UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
LÍNGUA E PERCEPÇÃO:
O Processamento dos clíticos com referência ao interlocutor
no Português Brasileiro
Thiago Laurentino de Oliveira
2018
LÍNGUA E PERCEPÇÃO:
O Processamento dos clíticos com referência ao interlocutor
no Português Brasileiro
Thiago Laurentino de Oliveira
Tese de Doutorado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Letras
Vernáculas da Universidade Federal do Rio
de Janeiro, como requisito para a obtenção
do Título de Doutor em Letras Vernáculas
(Língua Portuguesa).
Orientadora: Profª. Dr.ª Célia Regina dos
Santos Lopes
Co-orientador: Prof. Dr. Eduardo Kenedy
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2018
LÍNGUA E PERCEPÇÃO:
O Processamento dos clíticos com referência ao interlocutor
no Português Brasileiro
Thiago Laurentino de Oliveira
Orientadora: Célia Regina do Santos Lopes
Co-orientador: Eduardo Kenedy
Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras
Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos
requisitos necessários para a obtenção do título de Doutor em Letras
Vernáculas (Língua Portuguesa).
Examinada por:
_____________________________________________________________________
Orientadora, Profa. Dra. Célia Regina dos Santos Lopes (UFRJ)
___________________________________________________________________________ Prof. Dr. Eduardo Kenedy (co-orientador – UFF)
___________________________________________________________________________ Profa. Dra. Livia Oushiro (UNICAMP)
___________________________________________________________________________ Profa. Dra. Márcia Cristina de Brito Rumeu (UFMG)
___________________________________________________________________________ Prof. Dr. Marcus Antonio Rezende Maia (UFRJ)
___________________________________________________________________________
Profa. Dra. Silvia Rodrigues Vieira (UFRJ) Suplentes:
___________________________________________________________________________ Profa. Dra. Juliana Barbosa de Segadas Vianna (UFRRJ)
___________________________________________________________________________
Profa. Dra. Deise Cristina de Moraes Pinto (UFRJ)
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2018
Oliveira, Thiago Laurentino de.
Língua e Percepção: O Processamento dos clíticos com referência ao
interlocutor no Português Brasileiro / Thiago Laurentino de Oliveira. – Rio
de Janeiro: UFRJ/FL, 2018.
Orientadora: Célia Regina dos Santos Lopes
Co-orientador: Eduardo Kenedy
Tese (doutorado) – UFRJ / Faculdade de Letras / Programa de Pós-
Graduação em Letras Vernáculas, 2018.
Referências bibliográficas:
1. Clíticos de 2ª pessoa. 2. Processamento linguístico. 3. Linguística
Experimental.
I. Lopes, Célia Regina dos Santos. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Pós-graduação em Letras Vernáculas. III. Língua e Percepção: O
Processamento dos clíticos com referência ao interlocutor no Português
Brasileiro.
OLIVEIRA, Thiago Laurentino de. Língua e Percepção: O Processamento dos
clíticos com referência ao interlocutor no Português Brasileiro. Tese de
Doutorado em Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras/UFRJ,
2018.
RESUMO
Neste estudo, analisamos as formas pronominais clíticas que atuam ou podem
atuar na referência à 2ª pessoa do singular (2SG) em posição de complemento.
Como objetivo principal, desejamos observar como os falantes do Português
Brasileiro (PB) percebem os itens te, lhe e o/a. Estudos diacrônicos e
sincrônicos, a partir da análise de corpora, revelam que, mesmo após a
inserção da forma você no sistema pronominal do PB, o clítico te (vinculado
ao paradigma do pronome tu) se mantém como uma estratégia frequente.
Sendo assim, investigamos, através de uma abordagem experimental, o
processamento dos clíticos de 2SG dentro de certos contextos linguísticos.
Para tanto, construímos três experimentos que fossem capazes de focalizar
diferentes aspectos relativos ao processamento da informação de 2SG.
Assumimos como hipótese central que a alta frequência de uso do clítico te ao
longo do tempo desencadeou um processo de gramaticalização desse item no
PB. Especificamente, a forma te teria se convertido em um afixo flexional
marcador da informação de 2SG. A afixação de te explicaria, em termos
cognitivos, a alta eficácia desse item para acessar a informação de 2SG a partir
de um baixo custo de processamento. Ancoramos essa explicação nos
postulados teóricos que discutem os processos de gramaticalização por um
viés funcional (HOPPER, 1991; HOPPER; TRAUGOTT, 2003; HEINE; KUTEVA,
2007; BYBEE, 2016[2010]). Os dados obtidos através dos testes vão ao
encontro da hipótese mencionada e mostram que a abordagem experimental
constitui um método profícuo para a análise da representação da 2SG,
fornecendo uma compreensão mais completa do tema ao possibilitar uma
correlação entre dados de uso e dados de percepção.
OLIVEIRA, Thiago Laurentino de. Língua e Percepção: O Processamento dos
clíticos com referência ao interlocutor no Português Brasileiro. Tese de
Doutorado em Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras/UFRJ,
2018.
ABSTRACT
In this study, I analyze the clitic pronominal forms that act or can act in the
reference to the second person singular (2SG) in the complement position. As main objective, I wish to observe how the speakers of Brazilian Portuguese (BP) perceive the items te, lhe and o/a. From the analysis of corpora,
diachronic and synchronic studies show that even after the insertion of the você form in the pronominal system of BP, the te clitic (linked to the tu
pronoun paradigm) remains as a productive strategy. Thus, I investigate, through an experimental approach, how the speakers process the clitics of 2SG within certain linguistic contexts. To do so, I constructed three
experiments that were able to focus on several aspects related to the processing of 2SG information. I assume as central hypothesis that high
frequency of use of te-clitic over time triggered a process of grammaticalization of this item in BP. Specifically, te-clitic would have become an inflectional affix,
which marks 2SG information. This process would explain, in cognitive terms, the high efficiency of te to access the information of 2SG from a low processing cost. I anchor this explanation in the theoretical postulates that discuss the
processes of grammaticalization by a functional view (HOPPER, 1991; HOPPER; TRAUGOTT, 2003; HEINE; KUTEVA, 2007; BYBEE, 2016[2010]).
The data obtained through the tests meet the mentioned hypotheses and show that experimental approach constitutes a useful method for the analysis of the representation of the 2SG, providing a more complete understanding of the
subject by allowing a correlation between use data and perception data.
Esta pesquisa foi integralmente financiada por uma bolsa do CNPq.
“(...) em nossos raciocínios acerca das questões de fato, há todos os graus imagináveis de certeza (...). Um homem sábio, portanto, torna sua crença proporcional à evidência”.
David Hume, An Enquiry concerning Human
Understanding (1748)
Dedico este trabalho a todas as pessoas
voluntárias que, gentilmente, me cederam preciosos minutos de suas rotinas para
participarem dos experimentos. Sem a contribuição de vocês, essa pesquisa não existiria.
Aos meus avós, ontem, hoje e sempre!
AGRADECIMENTOS
À querida amiga, professora e orientadora Célia Lopes, pelos anos de
caminhada na vida acadêmica. Obrigado pela atenção, zelo e respeito com que
sempre me orientou. Obrigado por apostar tão alto em mim e me fazer
acreditar que era possível.
Ao professor e amigo Eduardo Kenedy, por ter aceitado o convite para
ser meu co-orientador. Nossos encontros e conversas foram extremamente
valiosos para a realização deste trabalho.
Aos professores Marcus Maia e Livia Oushiro, por participarem do
exame de qualificação com valiosas críticas e sugestões e contribuírem
diretamente para a realização desta tese. À Professora Livia, obrigado por
pacientemente me orientar nas questões estatísticas, sobretudo no uso da
plataforma R. Ao professor Marcus, obrigado por gentilmente abrir as portas
do LAPEX e me auxiliar na construção do experimento com o rastreador
ocular. Agradeço ainda o aceite de ambos para integrar a banca da defesa.
Às professoras Márcia Rumeu, Silvia Rodrigues, Juliana Segadas e
Deise Moraes, agradeço por também aceitarem o convite para a banca da
defesa.
Aos professores dos Departamentos de Letras Vernáculas e de
Linguística e Filologia da UFRJ, pelos ensinamentos, discussões e debates.
Em 10 anos de casa, a atuação de vocês foi decisiva para o meu
amadurecimento profissional e humano.
Aos professores de outras instituições universitárias, obrigado por,
durante o doutorado, me receberem de portas abertas e fazerem considerações
pertinentes e importantes acerca da minha pesquisa.
Aos peregrinos da F-316, pela injeção de ânimo e alegria contagiante.
Agradeço a cada um que me acompanhou nessa trajetória.
Às minhas “irmãs acadêmicas” Bruna Brasil, Dailane Guedes e Thaíssa
Frota, pela amizade sincera que vai além dos muros da Faculdade de Letras.
À minha família, pelo apoio e preocupação de sempre. Obrigado pela fé,
confiança e torcida. Conseguimos mais uma vez!
Ao Alerson Godoy, pelo carinho e paciência, mesmo nas horas em que
eu estive absurdamente estressado e rabugento. Dividir o mesmo teto com um
doutorando não é para qualquer um!
Aos meus amigos, por sempre acreditarem no meu potencial e estarem
sempre me incentivando a continuar.
Ao CNPq, pelo auxílio financeiro durante os quatro anos de doutorado.
Sumário
1 INTRODUZINDO QUESTÕES ................................................................................................. 13
2 PANORAMA DOS ESTUDOS SOBRE OS CLÍTICOS DE 2ª PESSOA NO
PORTUGUÊS BRASILEIRO ......................................................................................................... 23
2.1 A representação da 2SG em posição de complemento: dados, evidências
e resultados .................................................................................................................................. 23
2.1.1 Estudos diacrônicos ..................................................................................................... 26
2.1.2 Estudos sincrônicos ...................................................................................................... 46
2.2 A preservação do clítico te: algumas hipóteses ................................................... 67
2.2.1 Motivações sociopragmáticas .................................................................................... 67
2.2.2 Motivações morfossintáticas ...................................................................................... 71
2.2.3 Motivações cognitivo-funcionais ................................................................................ 76
2.3 Conclusão ............................................................................................................................. 79
3 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS E METODOLOGIA ........................................................... 81
3.1 Gramaticalização ............................................................................................................... 81
3.1.1 Princípios, parâmetros e mecanismos de gramaticalização ............................. 83
3.1.2 A trajetória clítico > afixo ............................................................................................ 93
3.1.3 Gramaticalização de pronomes pessoais ............................................................... 99
3.2 Gramaticalização e Processamento......................................................................... 106
3.3 Metodologia experimental em Linguística ........................................................... 112
3.3.1 Metodologias em linguística ..................................................................................... 113
3.3.2 A realidade psicológica dos fenômenos gramaticais ........................................ 118
3.3.3 Protocolo da abordagem experimental .................................................................. 122
3.4 Conclusão do capítulo .................................................................................................. 131
4 EXPERIMENTO 1: JULGAMENTO DE CENAS LEGENDADAS ............................... 133
4.1 Desenho do experimento ............................................................................................. 133
4.2 Hipóteses e previsões .................................................................................................... 138
4.3 Variáveis e condições .................................................................................................... 140
4.4 Participantes ..................................................................................................................... 144
4.5 Materiais ............................................................................................................................. 144
4.6 Procedimentos .................................................................................................................. 149
4.7 Resultados .......................................................................................................................... 150
4.8 Discussão ............................................................................................................................ 162
4.9 Conclusão do capítulo ................................................................................................... 164
5 EXPERIMENTO 2: LEITURA AUTOMONITORADA ..................................................... 166
5.1 Desenho do experimento ............................................................................................. 166
5.2 Hipóteses e previsões .................................................................................................... 172
5.3 Variáveis e condições .................................................................................................... 174
5.4 Participantes ..................................................................................................................... 176
5.5 Materiais ............................................................................................................................. 176
5.6 Procedimentos .................................................................................................................. 180
5.7 Resultados .......................................................................................................................... 182
5.7.1 Respostas às perguntas interpretativas ............................................................... 183
5.7.2 Médias de tempo de leitura das sentenças com o clítico ................................. 185
5.7.3 Médias de tempo de leitura das perguntas interpretativas ............................ 188
5.8. Discussão ........................................................................................................................... 191
5.9 Conclusão do capítulo ................................................................................................... 196
6 EXPERIMENTO 3: LEITURA DE FRASES COM RASTREAMENTO OCULAR ... 199
6.1 Desenho do experimento ............................................................................................. 199
6.2 Hipóteses e previsões .................................................................................................... 208
6.3 Variáveis e condições .................................................................................................... 209
6.4 Participantes ..................................................................................................................... 212
6.5 Materiais ............................................................................................................................. 212
6.6 Procedimentos .................................................................................................................. 215
6.7 Resultados .......................................................................................................................... 218
6.7.1 Respostas às perguntas interpretativas ............................................................... 218
6.7.2 Médias de duração dos tempos de fixação do olhar ......................................... 219
6.7.3 O número de fixações do olhar ................................................................................ 223
6.8 Discussão ............................................................................................................................ 227
6.9 Conclusão do capítulo ................................................................................................... 231
7 CONCLUSÕES ............................................................................................................................ 233
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................................ 241
ANEXOS ........................................................................................................................................... 251
I. Diálogos construídos para as legendas das cenas experimentais
(Experimento 1): ...................................................................................................................... 251
II. Frases experimentais utilizadas para os Experimentos 2 e 3: ...................... 255
13
1 INTRODUZINDO QUESTÕES
Na presente tese, investigamos, a partir de uma perspectiva
experimental, as formas pronominais átonas que atuam ou podem atuar na
referência à 2ª pessoa do singular (2SG) na posição de complemento verbal.
Especificamente, analisamos os clíticos pronominais te, lhe e o/a,
relacionados a verbos transitivos que selecionam argumentos acusativos (p.
ex., ver, esperar, amar) ou dativos (p. ex., dar, pedir, enviar). Nosso objetivo
central é observar, do ponto de vista da compreensão linguística, como os
falantes do português brasileiro (doravante, PB) processam a informação de
2SG em enunciados como os exemplificados em (01):
(01)
a. A Maria disse que te encontrou ontem no mercado.
b. A Maria disse que lhe encontrou ontem no mercado.
c. A Maria disse que o/a encontrou ontem no mercado.
A possibilidade de que essas três formas clíticas atuem como referentes
do interlocutor é fruto de um extenso e complexo processo de mudança que o
quadro pronominal do PB vem sofrendo ao longo do tempo, sobretudo desde
a emergência e posterior difusão da forma você (< Vossa Mercê). Para que se
tornem compreensíveis os propósitos gerais desta tese, urge que façamos uma
breve, porém necessária, retrospectiva histórica de alguns fatos relativos à
origem dessas formas clíticas no sistema de referência à 2SG do português,
principiando do latim.
Faria (1958), em sua Gramática Superior da Língua Latina, descreve que,
na língua latina, os pronomes pessoais apresentavam flexões morfológicas que
serviam para marcar o caso (nominativo, acusativo, dativo etc.) que a forma
recebia na oração. Desse modo, a forma Tū, que indicava em latim a referência
ao interlocutor (2SG), flexionava-se em tē, quando funcionava como acusativo
(p. ex., o objeto direto de um verbo), e em tibī, quando funcionava como dativo
(p. ex., o objeto indireto de um verbo).
Conforme ressalta Faria (1958), os ditos pronomes pessoais “do caso
reto” do português vieram das antigas formas latinas de nominativo (como,
14
por ex., tu); já os pronomes pessoais átonos “do caso oblíquo” (me, te, nos, se)
são oriundos das antigas formas acusativas do latim. Das formas dativas
latinas (mihi, tibi, sibi), originaram-se os chamados “pronomes oblíquos
tônicos” (mim, ti, si), que, em português, são obrigatoriamente encabeçados
por uma preposição.
As evidentes correspondências, todavia, podem ofuscar a existência de
diferenças significativas entre os sistemas pronominais latino e português.
Camara Jr. (1985, p. 96) observa que o sistema pronominal do português está
“muito longe do sistema de casos latinos, em que o caso dependia da função
do nome ou do pronome na frase”. Na mesma linha, Williams (1994, p. 148)
afirma que o quadro pronominal do português não deve ser visto como uma
cópia fiel dos pronomes latinos, “já que algumas formas de acusativo são
usadas como dativo e algumas de nominativo e dativo são usadas como objeto
de preposições”.
O clítico te é um bom exemplo do que os referidos autores comentam.
Camara Jr. (1985) e Williams (1994) ressaltam que as formas idênticas de
acusativo e dativo encontradas hoje no português são oriundas de tē, forma
latina flexionada no acusativo: “Me, te, se (...) são reflexos do acusativo-
ablativo mē, tē, sē. Mas em português os clíticos adverbais indicam o objeto
direto ou indireto, isto é, equivalem a um acusativo-dativo (...)” (CAMARA JR,
1985, p. 97); “Essas formas eram do acusativo em latim clássico, mas vieram
a ser usadas como dativo e acusativo em português” (WILLIAMS, 1994, p.
154).
Apesar das alterações destacadas, sabemos que o português herdou do
latim a distinção tu (nominativo-sujeito) e te (acusativo/dativo-objeto). Esse
resquício da flexão casual latina até hoje se mantém e, durante uma boa parte
da história da língua, o emprego te podia ser diretamente associado ao
paradigma de tu, analisado como uma flexão dessa forma.
O pronome tu, por sua vez, sendo uma estratégia de referência ao
interlocutor, tinha uso restrito, em termos pragmáticos, ao plano da
informalidade/proximidade em latim. No plano da
formalidade/distanciamento, a forma pronominal empregada era vos (vós).
Sendo assim, a língua latina deixa de herança ao português e às demais
15
línguas românicas dos primeiros séculos (XII, XIII e XIV) um sistema de
tratamento de 2SG baseado na oposição entre forma de proximidade (T) e
forma de distanciamento (V), consoante Brown e Gilman (1960).
Em fins do período medieval, porém, esse sistema de referência ao
interlocutor viria a se complexificar, principalmente após a emergência de
construções nominais no plano da formalidade/distanciamento (cf. FARACO,
1996). Dentre elas, destacamos Vossa Mercê, originalmente um sintagma
nominal, marcado como 3SG, que é reinterpretado como uma forma de
tratamento de 2SG (cf. MARCOTULIO, 2014). Embora tenha surgido como
uma estratégia de formalidade/distanciamento (V), Vossa Mercê passa,
durante os séculos XV e XVI, por um acelerado processo de desbotamento
semântico, que influenciou diretamente a extensão de uso dessa forma.
A expansão no uso de Vossa Mercê desencadeou um acelerado desgaste
fonético, de modo que, em textos remanescentes a partir do século XVII, já são
registradas ocorrências da forma gramaticalizada você (cf. FARACO, 1996;
RUMEU, 2013). Pragmaticamente, contudo, você atuava como uma estratégia
polifuncional, que preservava ainda alguns traços de
formalidade/distanciamento (V). Essa forma passou a ocupar isoladamente o
plano da formalidade em detrimento de vós, que entrou em desuso como forma
arcaizante por volta do século XVIII (cf. CINTRA, 1972; FARACO, 1996).
Durante as modificações ocorridas no plano da formalidade, a forma tu
permaneceu como estratégia de referência a 2SG no plano da
informalidade/proximidade.
No português brasileiro, em particular, a partir das primeiras décadas
do século XX, outras mudanças afetaram o quadro pronominal de 2SG. Como
alguns estudos têm demonstrado (cf. MACHADO, 2011) a forma você sofreu
um processo de gramaticalização mais acentuado no Brasil, em confronto com
o que se pode verificar em Portugal. Como consequência disso, há um
deslocamento desse pronome do plano da formalidade/distanciamento para o
plano da informalidade/proximidade no PB (cf. RUMEU, 2013). É importante
destacar, contudo, que a “migração” de você do eixo (V) para o eixo (T) não
levou ao total desaparecimento do pronome tu; em vez disso, essa mudança
desencadeou a coexistência entre as formas, que envolve diferentes aspectos
16
geográficos (uma vez que existem localidades em que uma das formas
prevalece ou é exclusiva), sociolinguísticos e pragmáticos.
Devido às alterações linguísticas sinteticamente descritas acima, as
formas clíticas lhe e o/a passaram a poder referir também a 2SG,
acompanhando a emergência de você. Conforme dissemos anteriormente, você
deriva de Vossa Mercê, construção de origem nominal e, por essa razão,
formalmente marcada como 3SG. Embora tenha adquirido semanticamente o
traço de 2SG, a forma gramaticalizada você não perdeu os traços formais da
sua origem nominal, o que faz com que siga o paradigma verbal e pronominal
dos pronomes de 3SG.
Pensando nas demais relações sintáticas que os pronomes pessoais
podem apresentar, teríamos, no português, os seguintes paradigmas de
formas de tratamento envolvendo os pronomes tu e você:
Nominativo
(Sujeito) Acusativo
(Objeto direto) Dativo
(Objeto indireto) Oblíquo
(Compl. prep.)
Tu te te, a/para ti prep. + ti, contigo
Você o/a, você lhe, a/para você Preposição + você
Quadro 1.1 As formas de tratamento tu e você e seus paradigmas.
O quadro anterior ilustra a simetria entre as formas nominativas tu e
você e as demais formas a elas correspondentes em contextos sintáticos de
complementação verbal (isto é, em função acusativa, dativa e oblíqua). De um
lado, vemos a série de pronomes herdados do latim, em que subsistem os
resquícios da flexão casual (te e ti, principalmente, funcionam como alomorfes
de tu). De outro, temos a série de pronomes forjada a partir da emergência de
você, da qual destacamos a presença dos clíticos originalmente de 3SG o/a e
lhe. Ressaltamos, ainda, o fato de que, contrariamente ao pronome tu, a forma
você pode ocorrer nas diferentes funções sintáticas sem sofrer alterações
morfológicas.
Essa simetria é bastante representativa do sistema de tratamento de
fases anteriores do português (entre os séculos XVII e XIX) e ainda o é para o
português europeu. Em relação ao PB, no entanto, embora quadros como esse
ainda possam ser encontrados em gramáticas prescritivas e livros didáticos,
ele reflete muito pouco daquilo que os falantes efetivamente usam na
17
atualidade. Mesmo que você tenha se expandido no PB, especialmente na
posição de sujeito, em grande parte do território brasileiro (cf. SCHERRE et al,
2015), suplantando em muitos casos o uso de tu, em outros contextos
sintáticos esse avanço de você não ocorreu na mesma medida. Em outras
palavras, as formas do paradigma de tu não desapareceram totalmente e são
produtivas em contextos específicos, sobretudo nas funções acusativa e
dativa. Assim, em diversas variedades do PB a simetria é rompida e cede lugar
para um amálgama entre formas pronominais de ambos os paradigmas. Não
raro, podemos encontrar enunciados como os de (02) no PB:
(02)
a. Você sabe que eu te amo.
b. Você leu a mensagem que eu te enviei?
Nos exemplos, vemos a ocorrência, dentro da mesma frase, da forma
gramaticalizada você, na posição de sujeito, e da forma clítica te – acusativo
em (a) e dativo em (b). Intuitivamente, como falantes do PB, sabemos que esse
tipo de combinação é possível, relativamente comum e não gera qualquer
estigma social sobre aqueles que a utilizam. Pesquisas realizadas nos últimos
anos (OLIVEIRA, 2014; SOUZA, 2014; dentre outras), com base na análise de
corpora diacrônicos e sincrônicos, têm constatado a permanência de te mesmo
após a difusão de você, evidenciando a referida coexistência de formas de
paradigmas distintos. Essa constatação torna-se ainda mais interessante se
restringirmos o nosso olhar para as formas clíticas: diferentes estudiosos têm
sinalizado para o fato de que, dentre os clíticos que estabelecem referência à
2SG, te é o mais frequentemente utilizado frente a lhe e o/a (cf. Capítulo 2).
Diante disso, colocamos a questão central desta pesquisa: por que o
clítico te é a forma mais frequentemente utilizada pelos falantes do PB, mesmo
nas variedades em que a forma você se difundiu fortemente? Dito de outro
modo: por que um clítico pertencente ao paradigma de um pronome em
processo de desaparecimento (na posição de sujeito), como é o caso de tu em
diversos dialetos do PB, é preservado no sistema de tratamento ao lado da
forma inovadora (você), combinando-se produtivamente com esta? E ainda:
por que os clíticos lhe e o/a, que seriam teoricamente as formas favorecidas
pela difusão de você – dado o processo de gramaticalização dessa forma –, não
18
registram uma produtividade de uso tão expressiva quanto a que se verifica
para te?
Em uma primeira tentativa de responder a esses questionamentos
(todos eles imbricados entre si), afirmamos que existem diferenças
importantes na funcionalidade desses clíticos que, por hipótese, interferem
diretamente na utilização dos mesmos pelos falantes para referir a 2SG. De
uma perspectiva histórica, temos que a forma te é, dentre as três opções, a
única que sempre atuou como uma marca de referência ao interlocutor, visto
que era, no latim, a forma flexionada de tu para o caso acusativo. Durante
todo o processo de gramaticalização Vossa Mercê > você ocorrido na história
do português, ainda no plano da formalidade, o clítico te continuou a ser
amplamente utilizado como única estratégia do plano da intimidade, o que
reforçou a sua funcionalidade de marcar 2SG. Além disso, a neutralização
formal resultante das alterações fonéticas que ocorreram na passagem do
latim ao português (cf. CAMARA Jr., 1985; WILLIANS, 1994) fez com que um
mesmo output fonético atuasse, em português, em duas funções de
complemento verbal: acusativo (objeto direto) e dativo (objeto indireto).
Os clíticos lhe e o/a, em contrapartida, têm uma trajetória relativamente
mais recente no âmbito da representação da 2SG. Sendo estratégias que
originalmente representavam a 3ª pessoa do singular, essas formas
estenderam sua funcionalidade também para a 2ª pessoa em função da
reanálise de Vossa Mercê como uma forma de tratamento (cf. MARCOTULIO,
2015). Além disso, por questões relacionadas às suas origens (cf. CAMARA Jr.,
1985), esses clíticos atuam (ao menos, em boa parte da história do português
e até hoje, na variedade europeia) em posições sintáticas específicas: o/a como
acusativo e lhe como dativo1. Junte-se a isso, o fato de que, conforme apontam
trabalhos como o de Duarte (1986) e Freire (2000; 2005), os clíticos o/a e lhe,
no âmbito da 3SG, estariam em vias de extinção, principalmente na
modalidade falada do PB, o que tem reduzido de maneira relevante a
frequência de uso dessas formas na variedade brasileira.
1 No português brasileiro, sobretudo nos dialetos nordestinos, o clítico lhe tem sua utilização
estendida para a posição acusativa. Sobre isso, comentaremos com maiores detalhes no capítulo 2 desta tese, durante a revisão do tema.
19
Diante desses aspectos mais gerais e partindo da diacronia para a
sincronia atual, outras questões acerca do tema emergem: (i) Como os falantes
do PB interpretam/processam, em termos cognitivos, a informação gramatical
de 2SG a partir dos clíticos te, lhe e o/a? (ii) As diferenças pragmáticas,
relativas aos planos da formalidade e proximidade, interferem atualmente na
compreensão desses itens do mesmo modo como interferiam no passado? (iii)
Fatores de ordem diatópica interferem na percepção dos falantes do PB? (iv)
Qual é a forma clítica mais eficaz na ativação da referência à 2SG? (v) Seria
possível correlacionar positivamente os índices de frequência de uso dos
clíticos, registrados em análises de corpora, e o esforço cognitivo necessário
para o processamento da informação de 2SG (a forma mais frequente na
produção linguística seria também a forma mais rápida e eficaz de ser
decodificada na compreensão)?
Conjecturamos, para essas perguntas, as seguintes hipóteses, na
mesma ordem: (i) os falantes do PB não interpretam/processam a informação
de 2SG a partir dos clíticos em análise do mesmo modo, visto que existem
diferenças funcionais entre eles que interferem diretamente na compreensão;
(ii) As diferenças pragmáticas interferem, em alguma medida, na compreensão
de o/a e principalmente de lhe, mas não interferem no processamento de te;
(iii) Dentre os três clíticos, apenas lhe seria passível de sofrer interferência do
fator diatópico, visto que constitui uma marca dialetal no PB de algumas
localidades; (iv) a forma te é a marca de representação da referência à 2SG por
excelência, haja vista os aspectos históricos relacionados a ele; (v) no que
tange às formas clíticas de 2SG, há uma forte correlação entre uso e
percepção, de modo que a forma te, largamente utilizada pelos falantes do PB,
é também a estratégia mais eficaz no processamento da informação de 2SG.
Unindo as breves considerações feitas anteriormente, retomamos a
questão central, agora procurando redimensioná-la para o viés da
compreensão linguística: por que o clítico te é, segundo as hipóteses
levantadas nos parágrafos precedentes, a estratégia mais eficaz para o
processamento da informação da 2SG? Por que te, e não lhe ou o/a, não sofre
interferência dos fatores pragmáticos e diatópicos, conforme postulamos
acima? E, em último caso, por que te é a marca de representação da 2SG por
20
excelência (na posição de complemento) dentro de um sistema em que a forma
você emergiu e se difundiu? Por que os clíticos que acompanharam o
deslocamento de você para o âmbito da referência ao interlocutor não foram
capazes de “banir” a forma te do sistema de tratamento, como ocorreu com tu
e prep.+ti nas localidades em que você se implementou?
Essas indagações nos conduzem à hipótese central, que será defendida
neste trabalho: a alta produtividade do clítico te frente aos outros clíticos
pronominais, historicamente atestada, desencadeou um processo de
gramaticalização desse item no PB, que o converteu em uma espécie de afixo
flexional, marcador da informação de 2SG. Do ponto de vista do uso, certos
aspectos parecem evidenciar tal processo: a extensão pragmática desse item
na atualidade, visto que te não está mais restrito ao plano da intimidade, e a
sua alta e regular frequência de uso, típica de construções gramaticalizadas,
mesmo nos contextos em que coexiste com você na posição de sujeito.
Acreditamos, todavia, que de um ponto de vista do processamento, a mudança
por que passou essa forma se evidenciará de maneira mais notória.
Com o intuito de capturar diferentes aspectos relacionados com as
questões anteriores e de recolher evidências que demonstrem empiricamente
a pertinência da nossa hipótese, construímos três experimentos linguísticos
de compreensão, aplicados aos falantes do português brasileiro. Para tanto,
adotamos a metodologia da Psicolinguística voltada para a descrição de fatos
gramaticais (KENEDY, 2015). Sendo assim, a presente tese busca estabelecer
uma interface entre a teoria linguística, relacionada à explicação das
diferenças existentes entre os clíticos de 2SG, e a metodologia experimental,
que permitirá testar as hipóteses levantadas a partir do comportamento dos
indivíduos participantes nas tarefas experimentais construídas para a análise
do fenômeno.
