Download - Livro Brasil Haiti Olhares Cruzados

Transcript
Page 1: Livro Brasil Haiti Olhares Cruzados
Page 2: Livro Brasil Haiti Olhares Cruzados

BRASIL-HAITIOLHARES CRUZADOS

FRECHALPORT AU PRINCE

Créditos / Credits

COORDENAÇÃO EDITORIAL / EDITORIAL CO-ORDINATION

Dirce Carrion

FOTOGRAFIAS / PHOTOS

Ricardo Teles, Cabinda e Rio de JaneiroMauro Pinto, Porto Alegre e MaputoCrianças da Escola D. Paulino F. Madeca, CabindaCrianças do morro da Chacrinha, Rio de JaneiroCrianças da Vila dos Papeleiros - AREVIPA, Porto

Alegre e do Galpão de Reciclagem PassoDorneles, Viamão no Rio Grande do Sul

Crianças do bairro de Hulene, Maputo

APOIO / SUPPORT

Secretaria Especial de Políticas de Promoçãoda Igualdade Racial

PRODUÇÃO / PRODUCTION

Imagem da VidaEditora Reflexo

Fórum Social Mundial - Porto Alegre 2005

EDIÇÃO DE FOTOGRAFIAS / PHOTOGRAPHIC EDITING

Dirce Carrion

DESIGN E DIREÇÃO DE ARTE / GRAPHICS AND DIAGRAMS

Shadow DesignMauricio Nisi Gonçalves

TRADUÇÃO / TRANSLATION

Graham Howells

REVISÃO DO PORTUGUÊS / PORTUGUESE REVISION

Gisele Gama

PRODUÇÃO GRÁFICA / GRAPHIC PRODUCTION

Shadow Design

IMPRESSÃO E ACABAMENTO / PRINTING AND BINDING

Pancrom Indústria Gráfica

TÍTULO DO LIVRO / TITLE OF THE BOOK

Brasil-Haiti - Olhares CruzadosBrasil-Haiti - A Meeting of Eyes

Page 3: Livro Brasil Haiti Olhares Cruzados

4 5

O Haiti é logo alí do outro lado da estrada. Crianças do Quilombo do Frechal

Page 4: Livro Brasil Haiti Olhares Cruzados

6 7

Brasil-Haiti: Olhares Cruzados

O projeto Brasil-Haiti, Olhares Cruzados vem promovero conhecimento recíproco e a solidariedade entre bra-sileiros e haitianos por meio do intercâmbio de ima-gens produzidas por crianças brasileiras e haitianas.Com base em experiências similares em Angola eMoçambique, este trabalho apresenta de maneira ori-ginal a realidade social de crianças haitianas e brasi-leiras residentes em comunidades carentes.

Além de trabalhar o lado lúdico da ação de fotografare pintar, o projeto evidencia como a cultura, as brin-cadeiras e a maneira de interagir com a família e asociedade são parecidas no Brasil e no Haiti. Mais doque um projeto, Brasil-Haiti: Olhares Cruzados é umaponte entre universos ao mesmo tempo tão distantese tão próximos.

Desde 2004, quando o Brasil passou a integrar comexpressivo efetivo a Missão das Nações Unidas para aEstabilização no Haiti (MINUSTAH), criou-se um fortemovimento de aproximação entre os dois países. O 18de agosto, data do amistoso entre as seleções do Bra-sil e do Haiti, passou a ser celebrado como o Dia daPaz. Para comemorar a data, em 2005, foi inauguradoum mural na Praça Saint Pierre, produzido no própriolocal por pintores haitianos e brasileiros. Enquanto omural era pintado pelos artistas, centenas de criançasde escolas públicas e orfanatos de Porto Príncipe par-ticiparam do projeto produzindo seus próprios desenhos.

Religião e cultura dos dois países, com suas raízescomuns no continente africano, também irmanam Haitie Brasil. A participação brasileira na reestruturaçãoda democracia no Haiti deixa claro nosso compromis-so com a recuperação do país. Mais do que trazersegurança e ordem, o Brasil quer contribuir para arevitalização das instituições e para a promoção dodesenvolvimento econômico, social e cultural do Haiti.A MINUSTAH parte do princípio de que a paz não éum bem gratuito. Deve-se trabalhar pela paz com afin-co. E o preço da paz é a participação.

O trabalho da brasileira Dirce Carrion e sua equipevisa dar a conhecer aos haitianos algo mais sobre umpaís que eles tanto admiram, mas com o qual não têmtido, ainda, a oportunidade de estabelecer contatosestreitos. A iniciativa se insere na dimensão humanistaque a política do Governo do Presidente Lula vem im-primindo à diplomacia brasileira.

Embaixador Celso Amorim,Ministro de Estado das Relações Exteriores

Brésil-Haïti: Regardes Croisés

Le projet “Brésil-Haïti, Regards Croisés” a l’intentionde promouvoir la connaissance réciproque et la solida-rité entre brésiliens et haïtiens au moyen de l’échanged’images réalisées par des enfants brésiliens et haï-tiens. Basé sur des expériences semblables en Angolaet au Mozambique, ce travail présente de manière ori-ginale la réalité sociale d’enfants haïtiens et brésilienshabitants des communautés défavorisées.

Tout en travaillant le coté ludique de l’action de pho-tographier et de peindre, le projet met en évidence lefait que la culture, les jeux et la façon d’interagir avecla famille et la société se ressemblent au Brésil et enHaïti. Plus qu’un projet, “Brésil-Haïti: Regards Croi-sés” s’agit un pont entre des univers à la fois si dis-tants et si proches.

Depuis 2004, quand le Brésil s’est mis à intégrer avecun effectif considérable la Mission des Nations Uniespour la stabilisation en Haïti (MINUSTAH), un puissantmouvement d’approximation entre les deux pays s’est créé.Le 18 Août, date du match amical entre les équipes duBrésil et d’Haïti, est maintenant célébré comme le Jourde la Paix. Pour fêter la date, en 2005, une murale a étéinaugurée sur la place Saint Pierre, réalisée sur placepar des peintres haïtiens et brésiliens. Pendant que l’œuvreétait exécutée par les artistes, des centaines d’enfantsd’écoles publiques et orphelinats de Port-au-Prince ontparticipé au projet faisant leurs propres dessins.

La religion et la culture des deux pays, ayant leurs raci-nes communes dans le continent africain, aussi, lientHaïti et Brésil. La participation brésilienne dans la res-tructuration de la démocratie en Haïti témoigne de no-tre engagement avec la récupération du pays. Plus qued’apporter sécurité et ordre, Le Brésil entend contri-buer à la revitalisation des institutions et à la promotiondu développement économique, social et culturel d’Haïti.La MINUSTAH part du principe que la paix n’est pas unbien gratuit. Il faut travailler pour la paix avec ténacité.Et le prix de la paix est la participation.

Le travail de la brésilienne Dirce Carrion et de son équipevise à faire les haïtiens découvrir un peu plus sur unpays qu’ils admirent tant, mais avec lequel ils n’ont pas,encore, eu l’occasion d’établir des liens étroits. L’initia-tive s’inscrit dans la dimension humaniste que la politi-que du gouvernement du Président Luis Inácio Lula daSilva confère dernièrement à la diplomatie brésilienne.

Ambassadeur Celso Amorim,Ministre d’État des Relations Extérieures

Page 5: Livro Brasil Haiti Olhares Cruzados

8 9

O olhar sensível sobre a identidade haitiana

Nas últimas décadas têm-se ampliado os olhos e senti-dos voltados para as condições de vida que os povosde diversas localidades do mundo desfrutam. Esses olha-res, provocados por movimentos sociais, debatidos nasconferências mundiais e por governos locais compro-metidos com a mudança, apreendem, principalmente,o exercício da democracia como fonte de justiça, cida-dania e igualdade, para além de fronteiras políticas,econômicas, sociais e culturais.

Os mesmos olhares globais que aproximam idéias eformas de vida também estão atentos às desumanida-des históricas que separaram etnias, destronaram reise rainhas e massacraram comunidades, transforman-do-os em mercadorias e trabalhadores escravizados.

A África – mãe, origem e escola para estes povos es-palhados pelo mundo sob sua ascendência e descen-dência – hoje reconstrói sua história, por meio de seusfilhos: países compostos, em sua grande maioria, porpessoas descendentes de africanos trazidos na escra-vidão, que lutam pela liberdade de expressar sua iden-tidade e pelo seu desenvolvimento político, econômicoe comercial.

Brasil e África uniram-se de maneira trágica pela es-cravidão e por todo o aparato comercial instalado nacosta do Atlântico, tanto lá como cá, para o tráfico deescravos. A abolição tardou a acontecer, mas com elanossos antepassados conquistaram a liberdade. Iniciou-se aí outro ciclo que não correspondeu exatamente àconquista da cidadania plena, a qual ainda continuasendo nosso intuito.

Hoje, nos reaproximamos da África por meio de con-vênios, acordos bilaterais e multilaterais, partilhandoas possibilidades de crescimento econômico, políticoe social. Da mesma forma, é hora de demonstrar soli-dariedade ao povo haitiano. Há muito somos convida-dos para refletir sobre nossa irmandade com este povoque conquistou a liberdade política, quando muitosbrasileiros – e afro-descendentes de outras partes do

mundo – nem sequer acreditavam que seriam um diatratados da mesma maneira que os outros cidadãos ecidadãs. No Haiti, a independência chegou 118 anosantes de sua conquista no Brasil, fazendo daquele paísa primeira república negra do mundo, em 1804, e tor-nando-o um farol para todas as nações e culturaslibertárias.

Por esse motivo, o país encontrou dificuldades para seestruturar, permanecendo isolado e sem efetivo respal-do externo. Hoje, a comunidade internacional preocu-pa-se de maneira mais enfática por que as condiçõesde vida são inadmissíveis, com profundas desigualda-des econômicas e sociais e toda a sorte de mazelas.

Urge contribuir para o resgate da ousadia ancestraldesse povo, que iluminou durante séculos a resis-tência similar que ocorreu no Brasil e em outros can-tos do mundo.

O governo brasileiro tem tratado a agenda da Promo-ção da Igualdade Racial de maneira continuada, o quefica explícito na incorporação do Brasil ao projeto Olha-res Cruzados, que traz incontáveis possibilidades. En-tre elas esse livro, que busca similaridades de nossosolhares sobre o mundo e explora a proximidade da iden-tidade haitiana com a nossa.

