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    Semntica

    Florianpolis - 2012

    Roberta Pires de Oliveira

    Renato Miguel Basso

    Luisandro Mendes de SouzaRonald Taveira

    Letcia Lemos Gritti6Perodo

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    Governo Federal

    Presidenta da Repblica: Dilma Rousseff

    Ministro de Educao: Aloizio Mercadante

    Secretrio de Ensino a Distncia: Carlos Eduardo BielschowskyCoordenador Nacional da Universidade Aberta do Brasil: Celso Costa

    Universidade Federal de Santa Catarina

    Reitora:Roselane Neckel

    Vice-Reitora:Lcia Helena Martins Pacheco

    Pr-Reitora de Graduao:Roselane de Ftima Campos

    Pr-Reitor de Pesquisa:Jamil Assreuy Filho

    Pr-Reitor de Extenso:Edson da RosaPr-Reitora de Ps-Graduao:Joana Maria Pedro

    Pr-Reitor de Planejamento e Oramento:Luiz Alberton

    Pr-Reitor de Administrao:Antnio Carlos Montezuma Brito

    Pr-Reitora de Assuntos Estudantis:Beatriz Augusto de Paiva

    Curso de Licenciatura Letras-Portugus na Modalidade a Distncia

    Diretor Unidade de Ensino:Felcio Wessling Margotti

    Chefe do Departamento:Rosana Cssia Kamita

    Coordenadora de Curso: Sandra Quarezemim

    Coordenador de Tutoria:Josias Hack

    Coordenadora Pedaggica:Cristiane Lazzarotto Volco

    Comisso Editorial

    Tnia Regina Oliveira Ramos

    Silvia Ins Coneglian Carrilho de Vasconcelos

    Cristiane Lazzarotto-Volco

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    S471 Semntica : 6 perodo / Roberta Pires de Oliveira ...[et.al.]. Florianpolis : LLV/CCE/UFSC, 2012.182 p.

    Inclui bibliografia

    Curso de Licenciatura Letras-Portugus na Modalidade a Distncia

    1. Semntica. 2. Anlise lingustica. 3. Metalinguagem. 4. Gramtica. I. Oliveira, Roberta Pires de.

    CDU: 801.54

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    Sumrio

    Unidade A ..........................................................................................13

    1 Semntica e pragmtica: delimitando os campos ...........................15

    1.1 O vasto domnio do significado ...................................................................15

    1.2 O Significado lingustico ................................................................................18

    1.3 A noo de significado....................................................................................23

    2 O conhecimento semntico e os nexos designificado: acarretamento, contradio e sinonmia ....................29

    2.1 Conhecimento semntico (implcito) ...................... ........................ .......... 29

    2.2 Condies de verdade ....................................................................................32

    2.3 Composicionalidade ........................................................................................34

    2.4 Nexos semnticos .............................................................................................38

    2.5 Consideraes finais ........................................................................................41

    3 Metalinguagem ............................................................................................43

    3.1 Teorema-T ............................................................................................................43

    3.2 Analisando uma lngua ...................................................................................44

    3.3 Consideraes finais ........................................................................................57

    4 Pressuposio ................................................................................................59

    4.1 Caracterizando a pressuposio ..................................................................59

    4.2 Os gatilhos ...........................................................................................................62

    4.3 Acomodando pressuposies ......................................................................65

    4.4 Consideraes finais ........................................................................................67

    Unidade B ...........................................................................................69

    5 As descries definidas ..............................................................................71

    5.1 O papel semntico das DDs: o comeo do debate ..................... .......... 72

    5.2 Como capturar a reao das DDs aos contextosA, B e C semanticamente? .............................................................................73

    5.3 Falsas nos contextos A e B .............................................................................74

    5.4 Nem falsas nem verdadeiras nos contextos A e B ....................... .......... 78

    5.5 A funo textual das DDs ...............................................................................81

    5.6 Consideraes finais ........................................................................................85

    6 Negao ...........................................................................................................87

    6.1 As vrias maneiras de negar .........................................................................87

    6.2 O no ....................................................................................................................90

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    6.3 Escopo ...................................................................................................................92

    6.4 Negaes escalares ..........................................................................................94

    6.5 Os itens de polaridade negativa ..................................................................96

    6.6 Negao metalingustica ...............................................................................98

    6.7 Consideraes finais ........................................................................................99

    7 Quantificao .............................................................................................101

    7.1 Introduo .........................................................................................................101

    7.2 A quantificao nominal ..................... ........................ ........................ .......103

    7.3 Interao de quantificadores: as relaes de escopo ..................... ...109

    7.4 Consideraes finais ......................................................................................111

    8 Comparao (ou a semntica das sentenas comparativas) .....113

    8.1 A gramtica da comparao .......................................................................1148.3 Consideraes finais ......................................................................................126

    Unidade C ........................................................................................ 129

    9 Tempo e aspecto verbal .........................................................................131

    9.1 Referncia temporal ........................ ........................ ........................ ...............131

    9.2 Aspecto verbal .................................................................................................136

    9.3 Acionalidade .....................................................................................................141

    9.4 Consideraes finais ......................................................................................144

    10 Progresso temporal .............................................................................145

    10.1 Referncia temporal e progresso temporal ....................... ...............147

    10.2 Mecanismos de progresso temporal ..................................................149

    10.3 Regras-padro e outras ..............................................................................153

    10.4 Consideraes Finais ...................................................................................155

    11 Modalidade os auxiliares modais ..................................................157

    11.1 Introduo ......................................................................................................157

    11.2 Auxiliares modais .........................................................................................15911.3 A semntica dos modais ............................................................................162

    11.4 O tempo e a modalidade ...........................................................................167

    11.5 Consideraes finais ....................................................................................169

    Coda .................................................................................................. 171

    Referncias ...................................................................................... 175

    Glossrio .......................................................................................... 177

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    Apresentao

    Este manual introduz uma srie de tpicos em Semntica, uma disci-plina que pouco entrou nos ensinos mdio e fundamental e que s

    muito recentemente aparece em currculos de cursos de Letras (mas

    no em todos!). O mximo que vemos de semntica na escola diz respeito aos

    contedos referentes a antnimos e sinnimos. E mesmo as verses mais mo-

    dernas de ensino de portugus, que tm se baseado no texto, pouco utilizam os

    conceitos da Semntica que, no entanto, so absolutamente fundamentais. Por

    exemplo, o conceito de anfora, to essencial na construo de um texto, vem

    da Semntica. Curioso que j contamos, desde 2001, com pelo menos umapublicao que traz propostas de ensinar semntica na sala de aula, trata-se de

    Introduo semntica, brincando com a gramtica (2001), de Rodolfo Ilari.

    Mas, talvez a ausncia da Semntica na sala de aula possa antes ser explicada

    por uma certa fobia da gramtica: uma leitura equivocada do movimento

    de questionamento da gramtica tradicional levou a entender que o estudo

    da gramtica estava banido da escola. No h dvida alguma que parte da

    nossa tarefa de educadores ensinar a ler e a escrever, mas certamente estamos

    perdendo muito se essa for a nossa nica tarefa do professor de portugus.

    Perde-se dessa maneira a dimenso de se aprender algo sobre as lnguas, de

    criar conversas com outras reas do saber, como a biologia e a matemtica.

    As lnguas humanas so um objeto muito interessante, extremamente com-

    plexo e ao mesmo tempo facilmente acessvel: afinal, todos falamos. por isso

    que o estudo das lnguas humanas tem sido adotado, em vrias universidades

    no mundo (dentre elas o famoso Massachusetts Institute of echnology), em

    cursos introdutrios de metodologia cientfica para todas as reas. muito

    fcil aprender como construir hipteses e refut-las usando as lnguas natu-

    rais e, como hoje sabemos, lidar com hipteses, constru-las, submet-las ao

    crivo da empiria e refut-las parte fundamental do fazer cientfico. Mas, esse

    movimento exige que observemos a lngua em si sem nos preocuparmos com

    o fato de que ela o veculo para apreendermos o pensamento dos outros (via

    leitura ou via escuta) e para veicularmos o nosso pensamento (ou ainda para

    dissimular o que pensamos, para enganar, via oralidade ou via escrita).

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    Mas, olhar a lngua, sua estrutura, sua gramtica, ficou quase que proibido de-

    pois que se decretou o fim do estudo da gramtica joga-se fora o beb com a

    gua do banho. claro que no estamos propondo um retorno ao velho esque-

    ma de ensinar gramtica normativa, ainda mais a gramtica que praticadanas escolas, uma gramtica que nem da nossa lngua. E que no se confunda

    esse olhar cientfico para a lngua com negar sua importncia social, ideol-

    gica, na constituio do sujeito (da psicanlise). rata-se na verdade de uma

    posio tambm poltica de permitir que as diferentes variedades de portugus

    entrem na escola. O cidado deve saber sobre a sua lngua, principalmente que

    em muitos casos a lngua que ele fala no a lngua que se escrever. Ningum

    no Brasil, com talvez exceo de uns poucos imortais, fala: Eu lho trouxe.

    Isso portugus europeu! A semntica que voc vai encontrar neste Manualpretende ser uma anlise da estrutura do portugus brasileiro atual. A disci-

    plina de Semntica busca construir um modelo para explicar como possvel

    que ns, seres finitos, num tempo to curto, em poucos anos, sejamos capazes

    de atribuir significado a qualquer sentena da nossa lngua, mesmo quelas

    absolutamente novas, quelas que nunca ouvimos antes. Essa no uma ca-

    pacidade trivial, embora ela esteja sempre conosco. Um filsofo da linguagem

    muito famoso, chamado Ludwig Wittgenstein, afirmava que ns somos tanto a

    linguagem, ela nos constitui de tal forma, que temos dificuldade de nos distan-

    ciarmos dela para olh-la. esse, porm, o movimento fundador do cientista:

    distanciar-se do objeto para poder entend-lo.

