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Lean na Reciclagem de Materiais da Cooperativa Aliança
O objetivo deste artigo é mostrar como a aplicação de alguns conceitos
lean ajudou a melhorar a produtividade, a renda e o ambiente de trabalho na
Cooperativa Aliança de Sumaré-SP. Esperamos que este exemplo possa
contribuir para inspirar iniciativas semelhantes em outras comunidades,
trazendo a elas resultados tão significativos quanto os apresentados aqui.
A Cooperativa Aliança foi formada em 1999, a partir de um projeto para
geração de trabalho e renda implantado pela ONG “Ecologia e Dignidade
Humana” (EDH) de Campinas. A Aliança dedica-se a coletar, separar por tipos,
prensar e comercializar materiais recicláveis, recebidos como doação de
empresas, residências e condomínios da região de Campinas e Sumaré.
O trabalho na Cooperativa envolve intenso esforço físico, pois toda a
movimentação dos materiais, inclusive de fardos com mais de 100 kg, é feita
manualmente, além de ser uma atividade perigosa, por conta do manuseio de
objetos cortantes e potencialmente contaminados. Essas condições são
agravadas por estarem associadas à pouca consciência sobre a necessidade
do uso de EPIs e às más condições de higiene. Os frascos, garrafas e
inúmeros tipos de embalagens recebidas, frequentemente contêm restos
orgânicos que ocasionam sujeira e mau cheiro, tornando o ambiente de
trabalho ainda mais hostil.
Ainda assim, a Cooperativa oferece oportunidade de emprego e renda a
uma mão-de-obra, muitas vezes, marginalizada e que encontra grande
dificuldade em ser aceita pelo mercado de trabalho formal, por sua baixa
escolaridade, falta de qualificação profissional e problemas pessoais no
passado.
Um dos membros da ONG entrou em contato com o Lean Institute Brasil
(LIB) no final de 2008 para propor a possibilidade de um trabalho conjunto e,
em fevereiro de 2009, a Aliança passou a aplicar os conceitos enxutos, com
apoio do LIB, a fim de melhorar seus processos e resultados.
Bruno Battaglia Lean Institute Brasil
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O estado original – até fevereiro de 2009
Considerando as condições gerais bastante precárias, as necessidades
da Aliança no início dos trabalhos eram muito básicas. A remuneração era
baixa e o ambiente de trabalho era desorganizado e pouco produtivo. Além
disso, eram frequentes e desgastantes os problemas de relacionamento,
havendo pouco espírito de equipe e senso de interdependência entre os
cooperados.
O material era recebido solto no estoque de entrada (Imagem 1) e,
posteriormente, colocado em bags (unidade de transporte com cerca de 30 kg
do material), seguindo para uma etapa de pesagem e, então, para mesas
individuais de separação (triagem), cujo número variava entre 10 e 14,
dependendo do número de pessoas que estivessem disponíveis para trabalhar.
Cada triadora recebia um bag e fazia a separação dos 40 possíveis
tipos de recicláveis, com tempo de ciclo médio de 75 minutos por bag, como
ilustrado no Gráfico 1:
Imagem 1 : Estoque de entrada. Material era descarregado fora dos bags.
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Estado Original - Cada um tria tudo:
Cada pessoa separava todos os tipos de materiais contidos em um bag em mesas individuais.
Média dos tempos de ciclo/bag
Mesas individuais
de triagem
Tempo de ciclo médio bag/triadora
Triadoras mais experientes
O material separado em sacos plásticos era movimentado para a área
de estocagem, de onde era retirado para ser prensado e transformado em
fardos que são, então, vendidos aos clientes. O rejeito (lixo orgânico) de cada
mesa passava por uma pesagem para compor o cálculo estimado da produção
individual em quilogramas, com base na qual era feita a remuneração dos
cooperados.
Na forma como estava organizada a produção, a produtividade média
era de 180 – 220 kg/triadora/dia e a renda quinzenal em torno de R$140,00. O
lead time, ou seja, o tempo decorrido entre o recebimento do material e a
expedição na forma de fardos, era de 37 dias, sendo 20 dias no estoque de
entrada.
Gráfico 1: Tempos de ciclo (triagem) dos bags com a organização da produção em mesas individuais (estado original).
75min.
Tempo médio
Estado original: Cada triadora separava todos os tipos de materiais de um bag em mesas individuais.
Triadoras mais experientes
Tem
po d
e ci
clo
méd
io d
o ba
g /
tria
dora
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Para auxiliar a Cooperativa a tornar suas atividades mais eficazes e
produtivas foi necessário lançar mão de ferramentas simples que estivessem
apoiadas em recursos visuais e fossem úteis para a criação de um mínimo de
estabilização da mão-de-obra, padrão de trabalho e de organização do espaço
físico no barracão.
Aplicando os conceitos lean: estado atual (de março de 2009 a março de
2010)
Com a análise do fluxo de valor original foram propostas algumas
alterações para reduzir o lead time e aumentar a produtividade, configurando-
se o estado atual da cooperativa.