O Brasil e o Haiti, embora nações diferentes, sofremdas mesmas seqüelas deixadas pela escravidão: a ri-queza concentrada, a violência racial, a resistência, asfavelas. Infelizmente, a escravidão e o colonialismo fo-ram marcas comuns na nossa história.

A verdade é que nós, brasileiros, africanos e haitianossabemos pouco – ou quase nada – uns dos outros,mas mantemos forte identidade. Pouco nos conhece-mos no que diz respeito às nossas produções, nossasorganizações políticas, nossas linguagens. Temos, sim,um laço ancestral e cultural que une o Brasil a paísesque possuem grande contingente populacional negro,pois muito de suas identidades se assemelham.

Ministra Matilde Ribeiro, Secretária Especialde Políticas de Promoção da Igualdade Racial

Regard sensible sur l’identité haitienne

Pendant les dernières décennies les yeux et les sensdirigés vers les conditions dans lesquelles vivent lespeuples de diverses parties du monde se sont intensi-fiés. Ces regards, provoqués par des mouvements so-ciaux, débattus dans les conférences mondiales et pardes gouvernements locaux engagés avec la transfor-mation, perçoivent, principalement, l’exercice de la dé-mocratie comme source de justice, de citoyenneté etd’égalité, au-delà de frontières politiques, économiques,sociales et culturelles.

Les mêmes regards globaux qui rapprochent idées etformes de vie sont aussi attentifs aux inhumanités his-toriques qui séparent les ethnies, détrônent rois et rei-nes, massacrent les communautés, les transformant enmarchandises et travailleurs esclaves.

L’Afrique – mère, origine et école pour ces peuples dis-persés dans le monde sous son ascendance et des-cendance – reconstruit aujourd’hui son histoire par lebiais de ses fils: pays composés dans leur majorité dedescendants d’africains amenés en esclavage qui lut-tent pour la liberté d’exprimer leur identité et pour leurdéveloppement politique, économique et commercial.

Brésil et Afrique se sont unis de façon tragique du fait del’esclavage et tout l’apparat commercial installé sur la côteAtlantique, là-bas comme ici, pour la traite des esclaves.L’abolition a tardé, mais avec elle, nos ancêtres ont con-quis leur liberté. Ensuite s’est amorcé un autre cycle quin’a pas correspondu exactement à la conquête de la pleinecitoyenneté, qui est toujours notre propos.

Aujourd’hui nous nous rapprochons de l’Afrique au tra-vers de pactes, d’accord bilatéraux et multilatéraux,partageant les possibilités de croissance économique,politique et sociale. Ainsi, c’est le moment de démon-trer notre solidarité au peuple haïtien. Depuis longtempsnous sommes invités à réfléchir sur notre fraternité avecce peuple qui a conquis la liberté politique, alors quebeaucoup de brésiliens – et afro-descendants d’autresparts du monde – ne croyaient jamais pouvoir être trai-

tés de la même manière que les autres citoyens et ci-toyennes. Au Haïti, l’indépendance est arrivée 118 ansavant celle du Brésil ne soit conquise, faisant de cepays la première république noire du monde, en 1804,et le transformant en un phare pour toutes les cultureslibératoires.

Pour cette raison, le pays rencontra des difficultés pourse structurer, restant isolé et sans appui effectif externe.Aujourd’hui, la communauté internationale se préoccupede façon plus emphatique car les conditions de vie sontinadmissibles, avec de profondes inégalités économiqueset sociales ainsi que toutes sortes de misères.

Il est urgent de contribuer a la récupération de la har-diesse ancestrale de ce peuple, qui pendant des siè-cles a illuminé la résistance similaire au Brésil et end’autres coins du monde.

Le gouvernement brésilien s’occupe de l’agenda de la“Promotion de l’Égalité Raciale” d’une manière conti-nue, ce qui est explicite par la participation du Brésilau projet “Regards Croisés”, qui apporte d’innombra-bles possibilités. Entre autres, ce livre, qui rechercheune similitude de nos regards sur le monde et explorela proximité entre l’identité haïtienne et la notre.

Le Brésil et le Haïti, nations pourtant différentes, souf-frent des mêmes séquelles de l’esclavage: richesseconcentrée, violence raciale, résistance, favelas. Mal-heureusement l’esclavage et le colonialisme ont été desmarques communes de notre histoire.

En vérité, nous, brésiliens, africains et haïtiens, ne sa-vons que peu – ou presque rien – les uns des autres,mais nous maintenons une forte identité. Nous nousconnaissons à peine en ce qui concerne nos produc-tions, nos organisations politiques, nos langages. Nousavons, il est vrai, un lien ancestral et culturel qui uni leBrésil aux pays possédant un grand contingent de po-pulation noire, car grande partie de leurs identités seressemblent.

Matilde Ribeiro, Secrétaire Spécialede Politiques de Promotion de l’Égalité Raciale

Page 6: Livro Brasil Haiti Olhares Cruzados

10 11

Page 7: Livro Brasil Haiti Olhares Cruzados

12 13

A água da chuva que empoça sobre a pedraEvapora ao sol

A fonte que nasce dentro da terra e aflora da rochaJamais se esgota

Delege Yakpecu – Abomey, 11 de fevereiro de 2006

Caminhos Cruzados

Benin, Brasil, Haiti são vértices de um mesmo triânguloque talvez apenas o olhar viajante de Pierre FatumbiVerger conseguiu registrar. Verger foi um estudioso dasreligiões de matrizes africanas, tendo também viajadopara o Haiti onde registrou o universo do vodu. Vem pelaprimeira vez ao Brasil em 1946 motivado pela curiosida-de despertada pelo livro “Jubiabá”, de Jorge Amado. NoBenim, berço do vodou, confirma a estreita relação como candombé e, como um dos pais da antropologia visu-al, vê despertado seu interesse pela saga dos “agudás”,descendentes de escravos brasileiros que retornaram àÁfrica após a abolição da escravatura. Em sua perma-nência no Brasil, durante uma visita à Casa das Minasdo Maranhão, Verger identifica o uso da linguagem se-creta do vodou da família real de Abomey, o que o levoua crer que o culto lá praticado tenha sido introduzidopela mãe de Ghezo, Rei de Ouidá, que foi vendida comoescrava no início do século XIX. Talvez este seja um dosmuitos elos da corrente intencionalmente rompida pelosmercadores de escravos que exploravam o tráfico entrea África e as colônias na América na intenção de apagarou erradicar a cultura africana.

Revisitando as fotos de Verger, muitas vezes refiz a tra-vessia entre o Brasil e a África e cada vez mais seevidenciavam suas semelhanças, impondo-se a neces-sidade de contribuir para o fortalecimento da nossaidentidade africana. Mas o que era primeiramente umameta profissional resultou num projeto de vida: os Olha-res Cruzados, desenvolvido inicialmente com criançasbrasileiras e africanas em 2004, estendeu-se ao Haiti,país onde tive a certeza de que somos todos galhos deuma mesma árvore.

Cruzamos os olhares das crianças haitianas com as doquilombo do Frechal no Maranhão, e mais uma vez as

raízes comuns foram evidenciadas quando formulei umapergunta para as crianças: “Quem sabe onde é o Haiti”?Ao que elas responderam: “É logo ali do outro lado daestrada”. De fato, na época em que a liberdade eraapenas um sonho, existiu nas terras do quilombo doFrechal um lugar denominado Haiti, que tinha o signifi-cado de “Terra Livre”, local que foi refúgio para os ne-gros que conseguiam escapar do pesadelo daescravidão. Caetano Veloso e as crianças maranhensestinham razão: “O Haiti é aqui”.

Esta não foi a última coincidência, pois algum tempodepois, em Brasília, durante um encontro para acertaros detalhes do projeto Brasil-Haiti – Olhares Cruza-dos, a reunião foi interrompida por um telefonema coma noticia da viagem do Presidente Lula ao Benin e anecessidade de realizar um evento cultural para a visi-ta presidencial em um espaço de tempo praticamenteinviável. Intervi e disse que seria possível fazê-lo, poisjá havia participado de um trabalho sobre os escravosretornados ao Benin. Sugeri, então, a realização da ex-posição Agudás – Os brasileiros do Benin, de autoriado antropólogo brasileiro Milton Guran, com quem via-jei pela primeira vez ao antigo reino de Abomey.

Ao chegarmos ao Benin, novamente os caminhos secruzam e temos um encontro com um outro antropólo-go que está pesquisando as matrizes africanas das re-ligiões afro-brasileiras, que levou recentemente ao Beninum apelo da Casa das Minas do Maranhão aos mes-tres do vodou de Abomey: precisavam do apoio destespara resgatar uma parte do ritual de iniciação que havi-am perdido. Por conta do cruzamento de todas estasiniciativas, a carta confirmando a vinda ao Brasil deuma delegação dos mestres do vodou, que poderá evi-tar o desaparecimento de parte importante das tradi-ções da Casa das Minas do Maranhão, volta ao Brasilpelas mãos da Ministra Matilde Ribeiro que acompa-nhou o Presidente Lula ao Benin. O jogo do Ifá maisuma vez refaz a travessia.

Dirce Carrion, Presidente da OSCIP Imagem da Vidae Coordenadora do Projeto Olhares Cruzados

Page 8: Livro Brasil Haiti Olhares Cruzados

14 15

Page 9: Livro Brasil Haiti Olhares Cruzados

16 17

Fantasias infantis em tempos difíceis

Brincadeiras e jogos são não apenas recursos essen-ciais para a construção da passagem da infância parao mundo adulto, mas consistem nas ferramentas maiseficazes para se cuidar dos desajustes psíquicos nas-cidos da instabilidade ou da desagregação dos laçossociais e familiares nos conflitos armados ou nas situ-ações de carência econômica. Embora muitos não sai-bam, o direito às brincadeiras e aos jogos éreconhecido pela Convenção Internacional sobre osDireitos da Criança.

Além das feridas concretas, mensuráveis, os ambien-tes opressivos tendem a subverter um alicerce funda-mental da infância: a crença de que os pais podemproteger os filhos em circunstâncias perigosas. A po-breza e a exclusão social, embora mais insidiosas queos conflitos, também resultam na desmontagem de fa-mílias e na desorientação ante um cotidiano hostil.

À margem da concepção da guerra como inerente ànatureza humana, das instâncias em que o recurso àsarmas parece justo segundo o direito internacional, ouda aceitação tácita, por vezes religiosa, de que a misé-ria é fruto de diferenças inevitáveis entre os homens,os governos e a coletividade não podem fugir do com-promisso de suavizar o sofrimento infantil.