    Essa semntica no descende da lingustica estruturalista saussureana

    Saussure, feliz ou infelizmente, no o pai de todos os linguistas , mas

    da tradio da lgica e da filosofia da linguagem, de cunho analtico. At a

    dcada de 70, a Semntica era praticada quase que exclusivamente por fi-

    lsofos que, de uma maneira ou de outra, estavam respondendo a questes

    colocadas por Gottlob Frege (1848-1925) sobre lgica, linguagem e mate-

    mtica, e entre esses filsofos podemos citar Bertrand Russell (1872-1970),

    Donald Davidson (1917-2003), Richard Montague (1930-1971). Na dcada

    de 70, Barbara Partee, uma linguista que estudou com Noam Chomsky

    e Richard Montague, transps essa tradio para a lingustica, que desde

    ento s floresce, e no apenas internacionalmente. Veja o vdeo http://

    vimeo.com/20664367 em que Barbara Partee expe porque a semntica

    Se voc se interessar,

    procure na internete, porexemplo, os trabalhos deAngelika Kratzer, Gennaro

    Chierchia, Kai von Fintel,Irene Heim, Manfred Kri-fka, para alguns expoen-

    tes atuais.

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    formal importante. Embora muito recente, h tambm um grupo de se-

    manticistas de relevo no Brasil: Rodolfo Ilari, Ana Lcia Mller, Jos Bor-

    ges Neto, Roberta Pires de Oliveira, dentre outros.

    Veja mais em: MIOO, C. Sintaxe do Portugus. Florianpolis: LLV/CCE/

    UFSC, 2009.

    Alfred arski, um lgico e filsofo muito importante em vrias reas - por-

    que elaborou, dentre outros, o conceito de metalinguagem -, mostrou que

    as lnguas naturais so fundamentalmente inconsistentes, elas geram para-

    doxos. Com isso, ele concluiu que no era possvel dar a elas um tratamento

    formal. Posteriormente, um outro filsofo, Richard Montague, demonstrou

    que podemos descrever formalmente fragmentos das lnguas naturais. Essas

    so questes muito complexas e talvez seja preciso investigar mais para po-

    dermos saber se as lnguas naturais so ou no, em parte, um clculo.

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    Essa maneira de ver as lnguas naturais certamente estranha, porque histo-

    ricamente fomos levados a acreditar que o estudo sobre as lnguas o oposto

    de cincias exatas, o oposto da matemtica, dos sistemas formais. Mas, no

    a toa que a matemtica uma linguagem, e talvez seja um equvoco op-las.Ao longo deste Manual voc vai se deparar vrias vezes com conceitos da

    teoria de conjuntos da Matemtica. Esperamos que esteja a um convite para

    que os professores de Portugus desenvolvam juntamente com os professo-

    res de Matemtica projetos em comum que no sejam apenas para ensinar os

    alunos a decifrar os problemas de matemtica.

    Usamos conceitos dessa teoria para entender o significado nas lnguas na-

    turais (os semanticistas tambm utilizam comumente funes, mas no fa-remos isso aqui) sem, no entanto, nos comprometermos em afirmar que h

    uma identidade entre elas. As lnguas naturais se caracterizam por serem

    contextuais, por carregarem elementos diticos, aqueles que s ganham sen-

    tido na situao de fala, que esto totalmente ausentes das linguagens for-

    mais. Isso, porm, no significa que no podemos usar uma linguagem for-

    mal, arregimentada, como se costuma dizer, para descrever esses fenmenos.

    Ao longo deste Manual, exporemos as questes com as quais lidam os seman-

    ticistas, e os mtodos por eles empregados. Veremos isso nos quatro primeiros

    tpicos do captulo Conceitos Bsicos. O captulo seguinte, Operaes Semn-

    ticas, que traz os prximos quatro tpicos, lidar com problemas semnticos

    especficos e com algumas solues encontradas na literatura. Por fim, os dois

    ltimos tpicos do captulo Intencionalidade lidar com problemas que tm a

    ver com o tempo e os mundos possveis.

    Por ser um assunto novo ao graduando de Letras, que provavelmente no

    viu nada de semntica no ensino mdio, e tambm por ser um assunto re-

    lativamente complexo, que envolve rigor nos raciocnios e na resoluo das

    atividades afinal, a semntica usa a lgica para se expressar , necessrio

    que voc leia com ateno todo o contedo aqui proposto e se dedique

    resoluo dos exerccios. quase como aprender matemtica ou fsica: s

    sabemos mes- mo quando fazemos os exerccios.

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    Esperamos que ao final voc saiba como trabalham os semanticistas, quais

    questes lhes interessam e como eles procuram resolv-las. udo o que est

    exposto no que segue foi feito em termos de questionamento, com a intuio

    de mostrar como a lngua pode ser investigada de um ponto de vista cientficoe com uma metalinguagem estabelecida. Esperamos que voc goste!

    Os autores

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    Unidade AConceitos Bsicos

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    1 Semntica e pragmtica:delimitando os campos

    Neste Captulo, voc vai conhecer o domnio do campo de investigao da

    Semntica, diferenciando-o de outros, principalmente da Pragmtica.

    1.1 O vasto domnio do significado

    O termo significado tem uma acepo muito mais ampla nas nossas

    conversas cotidianas do que tem na Lingustica, e ele ainda mais restritoquando estamos pesquisando em Semntica. por isso que precisamos,

    quando estudamos semntica, ter clareza sobre o que se entende por esse

    termo. Por exemplo, no dia-a-dia, conversamos sobre o significado da vida.

    Essa no , no entanto, uma questo semntica, porque ela pergunta so-

    bre o significado de algo que ocorre no mundo: enquanto um fenmeno

    no mundo, a vida pode receber diferentes explicaes, nenhuma delas se-

    mntica: a resposta dada pela biologia, pela bioqumica, pelas religies, pelo

    senso-comum. A semntica, no entanto, nada pode dizer sobre o significa-

    do da vida enquanto tal ou de qualquer outra coisa no mundo, porque ela

    explica apenas um tipo muito especfico de fenmeno: o significado que

    atribumos s sentenas e expresses de uma lngua natural, uma lngua

    que aprendemos no bero, sem aprendizagem formal, sem ir para a escola.

    O mximo que a semntica pode dizer o significado da palavra

    vida, algo que aparece nos dicionrios. H uma notao especfica que

    podemos usar para indicar quando se trata de semntica e quando se

    trata do fenmeno no mundo, as aspas simples, como abaixo:

    (1) Qual o significado da vida?

    (2) Qual o significado de vida?

    Na sentena em (1), o que est em causa o prprio ato de viver, em

    que condies esse ato faz algum sentido. Em (2), temos uma questo

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    sobre o significado da palavra vida, algo mais prximo do que aparece

    nos dicionrios. S que no dicionrio que semanticistas constroem, o

    lxico, se preocupa com palavras ou pedaos de palavras (morfemas)

    que tm funo gramatical, como a flexo de tempo, por exemplo.

    Considere outro exemplo. comum especularmos sobre o signifi-

    cado de um ato. Suponha que o Joo o chefe da Maria e ele saiu apres-

    sado da sala dele em direo sala do presidente da empresa. A Maria

    pode se perguntar o que significa essa sada brusca de Joo, o que ser

    que houve para ele sair dessa maneira, algo to incomum. Porm, mais

    uma vez, essa especulao no semntica, porque a pergunta no

    sobre o significado de uma fala ou de uma expresso lingustica, mas deum ato realizado por Joo. Contraste com a seguinte situao: Joo est

    expondo as metas da empresa para o prximo ano, e ele diz: O leiaute

    da nossa empresa precisa ser reformulado. E a Maria se pergunta: O

    que leiaute significa? Neste caso, sim, estamos diante de uma indagao

    semntica, porque Maria se pergunta sobre o significado de uma pala-

    vra, a palavra leiaute, e a resposta deve ser um esclarecimento sobre o

    significado dessa palavra usando outras palavras: leiaute o projeto do

    desenho grfico de uma empresa. Maria aprendeu algo sobre a lngua (e

    no sobre o mundo).

    Assim, uma primeira distino a ser traada, no vasto domnio do

    termo significado, separa o significado lingustico, que aquele veicu-

    lado pelas lnguas naturais, e o significado no-lingustico, que com-

    preende o significado que atribumos a objetos (ou fatos) no mundo e a

    smbolos que no so parte das lnguas naturais.

    Vejamos um exemplo desse ltimo caso. Imagine a seguinte situa-o: numa aula para arquitetos de interior, um instrutor explica o signi-

    ficado de smbolos que devem constar num projeto arquitetnico para

    prdios, como o que apresentamos ao lado:

    Esse smbolo - ele diz apontando para o slide na tela - significa

    que h acesso para cadeira de rodas. al uso do termo significa deve fa-

    zer parte da lingustica? Se voc respondeu negativamente, acertou. De

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    fato, esse uso do termo no se refere ao significado lingustico, embora

    na situao o falante esteja dando o significado de um smbolo. O pro-

    blema que o smbolo em questo no parte de uma lngua natural.

    Ele um smbolo no-lingustico, embora convencional.

    Considere agora outra situao. A polcia est procurando um ca-

    sal que se perdeu numa floresta. De repente, os policiais veem fumaa

    no cu e um deles diz:

    Essa fumaa significa que algum fez uma fogueira.

    Mais uma vez, esse uso do significado no lingustico, porque se estatribuindo significado a um fenmeno no mundo. o que ocorre quando,

    ao notarmos que uma criana est com febre, dizemos: significa que ela est

    doente. Veja que no se est esclarecendo o significado da palavra febre,

    mas o que ter febre no mundo pode estar indicando. A febre um sinal de

    doena, mas febre no significa, linguisticamente falando, doena. Em ne-

    nhum dos casos questiona-se sobre o significado de expresses lingusticas,

    por isso eles no fazem parte do campo da semntica, cujo estudo se restrin-

    ge ao significado lingustico, isto , quele veiculado pelas lnguas naturais.

    Chegamos, ento, a um primeiro quadro, separando o significa-

    do lingustico do significado no-lingustico, para nos concentrarmos

    adiante no significado lingustico, isto , aquele que ocorre nas lnguas

    naturais, e que objeto de estudo da Semntica.

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    1.2 O Significado lingustico

    Uma primeira constatao a de que no basta separar o signifi-

    cado lingustico do significado no-lingustico para delimitar o campoda Semntica, porque o estudo do significado lingustico transborda

    as margens do que fazem os semanticistas, as margens da semntica,

    ocupando tambm a pauta das cincias cognitivase, em particular, da

    Pragmtica. Para desde j entendermos um pouco melhor as diferenas

    e relaes entre semntica e pragmtica, consideraremos a seguinte si-

    tuao: a Maria a empregada de Joana. Ambas sabem que a roupa est

    estendida no varal. De repente, Joana profere (3):

    (3) T chovendo.

