Neurociências
ENTREVISTA
Josef Schovanec: “As pessoas comautismo podem ser uma mais-valiapara a sociedade”NICOLAU FERREIRA 07/06/2014 - 08:30
É o primeiro autista francês a publicar um livro. Nele conta a sua
experiência de vida e defende que todos os autistas devem ir à escola,
só assim é que podem aprender as regras sociais e a integrar-se na
sociedade.
Josef Schovanec, 32 anos, diz “estar a leste”. Este
francês com síndrome de Asperger, uma forma de
autismo, escreveu o livro Je suis à L’Est!. O título é
um trocadilho entre estar alheado, uma característica
associada aos autistas, e o facto de ter escrito parte
em Samarcanda, no Uzbequistão. A Oficina do Livro
edita-o agora com o título Sou Autista — O
Extraordinário Testemunho de Um Génio à Parte. O
humor do título original não só percorre o livro como
polvilhou esta entrevista dada em Lisboa.
Na obra, Josef Schovanec conta as dificuldades que
teve na escola e que continua a ter no dia-a-dia, numa
sociedade que ainda não está preparada para integrar
Josef Schovanec NUNO FERREIRA SANTOS
TÓPICOS
Fernanda maria leal
os autistas. Ele estuda religiões e dá conferências
sobre o autismo.Com um desenvolvimento anormal
do sistema nervoso central, estas pessoas têm
dificuldades de interacção social, de desenvolvimento
da linguagem, comportamentos repetitivos e apegam-
se às rotinas. Mas, ao defender que os autistas são
importantes para a sociedade, o francês transformou
a conversa com o PÚBLICO num elogio à diferença.
Nasceu em França. Pode falar um pouco das
suas origens?
Nasci em França, mas sou um viajante. Costumo
viajar até ao Médio Oriente, pois fiz estudos religiosos
sobre o islão. Para falar sobre o autismo, viajo
bastante em França, onde há um grande atraso na
integração dos autistas.
Historicamente, as pessoas com autismo eram
fechadas em instituições de saúde mental. Defendo
uma revolução cultural, as pessoas com autismo ou
com outras incapacidades devem ter uma vida
autónoma, um trabalho, a sua própria casa. É por isso
que nos últimos dez anos tenho saltado de lugar em
lugar para falar sobre autismo. Cerca de 1% da
população tem uma forma de autismo, é muita gente.
O que se faz com estas pessoas? Como é que as
tornamos produtivas? Como é que lhes damos um
papel na economia?
Há vários graus de autismo. A sociedade tem
de ter a mesma fórmula para toda a gente?
Durante décadas, mesmo os grandes médicos e
especialistas acreditavam que as pessoas com autismo
tinham algum tipo de limitações mentais. Pode ser
verdade nalgumas circunstâncias. Mas a razão
principal para isso é que as crianças com autismo não
vão à escola. Imagine uma criança que não vai à
escola. Como é que pode aprender as coisas? Como é
que pode conhecer a cultura onde está inserida?
Acredito que quase 100% das crianças com autismo
podem ir à escola. Nos Estados Unidos, 80% das
crianças com autismo frequentam as escolas normais.
Na Dinamarca são quase 100% das crianças com
autismo. Claro que pode haver alguns desafios, tem de
se criar um ambiente escolar para estas crianças.
Que tipo de ambiente é esse?
Numa sala com alunos com autismo, um barulho como
este [Josef Schovanec bate as mãos com força] pode
matar a capacidade de pensar das crianças. Elas são
interrompidas por este som estridente e deixam de
saber o que fazer. Tem de se criar um ambiente
sossegado. É preciso também um ambiente sem
demasiada luz. Muitas crianças ou pessoas com
autismo são sensíveis à luz. Se há muita luz não
conseguem concentrar-se naquilo que estão a fazer.
As crianças com autismo necessitam também de
aprender todas as regras sociais, o que se chama
“currículo oculto”. Por por exemplo, como se diz “olá”.
Pode parecer muito fácil para uma pessoa sem
autismo, mas para quem tem autismo é um grande
desafio.
Porquê?
Há partes do cérebro humano que estão
especialmente feitas para as relações com as outras
pessoas. Mas as pessoas com autismo podem ter
algumas dificuldades nisto, têm de aprender
exactamente o que devem fazer. As regras têm de ser
claras e leva tempo até a criança aprender como se
deve comportar.
Se uma criança aprende a dizer “bom dia senhor”
como se fosse um “olá”, chega à escola e vê um colega
de sete anos e diz “bom dia senhor”. Mas não se diz
“bom dia senhor” a uma criança. Estes são desafios
que uma criança com autismo enfrenta e o professor
tem de estar informado sobre o autismo, senão nada
funcionará.