As atividades lúdicas devem levar em conta as cren-ças e os valores do grupo social em que são desen-volvidas. Oficinas de fotografia — pelo que é da próprianatureza da fotografia — também propiciam o resgateda fantasia e da imaginação. O equipamento inevitá-vel não passa de instrumento para que as crianças eos adolescentes possam se “reapropriar” dos ambien-tes, costumes e roupagens que constituem os perso-nagens e cenários de cada lugar. O resgate doimaginário, com os recursos simbólicos do ambientecultural de cada sujeito, serve como iniciativa de re-tomada da crença no futuro, componente primário dadignidade humana.

Paulo Schiller, Pediatra e psicanalista

Les fantaisies des enfants en temps difficiles

Le jeu n’est pas simplement un moyen essentiel pour laconstruction du passage de l’enfance vers le mondeadulte, mais c’est l’outil le plus efficace pour traiter lestroubles psychiques issus de l’instabilité ou de la désa-grégation des liens sociaux et familiaux dans les con-flits armés ou dans les situations de carenceéconomique. Bien que beaucoup l’ignorent, le droit aujeu est reconnu par la Convention internationale surles droits de l’enfant.

En plus des blessures concrètes, mesurables, les am-biances oppressives tendent à bouleverser un fonde-ment essentiel de l’enfance: la croyance que les parentspeuvent protéger leurs enfants dans des circonstancesdangereuses. La pauvreté et l’exclusion sociale, mêmesi plus insidieuses que les conflits, participent aussi audémontage de familles et à la désorientation face à unquotidien hostile.

En dehors de la conception de la guerre comme inhé-rente à la nature humaine, des instances où le recoursaux armes semble juste selon le droit international, oude l’acceptation tacite, parfois religieuse, que la misèreest le fruit de différences inévitables entre les hommes,les gouvernements et la collectivité ne peuvent fuir l’en-gagement d’atténuer la souffrance des enfants.

Les activités ludiques doivent prendre en compte lescroyances et les principes du groupe social où ellessont employées. Des ateliers de photographie – pource qui est de la propre nature de la photographie –favorisent aussi le retour à la fantaisie et à l’imagina-tion. Le matériel inévitable n’est qu’un instrument pourqu’enfants et adolescents puissent se “réapproprier” desambiances, des coutumes et façades qui constituentles personnages et les décors de chaque milieu. Larécupération de l’imaginaire, à l’aide des recours sym-boliques de l’ambiance culturelle de chaque sujet, sertd’initiative de reprise de la foi en l’avenir, composantprimaire de la dignité humaine.

Paulo Schiller, Pédiatre et psychanalyste

Page 10: Livro Brasil Haiti Olhares Cruzados

18 19

HaitiBrasil

Page 11: Livro Brasil Haiti Olhares Cruzados

20 21

Page 12: Livro Brasil Haiti Olhares Cruzados

22 23

Título

Os primeiros africanos a pisar no continente america-no eram livres. Participavam de um intenso trânsitocomercial que havia se estabelecido desde osprimórdios da navegação entre a África, o Brasil, e oCaribe, então chamado de Índias Ocidentais, tão ricoe importante como as afamadas Índias Orientais. Se-guindo a tradição que remonta ao antigo Império doMali, Abubakari II teria organizado, em 1311, a primei-ra viagem transatlântica entre a África e o continenteamericano, quase dois séculos antes dos europeus. Écerto que as rotas às duas Índias já estavam bastanteestabelecidas bem antes das viagens de Colombo,Vespúcio e Da Gama, contando com a experiência denavegadores árabes, berberes, mandinka e outros afri-canos, alguns dos quais guiaram os navios europeus.Foram também mercadores africanos, árabes e judeusque fizeram a riqueza da Nova Amsterdã dos Holande-ses, a atual Recife brasileira, e ao serem expulsos doBrasil, chegaram livres e prósperos à costa norte ame-ricana para onde transplantaram a cidade que se tor-nou depois Nova York.

Ao contrário do que se pensa, a escravidão foi umainstituição que cresceu através dos séculos XVI e XVIIcom a consolidação do domínio europeu. O tráfico deescravos foi portanto a primeira grande operação co-mercial globalizada que levou à ascendência dahegemonia européia, às custas das vidas e dos corposde africanos e índios. A rápida desintegração da popu-lação ameríndia perpetrada pela guerra da conquista epelas doenças introduzidas pelos europeus agravaramgradativamente a falta de mão-de-obra nas plantaçõescoloniais e levaram à escravidão dos povos africanos.Índios e africanos compartilharam assim a primeira ex-periência comum do “terror” perpetrado pelas grandesnações européias. A partir de 1530, os Portuguesescomeçaram a importar escravos africanos para o Bra-sil. Quiçá a maior sombra que pese sobre a sua histó-ria, o Brasil foi o último país do continente americano aadotar a abolição, mais de 350 anos depois.

Não há de fato na história da humanidade algo tãocruel e desumano como o recorde da instituição doescravagismo. Mais de 15 milhões de índios perderiamsuas vidas. Mais de 15 milhões de africanos teriamsido erradicados de suas terras e levados acorrentadosàs Américas, a grande maioria ao Caribe e ao Brasil,mas também à América Hispânica, à América do Nortee à Europa. Um número pelo menos duas vezes maiorpereceria em alto mar, durante a “passagem média,”viagem transatlântica na qual os escravos eram encer-rados e amontoados nos cascos dos navios, cenário deum inferno dantesco.

Os africanos que conseguiam desembarcar obviamen-te não perdiam a primeira oportunidade para escaparàs torturas a que eram submetidos e se juntar aos índi-os que os haviam precedido nos territórios ainda nãoconquistados. Formaram-se assim os quilombos e mar-rons, símbolos da resistência à opressão e às atrocida-des do colonizador europeu, e fontes de uma culturade resistência. Das narrativas comuns de emancipa-ção nasceria uma filosofia e estética simbiótica, resul-tado de uma grande mestiçagem entre diferentes povosafricanos e indígenas, mas também semiótica, pois queserviria à comunicação de uma cultura incorporada euma religiosidade proibidas pelos limites impostos pelaescravidão.

O imperialismo europeu só sobreviveu graças ao ra-cismo excludente e à tentativa de erradicação siste-mática da humanidade e racionalidade de uma culturaque o historiador britânico Paul Gilroy batizou comoa do “Atlântico Negro”: uma cultura híbrida,diaspórica, e globalizada, não circunscrita às fron-teiras étnicas ou nacionais. Por causa da liberdadeque lhe foi negada, esta cultura fez da arte a suahistória, e da música sua religião. Não é por acaso,portanto, que as bandeiras do voudou haitiano, atra-vés dos arabescos de seus veveys, ou o conceito denação nas diversas religiões afro-brasileiras, marcamnão a identificação com um grupo ou lugar específi-co, mas são signos da unificação de uma cultura que

Título

Les premiers Africains arrivés sur le continent améri-cain étaient libres. Ils participaient d’un intense traficcommercial établi dès les premiers jours de la naviga-tion entre l’Afrique, le Brésil, et les Caraïbes, alors ap-pelées “Indes Occidentales”, aussi riches et importantesque les célèbres “Indes Orientales”. Suivant la traditionqui remonte à l’ancien Empire du Mali, Abubakari II auraitorganisé, en 1311, le premier voyage transatlantiqueentre l’Afrique et le continent américain, presque deuxsiècles avant les Européens. Il est certain que les itiné-raires vers les deux Indes étaient déjà établis bien avantles voyages de Colomb, Vespucci et Gamma et queces itinéraires avaient compté avec l’expérience denavigateurs arabes, berbères, mandingues, et autresAfricains, certains ayant guidé les navires européens.Ce sont aussi des négociants africains, arabes et juifsqui ont fait la richesse de la Nouvelle Amsterdam desHollandais, l’actuelle ville brésilienne de Recife, et qui,après être expulsés du Brésil, sont arrivés libres et pros-pères sur la côte nord américaine où ils ont transplantéla ville qui plus tard deviendrait New York.

Contrairement à nos idées acquises, l’esclavage a étéune institution qui a grandi à travers les XVIème et XVIIème

siècles du fait de la consolidation de la suprématieeuropéenne. La traite des esclaves fut donc la premièregrande opération commerciale globalisée qui a fait l’as-cendance de l’hégémonie européenne, au prix de vieset de corps d’Africains et d’Indiens. La désintégrationrapide de la population amérindienne perpétrée par laguerre de conquête et par les maladies introduites parles Européens a aggravé graduellement le manque demain-d’œuvre dans les plantations coloniales. Indienset Africains ont partagé ainsi la première expériencecommune de “terreur” pratiquée par les grandes na-tions européennes. À partir de 1530, les Portugais ontcommencé à importer des esclaves africains au Brésil.Ceci étant peut-être la plus grande ombre pesant surson histoire, le Brésil a été le dernier pays du continentaméricain à adopter l’abolition, plus de 350 ans après.

Il n’y a rien, en effet, d’aussi cruel et inhumain dansl’histoire de l’humanité que les records de l’institutionde l’esclavage. Plus de 15 millions d’Indiens perdraientleur vie. Plus de 15 millions d’Africains auraient étéenlevés de leurs terres et emportés enchaînés auxAmériques, la grande majorité aux Caraïbes et au Bré-sil, mais aussi en Amérique Hispanique, en Amériquedu Nord et en Europe. Un nombre au moins deux foisplus grand périrait en haute mer, pendant le “passagemoyen,” voyage transatlantique où les esclaves étaientenfermés et entassés dans les cales des navires, scé-nario d’un enfer dantesque.

Les Africains qui réussissaient à débarquer profitaient,évidemment, de la première occasion pour échapperaux tortures auxquelles ils étaient soumis et rejoindreles Indiens qui les avaient précédés dans les territoiresnon encore conquis. Ainsi se sont formés les “quilombos”et les communautés marron, symboles de la résistanceà l’oppression et aux atrocités du colonisateur euro-péen, et sources d’une culture de résistance. Les récitscommuns d’émancipation ont donné naissance à unephilosophie et une esthétique symbiotique, résultat d’ungrand métissage entre différents peuples africains etindigènes, mais aussi sémiotique, qui servirait à com-muniquer une culture incorporée et une religiosité in-terdites par les limites imposées par l’esclavage.