Como referencial teórico, seguiremos alguns pressupostos
funcionalistas que discutem a gramaticalização nas línguas naturais,
sobretudo os princípios, parâmetros e mecanismos que a caracterizam e a
descrevem (HOPPER, 1991; HOPPER; TRAUGOTT, 2003; HEINE, 2002, 2003;
HEINE; KUTEVA, 2007; HEINE; SONG, 2011; BYBEE, 2003, 2016 [2010]).
Além desses, recorremos, ainda, à proposta de Hawkins (2004; 2014) que visa
21
a relacionar os resultados de pesquisas baseadas em análises de corpus
(dentre elas, as pesquisas em gramaticalização) com os resultados de
pesquisas experimentais, que exploram o processamento de estruturas
linguísticas.
Para cumprir os propósitos gerais desta pesquisa, estruturamos a
presente tese em sete capítulos. Além desta introdução (capítulo 1),
apresentamos, no capítulo 2, a revisão sobre o tema. Nele, discutimos diversos
resultados de pesquisas anteriores, baseadas principalmente em dados de
uso, tanto na perspectiva sincrônica quanto na perspectiva diacrônica. Na
revisão, reunimos estudos que focalizam as regiões sudeste e nordeste do
Brasil, ainda hoje áreas do país com a maior concentração populacional (cf.
LOPES; MARCOTULIO; OLIVEIRA, no prelo). Terminamos esse capítulo
sintetizando as principais explicações que costumam ser dadas acerca da
dinâmica de variação dos clíticos de 2SG no PB, principalmente aquelas que
tentam esclarecer por que o clítico te é preservado no sistema pronominal do
PB.
No Capítulo 3, descrevemos os pressupostos teóricos e as orientações
metodológicas gerais da tese. Destacamos, neste capítulo, os princípios,
parâmetros e mecanismos que regem a gramaticalização de formas
linguísticas, com atenção especial para a extensão pragmática, a
especialização semântica, a decategorização morfossintática e os efeitos da
frequência de uso na mudança linguística. Em seguida, fazemos uma
discussão mais relacionada ao fenômeno de gramaticalização defendido no
trabalho (clítico > afixo), salientando os aspectos que diferenciam, segundo os
estudiosos, a categoria dos clíticos da categoria dos afixos. Comentamos,
ainda, a respeito das particularidades relacionadas à gramaticalização dos
pronomes pessoais, ainda pouco explorada pelos estudiosos, em comparação
com outras categorias linguísticas.
A fim de evidenciar a pertinência de um estudo que aproxime a
gramaticalização da abordagem experimental, apresentamos, também no
capítulo 3, a perspectiva de Hawkins (2014), segundo a qual os estudos de
gramaticalização podem e devem analisar seus fenômenos por um viés
experimental, visto que as estruturas mais frequentes que se
22
convencionalizam na língua possuem uma contraparte cognitiva que favorece,
em termos de processamento, a sua gramaticalização. Encerramos o capítulo
3 com a descrição da metodologia experimental adotada. Ressaltamos as
vantagens dessa abordagem, suas limitações e particularidades, bem como
apresentamos o protocolo de pesquisa da metodologia experimental que deve
ser seguido.
Nos Capítulos 4, 5 e 6, descrevemos minuciosamente os experimentos
desenvolvidos para a pesquisa. Apresentamos os objetivos envolvidos em cada
teste, as hipóteses e previsões, as variáveis controladas, o perfil dos
participantes, os materiais criados e os procedimentos adotados em cada um.
Logo em seguida, reportamos os resultados obtidos através dos gráficos e
tabelas que sintetizam o conjunto de medidas capturadas nos testes. Ao final
de cada um desses capítulos, reservamos um espaço para a discussão dos
dados e propomos uma interpretação dos resultados compatível com as
hipóteses assumidas.
Reunimos as principais conclusões da pesquisa no capítulo 7.
Retomamos o tema central da tese, resgatamos as hipóteses de trabalho e as
confrontamos com os resultados encontrados nos experimentos. Ainda nesse
capítulo, sinalizamos as lacunas não preenchidas por este estudo, apontando
para alguns aspectos que precisarão ser investigados por pesquisas futuras.
23
2 PANORAMA DOS ESTUDOS SOBRE OS CLÍTICOS DE 2ª PESSOA NO
PORTUGUÊS BRASILEIRO
Neste capítulo, apresentamos uma revisão panorâmica dos estudos que
investigaram, direta ou indiretamente, a representação da 2ª pessoa do
singular em posição de complemento, focalizando com maior interesse os
resultados, descrições e hipóteses atinentes às formas clíticas te, lhe e o/a,
para as quais dispensamos atenção especial nesta tese. Contemplamos
trabalhos tanto de natureza sincrônica quanto diacrônica. Os dados extraídos
dessas análises adotam como corpus de análise textos escritos e orais
representativos de diferentes variedades brasileiras. Após a apreciação desses
resultados, revisitamos algumas hipóteses de autores que se propuseram a
explicar a dinâmica dos clíticos de 2SG no PB, particularmente aqueles que
tratam da preservação do clítico te mesmo após a implementação de você.
2.1 A representação da 2SG em posição de complemento: dados,
evidências e resultados
Ao compararmos, em termos quantitativos, a produção de artigos, teses,
dissertações e trabalhos acadêmicos de natureza diversa acerca da
representação da 2SG no PB quanto ao contexto morfossintático, percebemos
um descompasso existente entre os estudos que focalizam a posição de sujeito
(mais numerosos) e aqueles que tratam de outras posições sintáticas da
sentença. Podemos dizer que existe, atualmente, uma descrição bastante
representativa – ao menos em perspectiva sincrônica – para a expressão de 2ª
pessoa na posição de sujeito em território brasileiro. A compilação de dezenas
de estudos sobre o tema feita em Scherre et al. (2015) é bastante ilustrativa
dessa ampla literatura e revela que há, mesmo que em caráter preliminar,
registros de investigações linguísticas sobre a variação/mudança da
expressão de 2SG envolvendo as formas nominativas tu, você e outras
variantes (p. ex., ocê e cê)2.
2 Não exploraremos em detalhes a bibliografia relacionada à posição de sujeito, uma vez que
nosso foco central é a posição de complemento verbal. Para maiores informações, remetemos
os leitores ao trabalho de Scherre et al. (2015), que oferece uma apresentação bastante ampla dos estudos sobre o tema.
24
No que tange à representação da 2SG em outras posições sintáticas,
observamos uma quantidade relativamente menor de descrições e análises
realizadas. Dentre os trabalhos disponíveis, boa parte não analisa
especificamente uma posição sintática diferente do sujeito, mas interpreta as
manifestações de 2SG nas posições de objeto, possessivo, imperativo etc. como
desdobramentos do que ocorre na posição de sujeito. Embora sejam
compreensíveis as razões (na maioria das vezes, metodológicas) que levam os
pesquisadores a adotar tal postura, é inevitável reconhecer que, através desse
modelo de análise, muitas informações preciosas acerca do tema deixam de
ser discutidas. Além disso, nem sempre o paradigma de 2SG adotado na
posição de sujeito pelos informantes está em correlação com as formas de 2SG
utilizadas em outras posições sintáticas, conforme relatam alguns estudos
que apresentaremos mais adiante.
Cientes das referidas limitações, elencamos vinte e três trabalhos
produzidos na última década por pesquisadores de diferentes instituições
brasileiras. Ainda que alguns deles não forneçam um conjunto de dados
quantitativamente expressivo, esses estudos fornecem um interessante
retrato do fenômeno em questão, visto que há análises sincrônicas e
diacrônicas, baseadas em dados de fala e de escrita, obtidos a partir de
informantes oriundos das regiões Sudeste e Nordeste do Brasil3. Soma-se a
isso o fato de essas produções serem, quase que exclusivamente, investigações
sociolinguísticas que controlam fatores importantes para o entendimento da
dinâmica dos clíticos de 2SG, tais como grau de escolarização, faixa etária,
período de tempo e tipo de relação/interação. No Quadro 2.1, expomos os
estudos revisitados:
3 O enfoque nas análises produzidas com base em dados das duas regiões brasileiras
mencionadas não é aleatório. Em consonância com Lopes, Marcotulio e Oliveira, no prelo,
acreditamos que “as áreas selecionadas são representativas por concentrarem, no intervalo de mais de um século, a maior parte da população do país”.
25
Região Estudos Diacrônicos Estudos Sincrônicos
Sudeste Machado (2011), Rumeu (2013),
Oliveira (2014), Souza (2014),
Cardoso (2017) e Cruz (2017)
Modesto (2006), Camargo Jr. (2007),
Mota (2008), Pimienta (2013) e
Carvalho e Pinto (2014)
Nordeste Almeida e Deus (2011), Moura
(2013), Gomes e Lopes (2014) e
Araújo e Carvalho (2015)
Dantas (2007), Brito (2010), Alves
(2015) e Almeida (2016)
Inter-
regional
Lopes et al., no prelo Herênio (2006), Arruda (2006) e Lessa
(2014)
Quadro 2.1 – Estudos sobre a representação da 2SG na posição de complemento revisitados
Como podemos verificar, a maior parte dos trabalhos publicados é
representativa da região Sudeste (onze estudos, ao todo). A metade desses
estudos, por sua vez, tem como referência a variedade carioca/fluminense. A
região Nordeste conta com oito investigações, representativas dos estados da
Bahia, Ceará, Maranhão, Rio Grande do Norte e Pernambuco. As quatro
produções identificadas como “inter-regionais” consistem em trabalhos que
utilizam como corpus de análise dados provenientes de regiões brasileiras
diferentes.
Quanto ao recorte cronológico, temos certo equilíbrio entre os estudos
elencados: onze análises diacrônicas versus doze sincrônicas. Enquanto as
primeiras se baseiam em corpora de cartas pessoais e/ou peças de teatro, as
últimas utilizam, principalmente, dados obtidos a partir de entrevistas
sociolinguísticas. Ainda a respeito das investigações diacrônicas, todas elas
focalizam o século XIX e/ou o século XX, períodos em que teriam se acentuado
as mudanças no sistema pronominal de 2SG do PB e que desencadearam a
difusão de você na posição de sujeito (cf. LOPES, 2008; MACHADO, 2011;
RUMEU, 2013).
Optamos por agrupar a apresentação dos estudos mencionados em
duas subseções, segundo a perspectiva metodológica adotada (diacrônica ou
sincrônica). Ambas, por sua vez, subdividem-se quanto à região brasileira
analisada (Sudeste, Nordeste ou inter-regional). Priorizamos, nos parágrafos
subsequentes, a apreciação dos resultados (gerais e específicos), sem grandes
26
preocupações com as questões mais específicas de cada estudo que,
eventualmente, extrapolam os limites da nossa investigação. Sempre que for
pertinente, apresentaremos as observações e interpretações feitas pelos
autores, a fim de oferecer um entendimento mais preciso e coerente dos dados.
Comecemos pelos trabalhos diacrônicos.
2.1.1 Estudos diacrônicos
- Região Sudeste
São representativos da região Sudeste os estudos de Machado (2011), Rumeu
(2013), Oliveira (2014), Souza (2014), Cardoso (2017) e Cruz (2017). À exceção
de Machado (2011), que analisou peças teatrais, todos os demais trabalhos
adotam como corpus de análise amostras de cartas pessoais. Apresentaremos
os estudos e seus respectivos resultados de acordo com a ordem cronológica
de publicação.
O trabalho de Machado (2011) acerca de peças teatrais brasileiras e
portuguesas analisou o comportamento das formas de tratamento ao
interlocutor e as transformações por que passaram o sistema pronominal de
ambas as variedades no decorrer dos séculos XIX e XX. Embora o foco
principal seja a dinâmica na posição de sujeito, a autora registrou as
ocorrências de 2SG verificadas em diversos contextos morfossintáticos, dentre
eles as posições de complemento verbal. Das vinte e nove peças teatrais
analisadas, quatorze eram representativas do PB e ambientadas no Rio de
Janeiro. Para a posição de complemento, foram obtidos 1052 dados
pronominais, que se dividem tal como apresentamos na Tabela 2.1:
VARIANTE TE TI O/A LHE SE/SI VOCÊ PREP.+VOCÊ VOS TOTAL
Oco. 328 34 127 297 115 21 120 10 1052
% 31% 3% 12% 28% 11% 2% 11% 1%
Tabela 2.1 – Distribuição das formas pronominais de 2SG em posição de complemento
verbal em peças teatrais brasileiras dos séculos XIX e XX
(adaptado de Machado, 2011, p. 152)
Observando os índices gerais da amostra, vemos que a variante clítica
te foi a mais frequente, correspondendo a 328 dados (isto é, 31% das
27
ocorrências totais para a posição de complemento verbal). Em segundo lugar,
aparece o clítico lhe, com 297 dados (28% de frequência), um índice bem
próximo de te. Além disso, notamos que as três variantes clíticas de 2SG (te,
lhe e o/a), se somadas, correspondem a cerca de 70% dos dados de
complemento. Ao dividirmos as ocorrências dessas variantes pela diacronia
investigada por Machado (2011), encontramos a distribuição exposta na
Tabela 2.2:
TE LHE O/A TOTAL
XIX/2 180/335
54%
113/335
34%
42/335
12%
335
XX/1 75/246
30%
117/246
47%
54/246
23%
246
XX/2 73/171
43%
67/171
39%
31/171
18%
171
Tabela 2.2 – Distribuição das formas clíticas de 2SG ao longo do tempo
em amostra de peças teatrais brasileiras (adaptado de Machado, 2011, p. 152)
Como é possível perceber, as formas clíticas te e lhe concorrem
diretamente ao longo do período em questão: até fins do século XIX,
predomina te (54%), ainda motivado pela prevalência do paradigma do
pronome tu sobre a forma você nesse período; na primeira metade do século
XX, é o clítico lhe quem prevalece (47%), possivelmente motivado pela difusão
de você na posição de sujeito, relatada por diversos estudos; na segunda
metade do século XX, entretanto, temos uma situação diferente, visto que o
clítico te é majoritário novamente (43%), mesmo após o avanço de você na
posição de sujeito. Diante desse quadro, Machado (2011, p. 224) afirma que
O alçamento de você à posição de principal e, em alguns momentos,
única estratégia pronominal de referência à segunda pessoa do
discurso gera um aumento nos índices de usos dos pronomes oblíquos
e possessivos de 3ª pessoa. Todavia, mesmo com o “desaparecimento” em algumas décadas do século XX, de tu na função de sujeito,
observa-se a permanência, principalmente, do pronome oblíquo átono
te (...). Tal fato ilustra a conservação das formas de P2 e a possível
associação destas a você para a designação de um mesmo interlocutor
por um determinado falante.
28
Embora a autora não apresente uma análise quantitativa detalhada da
correlação entre as formas de 2SG utilizadas em posição de sujeito e
complemento verbal nas peças teatrais, ela afirma que “(...) tais resultados
permitem inferir que um mesmo interlocutor pode ter sido tratado, ao mesmo
tempo (...) por você e uma forma pronominal de 2ª pessoa como te”
(MACHADO, 2011, p.151).
Com enfoque similar ao de Machado (2011), Rumeu (2013) também se
atém, em sua investigação, à variação de 2SG na posição de sujeito, com
atenção especial para a implementação da forma você no sistema pronominal
do PB. A análise da autora ancora-se em uma amostra de cento e setenta
cartas pessoais cariocas trocadas entre membros de uma mesma família, das
últimas décadas do século XIX até meados do século XX. Rumeu (2013)
controlou as ocorrências de pronomes de 2SG em diversos contextos
morfossintáticos, dentre os quais a posição de objeto, referida em seu trabalho
como “Pronome complemento sem preposição”. Reproduzimos, na Tabela 2.3,
a sistematização dos dados relacionados ao paradigma de tu, fornecida pela
autora:
Tabela 2.3 – A produtividade das formas de P2 (Tu) e P3 (Você) em relação às categorias
gramaticais (pronomes/verbos) na amostra de cartas da família Pedreira Ferraz – Magalhães.
Valor de aplicação: Tu (P2).
(Fonte: RUMEU, 2013, p.139)
Destacamos, na Tabela 2.3, as ocorrências de pronome complemento
sem preposição que, evidentemente, correspondem ao clítico te: 90 dados
dentre os 135 que constituem o contexto morfossintático mencionado (67%).
Na análise de peso relativo, vemos que esse mesmo contexto foi o maior
favorecedor de ocorrências de formas do paradigma de tu (P.R.: .65) dentre os
29
que foram rastreados pela pesquisadora. Uma vez que o interesse central era
analisar o nível de implementação da forma você em diferentes contextos, a
autora não apresenta um detalhamento maior quanto às ocorrências das
formas clíticas ao longo da diacronia considerada.
Há, no entanto, uma apreciação interessante no que se refere à
possibilidade de combinação de você em posição de sujeito com formas do
paradigma de tu em outras posições sintáticas. Rumeu (2013, p. 135) controla
sistematicamente essa possibilidade e observa que “as formas de P2 (Tu),
apesar de se manterem preferencialmente combinadas com a segunda pessoa
formal, em 90% dos dados (.68), se mostram, mesmo que timidamente,
combinadas com a terceira pessoa formal, em 20% dos dados (.19) (...)”. Sendo
assim, no entendimento da pesquisadora, o controle dessa possibilidade de
combinação entre formas de diferentes paradigmas permite-nos verificar
“como o novo quadro pronominal do PB foi se reestruturando a partir da fusão
dos paradigmas de Tu e Você ou mesmo da formação de um quadro de
pronomes supletivo” (p.137-138).
Nas investigações de Souza (2014) e Oliveira (2014), encontramos um
enfoque direcionado para a posição de complemento. Ambos os trabalhos
também têm como referência a variedade carioca. Souza (2014) mapeou todas
as variantes de 2SG na função de acusativo/objeto direto. A autora analisou
um corpus de 504 cartas pessoais escritas entre as décadas de 1880 e 1980.
De um total de 433 dados, contabilizou 337 ocorrências de te (77,8%), 40 de
o/a (9,2%), 29 de você (6,7%), 17 de lhe (4%) e 10 de objeto nulo (2,3%). Esse
resultado evidenciou a preferência pela forma te, típica da variedade carioca
(e da região sudeste). Analisando a distribuição desses dados na diacronia
investigada, observamos que o clítico te prevalece em todos os períodos, como
ilustra a Figura 2.1:
30
Figura 2.1 – Distribuição das formas acusativas de 2SG ao longo de um século na escrita
epistolar carioca (adaptado de SOUZA, 2014, p. 110)
O clítico te registra um percentual de frequência sempre superior a 50%
em cada fase da amostra, o que parece indiciar a preservação dessa forma na
variedade carioca. Souza (2014) controlou, também, a correlação entre as
formas de 2SG empregadas na posição de sujeito e de acusativo, a fim de
verificar se a variante adotada pelos escreventes naquele contexto exerceria
alguma influência sobre a variante adotada neste. Reportamos na Tabela 2.44
os resultados da autora:
TE O/A VOCÊ LHE NULO TOTAL
TU
EXCLUSIVO
168/178
94,4%
02/178
1,1%
04/178
2,2%
01/178
0,6%
03/178
1,7%
178/422
42,2%
VOCÊ
EXCLUSIVO
60/118
50,8%
26/118
22%
19/118
16,1%
10/118
8,5%
03/118
2,5%
118/422
28%
ALTERNÂNCIA
TU~VOCÊ
103/126
81,7%
07/126
5,6%
06/126
4,8%
06/126
4,8%
04/126
3,2%
126/422
29,8%
TOTAL 331/422 35/422 29/422 17/422 10/422 422
Tabela 2.4 – Correlação entre o tratamento na posição de sujeito e as estratégias utilizadas
como complemento acusativo na escrita epistolar carioca (adaptado de SOUZA, 2014, p. 96)
Consoante os índices replicados do trabalho de Souza (2014),
verificamos que quase a metade dos dados foi obtida de cartas cuja forma
4 Na reprodução dos dados de Souza (2014), desconsideramos 4 ocorrências registradas em
cartas com uso exclusivo da forma O Senhor/A Senhora e 7 ocorrências de cartas sem
referência explícita na posição de sujeito. Procedemos de tal forma com o intuito de focalizar,
especificamente, os dados de objeto que ocorriam em cartas com a utilização de Tu e/ou Você na posição de sujeito.
96%
73%
90%
56%
0% 2%6%
25%
2%
15%
3%
12%
0%6%
1%7%
0%
20%
40%
60%
80%
100%
1880-1905 1906-1930 1931-1955 1956-1980
TE
VOCÊ
O/A
LHE
31
pronominal na posição de sujeito era tu, o que justifica parcialmente a alta
frequência de te. Cumpre salientar, contudo, que esse contexto não foi o único
em que te registrou uma produtividade relevante, visto que, dentre as
variantes encontradas na amostra, ele também foi a forma mais frequente em
cartas com alternância tu/você na posição de sujeito (81,7%) e mesmo nas
cartas com uso exclusivo de você (50,8%), superando inclusive, em termos
percentuais, as variantes do paradigma original da forma você (o/a, você e
lhe). Conjugando as informações constantes na Figura 2.1 com os índices da
Tabela 2.4, podemos depreender que o clítico te se desvincula do paradigma
do pronome tu e passa a se combinar também com a forma você, à medida
que esta se implementa no sistema; essa possibilidade de recombinação é que
parece garantir a sobrevivência de te em um paradigma em processo de
reestruturação.
Seguindo um viés de análise semelhante, Oliveira (2014) investigou as
formas variantes de dativo de 2SG, a partir de um corpus de 318 cartas
pessoais produzidas dentro do mesmo recorte temporal de Souza (2014). Das
811 ocorrências computadas de dativos de 2SG, foram encontrados 464 dados
do clítico te (57,2%), 92 dados do clítico lhe (11,3%), 181 de objeto nulo
(22,3%), 25 de sintagmas preposicionados a/para ti (3,1%) e 49 de sintagmas
preposicionados a/para você (6%). Os resultados de Oliveira (2014) apontam
o clítico te como a estratégia preferida para a referência à 2SG também na
função dativa. Essa preferência se evidencia na diacronia analisada. A Figura
2.2 ilustra a distribuição dos dados nas fases consideradas pelo autor:
32
Figura 2.2 – Distribuição das formas dativas de 2SG ao longo de um século na escrita
epistolar carioca (Adaptado de OLIVEIRA, 2014, p. 132)
Em três quartos da diacronia analisada, notamos que o clítico te
prevaleceu sobre as demais variantes da amostra, registrando índices
superiores a 50%. Nos documentos do período mais recente, há um declínio
de frequência dessa variante em favor do aumento nos índices do clítico lhe e
dos sintagmas preposicionados relacionados a você. De todo modo, é coerente
dizer que o uso de te é preservado também na função dativa, ainda que haja
um maior equilíbrio entre as formas variantes nos dados de finais do século
XX. Oliveira (2014) analisou a correlação entre as formas empregadas na
posição de sujeito e de dativo, também com o intuito de verificar se haveria
influência da forma do sujeito sobre a forma dativa. Os resultados obtidos
seguem na Tabela 2.55:
TE LHE NULO A/PARA TI A/PARA
VOCÊ
TOTAL
TU EXCLUSIVO 194/247
78,5%
01/247
0,4%
35/247
14,2%
14/247
5,7%
03/247
1,2%
247/785
31,6%
VOCÊ
EXCLUSIVO
85/275
30,9%
75/275
27,3%
80/275
29,1%
01/275
0,4%
34/275
12,3%
275/785
35%
ALTERNÂNCIA
TU~VOCÊ
184/262
70,2%
07/262
2,8%
50/262
19%
10/262
3,8%
11/262
4,2%
262/785
33,4%
TOTAL 463/784 83/784 165/784 25/784 48/784 784
Tabela 2.5 – Correlação entre o tratamento na posição de sujeito e as estratégias utilizadas como complemento dativo na escrita epistolar carioca
(adaptado de OLIVEIRA, 2014, p. 108)
5 Foram desconsiderados, nesta tabela, 27 dados de formas dativas de 2SG extraídos de cartas
em que não se utilizava tu e/ou você na posição de sujeito.
70%
60%
68%
30%
10% 10%
1%
25%
15%
26%
17%
33%
4% 1%8%
0%1% 4%7%
13%
0%
20%
40%
60%
80%
100%
1880-1905 1906-1930 1931-1955 1956-1980
TE
LHE
NULO
A/PARA TI
A/PARA VOCÊ
33
Ao abordarmos os índices da Tabela 2.5, percebemos um quadro
destoante daquele verificado no trabalho de Souza (2014) no que diz respeito
à forma utilizada na posição de sujeito: a maioria dos dados de dativo foi
obtida a partir de cartas com uso exclusivo de você em posição de sujeito
(35%), ainda que esse percentual não se distancie tanto daqueles observados
para os demais contextos (33,4% em cartas com alternância tu/você e 31,6%
em cartas com uso exclusivo de tu). Dentre esses contextos, podemos dizer
que o clítico te predomina em seu contexto original (tu-exclusivo; 78,5%) e no
contexto de variação (alternância tu/você; 70,2%). No contexto em que,
teoricamente, te não é previsto de ocorrer, isto é, em cartas com você-exclusivo
na posição de sujeito, essa variante não apenas foi registrada como também
figura em pé de igualdade com outras estratégias (o clítico lhe e o objeto nulo),
contabilizando um percentual ligeiramente superior (30,9% de te frente a
27,3% de lhe e 29,1% de objeto nulo).
Confrontando os resultados da Figura 2.2 e da Tabela 2.5, vemos que,
na função dativa, o clítico te sofreu uma queda de frequência de uso nas cartas
pessoais ao longo do tempo, possivelmente causada pela emergência de outras
variantes relacionadas ao paradigma de você. Embora apresente índices mais
expressivos na função acusativa, nos parece plausível afirmar que também o
clítico te em função dativa se desvincula do paradigma de tu e passa a
associar-se à forma você, ainda que em menor grau, nos dados analisados.
Cardoso (2017) e Cruz (2017) analisam a variedade mineira
documentada em cartas pessoais escritas por falantes cultos entre os séculos
XIX e XX. Em seu estudo, Cardoso (2017) empreende uma minuciosa
investigação das formas dativas de 2SG, baseando-se no trabalho de Oliveira
(2014). A autora examinou 224 missivas particulares e obteve um total de 582
ocorrências, dentre as quais registrou 251 dados do clítico lhe (43%), 155 do
clítico te (27%), 134 de objeto nulo (23%), 34 de sintagmas preposicionados
a/para você (5,7%) e 05 do sintagma preposicionado a ti (0,8%). De imediato,
notamos uma diferença na distribuição geral das variantes entre as cartas
cariocas analisadas por Oliveira (2014) e as cartas mineiras estudadas por
Cardoso (2017): nestas, predomina o clítico lhe, que alterna com o clítico te
em certos momentos da diacronia considerada, tal como sugere a Tabela 2.6:
34
TE LHE NULO A TI A/PARA
VOCÊ
TOTAL
1860-1899 13
25,5%
14
27,4%
22
43,1%
00
0%
02
4%
51
1900-1929 119
67,2%
22
12,4%
29
16,4%
04
2,2%
03
1,8%
177
1930-1959 19
8%
140
58,8%
56
23,5%
01
0,5%
22
9,2%
238
1960-1989 00
0%
68
75,5%
15
16,6%
00
0%
07
7,9%
90
Tabela 2.6 – Distribuição das formas dativas de 2SG ao longo de um século
na escrita epistolar mineira (Adaptado de CARDOSO, 2017)
Observamos que há três momentos bastante distintos na diacronia das
cartas mineiras no que se refere à distribuição das variantes dativas. No
período mais antigo, correspondente à segunda metade do século XIX, o objeto
nulo é a estratégia mais frequente (43,1% - 22/51 dados), e os clíticos te e lhe
apresentam índices bem próximos entre si (25,5% - 13/51 dados para te
versus 27,4% - 14/51 dados para lhe). Já nas cartas escritas nas primeiras
décadas do século XX, a forma te é majoritária (67,2% - 119/177 dados),
seguida do objeto nulo (16,4% - 29/177 dados) e do clítico lhe (12,4% - 22/177
dados). Nas missivas das décadas subsequentes, posteriores a 1930,
prevalece, com larga diferença percentual, o clítico lhe (58,8% entre 1930 e
1959, e 75,5% entre 1960 e 1989), enquanto as taxas de ocorrência do clítico
te decrescem até chegarem a zero na documentação mais recente.
A hipótese aventada por Cardoso (2017) para justificar tal quadro de
variação está associada à implementação da forma você na posição de sujeito.
Para embasar essa explicação, a autora apresentou dados quantitativos da
correlação entre a forma empregada na posição de sujeito e as variantes
dativas nas cartas mineiras, que reproduzimos na Tabela 2.76:
6 Recalculamos os percentuais apresentados por Cardoso (2017) devido à exclusão de 160
dados de dativos presentes em cartas cujo autor adotava tratamento diferente de tu e/ou você.
Além disso, retiramos três ocorrências de o/a dativo que constam da tabela original da autora.
As modificações têm como propósito tornar os dados das cartas mineiras comparáveis com os das cartas cariocas.
35
TE LHE NULO A TI A/PARA
VOCÊ
TOTAL
TU EXCLUSIVO 120/155
77,4%
02/155
1,3%
27/155
17,4%
05/155
3,2%
01/155
0,7%
155/420
36,9%
VOCÊ
EXCLUSIVO 12/238
5,1%
149/238
62,6%
52/238
21,8%
- 25/238
10,5%
238/420
56,6%
ALTERNÂNCIA
TU~VOCÊ 14/27
51,8%
01/27
3,8%
12/27
44,4%
- - 27/420
6,5%
TOTAL 146/420 152/420 91/420 05/420 26/420 420
Tabela 2.7 – Correlação entre o tratamento na posição de sujeito e as estratégias utilizadas como complemento dativo na escrita epistolar mineira
(adaptado de CARDOSO, 2017, p. 108)
Observamos que os dados do clítico lhe pertencem quase
exclusivamente às cartas em que o missivista utilizava apenas você na posição
de sujeito. Nas cartas cuja forma de tratamento era tu, prevaleceu o uso da
variante te, assim como nas cartas em que havia alternância entre tu e você.
