Download - Lançamento do livro Graffiti Moon

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SALVADOR SÁBADO 7/6/2014 32

O preço do último cigarro

Tempos atrás (passaram tão de-pressa que não pude contá-los)fui ver A Gaivota, de AntonTchékhov, num teatro da Gávea,Rio de Janeiro. Eu estava emdisponibilidade, e nesse estadobeatífico arrisquei-me à compa-nhia de uma senhora ligada aum empresário, o qual, em jan-tar por ela oferecido dias antes,medira-me de alto a baixo, semdúvida a pensar: “Mas que dia-bo esse sujeito pretende?”

O diabo tinha bons propósi-tos. Sei que é difícil de acreditar,mas existem casos em que tro-camos uma mulher de meia ida-de, se não formos gerontófilos,pelas sutilezas existenciais deuma peça, sobretudo se assi-nada por um grande escritor.Sentamo-nos, a minha amigadobrou o casaco de pele nosjoelhos. Começaram no palcoaqueles silêncios de Tchékhov

em que rugem tempestades.Deu-me então uma crise de

tosse. Algo me arranhava a gar-ganta, eu tinha de expectorarem seco. Espectadores das fi-leiras em frente voltaram-se pa-ra olhar-me. Mulheres assesta-ram óculos para identificaçãopronta do criminoso. Novo es-tampido de bateria que tive deabafar nas mangas do paletó.

– Vá beber um gole d´água –aconselhou o meu par.

Fui ao banheiro, fiz gluglu – enaturalmente fumei um cigarro,que era o remédio certo. Volteipacificado, havia perdido ummonólogo importante. De re-pente, escavadeiras me sobemà goela, há uma protofonia deengasgos, chiados e tossidelas.Olhares irados me fulminam napenumbra da sala.

Sofriam no palco os perso-nagens indecisos do dramatur-go russo. Mas o homem a mais,o homem supérfluo, excluden-te, que ele estudou a fundo,parecia muito à vontade nassuas frivolidades habituais. En-vergonhado até a ponta dos de-dos,escolteiaminhadamaaumtáxi e, na passagem por umalixeira, amassei o maço de ci-

garros no bolso e atirei-o aosresíduos.Semataramagaivota,por que não destruir o cigarrovenenoso?

Um milagre, porque vencer adependência do tabaco deve serum dos doze trabalhos de Hér-cules. O fato é que parei mesmo.Se em sonhos, hoje, sou fla-grado a fumar, ou alguém meinduz a soprar fumaças escar-ninhas em ambientes públicos,acordo em pânico.

A senhora presidenta, nossaPandora neste Brasil folclórico emitológico, abre amiúde a caixade maldades, instruída por seucomandante supremo. Diga-se,noentanto,emseufavorqueelapossui também uma pequena,minúscula caixa de bondadescomquetencionaaqueceraeco-nomia de dígito decimal – amais baixa entre os emergen-tes. Às vezes pensa em nós, quesomos “dazelite”, embora as eli-tes estejam, de fato, em poderdos “companheiros”. A partir denovembro, claro, depois de un-gida nas urnas petistas, comoespera, ela nos fará um aceno.Salve, Dilma, os que vão à lutate saúdam!

A presidenta (lembram-se?)

vetou projeto da Câmara paracriação de novos municípios.Não vai adiantar: outro depu-tado já prepara, a essa altura,projeto idêntico. O País remacontra a maré: em vez de en-sinar a multiplicação dos peixes,multiplica prefeitos, vereadorese aspones.

Outra bondade retirada da cai-xa de Pandora presidencial foi aleiantifumo–que,dizem,entraráem vigor em dezembro, impe-dindo (caso venha a pegar...) asbaforadas em espaços públicos,fechados.Antes,nãoconvémme-xer com empresários generososem doações para campanhas. Fi-ca para depois da Copa.

Já fui dos que acendiam umcigarro no outro. E saíam demadrugada para comprá-los noposto de gasolina. Antes deatender ao telefone, corria embusca do maço. O escritor Gra-ciliano Ramos, magro e nervo-so, era do time dos chain smo-kers, ou fumantes em cadeia. Etinha preferência pelos cigarrosgrossos, aqueles que, no inte-rior, chamam escora-carroça.Foi o que se viu. Ficamos sem oderradeiro capítulo de Memó-rias do Cárcere.