L’impérialisme européen n’a survécu qu’à cause du ra-cisme proscripteur et de la tentative d’éradication sys-tématique de l’humanité et de la rationalité d’une culturebaptisée “l’Atlantique Noir” par l’historien britanniquePaul Gilroy: une culture hybride, diasporique et globali-sée, non circonscrite aux frontières ethniques ou natio-nales. Parce que la liberté lui a été niée, cette culture afait de l’art son histoire et de la musique, sa religion.Ce n’est pas par hasard, cependant, que les drapeaux1

du vaudou haïtien, à travers les arabesques de leursvévés2, ou que le concept de nation dans les diversesreligions afro-brésiliennes ne marquent pas l’identifica-tion avec un groupe ou un lieu spécifique; en effet, cesont les signes de l’unification d’une culture qui a fleuri

Page 13: Livro Brasil Haiti Olhares Cruzados

24 25

floresceu entre a África e as Américas, e que o euro-peu tentou fragmentar ou destruir.

O que não podia virar palavra, tornou-se gesto, oque não podia criar raízes, tornou-se movimento. Acultura tornou-se espír i to, uma espécie detranscultura, e a humanidade implícita das divinda-des ancestrais africanas, ou nascidas na resistênciacontra os opressores, foi antes expressa através deconceitos como o invisível e os mistérios. Mas a re-sistência deu lugar à rebelião contra a repressão e ojugo. Em 1804, o Haiti torna-se a primeira repúblicainteiramente livre do continente americano, pois osEstados Unidos haviam se tornado independentes elivres apenas para os filhos e descendentes de euro-peus. Ao reconquistarem o direito à palavra, grandespensadores, artistas e autores afro-descendentes fi-zeram da recuperação da memória execrada e daautobiografia um ato de simultânea auto-criação eauto-emancipação.

É este processo que o projeto Olhares Cruzados visacontinuar: ao dotar crianças na África, no Brasil e noCaribe, em regiões que se encontram até hojesubjugadas pela herança de colonialismos, com os meiospara a articulação, a expressão e a comunicação desuas realidades, de suas culturas e de seus novos ima-ginários, através de um oceano que ainda hoje é mui-tas vezes silenciado, pretendemos possibilitar acontinuidade da evolução e a transformação das rela-ções humanas.

Marcelo Fiorini, Antropólogo e cineasta

Marcelo Fiorini, Antropólogo,Université de Paris III, Sorbonne Nouvelle

entre l’Afrique et les Amériques, et que l’Européen atenté de fragmenter ou détruire.

Ce qui ne pouvait pas être exprimé en mots est devenugeste, ce qui ne pouvait pas créer de racines, est de-venu mouvement. La culture est devenue esprit, uneespèce de transculture, et l’humanité implicite des divi-nités ancestrales africaines, ou celles issues de la ré-sistance contre les oppresseurs, a été exprimée à traversdes concepts comme l’invisible et le mystère. Mais larésistance a cédé sa place à la rébellion contre la ré-pression et le joug. En 1804, l’Haïti devient la premièrerépublique entièrement libre du continent américain, carles États-Unis n’étaient devenus indépendants et libresque pour les enfants et les descendants d’Européens.Après avoir reconquis le droit à la parole, de grandspenseurs, artistes, et auteurs afro-descendants ont faitde la récupération de cette mémoire exécrée et de l’auto-biographie, un acte simultané d’autocréation et d’autoémancipation.

C’est ce processus que le projet Regards Croisés al’intention de poursuivre: en dotant les enfants d’Afri-que, du Brésil, et des Caraïbes – dans des régions quise trouvent jusqu’aujourd’hui submergées par l’héritagede colonialismes – de moyens d’articulation, d’expres-sion et de communication de leurs réalités, de leurscultures et de leurs nouveaux imaginaires, à travers unocéan qui encore aujourd’hui est souvent tu, nous pré-tendons rendre possible la continuité de l’évolution etla transformation des relations humaines.

Marcelo Fiorini, Anthropologue brésilien

Marcelo Fiorini, Antropólogo,Université de Paris III, Sorbonne Nouvelle

Page 14: Livro Brasil Haiti Olhares Cruzados

26 27

Haiti, une culture de resistance

Haïti forme avec les Caraïbes et le Brésil, l’ensembledes pays qui ont mieux conservé l’héritage africain enAmérique. Cet héritage africain est le prolongement del’héritage taino vieux de près de six milles ans qui arésisté face à l’invasion des Européens (5 décembre1492) venus voler, violer et tuer au nom du christia-nisme et de la civilisation. Mais le génocide des Indiensa poussé ces Blancs à faire chercher de force des mil-lions de noirs d’Afrique, les réduire en esclavage à titrede “biens meubles” et les intégrer dans le système co-lonial-esclavagiste. Là ces noirs sont soumis à un ré-gime d’exploitation sauvage, à un régime d’oppressionet de répression brutale et à un régime de manipulationidéologique sans pareil.

Face à cette situation aussi deshumanisante que dé-gradante, les noirs esclaves ont d’abord résisté et ma-nifesté une lutte sans merci pour la reconquête de leursdroits humains élémentaires que le système leur refu-sait par tous les moyens. Le marronnage dans les mor-nes (Doko) a permis la formation d’une identité culturellepropre qui n’est autre que “le langage original des Mas-ses, le langage des frustrations socio-historiques desopprimés, un langage de résistance et un lieu d’invul-nérabilité face aux exploiteurs et aux oppresseurs”. C’estavec cette culture de lutte que les noirs esclaves ontpu arriver à fonder, le 1er Janvier 1804, la premièreRépublique Noire du monde ou la seconde républiquelibre de l’Amérique après les Etats-Unis.

Mais, cette expérience unique fut rapidement considé-rée comme perversive et subversive de l’ordre colonialet esclavagiste régnant en Amérique. La révolution haï-tienne fut donc diabolisée, endiguée et étouffée pourque les autres colonies de l’Amérique ne suivent ce“mauvais” exemple d’Haïti.

Parallèlement, la nouvelle élite haïtienne a construit unesociété basée sur l’apartheid sociale et l’exclusion. L’élitehaïtienne extravertie et anémiée n’a jamais pu réaliserune véritable intégration nationale et sociale. L’Etat et

Haiti, uma cultura de resistência

O Haiti forma com o Caribe e o Brasil o conjunto dospaíses ou regiões que melhor conservaram a herançaafricana na América. Esta herança africana é o prolon-gamento da herança Taino, antiga de cerca de seis milanos, que se opôs ante a invasão dos europeus (5 dedezembro de1492) que vieram roubar, violar e matarem nome do cristianismo e da civilização. Mas ogenocídio dos índios levou estes brancos a buscar àforça milhões de negros da África, reduzi-los à escravi-dão a título de “bens materiais’” e integrá-los ao siste-ma colonial escravocrata. Nele, estes negros foramsujeitos a um regime de exploração selvagem, a umregime de opressão e de repressão brutal, bem como aum regime de manipulação ideológica sem igual.

Perante esta situação desumanizante e degradante, osescravos negros a princípio se opuseram e se manifes-taram em uma luta sem trégua para reconquistar os seusdireitos humanos básicos, o que o sistema lhes recusa-va por todos os meios. O “aquilombamento” nas monta-nhas (Doko) permitiu a formação de uma identidadecultural própria que não é outra senão “a linguagem ori-ginal das massas, a linguagem das frustrações sócio-históricas dos oprimidos, uma linguagem de resistênciae um local invulnerável contra os exploradores e os opres-sores”. É com esta cultura de luta que os escravos ne-gros puderam chegar a fundar, em 1o de janeiro de 1804,a primeira república negra do mundo ou a segunda re-pública livre da América, após os Estados Unidos.

Mas esta experiência inigualável foi rapidamente con-siderada como pervertedora e subvertedora da ordemcolonial e escravagista que reinava na América. A re-volução haitiana foi portanto demonizada, reprimida easfixiada de modo que outras colônias da América nãoseguissem este mau exemplo do Haiti.

Paralelamente, a nova elite haitiana construiu uma so-ciedade baseada no apartheid social e na exclusão. Aalienada e enfraquecida elite haitiana nunca pôde rea-lizar uma verdadeira integração nacional e social. O

estado e a elite haitiana sempre manifestaram uma ati-tude de desprezo no que diz respeito às massas e àcultura popular. As massas haitianas retomaram outravez a resistência secular, inventando todas as formas eestratégias de sobrevivência a partir do vodou, do anal-fabetismo e da oralidade, da língua créole e de suareferência à África...

Jean Yves Blot, Diretor Geral daInstituto Nacional de Etnologia do Haiti.

l’élite haïtienne ont toujours manifesté une attitudeméprisante vis-à-vis des masses et de la culture popu-laire. Les masses haïtiennes sont de nouveau repliéesdans la résistance séculaire inventant toutes formesde stratégies pour survivre à partir de leur vodou, leuranalphabétisme et leur oralité, leur langue créole et leurréférence à l’Afrique…

Jean Yves Blot, Directeur Général duBureau National D’Ethnologie du Haiti

Page 15: Livro Brasil Haiti Olhares Cruzados

28 29

Frechal - Maranhão

Page 16: Livro Brasil Haiti Olhares Cruzados

30 31

Frechal: O negro não se calou!

A história do quilombo Frechal teve início em 1792, quan-do Manuel Coelho de Sousa recebeu, por meio desesmaria, a gleba de terra a qual denominou FazendaPindobal, na época, Município de Guimarães (atual mu-nicípio de Mirinzal). Em seu testamento de partilha, aquelaterra passou para as mãos de Torquato Coelho de Sousa,junto com escravos de diversas nações africanas.

Nesta época, já existiam na região grandes quilombos,como o de Lagoa Amarela, no município de Chapadinha,Limoeiro, no município de Turiaçu, e outros. Osquilombolas participavam de ações que ultrapassavama defesa do quilombo, como no caso do movimentochamado Guerra da Balaiada, liderado por NegroCosme, ocorrido entre 1838 e 1841.

Foi nesse contexto histórico que o quilombo Frechalviveu durante 210 anos, com suas lutas e sua culturapassando de geração para geração . Uma comunidadecuja história sempre esteve ligada ao próprio processode escravidão no Maranhão.

Mesmo após a suposta abolição da escravidão, osquilombolas de Frechal tiveram de continuar lutandopor sua sobrevivência, sua liberdade e suaindepedência. Em 1974, teve início um novo e intensoconflito, com a chegada na comunidade de um pretensoproprietário que se intitulou dono daquelas terras, tra-zendo consigo o absurdo do desmatamento e muitasproibições : de roçado, criação de animal doméstico,construções das casas, pesca artesanal, manifestaçõesculturais... Ou seja, novamente a escravidão...

