1. O desenho infantil e a construo da significao: um estudo de
caso (Childrens drawing and the construction of meaning: case
study) Las de Toledo Krcken Pereira Resumo: A premissa de que a
criana desenha menos o que v e mais o que sabe de um objeto um
ponto de concordncia entre diferentes concepes tericas sobre o
desenvolvimento do desenho. O desenho, entre o jogo simblico e a
imagem mental, subordina-se s leis da conceituao e da percepo
(PIAGET, 1973). A percepo do objeto corresponde atribuio de sentido
dada pela criana, constituindo-se realidade conceituada, e no
material (VYGOTSKY, 1988). O presente trabalho focalizou o processo
de figurao na criana pr-escolar. Foi realizado um estudo de caso
longitudinal, de carter naturalstico, sendo o sujeito um menino com
4 anos e 3 meses ao incio da coleta de material. As fontes de
evidncia foram constitudas pelo produto e pela observao do
comportamento verbal durante o processo. A anlise do material
mostrou a evoluo das figuras a partir das caractersticas
valorizadas pelo sujeito, reafirmando a premissa que a criana
desenha o que sabe dos objetos, e a necessidade do acompanhamento
do processo de elaborao para interpretao do desenho produzido,
corroborando resultados mostrados por Ferreira (1998). O resultado
aponta a importncia de estudar o processo de elaborao do desenho (e
no s o produto final), incorporando o enunciado verbal concomitante
ao traado como condio de interpretao. Sugere a importncia da
atividade de desenhar para a elaborao conceitual dos objetos e
eventos pelas crianas nessa faixa etria. Neste sentido, a atuao do
educador fundamental no apoio ao processo. Pretende-se estimular
uma discusso sobre a interveno do professor neste contexto.
Palavras-chave: desenho infantil, processo semitico,
desenvolvimento cognitivo, educao de educadores, desenvolvimento
inicial da criana Introduo Importante caracterstica do desenho
infantil a de que representa mais o que a criana sabe de um objeto
do que o que ela v. Dessa maneira, reflete a imagem e conceito do
objeto, portanto recorta seu significado. Se o desenho expressa,
assim, o conhecimento que a criana tem sobre um objeto, seria o
inverso verdadeiro? O desenhar contribui para a construo do
conceito do objeto? Qual seu papel no processo de construo da
significao? Essas questes deram origem ao presente trabalho.
2. Primeiramente so apresentadas algumas consideraes tericas
sobre o desenho da criana do ponto de vista do processo cognitivo e
semitico. Este referencial sustentou a conduo de estudo de caso
longitudinal. O objetivo do estudo foi acompanhar, em material
arquivado, um recorte do cotidiano da construo da representao
grfica de um objeto por uma criana de 4 anos. Por fim, refora-se o
papel do desenho para o desenvolvimento infantil, evidenciado-se a
importncia da atuao do educador no apoio ao processo. Desenho,
manifestao semitica O desenho uma das manifestaes semiticas, isto ,
uma das formas atravs das quais a funo de atribuio da significao se
expressa e se constri. Desenvolve-se concomitantemente s outras
manifestaes, entre as quais o brinquedo e a linguagem verbal
(PIAGET, 1973). A evoluo do desenho compartilha o processo de
desenvolvimento, passando por etapas que caracterizam a maneira da
criana se situar no mundo. Segundo Piaget, a forma de uma criana
conhecer o objeto, passa por significativas transformaes em sua
evoluo, no processo de adaptao ao meio que se d por sucessivos
movimentos de equilibrao. Inicialmente, predomina a ao nas relaes
com o objeto. o perodo sensrio-motor que se estende at os dezoito
meses aproximadamente. Na fase seguinte, a ao substituda pela
representao. Nessa etapa, pr-operacional ou simblica, a criana
ainda no opera mentalmente sobre os objetos, o que ela s conseguir
fazer a partir de aproximadamente sete anos. O perodo simblico se
caracteriza pelo desenvolvimento da capacidade de representao, em
suas diferentes manifestaes - a imitao, o brinquedo a imagem
mental, o desenho e a linguagem verbal. Essa capacidade fundamental
para a continuidade do processo de desenvolvimento: torna possvel,
no perodo operatrio, a transformao exclusivamente mental do objeto;
no perodo formal, j na adolescncia, possibilita a abstrao.