    A Maria mais que depressa sai correndo para tirar a roupa do

    varal, dizendo:

    (4) J t indo tirar a roupa do varal.

    Veja que os atos de Maria, inclusive o ato lingustico (seu proferi-

    mento), no respondem ou no se relacionam diretamente sentena

    que Joana proferiu, mas decorrem dela. Se atentarmos apenas para o

    significado da sentena, notaremos que a Joana afirma que, no momen-

    to em que ela profere a sentena, o caso de que est chovendo e nada

    mais. Ela no pede explicitamente para que a Maria recolha a roupa

    do varal, mas possvel deduzir que foi isso que a Joana quis dizer

    se contextualizarmos a fala de Joana, isto , se atentarmos para outros

    elementos dados pela situao de fala e que constituem o proferimento

    lingustico: Joana e Maria sabem que a roupa est no varal, que Maria a empregada - ela quem deve cuidar dos afazeres da casa - que chu-

    va molha a roupa, que o que a Joana disse verdade (a Joana no est

    brincando) etc. odas essas informaes (e outras) constituem o fundo

    conversacional no qual o proferimento de Maria se realiza, e esse fundo

    permite um raciocnio inferencial, como: dada a situao, se a Joana dis-

    se que est chovendo porque ela quer que a roupa seja recolhida do va-

    ral. anto a resposta quanto os atos de Maria mostram que ela entendeu

    Qual a relao entresignificados lingusticos eo que acontece no nosso

    crebro?

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    o pedido indireto de Joana. Esse significado tambm lingustico, por-

    que ele depende do que foi dito na situao, mas ele no propriamente

    semntico, porque ele depende de um clculo inferencial (da esfera da

    pragmtica) que envolve raciocinar com elementos contextuais a partirdo significado da sentena, este sim objeto da semntica.

    Vejamos outra situao:

    Cludia a me de Pedro, e ele est se preparando para sair para

    a escola. Ela nota que ele no est levando nem capa de chuva, nem

    guarda-chuva, e ela sabe que est chovendo. Ento, ela profere:

    (5) T chovendo.

    A fala de sua me leva Pedro a pegar o guarda-chuva antes de sair.

    A sentena (5) diz exatamente o mesmo que a sentena (3): no momen-

    to em que o falante profere a sentena o caso de que est chovendo a

    semntica das duas sentenas a mesma. Mas, as inferncias mudaram,

    porque mudou o fundo conversacional em que se d a interao lin-

    gustica. Nesse caso, os elementos na situao levam a outro raciocnio:

    se minha me disse que est chovendo porque ela quer que eu leve o

    guarda-chuva, para que eu no me molhe.

    Assim, mesmo restringindo a noo de significado para a de signi-

    ficado lingustico podemos ainda delimitar dois aspectos de significado:

    um que est atrelado ao significado da sentena, a uma composio

    estrita do significado das palavras, e outro, que depende do significado

    da sentena mais informaes sobre a situao em que a sentena pro-

    ferida pelo falante. Essa a distino entre o significado da sentena e osignificado do falante, respectivamente.

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    No difcil encontrar na literatura a distino entre significado da

    sentena e significado do falante sendo estabelecida atravs da ausncia

    ou presena do contexto para o clculo do significado algo como: a se-

    mntica estuda o significado fora do contexto (fora de uso). No entan-to, preciso tomar cuidado com essa definio porque a interpretao

    do sentido da sentena muitas vezes leva em considerao o contexto,

    a situao de fala. Por exemplo, o significado da sentena (3) e (5) : no

    momento em que a sentena proferida, o caso de que est chovendo.

    Assim, essa sentena verdadeira somente se, quando o falante a pro-

    fere, o caso de que est chovendo, no importa se no contexto de (3)

    ou de (5). Note, contudo, que incorporamos o contexto nessa descrio

    porque necessrio saber quando o falante profere (3) ou (5): ora, a ver-dade da sentena depende de estar ou no chovendo quando a sentena

    pronunciada, e o quando (data, hora) no so lingusticos, mas esto

    presentes na determinao do significado da sentena.

    Vejamos outro exemplo. A sentena

    (6) Eu estou com fome.

    Significa que o falante, no momento em que profere a sentena,

    est num estado de fome. Num mesmo momento, ela pode ser verda-

    deira para um falante e falsa para outro. Ou ela pode ser verdadeira

    para um falante num momento e falsa para o mesmo falante em outro

    momento. Sem levarmos em considerao o contexto, no h como es-

    tabelecer plenamente o significado dessa sentena (e da maior parte das

    sentenas nas lnguas naturais).

    Uma maneira mais segura de separar a semntica da pragmtica atravs da noo de inteno do falante: a pragmtica busca reconstruir

    o que o falante quis dizer ao proferir uma sentena, qual era a sua inten-

    o comunicativa; importante notar que se trata de inteno comuni-

    cativa, isto , o falante quer que o ouvinte perceba sua inteno ao pro-

    ferir uma dada sentena. H, evidentemente, outras intenes para alm

    da comunicativa, mas essas no pertencem ao domnio da lingustica.

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    Nos termos do filsofo Paul Grice, a Semntica se ocupa do signifi-

    cado literal (ou gramatical), da sentena, enquanto a Pragmtica estuda

    o significado do falante. Nessa viso, a semntica tem como objetivo

    reconstruir o sentido da sentena, porque a composio de palavras for-nece significado sentena. Ambas remetem ao contexto, mas o fazem

    com finalidades distintas.

    Como voc pode ter notado, as relaes entre semntica e prag-

    mtica so bastante estreitas e as questes levantadas pela pragmtica

    requerem um estudo parte (que no ser alvo direto desta Discipli-

    na). Nosso interesse apenas separ-la da semntica. A discusso acima

    deve ter permitido entender os seguintes quadros:Semntica Pragmtica

    Significado da Sentena (SS).O que a sentena diz.

    Significado do falante (SF).O que o faltante quer dizer com asentena que ele profere.

    Observe outro exemplo, com base nesse quadro: Suponha que

    Maria responda pergunta Quem quer namorar um semanticista?

    usando a seguinte sentena: A eresa quer namorar um semanticis-

    ta. Com esse proferimento, possvel salientar duas interpretaes

    semnticas (a e b a seguir) se o proferimento feito fora de algum

    contexto especfico, e no mnimo quatro interpretaes pragmticas

    (c, d, e, f ) podem ser tomadas, somente depois que escolhermos

    entre (a) ou (b):

    a) A Teresa quer namorar um determinado indivduo, que

    semanticista.

    b) A Teresa quer namorar algum, desde que seja um semanticista.

    c) A Teresa quer namorar um determinado indivduo, semanti-

    cista: ela sabe quem , mas no Maria, porque Teresa no lhe

    revelou o seu nome.

    Herbert Paul Grice (19131988)filsofo da linguagem.

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    d) A Teresa quer namorar um determinado indivduo semanticista:

    tambm disse a Maria como se chama e o apresentou a ela, mas

    Maria, por precauo, no julga oportuno entrar em particulares.

    e) A Teresa est interessada em um determinado indivduo e deseja

    namor-lo, que a Maria sabe quem . Ocorre que a Maria tam-

    bm sabe que um semanticista. Neste ponto no relevante

    decidir se a Teresa sabe disso ou no. O fato que a Maria julga

    que, como a Teresa est defendendo uma tese em Sintaxe, os dois

    no podero nunca se entender e aquele namoro no vai aconte-

    cer (suponha que sintaticistas e semanticistas no se combinam

    ou so rivais). Ou seja, a Maria exprime aos interlocutores (queconhecem muito bem as ideias de Teresa) a sua perplexidade.

    f) A Teresa quer namorar um determinado indivduo, que se-

    manticista; a Teresa terminou com um namorado que estuda

    sintaxe, assim como ela. Mas, nesse ponto, a Teresa quer fazer

    cimes ao ex- namorado, namorando um semanticista. Todos

    sabem que o ex-namorado de Teresa odeia semanticistas e isto

    seria muito penoso para ele.

    No exemplo acima, a sentena traz duas interpretaes semnticas,

    visveis em (a) e em (b); isto , a sentena A ereza quer namorar um

    semanticista ambgua. Cada interpretao pode ainda disparar ou-

    tras inmeras interpretaes pragmticas, como exemplificado de (c) a

    (f ). Percebe-se que na pragmtica outras informaes so necessrias,

    como, por exemplo, as intenes de ereza presente na interpretao

    pragmtica (f ): ela quer fazer cimes ao ex-namorado, que o ex-namo-

    rado odeia semanticistas etc. Mais uma vez, na pragmtica, o falantemobiliza outras informaes alm daquelas oriundas do significado da

    sentena, como, por exemplo, o conhecimento prvio dos interlocuto-

    res, as intenes, o que j foi dito antes etc. A ideia que a pragmtica

    precisa do significado da sentena, aliado s intenes do falante no mo-

    mento de proferimento da sentena.

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    1.3 A noo de significado

    Esta Unidade comeou com a explicao da noo de significado

    nos limites da Semntica. Para a Semntica, significado se restringe aoque as sentenas de uma lngua veiculam, sem levar em considerao a

    inteno do falante. Mas, mesmo essa noo restrita precisa ainda ser

    melhor compreendida.

    Essa foi uma das muitas contribuies de Gottlob Fregepara a se-

    mntica das lnguas naturais. Frege, no famoso artigo Sobre o Sentido

    e a Referncia (1892, ber Sinn und Bedeutung), mostra que preci-

    so distinguir facetas no conceito de significado, pois se no separamosesses aspectos no entendemos as razes das sentenas (7) e (8) serem

    semanticamente distintas, tendo em vista que em ambas se estabelece

    uma identidade entre dois nomes prprios:

    (7) A Estrela da Manh a Estrela da Manh.

    (8) A Estrela da Manh a Estrela da Tarde.

    Gottlob Frege (1848-1925)

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    A sentena (7) chamada de analtica, porque ela verdadeira sem-

    pre, independente de como o mundo ora, se uma sentena sempreverdadeira, independentemente dos fatos, podemos dizer que ela no

    informativa, ou seja, no aprendemos nada com ela.

    Proferir uma sentena analtica, que obviamente verdadeira, dis-

    para imediatamente uma implicatura, uma inferncia pragmtica. Se o

    falante est dizendo algo que trivialmente verdadeiro, ento porque

    ele est querendo dizer outra coisa; afinal, por que diramos algo que

    (todos sabem que) sempre verdadeiro?