Este conflito chegou a durar 20 anos. No começo, oshabitantes de Frechal se sentiram bastante desorienta-dos, mas em 1985, cansados de sentir na pele o quan-to estavam sendo prejudicados por esta nova escravidão,resolveram se organizar como um grupo, mobilizando-secontra aquela exploração. A primeira atitude a ser to-mada foi a fundação de uma associação de moradores,com participação da Igreja, do sindicato e de diversasentidades de apoio. A mobilização estendeu-se até o

Centro de Cultura Negra do Maranhão e a SociedadeMaranhense de Direitos Humanos, onde foi elaboradoum processo judicial, culminado na criação de uma re-serva extrativista, hoje reconhecida no Brasil inteiro comoReserva Extrativista, de Frechal. O reconhecimento deseus direitos e a luta por eles garantiu aos quilombolasde Frechal uma vida melhor e mais digna.

A luta pela posse da terra marca a existência e o coti-diano de todos os trabalhadores que, há séculos, viveme cultivam no quilombo Frechal. Estes trabalhadores,descendentes de escravos, não são frutos de movimen-tos migratórios. A sua memória oral não está presa aoutro lugar senão ao Frechal: eles sempre estiveramlá, seus pais e seus avós nasceram e foram enterradosnaquelas terras.

Ivo Fonseca Silva, Coordenador Executivo daAconeruq – Associação das Comunidades Negras

Rurais Quilombolas do Maranhão

Frechal: Le nègre ne s’est pas tu!

L’histoire du Quilombo3 Frechal commence en 1792,quand Manuel Coelho de Sousa reçoit, par sesmaria4,le morceau de terre qu’il appelle Fazenda Pindobal, àl’époque dans la commune de Guimarães (aujourd’hui,commune de Mirinzal). Par son testament, cette terreet ses esclaves de diverses nations africaines, passeaux mains de Torquato Coelho de Sousa.

À cette époque, il existait déjà dans la région de grandsquilombos, comme celui de Lagoa amarela dans la com-mune de Chapadinha, celui de Limoeiro dans la com-mune de Turiaçu, et d’autres. Les quilombolasparticipaient à des initiatives qui excédaient la défensedu quilombo, comme le cas du mouvement appelé Guerrada Balaiada, mené par Negro Cosme, de 1838 à 1841.

C’est dans ce contexte historique que le QuilomboFrechal vécut pendant 210 ans, ses luttes et sa cul-ture passant de génération en génération. Une commu-nauté dont l’histoire a toujours été reliée au propreprocessus de l’esclavage du Maranhão.

Même après la supposée abolition de l’esclavage, lesquilombolas de Frechal ont dû continuer à luter pourleur survie, leur liberté e leur indépendance. En 1974,un nouveau et intense conflit s’est déclenché, avec l’ar-rivée dans la communauté d’un prétendu propriétairequi s’est intitulé maitre de ces terres, apportant aveclui l’absurdité du déboisement ainsi que beaucoup d’in-terdictions: de fauche, d’élevage d’animaux domesti-ques, de construction des maisons, de pêche, demanifestations culturelles… Soit, un nouvel esclavage…

Ce conflit a duré jusqu’‘a 20 ans. Au début, les habi-tants de Frechal se sont sentis bien désorientés, maisen 1985, lassés se voir tant préjudiciés par ce nouvelesclavage, ils décidèrent de s’organiser comme ungroupe, se mobilisant contre cette exploration. La pre-mière mesure prise a été la fondation d’une associa-tion de résidents, avec la participation de l’Église, duSyndicat et de diverses institutions d’appui. La mobili-sation s’est étendue jusqu’au Centre de la Culture

Noire du Maranhão et la Société Maranhense de DroitsHumains, où un procès judiciaire a été réalisé, culmi-nant dans la création d’une réserve d’extraction,aujourd’hui connue dans tout le Brésil comme Réserved’extraction de Frechal. La reconnaissance de leursdroits a garanti aux quilombolas de Frechal une viemeilleure et plus digne.

La lutte pour la possession de la terre marque l’exis-tence et le quotidien de tous les travailleurs qui, depuisdes siècles, vivent et cultivent au Quilombo Frechal.Ces travailleurs, descendants d’esclaves, ne sont pasle fruit de mouvements migratoires. Leur mémoire oralen’est liée qu’à Frechal: ils ont toujours vécu dans cesterres, leurs parents et grands-parents y sont nés et ysont enterrés.

Par Ivo Fonseca Silva, Coordinateur Exécutif del’Aconeruq – Association des Communautés Noires

Rurales Quilombolas5 du Maranhão

Page 17: Livro Brasil Haiti Olhares Cruzados

32 33

Au Bresil j’ai été surpris par la très grande diversitéculturelle de ce pays. Les cultures Amérindienne, Afri-caine, Européenne se retrouvent dans ce même pays,immense, de manière intrinsèque ou métissée, selonles villes ou les régions ou encore les communautés.

Dirce Carrion m’a guidé et m’a fait découvrir quelquesfacettes de son pays. Après la grande ville de Sao Paolonous sommes rendus dans l’état du Maranhao, où nousavons séjourné dans la communauté de Frechal où ré-sident quelques centaines d’habitants qui se nommentles Quilombos. Les Quilombos ressemblent étrangementaux Haïtiens.

Quilombos veut dire “Marrons” au Brésil. Pendant lapériode de l’esclavage, des Marrons ont pris posses-sion d’un terrain et ont organisé leur vie à leur manière,c’est -a dire, comme en Afrique et aujourd’hui ils viventen communauté, effectuent les travaux d’intérêt géné-ral en commun, s’entraident les uns les autres et sontles gardiens de leur tradition. J’ai admiré le côté paisi-ble et serein et la gentillesse des habitants de cettecommunauté noire du Brésil.

Mais ce qui m’a le plus surpris c’est d’avoir appris qu’ilexistait dans cette région une autre communauté deQuilombos qui s’appelait Haiti. Oui, Haiti avec le mêmeorthographe que le nôtre, sans toutefois les trémas sur lei, qui n’existent pas en portugais. Tout comme à Frechal,des Quilombos ont pris possession d’une terre et l’ontappelé “Haïti”, ce qui veut dire en vieux langage béninois,: “cette terre est à nous...”, mais ne m’avait-on pas donnéune, mais une seule fois, cette signification à propos del’origine du nom de mon pays? je ne l’avais pas cru.

Les ateliers de photographie et de peinture avec lesenfants de ces 2 communautés ont été une expérienceunique, intéressante et plein de sensibilité. La commu-nication a eu lieu, malgré la barrière que peut provo-quer la langue, et à Frechal, tout comme au Sénégal, jeme suis senti chez moi. Parmi les miens. Nous nousressemblons.

Maxence Denis, Artiste plastique, photographe

No Brasil, fui surpreendido pela grande diversidadecultural do país. As culturas ameríndia, africana e euro-péia se encontram nesse país imenso, de maneira in-trínseca ou miscigenada, variando conforme as cidades,regiões ou ainda comunidades.

Dirce Carrion me guiou pelo Brasil e me fez descobriralgumas de suas facetas. Depois da grande cidade deSão Paulo fomos para o estado do Maranhão e noshospedamos na comunidade de Frechal, onde residemalgumas centenas de habitantes que são chamados dequilombolas. Os quilombolas são estranhamente pare-cidos com os haitianos.

Quilombola, no Brasil, significa escravo fugido. Duranteo período da escravidão, os escravos fugidos tomavamposse de uma área e organizavam a vida à sua maneira– ou seja, como na África. Hoje, eles vivem em comuni-dade, efetuam os trabalhos de interesse geral e comum,ajudam-se uns aos outros e são os guardiões de suatradição. Admirei o caráter pacífico e sereno e a gentile-za dos habitantes dessa comunidade negra do Brasil.

Mas o que mais me surpreendeu foi ficar sabendo queexistia, naquela região, uma outra comunidade dequilombolas que se chamava Haiti. Sim, Haiti, com amesma ortografia que a nossa, sem, no entanto, o tre-ma, que não é usado em português sobre a vogal “i”.Assim como em Frechal, os quilombolas tomaram pos-se de uma terra e a chamaram de Haiti, o que querdizer, na antiga língua do Benin, “esta terra é nossa”.Será que alguma vez, uma única vez, já me deram essesignificado para a origem do nome de meu país? Eunão teria acreditado...

Os ateliês de fotografia e pintura com as crianças des-sas duas comunidades foram uma experiência única,interessante e cheia de sensibilidade. Conseguimos noscomunicar, apesar da barreira que a língua pode provo-car, e em Frechal, assim como no Senegal, me senticomo se estivesse em casa. Entre os meus. Nós nosparecemos.

Maxence Denis, Artista plástico e fotógrafo

Page 18: Livro Brasil Haiti Olhares Cruzados

34 35

Page 19: Livro Brasil Haiti Olhares Cruzados

36 37

Page 20: Livro Brasil Haiti Olhares Cruzados

38 39

Page 21: Livro Brasil Haiti Olhares Cruzados

40 41

Page 22: Livro Brasil Haiti Olhares Cruzados

42 43

fotos das

crianças do

frechal

FRECHAL Anácia Ana Dalva Ana Look Aurivan Bruna Dayane Érica Erick Gislainy Inácio Joberth John Karina KássiaKindara Kindê Leandro Leomarcos Luciano Luis Natácio Rarianne Sidney Taciane Thamlys Vanessa WalisonDESERTO Adilson Campos Vieira Aldirene Silva Velvo Ana Priscila Ribeiro Campos Andreia Silva Santos ArenildesTrindade Silva Beatrice Ferreira Ribeiro Bruna Alexandra Campos Cladenir Mafra Deuzenilde Pereira da Silva EdeildeCarvalho Ferreira Erik Jevi Carvalho Géssica Manuela Santos Moreira Gledison Lopes Gleiciene Campos GleicivâniaJadilson Fereira Rocha Josenildes Pereira da Silva Josilene Campos Mafra Letícia Luciane Ribeiro Santos MarilhaCunha Campos Marilucy Silva Mikalle Baita Rodrigues Nelcilede Osenilde Coelho Silva Raina Fabianne AraújoTaiane Pereira Silva Taiara Ferreira Mondengo Vaneide Vieira Ferreira Vitor Augusto Ferrira dos Santos

Page 23: Livro Brasil Haiti Olhares Cruzados

44 45

Page 24: Livro Brasil Haiti Olhares Cruzados

46 47

Page 25: Livro Brasil Haiti Olhares Cruzados

48 49

Page 26: Livro Brasil Haiti Olhares Cruzados

50 51

Page 27: Livro Brasil Haiti Olhares Cruzados

52 53

Port Au Prince

Page 28: Livro Brasil Haiti Olhares Cruzados

54 55

Fotos que fazem falar a vida

Poderíamos falar de muitos pontos em comum entre oHaiti e o Brasil. Duas terras que brilham de uma mesmacentelha; uma tão grande como um continente, outrauma pequena quase-ilha sobre o mar das Antilhas.