3. O desenho, manifestao semitica que surge no perodo simblico,
evolui em conjunto com o desenvolvimento da cognio. Compartilha
mais intimamente, por um lado, as fases da evoluo da percepo e da
imagem mental, subordinando-se s leis da conceituao e da percepo.
Por outro lado, compartilha a plasticidade do brincar,
constituindo-se em meio de expresso particular, isto , ...um
sistema de significantes construdo por ela e dceis s suas vontades
(PIAGET, 1973, p. 52). O desenho precedido pela garatuja, fase
inicial do grafismo. Semelhantemente ao brincar, se caracteriza
inicialmente pelo exerccio da ao. O desenho passa a ser conceituado
como tal a partir do reconhecimento pela criana de um objeto no
traado que realizou. Nessa fase inicial, predomina no desenho a
assimilao, isto o objeto modificado em funo da significao que lhe
atribuda, de forma semelhante ao que ocorre com o brinquedo
simblico. Na continuidade do processo de desenvolvimento, o
movimento de acomodao vai prevalecendo, ou seja, vai havendo cada
vez mais aproximao ao real e preocupao com a semelhana ao objeto
representado, direo que pode ser vista tambm no jogo de regras
(PIAGET, 1971; 1973). Outras condies do desenho so destacadas por
Vygotsky. Uma delas a relativa ao domnio do ato motor. O desenho o
registro do gesto, constituindo passagem do gesto imagem. Essa
caracterstica e a referente percepo da possibilidade de representar
graficamente configuram o desenho como precursor da escrita. A
percepo do objeto, no desenho, corresponde atribuio de sentido dada
pela criana, constituindo-se realidade conceituada, e no material.
Inicialmente o objeto representado reconhecido aps a realizao do
desenho, quando a criana expressa verbalmente o resultado da ao
grfica, identificada ao objeto pela sua similaridade. Momento
fundamental de sua evoluo se constitui na antecipao do ato grfico,
manifestada pela verbalizao, indicando a inteno prvia e o
planejamento da ao (VYGOTSKY, 1988). Vygotsky comenta a existncia
de certo grau de abstrao na atitude da criana que desenha, ao
liberar contedos da sua memria. Reconhece o papel da fala nesse
processo, afirmando que a linguagem verbal a base da linguagem
grfica constituda pelo desenho. Afirma: ...os esquemas que
4. caracterizam os primeiros desenhos infantis lembram
conceitos verbais que comunicam somente os aspectos essenciais dos
objetos (op. cit., p. 127). Em relao ao desenvolvimento da
linguagem escrita, o autor prope ...que o brinquedo de
faz-de-conta, o desenho e a escrita devem ser vistos como momentos
diferentes de um processo essencialmente unificado... (op. cit.,
p.131), motivo para que ...brincar e desenhar deveriam ser estgios
preparatrios ao desenvolvimento da linguagem escrita. (op. cit.,
134). Embora focalizando diferentes aspectos do desenho, as
concepes dos dois autores, a saber, Piaget focalizando o sujeito do
ponto de vista epistmico e Vygotsky contemplando-o do ponto de
vista social, se aproximam em relao importncia do desenho no
processo de desenvolvimento da criana e caracterstica de que a
criana desenha o que a interessa, representando o que sabe de um
objeto. Essas proposies bsicas so compartilhadas por outros
pesquisadores interessados no desenho infantil. Entre esses,
pode-se destacar Read (1977) que, focalizando o papel das imagens
visuais para o desenvolvimento do pensamento, identifica no desenho
elo entre a percepo e a imaginao, pois possibilita sua integrao em
forma concreta, passvel de sucessivas modificaes. Lowenfeld (1977)
outro autor que ressalta a importncia do desenho para o
desenvolvimento da criana, seja como veculo de auto- expresso ou
como de desenvolvimento da capacidade criativa e da representativa.
Derdyk (1989) salienta o poder de evocao - e interpretao - da
imagem visual. O desenho, forma de pensamento, propicia
oportunidade de que o mundo interior se confronte com o exterior, a
observao do real se depare com a imaginao e o desejo de significar.
Assim, memria, imaginao e observao se encontram, passado e futuro
convergindo para o registro da ao no presente. Como pensamento
visual, o desenho estmulo para explorao do universo imaginrio. ,
tambm, instrumento de generalizao, de abstrao e de classificao. A
autora ressalta ainda que o desenhar envolve diferentes operaes
mentais, selecionar e relacionar estmulos, simbolizar e
representar, favorecendo a formao de conceitos.