    Voltando sentena (7), vemos que ela estabelece uma identida-

    de entre o mesmo nome, A Estrela da Manh. Por sua vez, a sentena

    (8) estabelece uma identidade entre nomes diferentes; como em O

    Joo o Joo Paulo.

    Nesse caso, temos uma sentena informativa: suponha que voc

    sabe quem o Joo, mas no sabe quem o Joo Paulo; ao ouvir que

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    O Joo o Joo Paulo voc aprendeu algo novo, que o Joo tem dois

    nomes: Joo e Joo Paulo. claro que a verdade (ou a falsidade) da

    sentena (8) depende de como o mundo . No necessrio que o Joo

    tenha os nomes Joo e Joo Paulo; podemos pensar em vrios mundosparecidos com o nosso, em que Joo tem apenas um nome. O mesmo se

    aplica sentena (8): que Estrela da Manh e Estrela da arde sejam

    dois nomes para um mesmo objeto no mundo - o planeta Vnus - algo

    contingente (e no necessrio). Sentenas como (8) so sintticas, pre-

    cisamente porque sua verdade ou falsidade depende de como o mundo

    . No nosso mundo, a sentena (8) verdadeira. Veja que podemos ima-

    ginar um mundo em que (8) seja falsa: basta que A Estrela da Manh e

    A Estrela da arde denotam objetos distintos.

    A teoria clssica de significado, qual Frege se contraps, entendia

    que o significado de uma expresso era o objeto no mundo. Assim, o

    significado de Estrela da manh seria o objeto no mundo, no caso o

    planeta Vnus. Mas, se fosse esse o caso, como que diferenciaramos

    (7) e (8)? Dado que ambas so verdadeiras, ento elas denotam o mesmo

    objeto. Se este o caso, como percebemos que elas so diferentes? Como

    que descobrimos que Estrela da Manh e Estrela da arde so dois

    nomes diferentes se o significado objeto no mundo? No h como. A

    soluo proposta por Frege distinguir aspectos do termo significado:

    quando sabemos o significado de uma sentena sabe- mos duas coisas:

    a que objeto ela se refere e o sentido da expresso, isto , o pensamento

    que est associado quela expresso. O que diferencia (7) e (8) o fato

    de que seu sentido diferente; o pensamento que elas veiculam no o

    mesmo, embora elas denotem o mesmo objeto.

    Frege mostrou, ento, que a noo de significado comporta duasfacetas, ambas objetivas, porque publicamente acessveis: o sentido e

    a referncia.

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    Um mesmo objeto pode ser apresentado de diferentes maneiras,

    por caminhos diversos. Quando nos deparamos com um novo cami-

    nho, um novo sentido, aprendemos algo a mais sobre o objeto. Em (8)

    temos dois caminhos, Estrela da Manh e Estrela da arde, para umanica referncia, o planeta Vnus, como mostra o desenho a seguir (ver

    lado direito), enquanto em (7) temos um nico caminho, Estrela da

    Manh, para a referncia (ver lado esquerdo):

    Quanto mais sentidos temos para chegar a um mesmo objeto, mais

    sabemos sobre esse objeto; podemos abord-lo atravs de mais entradas.

    Considere o seguinte Clarice Lispector. Esse indivduo alcanado pelo

    nome prprio Clarice Lispector. Mas, podemos alcan-lo usando outras

    expresses que funcionam como um nome prprio, isto , que permitem

    alcanar um e apenas um indivduo. As descries definidas cumprem

    essa funo, por isso mesmo Frege tambm as denomina de nomes pr-

    prios. Eis algumas descries definidas que alcanam o indivduo Clarice

    Lispector: a escritora ucraniana mais famosa do Brasil, a autora de A

    Hora da Estrela . Se, por exemplo, voc no sabia que a Clarice Lispector

    era ucraniana, ao interpretar a sentena Clarice Lispector a escritora

    ucraniana mais famosa do Brasil voc aprendeu algo a mais sobre ela.

    Aprendemos sobre o mundo atravs de sentenas sintticas.

    Contudo, aqui preciso fazer uma ressalva: no se deve confundir o

    caso de (8) com a sinonmia. Em (8), no temos um exemplo de sinonmia,

    porque h dois sentidos que so identificados, i.e., h duas representaes

    para o mesmo objeto. Na sinonmia temos um nico sentido (um ni-

    co caminho) veiculado por expresses distintas, por isso sinonmias so

    sentenas analticas; mais adiante, no prximo tpico, veremos detalhada-

    mente a noo de sinonmia; por enquanto, nos basta apenas um exemplo:

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    (9) A Maria mulher de Pedro o mesmo que A Maria

    esposa de Pedro .

    O que caracteriza a sinonmia expressar o mesmo pensamento(o mesmo conceito), o mesmo sentido, atravs de expresses distintas:

    ser esposa de e ser mulher de veiculam o mesmo conceito atravs

    de palavras diferentes. Se o caso de que a Maria mulher do Pedro, tem

    que ser o caso, necessariamente, de que a Maria esposa de Pedro. No

    possvel imaginar um mundo em que seja verdadeiro que a Maria a mu-

    lher do Pedro e outro em que falso que ela a esposa do Pedro. dife-

    rente, claro, usar ser esposa de e ser mulher de, mas essa diferena no semntica, no se d no plano dos conceitos; essa diferena sociolin-

    gustica: esposa uma palavra mais formal do que mulher, por exemplo.

    Nesse caso, esposa e mulher so um nico caminho. No h, portanto,

    acrscimo de informao sobre o mundo: se voc j sabe que a Maria

    mulher do Pedro, dizer que ela esposa no acrescenta informao sobre

    o mundo. O que pode ocorrer uma aprendizagem sobre a linguagem:

    aprende-se uma nova expresso, sem haver acrscimo de sentido.

    1.4 Consideraes finais

    Ao fim deste pico, voc j deve estar familiarizado com o campo

    de estudo da Semntica. Assim como para quaisquer campos de investi-

    gao cientfica, imprescindvel que separemos nosso objeto de estudo

    dos objetos das demais disciplinas prximos ou distantes a ele. Para o

    caso da Semntica, vimos que ela estuda o significado da sentena; num

    segundo momento, isolamos esse significado do uso que fazemos dele,

    o qual , por sua vez, o campo de estudo da Pragmtica.

    Comeamos a ver tambm as primeiras ideias de Frege e o ferramen-

    tal bsico do semanticista, como os conceitos de sentido e de referncia.

    Nos tpicos a seguir, exploraremos cada vez mais essas ideias e conceitos.

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    2 O conhecimento semnticoe os nexos de significado:

    acarretamento, contradio esinonmia

    Voc vai ver aqui o que e como o conhecimento semntico. Ele nosso

    objeto de estudos e se caracteriza por delimitar as condies de verdade de

    uma sentena, pela composicionalidade e pelos nexos semnticos, entre eles o

    acarretamento, a sinonmia e a contradio.

    2.1 Conhecimento semntico (implcito)

    O objeto de estudo da Semntica no propriamente o significado

    das sentenas, mas a capacidade que um falante tem para interpretar

    qualquer sentena de sua lngua. Esse conhecimento implcito no se

    resume no conhecimento do significado das partes de uma sentena,

    mas na capacidade de combin-los recursivamente e de a partir dele

    deduzir outros significados. A pergunta da semntica : o que um fa-

    lante (de uma lngua natural) sabe quando sabe o sentido de uma sen-

    tena qualquer de sua lngua? Responder a essa pergunta construir

    uma teoria sobre um tipo particular de conhecimento: o conhecimento

    que um falante tem do significado das sentenas (e palavras) de sua

    lngua. Evidentemente, esse conhecimento implcito, isto , o falante

    tem esse conhecimento e o utiliza nas suas interaes cotidianas, mas

    no sabe descrev-lo, no o conhece conscientemente. Ele como o co-

    nhecimento implcito que temos e que nos permite caminhar: sabemos

    caminhar, mas so poucos (se que h algum) os que sabem todos ospassos que permitem que caminhemos: quais articulaes se movem

    ou quais msculos e nervos sensoriais esto envolvidos, por exemplo.

    O mesmo ocorre com o conhecimento que temos do significado das

    sentenas: sabemos o que as sentenas da nossa lngua significam, mas

    no sabemos descrever e explicar cientificamente esse conhecimento.

    Este justamente o objetivo do semanticista: descrever e explicar esse

    conhecimento semntico que um falante tem.

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    Neste pico, vamos responder, parcialmente, essa questo: o que

    um falante sabe quando sabe o significado de uma sentena qualquer de

    sua lngua? Certamente, ele sabe em que condies uma sentena qual-

    quer de sua lngua verdadeira, e em que momentos ela ou no verda-deiramente usada. Ele tambm sabe compor e interpretar sentenas que

    nunca ouviu antes. Finalmente, ele sabe deduzir de uma sentena outras

    sentenas. Antes de lidar especificamente com cada um desses conheci-

    mentos, vamos exemplific-los rapidamente.

    Suponha que algum pea para voc dizer o que a sentena cho-

    vendo significa. Voc certamente sabe a resposta e uma maneira muito

    frequente de explicar dizer quando a sentena chovendo verda-deira: a sentena chovendo verdadeira se est chovendo quando o

    falante a profere. Esse seu conhecimento no se restringe, obviamente, a

    essa sentena, ele se aplica a qualquer outra; at mesmo a uma sentena

    que voc nunca ouviu antes. Muito provavelmente, voc nunca ouviu ou

    leu a sentena a seguir:

    (1) Uma nuvem alaranjada tomou devagarzinho o quarto de Sara.

    Voc no tem qualquer problema em imaginar como o mundo

    deve ser para que ela seja verdadeira, certo? Como voc sabe isso?

    Ora, voc sabe o que as palavras em (1) significam e sabe combin-

    -las, por isso voc pode interpretar um nmero infinito de senten-

    as. Veja que se voc sabe que a sentena (1) verdadeira, voc sabe

    outras sentenas, como:

    (2) H um nico quarto que de Sara.

    (3) O evento (a nuvem alaranjada tomar devagarzinho o quarto de

    Sara) ocorreu no passado.

    Esse outro conhecimento derivado do fato de que voc entendeu

    a sentena (1). Assim, quando sabemos o significado de uma sentena,

    sabemos, inevitavelmente, o significado de muitas outras sentenas que

    esto enredadas nela.