Cardoso (2017) interpreta a reduzida produtividade do clítico te nas cartas
com você-exclusivo no sujeito como evidência de formalidade por parte dos
escreventes cultos. Segundo ela, a predominância de lhe nas cartas de você-
sujeito “(...) não só evidenciou tal clítico como uma produtiva estratégia de
referência à 2SG na função dativa, mas também expôs o acentuado grau de
formalidade impresso nas relações entre os missivistas mineiros” (CARDOSO,
2017, p.147). Apesar disso, a autora não ignora o fato de terem ocorrido, na
amostra, 12 dados do clítico te em correlação com você-sujeito e conclui que
isso “parece apontar para a fusão entre os paradigmas de 2ª e 3ª pessoas do
Discurso” (CARDOSO, 2017, p. 148) já nas sincronias passadas.
Com uma abordagem voltada para os ambientes sintáticos pelos quais
você penetra no sistema pronominal (para além da posição de sujeito), o
estudo de Cruz (2017) explorou a representação da 2SG nos contextos de
complementação e adjunção verbais e nominais. A partir de 234 cartas
pessoais mineiras, produzidas entre as décadas de 1860 e 1980, a autora
reuniu 690 dados, dentre os quais 190 (28%) são formas relacionadas ao
paradigma de tu (te, a ti e prep.+ti), 446 (64%) são formas relacionadas ao
paradigma de você (lhe, o/a, você, a/para você e prep.+você), além de 54
ocorrências de objetos nulos (8%).
No que tange à complementação verbal, os resultados da pesquisadora
apontam na mesma direção de Cardoso (2017): uma alta produtividade das
36
formas relacionadas a você, sobretudo do clítico lhe. Essas formas variantes
são mais frequentes nas cartas com uso exclusivo de você na posição de
sujeito. Este é o caso do clítico acusativo o/a, que, embora tenha sido
registrado em todos os contextos, contabiliza maior índice neste tipo de carta
(31 dados com você-exclusivo contra 02 dados em cada um dos outros dois
contextos – com tu-exclusivo e com alternância tu/você). Cruz (2017) também
atribui a considerável produtividade das variantes lhe e o/a ao perfil social
dos informantes:
(...) acredita-se que o altíssimo grau de escolaridade dos missivistas
(escritores, professores, políticos) possa justificar a produtividade do
lhe em contexto de cartas pessoais estruturadas pelo você-sujeito na
escrita mineira (...), apontando para um perfil de conservadorismo linguístico. (CARDOSO, 2017, p.113)
Passemos, a seguir, aos trabalhos diacrônicos relativos a localidades da
região Nordeste.
- Região Nordeste
Revisamos, nos próximos parágrafos, os trabalhos de Almeida e Deus
(2011), Moura (2013), Lopes e Gomes (2014) e Araújo e Carvalho (2015). Todos
eles se baseiam em dados extraídos de cartas particulares e, com exceção de
Almeida e Deus (2011), focalizam principalmente o século XX. Na apreciação
desses trabalhos, daremos maior ênfase à questão do clítico lhe como variante
de 2SG, haja vista que esse uso costuma ser correlacionado com as variedades
nordestinas.
O estudo de Almeida e Deus (2011) é representativo da variedade
baiana. As autoras analisaram 60 cartas particulares trocadas entre amigos e
familiares entre os anos de 1809 e 1904. Um aspecto diferencial do trabalho
é o controle do grau de escolaridade dos remetentes das cartas, uma vez que
“trinta foram escritas por falantes cultos, nascidos e/ou educados em regiões
urbanas, em geral ocupantes de altos cargos – ministros, senadores,
diplomatas – ou com títulos de nobreza, e as demais escritas por falantes
semicultos, nascidos ou radicados no interior.” (ALMEIDA E DEUS, 2011, p.
5).
37
No que se refere às formas de complemento verbal de 2SG, as autoras
apresentam apenas os dados de lhe encontrados no corpus e discutem os usos
observados desse clítico nas cartas analisadas. Reproduzimos na Tabela 2.8
a distribuição encontrada pelas pesquisadoras:
ESCOLARIDADE DATIVO ACUSATIVO
TOTAL 2SG 3SG 2SG 3SG
CULTO 26/60
43,3%
33/60
55%
– 01/60
1,7%
60/116
SEMICULTO 32/56
57,1%
11/56
19,6%
10/56
17,9%
03/56
5,4%
56/100
TOTAL 58/116
50%
44/116
37,9%
10/116
8,6%
04/116
3,5%
116
Tabela 2.8 – Uso da forma lhe no corpus de cartas baianas segundo o nível de escolaridade
dos remetentes. (Adaptado de Almeida e Deus, 2011, p. 11)
Quanto aos dados presentes na tabela, podemos destacar, em primeiro
lugar, o uso do clítico lhe. Desde o século XIX, essa forma já era utilizada, na
escrita, para referir-se mais à 2SG do que à 3SG. Esse uso viria a se consolidar
no PB ao longo do século XX, diferenciando-se significativamente da variedade
europeia, na qual lhe é majoritariamente um pronome de 3SG (cf. DANTAS,
2007). Além disso, percebemos também indícios da reanálise de lhe,
originalmente uma forma dativa que expande seu domínio funcional para a
função acusativa.
Em relação à variável grau de escolaridade, vemos que ela parece atuar
sobre os usos do clítico lhe. Os remetentes cultos o utilizam mais segundo a
norma prescrita nas gramáticas normativas, visto que, das 60 ocorrências
registradas, 33 são de lhe dativo com referência à 3SG. Se levarmos em
consideração a função sintática, notamos que os escreventes cultos
praticamente não usaram lhe acusativo (houve apenas uma única ocorrência).
Já os dados das cartas dos remetentes semicultos se aproximam mais da
norma de uso vigente no PB atual: 42 das 56 ocorrências se referem à 2SG,
dentre as quais 10 em função acusativa – vale destacar que nenhum
remetente culto utilizou lhe de 2SG nessa função. Nesse sentido, concordamos
com Almeida e Deus (2011, p. 14) quando comentam que, pelos dados
analisados, “ficam evidentes os indícios da reestruturação do quadro
38
pronominal do PB em decorrência de fatores internos e, principalmente,
externos à língua, destacando-se aqui o fator escolaridade.”.
As cartas baianas do século XIX nos oferecem, ainda, algumas pistas
que podem explicar o cenário atual verificado no PB quanto ao uso recorrente
de lhe em estados da região nordeste, como Bahia e Ceará, em detrimento de
te. Almeida e Deus (2011) registram que, na posição de sujeito, enquanto os
missivistas cultos utilizam expressivamente tu (88/169 dados – 52%) e, em
menor escala, você (07/169 dados – 4,1%), os missivistas semicultos
apresentam um uso bastante reduzido de tu (04/111 dados – 3,6%) e não
utilizam você. Em vez disso, os semicultos optam pelo emprego de outras
formas de tratamento, como Vossa Excelência (69/111 – 62,1%) e Vosmicê
(28/111 – 25,2%).
O que esses índices querem dizer? Parece que os informantes semicultos
– nascidos ou radicados no interior – tentam, em alguma medida, se aproximar
linguisticamente dos indivíduos cultos da cidade (ou daquilo que eles deviam
conceber como “fala urbana”, “fala culta”). Nesse esforço para se adequar à
“norma culta” da época, parecem tentar evitar certas formas (tu, te),
reforçando a utilização de outras, provavelmente percebidas como “mais
cultas”. Nessa linha de raciocínio, podemos pensar hipoteticamente que: (i) a
difusão de lhe de 2SG pode ter sido uma mudança impulsionada pelos
indivíduos semicultos numa tentativa de adotar uma “norma urbana culta”;
(ii) nesse processo de adesão a um uso percebido como “culto”, os indivíduos
de escolaridade mediana podem ter difundido o emprego de lhe de 2SG em
função acusativa, visto que tal emprego não ocorre entre remetentes cultos do
século XIX.
Dessa forma, é plausível pensar que a propagação de lhe de 2SG (dativo
e acusativo) nas variedades nordestinas teria trilhado um caminho similar ao
da forma você na história do português. Uma evidência disso seria a perda
relativa do traço sociopragmático de [+formalidade] da variante lhe na fala
nordestina. Conforme discutiremos em outros momentos desta tese, não
parece coerente afirmar que os falantes da região Nordeste percebem o uso de
lhe como marca de formalidade, tal qual alguns estudos apontam para as
39
variedades da região Sudeste. Retomaremos essa discussão mais adiante.
Passemos, agora, ao próximo estudo.
O trabalho de Moura (2013) centra-se na descrição e análise do processo
de variação e mudança pronominal relativa às formas tu e você na escrita
epistolar de remetentes nascidos no Rio Grande do Norte. A autora analisou
146 cartas produzidas em três períodos distintos do século XX: 1916 a 1925
(65 documentos), 1946 a 1972 (51 documentos) e 1992 a 1994 (30
documentos). Interessada principalmente em observar a difusão de você na
escrita norte-rio-grandense, Moura (2013) controlou como variável
independente o “contexto morfossintático” de ocorrência dos pronomes de
2SG. Os dados levantados nas posições de objeto são identificados pela função
sintática – acusativo ou dativo. A Tabela 2.9, elaborada com base nos dados
fornecidos pela autora, reúne as ocorrências registradas para as funções de
acusativo e dativo7 em cada recorte cronológico analisado:
1916-1925 1946-1972 1992-1994
ACUSATIVO DATIVO ACUSATIVO DATIVO ACUSATIVO DATIVO
FORMAS DE
TU
00/04
0%
00/52
0%
40/41
97,5%
32/36
88,9%
114/181
63%
33/83
39,8
FORMAS DE
VOCÊ
04/04
100%
52/52
100%
01/41
2,5%
04/36
11,1%
67/181
37%
50/83
60,2%
Tabela 2.9 – Frequência de uso das formas de tu e de você pelos contextos morfossintáticos
– acusativo e dativo – nas cartas norte-rio-grandenses ao longo do século XX. (Adaptado de
Moura, 2013, p. 75, 80 e 86)
Visualizamos, na distribuição diacrônica, três momentos distintos
quanto ao uso de formas acusativas e dativas relacionadas a tu ou a você: no
período que compreende o início do século XX, aparecem apenas formas do
paradigma de você (04 acusativos e 52 dativos); já no segundo período,
correspondente às décadas de 1940 a 1970, o quadro se reverte, com o
predomínio das formas do paradigma de tu (40 acusativos e 32 dativos); no
terceiro período considerado, representativo das décadas finais do século XX,
7 Como a autora agrupou diferentes formas (p. ex. lhe, você etc) sob o rótulo de “formas do paradigma de você”, não discriminando o número de ocorrências específico para cada forma,
faremos referência aos resultados utilizando a divisão (“formas de tu” e “formas de você”).
40
há um quadro de variação menos polarizado, com as formas de tu
prevalecendo na função acusativa (114 dados) e as formas de você na função
dativa (50 dados).
Essa distribuição parece sugerir, principalmente no último recorte
temporal analisado, a existência de um sistema alternante na variedade norte-
rio-grandense entre formas de tu e você nas posições de complemento, sendo
que o acusativo favorece mais a ocorrência de uma forma de tu do que o
dativo8. Moura (2013) não examina pormenorizadamente os tipos de
complemento de 2SG em sua amostra nem trata da correlação entre formas
na posição de sujeito e de objeto, limitando-se a afirmar que o contexto
morfossintático de “complemento verbal não preposicionado” constitui um
ambiente de resistência à inserção das formas de você na variedade norte-rio-
grandense, comparativamente a outros contextos, tal qual já foi verificado em
outras pesquisas para outras variedades do PB.
A variedade pernambucana é mais uma do cenário nordestino que já foi
objeto de investigação sobre o tema. Gomes e Lopes (2014) analisaram 123
cartas particulares produzidas entre 1869 e 1969 por indivíduos cultos
nascidos no estado. As autoras controlaram o tipo de pronome que ocorria
nas missivas, a função sintática e a forma tratamental adotada na posição de
sujeito. Ao todo, foram levantadas 261 ocorrências de 2SG na posição de
complemento verbal (sendo 45 na função acusativa e 216 na função dativa).
Dessas, selecionamos, na Tabela 2.10, aquelas relacionadas às formas tu e/ou
você na posição de sujeito:
8 Apesar da diferença nos percentuais de frequência, Moura (2013, p.86) mostra que, segundo a análise de peso relativo, ambas as funções sintáticas são altamente desfavorecedoras da
ocorrência de formas de você (acusativo – P.R.: 0.03; dativo – P.R.: 0.08)
41
ACUSATIVO DATIVO
TE O/A LHE VOCÊ TOTAL TE LHE A/PARA
TI
A/PARA
VOCÊ
TOTAL
TU
EXCLUSIVO
12/12
100%
-- -- -- 12/42
28,6%
22/29
76%
-- 07/29
24%
-- 29/198
14,6%
VOCÊ
EXCLUSIVO
01/29
3,5%
17/29
58,6%
06/29
20,7%
05/29
17,2%
29/42
69%
-- 134/149
90%
-- 13/149
10%
149/198
75,2%
ALTERNÂNCIA
TU~VOCÊ
-- 01/01
100%
-- -- 01/42
2,4%
05/20
25%
14/20
70%
-- 01/20
5%
20/198
10,2%
TOTAL 13/42 18/42 06/42 05/42 42 27/198 148/198 07/198 14/198 198
Tabela 2.10 – Correlação entre o tratamento na posição de sujeito e as formas acusativas e
dativas na escrita epistolar pernambucana
(adaptado de GOMES E LOPES, 2014, p. 30; 35)
À primeira vista, percebemos que “o alto grau de escolaridade e de
experiência com a prática escrita da maioria dos missivistas fez valer a
predominância da simetria das formas tratamentais” (LOPES E GOMES,
2014, p. 30), como sinalizam as células vazias na tabela. Podemos notar que,
nas cartas em que os escreventes adotavam apenas tu como sujeito das
orações, as formas de complemento relacionadas a você foram
categoricamente bloqueadas; já nas cartas em que utilizavam apenas você, o
cenário se revertia em favor deste, tendo passado pela “filtragem pronominal”
dos missivistas uma única ocorrência de te em função acusativa. Nas cartas
que apresentavam alternância entre tu e você, prevaleceram as formas de
complemento relacionadas a você.
Apesar da forte simetria presente no tratamento utilizado pelos
remetentes cultos pernambucanos, podemos utilizar a única ocorrência do
clítico te em uma carta com uso exclusivo de você-sujeito como indicativa de
que a possibilidade dessa combinação já estava presente na variedade em
questão no início do século XX, período ao qual pertence o referido exemplo,
reproduzido em (03):
(03) “ [...] Perguntam-me todos por você papai, mamãe e meuos irmãos prometendo-[rasurado]
no vir visitar-me aqui. [...] Adeus minha mãesinha receba um affetuoso abraço de quem te
estima muito Waldemar Preciso muito de sellos”. (Carta WO 05, 19/01/1916) (GOMES E
LOPES, 2014, p. 32)
42
Partindo de Pernambuco para Ceará, temos o trabalho de Araújo e
Carvalho (2015), que aborda especificamente a alternância entre os clíticos te
e lhe em função acusativa na escrita epistolar cearense. A partir da análise de
186 cartas, produzidas entre as décadas de 1940 e 1990, os pesquisadores
obtiveram 149 dados, sendo 90 da forma te (60%) e 59 da forma lhe (40%).
Ao distribuírem as ocorrências dos clíticos de 2SG ao longo da diacronia
considerada, Araújo e Carvalho (2015) observam que o clítico lhe prevalece
nas cartas do final da primeira metade do século XX (1940-50), com um
percentual de 56% (09/16 oco.), frente a 44% (07/16 oco.) do clítico te; já nas
primeiras décadas da segunda metade do século XX (1960-70), essa
distribuição se inverte em favor de te, com 54% de frequência (34/63 oco.)
contra 46% (29/63 oco.) de lhe; em fins do século XX (1980-90), a diferença
entre lhe e te aumenta, registrando-se 70% de frequência (49/70 oco.) para
este frente a 30% (21/70 oco.) para aquele. Esses resultados são ilustrados
na Figura 2.3:
Figura 2.3 – Frequência de te e lhe acusativos por décadas do século XX na escrita epistolar
cearense. (Adaptado de ARAÚJO E CARVALHO, 2015, p.76)
Apesar de representar uma distribuição interessante, pois, de certa
forma, vai de encontro ao que os estudos costumam relatar para as variedades
nordestinas (além do fato de se tratar de dados de língua escrita), a
investigação dos autores deixa em aberto uma lacuna importante: as formas
pronominais de 2SG utilizadas na posição de sujeito (tu ou você) não foram
controladas, de maneira que não podemos afirmar se o aumento nos índices
44%
54%
70%
56%
46%
30%
0%
20%
40%
60%
80%
100%
1940-50 1960-70 1980-90
TE
LHE
43
de te estão relacionados à adoção de formas do paradigma de tu ou se
representam evidências da combinação você-sujeito e te-acusativo (algo que
seria relevante para a nossa discussão sobre a preservação desse clítico). Há,
todavia, dois exemplos de Araújo e Carvalho (2015) que sugerem a ocorrência
da combinação você-sujeito e te-acusativo no corpus por eles analisado.
Reportamos esses exemplos em (04) e (05) a seguir:
(04) “Você não imagina como lhe esperei na agência [...] Não sei bem o que eu faria se algum
dia eu te reencontrasse” [C058] (ARAÚJO E CARVALHO, 2015, p. 66)
(05) “queria poder estar aí e até ser uma pessoa em que pudesse fazer você esquecer quem
tanto te magoou (...) O que eu puder fazer para ti ajudar eu estou aqui (...) um dia você irá
encontrar alguém que realmente te ama (...) quero lhe mostrar que não devemos nos
desesperar (...) estou aqui para te ajudar. Te Adoro meu amigo” [C170] (ARAÚJO E
CARVALHO, 2015, p. 77)
Para finalizarmos a revisão dos estudos diacrônicos acerca dos
complementos verbais de 2SG, cotejamos a análise inter-regional feita por
Lopes, Marcotulio e Oliveira, no prelo.
- Análise inter-regional diacrônica
Com o intuito de discutir a reorganização do sistema pronominal de 2SG
no PB, seguindo uma perspectiva diatópico-diacrônica, Lopes, Marcotulio e
Oliveira, no prelo, analisam as repercussões gramaticais ocasionadas pela
inserção da forma você na posição de sujeito em diferentes contextos
morfossintáticos. Como material de análise, os autores reuniram dados de
1332 cartas pessoais escritas por brasileiros pertencentes a diferentes
grupamentos sociais entre os séculos XIX e XX. Boa parte dessas cartas foi
extraída de estudos parciais anteriores e reexaminada na tentativa de mapear
cronologicamente o processo de implementação de você, rastreando os pontos
de avanço e retrocesso da mudança pronominal em curso no PB.
Adotando uma visão panorâmica, os autores compararam dados de três
localidades da região Sudeste (Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo) e três
da região Nordeste (Bahia, Pernambuco e Rio Grande do Norte), a fim de
observar aspectos convergentes e divergentes entre elas. Das várias funções
44
sintáticas contempladas, destacamos as de acusativo e dativo. A Tabela 2.119
apresenta as ocorrências e percentuais encontrados para as formas variantes
de ambas as funções. Os dados são referentes apenas às cartas com uso
exclusivo de você na posição de sujeito, uma vez que o interesse era analisar
quais formas são registradas em um sistema “voceante”, em que a forma
inovadora você já estaria implementada.
ACUSATIVO DATIVO
TE O/A LHE VOCÊ TOTAL TE LHE A/PARA
TI
A/PARA
VOCÊ
TOTAL
SUDESTE
76/147
51,7%
36/147
24,5%
10/147
6,8%
25/147
17%
147 111/303
36,6%
144/303
47,5%
01/303
0,4%
47/303
15,5%
303
NORDESTE
03/79
3,9%
37/79
46,8%
33/79
41,7%
06/79
7,6%
79 04/371
1,1%
340/371
91,6%
--
--
27/371
7,3%
371
TOTAL 79/226 73/226 43/226 31/226 226 115/674 484/674 01/674 74/674 674
Tabela 2.11 – Distribuição das variantes acusativas e dativas em cartas de você sujeito
divididas por regiões brasileiras (séculos XIX-XX) (adaptado de LOPES; MARCOTULIO; OLIVEIRA, no prelo, p. 16; 19)
Os resultados visualizados na tabela sugerem que há, de fato, um efeito
diatópico sobre as formas de 2SG nas posições de complemento. O clítico te
apresenta uma frequência considerável dentre as variantes adotadas pelos
remetentes da região Sudeste, principalmente na função acusativa, que
corresponde a mais da metade dos dados, sobrepondo-se às demais formas
relacionadas a você. Em contrapartida, esse mesmo clítico figura de maneira
muito ínfima nos dados de missivistas da região Nordeste, registrando
percentuais inferiores a 5%. Nas ocorrências dessa região, as variantes mais
produtivas são os clíticos o/a e lhe para a função acusativa e apenas lhe para
a função dativa. Nos dados da região Sudeste, especialmente na função dativa,
também verificamos uma ocorrência expressiva de lhe, que, nesse caso,
9 Para melhor adequar os referidos dados à nossa exposição, optamos por (i) juntar o número
de ocorrências de cada região e recalcular os percentuais, uma vez que na tabela original
essas informações aparecem divididas pelos estados analisados, e (ii) desconsiderar 129
dados de objeto nulo, registrados na função acusativa entre as ocorrências do Rio de Janeiro
(03) e na função dativa entre as ocorrências do Rio de Janeiro (80), Minas Gerais (15) e Bahia (31).
45
supera em índices percentuais a variante te. Cabe esclarecer que grande parte
desses dados ocorreu em cartas de Minas Gerais, que, geograficamente,
conecta os estados das duas regiões em questão. Tal fato pode, por hipótese
explicar as ocorrências, uma vez que esse estado estaria em uma zona de
“fronteira dialetal” te-lhe.
Os índices comentados são bastante informativos, já que sustentam a
ideia de que o uso da forma lhe de 2SG constitui um traço regional
característico dos dialetos nordestinos. Não podemos perder de vista, contudo,
alguns aspectos que, de certa forma, condicionam os resultados verificados.
Em primeiro lugar, devemos lembrar que se trata de dados de língua escrita,
produzidos, em sua maior parte, por brasileiros cultos, com elevado grau de
instrução e que reproduzem em seus textos, em alguma medida, as
prescrições normativas presentes nas gramáticas tradicionais. Além disso, a
própria natureza do corpus histórico produz certas lacunas que nem sempre
podem ser eliminadas, principalmente em relação ao perfil dos informantes
(em sua maioria homens de uma determinada faixa etária, pertencentes a
categorias sociais mais abastadas e residentes das zonas centrais das cidades
investigadas).
Cientes disso, nos parece que a postura mais coerente seja rastrear,
nesse material, indícios do processo de variação/mudança pronominal que já
devia ocorrer na língua falada a fim de tentarmos compreender a configuração
do sistema atual. Nesse sentido, o estudo de Lopes, Marcotulio e Oliveira, no
prelo, cumpre essa tarefa, pois podemos vislumbrar nos dados indícios do
sistema “misto” que encontramos no PB contemporâneo, em especial, nas
variedades da região Sudeste: um uso majoritário (ou mesmo exclusivo) da
forma você na posição de sujeito combinado, na maioria das vezes, com o
emprego do clítico te (acusativo e dativo) na posição de complemento verbal.
Outra evidência é o descompasso no ritmo de consolidação desse paradigma
“misto”, que parece estar mais adiantado na região sudeste do que na região
nordeste. Essa constatação sincrônica está em consonância com as evidências
diacrônicas.
46
Para resumir os principais pontos revisados nos trabalhos da
perspectiva diacrônica, podemos destacar que: (i) a implementação de você no
sistema de 2SG do PB não se dá de maneira ampla e regular, uma vez que as
formas do paradigma de tu não desapareceram por completo; (ii) as posições
de complemento verbal (acusativo e dativo), objeto central desta tese, são
recorrentemente referidas como contextos morfossintáticos de resistência à
implementação de você, já que a forma te se mantém fortemente nesta posição,
ao longo do tempo e em diversas áreas; (iii) variáveis extralinguísticas como
área geográfica, período e grau de instrução/nível de escolarização atuam
significativamente no condicionamento de uso das formas relacionadas a tu e
a você; (iv) a possibilidade de combinação entre você-sujeito e te-complemento
verbal, ainda que apresente uma frequência mínima, já pode ser verificada em
registros escritos desde, pelo menos, fins do século XIX e início do século XX.
Passemos, na subseção a seguir, aos estudos de perspectiva sincrônica.
2.1.2 Estudos sincrônicos
- Sudeste
Dentre os trabalhos que abordam sincronias recentes, elencamos como
representantes da região Sudeste as investigações de Modesto (2006),
Camargo Jr. (2007), Mota (2008), Pimienta (2013) e Carvalho e Pinto (2014).
Há entre esses estudos certa pluralidade metodológica, haja vista que são
utilizadas como corpus de análise desde as tradicionais entrevistas
sociolinguísticas até gravações secretas e testes de percepção e atitude
linguística. Em relação ao parâmetro diatópico, temos resultados ilustrativos
dos três estados comentados em 2.1.1. (São Paulo, Rio de Janeiro e Minas
Gerais). O critério cronológico continuará norteando a exposição dos trabalhos
revisados.
Com base em 20 inquéritos de textos conversacionais, entre gravações
conscientes e secretas, Modesto (2006) descreve a utilização das formas tu e
você na cidade de Santos, situada na região litorânea do estado de São Paulo.
Tal localidade tem como aspecto particular o fato de que, na região da Baixada
Santista, os falantes utilizam a forma tu na posição de sujeito em variação
47
com você (diferentemente do que se verifica na capital e cidades do interior
paulista, onde há o emprego exclusivo de você – cf. SCHERRE et al., 2015). O
autor analisou, dentre os fatores controlados, a função sintática em que ocorre
o pronome de referência à 2SG e chegou ao seguinte resultado, reproduzido
na Tabela 2.12:
FORMA FUNÇÃO FREQUÊNCIA PESO RELATIVO
TU Subjetiva 177/617 = 28% 0.45
Objetiva 55/91 = 60% 0.77
VOCÊ Subjetiva 440/617 = 71% 0.54
Objetiva 36/91 = 39% 0.23
Tabela 2.12 – Frequência e peso relativo do uso das formas tu e você quanto à função
sintática em textos conversacionais de falantes da cidade de Santos (SP)
(Extraído de MODESTO, 2006, p. 99)
Nos dados de Modesto (2006), encontramos um resultado que se
aproxima bastante do que verificamos nos dados diacrônicos concernentes à
região Sudeste: de um lado, o processo de implementação da forma você na
posição de sujeito bastante acentuado; de outro, uma notável preservação de
tu – isto é, da forma te – na posição de complemento verbal. Destacamos, na
Tabela 2.12, o peso relativo encontrado pelo autor para a forma tu na função
objetiva: 0.77. Ao comentar esse resultado, Modesto (2006, p. 99) afirma que
“A alta probabilidade de uso da forma te na cidade de Santos evidencia uma
situação que ocorre em outras regiões do Brasil: a sobrevivência da forma
objetiva do pronome de segunda pessoa do singular”. Acrescentamos a isso
outro fato relatado pelo pesquisador: não houve nenhuma ocorrência da forma
lhe de 2SG no corpus analisado. Tal informação parece reforçar a ideia de que,
em muitas variedades do PB contemporâneo, a forma te é a estratégia
majoritária de 2SG, independentemente da forma adotada para a posição de
sujeito.
Tendo em vista que o enfoque de Modesto (2006) não eram as formas de
complemento verbal de 2SG, ele não correlaciona esses dados às variáveis
sociais controladas em sua pesquisa (escolaridade, gênero e faixa etária). O
autor apresenta, contudo, cruzamentos entre a função sintática e fatores
discursivos (monitoramento da fala, expressividade e referenciação). Dentre
48
estes, reportamos os dados referentes ao cruzamento com a variável
monitoramento, ilustrado na Tabela 2.13:
MONITORAMENTO FUNÇÃO
SUBJETIVA OBJETIVA
[ - ] 134/318 = 42% 40/57 = 70%
[+] 43/299 = 14% 15/34 = 44%
Tabela 2.13 – Frequência de uso da forma tu em correlação com a função sintática e o
monitoramento em textos conversacionais de falantes da cidade de Santos (SP) (Extraído de
MODESTO, 2006. p. 102)
Embora Modesto (2006, p. 102) tenha assinalado que “é notável que em
contextos menos monitorados, o uso da forma objetiva de tu apresente a
frequência de 70%”, chamamos a atenção para dois aspectos, correlacionados
entre si: em primeiro lugar, vemos que os contextos menos monitorados
também favoreceram o aumento de frequência da forma subjetiva de tu (42%,
frente a 14% nos contextos mais monitorados); além disso, a diferença
percentual em relação a tu objetivo menos e mais monitorado é praticamente
a mesma verificada para tu subjetivo (26% para o primeiro e 28% para o
último).
Dessa maneira, parece-nos mais coerente analisar os resultados como
uma evidência da atuação da função sintática, visto que o monitoramento não
parece ter favorecido a forma de uma das funções em detrimento da outra. Há
certa proporcionalidade quanto ao monitoramento: quanto maior for o grau
de monitoramento, menores são os índices de formas relacionadas a tu
registrados; essa proporcionalidade do monitoramento não altera o efeito da
função sintática, uma vez que as formas de objeto são comparativamente mais
frequentes do que as formas de sujeito, em contextos mais ou menos
monitorados.
Sobre a questão da possibilidade de associação entre você-sujeito e te-
objeto nos dados, Modesto (2006) não realizou um controle quantitativo
específico, porém menciona a existência dessa associação no corpus
analisado. Refere-se a ela por “intercambialidade de pronomes”, adotando a
nomenclatura utilizada por Monteiro (1991). Em (06), reproduzimos um
exemplo que ilustra tal possibilidade na fala santista contemporânea:
49
(06) F1: ...ai se você começar a atirar ele começa a te metralhar... (l.01,GS). (MODESTO, 2006,
p. 86)
Outro estudo com referência à variedade paulista é o de Camargo Jr.
(2007). O autor explorou a posição de complemento verbal acusativo de 2SG,
com o objetivo de traçar um paralelo com os estudos de acusativo de 3SG.
Como corpus, utilizou produções textuais de alunos do segundo segmento do
ensino fundamental de um colégio da rede privada da cidade de São Paulo. As
produções eram resultado de uma tarefa especificamente criada para a
investigação (a redação de uma carta) e visava a estimular a ocorrência de
complementos acusativos de 2SG pelos alunos. O autor subdividiu a tarefa
em duas modalidades discursivas – formal e informal –, a fim de verificar
“como o indivíduo inserido no processo de escolarização preenche a posição
de objeto de verbos em contextos de formalidade (distância) e informalidade
(intimidade)”. (CAMARGO Jr., 2007, p. 27).