5. Tambm pesquisando o papel do desenho na construo de
conhecimento, Pillar (1996, p. 51) afirma que ... ao desenhar, a
criana est inter-relacionando seu conhecimento objetivo e seu
conhecimento imaginativo. E, simultaneamente, ...est aprimorando
esse sistema de representao grfica. Comparando diferentes
procedimentos de desenhar, a autora (op. cit., p 214) ressalta a
importncia do desenho espontneo para a compreenso das idias das
crianas pesquisadas, pois ...permitiu que se coletasse dados sobre
a natureza e funo do desenho durante o processo de apropriao dessa
linguagem. Moreira (1997), analisando as implicaes relativas
escolarizao, salienta a necessidade do respeito ao desenho infantil
no apenas pelo espao de liberdade de expresso que constitui, como
tambm pela sua condio de linguagem. Ressalta a importncia da
escola, em particular a pr-escola, evitar que ...do desenho-certeza
se passe certeza de no saber desenhar (p. 51), tendo em vista o
papel do desenho no processo de desenvolvimento humano. Prope a
observao atenta, eventualmente envolvendo at mesmo a posio espacial
que permita a adequada visibilidade, como nica forma de compreenso
do desenho da criana, evitando interpretaes precipitadas e
redutoras. Como ressalta Ferreira (1998), a interpretao do desenho
da criana depende do olhar do intrprete. Afirma a autora que o
desenho da criana o lugar do provvel, do indeterminado, das
significaes (p. 105, destaque no texto). Da emerge a importncia de
se considerar o primeiro desses intrpretes, a prpria criana, para
que se possa compreender o seu significado. O lugar do desenho,
configurando espao fundamental do mundo infantil de mltiplas
dimenses, destacado por Renso, Castelbianco e Vichi (1997) em
artigo sobre o pensamento grfico. Ressaltam os pesquisadores que o
desenho da criana deve ser considerado no apenas como uma
modalidade de expresso ou de representao da realidade, mas tambm
como o resultado de atividade intencional envolvendo aspectos
cognitivos e emotivos no seu ajuste realidade com a qual convive.
Para a compreenso do desenho infantil,
6. necessrio que se acompanhe o processo de sua produo (RENSO,
CASTELBIANCO E VICHI, 1997, p. 57): A anlise dos processos permite
focalizar a ateno na construo do traado grfico, ao momento criativo
no qual o adulto est no espao da criana, aos momentos
significativos que levaram aquele produto e s motivaes que induzem
a desenhar aquelas formas especficas preferencialmente a outras.
Estudo de caso: o prdio O presente trabalho um estudo de caso
longitudinal, de carter naturalstico, sendo o sujeito Marcos,
menino com 4 anos e 3 meses ao incio da coleta de material. O
objeto temtico dos desenhos foi prdio, isto , edifcio de vrios
andares. a) metodologia As fontes de evidncia foram constitudas
pelo produto e pela observao do comportamento verbal durante o
processo. A coleta de dados resultou da seleo do registro de
material emergente em situaes do cotidiano familiar, focalizando o
tema prdio. A anlise dos dados foi realizada a partir dos
pressupostos construtivistas. b) contextualizao Marcos o terceiro
filho de famlia que, na poca de elaborao dos desenhos, residia em
casa trrea, isto com um nico pavimento, como a maioria das
construes da pequena cidade brasileira Trememb, no interior de So
Paulo. Dessa maneira, a vivncia de M em relao a edifcios de vrios
andares era restrita a situaes de visitas a parentes residentes em
cidades maiores, geralmente nas frias escolares. Numa dessas
ocasies, a famlia ficou hospedada em um apartamento no oitavo andar
de um edifcio no centro de uma grande cidade (Curitiba, Paran). No
retorno ao dia-a-dia familiar, a criana se mostrou profundamente
impressionada, manifestando isto numa srie de desenhos. Desenhar
era atividade habitualmente realizada pela criana, em
7. companhia dos irmos e da me. As crianas utilizavam
geralmente o verso de grandes folhas de papel (usado originalmente
para impressora e reservado para rascunho), que eram dobradas ao
meio para o armazenamento. s vezes as folhas eram divididas em
duas. c) coleta e seleo de dados O material coletado foi
selecionado de grande conjunto, elaborado por vrios anos.