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    Faz parte desse conhecimento a capacidade de parafrasear. Ini-

    cialmente, preciso diferenciar entre uma parfrase desencadeada pelo

    lxico daquela que a prpria sentena opera. Eis alguns exemplos:

    (4) Joo vizinho de Pedro Pedro vizinho de Joo.

    (5) Maria mais gorda que Joana Joana mais magra que Maria.

    (6) Maria atravessou a Avenida Paulista Maria cruzou a avenida

    paulista.

    (7) A casa de Maria fica atrs do Hospital O hospital fica na fren-te da casa de Maria.

    H ainda a parfrase desencadeada pelas sentenas, que a que

    nos interessa aqui. Algumas operaes sintticas permitem que algumas

    sentenas derivem o mesmo sentido. Certas operaes fazem esse papel

    de conservar o mesmo sentido, como a nominalizao, a substituio

    de formas verbais (finita x infinita) ou o alamento de verbos, como nos

    mostram as sentenas a seguir, respectivamente:

    (8) Os gafanhotos destruram a cidade A destruio da cidade

    pelos gafanhotos.

    (9) Nas frias, era comum eu estudar semntica Nas frias, era

    comum que eu estudasse semntica.

    (10) Em poca de eleies, foi preciso que a Polcia Federal inter-

    viesse em algumas cidades Em poca de eleies, a Polcia

    Federal precisou intervir em algumas cidades.

    Como esse conhecimento pode ser explicado? Como descrever

    esse conhecimento atravs de uma teoria do significado? A ideia a de

    que, quando interpretamos qualquer sentena em nossa lngua, de algu-

    ma forma, construmos um esboo de como o mundo deve ser para que

    a sentena seja verdadeira, suas condies de verdade.

    Tradicionalmente, a par-frase entendida comoalternativa de expressoque mantm o mesmosentido.

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    2.2 Condies de verdade

    Como dissemos, um primeiro aspecto do conhecimento semntico

    de um falante e que uma teoria semntica deve capturar o fato de queele sabe em que condies o mundo precisa estar para que uma sentena

    seja verdadeira. por isso que na semntica se afirma que o significado

    de uma sentena so as suas condies de verdade. Sublinhe-se que se

    trata de condies de verdade, isto , o falante pode no saber se a sen-

    tena efetivamente verdadeira ou falsa; o que interessa que ele com

    certeza sabe em que condies ela pode receber um ou outro valor de

    verdade: o verdadeiro ou o falso. Por exemplo, podemos dizer preci-

    samente em que condies a sentena (11) pode ser verdadeira (suascondies de verdade) sem que possa- mos verificar se ela de fato ver-

    dadeira:

    (11) Tem 531 insetos no meu jardim neste momento.

    A Semntica no lida com o uso da sentena, mas com a sentena

    em sua potencialidade de uso. As condies de verdade expressam o

    conhecimento mnimo que um falante tem quando ele sabe o que uma

    sentena significa: o potencial de uso dessa sentena. O mnimo que ele

    sabe, se ele entende uma sentena, separar, atravs dela, o mundo em

    dois blocos: de um lado, as situaes em que a sentena verdadeira; de

    outro, aquelas em que ela falsa. Ao ouvir a sentena t chovendo, um

    falante do PBdelimita dois esboos de mundo:

    chovendo falsa

    chovendo verdadeira

    O falante sabe que a sentena chovendo falsa nos mundos

    esquerda do quadro; e verdadeira nos mundos direita. nesse sen-

    tido que uma sentena desenha um esboo de como o mundo deve ser

    para que ela seja verdadeira, o que significa que ela tambm desenha os

    mundos em que falsa. Assim, uma sentena estabelece uma relao

    entre linguagem e estados de mundo (ou mundos), deixando espao

    Leia-se Portugus Brasileiro.

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    para muita vagueza e indeterminao, dois fenmenos semnticos bem

    interessantes, por isso falamos em esboo.

    O significado de uma sentena sempre (e necessariamente) in-determinado, precisamente porque ele recobre inmeras situaes (no

    nosso exemplo, situaes em que est uma chuva fraca, chuva com sol,

    chuva forte, chuvinha...) em que ela verdadeira. A indeterminao

    deve ser distinguida da vagueza, o fato de que muitas vezes no temos

    certeza se a sentena verdadeira ou no em uma dada situao. Por

    exemplo, se no momento em que chovendo proferida falante e ou-

    vinte esto numa situao em que est uma chuvinha bem fininha pode-

    ria ser difcil de definir se est ou no chovendo, ou se eles esto numaforte maresia, por exemplo. Estamos, nessa situao, num caso limite

    em que tanto possvel afirmar que est chovendo, quanto que no est.

    A indeterminao vem do fato de que uma mesma sentena ver-

    dadeira em muitas situaes diferentes, sem que o falante tenha dvida

    sobre se a sentena se aplica ou no situao. Por exemplo, estamos

    numa situao em que nenhum de ns tem dvida sobre se est ou no

    chovendo; estamos de acordo que est chovendo. Mas, so inmeras as

    situaes em que isso ocorre: est chovendo e frio; est chovendo e ca-

    lor; est chovendo forte, muito forte, uma tempestade etc.

    O significado de uma sentena estabelece, ento, em que condies

    no mundo ela verdadeira e, portanto, em que condies ela falsa. Esse

    modelo permite entendermos como se d a troca de informao atravs da

    linguagem. Suponha que um amigo seu telefone de So Paulo e pergunte:

    (12) Como est o tempo a?

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    Suponha que o ouvinte, a quem foi endereada a pergunta (12),esteja em Florianpolis. Nesse caso, a significa Florianpolis, o lugar

    onde o ouvinte est. Logo, o falante pergunta sobre o tempo em Floria-

    npolis, uma informao que o ouvinte tem, j que ele est em Florian-

    polis. Se o falante no sabe como est o tempo em Florianpolis, ento

    seu estado de conhecimento inclui mundos em que chove em Florian-

    polis e mundos em que no chove em Florianpolis; por isso mesmo

    que ele faz a pergunta sobre o tempo. Ao ouvir chovendo como

    resposta, h uma mudana no estado de conhecimento do falante: agora

    ele sabe sobre o tempo em Florianpolis.

    Quando dizemos que o falante tem conhecimento semntico, que-

    remos dizer que ele sabe em que condies uma sentena qualquer de

    uma lngua pode ou no ser verdadeira. Um semanticista procura des-

    vendar esse conhecimento, construindo uma teoria do significado. Para

    tal empreendimento, ele utiliza o que se denomina metalinguagem, que

    iremos discutir no prximo Captulo.

    2.3 Composicionalidade

    Uma outra caracterstica do conhecimento semntico de um falan-

    te e que, portanto, deve ser apreendida por uma teoria do significa- do

    lingustico, a composicionalidade. Quando um falante sabe o signi-

    ficado de uma sentena, ele sabe no apenas suas condies de verdade,

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    ele sabe tambm comp-la e decomp-la. Se o falante entende a sen-

    tena chovendo, ele sabe o significado de estar e chovendo e, na

    verdade, sabe que chovendo se decompe em chov(e)- e -ndo. Sabe

    ainda que essas unidades mantm o mesmo significado em infinitassentenas nas quais elas podem ocorrer. Por exemplo, veja que chov(e)-

    d a mesma contribuio nos diferentes contextos em que aparece de

    passagem, um falante tambm sabe que o significado de chover est

    relacionado com chuva:

    (13) a. Vai chover.

    b. Choveu ontem.

    c. Choveria, se no estivesse ventando.

    O falante sabe ainda qual a contribuio do progressivo, represen-

    tado em chovendo pela perfrase verbal estar V+ndo (estou can-

    tando, est falando). Ele sabe que no contexto em que chovendo

    proferida, a perfrase indica progressividade, isto , o evento descrito, o

    evento de chuva, est ocorrendo simultaneamente ao momento de fala,

    como aparece no esquema a seguir:

    A composicionalidade expressa o fato de que um falante sabe com-por o significado de uma sentena a partir do significado de partes m-

    nimas, isto , o significado de uma expresso mais complexa o resul-

    tado de uma composio de suas partes. No caso de chovendo, o

    falante soma o significado de chov(e)- mais o significado da perfrase

    estar + -ndo e calcula o significado da sentena est chovendo.

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    muito provvel que ningum que esteja lendo este Manual j

    tenha encontrado a sentena a seguir, mas nenhum de ns tem qualquer

    problema em interpret-la, isto , todos ns sabemos em que condies

    ela verdadeira:

    13) O gato azul est de ponta-cabea.

    Essa sentena verdadeira em todos os mundos em que h um ni-

    co gato saliente no contexto e esse gato azul e ele est de ponta-cabea.

    No temos problema algum para interpret-la porque conhecemos o

    significado de cada um dos termos que a compem.

    Chomskyfoi o primeiro, na lingustica, a chamar a ateno para o

    fato de que os falantes so criativos, porque produzem e inter- pretam

    sentenas que nunca ouviram antes. Esse fato, aparentemente to tri-

    vial, refutou tanto as teorias comportamentais da aprendizagem (que

    acreditam que as lnguas humanas so aprendidas por estmulo e res-

    posta) quanto as teorias estruturalistas sobre a linguagem humana (que

    entendiam, grosso modo, que a linguagem era um conjunto fecha- do

    de sentenas). Chomsky mostra que a linguagem aberta, infinita, in-

    determinada, mas previsvel no sentido de que podemos calcular o

    novo, porque sabemos construir sentenas a partir do significado de

    unidades mnimas (tomos) e regras de combinao, que so recursivas,isto , se aplicam repetidamente, em diferentes situaes.

    Com a obra SyntacticStructures (1957)

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    Na sentena chovendo, combinamos o significado de chov(e)-

    com o significado do progressivo, atravs de uma regra que permite combi-

    nar radicais verbais com a perfrase progressiva, estar ndo. Essa regra de

    combinao a mesma que recorre em inmeras outras sentenas da lngua

    (como em est nevando, est chuviscando, est amando, est falando etc.).

    Evidentemente, um dos problemas que o semanticista enfrenta

    determinar quais so as unidades mnimas e como elas so adquiridas

    pelo falante. A determinao das unidades mnimas para constituir o

    lxico de uma lngua uma tarefa bastante complexa e que se d na in-

    terface com a morfologia. Considere, por exemplo, a sentena:

    (14) O Joo saiu apressado.