Poderíamos começar pela História: a violência do rap-to nas costas africanas, no bojo de navios negreiros,as correntes para os pés e ombros agrilhoados. Poderí-amos contrapor a revolta contra a escravidão, a ânsiade libertar-se do inferno colonial, e as vitórias do direi-to contra as grandes injustiças, para devolver à memó-ria seu quinhão de dignidade.

Poderíamos depois elaborar sobre o inventário dasimensas riquezas destas culturas cruzadas: ioruba elatina. Passando de um povo ao outro, descrevendosuas semelhanças, dos orixás aos loas, de Ogum àOgou, de Oiá à Agwe, de Iemanjá a Erzulie. Dos rit-mos e das cores, samba e yanvalou, pintura naïve eteatro total. Esta arte comum de falar, de pintar e can-tar a dor e o riso. Esta capacidade de inventar quetransforma todo ruído em música e não importa qualobjeto, em obra de arte.

Poderíamos também falar da realidade social. Da con-figuração aparente das desigualdades, das faces se-melhantes da discriminação. Rio e Porto-Príncipe,cidades e favelas, e a mesma pobreza que desce asmontanhas.

Poderíamos falar de todas as coisas comuns a estesdois países. A dor, o heroísmo. A beleza, o orgulho. Afidelidade à primeira origem, a difícil chegada àmodernidade. O passado e a luta por um futuro melhore um mundo mais justo. Olhemos tudo isto, habitemosao mesmo tempo o real e o sonho.

Mas nós podemos também nos deter. Deixar a vez àinfância. Não somos cegos ao sonho e à realidade por-que crescemos em bairro pobre. Não somos privadosde talento porque a sociedade na qual vivemos se aco-moda ante nossa miséria, a gera, a tolera.

Des photos qui disent la vie

Nous pourrions parler des multiples points communsentre le Brésil et Haïti. Deux terres qui brillent d’un éclatcommun, l’une aussi grande qu’un continent, l’autre,une petite presqu’île dans la mer des Antilles.

Nous pourrions commencer par l’Histoire: la violencedu rapt sur les côtes africaines, la cale des négriers,les chaînes pour les pieds et l’épaule étampée. Nouspourrions opposer la révolte à l’esclavage, le vœu deliberté à l’enfer colonial, les victoires du droit contrela grande injustice, pour rendre à la mémoire sa partde dignité.

Nous pourrions ensuite vous dresser l’inventaire desimmenses richesses de ces cultures croisées. Yorubaet latinité. Passer d’un peuple à l’autre, décrire leursressemblances, des Orixas aux Loas, de Ogun à Ogou,d’Oyat à Agwe, de Yemanja à Erzulie. Des rythmes etdes couleurs, samba et yanvalou, peinture naïve et théâ-tre total. Cet art commun de dire, de peindre et de chan-ter la douleur et le rire. Cette capacité inventive quitransforme tout bruit en musique, n’importe quel objeten objet d’art.

Nous pourrions aussi vous parler de la réalité sociale.De la configuration semblable des inégalités, des vi-sages similaires de la discrimination. Rio et Port-au-Prince, villas et bidonvilles, et la même pauvretédescendant des collines.

Nous pourrions parler de toutes ces choses communesaux deux pays. La douleur, l’héroïsme. La beauté, la fierté.La fidélité à l’origine première, la difficile entrée dans lamodernité. Le passé et la lutte pour un avenir meilleuret un monde plus juste. Regarder tout cela, habiter enmême temps le réel et le rêve.

Mais nous pouvons aussi nous taire. Laisser la place àl’enfance. On n’est pas aveugle au rêve et au réel parceque l’on grandit dans un quartier pauvre. On n’est pasprivé de talent parce que la société dans laquelle on vits’accommode à notre misère, la génère, la tolère.

As crianças do Haiti e do Brasil são seres vivos. Antesde falarmos por eles, é importante escutar o que dizem,seguir seus olhares, encorajar o diálogo entre eles, deum bairro desfavorecido de Porto-Príncipe a uma co-munidade pobre do Brasil, seguir a expressão destefundo cultural africano que se perpetua, resiste e enri-quece outras fontes culturais.

As crianças do Brasil e do Haiti têm olhos que vêem omundo tal como ele é e tal como ele deveria ser. Comuma câmera, eles fixaram sobre a película os momen-tos de suas vidas e de seus universos, tirados de frag-mentos da vida cotidiana. Com uma câmera, elas deramum sentido aos lugares, aos objetos, às cenas, sob asquais despontam, ao mesmo tempo, suas heranças econdições, mas também suas ternuras e esperanças.Estas fotos revelam suas apreensões espontâneas dascoisas da vida, o desejo de fazer e de fazer bem, seeles têm acesso ao saber-fazer.

As crianças do Brasil e do Haiti são seres humanos,Filhos da miséria1 perdidos em suas Cidades de Deus2,mas Capitães de areia3 e Governadores do orvalho4.As crianças negras do Brasil e do Haiti são pobres ericas. Tão vivazes quanto vivas.

Que aquele ou aquela que olhar estas fotos reconhe-çam nelas o pulsar de seus corações e tudo o quanto épossível dentro de si mesmos.

Evelyne e Lyonel Trouillot, Escritores haitianos

Les enfants d’Haïti et du Brésil sont des êtres vi-vants. Plutôt que de parler pour eux, il est importantd’écouter ce qu’ils disent, de suivre leur regard, d’en-courager le dialogue entre eux, d’un quartier défavo-risé de Port-au-Prince à une communauté pauvre duBrésil, de suivre l’expression de ce fond culturel afri-cain qui se perpétue, résiste et s’enrichit d’autresapports culturels.

Les enfants du Brésil et d’Haïti ont des yeux qui voientle monde tel qu’il est et tel qu’il devrait être. Avecune caméra, ils ont fixé sur pellicule des moments deleurs vies et de leur univers, saisi des fragments deleur vie quotidienne. Avec une caméra, ils ont donnéun sens à des lieux, des objets, des scènes derrièrelesquels pointent à la fois leur héritage et leur condi-tion, mais aussi leur tendresse et leur espoir. Cesphotos révèlent leur saisie spontanée des choses dela vie, l’envie de faire et de bien faire, s’ils ont accèsau savoir-faire.

Les enfants du Brésil et d’Haïti sont des êtres humains,Fils de misère1 perdus dans leurs Cités de Dieu2, maisCapitaines des sables3 et Gouverneurs de la rosée4.Les enfants noirs du Brésil et d’Haïti sont si pauvres etsi riches. Si vivants et vivaces.

Que celui ou celle qui regarde ces photos y recon-naisse l’élan de leur cœur et tout le possible en eux.

Evelyne et Lyonel Trouillot, Écrivain haitïen

Page 29: Livro Brasil Haiti Olhares Cruzados

56 57

Sem um espaço de visibilidade e sem confiar na palavrae na ação como modo de viver juntos,

nem a realidade de seu próprio eu, de sua própria identidade,nem a realidade do mundo que nos cerca pode ser estabelecida.

Hannah Arendt

Título

Bienvenue chez nous: as boas vindas em giz coloridosobre a lousa verde espelham os olhares ansiosos dosalunos que nos recebem na escola Isidore Boisrond.Charles, Alexandra, Mireille, Wenchise, Jean-Bernard…tantos nomes e sorrisos para um tempo infelizmentecurto demais. Nos crachás cuidadosamente improvisa-dos alguns sobrenomes ecoam a história da singularindependência do país enquanto os olhos revelam amesma curiosidade de todas as crianças do mundo.Alguns dias depois, a Escola Discrète Aumone nos aco-lhe em Bel Air com novos nomes e olhares, mas comigual curiosidade, saudável motor de qualquer proces-so criativo e de troca.

No espaço de uma semana, o Brasil da camisa 9 deRonaldo pintada na traseira dos tap-taps, das bandei-ras verde e amarela nos muros de Bel Air e nos unifor-mes da Minustah é descoberto através das paisagensdo Maranhão, das festas de Bumba, dos pequenosquilombolas do Frechal, dos pássaros multicoloridos…Nas páginas dos livros trazidos de tão longe “les timôme” conhecem um pouco mais desta terra tão proxi-mamente distante. E vocês, o que podem fotografarpara apresentar sua comunidade às crianças do Bra-sil? A pergunta inspira e excita: do Palais National àdecoração da sala de estar, dos cartazes de cinema aolixo nas ruas, dos vendedores ambulantes ao jantar emfamília, a lista vai tenuamente traçando um retrato davida em Port au Prince.

Em minha trajetória de artista mediadora é esta capa-cidade da fotografia para promover a observação indi-vidual e coletiva acerca de si mesmo e seu entornoque me interessa. Instigar o olhar e a partir dele o pen-sar-se é o que tem orientado meu trabalho com crian-ças e jovens em diversos países. Para além do manuseio

Sans avoir un espace de visibilité et sans croireà l’action et à la parole comme un moyen

pour vivre ensemble, ni la realité de soi-même,ni de sa propre identité peut être établie.

Hannah Arendt

Título

Bienvenue chez nous: le message en craie colorié surle tableau vert refléte les regards anxieux des élèvesqui nous reçoivent à l´école Isidore Boisrond. Charles,Alexandra, Mireille, Wenchise, Jean-Bernard ... tant deprénoms et des sourrires à retenir pendant un tempsmalheureusement si court. Sur les insignes soigneuse-ment improvisés quelques noms de famille ramènent àl´histoire singulière de l´indépendance du pays tandisque les yeux revèlent la même curiosité de tous lesenfants du monde. Quelques jours après, à Bel Air, desnouveaux prénoms et les mêmes regards curieux, im-pulsion à tous les processus criatifs, nous accueillent àl´ École Discrète Aumone.