Selecionou-se para este estudo desenhos produzidos em cinco
momentos. O primeiro momento, em agosto de 1988, logo aps o retorno
da viagem, marca o incio da apresentao do tema. O segundo momento
apareceu em novembro, 3 meses depois. O terceiro e o quarto no ms
seguinte. O quinto momento surgiu em setembro do ano seguinte,
portanto nove meses depois. Assim, acompanhou-se o processo durante
13 meses. O desenho de uma casa, realizado oito meses depois, em
maio do ano seguinte, foi agregado ao material com objetivo de
comparao de formas. d) resultados A anlise foi estruturada em cinco
momentos, relatados a seguir. O primeiro momento (15/08/88) marcado
pelo presena do elevador. O desenho foi realizado na face j
utilizada do papel, aps a utilizao da face em branco, cujo desenho
(1.1), realizado sem comentrio pela criana, o que segue.
8. Figura 1.1 Observa-se nessa figura (1.1) a ocupao vertical
do papel e a formatao retangular. Esse desenho no foi acompanhado
por verbalizao. A sua identificao como pertencente srie foi
efetivada no momento da elaborao desta anlise, ao se constatar a
semelhana com desenhos posteriores e reconhecer o movimento para a
figura a seguir. Na segunda figura (1.2) o traado foi verbalizado,
permitindo a identificao do interesse. Esse foi o momento que
possibilitou a seleo das imagens utilizadas como material deste
estudo, sendo a expresso verbal fundamental para o reconhecimento
do objeto pelo outro. O desenho 1.2 foi elaborado sobre as marcas
pr-existentes no papel. Cabe lembrar a disponibilidade de outras
folhas de papel, o que indica a escolha da criana no uso do
material.
9. Figura 1.2 O traado foi realizado nos espaos entre a escrita
pr-existente no papel, iniciando-se no espao vertical central.
Comea com movimento circular que sobe e se prolonga por toda a
folha, em direo esquerda e depois direita. Como se mostra
registrado em alguns pontos do desenho, ao elaborar o desenho a
criana falou, acompanhando o traado: (1) elevador, ao iniciar o
traado; (2) subiu, no alto da primeira linha; (3) desceu, aps
movimento descendente esquerda; (4) subiu at aqui, aps movimento
ascendente direita, finalizando. Nesse desenho pode-se reconhecer a
referncia ao movimento precedendo a preocupao com a representao da
forma. O segundo momento, trs meses aps (3/11/88), composto pela
imagem que se segue. O desenho (2.1) foi realizado a partir de
imagem de prdio solicitada irm mais velha.
10. Figura 2.1 Nesse desenho, realizado em canto de papel j
utilizado, M desenhou trs formas fechadas, de tamanho compatvel com
a figura do prdio ao qual eram ligadas por linhas. Enquanto
desenhava, falou: Elevador de ir para baixo. (1) Elevador de ir
para cima. (2) Pode-se reconhecer a referncia ao aspecto funcional,
aparentemente com dissociao das direes dos movimentos possveis do
objeto representado, para cima e para baixo. O objeto, elevador
(ascensor) aparece inserido em contexto, prdio, que a criana
identifica como acima de sua capacidade de desenhar, solicitando
ajuda. No terceiro momento, um ms depois (13/12/88), foram
realizadas as figuras a seguir.
11. Figura 3.1 Figura 3.2 e 3.3 O desenho 3.1 foi acompanhado
pela fala: Um prdio. No parece sorvete? Oh,que sorveto! Morango.
Deixa eu fazer. Morango. O desenho 3.2, elaborado logo a seguir,
foi acompanhado pela fala:
12. Vou fazer um sorvete. Sorveto! Oh que sorveto, me! O
desenho 3.3 foi comentado aps a elaborao: Olha que sorveto, me!
Sorveto de plaques. Pode-se constatar no primeiro desenho desse
momento (3.1) a transformao do objetivo da ao, prdio, a partir do
reconhecimento da semelhana da figura resultante com outro objeto,
sorvete. A caracterstica de tamanho deste objeto, sorveto, parece
ser a nica mantida com o objeto inicial, prdio. O quarto momento,
dias aps o terceiro, se constitui pelas figuras seguintes. Figura
4.1 O desenho 4.1 foi acompanhado pela fala: Prdio da tia Leoni.
Elevador que sobe (Direita). Elevador que desce (Esquerda).
