debates nos quais se
envolviam seu pai e seu av. Porm, a empresa familiar de oferecer bons colgios aos filhos
no se confunde com a oferta de possibilidades. (BOURDIEU, 2001b).
35
Esse processo, porm, no se d na forma de um clculo racional, nem no
momento do investimento familiar na instituio escolar, nem durante a incorporao das
disposies especficas nos filhos. ao fazer passar por desinteressado (e mesmo perceber
como desinteressado) esse investimento familiar no processo organizado de incorporao que
as tomadas de posio dos filhos em relao aos seus projetos pessoais so tidas como a
descoberta e o desenvolvimento de uma vocao.
Ao reativar sua memria familiar, Flvio Dino destaca atributos de seus
ascendentes que dotam o grupo familiar de uma autoridade social nas relaes locais,
sobretudo nas relaes com o poder, contada na forma de um ganho gerado pela vocao e
pelos mritos individuais de seus membros.
A herana poltica familiar transmitida pela converso dessa memria de um
longo aprendizado normativo com os ascendentes, em recurso dos descendentes, para
justificar como escolha aquilo que uma responsabilidade de reproduzir a excelncia de
seus antecessores (BRIQUET, 1992).
Slvio Dino Junior e Flvio Dino tm interpretaes diferentes para as suas
entradas no espao jurdico. Slvio Dino Jnior assim explica:
SDJ- Eu tive na verdade 3 opes. No segundo ano foi que eu parei pra pensar sobre que carreira eu iria seguir. Quatro opes na verdade, muito prximas: Histria, Filosofia, Direito e Jornalismo. Essas quatro reas especificamente. E eu sempre tive algo que eu identifiquei comigo como atributo meu: eu sempre gostei de pesquisar. Eu me auto-atribuo essa qualificao de ser um pesquisador, eu gosto de pesquisar. Embora admita que falta, e sempre tem, sempre faltou e falta um aperfeioamento acadmico pra isso, no que eu ainda no me debrucei. Mas acho que tenho essa caracterstica de ser um pesquisador, de ir a fundo nas questes, de levantar aspectos no ventilados ainda, algo que me d muito prazer desde pequeno, ainda adolescente. Ento tinha muito claro estas quatro opes, e Direito no era a minha primeira opo. Direito, devo confessar, naturalmente decorria muito da influncia familiar, o que no ruim, enfim, eu no tenho porque negar isso. Minha famlia toda uma famlia de juristas. Comeou pelo meu av, que foi desembargador, juiz aqui no Maranho. Papai foi advogado durante muitos anos, a despeito da vida poltica. Minha me se formou em Direito tambm, em 82, embora no tenha exercido a profisso, mas cursou a faculdade de Direito e meus outros irmos, naturalmente, que j, , profissionais do Direito. Ento, a ambincia toda, aquela coisa de voc t no almoo de domingo em casa, todo mundo discutindo os processos judiciais, a questo de fulano, de beltrano e de sicrano, isso acaba criando uma ambincia que , extremamente, , interessante, no h algo que seja, que deva ser renegado. E os livros n. As leituras que havia disposio. Ento, isso permite que, naturalmente, voc se case com a ambincia. Mas numa poca de escola, por conta de minha militncia no movimento estudantil secundarista, eu acabava tendendo muito pra Filosofia e Histria. Histria era uma disciplina de colgio que eu amava, adorava, estudava bastante, perdia tardes e tardes, semanas de frias estudando Histria. Histria da Revoluo Francesa, Histria do Brasil, enfim, era algo que me dava muito prazer e me d ainda hoje, sempre que eu posso. Ento, essa era minha primeira opo. Meu primeiro vestibular foi pra Filosofia, no segundo ano cientfico ainda, passei. Meu segundo vestibular eu passei pra Histria e, mas no resolvi cursar. S ento que eu passei pra Direito, e a minha opo por Direito foi
36
uma opo a partir da leitura de um livro que eu destacaria como sendo um divisor de guas, chama-se O que Direito, de Roberto Lyra Filho, foi um divisor de guas. Aquele livro quando eu li eu comecei a compreender melhor o qual, o quanto era importante o papel do jurista na transformao da sociedade, do engajamento necessrio dos operadores do Direito que no havia que falar de (inaudvel) com a realizao da justia material, com a realizao da justia social, foi um momento muito interessante. Ento, a eu parei e disse, realmente. Ento eu comecei a associar essa leitura com toda essa ambincia que eu te falei, que acaba influindo tambm, influenciando, positivamente. Ento, eu optei por cursar, fazer o curso de direito. (Entrevista com Slvio Dino Jnior em 16/10/2006)