Na primeira partedo livro, autorareúne contossobre osantepassadosmais remotos

Hélio PólvoraEscritor, membro da Academiade Letras da Bahia

ENTREVISTA Cath Crowley, escritora

AUSTRALIANA FALA SOBREARTE DE RUA EM LIVROFERNANDA SOARES

Omundodaartesempre inspirapessoas ao redor do mundo,seja em adaptações para o ci-nema, tema de canções, estilode vida. E na literatura não édiferente. A australiana CathCrowley lança novo livro, inti-tulado Graffiti Moon, que cen-tra-se na vida de Lucy, uma ga-rota que acaba de terminar oensino médio e se apaixona porum grafiteiro anônimo. O en-redo baseia-se na procura peloartista, pois Lucy é apaixonadapor ele. A garota o conhece pelonome Sombra, mas na verdadeé Ed, um ex-colega de classe.Sombra trabalha com Poeta,que é Leo, amigo de Ed. Emmeio a este mistério, os jovensembarcam em uma aventuraque dura apenas um dia e quetem muito o que revelar.

Elizabeth Abbott / Divulgação

GRAFFITI MOON / CATH CROWLEY

Editora Valentina / 240 páginas/ R$ 29,90

Li na internet que não pretendiaser escritora, mas escreveu al-gumas cartas para seu irmãoenquanto estava viajando pelaEuropa. O que fez você mudarde ideia?

Sempre gostei de palavras –em qualquer forma que sur-gem–,sejaemlivros,música,poesia. E eu também amavacontar e ouvir histórias. Meupai levava-me à livraria todosábado e me deixava ler qual-quer coisa. Eu amava ficção.Logo, meu irmão mais velho,Anthony, mostrou que eu po-dia. Estudei Letras por trêsanos, e durante esse tempo,um trabalho meu foi publi-

cado.Aquilomedeuumapré-via de como as coisas pode-riam ser se tivesse meus tra-balhos publicados.

Seus livros possuem algum as-sunto em comum?

Sim, definitivamente. Escre-vo sobre artes – personagensque amam arte, música e pa-lavras. Escrevo sobre amor,sobre como nossas experiên-cias nos moldam. Não escre-vo somente sobre paixão,mas amor platônico tam-bém. Costumo escrever sobrecomo as coisas que amamosconseguem nos salvar.

O livro Graffiti Moon possui umtema que nunca foi discutidoantes. Por que decidiu escreversobre isso?

Há diversos motivos. O mun-do da arte oferece muito aomundo, um vasto conteúdopara pessoas de todas as ida-des. Ele nos dá algo belo emum mundo que às vezes éfeio – e todos nós precisamosde um pouco dessa alegria.E, é claro, a arte também temseu lado político, muda opensamento das pessoas.Educação é provavelmenteminha segunda maior pai-xão. Ela oferece aos jovensuma alternativa em meio àpobreza. Eu escrevi o perso-nagem Ed após trabalharcom alguns jovens que eramdisléxicos. Fui capaz de es-cutar os pensamentos dosestudantes que amavam ar-te, mas não conseguiam es-crever sobre como se sen-tiam a respeito disso. Essaexperiência levou, em parte,

à história de Graffiti Moon.

Você já era familiarizada com ografite antes de escrever o li-vro?

Amo artistas como Ghostpa-trol, Miso e Banksy. Mas co-mecei a escrever sobre arteem vidro, e a partir disso olivro evoluiu o conteúdo e in-cluiu arte de rua. O perso-nagem Ed, a princípio, come-çou como um artista de ga-leria. Mas logo ficou claro queele não pertencia somenteàquele lugar. Ele trabalha nasruas, no escuro, sozinho. Amoessa ideia de que alguém estápintando o azul do céu comspray, no meio da noite.

Como é a cena do grafite naAustrália?

Depende.HálugaresemMel-bourne em que o grafite épermitido, como em HosierLane. E também há lugaresem que não é exatamentepermitido, mas aceitam eamam. Eu moro em Yarravillee em torno das ruas tem tra-balhos fantásticos. Há pes-soas que não gostam de gra-fite, não acreditam que sejaarte, e eu até consigo enxer-gar o seu ponto de vista. Em-bora eu ame virar a esquinae ver um cisne voando emuma parede, também con-cordo que é preciso respeitara propriedade alheia.

Após o livro tornar-se um su-cesso, você acredita que em umfuturo próximo outros escrito-res também falarão sobre o te-ma?

Algumas pessoas já escreve-ram sobre grafite e arte bemantes de mim e, bem, esperoque isso dure por muito tem-po. Quanto mais falamos eescrevemos sobre a impor-tância de fomentar as artes,melhor.

De onde surgiu o nome do li-vro?