O pesquisador obteve 1.524 ocorrências de objeto direto de 2SG, sendo
595 dados provenientes da modalidade formal (39%) e 929, da modalidade
informal (61%). Quanto às estratégias de manifestação do acusativo, Camargo
Jr. (2007) verificou a ocorrência, em ambas as modalidades, de formas clíticas,
pronomes tônicos, sintagmas nominais e de objeto nulo. A distribuição em
termos de frequência, no entanto, se altera expressivamente na comparação
entre as modalidades: nas produções formais, prevaleceram os SNs (46,1%),
seguidos dos clíticos (41,5%), pronomes tônicos (9,1%) e objetos nulos (3,3%);
já nas produções informais, os clíticos são majoritários (83,2%), seguidos dos
pronomes tônicos (12,2%), objetos nulos (3,2%) e SNs (1,4%).
Com relação aos dados de clítico, interessa-nos observar a atuação das
variáveis modalidade discursiva e série escolar. Apresentamos, na Tabela
2.14, a distribuição encontrada pelo autor:
50
MODALIDADE SÉRIE ESCOLAR TE O/A LHE
FORMAL
5ª SÉRIE 12/57 – 21% 24/57 – 42,1% 21/57 – 36,9%
6ª SÉRIE 19/61 – 31,1% 34/61 – 55,7% 08/61 – 13,2%
7ª SÉRIE 20/82 – 24,4% 57/82 – 69,5% 05/82 – 6,1%
8ª SÉRIE 05/47 – 10,6% 37/47 – 78,8% 05/47 – 10,6%
INFORMAL
5ª SÉRIE 146/179 – 81,5% 22/179 – 12,4% 11/179 – 6,1%
6ª SÉRIE 141/162 – 87% 18/162 – 11,2% 03/162 – 1,8%
7ª SÉRIE 175/219 – 80% 31/219 – 14,1% 13/219 – 5,9%
8ª SÉRIE 190/212 – 89,7% 16/212 – 7,5% 06/212 – 2,8%
Tabela 2.14 – A distribuição das formas clíticas acusativas de 2SG em correlação com a modalidade discursiva e a série escolar em textos de alunos do Ensino Fundamental II da
cidade de São Paulo (SP). (Adaptado de CAMARGO Jr., 2007, p. 50; 65)
No que diz respeito à modalidade discursiva, percebemos que
predominam formas distintas, independentemente da série escolar: nas
produções formais, os alunos empregam recorrentemente a variante o/a,
enquanto que, nas produções informais, eles preferem utilizar o clítico te. A
variante lhe não é a mais frequente nos dados de nenhuma série escolar,
independentemente da modalidade observada. Nos dados dos alunos das 6ª e
7ª séries, lhe é, inclusive, a forma menos frequente da modalidade formal
(13,2% e 6,1%, respectivamente), ficando atrás de te (31,1% e 24,4%, na
mesma ordem). Com relação às séries escolares, um fato chama a atenção: o
aumento gradativo de utilização da variante o/a nos textos formais. Os índices
dessa variante crescem, de uma série para outra, em uma proporção média
de 12%, alcançando um percentual de 78,8% na oitava série (frente aos 42,1%
da quinta série).
Os resultados sugerem que a escolarização cumpre um papel
importante na aquisição/aprendizagem dos clíticos pelas crianças e jovens,
principalmente do clítico o/a. Notamos, todavia, um fato curioso: o registro de
ocorrências do clítico te na modalidade formal. Mesmo que a frequência não
seja tão expressiva (22,7%, o que traduz 56 das 247 ocorrências de clítico na
modalidade formal), esse fato evidencia a “força” dessa variante nas variedades
do Sudeste, capaz de ser preservada mesmo em um contexto desfavorável:
uma tarefa de produção escrita escolar segundo a modalidade formal.
Em relação à variedade mineira, temos o estudo sincrônico de Mota
(2008) acerca da variação entre tu e você na cidade de São João da Ponte, no
norte do estado de Minas Gerais. A autora investigou se haveria tendências de
mudança pronominal no dialeto falado na referida cidade, eminentemente
51
rural, e quais seriam as razões de ordem sócio-histórica que poderiam explicar
o tratamento a ser encontrado na localidade. Para fins de análise, Mota (2008)
elaborou uma amostra formada por entrevistas sociolinguísticas e testes de
produção linguística. Todos os 24 informantes possuíam ensino fundamental
e foram estratificados quanto ao sexo e à faixa etária.
No que tange à posição de complemento verbal, Mota (2008) controlou
a função sintática – sujeito ou objeto – exercida pela forma pronominal de
2SG, tanto nos dados das entrevistas quanto nos testes de produção. Para os
primeiros, a pesquisadora encontrou um índice de 48% (28 de 58 ocorrências)
de formas relacionadas a tu na função de objeto10, frente a 4% (19 de 411
ocorrências) de tu na função de sujeito. Essa diferença mostrou-se
significativa na etapa de análise de peso relativo, tendo o pronome tu
registrado um valor de 0.91 como objeto e 0.41 como sujeito. Segundo Mota
(2008, p. 65), “Na posição objeto, a variante preferida é o ‘te’. O uso da forma
átona não constitui uma especificidade da fala do município de São João da
Ponte, pois outros municípios mineiros também a usam”.
Os resultados do teste de produção se assemelham bastante aos dados
das entrevistas. Na função de sujeito, Mota (2008) registrou 21% (33 de 153
ocorrências) da forma tu, ao passo que, na função de objeto, esse índice é de
75% (6 das 8 ocorrências). Novamente, os pesos relativos indicam haver um
efeito significativo da variável sobre o pronome tu: 0.45 para a função de
sujeito e 0.95 para a função de objeto. Embora haja muitos dados da forma
você em posição de sujeito, a autora não teceu qualquer comentário acerca da
possibilidade de combinação entre você-sujeito e te-complemento na
comunidade de fala investigada.
Quanto à variedade carioca, mencionamos os trabalhos de Pimienta
(2013) e de Carvalho e Pinto (2014), iniciando pelo primeiro. Com foco na
função de objeto direto, Pimienta (2013) analisa as variantes pronominais de
2SG utilizadas por falantes do Rio de Janeiro em situações espontâneas e
10 Pelo texto da autora, inferimos que não ocorre apenas a variante te, razão pela qual optamos
por falar em “formas relacionadas”. A autora não detalha quais foram as variantes
encontradas na amostra, mas sabemos, pelo menos, que, além do clítico te, houve ocorrências
da forma tônica tu em posição de complemento como em “Eu vô jogá tu dend’água. (E 11 p. 38)”.
52
semiespontâneas. Para tanto, a pesquisadora analisou diferentes corpora,
explorando entrevistas sociolinguísticas, conversas instantâneas de um site
de relacionamento e testes de atitude linguística. A variedade de amostras
analisadas deve-se ao fato de que, segundo a autora, “o objeto de estudo desta
investigação apresenta baixa frequência de uso na maioria das situações de
conversação”11 (PIMIENTA, 2013, p. 65). Na abordagem dos dados, ela
subdividiu as ocorrências entre “segunda pessoa apelativa” e “segunda pessoa
não apelativa”, que correspondem, respectivamente, a formas pronominais
com referência definida e arbitrária. Nesta revisão, interessam-nos os dados
atinentes à segunda pessoa apelativa. Outro parâmetro utilizado foi a
predicação da oração em que ocorria o pronome, se simples (envolvendo um
único núcleo verbal) ou complexa (mais de um núcleo verbal).
Em termos gerais, as análises das entrevistas sociolinguísticas e das
conversas espontâneas revelaram que o clítico te é a variante mais frequente
nas orações simples, com um índice de 80,8% (109 de 135 ocorrências),
seguida da forma tônica você (11,9% - 16/135 dados), do objeto nulo (4,4% -
6/135), da forma tu (2,2% - 3/135) e da forma o senhor (0,7% - 1/135). Não
foram registradas ocorrências dos clíticos o/a e lhe nas amostras citadas, o
que parece indicar certa restrição de uso dessas variantes no dialeto carioca,
ao menos nas interações espontâneas e menos formais.
No contexto de orações complexas, os dados do clítico te foram bem
menos frequentes em relação às orações simples: 40% (8 das 20 ocorrências
de objeto direto registradas nesse contexto sintático). Com um número
ligeiramente superior, aparece a forma você, com 45% (9 das 20 ocorrências).
Houve ainda o registro de dois dados da variante o senhor/a senhora e um
dado da forma tu. A redução nos índices de te deve-se, de acordo com Pimienta
(2013), a uma restrição de natureza estrutural, uma vez que, em certos
ambientes sintáticos de articulação de orações, o objeto direto da oração
matriz funciona como sujeito da subordinada; essa possibilidade bloqueia a
ocorrência do clítico te, já que ele é uma forma casualmente marcada.
11 Essa e as demais citações feitas acerca deste trabalho constituem traduções nossas, haja
vista que o texto original foi escrito em espanhol. O trecho mencionado no original: “El objeto
de estudio de esta investigación presenta una baja frecuencia de uso en la mayoría de las situaciones de conversaciones.”.
53
Em relação ao teste de atitude linguística, Pimienta (2013) apresentou
aos falantes nativos da cidade do Rio de Janeiro questionários compostos de
três páginas, cada uma com sete frases. Destas, cinco apresentavam um
objeto direto de 2SG em uma predicação simples e as outras duas atuavam
como distratoras. Em cada página, a autora utilizou as mesmas frases,
alterando apenas a ordem e a variante pronominal empregada na função de
objeto. O objetivo desse teste era avaliar o status das variantes te, você e tu na
função de objeto direto, especialmente da forma tônica você, devido à sua
baixa frequência de uso nos corpora analisados. Pimienta (2013) pretendia
verificar se a baixa frequência de você como objeto direto estaria relacionada
a uma rejeição de uso por parte dos falantes.
Os resultados revelaram certa semelhança na avaliação e aceitação das
variantes te e você, que foram muito bem avaliadas e amplamente aceitas.
Destacamos as avaliações dadas para as frases na Figura 2.4, em que
podemos verificar o efeito da combinação do pronome você na posição de
sujeito com o clítico te em posição de complemento:
Figura 2.4 – Avaliações dos informantes acerca de frases que combinam você-sujeito com as
formas te e você na posição de objeto direto. (Extraído de PIMIENTA, 2013, p.122)
O percentual de participantes que atribuíram a resposta “natural” para
as frases com as duas variantes é bastante alto. Em todos os níveis de
escolarização, essa opção de resposta obteve um índice superior a 70%, o que
parece traduzir uma alta aceitação de ambas as variantes. Ressaltamos,
ainda, o fato de que na frase com o clítico te os percentuais são um pouco
54
mais elevados do que na frase com você em três dos quatro grupos analisados
(“9º ano do ensino fundamental”, “2º ano do ensino médio” e “Universitários
diversos”). Essa diferença é mais expressiva entre os universitários diversos
(100% para te contra 80% para você). Ao discutir esses resultados em
consonância com os dados de corpora, Pimienta (2013, p. 146) observa que
“embora ambas as variantes tenham demonstrado altos níveis de aceitação
nos questionários de atitude linguística, os resultados quantitativos nos
corpora analisados demonstraram um alto uso da forma te e o baixo uso da
forma você” 12.
Como hipótese, a autora atribui esse resultado a diferentes graus de
formalidade envolvendo as variantes, uma vez que a forma você poderia ser
considerada como mais formal em contraste com a variante te. Colocamos,
entretanto, esse argumento em xeque. É possível que a autora tenha se
pautado na variação que ocorre semelhantemente no espanhol, em que a
forma usted (equivalente a você) é uma estratégia formal. No caso do PB,
contudo, não parece coerente afirmar que você seja mais formal do que te;
uma evidência disso seria o próprio resultado do teste de aceitação que
Pimienta (2013) encontrou para as frases que combinavam você (sujeito) e te
(complemento).
A utilização do clítico te como variante de 2SG é tão expressiva que
chega a figurar nas falas de personagens em roteiros de seriados televisivos.
É o que sugere o trabalho de Carvalho e Pinto (2014). As autoras analisaram
a representação pronominal da 2SG em episódios dos seriados A Diarista e
Sexo Frágil, veiculados pela Rede Globo. Em termos quantitativos, as
pesquisadoras notaram que o pronome você era a forma pronominal mais
frequente na posição de sujeito – 70% dos dados de Sexo Frágil (116/166
ocorrências) e 35% de A Diarista (68/197 ocorrências) –, enquanto que o clítico
te prevalecera nas posições de complemento acusativo e dativo, como mostra
a Tabela 2.15:
12 “mientras ambas variantes mostraron altos niveles de aceptación en los cuestionarios de actitudes lingüísticas, los resultados cuantitativos en los corpora analizados mostraron un
alto uso de la forma te y el bajo uso de la forma você.”
55
ACUSATIVO DATIVO
TE O/A LHE VOCÊ SENHOR TE LHE A/PARA
VOCÊ
A/PARA O
SENHOR
A
DIARISTA
16/26
61,5%
02/26
7,7%
--
--
01/26
3,8%
07/26
27%%
06/11
54,5%
01/11
9,1%
04/11
36,4%
--
--
SEXO
FRÁGIL
09/21
42,8%
--
--
02/21
9,6%
06/21
28,6%
04/21
19%
06/13
46,1%
03/13
23,1%
02/13
15,4%
02/13
15,4%
TOTAL 25/47 02/47 02/47 07/47 11/47 12/24 04/24 06/24 02/24
Tabela 2.15 – Distribuição das variantes acusativas e dativas de 2SG em roteiros de
seriados televisivos (adaptado de CARVALHO E PINTO, 2014)
Mesmo o conjunto de dados sendo bastante reduzido, percebemos que
o clítico te constitui sempre a variante mais frequente nos roteiros dos dois
seriados e nas duas posições de complemento. Além disso, na função
acusativa, as formas tônicas você e senhor também registram certa
produtividade. Em função dativa, a segunda variante mais produtiva, depois
de te, são os sintagmas preposicionados a/para você. O clítico lhe foi
registrado na amostra em apenas 2 ocorrências de acusativo e 4 de dativo.
Dentre as variantes contabilizadas, as 2 ocorrências do clítico o/a são
bastante curiosas, haja vista que essa forma não representa uma estratégia
frequente no PB atual, principalmente na modalidade falada, o que fez com
que as pesquisadoras tenham interpretado esses dados como um
artificialismo dos roteiristas.
Uma vez que os roteiros são textos escritos com objetivo de serem
oralizados pelos atores e, como sabemos, os atores possuem certa liberdade
para alterar as falas dos personagens, na tentativa de torná-los mais
verossímeis em relação à história representada, Carvalho e Pinto (2014)
decidiram contrapor, qualitativamente, alguns dados levantados no roteiro
escrito com o que efetivamente foi produzido pelos atores em cena. Dentre as
substituições identificadas a partir dos vídeos dos episódios, destacam-se
duas modificações feitas pelos atores em favor do uso do clítico te.
Transcrevemos em (07-08) os referidos trechos:
(07) Roteiro: “Diaba loira. Deus a leve e o demônio a carregue. Vou tratar é de eliminar as
provas fajutas.” (A Diarista)
Gravação na TV: “Diaba ruiva. Vai! Vai com Deus e o demônio que te carregue. Vou tirar
essas provas daqui.” (A Diarista)
(08) Roteiro: “Edu: Ele não vai ficar bravo comigo? / Priscila: Relax. Ele adora você.” (Sexo
Frágil)
56
Gravação na TV: “Edu: Não conte pra Fred não, Fred vai ficar puto. / Priscila: Relaxe, relaxe,
o Fred te adora.” (Sexo Frágil)
Em (07), a atriz modificou a passagem na qual havia as duas ocorrências
do clítico a como 2SG, substituindo-as em uma única ocorrência do clítico te.
Percebemos que, apesar de a passagem ter feições de uma construção
cristalizada (um provérbio popular), ainda assim a atriz alterou o clítico
previsto no roteiro pela forma te. Também em (08) ocorre uma modificação,
nesse caso, envolvendo a forma você. Esse exemplo ilustra a discussão de
Pimienta (2013), revisitada em parágrafos anteriores: a forma você em posição
de complemento, mesmo sendo bem aceita pelos falantes do Rio de Janeiro,
não apresenta a mesma frequência de uso observada para o clítico te; em
outras palavras, parece que você-complemento é possível e aceitável, mas não
é a forma preferível. De forma geral, não haveria problemas se o ator
mantivesse a forma do roteiro; no entanto, ele a substitui por te, possivelmente
até em uma atitude inconsciente.
Para darmos prosseguimento à revisão dos estudos sincrônicos,
exploramos, na sequência, as investigações realizadas acerca das variedades
do Nordeste.
- Nordeste
Para a revisão dos estudos sincrônicos que tratam direta ou
indiretamente da questão da 2SG pronominal em posição de complemento nos
dialetos nordestinos, resenhamos os trabalhos de Dantas (2007), Brito (2010),
Alves (2015) e Almeida (2016). Em geral, os dados analisados foram obtidos a
partir de amostras de fala, em sua maioria seguindo o modelo de entrevista
sociolinguística. Quanto aos estados que figuram nesses estudos, há
resultados referentes ao Ceará, Maranhão e Bahia, com destaque para este
último, no qual foram realizadas investigações em diferentes cidades
(Salvador, Santo Antônio de Jesus e Caém). As análises sincrônicas dialogam
com os resultados diacrônicos no que se refere à produtividade do clítico lhe
nas variedades nordestinas, apesar de a maioria dos estudos salientar a
existência de índices relevantes do clítico te.
57
Com o intuito de realizar um estudo contrastivo entre as variedades
brasileira e europeia do português, Dantas (2007) investigou as estratégias de
dativo de terceira pessoa do singular (3SG) em dados de falantes cultos do
Brasil (inquéritos do corpus Porcufort) e de Portugal (inquéritos do corpus
CRPC). Como representante da variedade brasileira, a autora escolheu o
dialeto fortalezense (CE). Ao contemplar as ocorrências do clítico dativo lhe,
ela analisou a pessoa do discurso ao qual pertencia o pronome, isto é, se os
dados de lhe estabeleciam referência com a 2SG ou 3SG. Os resultados
obtidos são os que seguem na Tabela 2.16:
Variedade 2SG 3SG Total
PB 40/43
93%
03/43
7%
43/171
25%
PE 05/128
4%
123/128
96%
128/171
75%
Tabela 2.16 – Ocorrências do uso do clítico lhe em relação às pessoas do discurso nas duas
variedades do português (adaptado de DANTAS, 2007, p. 113; 163)
Os dados mostram que o emprego do clítico lhe no PB está fortemente
vinculado à representação da 2SG, diferentemente do que se verifica para o
PE, em que essa forma atua significativamente com referência à 3SG. Embora
os dados do clítico na amostra lusitana sejam o triplo da quantidade
encontrada na amostra brasileira, a distribuição geral em relação às pessoas
do discurso é inversamente proporcional. Os resultados de Dantas (2007)
dialogam com os dados de Almeida e Deus (2011) a partir de cartas baianas
do século XIX: conforme discutimos em 2.1.1, a documentação remanescente
de remetentes semicultos dos oitocentos evidencia a mudança no estatuto
gramatical do clítico lhe no PB, que é sincronicamente demonstrado por
Dantas (2007).
A autora relaciona a maciça utilização de lhe com referência à 2SG na
variedade cearense à presença do pronome você no sistema de tratamento
familiar. Segundo ela, no corpus de Fortaleza, “o uso do clítico lhe foi
privilegiado em detrimento do te. Parece existir certa rejeição em se usar o
pronome te concordando com você, optando-se pelo uso do lhe, numa sintaxe
próxima da lusitana”. (DANTAS, 2007, p. 114). No nosso entendimento, há
dois problemas na argumentação da autora quanto à hipótese de prevalência
58
de lhe sobre te na variedade cearense: (i) não cabe associar os usos
pronominais de você e lhe verificados no Brasil aos usos que se verificam na
variedade lusitana, uma vez que, como os próprios dados da pesquisadora
revelaram, a referência de lhe no PE é bem distinta da referência no PB; (ii)
não são fornecidos, no trabalho, os índices de ocorrência do clítico te na
amostra, de modo a evidenciar a prevalência de lhe mencionada.
Em relação à variedade baiana, temos o estudo de Brito (2010) acerca
da realização do objeto direto nas três pessoas gramaticais. A partir de uma
amostra de fala da comunidade rural de Piabas (Caém-BA), a autora
investigou os fatores internos e externos que condicionam a representação do
objeto direto, observando, principalmente, a correlação entre nível de
escolaridade e utilização de clíticos pronominais. Os dados foram obtidos de
12 informantes analfabetos e semianalfabetos, divididos por faixas etárias.
No que tange à 2SG, Brito (2010) obteve apenas 11 dados. Como formas
variantes na amostra, ela detectou a presença do clítico te (03 oco.), clítico lhe
(04 oco.) e do pronome lexical você (1 oco.), além do objeto nulo (03 oco.).
Quanto à variável faixa etária, a autora observou que as variantes clíticas se
fazem presentes na fala tanto dos jovens quanto dos idosos da comunidade.
Os mais jovens não utilizaram objeto nulo de 2SG, ao passo que os mais velhos
não empregaram o pronome lexical. Sobre a correlação entre escolaridade e
uso de clíticos, a autora relata que a hipótese inicial previa maior frequência
de uso do pronome lexical, haja vista o baixo grau de escolarização dos
informantes. Contudo, ela conclui que “no que diz respeito a clíticos de 2a
pessoa em posição de objeto seu uso não pode ser atribuído à escolarização”
(BRITO, 2010, p. 74). A autora não tece nenhuma consideração acerca das
formas pronominais utilizadas na posição de sujeito e, por essa razão, não há
dados ou comentários relativos à correlação entre você e te.
No trabalho de Alves (2015), que toma como base a variedade de São
Luís (MA), o foco central é a variação da segunda pessoa e a configuração do
sistema de tratamento da localidade, a partir da fala de indivíduos
escolarizados. A autora controlou, de maneira ampla, as variantes
identificadas em diferentes contextos morfossintáticos, ainda que o interesse
principal fosse a posição de sujeito. No corpus, predominaram formas do
59
paradigma de tu, fato que a autora associa à identificação que as pessoas
costumam fazer entre o dialeto ludovicense e o uso de tu-sujeito com
concordância. No entanto, ao referir-se às formas verificadas em outras
posições sintáticas, Alves (2015, p. 84) destaca que “tamanha é a
produtividade das formas te, ti, contigo que, em nosso corpus, o você foi
registrado em sua maioria na função de sujeito”.
Efetivamente, a pesquisadora contabilizou 55 ocorrências do clítico te,
12 da forma contigo e ainda 7 de Prep+ti. Das formas relacionáveis ao
paradigma de você, constam apenas 4 dados de Prep+você. No que diz respeito
ao clítico lhe, Alves (2015) observa que essa variante, na amostra analisada,
constitui uma marca de formalidade/distanciamento entre os interlocutores e
só apareceu em correlação com a forma senhor/a na posição de sujeito:
(...) convém dizer que o também peculiar uso da forma lhe entre os
falantes ludovicenses está associado ao nível de formalidade da situação e/ou distância entre os falantes. O percentual de 15,4% de
lhe relacionado à forma senhor/a marca a própria natureza da relação
social entre os interlocutores. (ALVES, 2015, p. 85)
A autora fornece alguns exemplos ilustrativos desse valor pragmático
assumido pelo lhe. Observamos, em (09-10), que essa variante é empregada
em relações marcadamente assimétricas – professor e aluno, pai e filho –, o
que sinaliza a marca de distanciamento entre os indivíduos.
(09) Professora, deixa só eu lhe mostrar se tem alguma coisa que é pra gente concluir logo.
(10) Oh papai, eu vou lhe dar um tablet. Tá ouvindo? (ALVES, 2015, p. 85).
Quanto à possibilidade de correlação entre você-sujeito e te-
complemento, a pesquisadora afirma que “(...) já se nota a coexistência do
clítico te junto ao você (...) visto que o sistema oferece várias possibilidades de
uso, em situações concretas de fala (...)” (ALVES, 2015). Todavia, não
apresenta, em seu trabalho, índices quantitativos ou exemplos dessa
combinação detectados no corpus.
Retornando à variedade baiana, temos o trabalho de Almeida (2016),
fruto de estudos anteriores realizados pela própria autora (ALMEIDA, 2009;
2014). A pesquisadora investiga o uso dos pronomes de 2SG em posição de
objeto no sistema de tratamento de duas localidades baianas: Salvador e
60
Santo Antônio de Jesus. Assume, como hipótese, que o emprego do clítico lhe,
bastante produtivo na fala de ambas as cidades estudadas, relaciona-se com
as variáveis extralinguísticas faixa etária, sexo/gênero e o tipo de relação
estabelecida. Como corpus de análise, Almeida (2016) utilizou amostras de fala
provenientes de 24 informantes (12 de cada uma das cidades), divididos
equanimemente de acordo com o sexo/gênero, faixa etária (25 a 35, 45 a 55 e
65 a 85 anos) e nível de escolaridade (fundamental e superior).
Por meio de questionários construídos para eliciar a produção de formas
pronominais de 2SG durante a entrevista, a autora conseguiu obter 516
ocorrências de objeto direto com referência à segunda pessoa do singular (218
dados de Salvador e 298 dados de Santo Antônio de Jesus). A Figura 2.5
ilustra as variantes encontradas e seus percentuais de frequência:
Figura 2.5 – Distribuição das formas de representação do objeto direto de 2SG
em Salvador e Santo Antônio de Jesus (BA) (extraído de Almeida, 2016, p. 127)
Verificamos que as formas lhe e te apresentam índices bem próximos,
que, se somados, respondem a mais de 70% dos dados da amostra. Na capital
da Bahia, Salvador, são 91 ocorrências de lhe ao lado de 83 de te. Em Santo
Antônio de Jesus, são 122 ocorrências daquele frente a 92 deste. Se, por um
lado, esses dados reafirmam a identificação das variedades nordestinas com
o uso de lhe de 2SG, especialmente em função acusativa, por outro, revelam
a necessidade de relativizar a ideia de que te não ocorre ou não é produtivo
nas mesmas.
É inegável que o clítico lhe seja uma estratégia muito produtiva no
dialeto baiano, se compararmos aos usos de falantes da região sudeste, por
61
exemplo. Contudo, o fato de haver uma produtividade maior de lhe não
significa que não haja uma produtividade considerável de te. Desse modo, a
hipótese defendida nesta tese, segundo a qual teríamos no PB a preservação
de te após a difusão de você, também encontra respaldo nas variedades em
que te compete diretamente com lhe; não temos notícia, até então, de nenhum
estudo que aponte alguma localidade brasileira onde te não seja utilizado
dentre as formas de 2SG.
O controle da variável faixa etária oferece-nos resultados coerentes com
o posicionamento defendido nas linhas anteriores. Almeida (2016) postulou,
como hipótese para essa variável, que o clítico lhe seria empregado
preferencialmente pelos indivíduos da faixa 3 (acima de 65 anos de idade),
uma vez que, segundo ela, “o comportamento mais conservador atribuído a
esse grupo o faria optar por uma forma com traço [+respeito/cortesia]”
(ALMEIDA, 2016, p. 129). Na Figura 2.6, reproduzimos a atuação da faixa
etária sobre os usos do objeto direto de 2SG:
Figura 2.6 – A atuação da variável faixa etária sobre os clíticos de 2SG
em Salvador e Santo Antônio de Jesus (BA) (extraído de Almeida, 2016, p. 130)
Como podemos observar, a hipótese proposta por Almeida (2016)
encontra respaldo nos dados. Valendo-se dos índices de peso relativo, a
pesquisadora demonstra que os falantes mais idosos favorecem o uso da
forma lhe (.800). Entre os falantes da faixa 2, o favorecimento ao uso de lhe
permanece, porém com um índice menor (.600). Já os indivíduos da faixa 1,
os mais jovens da amostra, apresentam um padrão oposto, uma vez que
favorecem a ocorrência de te (.800). Se olharmos para esse resultado como um
62
estudo de tempo aparente (cf. LABOV, 1994), temos, então, um prognóstico
de mudança na variedade baiana: a preferência de te pelos mais jovens em
detrimento de lhe pode ser indicativa de que aquele pronome poderá se
generalizar na posição de complemento combinando-se com você-sujeito,
assim como já se verifica em outras regiões brasileiras.
Além da questão etária, outro resultado interessante diz respeito ao tipo
de relação entre os interlocutores. Reconhecendo que as formas variantes
podem assumir valores sociopragmáticos distintos – tais como solidariedade,
cortesia, deferência, informalidade etc –, Almeida (2016) observou em que tipo
de interação ocorriam as variantes de 2SG. Sua hipótese era que o uso de lhe
seria favorecido em relações assimétricas ascendentes (isto é, de inferior para
superior, como funcionário e patrão, aluno e professor etc), visto que essa
variante resguardaria certo valor de cortesia e polidez linguística. O percentual
de frequência (78% - 28 de 36 dado) e o peso relativo (.800) sustentaram a
hipótese, indicando que “quando o falante dirige-se a um interlocutor com
quem mantém certo distanciamento ou quando deseja demonstrar deferência,
dá preferência ao clítico lhe” (ALMEIDA, 2016, p.133).
A fim de concluir o panorama dos estudos sincrônicos, trataremos, na
sequência, de estudos que exploraram comparativamente mais de uma
cidade/região brasileira ao analisarem as formas de complemento verbal de
2SG.
- Análises inter-regionais sincrônicas
As análises sincrônicas consideradas como inter-regionais focalizam os
estados das regiões Sudeste e Nordeste e oferecem um retrato, ainda que
incompleto, da configuração diatópica atual da representação de 2SG.
Apreciamos, nos parágrafos subsequentes, os estudos de Herênio (2006),
Arruda (2006) e Lessa (2014).
Com base em 43 entrevistas sociolinguísticas realizadas com 90
informantes, Herênio (2006) analisa a variação pronominal entre tu e você nas
cidades de Uberlândia (MG) e Imperatriz (MA). O trabalho visava a explorar a
expressão da 2SG na posição de sujeito, porém a autora analisou também as
formas de objeto em correlação com a forma na posição de sujeito e com a
63
localidade. Em relação ao sujeito, Herênio (2006) verificou a existência de dois
padrões, articulados à questão diatópica: enquanto os informantes de
Uberlândia utilizam exclusivamente você, os informantes de Imperatriz
apresentam um padrão variável entre você (73%) e tu (27%).