Quando alguém vai a uma loja no Reino Unido ou nos
Estados Unidos e diz “olá, tenho síndrome de
Asperger”, toda a gente sabe o que isso é e tem uma
boa impressão. Ser um Aspie [diminutivo para alguém
com síndrome de Asperger] é algo quase positivo.
Uma pessoa com autismo não é menos dos que os
outros, somos apenas diferentes. As pessoas com
autismo têm capacidades, têm algo a dar. Não são só
pessoas caras para os Estados e um fardo para a
sociedade. Os autistas podem também ser uma mais-
valia, a questão é como é que se faz isso. A empresa
alemã de software SAP decidiu no ano passado
contratar centenas, ou talvez milhares, de
trabalhadores com autismo por serem mais
produtivos.
São mais concentrados?
Quando se contrata uma pessoa sem autismo, ela vai
trabalhar oito horas por dia, depois fica cansada e
quer sair, ir a uma festa e ouvir Britney Spears.
Alguém com autismo vai ficar a trabalhar até à meia-
noite e vai dormir no escritório frequentemente.
O que é de mais.
Estou a exagerar um pouco. Mas essas pessoas podem
ser muito dedicadas. Num encontro marcado para as
8h com uma pessoa autista, é certo que ela vai estar
no local exactamente às 8h. Se se souber como essas
pessoas funcionam, estará tudo bem. Claro que vamos
ter alguns problemas, porque os autistas reagem de
uma forma diferente, vão dizer “estás muito gordo”, o
que pode magoar as outras pessoas. Normalmente,
são muito directos.
Para um autista, é difícil fazer escolhas?
É impossível. Porque as pessoas com autismo seguem
as regras. Se um pai de uma criança com autismo diz à
criança que não pode atravessar a rua neste local, ela
nunca vai atravessar a rua naquele local.
Mas quando se cresce, não se consegue ser
mais crítico em relação à forma como se
obedece às regras?
É necessário tempo e aprendizagem. Não é fácil. Por
exemplo, se eu tiver uma entrevista de trabalho com
um chefe de uma empresa, tenho de lhe provar que
sou o empregado certo. Mas as pessoas com autismo
vão dizer “não sou assim tão inteligente”, “tenho
problemas”, “ando bastante deprimido”,
“provavelmente vai encontrar pessoas melhores”. Os
autistas são objectivos. Isto é um grande problema.
Tenho amigos que estão a tentar criar programas de
orientação profissional para pessoas com autismo. Se
não houver este tipo de oportunidades, elas ficam
desempregadas. Eu nunca tive sucesso numa
entrevista de trabalho.
Que problemas teve na escola?
O problema principal foi que não me fizeram um
diagnóstico correcto. Fui diagnosticado bastante
tarde, há apenas 11 anos. As crianças com autismo
têm de ser diagnosticadas antes dos dois anos.
Quando é diagnosticada com um ano ou um ano e
meio, é perfeito, pode-se fazer muitas coisas. Os
cérebros das crianças desta idade têm um nível alto
de plasticidade.
A mim, consideravam-me uma criança com muitos
problemas: tinha ansiedade extrema, nunca comia na
escola. Mais tarde, diagnosticaram-me esquizofrenia,
o que acontece a muitas pessoas com autismo. Por
isso, tomava muitos medicamentos. Houve muitos
anos em que deixei de ir à escola. Mas tive muita
sorte. De alguma forma, nunca cheguei a estar
completamente fora do sistema, os meus pais eram
muito activos [para evitar isso].
Por que é que os autistas se interessam tanto
por detalhes?
Há a teoria oficial sobre esse assunto, mas eu tenho a
minha teoria. A oficial é que as pessoas com autismo
se interessam por detalhes porque sim. Eu acho que o
que se considera serem “detalhes” é apenas uma
construção social. O meu amigo autista britânico
Daniel Tammet, autor do livro Nascido Num Dia Azul,
memorizou mais de 22.000 números decimais do Pi, o
número 3,1451... Pode-se pensar que ele é louco ou
um génio, ou ambos. Mas definitivamente não é
normal. Mas alguns fãs de futebol podem dizer todos
os resultados dos jogos de todas as equipas, não só de
agora como de há dez anos. Estas pessoas são
consideradas normais, não são autistas. Mas
memorizar os resultados dos jogos de futebol ou os
números decimais é tecnicamente a mesma coisa. Só
que do ponto de vista cultural, alguns tópicos são
considerados normais e outros não.
Por que decidiu dar conferências sobre
autismo e escrever este livro?