A princípio o nome seria Lucy,Ed, Jazz e o Poeta, Leo, porémera longo. O primeiro rascu-nho que enviei para as edi-

toras foi The Mean Night, maso conteúdo mudou tanto etornou-se tão positivo, que otítulo não parecia se encaixarmais. Minha editora e eu con-versamos a respeito e GraffitiMoon foi o único que gos-tamos. Gostei desse devidoaos comentários de Ed a res-peito da Lua aprisionada – daideia de que às vezes vocêprecisa pintar seus própriostrabalhos e torná-los mara-vilhosos.

Como foi o processo criativo?Passei cerca de dois anos es-crevendo. Eu sabia que que-ria escrever sobre arte. Na-quele tempo, estava meiocansada das palavras. Li emalgum lugar que às vezes aspalavras ficam no meio docaminho. Comecei a visitar al-gumas galerias e observarobras que me inspiraram. Fuia uma exibição de arte emvidro, da artista BethanyWheeler. Por causa do seutrabalho, Dale Chihuly tam-bém me fascinou e todos osoutros artistas de vidro aus-tralianos.

Como foi a experiência de re-construir imagens que Lucy e Edviram e transformá-las em pa-lavras?

Essa foi a melhor parte. Issoé o que eu amo sobre a es-crita. Gosto de tentar trans-formar algo que vejo ou ouçoem palavras. Eu observei umlustre da artista Dale Chihulypor um bom tempo e depoisescrevi que aquilo parecia co-mo sonhos arrancados da pe-le de alguém. Isso é engra-çado. E todas as obras de Edforam tiradas da minha ima-ginação. Não pensei muito arespeito, escrevi seguindo ofluxo da minha consciência.Há um momento em que nãoestou pensando muito e aspalavras parecem estar sen-do escritas por outra pessoa.Eu vivo por esse momentoquando vou escrever.

LITERATURA

A Vista de Castle Rock, de Alice Munro,retrata em contos sua origem familiarDA REDAÇÃO

Cartas, documentos e uma von-tade imensa de reconstruir a his-tória familiar. Em A Vista de Cas-tle Rock, a canadense Alice Mun-ro investiga, durante um bompar de anos, as suas origens,chegando até a Escócia de 1818e a um lado de sua família, osLaidlaw. E o que ela descobrenesta pesquisa é que muitos dosantepassados também se de-bruçaram em registrar a sagafamiliar.

A busca lhe rendeu uma boa

quantidade de informações arespeito dessa família: a origemem Ettrick Valley, Escócia, o lon-go caminho que fizeram até che-garem ao Canadá em um naviocheio de imigrantes e finalmen-te o estabelecimento na regiãorural de Ontário, onde AliceMunro cresceu.

NarrativaComo a própria autora revela,embora seja um levantamentodocumental que fez, o livro éuma reunião de contos. Dispos-ta a recriar certas passagens que

considerava absolutamente im-prenscindíveis para o entendi-mento do leitor, a autora sen-tiu-se à vontade para completaros fatos a partir de uma nar-rativa mais romanceada, segun-do ela mesmo revela, logo noprefácio do livro.

A obra foi lançada original-mente em 2006, é o 12º livro daautora, cuja importância foi re-conhecida em 2013, ao recebero Prêmio Nobel de Literatura –primeira vez concedido a um es-critor dedicado a narrativas cur-tas.

Andrew Testa / Eyevine /Zuma Press / Divulgação

Alice Munro é também autora do livro de contos Fugitiva

Munro possui umaliteratura marcadapela concisão ecomplexidadedas personagensfemininas

CURTAS

Edufba promove lançamento nesta terça

Nesta terça-feira, a Editora daUniversidade Federal da Bahia(Edufba) promove o lançamen-to do livro Direito Autoral, Pro-priedade Intelectual e Plágio,organizado por Rubens RibeiroGonçalves da Silva. No evento,que acontece no Auditório doprédio principal da Faculdadede Direito da Ufba, às 17 horas,o público presente poderá ad-quirir a obra com descontos es-peciais. Composto por nove ca-pítulos, a coletânea reúne tex-tos que trazem desde o conceitode plágio, a evolução históricae as sanções civis previstas navigente Lei de Direito Autoral

até o direito autoral no con-texto do ambiente acadêmico ea disponibilização de conteú-dos em acesso aberto.

O livro éorganizado porRubens RibeiroGonçalves da Silvae fala da legislaçãode direitos autorais

Game of Thrones assume liderança na HBO

Game of Thrones, a série daHBO vencedora do Emmy, su-perou Os Sopranos como a maispopular da emissora, informoua rede de TV a cabo. Episódiosda quarta temporada da sérietêm uma audiência média de

18,4 milhões de espectadores,incluindo reprises, vídeo sobdemanda e exibições em outrasplataformas que quebraram orecorde de 18,2 milhões datemporada de 2002 do dramasobre a máfia Os Sopranos. )