    Certamente, o lxico deve conter um item para sair, uma raiz

    como sa(i)-, que se combina com diferentes flexes, cada uma delas

    conglomerando significados: -u indica terceira pessoa do singular dopretrito perfeito do indicativo. Compare com:

    (15) O Joo saa apressado.

    As sentenas (14) e (15) no tm o mesmo significado e a diferen-

    a, neste caso, est no aspecto: o primeiro perfectivo; o segundo,

    imperfectivo.

    Recapitule algumasnoes de Morfologiaem: MARGOTTI, Felcio W.Morfologia do Portugus.Florianpolis: LLV/ CCE/USFC, 2008.

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    Veja que no lxico esto o radical e os sufixos tempo-aspectuais. J

    apressado mais complicado: vamos coloc-lo no lxico nessa forma?

    Ou ser que no lxico deve aparecer apenas pressa e apressado deve

    ser gerado via uma regra de derivao morfolgica que passa do adje-tivo pressa para o verbo apressar e, finalmente, a forma de particpio

    passado do verbo ou de adjetivo apressado? Esses so problemas de

    quem estuda morfologia e tambm do semanticista que determina os

    tomos de significao.

    2.4 Nexos semnticos

    Outra propriedade que caracteriza o conhecimento semntico de

    um falante sua capacidade de deduzir sentenas de outras sentenas.

    O falante no sabe apenas em que condies uma sentena verdadeira

    e como (de)comp-la, ele sabe outras sentenas quando ele sabe uma

    sentena. Por exemplo, suponha que a sentena chovendo seja ver-

    dadeira . Nesse caso, o falante tambm sabe que a sentena (16) falsa,

    e que a sentena (17) verdadeira:

    (16) No t chovendo.

    (17) T caindo chuva.

    Se chovendo for falsa, obtemos um resultado oposto e com-

    pletamente previsvel: (16) verdadeira e (17) falsa. Sabemos isso

    simplesmente porque entendemos o que uma sentena significa e esse

    entendimento envolve conhecer outras sentenas que esto semantica-

    mente relacionadas sentena conhecida.

    O par chovendo e No t chovendo exemplifica um caso de

    contradio: se a primeira verdadeira, a segunda tem que ser (necessa-

    riamente) falsa e vice-versa. Em outros termos, suponha que A e B so

    sentenas quaisquer de uma lngua, e que V e F esto por verdadeiro e

    falso, respectivamente; assim, uma contradio ocorre quando:

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    se A V, B F (e vice-versa)

    Sentenas contraditrias so sentenas que no podem ser simulta-

    neamente verdadeiras: se est chovendo no pode ser o caso de que noest chovendo (e vice-versa).

    Algum pode replicar o seguinte: mas s vezes a gente diz t e no

    t chovendo. verdade, mas, em geral, esses so casos em que o falan-

    te est criando uma implicatura raciocnios pragmticos ou casos

    de limites vagos para os quais no h certeza sobre o uso da sentena.

    Em geral, muito estranho afirmar contradies como Joo e no

    homem e, por isso mesmo, elas tendem a disparar implicaturas: o queo falante quer ao proferir uma sentena contraditria implicar que

    algumas caractersticas do predicado se aplicam, enquanto outras no

    se aplicam. Assim, ao proferir a contradio acima o falante est impli-

    cando que em alguns aspectos Joo homem e em outros no. Mas, essa

    uma maneira de resolver a (aparente) contradio.

    A relao entre chovendo e caindo chuva , ao mesmo tem-

    po, de acarretamento e de sinonmia, que nada mais do que um duplo

    acarretamento (ou acarretamento em mo dupla).

    Por exemplo, se est chovendo, ento certo que est cain- dochuva, afinal no possvel imaginar uma situao em que es- teja cho-

    vendo sem que caia chuva do cu (deixe de lado os usos metafricos

    envolvendo chover, como por exemplo est chovendo ptalas de

    rosa). Note ainda que a sentena caindo chuva acarreta a sentena

    chovendo: se est caindo chuva, ento est chovendo. Quando h

    duplo acarretamento, temos sinonmia.

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    Acarretamento (de A para B):Se A V, ento B necessariamente V.

    Sinonmia:A acarreta B e B acarreta A.

    Note que a relao de acarretamento supe uma direcionalidade:

    se A V, ento B necessariamente V. A sinonmia o acarretamen-

    to de mo dupla porque ele vale nas duas direes. Mas, nem sempre

    acontece de termos o duplo acarretamento. Por exemplo, a sentena

    (18) acarreta a sentena (19), mas o contrrio no verdadeiro, logo

    no h sinonmia:

    (18) Joo preparou o almoo.

    (19) Joo fez algo.

    claro que os mundos em que Joo cozinhou o almoo so mundos

    em que ele fez algo (h, portanto, acarretamento de (18) para (19)), mas

    os mundos em que Joo fez algo incluem outros mundos alm daqueles

    em que Joo preparou o almoo: por exemplo, mundos em que ele fez o

    jantar, mundos em que ele saiu de casa, em que ele se levantou etc. (por-

    tanto (19) no acarreta (18)). Veja o grfico de acarretamento a seguir,

    no qual os bales indicam conjuntos de mundos: o conjunto de mundos

    em que a sentena em (18) verdadeira est includo no conjunto de

    mundos em que (19) verdadeira:

    Mundos em que o Joo preparou o almoo.

    Mundos em que o

    Joo fez algo.

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    Considere, agora, a relao entre a sentena (18) e a sentena (20):

    (20) Joo fez o almoo.

    Suponha que preparar o almoo significa fazer o almoo. Logo, se

    (18) verdadeira, (20) tambm e vice-versa. Nesse caso, o conjunto de

    mundos em que (18) verdadeira coincide exatamente com o conjunto

    de mundos em que (20) verdadeira. emos, assim, um caso de sinon-

    mia. A figura representando o conjunto de mundos a seguinte:

    2.5 Consideraes finais

    Neste Captulo traamos as caractersticas do conhecimento que

    deve ser explicado pela teoria semntica que construmos. So elas:

    (1) O fato de que os falantes atribuem as condies de verdade de

    uma sentena qualquer;

    (2) A capacidade que os falantes tm de construir e interpretar

    sentenas que eles nunca ouviram, porque eles sabem compor;

    (3) O fato de que os falantes deduzem sentenas de sentenas, so

    os nexos semnticos.

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    3 Metalinguagem

    Neste captulo vamos dar os primeiros passos para explicar como

    funciona uma semntica verifuncional. Apresentaremos tambm exemplosde derivao semntica, investigando o papel que argumentos e predicados

    desempenham nessas derivaes.

    3.1 Teorema-T

    A maneira mais usual na Semntica de descrever o fato de que o

    falante sabe em que condies uma sentena verdadeira utilizar ofamoso eorema-:

    Uma sentena- pode parecer trivial, mas ela no , e preciso

    entender o que est por trs dela. Uma sentena- expressa um conhe-

    cimento: o conhecimento sobre o significado da sentena. A impresso

    de trivialidade se explica porque tanto a lngua-objeto, aquela que que-

    remos explicar (e que sempre aparece marcada formalmente, atravs das

    aspas simples), quanto a metalinguagem, a linguagem que utilizamos

    para explicar a lngua-objeto, isto , para estabelecer as condies em

    que o mundo deve estar para que a sentena seja verdadeira, so o por-

    tugus. Mas, compare:

    (1) A sentena ich liebe dich verdadeira em alemo se e somente

    se o falante ama o ouvinte no momento de fala.

    Nesse caso, a sentena- parece menos trivial, porque a lngua-ob-

    jeto o alemo, e damos sua condio de verdade usando o portugus

    como metalinguagem. As sentenas- podem ser facilmente generali-

    (T de Tarski, 1944)

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    zadas atravs do esquema-, a seguir, em que p est por uma sentena

    qualquer da lngua-objeto e q por uma sentena da metalinguagem:

    Esquema-T: p verdade na lngua X sse q

    A lngua-objeto no est sendo efetivamente usada, mas apenas

    mencionada. Suponha, por exemplo, a sentena eu te amo. Se ela

    efetivamente usada, o falante se compromete com o que ela diz, isto

    , o falante est expressando o que sente com relao ao ouvinte.

    Mas, veja que, neste Manual, no estamos usando essa sentena

    feliz ou infelizmente, no estamos expressando amor por ningum

    quando a mobilizamos aqui. O que ocorre que mencionamos asentena, tratamos dela como um objeto terico, fora de uso, para

    tentarmos entender o significado que ela tem em uso. J as palavras

    e sentenas na metalinguagem esto sendo usadas, isto , utilizamos

    o conhecimento implcito sobre seu significado para explicar a ln-

    gua- objeto; a metalinguagem remete ao mundo ou a um modelo

    de mundo. Note a diferena entre lua e lua nos exemplos a seguir.

    No primeiro caso, estamos falando sobre a palavra lua, porm no

    segundo estamos usando lua para nos referirmos ao objeto lua no

    mundo. A sentena (2) faz sentido, a sentena (3) no:

    (2) Lua tem trs letras.

    (3) Lua tem trs letras.

    por isso que a sentena (4) expressa um conhecimento:

    (4) Lua em portugus significa lua.

    3.2 Analisando uma lngua

    Antes de mais nada, importante salientar que todas as expresses

    de uma lngua tm sentido e referncia.Veja novamente, confor-

    me o Captulo 1.

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    Na teoria semntica que adotamos, encontramos dois tipos de en-

    tidades no mundo: os objetos (ou indivduos), que so particulares, e os

    valores de verdade, isto , o verdadeiro e o falso. Este ltimo um objeto

    muito peculiar e comum os alunos terem muita dificuldade em enten-der as razes de precisarmos desses objetos, mas isso se deve em parte

    a uma concepo muito concretista de objeto. Por exemplo, o nmero

    2 refere-se a um objeto no mundo, mas esse objeto no concreto.

    comum encontrarmos a seguinte crtica aos modelos referenciais de se-

    mntica: a que objeto no mundo se refere a beleza? Mas, essa apenas que

    o conceito de objeto foi mal compreendido, porque tem forte respaldo

    no conceito de objeto de senso comum, ou seja, de objeto con- creto. Po-

    rm, no esse o caso. Os mundos do semanticista so modelos formais,constitudos por objetos entendidos matematicamente: valores para

    uma varivel, como os nmeros ou expresses que preenchem os x, y

    e z das equaes. apenas por questes didticas que, em geral, esses

    modelos so apresentados atravs de exemplos de objetos concretos.