13. Figura 4.2 O desenho 4.2 repete o traado e a fala. Figura
4.3 O desenho 4.3 foi realizado sem qualquer comentrio. Nesses
desenhos, pode-se observar a permanncia do foco de interesse, o
elevador centralizando a verbalizao. Verifica-se a repetio da forma
prdio na folha de papel, uma vez nos dois primeiros desenhos,
acompanhando a marca de dobra da folha. O terceiro desenho, de
traado
14. simplificado em relao aos dois primeiros, representa
conjunto de trs prdios. Pode-se observar diferena entre o traado da
base e o do topo do prdio. O quinto momento (11/09/89) aconteceu 10
meses aps. So 4 desenhos, comentados verbalmente aps a realizao.
Figura 5.1, 5.2, 5.3 A fala do desenho 5.1 foi: Prdio O desenho 5.2
foi assim comentado: Prdio com varanda. O desenho 5.3 foi comentado
como: Prdio com varanda e menina entrando. Pode-se observar a
permanncia da forma geral, com mudana no traado das linhas
internas. No primeiro desenho deste momento (5.1), aparecem janelas
distribudas em seqncia vertical, aparentemente representando os
pavimentos. As janelas foram coloridas aps o traado, mostrando pela
primeira vez na srie o preenchimento de superfcie. A base do prdio
marcada por dois pequenos traos verticais. O desenho seguinte
(5.2)
15. representa prdio com varanda, sendo esta traada como espaos
que se projetam do lado direito do prdio. A base da figura
desenhada complementarmente figura, em tamanho mais estreito. O
outro desenho deste momento (5.3) mostra, alm das varandas, figura
humana, de tamanho proporcional, na base: menina entrando. Pode-se
constatar a crescente complexidade da representao. Caracterstica
comum a esses desenhos parece ser a posio ocupada no papel, no
sentido da verticalidade. Nas figuras nicas, o papel utilizado
sempre em posio vertical. A utilizao do papel em posio
horizontalizada reservada para srie de figuras, prdios em seqncia.
Pode-se constatar na srie a mudana do foco de representao dos
elementos funcionais o movimento do elevador para a dos elementos
figurativos o prdio e seus detalhes: janela, varanda e menina. O
desenho de uma casa (07/05/90) complementa a srie, ilustrando a
imagem de uma casa. Figura 6 Esse desenho foi assim descrito: Casa
de vrios andares. Sacada. (pequeno quadrado a esquerda) Camas.
(traos paralelos verticais)
16. Pode-se observar a utilizao do papel no sentido horizontal
para elaborao do desenho e sua conformao, mostrando a diferena
conceitual apesar dos vrios andares. Observa-se tambm a
caracterstica de transparncia, identificvel como tal apenas aps a
verbalizao - camas. A anlise do material mostrou a evoluo das
figuras a partir das caractersticas valorizadas pelo sujeito em
detalhado, cuidadoso e prolongado processo de construo da forma.