Tenho de o fazer. Não há muitas pessoas a fazerem
isto. Não conseguiria dormir à noite se não fizesse
nada. Há tantos casos de famílias [com pessoas
autistas] extremamente angustiadas. Muitos dos
meus amigos passaram dez a 20 anos em hospitais
psiquiátricos. Essas pessoas não têm de estar ali, o
autismo não é uma doença mental, não é algo que se
possa ou se deva curar com comprimidos. Por outro
lado, conheci nessas conferências pessoas incríveis.
Quem trabalha com pessoas com autismo diz que é o
melhor dos trabalhos. Conhece-se gente que nunca se
iria conhecer na vida. Por exemplo, o Daniel Tammet
aprendeu islandês em apenas uma semana. Um outro
amigo com autismo está no Livro Guinness porque
tem mais de 1000 utensílios no seu casaco.
E por que escreveu o livro?
Comecei por não querer escrever o livro. Um dia, um
editor francês veio ter comigo e foi muito convincente.
Convidou-me para ir a um restaurante e falou-me do
projecto de escrever um livro. Eu estava a tentar ser
educado, ao estilo japonês, e no final do almoço,
perguntaram-me “sim ou não?”. Não quis ser ofensivo
e disse “sim” [risos]. Depois, apercebemo-nos de que
este livro era o primeiro de um francês com síndrome
de Asperger. Em inglês há milhares de livros escritos
por autistas. Espero que as pessoas com autismo de
todos os países comecem a escrever livros porque
terão histórias interessantes para contar.
Por que só agora é que um autista francês é
que escreveu um livro?
Em França, há uma grande tradição em psicanálise,
que tenta explicar as especificidades do autismo.
Explicam as particularidades dos comportamentos
das crianças com autismo pelo papel da mãe na
educação. Normalmente, não usam o termo “autista”,
dizem que esta ou aquela criança se comporta de uma
forma estranha porque a mãe não a amou ou porque
foi uma má mãe. E tentam analisar cada
comportamento a partir dos conceitos da psicanálise.
O que pode levar a um absurdo total.
O que faz essa abordagem às pessoas com
autismo?
Para curar a criança com autismo, a psicanálise diz
que é preciso cortar a ligação entre a mãe e a criança.
Por isso, põem a criança num hospital psiquiátrico. E
neste local isolado, ela não vai obter a educação
necessária. Vão dar-lhe algum tipo de neuroléptico
[sedativo]. O resultado é um desastre completo: não
vai aprender a falar, a ler e a escrever. E 20 anos
depois, o que é que se vai fazer com estes jovens
adultos?
No livro, diz que não gosta de se definir como
um “Aspie” ou autista. Porquê?
Para muitas pessoas, o termo “autismo” é mau. É
como dizer “sou estúpido”. Se estivermos com amigos,
tudo bem, mas se alguém estiver numa entrevista de
emprego e disser “sou autista”, o empregador não lhe
vai dar o emprego. De alguma forma, sou cobarde,
porque se as pessoas com autismo não o assumirem, a
sociedade não vai progredir para uma situação onde
há uma melhor inclusão de pessoas diferentes.
O autismo faz parte de um assunto maior. Há
problemas muito semelhantes como a esquizofrenia.
Chamam-lhes as incapacidades invisíveis, em que a
pessoa tem uma aparência normal. Cerca de 15% da
população da Europa ocidental tem uma forma de
incapacidade, mas apenas 1% destes 15% está numa
cadeira-de-rodas. A vasta maioria tem incapacidades
invisíveis. A sociedade tem muito a retirar destas
pessoas e não pode viver com mais de 10% de pessoas
fora do mercado de trabalho. Tem de se tentar mudar
esta situação.
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Magda Gama
E 2º sei não sou autista mas de louca de meio destrambelhada sou!
Twingly procura de blogue
“As pessoas com autismo podem ser uma mais-valia para a sociedade”
Há 2 dias INCLUSO
08/06/2014 17:00 Responder
08/06/2014 16:46
Magda Gama
Eu nunca tive sucesso numa entrevista de trabalho.: e 2: eu e você: e
não sou autista! Deixe lá que lá por ser como é não é muito diferente de
uma mulher "normal" como eu: 13 anos seguidos de desemprego é caso
raro: e muitas vezes até coloco a questão de que se calhar ter algum
distúrbio mental ou alguma deficiência mental!
Responder
08/06/2014 10:19
Carlos M. N. Guerra Amaral
Muito bom. Sou pai de um rapaz autista de 10 anos e a minha
preocupação, sobre o seu futuro dentro de uma sociedade que é cada
vez mais adversa, é constante. A Holanda, país onde habito, vive ainda
de boas intenções no que respeita a educação destas crianças, mas
aquando de cortes orçamentais, em prol da saúde da economia do país,
estes são sempre os primeiros a serem negativamente afetados.
Responder
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