    Assim, no modelo semntico, os elementos da lngua se referem ou

    a indivduos (e conjuntos de indivduos e conjuntos de conjuntos de in-

    divduos) ou a valores de verdade. Nessa proposta, cuja base Frege, h

    dois tipos de expresses na lngua: expresses saturadas (ou completas)

    e expresses insaturadas (ou incompletas).

    bastante intuitivo entender que os nomes prprios, como Joo,

    Maria, Lus etc., se referem a um indivduo em particular. Menos in-

    tuitivo o fato de que, na Semntica, os nomes prprios tm sentido,

    porque o sentido precisamente o que permite acessarmos um referente

    Estamos aqui trabalhan-

    do com um modelo bemsimples, em que s h umindivduo chamado Joo.E, de fato, na nossa vida s aparentemente que hdois indivduos chamadosJoo, porque no fundoo nome prprio inclui osobrenome.

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    no mundo. Quando algum diz Clarice Lispector imediatamente acio-

    namos uma referncia, o indivduo Clarice Lispector. Essa ponte da pa-

    lavra para o mundo o sentido. No caso das expresses saturadas, como

    os nomes prprios, essa ponte entre uma expresso da linguagem e umnico indivduo no mundo.

    LinguagemSentido

    Referncia (Mundo)

    Clarice

    O sentido , pois, uma funo que associa a cada expresso da ln-

    gua uma nica referncia no mundo. A maneira usual de implementar-

    mos essa ideia na semntica atravs de uma funo de interpretao,

    normalmente representada por colchetes duplos [[ ]]. Assim, temos:

    [[Clarice Lispector]] = Clarice Lispector

    Lngua objeto MUNDO

    Entre os colchetes duplos temos a lngua objeto, j do outro lado da

    equao temos um indivduo. Note que estamos retornando distino

    entre lngua-objeto e metalinguagem. O sinal de igual precisamente afuno de interpretao.

    Assim como os nomes prprios, as descries definidas (o menino

    de azul, o atual presidente do Brasil etc.) tambm so expresses satu-

    radas, porque se referem a um nico indivduo especfico no mundo;

    por isso, para Frege, elas tambm so nomes prprios. Uma descrio

    definida uma expresso complexa que se compe de um artigo defini-

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    do e um predicado, e se refere a um e apenas um indivduo no mundo.

    Na sentena

    (5) Dilma a atual presidenta do Brasil.

    emos uma sentena de identidade entre um nome prprio, Dil-

    ma, e uma descrio definida, a atual presidenta do Brasil. rata-se, ob-

    viamente, de uma sentena sinttica, porque uma contingncia hist-

    rica que a atual presidenta do Brasil seja a Dilma. anto o nome prprio

    quanto a descrio definida se referem ao mesmo indivduo no mundo,

    mas o fazem atravs de sentidos distintos (de funes diferentes):

    [[a atual presidenta do Brasil]] = Dilma

    [[Dilma]] = Dilma

    O ltimo caso de expresso saturada so as sentenas, como Joo

    estuda, Maria trabalha, Pedro ama Joo etc. Sentenas obviamente

    no se referem a um indivduo em particular no mundo, mas a um

    valor de verdade. Sentenas so verdadeiras ou falsas. Uma sentena

    uma expresso saturada porque ela expressa um pensamento com-

    pleto e permite alcanarmos um objeto em particular: ou a verdade

    ou o falso (enquanto objetos matemticos!). Uma expresso como O

    menino que est de azul no expressa um pensamento completo, mas

    serve para apontar um indivduo em particular no mundo trata-se,

    portanto, de uma descrio definida. Note que no conseguimos ava-

    liar se verdadeira ou falsa. Compare com O menino que est de azul

    caiu da escada. Nesse caso, temos uma sentena, porque h um pensa-

    mento completo e podemos, em confronto com um estado no mundo,afirmar se ela verdadeira ou falsa. Como as descries definidas, as

    sentenas so estruturas complexas e podem, portanto, ser decom-

    postas em ele- mentos menores. Essa decomposio tambm objeto

    de estudo deste Manual. Por enquanto, basta entender que sentenas

    so estruturas complexas saturadas que tm como referncia um obje-

    to em particular: ou a verdade ou a falsidade.

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    3.2.1 Predicados e argumentos

    A partir de agora, vamos decompor sentenas. Decompor uma

    sentena em suas unidades mnimas e mostrar as regras de composio um trabalho rduo que tem sido realizado pelos semanticistas ao lon-

    go de geraes. No possvel apresentar essas conquistas de uma nica

    vez, porque h vrias questes que so, muitas vezes, bastante comple-

    xas. por isso que essa decomposio feita por etapas. Vamos iniciar

    apresentando os conceitos bsicos de argumento e de predicado, que

    so os paralelos na sintaxe dos conceitos de expresso saturada e insatu-

    rada, respectivamente. Considere a sentena em (6):

    (6) Joo estuda.

    Sua forma sinttica pode ser grosseiramente representada por:

    Intuitivamente, o significado da sentena (6) funo do signifi-

    cado de suas partes (composicionalidade): Joo e estuda. Essas partes

    comportam-se, no entanto, de modo muito diferente. Joo, como vi-

    mos, um nome prprio e, como tal, se refere a um indivduo especficono mundo, por isso uma expresso saturada; em termos sintticos,

    Joo o argumento do predicado estuda. Por sua vez, o predicado es-

    tuda uma expresso insaturada porque ela no se refere a um obje-

    to em particular no mundo (nem a um indivduo, nem a um valor de

    verdade). Alm disso, ela no uma estrutura completa, porque no

    expressa um pensamento.

    A representao arbrea de uma

    sentena visa a mimetizar uma

    pro- priedade fundamental das

    lnguas naturais: o fato de que os

    elementos lingusticos se combi-

    nam hierarquicamente e no line-

    armente, como poderamos jul-

    gar se nos contentssemos com

    a nossa percepo da linguagem

    em que, aparentemente, um ele-

    mento se segue a outro. A ideia de

    hierarquia de constituinte, grossomodo, os elementos a partir do

    qual uma sentena montada

    e no qual ela pode ser reduzida,

    fundamental para a sintaxe como

    mostrou Noam Chomsky (1928- ).

    A ideia, contudo, de que h hie-

    rarquia na sintaxe e de usar repre-

    sentaes arbreas mais antiga.

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    Sem maiores informaes, por exemplo, sobre de quem estamos

    falando, estuda no expressa um pensamento e nem possvel averi-

    guar se verdadeiro ou falso. por isso mes- mo que essa expresso insaturada, ela precisa de um complemento para se saturar. Uma vez

    saturada, ela vira uma sentena que veicula um pensamento completo e

    pode se referir a um objeto em particular. A expresso estuda tem uma

    posio aberta, que pode ser preenchi- da por diferentes argumentos,

    gerando, ento, insaturada pode ser pensada como uma estrutura na

    qual h um lugar vazio (uma valncia), que quando completado gera

    uma sentena, que pode ser verdadeira ou falsa:

    estuda + Joo = Joo estuda

    Esse lugar pode ser preenchido por diferentes argumentos; cada ar-

    gumento satura o predicado diferentemente, gerando sentenas diferen-

    tes: Joo estuda, Maria estuda, O menino que est de azul estuda etc.

    Dissemos que todas as expresses da lngua tm sentido e refern-

    cia. A que estuda se refere? Estuda um predicado de um lugar, isto ,

    com uma posio aberta e por isso chamado de predicado monoargu-

    mental, ou seja, exige um nico argumento para se saturar. Predicados

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    de um lugar denotam um conjunto de indivduos; assim, estuda se refe-

    re ao conjunto dos indivduos que tm a propriedade de estudar.

    Vamos compor semanticamente a rvore citada anteriormente.

    Comeamos pelos ns terminais, isto , as unidades mnimas que, no

    caso da sentena (6), so Joo e estuda.

    Joo refere-se ao indivduo

    [[Joo]] =

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    Observe que estuda denota um conjunto de indivduos (os que

    aparecem entre as chaves):

    [[estudar]] = { }

    A sentena Joo estuda tem ento a forma ao lado e significa que

    Joo pertence ao conjunto dos que estudam. Ela verdadeira se isso de

    fato ocorre e falsa de outro modo.

    Semanticamente, podemos parafrasear essa sentena por Joo per-

    tence ao conjunto daqueles que estudam. Mas, para chegar a tal parfra-

    se, precisamos de uma regra semntica que permita compor o SN (sin-

    tagma nominal) com o SV (sintagma verbal), para que a sentena (S) seja

    verdadeira se e somente se (sse) o referente do SN pertencer ao conjunto

    denotado (SN) pertence ao conjunto dos que estudam (SV). Essa regra

    se chama Aplicao Funcional e vamos apresent-la informalmente, por-

    que uma definio formal requer conceitos que ainda no dominamos.

    No exemplo anterior (e esse ser sempre o caso quando estivermos no

    n S), a aplicao funcional aplica a funo estuda ao argumento Joo.

    H duas maneiras de representarmos um conjunto:

    a) Apresentamos os elementos que compem o conjunto, ou

    b) Explicitamos a propriedade que os elementos tm. No exem-plo anterior, explicitamos os elementos do conjunto. Eis mais um

    exemplo: suponha que queremos explicitar o conjunto dos n-

    meros naturais maiores que 1 e menores que 4. Podemos enume-

    rar os elementos desse conjunto: {2, 3}; mas, podemos tambm

    dar a definio do conjunto: {x / x maior que 1 e menor que 4}.

    No primeiro caso, damos a referncia; no segundo, damos o

    sentido. Podemos fazer o mesmo com estuda:

    Leia-se: x tal que x maiorque 1 e menor que 4.

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    [[estuda]] = {x / x estuda}

    Em linguagem mais natural: o conjunto dos x tal que x estuda. A

    idia da aplicao funcional a seguinte: na extenso (referncia) doSV temos o conjunto {x / x estuda}. Na extenso do SN temos Joo. A

    aplicao funcional permite substituir a varivel (x) por Joo, obtendo

    a sentena Joo estuda, que verdadeira se e somente se Joo estuda.