Ao analisar as formas de complemento verbal, Herênio (2006) verifica
que as formas relacionadas ao paradigma de tu (te, ti)13 foram registradas em
ambas as localidades. Dos 64 dados levantados, 30 ocorreram na amostra
mineira (46,8%) e 34 na amostra maranhense. Nesta última, 14 dos 34 dados
(21,8%) ocorreram em correferência com o pronome tu, enquanto 20 dados
(31,2%) estavam em correferência com a forma você. Ao verificar a existência
da combinação você-sujeito e te/ti-complemento nas localidades investigadas,
a pesquisadora destaca que “(...) o emprego do pronome ‘você’ utilizando em
maior frequência correferentes como ‘te’ e ‘ti’, mostram que além da
importância da segunda pessoa na comunicação, por isso sua grande
frequência, está a diversificação na combinação pronominal (...)” (HERÊNIO,
2006, p.72).
Cabe ressaltar que a autora não relata se registrou a ocorrência de
outras variantes na posição de complemento, principalmente em relação ao
lhe. Apenas informa, na apresentação das variáveis controladas (p.60-61), que
analisou os pronomes oblíquos te, ti e contigo. Dessa forma, não é possível
saber se houve ocorrências de outras variantes e qual foi a distribuição no
corpus analisado.
O estudo de Arruda (2006) analisou, a partir de entrevistas
sociolinguísticas do projeto NURC – Norma Urbana Culta –, as formas
variantes de objeto direto de todas as pessoas do discurso. Dada a natureza
do corpus, a autora pôde comparar dados das capitais de cinco estados
brasileiros: Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia, Pernambuco e Rio Grande do
Sul. No entanto, devido ao modelo de entrevista do projeto NURC, em que
prevalecem sequências textuais narrativas, o número de ocorrências obtido
por Arruda (2006) para a 2ª pessoa foi baixíssimo (apenas 22 dados), se
13 A autora não separou, em sua análise, a forma clítica (te) da forma preposicionada (prep.+ti).
64
comparado às ocorrências da 1ª e 3ª pessoas (92 e 1.683 dados,
respectivamente).
Das localidades investigadas, a pesquisadora não registrou nenhuma
ocorrência de 2SG para a cidade de Salvador (BA), de maneira que os 22 dados
se subdividem pelas outras cidades: 12 ocorrências entre os informantes de
Recife (PE), 5 entre os de Porto Alegre (RS), 3 entre os de São Paulo (SP) e 2
entre os do Rio de Janeiro (RJ). Quanto às formas variantes empregadas,
Arruda (2006) contabiliza 10 ocorrências do clítico lhe (das quais, 5 são de PE,
4 do RS e 1 de SP), 4 do clítico te (sendo 2 do RJ, 1 do RS e de PE), 4 da forma
tônica você (todos de PE) e 2 da forma a senhora (registrados nos dados de
SP).
Diante das rarefatas ocorrências de objeto direto de 2SG na amostra,
Arruda (2006) limita-se a comentar o quadro variável de formas que atendem
a essa pessoa do discurso; mesmo tendo contabilizado poucos dados, foi
possível atestar a ocorrência de 4 variantes, dentre elas 2 formas clíticas. Além
disso, a autora salienta o uso da variante lhe – a mais frequente – como objeto
direto, evidenciando a ausência da forma o/a, que, teoricamente, deveria
atuar nesta função sintática. Quanto à possibilidade de associação entre você-
sujeito e te-objeto, Arruda (2006) não tece nenhum comentário; constatamos,
todavia, em um exemplo apresentado no trabalho, dentre os dados do Rio de
Janeiro, a ocorrência dessa associação, reproduzida em (11). O exemplo é
indicativo de que, mesmo na fala culta, é possível detectar a combinação entre
as formas em destaque:
(11) “tem pra cama aquela que você bota e no dia seguinte a empregada te olha assim com
uma cara de que você é assim a própria megera” (NURC – Rio de Janeiro / DID-012)
(ARRUDA, 2006, p. 62)
Além das pesquisas feitas a partir de entrevistas, mencionamos o
trabalho de Lessa (2014), que analisou a configuração das formas de
tratamento em diferentes contextos morfossintáticos com base nos roteiros do
seriado da Rede Globo As Brasileiras. Aproveitando o mote da atração
televisiva, que tenta reconstruir na ficção um quadro da sociedade brasileira
em diferentes localidades, a autora selecionou cinco episódios ambientados
65
em diferentes cidades (Porto Alegre, Belo Horizonte, São Paulo, Salvador e
Olinda). Essa seleção não foi aleatória, uma vez que,
Parte-se da hipótese de que em Porto Alegre na região sul do Brasil
predomina o paradigma de tu. Em Belo Horizonte e São Paulo,
representantes da região sudeste, teríamos o uso produtivo de você.
Para a região nordeste, há Salvador em que prevalece você ao passo
que em Olinda a variação entre as duas formas é recorrente. (LESSA, 2014, p. 7)
No que concerne às formas de complemento verbal, a pesquisadora
controlou as variantes de 2SG de acordo com a função sintática (acusativo,
dativo ou oblíquo). Na função acusativa, foram detectadas ocorrências das
formas te, lhe, o/a e você, além do objeto nulo. Quanto às localidades, os
roteiros dos episódios ambientados em Belo Horizonte, São Paulo e Olinda
apresentaram dados de acusativo. O clítico te foi a variante mais frequente14
no roteiro das três cidades – 100% das ocorrências de Belo Horizonte, 65% de
São Paulo e cerca de 70% de Olinda. Além de te, no episódio de Olinda,
registrou-se pouco mais de 30% de dados de você. No roteiro paulistano,
houve 12% de objeto nulo e de o/a, e cerca de 6% de você e lhe. A respeito dos
resultados deste último roteiro, Lessa (2014, p. 33) associa a presença de
determinadas formas, como os clíticos lhe e o/a, à construção de estereótipo
de alguns personagens: “Por apresentar personagens membros da elite
paulistana, em situações nas quais têm por objetivo mostrar seu alto grau de
instrução, o roteiro de São Paulo apresenta falas estereotipadas relacionadas
a tal classe social”. Ilustramos, em (12-14), alguns exemplos elencados pela
autora contendo as formas lhe e o/a:
(12) “Os meus funcionários conseguiram lhe ajudar?”
(13) “Pena que eu não possa recebê-la”
(14) “Eu adoraria ajudá-la”
Para a função dativa, Lessa (2014) encontrou ocorrências nos roteiros
de todos os episódios analisados. O clítico te foi a variante mais frequente nos
dados de Porto Alegre (80%), Belo Horizonte (80%) e Salvador (56%). Dentre
os dados de Olinda, predominou a variante para você (62,5%) seguida do
14 Ao longo do trabalho, Lessa (2014) fornece apenas os índices percentuais das variantes, não informando os números de ocorrências.
66
clítico te (37,5%). Já nos dados de São Paulo, o clítico lhe prevaleceu (66,7%)
sobre o clítico te (33,3%). A forma lhe também foi registrada entre as
ocorrências de Porto Alegre (10%). O objeto nulo foi detectado entre os dativos
de Salvador (33%) e Porto Alegre (10%). A autora relaciona as ocorrências do
clítico lhe na função dativa a uma motivação pragmática (assim como propõe
para o acusativo): os exemplos reproduzidos em (15-17) remetem a cenas
marcadas por assimetria entre os personagens, sendo lhe utilizado para
marcar distanciamento entre os interlocutores. Uma dessas ocorrências,
inclusive, aparece em correferência com a forma de tratamento o senhor:
(15) “Eu não sei se lhe ocorreu que eu comprei o vestido antes” [“A venenosa de Sampa”]
(16) “Eu lhe digo o que há de errado” [“A venenosa de Sampa”]
(17) “Eu gostaria de lhe perguntar se o senhor sabe quem foi que (...)” [“A fofoqueira de Porto
Alegre”]
De maneira geral, Lessa (2014) ressalta o fato, já verificado em outros
estudos, de que os roteiros evidenciam a preservação de uso do clítico te:
“apesar da forma você ser mais produtiva em posição de sujeito, o clítico te foi
predominante tanto em posição acusativa quanto dativa” (p. 39). Tal
constatação reforça a possibilidade de combinação entre a forma emergente
você, na posição de sujeito, e a forma remanescente te, na posição de
complemento. Ainda que não tenha analisado quantitativamente essa
combinação, Lessa (2014) fornece exemplos dessa possibilidade, expostos em
(18-19):
(18) “Se eu te chamar pelo nome, você fica mais inteligente?” [A venenosa de Sampa]
(19) “Eu sei que você só me deu notícias boas, mas eu preciso te dar uma que não sei se você
vai gostar” [A culpada de BH]
Para encerrar a revisão dos trabalhos sincrônicos, podemos assinalar
como pontos principais observados nas investigações que: (i) a alta frequência
das formas te e lhe mostra que, diferentemente da 3SG, a representação da
2SG no PB é estabelecida principalmente por clíticos pronominais; (ii) há,
sincronicamente, nos diferentes dialetos do PB, um conjunto relativamente
numeroso de formas de referência à 2SG para a posição de complemento
verbal (as formas clíticas te, lhe e – mais raramente – o/a; as formas tônicas
você e o senhor; as formas preposicionadas a/para você e a/para ti; e o objeto
67
nulo); (iii) a variante lhe parece ser fortemente condicionada por fatores de
ordem extralinguística, tais como região de origem do falante, faixa etária e
tipo de relação entre os interlocutores; (iv) As diferentes amostras de análise
evidenciam a preservação da forma te (em maior ou menor escala) nas diversas
variedades estudadas, combinando-se, em muitos casos, com a forma
inovadora você na posição de sujeito.
Após o panorama apresentado, algumas questões permanecem: como
explicar a preservação da forma te no sistema pronominal do PB,
principalmente nas variedades em que você, praticamente, já se
implementou? O que favorece esse item remanescente do paradigma do antigo
pronome tu, do qual parece ter se desvinculado, garantindo sua
sobrevivência? E, principalmente: como os linguistas tentam explicar a
preservação de te?
2.2 A preservação do clítico te: algumas hipóteses
Embora a possibilidade de associação entre o clítico te e a forma você
na posição de sujeito seja recorrentemente descrita na literatura linguística
(como verificamos em 2.1), poucos são os estudiosos que se arriscam a propor
uma explicação para o fenômeno. Dentre esses trabalhos que abordam a
questão em alguma medida, identificamos três linhas gerais de argumentação:
(i) a primeira baseada em motivações (sócio)pragmáticas (CAMARA Jr., 1970;
MONTEIRO, 1991; MENON, 1995; NEVES, 2011); (ii) a segunda pautada em
aspectos morfossintáticos (BRITO, 2001; GALVES et al. 2016; OTHERO E
CARDOZO, 2017); (iii) a terceira fundamentada nos postulados teóricos da
gramaticalização (CASTILHO, 2010; LOPES; SOUZA; OLIVEIRA, 2013).
Revisaremos, a seguir, alguns estudos representativos dessas perspectivas.
2.2.1 Motivações sociopragmáticas
Os pesquisadores que explicam a possibilidade de combinação entre
você-sujeito e te-objeto no PB segundo motivações de ordem (sócio)pragmática
associam isso, de maneira geral, ao traço [+intimidade] presente no clítico,
68
herdado do paradigma do pronome tu. Uma vez que as formas átonas previstas
para co-ocorrer com você seriam o/a (acusativo) e lhe (dativo), a ausência
dessa realidade no PB – principalmente na fala, como os autores salientam –
deve-se ao fato de que você é uma forma da intimidade (equivalente a tu) e,
por isso, “atrairia” te em diferentes dialetos do país.
Essa interpretação do fenômeno é sugerida, por exemplo, em Camara Jr
(1970). O autor afirma que “Na área do Rio de Janeiro (...) e alhures, no
português do Brasil, a adoção de você como tratamento de intimidade, num
registro informal, introduz a forma adverbal te ao lado de o, a ou lhe, e assim
aquela forma fica intercambiável com estas duas.” (CAMARA Jr., 1970, p.
120). Percebemos que o linguista reconhece a possibilidade da combinação
em diferentes dialetos do PB, mas a atribui ao registro informal. Como vimos
na seção anterior deste capítulo, essa atribuição não procede, pois em cartas
dos séculos XIX, produzidas por indivíduos com alto domínio dos modelos de
escrita, a combinação já se fazia presente.
Monteiro (1991) é outro autor que adota a mesma linha argumentativa.
Ele apresenta, ao começar a tratar da questão, aspectos diacrônicos que
afetaram o quadro dos pronomes pessoais, ressaltando a emergência de novas
formas pronominais (você(s) e a gente):
O sistema teve então que entrar num processo de reorganização. E a
consequência imediata foi a quebra da uniformidade pessoal nas
relações sintáticas, de tal modo que se criaram novas
correspondências para as formas originalmente privativas de certas funções. Daí resultou a possibilidade de uma série de associações
sintáticas (...). (MONTEIRO, 1991, p. 250)
De um ponto de vista estrutural, o autor relaciona a combinação entre
você e te “à extinção gradual dos pronomes átonos o e a, de emprego às vezes
ambíguo” (MONTEIRO, 1991, p. 251), diferentemente de Camara Jr, que
propõe a possibilidade de alternância entre os três clíticos (o/a, lhe e te). Em
relação à oposição te e lhe, o autor menciona a explicação de Moreira Silva
(1983, p. 12 apud MONTEIRO, 1991, p. 252), segundo a qual “(...) os clíticos
te e lhe(s) perderam a oposição acusativo x dativo, passando a ter uma nova
distribuição, tendo em vista a possibilidade de que o tratamento seja familiar
(te se associa a você) ou deferencial (lhe corresponde à expressão o senhor)”.
69
Baseando-se nesse viés interpretativo, Monteiro (1991, p. 252) defende, então,
que “(...) as modalidades de tratamento se misturam em função de fatores
pragmáticos”.
Ao desenvolver essa perspectiva de análise, o linguista reconhece que a
intercambialidade das formas é reflexo da instabilidade do sistema, relativa
aos processos de mudança diacrônicos, porém afirma que as motivações
discursivo-pragmáticas desempenham um papel decisivo no fenômeno: “A
alternância ou mistura dos itens pronominais sugere, pois, indícios de
flutuação no comportamento dos interlocutores e marca a própria natureza
da relação social. Associar te com você conota talvez maior intuito de
aproximação ou intimidade do que lhe com você” (MONTEIRO, 1991, p. 253).
Em outro parágrafo, o autor chega a desconsiderar a atuação de fatores
morfossintáticos sobre a intercambialidade:
Em nossa visão, o que preside à seleção e combinação de formas
pronominais é menos um conjunto de regras de estruturação sintática
do que os tipos de relação social e as inferências intersubjetivas,
mutáveis de instante a instante. À proporção que varia o modelo desses relacionamentos, tenta acomodar-se também, como se
estivesse girando em sua órbita, todo o sistema dos pronomes
pessoais. (MONTEIRO, 1991, p. 254).
Todavia, Monteiro (1991, p. 253) opta por relativizar esse ponto de vista,
justificando que “só um estudo mais aprofundado nos daria o verdadeiro
alcance e a comprovação dessa hipótese” (p.253). Embora não discordemos da
interferência dos fatores discursivo-pragmáticos no condicionamento do
fenômeno, não assumiremos, como o faz Monteiro (1991), que esta dimensão
da língua se sobreponha às demais. Conforme argumentaremos no próximo
capítulo, parece-nos mais coerente defender que a motivação sociopragmática
é uma das forças que explicarão tanto a preservação de te quanto a
combinação deste com você. Cabe-nos, ainda, mencionar mais dois trabalhos
que seguem o raciocínio de Monteiro.
Menon (1995) assume a mesma explicação teórica apresentada. A
linguista, em um evidente discurso combativo à artificialidade da gramática
tradicional, que defende a “uniformidade de tratamento” (i.e., tu-te-ti-contigo
vs. você-o/a-lhe-se-si-consigo), afirma que “o uso de lhe/te complementos de
verbos transitivos com o pronome você não pode e não deve ser considerado
70
erro. Há que se analisar em que condições ocorrem as utilizações de lhe/te,
pois elas não são aleatórias.” (MENON, 1995, p. 100). Ela reconhece a
existência de várias possibilidades de combinação nas diferentes variedades
brasileiras e interpreta isso como um dos “efeitos da introdução de você no
paradigma dos PSUJ no PB”.
Aliando a hipótese sociopragmática ao processo de gramaticalização da
forma você, Menon (1995) postula que a combinação das formas de
paradigmas distintos seria motivada pelo valor de intimidade presente no
clítico te e adquirido por você. A forma lhe, que teoricamente deveria ocorrer
com você, ficaria restrita às situações não íntimas. Um dado interessante na
explicação da pesquisadora diz respeito à proposta de correlacionar o
preenchimento da posição de sujeito com a forma na posição de objeto, como
mostramos em (20-21):
(20) Eu te dou o que você quiser
Eu lhe dou o que 0 quiser.
(21) Eu te faço companhia no aeroporto quando você for viajar
Eu lhe faço companhia no aeroporto quando 0 for viajar” (MENON, 1995, p. 101)
A explicação, contudo, se restringe ao plano teórico, visto que a autora
não chega a mencionar qualquer trabalho que tenha atestado empiricamente
tal correlação. Cabe destacar ainda que, dentre os estudos revisados, nenhum
deles mencionava o controle dessa variável ou mesmo a verificação da mesma
como uma hipótese explicativa para a distribuição das variantes nos corpora.
Neves (2011) é mais uma autora a fundamentar sua explicação da
possibilidade de correlação entre você e te em fatores pragmáticos. Ela associa,
de maneira enfática, essa ocorrência à modalidade falada da língua:
O emprego de VOCÊ é muito mais difundido do que o emprego de TU,
para referência ao interlocutor. Além disso, ocorre frequentemente
(embora mais especialmente na língua falada), que se usem formas de segunda pessoa em enunciados em que se emprega o tratamento
VOCÊ, de tal modo que se misturam formas de referência pessoal de
segunda e de terceira pessoa (NEVES, 2011, p. 458)
Novamente, enfatizamos que a tese de que a combinação entre você e te
seja algo estritamente vinculado à língua falada não se sustenta, visto que
formas interlocutivas de tratamento são estruturas da língua falada por
71
excelência; dificilmente elas aparecerão em textos escritos porque cumprem
uma função fortemente vinculada a uma interação verbal face a face. As
exceções são justamente os gêneros textuais que visam a reproduzir ou
idealizar situações comunicativas face a face, tais como cartas pessoais e
peças de teatro. Além disso, a explicação também peca ao dizer que “se
misturam formas de referência pessoal de segunda e de terceira pessoa”.
Sabemos que, na realidade, a dita “mistura” ocorre apenas do ponto de vista
formal, visto que, semanticamente, ambas as formas se referem à 2SG. A
autora não menciona explicitamente a questão do grau de intimidade entre os
interlocutores, mas destaca o caráter dialógico do fenômeno, não colocado
pelos autores mencionados anteriormente: “esse uso ocorre especialmente na
conversação espontânea, e são abundantes os exemplos nos diálogos de peças
teatrais” (NEVES, 2011, p. 458).
2.2.2 Motivações morfossintáticas
Assumindo uma perspectiva mais “gramatical” para explicar a
associação de você-sujeito e te-objeto, outros autores elaboram hipóteses
alicerçadas em diferentes aspectos morfossintáticos. Esses pesquisadores
tentam articular a inovação do sistema pronominal a outras transformações
que têm ocorrido na variedade brasileira desde, pelo menos, o século XIX. De
acordo com essa lógica, a preservação de te frente à difusão da forma você (ao
menos na função de sujeito) seria um dos reflexos do processo de
reestruturação por que passa a gramática do PB.
No trabalho de Brito (2001), vamos encontrar esse viés de análise. A
autora adota como objeto de investigação o problema da uniformidade de
tratamento, com foco central na possibilidade de combinação de que estamos
tratando. Uma vez que as ocorrências de enunciados contendo você na posição
de sujeito e te na posição de objeto são numerosas na amostra que analisa,
Brito (2001) dedica-se a explicar quais fatores estruturais são decisivos no
licenciamento dessa combinação. Segundo ela,
(...) o uso não-uniforme do pronome de 2a pessoa em função de objeto
é condicionado (...) por diferentes variáveis, e, hoje, o falante faz esse
uso como reflexo de outras mudanças ocorridas no PB, mais
72
especificamente a mudança na forma de tratamento, na direção de cliticização e no uso do objeto nulo.” (BRITO, 2001, p. 172)
[grifos nossos]
A primeira mudança estrutural que Brito (2001) destaca é a emergência
da forma você, que cria uma instabilidade no sistema de pronomes, pois “(...)
o falante deve levar verbos e pronomes para a 3ª pessoa, (...) mas, do ponto de
vista nocional, você é um pronome que se refere à 2a pessoa do discurso, a
pessoa ‘com quem se fala’ (...)” (p.169). Dessa forma, a pesquisadora procura
justificar que, do ponto de vista semântico, não cabe falar em “mistura” de
tratamento, tal como apregoam algumas gramáticas tradicionais. Estas, ao
defender a simetria de paradigmas – tu-te-ti-contigo versus você-o/a-lhe-se-si-
consigo –, levam em consideração apenas a dimensão morfossintática dos
pronomes, ignorando a dimensão semântica que, na realidade, parece se
sobrepor às diferenças formais.
Além disso, Brito (2001) aponta, como vimos, outros condicionamentos
linguísticos que seriam responsáveis pela preservação de te nos ambientes
sintáticos em que você atua. A mudança na direção de cliticização do PB – que
deixou de ser da direita para a esquerda (o que favorecia a ênclise) e passou a
ser da esquerda para a direita (favorecendo a próclise) – repercute diretamente
na realização das formas átonas, visto que “o onset da sílaba do clítico
acusativo o/a deixa de ser licenciado” (BRITO, 2001, p. 170). Essa modificação
impede que o clítico seja utilizado em diferentes padrões de sentença do PB.
A partir disso, de acordo com a autora, os traços semânticos animacidade,
especificidade e referencialidade é que passam a determinar a possibilidade
de ocorrência de clíticos: de um lado, as formas marcadas como
[+específicas/referenciais] e [-animadas] cedem espaço para a implementação
do objeto nulo; de outro lado, objetos [-específicos/referenciais] e/ou
[+animados] tendem a ser preenchidos por uma forma tônica/lexical.
Desse modo, Brito (2001, p. 171) propõe que, “quando o falante emprega
a forma de tratamento você para seu interlocutor, um antecedente [+
animado], preenche a posição de objeto pelo pronome lexical você, ou emprega
o clítico te, já que os clíticos o/a tornaram-se formas obsoletas”. E a explicação
não cessa por aí: para a pesquisadora, te constitui uma das possibilidades de
preenchimento – em muitos contextos, sobrepondo a você-objeto – porque
73
“torna-se um afixo que reflete a concordância existente no sintagma objeto:
te, portanto, reflete a concordância com a pessoa com quem se fala, tratada
atualmente por você” (p. 172).
No trabalho de Galves et al. (2016), as causas formais que podem
explicar o rearranjo das formas de 2SG também são salientadas. Os autores
não atribuem, contudo, as mudanças sofridas pelas formas de complemento
e de outras posições sintáticas às outras transformações gramaticais
ocorridas, mas sim às mudanças ocorridas dentro do próprio sistema
pronominal. O eixo principal da explicação proposta gira em torno da
mudança observada para a posição de sujeito:
(...) como a forma você passa a ser especificada para o traço de pessoa
(2P), a preferência se dará por formas de complemento e possessivo
que também sejam especificadas para o mesmo traço de 2P. As formas
de 3ª pessoa, por sua vez, por não serem especificadas morfologicamente para o traço de pessoa, serão preteridas” (GALVES
et al., 2016, p. 134)
Dito de outro modo, o fator determinante para a preservação ou
emergência de formas pronominais de 2SG seria a especificação de traços que
cada variante apresenta. Sendo assim, “(...) a manutenção das formas
originais de tu como acusativo (te), dativo (te) e genitivo (teu) se justifica pela
ausência do traço de pessoa nas formas originais do paradigma de você, como
as formas de 3ª pessoa de acusativo o/a, dativo lhe e genitivo seu” (p. 134). A
seguir, reproduzimos o quadro que os autores apresentam com o intuito de
sistematizar a explicação proposta:
Quadro 2.2 – A reorganização no quadro pronominal da 2P: formas de você e de tu
(Extraído de Galves et al., 2016, p. 134) Do lado esquerdo do Quadro 2.2, estão as formas que, teoricamente,
deveriam compor o paradigma de você, haja vista que esse pronome é a forma
gramaticalizada de uma expressão nominal (Vossa Mercê). No entanto,
conforme destacam os autores, nenhuma delas é especificada
74
morfologicamente para o traço de 2SG, o que explicaria a preservação de te.
Além disso, os pesquisadores chamam a atenção para o fato de que, através
da hipótese de especificação de traços, é possível explicar o licenciamento
(ainda que restrito) de algumas formas de 3SG, tais como o clítico lhe e o
possessivo seu: a restrição gramatical estaria relacionada não só ao traço de
2SG mas também ao traço [+humano]: “somente as formas que apresentam
ao menos um dos traços mencionados passam a compor o paradigma de você;
nos demais casos, observamos a manutenção das formas originais do
paradigma de tu” (GALVES et al., 2016, p. 136).
Outra investigação que merece ser referida é a de Othero e Cardozo
(2017). Embora os autores não se dediquem ao problema da combinação entre
você e te, eles apresentam uma sistematização interessante de ser observada.
Fundamentados nos pressupostos da Teoria da Otimalidade, discutem de que
maneira a emergência de novas formas pronominais no paradigma do PB
contribui para o processo de reestabelecimento da ordem canônica do
português (Sujeito-Verbo-Objeto), que é violada pelo emprego proclítico de
alguns pronomes. No Quadro 2.3, reportamos a distinção feita pelos autores
entre os pronomes que compõem atualmente o sistema do PB:
Quadro 2.3 – Comparação entre as duas classes de pronomes
(Extraído de OTHERO; CARDOZO, 2017, p. XX)
Segundo as características arroladas no Quadro 2.3, o clítico te é, na
proposta dos autores, um “pronome de fato”, ao passo que você é um “pronome
com características nominais”. Soma-se a isso o fato de que Othero e Cardozo
(2017) propõem a existência de dois dialetos no PB quanto ao uso de pronomes
em posição de objeto (direto): o dialeto 1, em que a ocorrência de formas
clíticas é restrita ou inexistente e se verifica o uso irrestrito de formas tônicas
em posição de objeto (quer dos pronomes de fato, quer dos pronomes com
características nominais); e o dialeto 2, em que ocorrem formas clíticas e
75
apenas os pronomes com características nominais podem ocorrer na posição
de objeto, isto é, “o dialeto 2 aceita pronomes tônicos com características
nominais em posição pós-verbal, mas não aceita que isso aconteça com
pronomes de fato” (OTHERO; CARDOZO, 2017, p. 1728).
Dentre diversos aspectos levantados pelos pesquisadores, elencamos
aquele que mais se relaciona com nosso objeto de estudo: a preservação de
formas como te no dialeto 2. Em outras palavras: por que frases como “A Maria
disse que te viu ontem”15 são licenciadas e produtivas no dialeto 2 – em
comparação com outras possibilidades, como “A Maria disse que viu tu/você
ontem”, não licenciadas ou de produtividade restrita –, se, do ponto de vista
sintático, o uso do clítico viola a ordem canônica SVO (haja vista a tendência
à próclise do PB)? A resposta oferecida pauta-se numa restrição morfológica
que, consoante os autores, “reflete a condição de Elsewhere ou ‘princípio de
Pānini’ (ANDERSON, 1969; KIPARSKY, 1973; ARONOFF, 1976). Ou seja: o uso
de uma forma mais específica se aplica antes de uma forma mais genérica”
(OTHERO; CARDOZO, 2017, p. 1728).
Pela condição apontada pelos autores, o preenchimento da função de
objeto vai se restringir às formas morfologicamente especificadas para essa
função:
(...) se a língua (o dialeto 2, no caso) dispõe de uma forma pronominal
marcada com caso acusativo, e se há uma função que exige um pronome especializado nessa forma, esse pronome deve ser favorecido,
em detrimento de uma forma pronominal mais “geral” (ou menos
específica). (...) o emprego de pronome não marcado morfologicamente
em função acusativa acarreta obrigatoriamente uma violação.
(OTHERO; CARDOZO, 2017, p. 1728)
Essa interpretação nos permite, conforme desenvolveremos no próximo
capítulo, defender a ideia de independência, ou melhor, de autonomia do
clítico te para a representação de 2SG na posição de objeto. Se a especificação
morfológica de pessoa e função sintática se sobrepõe às restrições sintáticas,
tais como a preservação da ordem direta dos constituintes da sentença, é
plausível pensar que te não está vinculado ao paradigma de nenhum pronome,
15 Frase utilizada como exemplo pelos autores.
76
mas constitui, ele próprio, uma construção independente na língua,
especializada para se referir à 2SG em posição de objeto.
Quanto ao dialeto 1 proposto pelos pesquisadores, não nos parece
pertinente afirmar que os falantes que produzem/aceitam frases como “A
Maria disse que viu tu ontem” (com pronome de fato e tônico em posição de
objeto) não produzem/aceitam frases como “A Maria disse que te viu ontem”
(com pronome de fato e clítico). Consideramos sem sentido a contundente
afirmação de que “para os falantes do dialeto 1, os pronomes clíticos não fazem
parte de seu vernáculo e não participam de regras produtivas na língua”
(OTHERO; CARDOZO, 2017, p. 1730), haja vista que diversos trabalhos têm
mostrado a produtividade de formas clíticas de 1ª e 2ª pessoas do singular, de
maneira que a afirmação só faz sentido se pensarmos nos clíticos de 3SG e
3PL.
Nosso posicionamento, quanto a isso, é o de que, se existem realmente
dois dialetos no PB atual, no que se refere ao uso dos pronomes pessoais, eles
se diferenciariam apenas quanto ao licenciamento ou aceitabilidade de frases
do tipo “A Maria disse que viu tu ontem”. Esse problema, entretanto, extrapola
os limites da investigação desta tese e necessitaria de uma análise acurada do
emprego de formas nominativas em posição de objeto no PB, tópico que foge
ao alcance dos nossos objetivos. Por ora, são apenas especulações.
2.2.3 Motivações cognitivo-funcionais
A terceira via de análise da preservação de te no paradigma de 2SG em
que prevalece você baseia-se no processo de gramaticalização. Essa hipótese
tem sido sugerida por diferentes trabalhos nas últimas décadas, mas ainda foi
pouco desenvolvida e articulada. Brito (2001), por exemplo, destaca que o
clítico te em posição pré-verbal passa a funcionar como um prefixo de
concordância, porém não fornece maiores detalhes para essa explicação.