Pendant une semaine, le Brésil de la chemise 9 deRonaldo peint à l´arrière des tap-taps, des drapeaux jauneet vert peints sur les murs de Bel Air et acrochés sur lestreillis de Minustah, est découvert à travers les paysa-ges du Maranhão, les fêtes du Bumba, les images despetits descendants des esclaves noirs, les “quilombolas”du Frechal, les oiseaux au vif coloris... Sur les pagesdes livres raménés de si loin, les “ti-mômes” connais-sent un peu plus de cette terre si lointaine et étrange-ment si proche. Et vous, que pourriez-vous photographierpour presenter votre communauté aux enfants du Bré-sil ? La question inspire et excite: du Palais National àla décoration de la salle de séjour, des enseignes ducinéma aux dechets dans les rues, des vendeurs ambu-lants au dîner en famille, la liste trace fragilement unportrait de la vie à Port au Prince.

Dans mon parcours d´artiste médiatrice ce quim´intéresse est cette capacité de la photographie àpromouvoir l´observation, individuelle mais aussicolective, sur son propre Moi et sur ce qui m´entoure .Provoquer le regard comme instigateur de la réflexion

Page 30: Livro Brasil Haiti Olhares Cruzados

58 59

das máquinas fotográficas é esta reflexão criativa quedá sentido ao processo. Se num primeiro momento, amáquina fotográfica oferece uma oportunidade de re-tratar o mundo à sua volta sob seu próprio ponto devista, com tempo e cuidado, a fotografia pode tornar-se não só uma forma de expressão mas também umaferramenta de empoderamento e de desenvolvimentode uma consciência coletiva que permite ocupar e ga-rantir um espaço social próprio.

Em Port-au-Prince, as imagens sem censura das cri-anças, espontâneas no enquadramento e tecnicamen-te cruas, falam mais de suas comunidades e de suasvidas do que qualquer ensaio fotográfico que eu po-deria ter feito no meu curto tempo de estrangeira emsolo haitiano. À moldura da janela do automóvel queme conduz pela cidade as crianças respondem como marco da porta do quarto, à altura do Urutu queme leva até Bel Air, elas contrapõem os dois pés bemplantados no chão de uma estreita viela, à distânciade passagem elas respondem com uma proximidadequase palpável, uma intimidade que salta aos olhosexclamando: esta é a minha vida! Os bichos de pelú-cia que comem sobre a cama, a mãe de seios desnu-dos, as pinturas do pai orgulhosamente exibidas, alição de casa feita sobre os degraus da escada decimento, os bibelôs sobre a cômoda recoberta porum tecido florido, os colegas a caminho da escolasob um céu cinza… fragmentos de tantas famílias,de tantas histórias compondo um mosaico mais doque revelador de uma cidade. À tamanha riqueza, sóposso acrescentar alguns poucos retratos, cheios derespeito e ternura, testemunhas desse encontro comesses jovens haitianos, com o desejo de que seu fu-turo seja mais esperançoso do que este presente tãomarcado pela dificuldade, pela violência e pela faltade perspectivas.

Marie Ange Bordas, Artista plástico e fotógrafo

sur soi-même, c´est cela que oriente le travail quej´accompli dans des differents pays auprès des enfantset des jeunes. Il s´agit d´aller au-délà de la simple utili-sation des appareils photo pour arriver à cette réflexioncréatrice qui donne du sens au processus. Ainsi, si dansun premier temps l´appareil photo offre l´opportunité d´appréhender un image personalisé du monde qui nousentoure, la photo peut devenir, si on lui consacre dutemps et une attention soigneuse, pas seulement unmode personnel d´expression mais aussi un instrumentpour se prende en charge “empowering” et de dévelop-pement d´une conscience collective qui permetd´occuper et de garantir un espace social comum.

A Port au Prince, les images sans censure, prises parles enfants, spontanés dans le cadrage et sanspréocupations techniques, mieux que n´importe quelessai photographique que ´j´aurai pu produire en si peude temps en sol haitien, nous parlent de leurs commu-nautés et de leurs vies. À l´encadrement de la vitre del´automobile qui me conduit en ville les enfants répon-dent avec le cadre de la porte de la chambre; à la hau-teur du char blindé, l´Urutu qui m´amène à Bel Air, ellesopposent leurs deux pieds bien enfoncés dans la terred´une rue étroite ; à l´éloignement du passage elles ré-pondent par une proximité quasiment palpable, une inti-mité qui saute aux yeux, qui s´exclame: C´est celle-làma vie ! Les peluches qui mangent sur le lit, les seinsdénudés de la mère, les peintures du pèreórgueilleusement exhibées, le devoir d´école répondusur les marches de l´escalier en ciment, les bibelots surle meuble recouvert d´un tissu à fleurs, les copains quimarchent vers l´école sous un ciel gris... tous des frag-ments de tant de familles, tant d´histoires, à composerun mosaique unique pour révéler une ville. A une sigrande richesse, je ne peux offrir sinon quelques por-traits, pleins de respect et de tendresse, témoins de cetterencontre avec ces enfants et jeunes haitiens, ainsi quemes voeux pour que l´avenir leur apporte beaucoup plusd´espoir de changer ce present si durement marqué parles difficultés, la violence et le manque de perspectives.

Marie Ange Bordas, Artiste plastique, photographe

Page 31: Livro Brasil Haiti Olhares Cruzados

60 61

Page 32: Livro Brasil Haiti Olhares Cruzados

62 63

Page 33: Livro Brasil Haiti Olhares Cruzados

64 65

Page 34: Livro Brasil Haiti Olhares Cruzados

66 67

Page 35: Livro Brasil Haiti Olhares Cruzados

68 69

fotos das

crianças de

port au prince

ESCOLA ISIDORE BOISROND Aderna Desvarieux Alexandra Borgella Alexandra Toussaint Anderson CharlesCadet Re Calixte Jean Bernard Florence Joseph Jean Gulles Lenes Jean Widner François Josiane TheodoreKensy François Ketia Francisque Lens Jean Sission Max Junior Barthelmy Michel IsamaelleMireille Jules Mirlanda Joseph Nathalie Civil Saint-Aime Peterson Schylla Dawine Sheena RichardSteffi Kenya Maignant Vanessa Casseus Vanessa Narcisse Wanson Fleurantin Wenchise ToussaintESCOLA DISCRETE AUMONE - BELAIR Bettyna Volcy Claudine Hipolite Darline Petion Delva BoazEtienne Luckner Fabiola Desir Farah Rochefort Formela Ruth Getro Moise Illysse Frantzpy Ivonne Pierre JamesJoseph Julanie Beauvic Juslene Moise Linda Joseph Lucien John Marie Micheline Brevil Marise IsmaelMax Du Frere Mythil Daphta Ralph Bissnith Ricardo Descoches Saatona Chevy Ulysse Makenzy

Page 36: Livro Brasil Haiti Olhares Cruzados

70 71

Page 37: Livro Brasil Haiti Olhares Cruzados

72 73

Page 38: Livro Brasil Haiti Olhares Cruzados
Page 39: Livro Brasil Haiti Olhares Cruzados

76 77

Page 40: Livro Brasil Haiti Olhares Cruzados

78 79

pinturas das

crianças de

port au prince

pinturas das

crianças de

frechal

ESCOLA ISIDORE BOISROND Aderna Desvarieux Alexandra Borgella Alexandra Toussaint Anderson CharlesCadet Re Calixte Jean Bernard Florence Joseph Jean Gulles Lenes Jean Widner François Josiane TheodoreKensy François Ketia Francisque Lens Jean Sission Max Junior Barthelmy Michel IsamaelleMireille Jules Mirlanda Joseph Nathalie Civil Saint-Aime Peterson Schylla Dawine Sheena RichardSteffi Kenya Maignant Vanessa Casseus Vanessa Narcisse Wanson Fleurantin Wenchise ToussaintESCOLA DISCRETE AUMONE - BELAIR Alci Jean Vitesse Alfred Islande Angeline Buteau Antoine NoulieBeatrice Joseph Cerve Ivens Charles Ester Elismè Junior Jerry Roland Joseph Wodan Joseph SchneiderJulio Alexandre Noxmal Nona Oinaese Nona Osner Jean Baptiste Ralph Dougè Rolanda VitalRonald Doctring Roseline Seragène Silta Isaac Stentia Celestin Stephania Charles Wisly Romanae

FRECHAL Anácia Ana Dalva Ana Look Aurivan Bruna Dayane Érica Erick Gislainy Inácio Joberth John Karina KássiaKindara Kindê Leandro Leomarcos Luciano Luis Natácio Rarianne Sidney Taciane Thamlys Vanessa WalisonDESERTO Adilson Campos Vieira Aldirrene Silva Velvo Ana Priscila Ribeiro Campos Andreia Silva SantosBeatrice Ferreira Ribeiro Bruna Cladenir Mafra Deuzenilde Pereira da Silva Edeilde Carvalho FerreiraElissandra Campos Silva Erik Jevi Carvalho Géssica Manuela Santos Moreira Gleicivânia Gleydison LopesGleyiene Campos Jadilson Fereira Rocha Josenilde Coelho Silva Josenilde Pereira da SilvaJoycilene Campos Mafra Letícia Luciane Ribeiro Santos Lucivania Marenilde Trindade SilvaMarilha Cunha Campos Maryluce Silva Myalle Baita Rodrigues Nelcilede Raina Fabianne AraújoTaiane Pereira Silva Thyara Ferreira Mondengo Vaneide Vieira Ferreira Vanuzia Vitor Augusto Ferreira dos Santos

Page 41: Livro Brasil Haiti Olhares Cruzados

80 81

Pour un pont vivant entre Haiti et le Brésil!

A la faveur d’une conjoncture géopolitique, voilà que deséchanges culturels entre la République d’Haïti et le Bré-sil se concrétisent. L’année 2005 a inauguré une séried’événements, dont la visite du ministre de la culture duBrésil, le célèbre Gilberto Gil, n’est pas des moindres.

Qu’est-ce qui rapproche nos deux peuples?

L’histoire – L’ancienne colonie française de Saint-Domingue et la province de Bahia ont en commun l’éco-nomie de plantation, et, son corollaire la traite négrière.

Le fait religieux, par ses diverses variantes populaires,le culte des saints catholiques associé ou intégré àcelui des divinités africaines, un panthéon qui présentebon nombre d’équivalences, objets d’études récentes,par ailleurs, est le plus évident.