Flvio Dino, operando com um fundamento poltico de suas escolhas,
enumera os motivos da deciso por seguir carreira jurdica: A influncia familiar, certamente. Uma admirao por algumas pessoas que, era um momento em que os advogados tinham muito, muito charme social, n. Os advogados do povo, os advogados do movimento pela moradia, n. Foi muito forte ali nos anos 80, aquelas ocupaes, a tinha despejo e sempre tinha um advogado por l. Ento, havia uma admirao pela Helena, Doutor Heluy era juiz mas fazia um pouco esse papel, o Amlcar Gonalves Rocha que, naquele momento advogava, o Josemar Pinheiro, tambm o Doroteu Ribeiro que era presidente da OAB naquele momento, mas tinha. Eu lembro bem do dia da votao das Diretas, a OAB estava l. Ento, havia um respeito ao lugar do advogado, n. Um lugar de autoridade e sempre uma referncia para o movimento. E a influncia familiar, lgico. Depois opes, assim, at 1985, foi o ano que fiz o vestibular, eu tinha dvida entre fazer Direito ou Economia. Eu sempre gostei muito de Economia at hoje, eu leio muito, no literatura especializada porque me falta talento pra isso, mas eu leio muito sobre economia, tenho algum conhecimento, assim, o bsico, e sempre me interessei muito pelas questes econmicas, talvez influenciado pelo tal Histria da Riqueza do Homem, e pela viso marxista... (Entrevista com Flvio Dino em 22/11/06)
As interpretaes dos irmos se diferem pelo peso que conferem ao fato de
pertencerem a uma famlia de juristas, mas tm pontos em comum: embora admitindo a
influncia da famlia e historiando momentos de dvida, de gosto dividido entre vrias
carreiras, o Direito aparece como opo e no como imposio. Ambos procuram num
engajamento pessoal a causas maiores que extrapolam o espao da casa, os fundamentos de
uma escolha que foi lapidada desde a infncia, ditada pelos cdigos das relaes
possibilitadas na famlia e pela famlia.
Para continuarem sendo uma famlia de juristas, critrio de consagrao da
famlia, preciso que essa relao de transmisso do capital herdado se efetue de forma
invisvel, natural, produzindo o efeito da naturalizao da notoriedade. Uma das estratgias
acionadas pelos implicados nessa sucesso a negao das propriedades transferveis dos
ascendentes aos descendentes, movimento que a um s tempo glorifica e supera a imagem do
ascendente para afirmao do sucessor e manuteno da posio da famlia no espao social.
Em relao ao gosto poltico, tem-se o mesmo esquema explicativo.
37
FD - A primeira vez que eu ouvi falar em eleio foi em 1974. Exatamente quando meu pai foi candidato e o registro dele foi indeferido, em 74, pelo TRE do Maranho, sob a alegao de que ele era comunista e no poderia ser candidato. Ainda no havia anistia, ele apenas havia cumprido os 10 anos. Em 64 houve a suspenso dos direitos polticos por 10 anos, ele cumpriu, se candidatou. E a ele foi ao TSE e conseguiu ganhar no TSE. E ganhou. Com uma comemorao dele, familiar, pelo fato dele ter conseguido ser candidato. Foi a primeira vez que ouvi falar a palavra candidato. Eu tinha 6 anos de idade. Depois, na campanha, eu lembro bem de um compacto, n, com a msica de campanha, cartaz. Foi meu primeiro contato. Eu no cheguei a participar e nunca participei de uma atividade de campanha de meu pai, nunca. E - Nem nas [campanhas] posteriores? Nem nas posteriores. Ele nunca envolveu muito assim, ele nunca envolveu muito os filhos. Ele sempre fazia campanha no interior basicamente. So Lus, depois, ele foi progressivamente se afastando de So Lus. Naquele momento, o acesso ao interior sempre muito difcil, estradas ruins e tudo e ns tnhamos nosso compromisso: era estudar. Ento, a gente nunca participou diretamente, era lgico, participa no limite ali do acompanhamento, n. A apurao era acompanhada pelo radinho de pilha, n. Aquelas apuraes