Destacaremos aqui dois estudos que trabalham com a hipótese de
gramaticalização. Rotulamos essa subseção como sendo a das motivações
cognitivo-funcionais pelo fato de os autores citados recorrerem, mesmo que
77
indiretamente, a fatores relacionados ao uso e à cognição para explicar o
fenômeno.
Castilho (2010) é um dos principais representantes da hipótese de
gramaticalização. Ao tratar das formas pronominais, o autor afirma que “(...)
onde o tu bateu com as botas, ele e seus derivados ressuscitam, quando se
quer afetar distanciamento (...)” (CASTILHO, 2010, p. 479). Sem fornecer
aprofundamentos explanatórios, o linguista fala em um processo de
transformação progressiva dos pronomes pessoais no que denomina
“morfemas prefixais de pessoa”. Segundo ele, esses morfemas seriam mais
frequentes no PB popular e culto coloquial. O Quadro 2.4 ilustra a proposta
apresentada, em que verificamos a extensão dessa análise também para
outras pessoas do discurso:
Pessoas
Prefixos em função de
sujeito no PB não
padrão
Prefixos em função de
complemento no PB
não padrão
Sufixos em função
de sujeito no PB
padrão
P1
{e-}: Eu vou > Evô
{noi-}: Nós vamos >
noivamo
Me encontrou >
Mincontrô
{-o}: falo
{-mos}: falamos
P2
{ce-}: Você vai > Cevai
{ceis-}: Vocês vão >
ceisvão
Te encontrou >
Tincontrô
{-s}: falas
{-ys}: falais
P3
{ey-}: Ele vai > Eivai
{eys-/es-}: Eles vão >
eisvão/esvão
Se encontrou >
Sincontrô
{-Ø}: fala
{-ãw/-ĩ}:
falam/falim
Quadro 2.4 – Transformação dos pronomes pessoais em morfemas verbais número-pessoais
no PB informal. (Extraído de CASTILHO, 2010, p. 482)
Ressaltamos, do Quadro 2.4, a associação direta que o autor faz entre
você em função de sujeito e te em função de complemento. Além disso, vemos
que a morfologização dos pronomes pessoais estaria ocorrendo também, para
Castilho (2010), na posição de sujeito. Ele associa, ainda, essa inovação no
paradigma pronominal a um processo geral do PB, que consistiria em antepor
certas informações procedurais/gramaticais às informações lexicais:
(...) o surgimento dos prefixos pronominais agrega uma evidência a
mais ao movimento de anteposição das marcas gramaticais no PB, fato
78
que vem ocorrendo na indicação (i) do plural ozóme, essas coisarada bonito (Amaral, 1922/1977: 48); (ii) do tempo futuro vofalá; (iii) do aspecto imperfectivo e perfectivo tafalano, tafalado; (iv) do modo
verbal popará, quepará; (v) da modalização sentencial asseverativa
disque vai chover; (vi) da modalização sentencial dubitativa áxki vai chover etc. (CASTILHO, 2010, p. 483)
Outro estudo que defende o processo de afixação do clítico te no PB é o
de Lopes, Souza e Oliveira (2013). Ancorados em diversos resultados de
pesquisas baseadas em corpora, os autores argumentam que “(...) a alta
frequência de uso do referido clítico frente a outras formas utilizadas para a
posição de complemento pronominal favoreceu uma automação da
estrutura/construção como marca de segunda pessoa do singular” (LOPES;
SOUZA; OLIVEIRA, 2013, p. 377).
Salientando o impacto da frequência de uso sobre a cognição e, mais
especificamente, sobre a língua, os pesquisadores procuram demonstrar a
existência de uma relação direta entre a alta frequência de te, reportada em
diferentes trabalhos, e a recodificação do mesmo como um afixo. A primeira
evidência destacada diz respeito ao fato da limitada implementação das
formas do paradigma de você na posição de complemento, que estaria ligada
à forte presença de te. Em outras palavras, a forma gramaticalizada você não
ocupa efetivamente o contexto morfossintático de objeto, em seu processo de
difusão, devido à forte presença de te, que a bloqueia. Sendo assim, na posição
de complemento “a forma conservadora (te) se manteve com o apoio estrutural
da sua posição proclítica de adjacência ao verbo e por seu caráter
eminentemente dêitico” (LOPES; SOUZA; OLIVEIRA, 2013, p. 393). Nesse
domínio funcional, de acordo com os autores, te teria se convertido em um
afixo, passando a atuar como um marcador morfológico de 2SG.
Outro aspecto, de caráter estrutural, envolve a homonímia formal de te,
que tem impacto direto no acesso à informação da 2SG na mente dos falantes:
(...) o acusativo e o dativo de 2ª pessoa apresentam o mesmo output fonético: eu te vi (acusativo) e eu te enviei Ø (dativo); isso pode ter
motivado a automação da sequência estrutural (te-Verbo) como uma
única unidade de processamento. Teríamos assim a ritualização de
um tipo de construção muito frequente e mais integrada na língua.
(LOPES; SOUZA; OLIVEIRA, 2013, p. 393)
79
Essa proposta de análise vai ao encontro dos princípios e conceituações
que adotaremos nos pressupostos desta investigação. Concordamos que: por
um lado, a alta frequência de uso delineou o processamento cognitivo de te na
mente dos falantes do PB; por outro lado, esse item parece ser a estratégia
preferida pelos falantes na representação da 2SG em posição de complemento
– mesmo para aqueles que não usam tu na posição de sujeito (conforme temos
exaustivamente salientado) –, o que se traduz em uma alta frequência de uso.
Urge buscar, contudo, maiores detalhes para sustentar a hipótese de
motivação cognitivo-funcional. Devemos evitar uma explicação tautológica,
isto é, algo como “o clítico te se gramaticalizou porque era muito frequente e
é, hoje, muito frequente porque se gramaticalizou”. Existem outros fatores de
base cognitiva que atuam a favor da preservação de te dentro da gramática e
que precisam ser explorados. Além disso, não descartamos as análises de viés
(socio)pragmático e morfossintático, pois elas fornecem dados importantes
que podem esclarecer fatos relacionados ao processamento dos clíticos.
Acreditamos, portanto, que o entendimento mais completo acerca da
preservação de te na gramática do PB só será possível se lançarmos luzes
sobre as diferentes faces – gramatical, pragmática e cognitiva – da
representação de 2SG.
2.3 Conclusão
Neste capítulo, revisamos alguns trabalhos já realizados no PB que se
ocuparam, direta ou indiretamente, da representação pronominal de 2SG na
posição de complemento verbal. Através do panorama proposto, tentamos
demonstrar a complexidade do fenômeno, que tem raízes diacrônicas e
manifestações multivariadas, a depender de diversos fatores (localização
geográfica, faixa etária, grau de escolaridade e tipo de interação etc). Mesmo
sendo reconhecida e relatada por vários pesquisadores, a possibilidade de
combinação entre você-sujeito e te-objeto ainda não recebeu um estudo que
buscasse explicar as causas/motivações dessa associação. A partir das
especulações levantadas pelos estudiosos, procuramos ressaltar as razões que
nos levam a defender a motivação cognitivo-funcional do fenômeno, a ser
80
testada experimentalmente. Caberá, antes disso, formalizar os princípios
teóricos e a metodologia de pesquisa que nos orientam, algo que será feito no
próximo capítulo.
81
3 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS E METODOLOGIA
Neste capítulo, apresentamos os pressupostos teóricos em que se
baseiam as hipóteses desta tese e que nortearão as análises dos resultados.
Descrevemos, também, o paradigma da metodologia experimental, adotada
para a investigação empírica do fenômeno em estudo. O capítulo está
estruturado em três partes gerais: na primeira parte, sistematizamos as
definições, premissas, conceitos e princípios concernentes à teoria da
gramaticalização; na segunda parte, discutimos acerca da necessidade de
articulação dos estudos em gramaticalização com questões de base cognitiva,
especificamente o processamento das formas gramaticalizadas; na terceira e
última parte, descrevemos os aspectos metodológicos da abordagem
experimental.
3.1 Gramaticalização
Argumentamos, nesta tese, que a variação dos clíticos pronominais de
2SG verificada nos dados de uso analisados por diversos pesquisadores é
reflexo de um processo de gramaticalização no âmbito da referência ao
interlocutor, especificamente relacionado à pronominalização da construção
Vossa Mercê > você na história do português (principalmente na variedade
brasileira). A repercussão mais latente desse processo de mudança linguística
é, a nosso ver, a preservação do clítico te, variante flexional do antigo pronome
tu em posição de complemento verbal não preposicionado. Embora seja um
fato menos evidente (e, em alguma medida, “invisível” aos olhos dos usuários
da língua), acreditamos que a notável produtividade de te, em um sistema no
qual as formas relacionadas a tu possuem utilização reduzida, restrita e
altamente marcada, se deva também a um processo de gramaticalização
envolvendo esse item e seu verbo predicador.
Antes de adentrarmos, contudo, nas questões mais específicas dessa
hipótese, cumpre esclarecer alguns aspectos importantes, relacionados à
adoção da perspectiva de gramaticalização como pressuposto teórico. O
primeiro deles diz respeito à própria definição do termo, isto é, o que
82
entendemos por gramaticalização. Recuperando a conceituação mais antiga,
tradicionalmente atribuída a Antoine Meillet, temos que gramaticalização
seria, grosso modo, o processo através do qual formas mais lexicais se
convertem em formas mais gramaticais. Em seu célebre artigo “A evolução das
formas gramaticais” (fr. “L’évolution des formes grammaticales”), publicado
em 1912, o autor procura explicar alguns fenômenos na história das línguas
indoeuropeias recorrendo à noção de gramaticalização. Meillet postula a
existência de três grandes classes de palavras: as palavras principais,
acessórias e gramaticais. Entre elas, haveria uma transição gradual. Nos
termos do autor,
O enfraquecimento do significado e o enfraquecimento da forma das
palavras acessórias andam de mãos dadas; quando ambos estão bastante avançados, a palavra acessória pode acabar por não ser mais
do que um elemento privado de significado próprio, anexado a uma
palavra principal para marcar seu papel gramatical. A mudança de
uma palavra para um elemento gramatical é realizada16. (MEILLET,
1912, p. 139 apud LEHMANN, 1995, p. 4).
Tempos mais tarde, essa definição viria a ser ampliada por Jerzy
Kurylowicz, outro notável estudioso de mudanças linguísticas envolvendo
gramaticalização. No famoso artigo “A evolução das categorias gramaticais”
(ing. “The evolution of gramatical categories”), publicado em 1965, o autor
propõe uma definição “revisada” para gramaticalização, a partir de seus
estudos acerca do desenvolvimento de categorias gramaticais do indoeuropeu:
“Gramaticalização consiste no aumento de alcance de um morfema que
avança de um status lexical para um gramatical ou de um status menos
gramatical para um mais gramatical (...)17” (KURYLOWICZ, 1965, p. 69). O
estudioso insere na definição de Meillet a possibilidade de que um item que já
possui certo caráter gramatical (como, por exemplo, um afixo derivacional) se
torne ainda mais gramatical (por exemplo, um afixo flexional). A título de
16 No original, em francês: “L'affaiblissement du sens et l'affaiblissement de la forme des mots
accessoires vont de pair; quand l'un et l'autre sont assez avancés, le mot accessoire peut finir
par ne plus être qu'un élément privé de sens propre, joint à un mot principal pour en marquer
le rôle grammatical. Le changement d'un mot en élément grammatical est accompli”. 17 Do original, em inglês: “Grammaticalization consists in the increase of the range of a
morpheme advancing from a lexical to a grammatical or from a less grammatical to a more grammatical status (...)”
83
ilustração, Kurylowicz menciona os casos em que um afixo derivacional que
denotava coletividade se converteu em um afixo flexional de número (plural).
A segunda parte dessa definição é de grande importância para nós, uma
vez que estamos lidando com formas que desempenham indiscutivelmente
funções gramaticais na língua. Em outras palavras, para darmos conta do
nosso objeto de estudo, sublinhamos, na definição clássica, o fato de que uma
construção já gramatical pode adquirir uma função ainda mais gramatical.
Sendo te um clítico, a nossa argumentação será, então, no sentido de defender
a existência de um processo de afixação/morfologização (HOPPER;
TRAUGOTT, 2003). Procuraremos, pois, sustentar teoricamente essa hipótese
recorrendo a alguns princípios e postulados de orientação cognitivo-funcional
e aludindo a estudos em outras línguas nas quais se considera que pronomes
pessoais se converteram em afixos.
3.1.1 Princípios, parâmetros e mecanismos de gramaticalização
Proporcionalmente à diversidade de estudos e descrições já realizados
acerca da gramaticalização, desde a década de 1980 até os tempos atuais (cf.
NARROG; HEINE, 2011), verificamos uma vasta quantidade de princípios,
parâmetros e mecanismos propostos para explicar tal fenômeno. Antes de
serem opostos entre si, muitos desses postulados são, em vez disso,
complementares uns aos outros. Essa multiplicidade também parece estar
intimamente relacionada com a variedade de categorias linguísticas que
passam por gramaticalização nas línguas naturais investigadas, o que, por
vezes, exige a necessidade de serem salientados certos aspectos em detrimento
de outros.
Nesta explanação, não fugiremos a tal tendência. Nos parágrafos que
seguem, destacaremos os conceitos que, de acordo com a hipótese defendida,
melhor se coadunam com a interpretação do fenômeno de gramaticalização
que pretendemos apresentar. Especificamente, abordaremos o parâmetro da
extensão (pragmática), os princípios de especialização e decategorização, além
dos efeitos da frequência de uso sobre as estruturas em processo de
gramaticalização.
84
Nos estudos sobre mudança linguística via gramaticalização, é ponto
pacífico entre os autores que os processos tendem a iniciar no discurso, que,
grosso modo, pode ser referido como o contexto pragmático no qual as
construções são empregadas. Por essa razão, Heine e Song (2011) apontam a
extensão, parâmetro essencialmente pragmático, como o primeiro indicativo
de um processo gramaticalização em curso. A extensão ocorre “quando
expressões linguísticas são estendidas para novos contextos que provocam o
aumento de funções gramaticais” (HEINE; SONG, 2011, p. 591). Em outras
palavras, a frequente utilização de uma determinada construção linguística
em contextos incomuns pode vir a estender a aplicabilidade da mesma, fato
que poderá desencadear outras alterações na construção, tais como erosão
fonética, perdas morfossintáticas e desbotamento semântico (cf. HEINE, 2003,
p. 579).
Ainda sobre a importância contextual, Heine e Song (2011) retomam o
modelo pragmático de reinterpretação induzida pelo contexto de Heine (2002)
para descrever as características mais notáveis da extensão. De acordo com
esse modelo, uma construção linguística que passa por extensão pragmática
atravessaria três estágios de reinterpretação, para além do estágio inicial (isto
é, seu contexto de atuação original): o contexto-ponte (II), o contexto de
mudança (III) e a convencionalização (IV). No estágio II, a construção pode, via
inferência sugerida, codificar um novo significado dentro de um contexto
específico. Caso esse novo significado se regularize na língua, perdendo seu
caráter “inovador”, a construção, então, atinge o estágio III, tornando-se
produtivas em novos contextos, incompatíveis com seu significado original.
Com o gradativo aumento da frequência de uso, a construção pode alcançar o
estágio IV, convencionalizando-se com o novo significado que adquiriu no
estágio II e figurando em contextos bastante distintos daqueles em ocorria
originalmente.
No Quadro 3.1, abaixo, reproduzimos as características pragmáticas da
extensão que podem ser verificadas nas construções linguísticas em
gramaticalização, descritas por Heine e Song (2011). Note-se a clara correlação
que os autores estabelecem entre a extensão, o contexto e a frequência de uso,
sobre a qual falaremos mais adiante:
85
Estágio Contexto Frequência Características de
uso
II
Contexto-ponte
Altamente restrito Baixa Opcional
III
Contexto de
mudança
Conjunto mais
amplo de contextos
Alta Regular
IV
Convencionalização
Generalizado Muito alta Obrigatório
Quadro 3.1 – Algumas características pragmáticas da extensão em gramaticalização.
(Extraído de HEINE; SONG, 2011, p. 624)
Podemos compreender facilmente a atuação da extensão sobre as
formas tratamento se correlacionarmos o contexto no qual elas ocorrem com
certos traços sociopragmáticos, tais como simetria/assimetria das relações
interpessoais, grau de intimidade e familiaridade entre os interlocutores e
ainda grau de cortesia entre os mesmos. Consoante já assinalamos na
introdução desta tese, diferentes estudos apontam, na história do português,
para a existência de dois eixos de tratamento: um eixo da formalidade
(constituído de formas que marcavam/marcam deferência, distanciamento
e/ou assimetria entre os falantes) e um eixo da informalidade (composto de
formas que marcavam/marcam intimidade, proximidade e/ou simetria entre
os falantes). Nesse sentido, um dos indícios recorrentemente destacado pelos
estudiosos do tema na descrição do processo de gramaticalização de formas
de tratamento é justamente a constatação, nos textos remanescentes, da
ocorrência de uma dada forma em um eixo pragmático diferente daquele ao
qual ela originalmente pertencia.
Esse é o caso do célebre exemplo da pronominalização da construção
Vossa Mercê em português, atualmente você. Tal como relatam diversos
trabalhos (p. ex., FARACO, 1996, entre outros), a construção Vossa Mercê era
uma forma de tratamento exclusiva para o rei no século XV (contexto original,
estágio I, segundo a proposta de Heine). Verificou-se, entretanto, um intenso
e relativamente acelerado processo de extensão dessa forma, de modo que já
no século XVI há registros de seu uso para referir a pessoas comuns, sem
qualquer título de nobreza, como um mero tratamento respeitoso (estágio II,
contexto-ponte). Nos tempos mais recentes, principalmente no Brasil do século
XX, o uso de você (já bastante modificado em termos fonéticos,
86
morfossintáticos e semânticos) estendeu-se a tal ponto que passou a ser
empregado como expressão do eixo da intimidade (estágio III, contexto de
mudança), ocupando, em muitos dialetos, o lugar do pronome tu,
historicamente relacionado a tal eixo (estágio IV, convencionalização) (vide
levantamento de Scherre et al., 2015).
Em dados mais recentes do PB, verificamos um novo movimento de
extensão envolvendo outra forma pronominal: o clítico te. Esse item,
empregado com função acusativa e/ou dativa, é originalmente relacionado ao
pronome tu e, por isso mesmo, esteve, em boa parte da história do português,
restrito ao eixo da intimidade. Todavia, a partir da segunda metade do século
XX, já encontramos dados que ilustram a extensão de te em contextos de
menor intimidade e proximidade entre os interlocutores. Na atualidade, não é
raro ouvir, por exemplo, de um operador de telemarketing uma frase como “O
senhor pode informar o melhor horário para eu estar te ligando?”, ou mesmo
de um funcionário do banco algo do tipo “A senhora pode aguardar sentada
que o gerente já vai te atender”. Exemplos como esse ilustram a extensão
contextual que ocorre em relação ao uso do clítico te.
Relacionado à extensão, temos o princípio da especialização, proposto
por Hopper (1991), segundo o qual o processo de gramaticalização envolve “o
estreitamento de opções para se codificar determinada função, à medida que
uma dessas opções começa a ocupar mais espaço porque mais
gramaticalizada” (GONÇALVES; CARVALHO, 2007, p. 82). Dito de outro modo,
a extensão contextual por que passa uma construção em vias de
gramaticalização reduz, gradativamente, a sua opcionalidade, isto é, o seu
emprego eventual e “criativo”, encaminhando-a para o que Lehmann (1985)
rotula como obrigatoriedade. Hopper (1991), entretanto, destaca que a
especialização “corresponde mais especificamente ao processo envolvido, já
que é somente nos estágios finais de gramaticalização que o uso de uma forma
se torna obrigatório” (p. 25).
A gramaticalização das formas de tratamento no português parece
envolver a especialização das construções em jogo na marcação da referência
ao interlocutor, isto é, na codificação das informações procedurais de pessoa
(2ª) e número (singular). Se analisarmos as formas de tratamento stricto
87
sensu, perceberemos que elas codificam informações para além dos traços de
pessoa e número, na maioria dos casos relacionadas às funções socioculturais
dos seres referidos (p. ex., Vossa Majestade para reis e rainhas, Vossa
Eminência para cardeais, Vossa Magnificência para reitores de universidades
etc). Por outro lado, vemos que a forma gramaticalizada você não veicula
outras informações (ao menos na maioria dos dialetos brasileiros) além de
2SG18.
Fato semelhante (talvez menos evidente do que o exemplo anterior)
parece ocorrer com o clítico te. Embora esse item nunca tenha veiculado
informações tão específicas quanto aquelas observadas diacronicamente para
você, ele esteve restrito, na maior parte da história da língua, a situações
comunicativas marcadas pela intimidade ou proximidade entre os
interlocutores. Sendo assim, podemos pensar que, em outras fases da língua,
a sua ocorrência veiculava mais do que simplesmente a referência de 2SG,
pois sinalizava também maior contato ou familiaridade entre os falantes. Nos
usos mais recentes, contudo, essa informação não parece ser mais totalmente
verdadeira, haja vista que te pode ocorrer em contextos com maior
distanciamento e menor intimidade entre os interlocutores (o que, cabe
destacar, não parece despertar qualquer incômodo no interlocutor tratado por
te), o que tomamos como evidência da especialização desse item na codificação
da informação de 2SG, à semelhança dos marcadores gramaticais de
concordância.
Outro princípio essencial para os estudos de gramaticalização é o da
decategorização. Tal princípio, explorado por diversos autores como Hopper
(1991) e Heine (2003), “remete à perda, por parte da forma em processo de
gramaticalização, dos marcadores opcionais de categorialidade e de
autonomia discursiva” (GONÇALVES; CARVALHO, 2007, p. 84). Uma
determinada forma ou construção decategoriza quando perde ou neutraliza
marcas morfológicas e traços sintáticos, típicos das categorias mais lexicais
18 Nesse caso, estamos nos referindo especificamente aos contextos de referência definida,
nos quais o interlocutor é claramente identificado. Descartamos, portanto, os contextos em
que você pode ser um sujeito indeterminado, semelhantemente a um pronome expletivo. É no
âmbito da referência definida que você teria assumido um caráter generalizante, veiculando a informação de 2SG mais ampla, pouco marcada, diferentemente das outras formas de
tratamento stricto sensu, que são específicas para determinados interlocutores.
88
(como nomes e verbos). É nesse sentido que Heine (2003, p. 579) caracteriza
decategorização como a “perda de propriedades morfossintáticas
características das formas-fonte”. No quadro 3.2, reproduzimos as
propriedades morfossintáticas que, segundo Heine e Song (2011), são
perdidas pelas construções em gramaticalização/gramaticalizadas:
PROPRIEDADES SALIENTES DA DECATEGORIZAÇÃO
(a) Perda da habilidade de ser flexionado
(b) Perda da habilidade de admitir morfologia derivacional
(c) Perda da habilidade de receber modificadores
(d) Perda de independência como uma forma autônoma, aumento de dependência de
alguma outra forma
(e) Perda de liberdade sintática (por exemplo, da habilidade de se mover dentro da sentença)
(f) Perda da possibilidade de ser retomado anaforicamente
(g) Perda de membros pertencentes à mesma classe gramatical
Quadro 3.2 – Propriedades salientes da decategorização verificadas em construções
em gramaticalização/ gramaticalizadas. (Adaptado de HEINE; SONG, 2011, p. 593)
Embora, à primeira vista, o princípio da decategorização pareça envolver
tão somente perdas estruturais nas construções analisadas, o mais coerente
seria interpretá-lo como um processo de neutralização de marcas
morfossintáticas da categoria-fonte e adoção de propriedades da categoria-
alvo. Em outras palavras, trata-se de um princípio que lida com a transição
das construções entre as categorias linguísticas, conforme ilustram os
conhecidos clines, representações esquemáticas da trajetória percorrida pelas
construções em gramaticalização na língua. A partir das propriedades
morfossintáticas que identificamos como pertencentes às categorias X ou Y é
que falamos em decategorização, numa espécie de “sistema de perdas e
ganhos”.
No que diz respeito à decategorização das formas de tratamento no
português, Lopes (2008) avalia a aplicação desse princípio na gramaticalização
de Vossa Mercê > você:
(...) não houve perda completa dos traços categorias originais
(expressão nominal de tratamento) e muito menos a assunção
definitiva de propriedades da nova classe (pronome de 2ª pessoa) da qual você passou a fazer parte. Criaram-se assim algumas
incompatibilidades entre as propriedades formais e as semântico-
discursivas. Com a inserção de você no quadro pronominal do
português, percebe-se a persistência da especificação original de 3a
pessoa, embora a interpretação semântico-discursiva passe a ser de
2a pessoa [-EU]. (LOPES, 2008, p. 57).
89
De fato, se focalizarmos os aspectos estritamente morfossintáticos da
decategorização, poucas propriedades foram perdidas na passagem de Vossa
Mercê a você. Este último, ainda hoje, admite flexão de número (vocês) e goza
de relativa liberdade sintática. Cumpre ressaltar, todavia, que certas
propriedades típicas dos sintagmas nominais foram perdidas com a
“cristalização” da construção Vossa Mercê, dentre as quais destacamos a
perda de referencialidade (isto é, da capacidade dos nomes de denotar seres
do mundo biossocial). Além disso, as alterações estruturais que envolvem a
gramaticalização de pronomes nem sempre são tão visíveis como aquelas que
se verificam para outras categorias linguísticas. Trataremos dessa questão na
subseção 3.1.3.
Se as modificações morfossintáticas em torno da forma você já não se
fazem tão nítidas, um quadro ainda mais complexo e menos perceptível pode
ser observado com relação à gramaticalização do clítico te em afixo. Consoante
discutiremos na próxima subseção, as diferenças entre clíticos e afixos são
extremamente tênues, haja vista que ambos representam categorias bastante
gramaticais. Em geral, os estudiosos de gramaticalização costumam
mencionar como principal critério de diferenciação a mobilidade sintática, já
que os clíticos podem ocorrer em posições variáveis em relação ao item com o
qual se relaciona, ao passo que os afixos ocorrem sempre na mesma posição.
Essa é uma das evidências apontadas por Lopes, Souza e Oliveira (2013) no
que se refere ao clítico te. Os autores observam que esse item “se manteve com
o apoio estrutural da sua posição proclítica de adjacência ao verbo e por seu
caráter eminentemente dêitico” (p. 393), o que promoveu a sua fixação e fez
com que ele passasse a “funcionar como um afixo marcador da 2ª pessoa”.
Outra evidência discutida por Lopes, Souza e Oliveira (2013) é a
ocorrência de construções de redobro, como as exemplificadas em (22-24)19.
Os pesquisadores fazem menção ao trabalho de Machado Rocha (2011), que
salienta o fato de que “A coocorrência da forma te com o pronome você indica
que o antigo clítico não possui mais o estatuto de argumento e que, por isso,
é interpretado de outra maneira” (p. 119).
19 Exemplos adaptados de Machado Rocha (2011).
90
(22) Eu vou te levar você lá.
(23) Deixa eu te perguntar pra você um negócio.
(24) Eu vou te falar com você uma coisa.
Como destaca o autor, seria ilógico pensar que, nessas construções, um
mesmo verbo predicador (levar, perguntar e falar, nos exemplos anteriores)
seleciona dois complementos com a mesma função sintática (acusativo, dativo
e oblíquo, nesta ordem, para os exemplos dados). Diante disso, Machado
Rocha (2011) propõe a hipótese de que a forma te recebe uma interpretação
de prefixo de concordância, codificando o traço de [+destinatário]. As
construções com redobro ilustram, portanto, outra propriedade das formas
clíticas (ao menos as pronominais) que é perdida quando as mesmas se
tornam afixos: a capacidade de marcar caso/função sintática.
Antes de encerrar a presente subseção, cabe comentar ainda o papel
primordial da repetição, ou melhor, da frequência de uso nos processos de
gramaticalização. A grande autoridade nesse assunto, no âmbito dos estudos
de gramaticalização, é, sem dúvida, Joan Bybee. A linguista registra uma
vasta bibliografia acerca da importância da frequência para os fenômenos de
gramaticalização. Bybee (2003) defende que “a frequência não é apenas um
resultado da gramaticalização, mas é também um contributo primário do
processo, um princípio ativo que instiga as mudanças que ocorrem em
gramaticalização.”20 (p. 602). Dentro dessa ótica, Bybee considera que a
frequente repetição de uma forma ou construção da língua exerce um papel
central nas mudanças relacionadas à gramaticalização, tais como: (i)
enfraquecimento do conteúdo semântico, (ii) mudanças fonológicas, reduções
e fusões fonéticas e (iii) aumento de autonomia da construção.
A autora destaca, também, o fato de que as formas e construções mais
gramaticais costumam registrar uma frequência extremamente alta, em
comparação com as formas e construções mais lexicais. A partir dessa
observação, Bybee comenta que um fator marcante nos fenômenos de
gramaticalização é justamente o aumento drástico na frequência de uso.
20 Do original, em inglês: “Frequency is not just a result of grammaticization, it is also a
primary contributor to the process, an active force in instigating the changes that occur in grammaticization”.
91
Assume-se, pois, que a elevação significativa nos índices de ocorrência de uma
determinada construção pode ser indício de um processo de gramaticalização
em curso.
Além de atuar significativamente sobre os processos de mudança, Bybee
afirma ainda que a frequência de uso é responsável pela reestruturação
constante da gramática. De acordo com o seu ponto de vista, “(...) a alta
frequência de uso leva à convencionalização e à posterior elaboração,
enquanto a frequência de uso muito baixa leva à inaceitabilidade e à perda
eventual.” (BYBEE, 2016 [2010], p. 330). Seguindo essa linha de raciocínio,
os efeitos da frequência, segundo a autora, repercutiriam também no
processamento linguístico dos falantes. Para ela, a frequência de ocorrência
de construções na língua seria capaz de explicar, por exemplo, os resultados
de experimentos psicolinguísticos envolvendo julgamentos de aceitabilidade:
(...) julgamentos de aceitabilidade em uma língua são baseados na
familiaridade, a qual se apoia em dois fatores: a frequência de uma
palavra, construção ou sintagma específico, e semelhança com palavras, construções ou sintagmas existentes. Itens serão julgados
como aceitáveis na medida em que são frequentes na experiência do
sujeito ou semelhantes a itens frequentes. (BYBEE, 2016 [2010], p.
330).