Sur la musique, ont pourrait s’étendre longuement, tantla place du Brésil dans le paysage sonore haïtien est uneconstante, depuis les années cinquante. Il est regrettableque les travaux d’un Gérald Merceron, critique et com-positeur musical haïtien, disparu il y a une vingtaine d’an-nées, ne soient pas accessible au grand public. Fils dediplomate, il avait vécu au Brésil et, revenu au pays, toutpétri de culture brésilienne, avait tenté par ses composi-tions une fusion originale des deux traditions.

Plus récemment, Sergio Otanazetra, artiste brésilien,vivant en France, poussé par la simple curiosité, a sé-journé en Haïti pendant une quinzaine de jours.

Aujourd’hui, c’est par la force des enjeux macropolitiquesque le Brésil, puissance régionale, multiplie les signauxde son intérêt pour Haïti.

Le séjour du plasticien, créateur multimédia haïtien,Maxence Denis, au Brésil, en novembre 2005, à l’ini-tiative de la Fondation Africa-Brésil est une premièredu genre.

En effet, dans le domaine des arts plastiques, en dehorsd’irrégulières participations à la Biennale de Sao Paolo(le sculpteur Patrick Vilaire, l’installateur Mario Benja-

min, le peintre Edouard Duval-Carrié) et de quelquesinitiatives, qui se limitent à l’art naïf haïtien, c’est la toutepremière occasion, fournie à un artiste contemporaind’Haïti, d’explorer et d’approfondir l’univers brésilien.

Maxence, qui s’intéresse aux phénomènes urbains con-temporains, qu’il s’agisse des “Rave” à Berlin ou enFrance, des installations spontanées pratiquées par lecommerce informel d’Haïti ou du Sénégal, représentela nouvelle génération de plasticiens haïtiens.

Par sa maîtrise des nouvelles technologies, formé àl’audio-visuel et au milieu professionnel de la télévisionfrançaise, Maxence, qui a participé à la dernière Bien-nale de Venise avec une sculpture animée par desmoyens numériques, intitulée “Kwa Bawon”, est le créa-teur haïtien le mieux outillé pour établir la jonction en-tre ce pays-continent, le Brésil, et cette demi-île de laCaraïbe à l’histoire complexe et mouvementée entreles modes d’expression du jour: l’installation, la vidéo,la création numérique et les genres plus traditionnelsde la photographie et de la sculpture.

Il est souhaitable que de plus amples initiatives, éta-blissent le rôle de pont entre le monde Caraïbe, Haïtien l’occurrence, et le Brésil.

Barbara Prézeau Stephenson, Présidente de la FondationAfricAméricA, responsable Caraïbes et Amérique Latine

et Vice-présidente AICA / Caraïbes du Sud

Por uma ponte viva entre o Haiti e o Brasil!

Graças à conjuntura geopolítica, eis que trocas cultu-rais entre a República do Haiti e o Brasil se concreti-zam. O ano de 2005 inaugurou uma série de eventos,entre eles a visita do Ministro da Cultura do Brasil, ofamoso Gilberto Gil, o que não é pouca coisa.

O que aproxima nossos dois povos?

A história: a antiga colônia francesa de São Domingose a província da Bahia têm em comum a economia deplantation e seu corolário, o negócio negreiro.

Além disso, o fato religioso, por suas diversas variantespopulares, o culto de santos católicos associado ouintegrado ao das divindades africanas, um panteão queapresenta um bom número de equivalências, objeto deestudos recentes, é o mais evidente.

Sobre a música, poderíamos nos estender longamente,de tão constante que é o espaço do Brasil na paisa-gem sonora haitiana, desde os anos 1950. É lamen-tável que o trabalho de uma pessoa como GéraldMerceron, crítico e compositor musical haitiano, mor-to há vinte anos, não sejam acessíveis ao grande pú-blico. Filho de diplomata, ele vivera no Brasil e, devolta ao país, totalmente repleto da cultura brasileira,tentara, por suas composições, fazer uma fusão origi-nal das duas tradições.

Mais recentemente, Sergio Otanazetra, artista brasilei-ro que vive na França, levado pela simples curiosidade,passou uma temporada de quinze dias no Haiti.

Hoje, é pela força dos negócios macropolíticos que oBrasil, potência regional, multiplica os sinais de seuinteresse pelo Haiti.

A temporada no Brasil do artista plástico e criadormultimídia haitiano Maxence Denis, em novembro de2005, por iniciativa da Fundação África-Brasil, é a pri-meira do gênero.

De fato, na área de artes plásticas, afora as participa-ções irregulares na Bienal de São Paulo (o escultor

Patrick Vilaire, o artista Mario Benjamin e o pintorEdouard Duval-Carrié) e algumas iniciativas limitadasà arte naïf haitiana, foi a primeira verdadeira ocasião,oferecida a um artista contemporâneo do Haiti, de ex-plorar e aprofundar o universo brasileiro.

Maxence, que se interessa pelos fenômenos urbanoscontemporâneos – sejam eles as “raves” de Berlim ouda França, ou as instalações espontâneas praticadaspelo comércio informal do Haiti ou do Senegal –, re-presenta a nova geração de artistas plásticos haitianos.

Pelo seu domínio das novas tecnologias, formado peloaudiovisual e pelo meio profissional da televisão fran-cesa, Maxence, que participou da última Bienal deVeneza com uma escultura animada por meios digitais,intitulada “Kwa Bawon”, é o criador haitiano mais equi-pado para estabelecer a conexão entre esse país-con-tinente, o Brasil, e essa meia-ilha do Caribe, de históriacomplexa e movimentada, pelos meios de expressãoatuais: a instalação, o vídeo, a criação digital e os gê-neros mais tradicionais da fotografia e da escultura.

É desejável que existam iniciativas mais amplas queestabeleçam o papel de ponte entre o mundo caribenho,o Haiti no caso, e o Brasil.

Barbara Prézeau Stephenson, Presidente da FundaçãoAfricAméricA, responsável pelo Caribe e América Latina

e Vice-presidente AICA / Sul do Caribe

Page 42: Livro Brasil Haiti Olhares Cruzados

82 83

Page 43: Livro Brasil Haiti Olhares Cruzados

84 85

Page 44: Livro Brasil Haiti Olhares Cruzados

86 87

Page 45: Livro Brasil Haiti Olhares Cruzados

88 89

Page 46: Livro Brasil Haiti Olhares Cruzados

90 91

Page 47: Livro Brasil Haiti Olhares Cruzados

92 93

Page 48: Livro Brasil Haiti Olhares Cruzados

94 95

Agradecimentos

Ao expressarmos nossos agradecimentos, lembramo-nos de muitas pessoas que nos ajudaram a concretizarnosso trabalho. Mas não podemos deixar de mencionaro nome de algumas cujo apoio foi indispensável paraque realizássemos este projeto.

Assim, o nosso primeiro pensamento vai para as crian-ças, diretores e professores da Escola Discrete Aumoneno bairro de Belair, e da Escola Isidore Boisrond, emPorto Príncipe; alunos e professores das Escolas dasComunidades do Quilombo do Frechal e do Deserto,no Maranhão; Jacques Bartoli, Bárbara Prezeau, LyonelTrouillot, Yves Blot, Jean Lherisson, Capitão Leônidas,Marcelo Fiorini, Milton Guran, Jociene da Silva Gomes,Dona Jovina da Silva Gomes, Jonailson da Silva Go-mes, Francisco Gomes, Ivo Fonseca da Silva, DenisePaiva, Christian Knepper, Cleber Trindade; Aline Mag-na, Selvino Hech, Rosa Miriam Ribeiro, Ricardo Teles,Charles, nosso motorista em Porto Príncipe, entre tan-tas outras pessoas que nos apoiaram e nos receberamem todos os lugares por onde passamos.

A realização deste projeto também só foi possível por-que contamos com o apoio de diversas entidades, en-tre elas Ministério da Cultura do Haiti; Ministério daEducação do Haiti; Ministério das Relações Exterioresdo Haiti; Museu do Panteão Nacional do Haiti; BureauNacional de Etnologia; Departamento Cultural do Mi-nistério das Relações Exteriores do Brasil; Embaixadado Brasil em Porto Príncipe; Secretaria Especial dePolíticas de Promoção da Igualdade Racial; Associa-ção das Comunidades Negras Rurais Quilombolas doMaranhão; Missão das Nações Unidas para a Estabili-zação no Haiti, em especial o General Urano da MattaBacellar (in memorian), além dos oficiais e soldadosbrasileiros que nos apoiaram para a realização do tra-balho no bairro de Belair.

Fils de misère, roman de Marie Thérèse ColimonCapitaines des sables, roman de Jorge AmadoGouverneurs de la rosée roman de Jacques RoumainVous ajouterez pour moi le nom de l’auteur de la cité de Dieu, je ne l’ai pssous la main

1 Le principe du vaudou est l’adoration de lwas (ou loa, c’est phonétique)qui sont des divinités immortelles.

Les vévés sont ces dessins si bizarres que les vaudous dessinent à la craieun peu partout. Chaque lwa à un vévé particulier, un peu comme undrapeau ou un blason qui lui serait dédié.

2 Vévé: dessein tracé à même le sol, à base de farine de maïs, représentantle symbole de l’esprit que l’on veut invoquer.

3 Communauté d’esclaves fugitifs

4 Terres cédées par les rois de Portugal comme récompense aux nobles,navigateurs ou militaires dans le but de peupler le Brésil.

5 Habitant d’un quilombo

Filhos da Miséria, romance de Marie Thérèse ColimonCapitães da Areia, romance de Jorge AmadoGovernadores do Orvalho, romance de Jacques RoumainCidade de Deus, romance de Paulo Lins

Page 49: Livro Brasil Haiti Olhares Cruzados

Impresso no Brasil, verão de 2006 / Printed in Brazil, summer 2006

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)(CÂMARA BRASILEIRA DO LIVRO, SP, BRASIL)

Brasil-África : olhares cruzados : Cabinda e Rio de Janeiro, PortoAlegre e Maputo / [coordenação editorial/editorial co-ordinationDirce Carrion; tradução/translation Graham Howells]. ––São Paulo: Reflexo Texto e Foto, 2005.

Vários fotógrafos.Edição bilingüe: português/inglês.Apoio: Secretaria Especial de Políticas de Promoção

da Igualdade Racial.

ISBN: 85-88120-03-8

1. África - Relações - Brasil 2. Brasil - Relações - África,3. Fotografias I. Carrion Dirce.

05-0008 CDD-303.4828106

ÍNDICES PARA CATÁLOGO SISTEMÁTICO:1. Brasil-África : Relações culturais :

Sociologia 303.4828106