Para reduzir os 20 dias do estoque de entrada, foi necessário controlar o
volume de recebimento por cerca de uma semana, enviando o material de
coleta a outras cooperativas. Dessa forma, foi possível organizar e limpar a
área de coleta. A partir daí, o material passou a ser descarregado dos
caminhões diretamente nos bags, facilitando a movimentação até as mesas de
triagem. Isso contribuiu para melhoria do fluxo do material e da organização da
área (Imagem 2).
.
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Estado Atual - Divisão do conteúdo de trabalho:
Cada triadora se tornou especialista em separar alguns tipos de materiais.dos bags em mesas coletivas.
Média dos tempos
de ciclo/bag
Mesas coletivas
de triagem
Tempo de ciclo médio bag/triadora
A separação dos materiais, antes individual, passou a ser feita em 3
mesas coletivas, com 4 pessoas em cada (Imagem 3), sendo que as
operadoras tornaram-se especialistas em determinados tipos de produtos
(cerca de 10 por triadora). Essa divisão do trabalho aumentou a produtividade e
possibilitou que as triadoras menos experientes conseguissem ter boa
produção com materiais mais fáceis de serem reconhecidos e manuseados,
inicialmente, enquanto as mais experientes – uma por mesa - separassem
materiais mais trabalhosos, marcando, assim, o ritmo da triagem.
Com as mesas coletivas, o tempo de ciclo médio baixou de 75 para 10
minutos, aproximadamente (Gráfico 2).
Imagem 3 : No estado atual, a triagem é feita em mesas coletivas.
Trabalhando em equipe
Um bag trabalhado
por quatro pessoas 10 min.
Tempo médio
Estado atual: Divisão do conteúdo de trabalho - Cada triadora se tornou especialista em alguns tipos de materiais.
Tem
po d
e ci
clo
méd
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bag
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Imagem 2: Nível controlado de estoque. Material descarregado em bags
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A produção das mesas de triagem passou a ser relacionada com o
número de bags triados e apontada em quadros de acompanhamento visual
(Figura 1). Ao final da triagem de cada bag, um chaveiro é pendurado no
suporte demarcado com o intervalo de hora correspondente ao horário da
produção. Dessa forma, as informações sobre o status da produção podem ser
verificadas hora a hora. O mesmo ocorre com os fardos que saem das prensas.
O lead time caiu de 37 para 9 dias, sendo 5 dias de fardos, 2 dias de
material triado e 2 dias de estoque de entrada, em média. Houve também uma
diluição dos impactos das variações de conteúdo dos bags e da qualificação da
mão-de-obra entre os membros da equipe, tornando a produção mais uniforme
e constante. Em agosto de 2009, as mesas foram agrupadas para formar uma
única mesa coletiva, o que foi possível pela qualificação mais homogênea entre
as triadoras.
A remuneração deixou de ser vinculada à produção individual em
quilogramas. Na situação atual, após serem cobertos os custos fixos, o
restante do dinheiro obtido com a venda dos materiais é dividido entre os
cooperados de maneira proporcional ao número de horas trabalhadas por cada
um, sendo o valor da hora de trabalho igual para todos. Com o fim do cálculo
da produção individual, as pesagens dos bags antes da triagem e do rejeito de
cada mesa tornaram - se desnecessárias e foram eliminadas.
Figura 1: Quadro de acompanhamento da produção.
Gráfico 2: Tempos de ciclo dos bags com a organização em mesas coletivas
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No que se refere à necessidade de sensibilizar para a importância da
organização e limpeza no ambiente de trabalho, os cooperados receberam um
treinamento básico sobre os cinco sensos (5s). Para dar suporte à
implementação dos conceitos apresentados no treinamento e contribuir com a
organização das áreas, foi desenvolvida uma sistemática de avaliações
semanais, nas quais são auditados os padrões de organização, com base em
fotos de referência, como nos exemplos do estoque de fardos (Figura 2) e da
área da balança (Figura 3):
Figura 2: À direita, padrão de organização do estoque de fardos.
Referências para o cumprimento dos 5s
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Para minimizar os efeitos da instabilidade da mão-de-obra, foi
desenvolvido um “Plano de Integração”, a partir do qual os novos cooperados
recebem informações gerais sobre o histórico e o funcionamento da
Cooperativa, instruções sobre o trabalho a ser realizado, os cuidados
necessários com segurança e higiene etc. Para auxiliar na tarefa de transmitir o
conteúdo e contextualizar os recém-chegados, é utilizado um roteiro ilustrado
com as etapas-chave do processo de intergração.
Resultados
As alterações do layout da triagem proporcionaram um ganho de
produtividade na ordem de 68%, passando de 180 - 220 kg/triadora/dia para
280 - 320 kg/triadora/dia, já na primeira quinzena após a implementação. O
tempo médio de ciclo dos bags foi reduzido de 75 minutos para 10 minutos e o
lead time de 37 para 9 dias. A renda quinzenal dos cooperados, por sua vez,
teve um aumento de 130%, passando de R$140 para R$320, em média. Os
dados estão no quadro abaixo:
Indicadores Estado original
Fev/ 2009
Estado atual Março de 2009 a Março
de 2010
Produtividade
(kg/triadora/dia) 180 - 220 280 - 320
Renda quinzenal média R$ 140,00 R$ 320,00
Tempo de ciclo dos bags
75 10
Lead time (dias) 37 9
Figura 3: À direita, padrão de organização da área da balança.