Dentre os estudos sobre as formas de tratamento do português, em
particular naqueles que exploram a pronominalização da forma você, o papel
da frequência de uso é visto como fundamental. Lopes (2009), por exemplo,
sublinha a importância da repetição para a gramaticalização de Vossa Mercê
> você, uma vez que a alta frequência de uso impulsionou diversas mudanças
nessa construção, como a erosão fonética e o “desbotamento semântico”,
possibilitando a sua generalização como expressão pronominal recorrente: “a
frequência de uso desgasta obviamente o propósito comunicativo inicial de
cortesia, de tratamento ao rei, de deferência. Nesse processo de mudança, os
itens ou construções lexicais (possessivo+nome abstrato) perdem algumas
propriedades originais e assumem outras (...)” (LOPES, 2009, p. 52).
A mesma relevância é dada à frequência de uso por Lopes, Souza e
Oliveira (2013) ao proporem que o clítico te teria se tornado, no PB, um afixo.
Aliás, a hipótese dos autores fundamenta-se justamente na alta recorrência
desse item em diferentes corpora: “a alta frequência de uso do referido clítico
92
frente a outras formas utilizadas para a posição de complemento pronominal
favoreceu a uma automação da estrutura/construção como marca de segunda
pessoa do singular.” (LOPES; SOUZA; OLIVEIRA, 2013, p. 377). Após
resenharem resultados de pesquisas diacrônicas e sincrônicas, que
evidenciam a alta frequência do padrão te+verbo, o autores ratificam a forte
correlação entre frequência e o processo de gramaticalização de te em afixo:
Defendemos (...) que existe uma relação direta entre frequência de uso de formas ou construções e gramaticalização, por assumir que a
gramática codifica o que os falantes mais empregam. (...) A alta
frequência do te em posição proclítica, mesmo na produção escrita de
brasileiros ao longo dos séculos XIX e XX, foi o gatilho da
decategorização de um clítico que se fixa em determinada posição
perdendo, assim, sua liberdade morfossintática. (LOPES; SOUZA; OLIVEIRA, 2013, p. 392)
Em síntese, procuramos destacar nesta subseção os princípios teóricos
(na atualidade, já considerados “clássicos”) que geralmente são mencionados
nas descrições dos fenômenos em gramaticalização. Para o tema específico da
presente tese, na qual defendemos que a forma te se encontra em um estágio
de gramaticalização mais avançado do que os outros clíticos que podem atuar
na referência à 2SG (lhe e o/a), acreditamos que os conceitos de extensão,
especialização e decategorização são os mais pertinentes para analisarmos e
explicarmos teoricamente os resultados obtidos a partir da aplicação dos
experimentos desenvolvidos. Embora não seja um parâmetro diretamente
aplicável aos nossos dados, assumimos que a frequência de uso também seja
capaz de justificar o comportamento dos participantes diante de sentenças
que tragam, por exemplo, o clítico o/a como estratégia de referência a 2SG,
algo raríssimo no PB, principalmente na modalidade falada.
Um ponto, entretanto, ainda precisa ser esclarecido: que traços –
morfológicos, sintáticos, semânticos, discursivo-pragmáticos – diferenciam os
elementos linguísticos rotulados como clíticos daqueles que são interpretados
como afixos? Quais são critérios utilizados pelos estudos de gramaticalização
para diferenciar duas categorias tão próximas entre si? Como evidenciar as
propriedades perdidas/adquiridas por um item já gramatical que se torna
ainda mais gramatical? Discutimos alguns aspectos relativos a esse problema
na próxima subseção.
93
3.1.2 A trajetória clítico > afixo
Apesar de ser amplamente mencionada por diversos estudos de
gramaticalização, a trajetória de decategorização clítico > afixo é pouco
explorada e efetivamente discutida nos trabalhos sobre o tema. O fato de essas
categorias linguísticas representarem estágios altamente avançados de
gramaticalização certamente dificulta a identificação de fatores que auxiliem
a caracterização das construções gramaticais como [+clíticas] ou [+afixais].
Alguns linguistas, como Givón (2001), salientam que “a diferença
existente entre marcas flexionais, afixos e clíticos é essencialmente diacrônica,
tendo a ver com a idade do morfema” (p. 54). Segundo essa perspectiva, o
primeiro estágio no surgimento de um morfema a partir de uma palavra lexical
seria a cliticização, através da qual o novo morfema perde sua tonicidade e se
vincula a uma forma lexical adjacente dentro da construção em que ele
emerge. Na continuação desse processo evolutivo, o clítico pode se tornar um
afixo. Segundo Givón, “isso ocorre quando sua posição deixa de ser definida
em termos de uma construção e se estabiliza em um tipo de palavra particular
(nome, verbo, adjetivo, advérbio). E, além disso, ele aparece agora em uma
ordem fixa com outros morfemas vinculados a essa palavra. (GIVÓN, 2001, p.
55).
Hopper e Traugott (2003) também admitem que, nos estágios mais
avançados de gramaticalização, as formas clíticas tenderiam a se tornar
afixos. Em uma “excessiva simplificação”, os autores sugerem o cline
reproduzido em (25) e denominam esse acentuado estágio da gramaticalização
de morfologização. Eles reconhecem, ainda, que os clíticos têm um papel
central no estabelecimento dos tipos de estruturas que passam por
morfologização e destacam que “é a colocação sintática frequente de uma
classe de palavras particular (...) com um tipo de clítico particular (...) que
mais comumente leva à morfologização” (HOPPER; TRAUGOTT, 2003, p. 142).
(25) item lexical em um contexto sintático específico > clítico > afixo
94
Heine e Kuteva (2007) se aliam a essa mesma visão, observando que as
formas morfológicas descritas como marcadores de concordância, via de regra,
resultam de processos em que categorias funcionais com função menos lexical
ou gramatical são dessemantizadas (passam a sinalizar relações sintáticas
entre palavras e sintagmas) e decategorizadas, “perdendo seu status
independente e tornando-se clíticos ou afixos” (p. 95). O exemplo mencionado
pelos autores é justamente o de pronomes pessoais que se tornam clíticos ou
afixos verbais obrigatórios. No caso da gramaticalização de pronomes-sujeito,
eles analisam que
Os pronomes pessoais existentes podem ser substituídos por um conjunto de novos pronomes pessoais, mas sobrevivem como clíticos
ou afixos verbais, embora não tenham mais função distintiva, uma vez
que as distinções de dêixis pessoal passam a ser expressas pelo novo
conjunto de pronomes pessoais. A única função que os antigos
pronomes podem ter é de expressar correferência com o sujeito
pronominal ou nominal, isto é, marcar concordância entre o sujeito e o verbo. (HEINE; KUTEVA, 2007, p. 96).
Sobre a ocorrência do mesmo fenômeno envolvendo os pronomes-objeto,
os pesquisadores destacam que “embora seja menos comum, praticamente o
mesmo processo também pode levar à concordância de objeto, na qual os
pronomes em função de objeto tornam-se marcadores verbais obrigatórios” (p.
97). Acerca da distinção categorial entre clíticos e afixos, os autores nada
mencionam.
Em se tratando especificamente dos clíticos, os autores afirmam que
essa palavra tem sido empregada para se referir “a um conjunto de formas
átonas que tendem a estar vinculadas a uma forma acentuada (conhecida
como “hospedeiro”)” (HOPPER; TRAUGOTT, 2003, p. 142). Em termos
funcionais, os clíticos apresentam duas características consistentes com seu
status de unidades parcialmente gramaticalizadas: a dependência contextual
e a significado mais genérico. “Frequentemente, eles têm funções cujos
homólogos mais próximos em outras línguas são claramente gramaticais, tais
como aspecto, modalidade, caso e referência a participantes (p. ex., pessoa e
número).” (HOPPER; TRAUGOTT, 2003, p. 143).
No que tange aos critérios para a diferenciação entre clíticos e afixos, já
mencionamos anteriormente que a perda da mobilidade da construção é um
95
parâmetro básico. Ainda que disponham de uma liberdade sintática bastante
restrita, os clíticos costumam apresentar um posicionamento variável em
relação ao seu hospedeiro. Por outro lado, considera-se que afixos são
elementos mais rígidos sintaticamente, e, por isso, ocorrem sempre na mesma
posição em relação à palavra de que dependem.
Outros parâmetros podem ser mencionados, principalmente se
levarmos em conta a natureza pronominal das formas que analisamos (os
clíticos de 2SG). A seletividade categorial costuma ser bastante citada pelos
estudiosos do assunto. Segundo Siewierska (2004, p. 27) “enquanto que
formas presas se vinculam somente a um tipo particular de palavra (...),
clíticos não são restritos dessa forma. Eles se vinculam não só a um radical
particular, mas também a sintagmas e/ou posições sintáticas especializadas”.
Esse é, inclusive, um critério definitivo para a autora mencionada. Enrique-
Arias (2003) também faz menção a esse critério, afirmando que afixos são mais
especializados e integrados à estrutura morfológica de certas classes lexicais.
Além desse parâmetro, Enrique-Arias (2003) assinala outros com o
propósito de evidenciar que as formas átonas pessoais de objeto no espanhol
“estão mais próximas do que translinguisticamente se entende por afixo que
do que se entende por clítico” (GARCÍA SALIDO, 2011, p. 109). Reportaremos
aqui dois desses critérios que, segundo a nossa perspectiva, dialogam melhor
com o fenômeno do PB. São eles: (i) a impossibilidade de inserir elementos
entre um afixo e o tema verbal e (ii) a neutralidade dos afixos em relação a
aspectos discursivos e sintáticos da oração em que ocorrem. A seguir,
exibimos alguns comentários do autor acerca da aplicabilidade desses
critérios à língua espanhola e procuraremos traçar um paralelo da mesma
com o português.
Sobre a inserção de itens linguísticos entre as marcas pessoais de objeto
e o verbo no espanhol contemporâneo, Enrique-Arias (2003) ressalta que
nenhum outro elemento pode intermediá-los nos casos de anteposição (ou
seja, Clítico-verbo), e apenas outros afixos flexionais podem ocorrer entre
ambos nos casos de posposição (Verbo-clítico). O autor destaca que as
referidas restrições evidenciam o alto grau de dependência dessas formas em
96
relação ao tema verbal, afirmando ainda que o mesmo não se sucede em
outras línguas ou em outras etapas da história da língua espanhola.
Tal restrição aproxima a língua portuguesa da língua espanhola. No
português atual, não se verifica o fenômeno da interpolação, isto é, a não-
contiguidade entre o clítico e o verbo ocasionada pela presença de um
elemento interveniente (“interpolado”). De acordo com Lopes et al. (2017, p.
257), “o português medieval permitia a interpolação de constituintes de
diversas naturezas entre o clítico e o verbo, como o sujeito, o advérbio de
negação não, elementos de natureza adverbial, e, mais raramente,
complementos verbais”. Por volta do século XV, a possibilidade de interpolação
de constituintes desaparece, tendo permanecido apenas para o advérbio de
negação não. A interpolação de não persiste até hoje apenas na variedade
europeia do português. Sendo assim, parece plausível pensar, a partir do
respectivo critério, que houve um aumento, ao longo da história do português,
na dependência estrutural dos clíticos pronominais, tal como Enrique-Arias
descreve para o espanhol, o que reforçaria uma interpretação desses itens
como [+afixais].
O outro critério mencionado por Enrique-Arias (2003) a ser destacado é
o da neutralidade das marcas pessoais quanto a certos aspectos discursivos
e sintáticos da oração em que ocorrem. Segundo o autor, em espanhol a
distribuição das marcas pessoais de objeto depende exclusivamente de
aspectos morfológicos relacionados ao verbo com o qual se ligam, a saber: se
o verbo está na forma infinitiva ou finita e, neste último caso, se a forma é
imperativa ou não. Ele comenta que as marcas pessoais equivalentes em
outras línguas, como o galego e o português europeu (ou ainda, no espanhol
antigo) dependem da natureza sintático-discursiva da oração em que ocorrem
(se ela é subordinada, se é introduzida por um pronome indefinido, se o
constituinte inicial é um elemento focalizado etc).
Novamente, temos um ponto de contato entre espanhol e português
(neste caso, o português brasileiro). Conforme já mencionamos em outros
momentos do presente trabalho, diferentes pesquisadores assinalam a
predominância da próclise verbal como um traço característico do PB. Lopes
et al. (2017) comentam que
97
A partir do século XVI, os colonizadores portugueses trouxeram
possivelmente para cá a variação clítico-verbo e verbo-clítico, com
tendência à próclise típica do português clássico. Aqui a ordem
proclítica parece ter se fixado e generalizado, tornando-se dominante nos contextos que são de ênclise obrigatória no português europeu, como é o caso de verbo em posição inicial absoluta. (LOPES et al., 2017, p. 258) [grifos nossos]
Destacamos da citação anterior um aspecto bastante relevante para o
critério em discussão. Embora saibamos que a colocação pronominal no PB é
uma questão bastante complexa, é digno de nota que a próclise prevaleça,
nesta variedade, em contextos sintático-discursivos tão marcados, como é o
caso do início absoluto de oração/período. Dito de outro modo, podemos
pensar que, no PB, as marcas pessoais de objeto seriam indiferentes a certas
propriedades estruturais da oração em que ocorrem. Independentemente da
configuração sintático-discursiva da sentença, a colocação da forma clítica
será anteposta ao verbo.
Para além dos critérios descritos, comentaremos ainda duas
propriedades típicas dos afixos, em específico dos prefixos, apontadas por
Gonçalves (2012). Apesar de o enfoque do autor recair sobre os afixos
derivacionais, julgamos ser possível uma aproximação entre as unidades
morfológicas analisadas como prefixos formadores de palavras e o clítico te
(interpretado como um afixo flexional) no que se refere a certos aspectos
semânticos e pragmáticos. Em primeiro lugar, Gonçalves (2012, p. 156) afirma
que prefixos “atualizam significados mais largos (têm menor densidade
semântica)” e, nesse aspecto, diferem substancialmente dos sufixos, que
podem veicular conteúdos semanticamente mais densos. Noções como
“ausência, negação”, “intensidade” e “repetição” são, portanto, típicas dos
formativos prefixais. Ao apreciarmos o comportamento do pronome te no PB,
verificamos que, após sofrer extensão pragmática (deixando de marcar
nuances mais específicas como [+intimidade] e [+simetria]), esse item passou
a veicular uma noção gramatical bastante geral e recorrente (2SG), à
semelhança dos prefixos propriamente ditos.
Outra propriedade mencionada por Gonçalves (2012) e pertinente para
a nossa hipótese é a reduzida capacidade dos prefixos para exercer finalidades
98
expressivas ou, nas palavras de Basílio (1987), desempenhar função
discursiva: “a sufixação pode servir como veículo para o falante exteriorizar
sua impressão a respeito de algo ou alguém; a prefixação, ao contrário, quase
nunca é utilizada com essa finalidade.” (GONÇALVES, 2012, p. 151-152).
Tendo em vista que a prefixação costuma acionar sentidos mais gramaticais,
ela “dificilmente revela o impacto pragmático do falante em relação ao
enunciado, ao referente ou ao interlocutor (...)” (p. 152). Tal qual os prefixos
legítimos, defendemos que a forma te é neutra do ponto de vista expressivo,
uma vez que não marca aspectos mais pragmáticos relativos à oposição
informalidade x formalidade, como procuraremos mostrar.
De um modo geral, é preciso salientar que os critérios comumente
utilizados para distinguir clíticos de afixos (mencionamos aqui aqueles que
julgamos ser os principais) estão longe de ser suficientes e decisivos.
Explorando especificamente os clíticos pronominais do português,
percebemos que alguns critérios são pouco informativos e esclarecedores,
como é o caso da mobilidade sintática e da impossibilidade de interpolação:
sabemos que, no PB, nenhum clítico admite interpolação e a maioria deles
ocorre preferencialmente anteposta ao verbo.
Diante desse quadro, aumenta a necessidade de uma investigação
experimental, posto que, se admitimos que existem diferenças estruturais
entre duas categorias, é plausível pensar que essas diferenças se reflitam na
percepção dos falantes, em termos de processamento. Será para esse aspecto
mais cognitivo, até então praticamente inexplorado nos estudos referentes ao
PB, que daremos maior ênfase nas análises desenvolvidas no âmbito desta
tese.
Antes de dedicarmos algumas linhas deste capítulo para essa questão,
trataremos ainda de mais alguns pontos atinentes à gramaticalização.
Apresentamos, na sequência, certas particularidades relacionadas à
gramaticalização de pronomes pessoais.
99
3.1.3 Gramaticalização de pronomes pessoais
Aos revisarmos os inúmeros estudos já realizados acerca dos fenômenos
de gramaticalização, observamos um fato assinalado por Heine e Song (2011,
p. 587): “ao contrário da maioria dos outros domínios gramaticais, o [domínio]
dos pronomes pessoais é claramente subestimado nos trabalhos sobre
gramaticalização”. Essa observação é verdadeira sobretudo em relação às
investigações que exploram trajetórias de mudança do tipo “pronome pessoal
> forma mais gramatical”, destacadamente na língua portuguesa.
Os referidos autores salientam três razões que explicam essa
“subestimação”. A primeira delas diz respeito à relativa estabilidade diacrônica
dessa categoria linguística: os marcadores da dêixis pessoal pertencem às
partes mais conservadoras da gramática, o que faz com que sejam menos
instáveis diacronicamente. A possibilidade de rastreamento etimológico
dessas formas, em muitos casos, ilustra esse caráter [+conservador] da classe.
A segunda razão está relacionada com a própria semântica veiculada pelos
pronomes pessoais; eles exprimem “um significado esquemático que pode ser
descrito de forma bastante exaustiva em termos de algumas distinções
conceituais elementares, sobretudo relativas à dêixis pessoal e ao número”
(HEINE; SONG, 2011, p. 589). Em outras palavras, os pronomes pessoais
constituem, por natureza, uma categoria “dessemantizada”, com baixa
densidade semântica. A terceira razão relaciona-se com o fato de os pronomes
pessoais terem um potencial categorial mais restrito que outras categorias
mais lexicais, não sendo facilmente combinados, por exemplo, com elementos
modificadores ou afixos (flexionais e derivacionais).
Em outras palavras, o domínio dos pronomes pessoais seria menos
estudado segundo os pressupostos da gramaticalização porque são formas
que sofrem menos alterações ao longo do tempo, uma vez que possuem
propriedades que os identificam mais com o âmbito da gramática do que com
o âmbito do léxico. Parâmetros mais tradicionais nos estudos de
gramaticalização, como a dessemantização e a decategorização, se mostram
pouco informativos, já que, como apontam Heine e Song (2011), pronomes
pessoais naturalmente veiculam significados mais gramaticais e apresentam
100
uma série de limitações morfossintáticas. Sendo assim, o referido domínio
funcional parece, à primeira vista, pouco interessante e atrativo para se
desenvolver uma análise pelo viés da gramaticalização.
Essa impressão é, contudo, ilusória. O fato de parâmetros
“consagrados” serem pouco informativos não significa que uma análise pela
ótica da gramaticalização seja inviável (talvez seja mais coerente revisar tais
parâmetros ou mesmo formular outros novos, que explorem outros aspectos,
tais como o processamento cognitivo); afinal, consta da definição tradicional,
desde Kurylowicz, que “formas já gramaticais podem se tornar ainda mais
gramaticais”. Por essa razão, mencionaremos a seguir dois estudos (um deles
considerado, atualmente, clássico) que exploraram a trajetória pronomes
pessoais > afixos em outras línguas românicas. Em seguida, destacaremos a
importância dos fatores sociopragmáticos para o estudo da gramaticalização
de formas de tratamento.
- A gramaticalização de pronomes pessoais em francês
Em seu clássico estudo, Lehmann (1985), ao analisar a gramaticalização
da referência pronominal, propõe o continuum reproduzido na Figura 3.1.
Segundo a proposta do autor, as formas pronominais situadas à esquerda do
polo são menos gramaticalizadas e funcionam como anáforas textuais; as
formas localizadas no meio da escala tendem a atuar como anáforas
sintáticas; por fim, as formas que se encontram mais à direita do continuum
funcionam, em geral, como marcadores de concordância, “principalmente
entre o verbo e seus actantes” (LEHMANN, 1985, p. 309).
nome
esvaziado
lexicalmente
>
pronome
pessoal
livre
>
pronome
pessoal
clítico
>
afixo
pessoal
aglutinativo
>
afixo
pessoal
fusional
1 2 3 4 5
Figura 3.1 – Gramaticalização da referência pronominal: proposta de continuum (Adaptado de LEHMANN, 1985, p.309)
Lehmann (1985) demonstra a aplicabilidade do referido continuum ao
analisar a evolução observável do latim para as línguas românicas quanto ao
quadro de pronomes pessoais. Conforme ele destaca, havia na língua latina
101
pronomes pessoais livres (posição 2) e sufixos pessoais (entre as posições 4 e
5), ilustrados pelos exemplos em (26a) e (26b), respectivamente21:
(26) a. ego, tu, is (“eu, tu, ele”)
b. vide-o/-s/-t (“eu vejo/ tu vês/ ele vê”)
O autor ressalta que “o conjunto de pronomes pessoais [herdados do
latim] (...) tem perdido sua autonomia, em diferentes línguas e em diferentes
graus” (LEHMANN, 1985, p. 310). A título de exemplificação, menciona
especificamente o caso do francês, língua em que, segundo o mesmo, os
pronomes pessoais se converteram em afixos pessoais aglutinativos do verbo,
atuando de maneira semelhante à dos prefixos:
(27) je vois, tu vois, Il voit (“eu vejo, você vê, ele vê”)
(28) moi, toi, lui (“eu, você, ele”)
Dentro dessa linha de análise, os antigos sufixos pessoais latinos teriam
se reduzido em maior grau em francês, “onde eles estão além do estágio 5 e à
beira de extinção” (LEHMANN, 1985, p. 310). Paralelamente a esse processo,
o autor destaca, ainda, o fato de o francês contemporâneo ter criado um novo
conjunto de pronomes pessoais livres a partir do reforço fonológico de certas
formas herdadas do latim, exemplificadas em (28). Desse modo,
Isto significa que a distribuição de dispositivos na escala (...) que havia
em latim está sendo restaurada em francês: embora as formas
estruturais herdadas tenham se gramaticalizado, novamente temos pronomes pessoais livres e afixos pessoais, como se tinha em latim.
(LEHMANN, 1985, p.310)
O caso apresentado por Lehmann, resumidamente descrito acima,
representa um exemplo concreto da trajetória de mudança postulada por
Heine e Kuteva (2007) acerca das formas pronominais, mencionada na
subseção anterior. Trata-se, evidentemente, de um caso que envolve a função
de sujeito, contexto em que, segundo os autores, esse tipo de gramaticalização
é mais passível de acontecer. Encontramos um exemplo que segue a mesma
trajetória, porém envolvendo pronomes-objeto, no espanhol, o qual passamos
a descrever na sequência.
21 Os exemplos (26)-(28) foram extraídos de Lehmann (1985, p. 309-310). Os grifos são nossos.
102
- A gramaticalização de pronomes pessoais em espanhol
Company (2010), ao observar diacronicamente o objeto indireto no
espanhol, constata que, inicialmente, o clítico dativo le(s) – que integra a
construção de “redobro” ou “duplicação de objeto” – consistia em uma
estratégia pragmática através da qual uma entidade já conhecida, mas
importante dentro do discurso, era reinserida na predicação da oração.
Segundo a autora, a força anafórica de le(s) foi enfraquecida devido à
proximidade sintagmática entre o clítico e o objeto indireto dentro da mesma
construção e à dupla menção ao mesmo referente na sentença. Esses fatores
teriam convertido o clítico em uma “anáfora fraca” (COMPANY, 2010, p. 50).
O processo de gramaticalização tem lugar, pois, a partir desse contexto. Nas
palavras da autora,
A constante coocorrência do clítico dativo e do objeto indireto na
ordem não marcada V-OI desgastou o caráter pragmático-discursivo
original da duplicação e a tornou uma estratégia gramatical para
indicar simplesmente que um determinado verbo leva, em uma
determinada oração, um argumento OI. O clítico le(s) é uma marca que anuncia ao falante-ouvinte que deve encontrar ou decodificar um
OI na estrutural argumental. (COMPANY, 2010, p. 51-52)
Company (2010) ressalta ainda o fato de que o objeto indireto plural
duplicado pode aparecer ou não com a marca de número no espanhol atual,
conforme ilustra o exemplo em (2922). Na interpretação da pesquisadora, “é
uma regra do espanhol que o pronome deva concordar em número com seu
referente (...), se não concorda, o clítico já não tem (...) status de pronome”
(COMPANY, 2010, p. 55):
(29) “Les dijeron a las mujeres que era imposible encontrar los cuerpos”.
“El contrato es inexistente y en ninguma forma puede darle validez a los contratos
posteriores de compraventa”.
A perda da flexão de número seria indicativa, para Company, do
processo de despronominalização do clítico; por seu turno, a
despronominalização indicaria que se operou a decategorização do pronome,
nos termos de Hopper (1991) e Heine (2003), visto que o clítico dativo
22 Exemplos em (29) foram extraídos de Company (2010, p. 55). Os grifos são da autora.
103
duplicador adquire o status de “um morfema de concordância objetiva do
verbo, uma espécie de conjugação objetiva afixada ao verbo que antecipa a
ocorrência de um OI” (COMPANY, 2010, p. 55). No referido estudo, Company
(2010) pontua, ainda, algumas alterações importantes ocorridas no processo
de gramaticalização da estrutura duplicada do objeto indireto em espanhol.
Dentre elas, destacamos: discursivo > gramatical, pronome > não pronome,
anáfora forte > anáfora quase fraca > anáfora fraca > marca de concordância
objetiva. Todas essas alterações exemplificam a atuação dos princípios e
mecanismos já comentados neste capítulo, a saber: extensão, especialização
e decategorização.
Verificamos, assim, através desses trabalhos citados, que não é inviável
analisar pronomes pessoais segundo a perspectiva da gramaticalização. Tanto
em francês como em espanhol, a decategorização marcas pessoais > afixos dos
antigos pronomes latinos encontra-se em estágio avançado, o que acreditamos
que torne mais evidente a ocorrência de gramaticalização. Não nos parece
impossível pensar que o clítico te esteja passando por um processo
semelhante, ainda em um estágio menos avançado do que o observado nas
línguas românicas destacadas.
- A gramaticalização de pronomes pessoais com referência ao interlocutor
Ao comentarem o processo de gramaticalização pronominal consoante
as pessoas do discurso, Heine e Song (2011, p. 600) afirmam que “os
pronomes de segunda pessoa do singular pertencem às partes
diacronicamente mais estáveis da gramática”. Todavia, destacam o comentário
de Hagège (1993) segundo o qual “presumivelmente na maioria das línguas do
mundo existe uma ou mais formas alternativas para eles”. (p. 600).
Consideramos essa afirmativa pertinente, uma vez que ela pode ser facilmente
verificada através de diferentes línguas, dentre as quais o português, em que
104
temos, contemporaneamente, pelo menos duas formas pronominais básicas23
de 2SG: tu e você.
A existência de formas alternativas para expressar a referência ao
interlocutor – na maioria dos casos, oriunda de processos de gramaticalização
– está intimamente relacionada, a nosso ver, com o que Sousa (2015)
denomina de função socializante da linguagem. Ao resgatar a proposta de
caracterização das funções da linguagem de Nuyts (1993), a autora ressalta
que “a linguagem permite ao usuário adequar-se a regras e normas existentes
para o relacionamento interpessoal e social com seu parceiro na interação”.
(SOUSA, 2015, p. 91). Nessa perspectiva, o relacionamento social entre os
participantes consiste em um fator relacionado
(...) às possibilidades e restrições determinadas pelos padrões sociais
e interpessoais que envolvem a situação comunicativa. Envolve um
complexo de normas, fixadas em parte por padrões estabelecidos socioculturalmente, em parte por padrões determinados pelo
relacionamento intersubjetivo dos participantes da interação, e que
são, em geral, relativos a polidez e deferência, poder, solidariedade,
prestígio, “face” dos interlocutores (...) etc. (SOUSA, 2015, p. 91)
Desse modo, os pronomes pessoais de 2ª pessoa, na medida em que
atuam discursivamente como formas de tratamento ao interlocutor, se
enquadram na referida função socializante. Isso pode ser visto como uma
importante motivação para que as línguas, em geral, apresentem (quase
sempre) mais de uma construção linguística que sirva para se referir à 2SG.
Assim, torna-se evidente a necessidade de analisar os aspectos
sociopragmáticos que marcam as formas de tratamento. Essa análise tem sido
a espinha dorsal dos estudos que procuram demonstrar o status [+gramatical]
de você no PB (cf. MACHADO, 2011; RUMEU, 2013), visto que quanto menos
condicionados os usos dessa forma estiverem aos aspectos sociopragmáticos
da construção original Vossa Mercê, mais gramaticalizado, portanto, ela
estaria.
Adotamos o mesmo raciocínio na apreciação das formas clíticas
pronominais com referência à 2SG, objeto de estudo da presente tese.
23 Essa enumeração é reducionista e se presta tão somente a exemplificar o que comentaremos
a seguir. Sabemos que, na prática, existe uma quantidade maior de formas variantes que estabelecem referência ao interlocutor no PB.
105
Defendemos que o clítico te, diferentemente dos clíticos lhe e o/a, converteu-
se em um afixo flexional no PB. A maior evidência que temos em relação a
essa gramaticalização, até então, – a partir do que podem nos informar os
dados de corpora – é justamente a “neutralidade” de te às “restrições
determinadas pelos padrões sociais e interpessoais que envolvem a situação
comunicativa”. Como já apontamos em parágrafos precedentes, esse item era
originalmente restrito a contextos de proximidade ou simetria entre os
interlocutores, denotando [+intimidade] entre os mesmos. No PB,
principalmente entre os séculos XIX e XX, observa-se uma extensão
pragmática desse pronome que vai ocasionar que, já em fins do século XX, ele
possa ocorrer em situações comunicativas pragmaticamente mais marcadas,
como interações comerciais e com relativo grau de formalidade (por exemplo,
a aula acadêmica).
Por esse motivo, o primeiro experimento elaborado durante o
desenvolvimento desta pesquisa envolveu justamente a observação dos
aspectos sociopragmáticos (cf. capítulo 4). Tendo em vista que essa dimensão
da língua possui estreita relação com as formas de tratamento propriamente
ditas e que a inobservância da atuação desses aspectos reforçaria a hipótese
de afixação de te, escolhemos iniciar nossas análises experimentais por esse
viés.