que demoravam uma semana, duas semanas, ficava aquele suspense, ouvindo os boletins dos vrios municpios. Esse o meu primeiro contato com a poltica. Nos anos seguintes, do mesmo modo. Uma infncia normal. Quando veio a greve de 79, greve da meia-passagem, eu morava na Rua de Santana, no segundo andar, como eu disse. Ento, aquilo ali era uma espcie... a greve se desenrolou sob meus olhos, eu com 11 anos.Os principais eventos aconteciam ali porque era o eixo que ligava a praa Deodoro Joo Lisboa, Rua de Santana, Rua Grande, Rua da Paz. Ento, a primeira imagem que eu tive, para alm da poltica tradicional, de eleies, candidaturas etc. A viso foi exatamente aquele enfrentamento. E a partir da, eu tinha 11 anos, nunca parei de acompanhar a poltica, neste sentido, acompanhar, influenciado muito pela ambincia e boas leituras, n, boas leituras. (FLVIO DINO, 2006, 22/11/2006)
Os projetos de pai e filho aparecem como projetos autnomos, que se
comunicam pela ambincia, mas se desenvolvem pela vocao e capacidade individual de
ao dos agentes nos espaos sociais. Assim, tanto o pai, que nunca envolvia os filhos, como
o filho, que nunca acompanhou o pai, podem mobilizar livremente os recursos do capital
poltico familiar, adotando os mesmos cdigos de identidade social para pr em forma as
relaes adequadas aos espaos sociais freqentados pelo grupo familiar, sem oficializar a
sucesso operada, nem as avaliaes quanto superao ou declnio da empresa poltica
comum (BRIQUET, 1992). O declnio poltico do pai, conseqncia do bloqueio do espao
dominante pela cassao da candidatura, impondo-lhe uma posio no campo poltico, levou
o agente a reconverter o capital de relaes sociais e reputao local em carreiras profissionais
e polticas referidas a uma posio de esquerda.
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O pai aparece como uma referncia mtica tanto em relao adeso profisso,
como um homem de esquerda situado pelo filho ao lado de figuras de esquerda da
regio, da qual ele se situa como um herdeiro:
Ento, eu j tinha uma idia, em razo da soma, da compreenso do que era poltica, Anistia. O fato de meu pai ter sido preso, cassado, a greve da meia-passagem, as leituras, e a veio o convite para o engajamento. ( Flvio Dino, entrevista em 22/11/2006).
O agente explica a entrada na poltica por meio de duas esferas: uma externa, que
eram os partidos de esquerda e a militncia estudantil; e outra, referida como insero
poltica das nossas famlias(Flvio Dino, entrevista em 22/11/2006).
O pai tambm se inscreve em uma linhagem mitolgica (HASTINGS, 1992)37 da
esquerda com a qual o agente diz identificar-se:
Ento, eu no me identifico muito com esse discurso da Atenas Maranhense, eu me identifico mais com a Balaiada, que eu acho um movimento interessante, com a greve de 51, com a fora que o pensamento de esquerda sempre teve aqui no Maranho a partir dos anos 40, dos anos 50, um pouco antes talvez, Reis Perdigo, Maria Arago, depois Neiva Moreira, meu prprio pai, evidentemente, Bandeira Tribuzi [...]. essa filiao que eu reivindico, intelectual que intervm na poltica sobre a tica da esquerda. ( Entrevista com Flvio Dino em 22/11/2006).
A herana poltica de esquerda, da qual o agente portador, forjada na luta e
na capacidade de pensar criticamente a realidade, contrape-se a outra tradio,a da Atenas
Maranhense. Aspecto atualizado no perodo eleitoral:
Anteontem, outra cabea idntica se filiou ao PC do B, o advogado Flvio Dino, que trilhou caminhos diferentes de Vidigal, no entanto com mesma viso de mundo. Dino neto de desembargador e filho de deputado estadual. Seu pai, Slvio Dino, notabilizou-se ainda muito jovem pela independncia quando pelejava pela justia social. Cassado seus direitos polticos em 64 pela Ditadura (64 a 85), por subverso, Slvio Dino conheceu dias cinzentos. Surgiu da a vocao de Flvio para a poltica. (Jornal Pequeno, 28/03/2006)
Bourdieu (2001c) afirma que quando se tem um antecessor que teve sua trajetria
bloqueada, a sucesso importa em certa superao do antecessor pelo descendente. Aqui
residem as contradies da her
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