Quadro 1: Dados comparativos entre o estado original e o atual da Cooperativa.
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Como reflexo da melhoria do fluxo e das condições gerais de
organização do barracão, houve ainda um ganho de área de aproximadamente
20m², que transformou um depósito de materiais (Imagem 4A) na sala de
treinamento e de reuniões da Cooperativa (Imagem 4B).
Em paralelo com a melhoria física do ambiente de trabalho, ocorreu um
avanço positivo no comprometimento dos cooperados com a produtividade,
bem como no que diz respeito ao relacionamento entre eles. A criação das
mesas coletivas, neste contexto, contribuiu para o fortalecimento natural do
espírito de equipe na Aliança.
Como passo adicional, foi feito um estudo a respeito da logística
inbound, com o objetivo reduzir as distâncias de transporte e otimizar a
utiização do caminhão de coleta. Todos os pontos de coleta foram identificados
e após uma análise detalhada, a rota, anteriormente “aleatória”, foi substituída
por outra em que os pontos localizados em uma mesma região são coletados
no mesmo dia, minimizando as distâncias e os custos de transporte.
Os próximos passos: a nova estrutura física
Através da EDH, a Cooperativa recebeu do Banco Nacional para o
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) um financiamento para a
construção de um barracão próprio e compra de máquinas e equipamentos. O
layout do novo barracão e os processos de produção do estado futuro da
Aliança foram elaborados com o auxílio da ferramenta lean 3P (Preparação do
Imagem 4: (A) Antes - Estoque de materiais. (B) Depois – Sala de reuniões.
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Processo de Produção), com a qual são atribuídos pontos para classificar as
alternativas possíveis de acordo com diversos critérios, tais como:
produtividade, simplicidade, custo envolvido, segurança e ergonomia, entre
outros, objetivando um estado futuro em que sejam priorizados o fluxo contínuo
e a agregação de valor nos processos de triagem, prensagem e movimentação
de materiais. A análise feita no 3P com as pontuações das propostas é
mostrada no Quadro 2:
Elencadas as propostas na análise 3P, foi elaborado o layout do novo
“barracão lean”, apresentado na Figura 4, no qual as etapas estão arranjadas
de modo a reduzir a necessidade de movimentação dos materiais, facilitando o
fluxo.
Quadro 2: Análise 3P - Critérios de avaliação das propostas para os processos de prensagem e triagem no estado futuro da Cooperativa.
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Pré triagem dos materiais
Mesas de triagem
Supermercado de material
triado
Supermercado de fardos
Prensas
Com as novas instalações e o pessoal bem treinado, estima-se uma
produtividade 40% maior da triagem no estado futuro e 65% maior no
processo de prensagem dos materiais, aumentando consideravelmente a renda
dos cooperados.
Conclusão:
A implementação de conceitos lean na Cooperativa, antes mesmo de
amenizar algumas das graves questões, ajudou a conscientizar os cooperados
sobre a existência de problemas e da importância de reconhecê-los como
oportunidades de melhorar continuamente. Como em qualquer transformação
lean, entretanto, a mudança de cultura e hábitos tem sido um dos maiores
desafios. Mesmo assim, é possível notar que a percepção dos cooperados
sobre como enxergar e resolver os problemas tornou-se mais clara e
autônoma, desde o início das atividades, em 2009.
A realidade da Cooperativa ainda é bastante difícil, apesar dos avanços
descritos neste artigo. O trabalho manual continua muito pesado e a
remuneração aquém das necessidades. Em contrapartida, há boas
perspectivas para os próximos passos, por conta do financiamento do novo
barracão e das estimativas de aumento de eficiência e renda que o estado
futuro proporcionará.
Figura 4: Layout lean do estado futuro da Cooperativa.
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A construção da nova estrutura física, entretanto, não basta para
solucionar todos os graves problemas da Cooperativa, de modo que, para a
obtenção de estabilidade da mão-de-obra e de uma gestão sólida, torna-se
necessária a operação das atividades de maneira cada vez mais eficaz e
produtiva. Até lá, contudo, ainda há muito trabalho a ser feito.
Agradecimentos. Obrigado a todos que colaboraram para a elaboração deste
artigo, em especial à Maria Cristina Amoroso Lima, idealizadora do contato da
Aliança com o Lean Institute Brasil e responsável pela implantação do projeto
lean na Cooperativa; aos cooperados da Aliança, pela força de vontade e
coragem em encarar as mudanças; e aos colegas do LIB Diogo Kosaka,
gerente do projeto, e Alvair Silveira Torres Júnior, que apoiou na elaboração da
concepção do novo barracão.
Agradeço à EDH a oportunidade de trabalhar como estagiário durante as
etapas iniciais de realização deste projeto.
Bruno
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