Nesse processo pode-se observar a intensidade do interesse e a
persistncia do propsito inicial, bem como a busca de forma
coerente. O desenho, ao dar forma ao pensamento, parece
possibilitar o exerccio do conhecimento, com a progressiva construo
de conceito do objeto focalizado. A srie de desenhos pode ser
apreciada como um processo de significao, no s reafirmando a
premissa que a criana desenha o que sabe dos objetos, mas tambm
indicando que ela aprimora o conhecimento que tem dos objetos ao
desenh-los. Essa constatao s pode ser efetivada pelo
acompanhamento, com observao atenta e registro do processo de
elaborao dos desenhos, possibilitando a interpretao que se
apresenta. Muitos desses desenhos passariam por simples rabiscos a
olhar despreparado. Nesse sentido, estes resultados reafirmam a
proposio comentada por Derdyk (1989) e Pillar (1996) do papel do
desenho na elaborao mental e formao de conceitos. possvel, ainda,
destacar a caracterstica de registro da ao, apontada por Derdyk, e
comentar seu papel como fonte de dados. A esse respeito, pode-se
comentar a importante contribuio do desenho espontneo para
compreenso do pensamento da criana, apontada por Pillar, e a
necessidade de valorizao das oportunidades que se apresentam no
cotidiano para coleta de material de estudo. Tal coleta implica o
acompanhamento e registro da verbalizao como condio para utilizao
do material como fonte de evidncias, destacando o papel da
sensibilizao e do preparo dos pesquisadores, bem como dos
educadores. Compartilha-se, consequentemente, tanto em relao a
pesquisa como ao processo educativo, a opinio de Renso,
Castelbianco e Vichi (1997), Moreira (1997) e Ferreira (1998),
sobre a importncia da atitude de ateno e
17. valorizao do desenho da criana por parte do educador e dos
estudiosos do tema. Consideraes finais O resultado aponta a
importncia de estudar a elaborao do desenho, e no s o produto
final, para melhor compreenso do processo. A incorporao dos
enunciados verbais relacionadas ao desenho mostrou-se condio
fundamental de interpretao das figuras, possibilitando sua
identificao e acompanhamento da evoluo. Essas consideraes destacam
o papel do desenho no processo de desenvolvimento da criana, entre
outras coisas por configurar-se como linguagem, constituindo-se
meio de desenvolvimento da capacidade semitica. Esse aspecto
permite algumas consideraes de ordem geral que emergem deste
estudo. Apesar de compartilhar propriedades bsicas comuns s
diferentes linguagens, o desenho, pela sua prpria constituio, tem
caractersticas particulares que o distingue de outras formas de
expresso. Relativamente linguagem verbal, cujo suporte bsico
acstico, o desenho se caracteriza, enquanto imagem visual, pela sua
globalidade e possibilidade de percepo imediata. O signo visual
icnico e imediato, isto , mantm relaes de semelhana com o objeto
representado. Contrape-se, desta maneira, ao signo verbal, que se
caracteriza pela arbitrariedade em relao ao objeto referido (KATZ;
DORIA; LIMA, 1971). O signo lingstico complexo, envolvendo
dicotomia relativa lngua - um sistema de valores - e ao discurso -
sua realizao. duplamente arbitrrio: primeiro porque a relao entre
significado e significante arbitrria; segundo porque as
caractersticas fsicas do denominado no motivam a forma do
significante. Alm disso, convencional, implicando a aceitao dos
valores impostos pela comunidade lingstica, e linear, pois se
concretiza atravs de uma sucesso no tempo, constituindo-se da
seqncia de signos mnimos, decomponveis em unidades discretas no
dotadas de significado (SCLIAR- CABRAL, 1973).
18. Assim, do ponto de vista semitico, o desenho pode ser visto
como uma linguagem privilegiada, pois permite o exerccio
relativamente mais livre de construo da forma, estabelecendo relao
entre significado e significante de modo mais elementar, em
comparao linguagem verbal. Em relao representao espacial, presente
no desenho, Ostrower (1995) destaca seu carter de linguagem
universal, pois sustentada por vivncias comuns a todos os seres
humanos. A autora refere-se ao carter de metalinguagem que a
linguagem de formas de espao, pois, em ltima anlise, as formas de
espao constituem tanto o meio como o modo de nossa compreenso.
Ostrower ressalta que: Fornecendo as imagens para nossa imaginao, o
espao se torna mediador entre a experincia e a expresso. S podemos
mesmo pensar e imaginar mediante imagens de espao.. essa linguagem
que se constitui o referencial ulterior da linguagem verbal, motivo
pelo qual a autora comenta que qualquer que seja a lngua, ...
preciso recorrer a imagens do espao a fim de tomar conhecimento de
algo e comunic-lo a outros. (p.173-174, destaque no texto). Essa
perspectiva possibilita a ampliao da compreenso e da valorizao do
desenho espontneo infantil. Evidencia a importncia da atividade de
desenhar para a elaborao conceitual dos objetos e eventos pelas
crianas. Evidencia, tambm, o papel do desenho na construo da
significao e no desenvolvimento da capacidade semitica. Neste
sentido, a atuao do educador fundamental no apoio ao processo,
zelando pela condio de liberdade de expresso e sustentao da
manifestao. Essa atitude parece ser fundamental na preservao do
espao do desenho infantil, atividade de baixo custo e fcil acesso,
importante no s para o desenvolvimento cognitivo e semitico, como
para o da criatividade e da expresso pessoal. Considera-se, ainda,
que esse olhar seja igualmente importante para os que atuam com
dificuldades e transtornos do desenvolvimento da linguagem
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