    Note que explicitamos um clculo, a partir da combinao das exten-

    ses (um outro nome para referncia) de Joo e estuda. Note ainda que

    chegamos s condies de verdade da sentena e no a um resultado,

    ao verdadeiro ou ao falso. O resultado depende de como o mundo : se

    Joo tem mesmo a propriedade de estudar, a sentena verdadeira; casocontrrio, ela falsa. Na situao (ou mundo) que desenhamos acima, a

    sentena verdadeira porque Joo de fato tem a propriedade de estudar.

    3.2.2 Predicados de mais de um argumento

    At agora olhamos para um tipo especial de predicado, aquele que

    saturado por um nico argumento. Mas h predicados de mais de um

    lugar. H predicados de dois argumentos (ou dois lugares), como: amar,

    odiar, brigar com, ser amigo de ser pai de, estar ao lado de; predica-

    dos de trs argumentos, como: comprar, dar. Em termos lgicos, pode-

    mos ter predicados de quantos argumentos qui- sermos ou precisarmos;

    isto , podemos ter predicados de n-argumen- tos. Mas, no esse o

    caso das lnguas naturais, e h debate sobre o tema: Quantos argumen-

    tos, no mximo, pode ter um predicado de uma lngua natural? Parece

    certo que h predicados de trs lugares, como em:

    (7) Joo comprou o bolo para a Maria.

    Mas, e o predicado traduzir, teria ele 4 argumentos? possvel

    trat-lo como um predicado de quatro argumentos, sublinhados na

    sentena (8):

    (8) Pedro traduziu A Ilada do grego para o portugus.

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    O ponto da discusso o seguinte: argumentos devem ser essen-

    ciais para a saturao do predicado. Em outros termos, um predicado

    que no tem todos os seus argumentos no est saturado, no expressa

    um pensamento completo; no possvel dizer se verdadeiro ou falso.Veja que este o caso de (9), em que o asterisco indica m-formao:

    (9) * Maria brigou com

    Sabemos que brigar com requer dois argumentos para se saturar,

    o agente da briga e aquele que sofreu com a ao:

    (10) Maria brigou com o Pedro.

    claro que podemos ter outras informaes, mas elas sero adjun-

    tos, que se caracterizam por no serem essenciais para a saturao do

    predicado, por isso elas podem ser retiradas sem prejuzo:

    (11) Maria brigou com o Pedro com uma faca.

    Observe que com uma faca um adjunto, tanto que podemos su-

    primi-lo, e o predicado continua saturado, como aparece em (10).

    Reconsidere, agora, o caso de traduzir. A pergunta : grego e por-

    tugus so essenciais? A sentena abaixo completa, isto , conseguimos

    dizer se ela verdadeira ou falsa? O predicado traduzir est saturado?

    (12) Pedro traduziu A Ilada.

    Vamos agora olhar mais atentamente para predicados de dois luga-res. Considere a sentena:

    (13) Joo ama Maria.

    Veja que h dois elementos saturados, Joo e Maria, que se refe-

    rem a indivduos particulares no mundo. Assim, ama uma estrutura

    insaturada com dois lugares vazios:

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    ________ama________

    A que esse predicado se refere? Recorde que predicados de um lu-

    gar se referem a conjuntos de indivduos. E predicados de dois lugares?Intuitivamente, um predicado como ama se refere ao conjunto de in-

    divduos tal que o primeiro est numa relao amorosa com o segundo.

    Assim, predicados de dois ou mais lugares estabelecem relaes entre

    indivduos. E relaes so ordenadas, isto , alterar a ordem dos indi-

    vduos numa relao pode alterar a verdade da sentena. Por exemplo,

    suponha que a sentena (13) verdadeira, isto , Joo de fato ama Maria.

    Se alterarmos a ordem dos argumentos, obtemos:

    (14) Maria ama Joo.

    Ora, as condies de verdade dessa sentena so totalmente dife-

    rentes das condies de verdade da sentena (13), porque em (14) se

    afirma que a Maria quem est numa relao de amor com o Joo. Pode

    muito bem ser o caso de que (14) seja falsa. Por isso, dizemos que rela-

    es de dois lugares se referem a um conjunto de pares ordenados, em

    que o primeiro membro o agente ou experienciador do predicado. No

    exemplo em (13) o Joo o experienciador; j na sentena (14), Maria

    a experenciadora do ato de amar. Pares ordenados so representados

    assim: . Essa representao diz que Joo est numa certa

    relao com Maria. J o par diz que a Maria que est

    numa certa relao com o Joo. H, claro, relaes que so simtricas,

    por exemplo ser casado com: se A casado com B, necessariamente B

    casado com A. Nesse caso, a ordem dos argumentos no importa.

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    Essa maneira de descrever a denotao (extenso ou referncia) de

    um predicado de dois lugares encontrada nos vrios sistemas lgicos(no clculo de predicados, por exemplo). Ela uma representao pla-

    na, no sentido de que os dois argumentos esto em igualdade, embora

    eles estejam ordenados; como se eles preenchessem o predicado ama

    simultaneamente e no houvesse diferena estrutural entre eles. Sabe-

    mos, no entanto, que o argumento interno mais ligado ao predicado

    do que o argumento externo. H vrios indcios dessa assimetria entre

    os argumentos. Por exemplo, o argumento interno induz leituras meta-

    fricas do evento descrito pelo verbo, enquanto o argumento externo

    no pode dispar-las:

    (15) a. Matar uma barata;

    b. Matar uma conversa;

    c. Matar uma tarde assistindo televiso;

    d. Matar uma garrafa;

    e. Matar uma audincia;

    f. Matar uma aula.

    Essa assimetria aparece claramente na representao sinttica, a

    derivao de Joo ama Maria:

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    Note que o argumento Maria (argumento interno) est mais pr-

    ximo do verbo ama; ele interno ao verbo. O n SV a combinao deama com Maria, formando ama Maria; s depois, no n S, que o SV

    se combina com Joo. Esses passos de interpretao no aparecem cla-

    ramente quando afirmamos que a denotao de um predicado de dois

    lugares um conjunto de pares ordenados.

    Semanticamente, o n terminal ama, um predicado de dois luga-

    res, denota um conjunto de pares ordenados, por exemplo: {, , , ,

    }. Esse conjunto pode ser apreendido pela descrio:

    { / x ama y}

    O conjunto de pares ordenados em que x ama y.

    Realizamos a primeira operao semntica no n SV, uma aplica-

    o funcional, que preenche o argumento interno, isto , atribui um va-lor a este argumento; no caso, o valor Maria. Assim, transforma-se o

    conjun- to de pares ordenados no conjunto de indivduos que amam

    Maria. O resultado que, no n SV, temos um predicado de um lugar,

    o predicado ama Maria, cuja referncia o conjunto de indivduos que

    tm a propriedade de amar Maria, ou:

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    { x / x ama Maria}

    O conjunto dos x tal que x ama Maria.

    Em nosso exemplo, trata-se do conjunto {Joo, Pe-

    dro, Joana}. Finalmente, realizamos novamente a aplica-

    o funcional, que preenche o lugar do argumento externo

    por Joo e se e somente se Joo ama Maria. Mas, esse o resultado de

    atribuirmos uma denotao para os ns terminais e de combinarmos

    esses elementos da direita para a esquerda (ou seja, primeiro o argu-

    mento interno) atravs de duas aplicaes funcionais.

    Essa apresentao da interpretao semntica informal. Voc

    deve ter notado que nem mesmo definimos o que aplicao funcional.

    Nosso objetivo apenas dar uma ideia de como funciona o processo

    de interpretao. Uma abordagem mais formal, como dissemos, requer

    uma srie de conceitos de que ainda no dispomos. Os prximos Cap-

    tulos tm por funo apresentar alguns desses conceitos.

    3.3 Consideraes finais

    A noo de metalinguagem pode parecer um pouco complicada

    primeira vista, mas de fato fazemos uso dela em muitas situaes cor-

    riqueiras e topamos com ela diversas vezes na escola, ao usarmos a ma-

    temtica para entender fsica ou qumica, ou mesmo para entendermos

    geometria ou seja, usamos a matemtica para descrever o espao, fala-

    -se do espao pela matemtica.

    Neste pico tambm vimos o esquema-, que a maneira mais

    comumente empregada pelos semanticistas para exibir as condies de

    verdade das sentenas e separar a linguagem-objeto da metalinguagem.

    Ao voltarmos s noes de predicados e argumentos, agora munidos do

    esquema- e da noo de metalinguagem, pudemos realizar a derivao

    de sentenas simples, explicitando a integrao dos components sint-

    ticos e semticos.

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    4 Pressuposio

    Neste Tpico, vamos nos concentrar num nexo semntico: a pressuposi-

    o, apresentando sua definio e testes para identific-la com certa preciso.Tambm veremos dois aspectos desse fenmeno: sua exigncia

    contextual e a acomodao.

    4.1 Caracterizando a pressuposio

    Voc viu no primeiro pico que a Semntica v o significado das

    oraes nas lnguas naturais como um clculo: o significado do todo a soma do significado das partes. Entretanto, h vrios aspectos do

    significado que esto diretamente atrelados ao contexto e dependem

    dele para que possamos avaliar se uma sentena verdadeira ou falsa.

    Voc viu no Captulo 1 que, para determinar o contedo de diversas

    sentenas, necessrio computar informaes do contexto, e muitas in-

    formaes variam de um contexto a outro. A pressuposio um fen-

    meno similar, porque ela impe restries ao contexto de uso, j que as

    sentenas em que ela ocorre s pode receber um valor de verdade se ela

    for verdadeira. Assim trata-se de uma forma de ligar a determinao do

    valor de verdade de uma sentena a informaes presentes no contexto.

    A essas informaes contextuais chamaremos fundo conversacional.

    Assumir que h um conjunto de verdades sendo compartilhadas pe-

    los falantes torna muito mais fcil entender o papel que o contexto exerce

    na atribuio de um valor de verdade para as sentenas da lngua. A no-

    o de contexto inclui os falantes, o local onde eles esto, as condies do

    tempo, o perodo do dia, os acontecimentos importantes da semana etc.

    Essas informaes fazem parte do contexto como fundo conversacional.

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    Para algumas sentenas, tudo que precisamos saber quais estados

    de mundo tornam a sentena verdadeira:

    (1) Joo ama Maria.

    udo que precisamos saber para calcular o significado de (1) se

    Joo ama (ou no) Maria. O