Para finalizar esta seção, salientamos que nosso objetivo, ao expor os
pressupostos gerais relativos aos estudos de gramaticalização, foi o de mostrar
de onde parte e em que princípios se baseia a hipótese central defendida na
presente tese. Embora não tenha recebido um espaço de destaque entre as
investigações da área, vimos que a possibilidade de analisar como
gramaticalização as alterações estruturais e semânticas sofridas por itens já
gramaticais, que os tornam ainda mais gramaticais, está presente na definição
do conceito há muito tempo. Pontuamos, ainda, que o trajeto evolutivo clítico
> afixo é amplamente referido dentre os estudiosos. Ainda carecemos,
contudo, de critérios capazes de ilustrar com clareza as propriedades
perdidas/adquiridas por uma dada forma linguística que deixa de ser
interpretada como clítico e passa a ser vista como afixo, apesar da existência
106
de trabalhos em outras línguas românicas que tenham identificado esse tipo
de mudança em relação aos pronomes pessoais, haja vista o estágio bastante
avançado de gramaticalização verificada nas mesmas. Diante disso, insistimos
na importância de os estudos de gramaticalização enveredarem pelo campo
da linguística experimental, a fim de obter dados de processamento que
auxiliem na análise de certos processos de mudança tão granulares, como é o
caso da mudança clítico > afixo. Discutiremos a respeito da viabilidade dessa
aproximação na próxima seção.
3.2 Gramaticalização e Processamento
Nos últimos anos, temos observado uma clara tentativa de aproximação
entre os estudos de gramaticalização e o processamento linguístico. Apesar de
os aspectos cognitivos sempre terem estado presentes dentre as motivações
que desencadeiam os fenômenos de mudança, somente na última década eles
passaram a ser mais explicitamente mencionados e discutidos pelos
estudiosos de gramaticalização. Um bom exemplo dessa tendência é a obra
Language, usage and cognition (2010), de Joan Bybee, traduzida recentemente
para o português com o título Língua, uso e cognição (2016). Neste livro, a
autora argumenta, dentre outras coisas, que existem processos cognitivos (de
domínio geral) que regulam os fenômenos estruturais observados na
gramática das línguas humanas:
Os processos a serem considerados entram em jogo em todos os casos
de uso da língua; é o uso repetitivo desses processos que tem impacto sobre a representação cognitiva da linguagem e, portanto, na língua
tal como ela se manifesta explicitamente. Neste livro, então, fatos
sobre uso, processamento cognitivo e mudança linguística são
articulados a fim de fornecer explicações a respeito das propriedades
observadas em estruturas linguísticas. (BYBEE, 2016 [2010], p. 18)
No trecho supracitado, percebemos a utilização das expressões
“representação cognitiva” e “processamento cognitivo”, indicativas da
aproximação que a autora pretende realizar na obra entre os fenômenos de
mudança e sua manifestação na cognição. Na mesma obra, no capítulo em
que trata especificamente da gramaticalização, Bybee (2016 [2010]) reafirma
que “com a repetição, a instância particular da construção se torna um chunk”
107
e que “como resultado de chunking, as unidades internas da expressão sob
gramaticalização se tornam menos transparentemente analisáveis e mais
independentes de outras instâncias das mesmas unidades” (p. 171). Em
páginas precedentes, a autora fornece uma definição para chunking como
(...) o processo pelo qual sequências de unidades que são usadas
juntas se combinam para formar unidades mais complexas. (...) Na
linguagem, chunking é básico para a formação de unidades
sequenciais expressas como construções, constituintes e expressões
formulaicas. Sequências repetidas de palavras (ou morfemas) são
embaladas juntas na cognição de modo que a sequência possa ser acessada como uma unidade simples. (BYBEE, 2016 [2010], p. 26).
Vemos, novamente, o emprego de noções associadas ao processamento,
tais como “cognição” e acesso a unidades na memória. Em outros termos,
percebemos um esforço da autora em associar diferentes aspectos relativos à
gramaticalização de expressões linguísticas – como redução fonética, aumento
de frequência, dessemantização, extensão de uso etc – a processos cognitivos,
como no caso do chunking. Em outro ponto, Bybee chega, inclusive, a definir
o termo “processamento” utilizado em sua obra:
Por “processamento” me refiro às atividades envolvidas tanto na produção da mensagem como em sua decodificação. Assim, a
discussão inclui, em princípio, o conjunto de mecanismos ou
atividades cognitivas e neuromotores que são acionados na
comunicação on-line e no armazenamento mental da língua. (BYBEE,
2016 [2010], p. 63)
Os trechos destacados são, pois, ilustrativos da crescente preocupação,
no plano teórico, com a questão do processamento cognitivo por parte dos
trabalhos de gramaticalização. Contudo, percebemos também que a
exploração do processamento, em termos empíricos, ainda é bastante
incipiente. A própria Bybee, no livro mencionado, faz menção a apenas dois
experimentos linguísticos (um teste de priming lexical e estrutural com
crianças, envolvendo construções ativas e passivas, e um julgamento de
aceitabilidade acerca de construções progressivas no espanhol). A
apresentação desses experimentos é muito breve e sutil. O foco principal da
obra recai sobre a parte interpretativa dos dados de corpora, a partir dos quais
são embasadas as teorizações.
108
No último capítulo de Língua, uso e cognição, Bybee reúne, de modo
mais sistemático, um conjunto de hipóteses extraídas de diferentes estudos
que salientam a interação entre o uso linguístico (principalmente quanto à
frequência) e a cognição. Ao tratar da convencionalização de fenômenos
altamente frequentes na língua, a autora destaca a Hipótese de
Correspondência Desempenho-Gramática, proposta por John Hawkins,
segundo a qual “as gramáticas convencionalizaram estruturas sintáticas na
proporção de seu grau de preferência na performance, conforme evidenciado
por padrões de seleção em corpora e por facilidade de processamento em
experimentos psicolinguísticos. (HAWKINS, 2004, p. 3 apud BYBEE, 2016
[2010], p. 331).
A hipótese de Hawkins, que não é exatamente um estudioso de
gramaticalização, associa o famigerado parâmetro da frequência de uso, há
décadas preconizado por diferentes pesquisadores de gramaticalização, ao
processamento cognitivo das estruturas linguísticas. Nessa linha de
raciocínio, o autor afirma que a alta ou baixa frequência de uso reflete a
facilidade ou dificuldade de processamento. Em outras palavras, o uso estaria
condicionado ao grau de eficiência das construções linguísticas, em termos de
processamento da informação.
A ideia de conceber a frequência de ocorrência das formas linguísticas
como um reflexo da eficiência das mesmas no processamento cognitivo é
bastante valiosa e interessante para os propósitos desta tese. De fato, um dos
nossos objetivos centrais ao submeter à experimentação as formas clíticas
com referência à 2SG que podem atuar no PB é, sem dúvidas, compreender a
contraparte cognitiva do fenômeno frente aos dados de corpora das pesquisas
já realizadas.
Diferentes trabalhos apontam que te sempre registrou uma alta
produtividade no PB e que essa produtividade praticamente não foi afetada
pela difusão da forma gramaticalizada você no sistema de representação da
2SG. Por outro lado, como mostramos na introdução, as formas clíticas lhe e
o/a, que, poderiam ter acompanhado o movimento de difusão de você, não
apresentam regularidade quanto à frequência de uso e sua atestação nas
amostras quase sempre está articulada com fatores de ordem extralinguística.
109
Sendo assim, ficam as questões: que diferenças devem existir,
cognitivamente falando, entre esses elementos, para que tenhamos
distribuições tão desiguais em relação ao uso desses clíticos? A hipótese de
Hawkins (2004) explicaria esse fenômeno do PB? Seria possível relacionarmos
isso à análise pelo viés da gramaticalização?
Assumimos, nesta tese, que existem diferenças no processamento
cognitivo das formas clíticas e que tais diferenças se enquadram positivamente
dentro da hipótese de Hawkins. Além disso, como já apresentamos na seção
anterior, defendemos que as diferenças no processamento são reflexo de um
processo de gramaticalização, que afetou te, mas não afetou outros clíticos
com referência a 2SG (lhe e o/a). Para aliar as duas perspectivas de análise,
gramaticalização e processamento, recorremos novamente a Hawkins.
Em sua obra mais recente, Cross-linguistic Variation and Efficiency
(“Variação Translinguística e Eficiência”), Hawkins (2014) reserva um capítulo
inteiro para discutir a relação entre a Hipótese da Correspondência
Desempenho-Gramática com os estudos de mudança linguística.
Sugestivamente intitulado de “The conventionalization of processing
efficiency” (“A convencionalização da eficiência de processamento”), o capítulo
faz um rápido resgate da tradição de estudos em gramaticalização e ressalta
que a maioria das pesquisas realizadas nesse campo tem se dedicado a traçar
as trajetórias (clines) de mudança e analisar as diferentes relações entre os
estágios de implementação da mudança, sobretudo os mecanismos sintáticos
e semânticos. O autor assevera, contudo, que “também há um aspecto de
desempenho e processamento para a gramaticalização” (HAWKINS, 2014, p.
74).
Ao apreciar os pressupostos gerais em que se baseiam os estudos de
gramaticalização a partir da perspectiva do processamento linguístico,
Hawkins (2014) afirma que existem pelo menos três questões emergentes para
as quais “o processamento pode contribuir para sua resolução” (p. 75): (i) Por
que encontramos tanto reduções formais quanto expansões de propriedades
nas formas gramaticalizadas, em comparação com as formas/propriedades de
origem? Por que não há apenas expansões sem reduções formais? Por que não
existem aumentos na complexidade formal concomitantes com a expansão de
110
propriedades? (ii) Podemos prever e delimitar o conjunto de trajetórias de
gramaticalização regulares para os quais encontramos evidências na história
da língua? (iii) Por que os clines de gramaticalização ocorrem em algumas
línguas e não em outras, ou ocorrem em algum estágio da língua e não em
outro?
Das três questões anteriores, iremos nos ater apenas na primeira, haja
vista que esta tem uma relação maior com os propósitos da nossa pesquisa.
Para explicar por que ocorrem reduções estruturais e expansão de
propriedades (que aqui atribuiremos aos níveis semânticos, pragmáticos e
discursivos) nas formas gramaticalizadas frente às formas que as originaram,
Hawkins (2014) nos remete a um dos seus princípios gerais de eficiência: o
princípio Minimizar Formas (do ing. “Minimize Forms”). Nas palavras do autor:
O processador humano prefere minimizar a complexidade formal de
cada forma linguística F (seu fonema, morfema, palavra ou unidades
sintagmáticas) e o número de formas com atribuições de propriedades
convencionalizadas únicas, atribuindo, assim, mais propriedades a menos formas. Essas minimizações aplicam-se proporcionalmente à facilidade com que uma determinada propriedade P pode ser atribuída no processamento para uma determinada forma F. (HAWKINS, 2014,
p. 15) [grifos nossos]
A explicação do autor, eminentemente de base cognitiva, se coaduna, a
nosso ver, com os princípios teóricos da gramaticalização discutidos na seção
anterior do presente capítulo. Em primeiro lugar, é possível correlacionar o
princípio da extensão contextual com a ideia de “mais propriedades a menos
formas”; em essência, é isso que encontramos nas formas em
gramaticalização, se interpretarmos as “propriedades” segundo uma
perspectiva semântico-pragmática. Além disso, podemos pensar, ainda, que
as perdas de propriedades semânticas (dessemantização) e morfossintáticas
(decategorização) sofridas pelas construções afetam diretamente a “facilidade
com que uma determinada propriedade P pode ser atribuída no
processamento”.
A partir do raciocínio segundo o qual há uma importante dimensão
cognitiva nos processos de gramaticalização a ser analisada, Hawkins (2014)
reforça a necessidade de se incluir a questão do processamento nos estudos
de gramaticalização. A investigação de construções gramaticalizadas ou em
111
processo de gramaticalização a partir de experimentos linguísticos pode ser
um modo interessante de pôr à prova as assunções teóricas feitas em relação
aos mecanismos que regulam a mudança. Ao averiguar quais propriedades
perdidas e/ou adquiridas por uma construção gramaticalizada a tornam mais
eficiente (nos termos de Hawkins), estaremos encontrando importantes
evidências de ordem cognitiva para sustentar a premissa de que a
gramaticalização causa um aumento na frequência de uso da construção.
Além disso, se as mudanças, de fato, ocorrem no processamento on-line da
informação pelos falantes, conforme afirma Bybee (2016 [2010]), é mais do
que necessário que se comece a investigar o modo como esses falantes
processam as construções linguísticas, ainda que seja em uma situação de
laboratório.
Assim, o processamento, ou melhor, a eficiência do processamento
poderá vir a ser incluída dentre os “fatores extra e intralinguísticos que são
rotineiramente reconhecidos e investigados em linguística histórica e
sociolinguística, para nos dar um modelo mais completo de mudança,
variação e sincretismo linguísticos.” (HAWKINS, 2014, p. 89). É isso que
almejamos realizar, ainda que sejam apenas os primeiros passos de uma
extensa agenda de pesquisa, com relação às formas clíticas de 2SG e à
hipótese de gramaticalização/afixação do clítico te no PB. No plano teórico,
argumentamos que a forma te não desaparece (como ocorreu com a forma tu
em muitas localidades brasileiras) do sistema pronominal a partir da
emergência de você porque tornou-se um afixo marcador da informação mais
geral de 2SG, tendo perdido restrições sociopragmáticas de formalidade ou
intimidade (que garantiram a sua expansão para mais e mais contextos de
uso). No plano empírico, embasados pela argumentação de Hawkins (2004,
2014), esperamos que os falantes apresentem maior facilidade para processar
as frases que contiverem a forma te, frente às demais formas, o/a e lhe. Além
de encontrar uma razão para a sua alta frequência de uso, esse resultado
empírico nos forneceria a evidência de que o clítico te é a forma cognitivamente
mais eficiente para expressar a informação gramatical de 2SG na posição de
complemento.
112
A fim de que essa investigação fosse viável, acolhemos como abordagem
metodológica a linguística experimental. Contudo, para o desenvolvimento e a
realização dos experimentos que fossem capazes de testar nossas hipóteses e
previsões, foi necessário explorar e conhecer como se estrutura uma pesquisa
pelo viés da experimentação. Há uma série de parâmetros e exigências que
precisaram ser observados, conforme apresentaremos panoramicamente na
próxima seção.
3.3 Metodologia experimental em Linguística
Para desenvolvermos a análise dos clíticos pronominais com referência
a 2SG no PB, adotamos o paradigma metodológico da Linguística
Experimental. Por Linguística Experimental ou Psicolinguística na descrição
gramatical, entendemos “a inserção da pesquisa em gramática nos cânones
metodológicos das ciências experimentais maduras, como a Psicologia
Cognitiva e a Neurociência.” (KENEDY, 2015, p. 143). Fruto da interface cada
vez mais latente entre Psicolinguística e Linguística, a metodologia
experimental aplicada a fenômenos gramaticais possibilita a elaboração e
testagem de previsões comportamentais relacionadas com alguma hipótese ou
algum modelo teórico específico.
Nesta seção, oferecemos um panorama geral acerca da abordagem
experimental adotada nesta tese. Iniciaremos com um confronto entre a
metodologia experimental e outros métodos geralmente utilizados nas
pesquisas linguísticas, procurando apontar as vantagens e limitações de cada
um deles. Em seguida, discutiremos alguns requisitos essenciais que devem
ser observados pelos pesquisadores que desejam adotar o paradigma
experimental, definindo alguns conceitos importantes como cognição,
percepção e processamento. Na última parte desta seção, descrevemos
sucintamente o protocolo metodológico que as pesquisas experimentais devem
seguir, caracterizando algumas partes importantes que auxiliarão na
compreensão dos próximos capítulos, relativos aos experimentos. A título de
exemplificação dos conceitos e etapas da abordagem experimental,
utilizaremos, sempre que possível, o nosso objeto de estudo, complementando,
113
em alguns casos, com exemplos de pesquisas já realizadas segundo o mesmo
paradigma metodológico.
3.3.1 Metodologias em linguística
Segundo Kenedy (2015), existem, pelo menos, duas grandes abordagens
metodológicas mais largamente empregadas nos estudos linguísticos: o
método introspectivo, essencialmente calcado na intuição, e o método
etnográfico, baseado na prática de análise de corpus. No que diz respeito à
metodologia introspeccionista, esta fundamenta-se na apreciação dos
julgamentos metalinguísticos emitidos por uma pessoa específica, com o
propósito de verificar as impressões (de naturalidade ou de estranhamento)
que um certo conjunto de enunciados podem causar. Dentro dessa
abordagem, correlacionam-se as reações dos falantes expostos aos
enunciados com a gramaticalidade ou agramaticalidade de certas estruturas
linguísticas.
Trata-se, pois, de uma metodologia que lida, segundo a proposta de
Chafe (1994), com dados manipulados (i. e., conjunto de enunciados
fabricados pelo pesquisador interessado em um fenômeno em particular) e
não-públicos, haja vista o acentuado grau de subjetividade relacionado às
respostas emitidas pelos falantes investigados (que, não raro, podem ser os
próprios pesquisadores). Além disso, verifica-se uma forte vinculação com o
método dedutivo, uma vez que leis e teorias gerais acerca dos fatos gramaticais
são elaboradas teoricamente pelo pesquisador e posteriormente aplicadas
para prever e/ou explicar os dados colhidos da intuição dos falantes nativos.
Na linguística, a vertente teórica que se notabilizou por utilizar a metodologia
introspeccionista, principalmente nas primeiras décadas de desenvolvimento,
foi a da sintaxe gerativa, embora, na realidade, a intuição linguística perpasse
todas as vertentes teóricas, em diferentes graus.
Podemos identificar como vantagens relacionadas à adoção da
metodologia introspeccionista: o seu baixo custo, posto que não carece de
nenhum aparato tecnológico específico; o vasto conjunto de fenômenos que
podem ser estudados, já que, em princípio, qualquer fato que chame a atenção
114
dos pesquisadores seria passível de gerar impressões dos falantes; a abertura
de insights para aspectos linguísticos, até então, não estudados. Junte-se a
isso o fato de a intuição ser indiscutivelmente uma rica fonte para a
formulação de teorias e hipóteses. Em contrapartida, as principais limitações
dessa metodologia são: (i) a intensa variabilidade de intuições, tanto entre
falantes diferentes quanto entre um mesmo falante analisado em momentos
distintos, o que pode ocasionar que um mesmo enunciado seja julgado como
aceitável e estranho; (ii) a ausência de controle sistemático das variáveis que
podem influenciar a intuição linguística de cada falante, além daquelas que
são de interesse do pesquisador. Tais fatores fazem com que haja muita
controvérsia, entre os estudiosos, acerca da capacidade de generalização
empírica da metodologia introspeccionista.
Já a metodologia etnográfica centra-se especificamente na análise de
dados linguísticos coletados em situações de interação mais próximas do uso
corrente da língua. Com base nesses dados, o pesquisador busca identificar
padrões gerais de comportamento e propor hipóteses descritivas para o
fenômeno investigado. O método é, portanto, fundamentalmente indutivo e
lida, novamente consoante a proposta de Chafe (1994) com dados não-
manipulados (visto que os enunciados analisados são produzidos
“naturalmente” pelos falantes) e públicos, pois costumeiramente as coleções
utilizadas como corpus são acessíveis à comunidade científica em geral.
Embora possamos dizer que essa metodologia tem sido a mais utilizada por
diferentes vertentes da linguística, ela costuma ser lembrada principalmente
pelos trabalhos no campo da sociolinguística de orientação laboviana.
Uma pesquisa pautada em análise de corpora tem como vantagens (i) o
baixo custo envolvido, visto que o linguista pode construir seu próprio corpus
de trabalho através da realização de entrevistas gravadas, da reprodução de
documentos conservados em acervos, ou mesmo utilizar amostras de dados
disponibilizadas na internet por diversas instituições; (ii) a validade ecológica,
isto é, “os dados empíricos utilizados pelo linguista referem-se a algo que
efetivamente existe no mundo real e não pode ser apenas um artefato criado
pelo próprio pesquisador” (KENEDY, 2015, p. 144); (iii) o conhecimento real
do vernáculo, no sentido de detectar o que efetivamente os falantes produzem.
115
Acrescente-se, ainda, o fato de a abordagem etnográfica ser uma rica fonte de
dados para fenômenos linguísticos abundantes.
Cabe apontar, entretanto, algumas limitações: assim como se registra
uma grande variabilidade de intuições entre sujeitos, também se verifica alta
variabilidade entre corpora, de modo que, a depender da amostra estudada, o
linguista pode encontrar padrões de comportamento conflitantes acerca de
um mesmo fenômeno24; além disso, análises a partir de corpora estão restritas
a investigar – na maioria dos casos – dados de produção da linguagem
(impossibilitando, pois, o estudo da compreensão); os dados de produção
advindos de corpora, por sua vez, retratam apenas o produto final da produção
linguística, impedindo que o pesquisador possa fazer considerações acerca
dos processos cognitivos e sociointeracionais envolvidos na produção; por fim,
é preciso lembrar que certos fenômenos linguísticos pouco produtivos na
língua podem registrar baixa frequência ou mesmo não aparecer em
ambientes não manipulados.
Como uma terceira via metodológica, alternativa e complementar às
abordagens introspeccionista e etnográfica, temos a abordagem experimental.
Através da experimentação, os linguistas têm encontrado meios de suplantar
as principais limitações das outras metodologias. Nessa abordagem, o
pesquisador lida com dados manipulados (assim como na introspecção), mas
públicos (como na etnografia) – cf. Chafe (1994) –, uma vez que a formulação
dos experimentos segue um rigoroso protocolo que permite, dentre outras
coisas, a replicação por outros estudiosos, de maneira que os resultados são
passíveis de verificação e refutação. A pesquisa experimental segue o método
hipotético-dedutivo, que pode ser ilustrado pela seguinte rotina de trabalho
(cf. Figura 3.2): ao levantar problemas acerca de um determinado fenômeno
linguístico, o pesquisador, amparado por uma perspectiva teórica específica,
formula hipóteses que expliquem o fenômeno em questão. Dessas hipóteses,
derivam previsões, que são, grosso modo, os comportamentos que os falantes
irão assumir a partir da exposição a certos estímulos. As hipóteses e previsões
24 Na tentativa de amenizar o impacto dessa variabilidade, os pesquisadores geralmente
tentam delimitar rigorosamente um perfil sociocultural para a adoção de um corpus de
análise. Em outros casos, o tipo de corpus pode se tornar, ainda, mais uma variável controlada na análise.
116
são postas à prova através da experimentação, na qual o pesquisador criará
uma tarefa específica para que os seus participantes sejam expostos ao
fenômeno em análise. Em seguida, ele deve analisar os resultados obtidos e
averiguar se as respostas dos participantes ao fenômeno confirmam suas
previsões e respaldam suas hipóteses. Comumente, esse ciclo é
retroalimentar, ou seja, dos resultados de uma experimentação surgem novos
problemas para os quais o pesquisador deverá formular novas hipóteses,
previsões experimentações etc.
Figura 3.2 – O ciclo da pesquisa experimental. (Baseado em KENEDY, 2015)
Há um conjunto significativo de vantagens que notabilizam a abordagem
experimental no âmbito científico. A principal delas talvez seja o fato de que,
por meio da experimentação, é possível investigar os processos cognitivos que
subjazem a produção e a compreensão de diferentes fenômenos linguísticos.
O controle prévio e sistemático de variáveis que podem interferir na percepção
dos falantes também é outra importante vantagem: durante a elaboração do
experimento, o pesquisador dedica grande tempo e esforço para formular
maneiras de atenuar ou reduzir a influência de variáveis irrelevantes aos
propósitos da sua pesquisa, a fim de que possa atribuir com mais fiabilidade
os resultados obtidos com as variáveis controladas. Além disso, a
experimentação pode ser a única maneira de estudar certos fenômenos raros
ou inexistentes em corpora. Por último, destacamos que a abordagem
experimental é, dentre as três metodologias mais praticadas em linguística, a
que mais permite ao pesquisador fazer generalizações causais, e não apenas
correlacionais. Nas palavras de Kenedy,
(...) tanto a metodologia etnográfica quanto a introspeccionista
caracterizam-se como pesquisas correlacionais, ou seja, possuem o
poder de relacionar fenômenos, mas são abordagens de limitado poder
explanatório, isto é, pouco podem dizer com segurança sobre as
causas dos fenômenos que investigam. (KENEDY, 2015, p. 145)
117
Frente a essas vantagens, verificamos algumas limitações na
metodologia experimental. Primeiramente, destacamos a dependência de
programas e equipamentos especializados e, por vezes caros, que podem exigir
do pesquisador conhecimentos avançados de informática e eletrônica para
serem manuseados durante a aplicação dos experimentos e/ou das análises
estatísticas dos resultados. Soma-se a isso a questão da validade ecológica,
visto que o pesquisador fabrica os estímulos linguísticos, não utilizando
obrigatoriamente enunciados extraídos de dados reais de uso.
No Quadro 3.3, abaixo, sintetizamos as três abordagens comentadas
anteriormente, destacando a natureza dos dados manuseados por cada uma
bem como o método que as rege, seguindo a proposta de Chafe (1994):
ABORDAGEM DADOS MÉTODO
Introspeccionista Manipulados e não-públicos Dedutivo
Etnográfica Não-manipulados e públicos Indutivo
Experimental Manipulados e públicos Hipotético-dedutivo
Quadro 3.3 – Abordagens metodológicas: natureza dos dados e método envolvido.
(Baseado em Chafe, 1994)
Vale ressaltar que esses modi operandi nos estudos linguísticos não são
excludentes entre si. Em outras palavras, os dados oriundos da pesquisa
experimental não descartam os dados advindos das pesquisas baseadas em
corpora ou em análises introspectivas. Como acertadamente salienta Kenedy
(2015, p. 146), “o progresso científico da Descrição Gramatical depende
crucialmente da convergência das informações advindas de cada uma dessas
três abordagens metodológicas complementares”.
A título de ilustração dessa convergência metodológica em pesquisas
sobre fenômenos linguísticos, citamos o artigo de Kenedy (2009), intitulado
“Análise de corpus, a intuição do linguista e metodologia experimental na
pesquisa sobre as orações relativas do PB e do PE”. Como o próprio título
sugere, neste trabalho, o autor reúne resultados de pesquisas realizadas a
partir das três abordagens metodológicas em torno do fenômeno da
relativização em língua portuguesa. Especificamente, discute se a
presença/ausência da estratégia de relativização preposicionada (“relativa
padrão”, p. ex., “A pessoa [com quem eu conversei] ficou doente”) em
118
variedades do português seria uma questão paramétrica, nos termos de
Tarallo (1983). O artigo é um interessante exemplo de como a abordagem
experimental pode contribuir significativamente na descrição de fatos
gramaticais por vezes controversos nas análises baseadas em corpus e na
intuição.
3.3.2 A realidade psicológica dos fenômenos gramaticais
Graças às principais vantagens mencionadas anteriormente, o interesse
pela abordagem experimental vem crescendo entre os pesquisadores do Brasil
e de outras partes do mundo. As recentes inovações tecnológicas, que têm
criado ou refinado diversos aparelhos e programas úteis para os mais variados
tipos de experimentação, certamente também contribuem para esse
crescimento. Um linguista pode, atualmente, aplicar um teste de julgamento
a vários sujeitos, de localidades distintas, a partir de uma plataforma on-line
que coleta e organiza automaticamente as respostas emitidas. Em alguns
laboratórios de pesquisa no Brasil, é possível, por exemplo, aplicar tarefas com
leitura de enunciados nas quais um aparelho monitora e registra o número de
vezes que os participantes fixaram o olhar em uma mesma área da frase e por
quanto tempo ele se deteve nessa área (o famoso eye tracker).
Esses breves exemplos revelam algumas das infinitas possibilidades de
pesquisa que o campo da experimentação pode proporcionar aos estudiosos.
Diante disso, levantamos as seguintes questões: está “na moda” fazer pesquisa
experimental em linguística? Adotar o referido método é sinônimo de pesquisa
arrojada e “moderna”? Todo e qualquer pesquisador que venha a desenvolver
uma pesquisa linguística futuramente pode (e deve) recorrer à
experimentação?
Para todas os questionamentos anteriores, a resposta é não. É um
equívoco associar a abordagem experimental a uma questão de “moda”, isto
é, uma tendência do momento a qual todos devem adotar
indiscriminadamente. Segundo Kenedy (2015, p. 146), “o recurso à
experimentação em linguística não deve ser compreendido como um modismo,
tampouco pode ser adotado de maneira improvisada ou exógena na pesquisa
119
gramatical”. Antes de definir a abordagem experimental como opção
metodológica a ser seguida, o pesquisador deve compreender “para que
propósitos científicos são úteis os dados experimentais e quais tipos de
problema linguístico ensejam previsões comportamentais testáveis e
capturáveis por algum instrumento psicométrico.” (KENEDY, 2015, p. 146).
Em primeiro lugar, o interesse central do pesquisador deve estar
relacionado com a realidade psicológica de um determinado aspecto da língua
estudada. Dito de outro modo, o pesquisador precisa compreender para quais
“propósitos científicos são úteis os dados experimentais e quais tipos de
problema linguístico ensejam previsões comportamentais testáveis e
capturáveis por algum instrumento psicométrico” (KENEDY, 2015, p. 146).
Dentre os objetivos gerais da Psicolinguística enquanto campo de
investigação, está o de verificar a plausibilidade das afirmações teóricas acerca
do conhecimento linguístico/gramatical a partir da percepção dos
participantes registrada durante a execução das tarefas experimentais. Nesse
sentido, é importante esclarecermos o que se entende por cognição em
Psicolinguística. Segundo Field (2004, p. 61), cognição é “o uso ou a
manipulação do conhecimento; daí, (a) a faculdade que nos permite pensar e
raciocinar e (b) o processo envolvido no pensamento e no raciocínio”. Assim
sendo, a pesquisa psicolinguística se preocupa especificamente com questões
relacionadas às habilidades dos falantes quanto ao seu conhecimento
linguístico implícito (como eles utilizam a língua de maneira natural,
inconsciente, sem saber o que estão fazendo quando falam/escrevem ou
ouvem/leem diferentes enunciados). Por essa razão, afirmamos anteriormente
que é preciso haver alguma questão ou aspecto inerente à dimensão cognitiva
da linguagem para que a adoção da abordagem experimental em uma
pesquisa linguística seja coerente.
Utilizando como exemplo o tema desta tese, a escolha da abordagem
experimental para o estudo das formas clíticas com referência à 2SG no PB
torna-se pertinente na medida em que temos como propósito geral investigar
como os falantes compreendem os diferentes enunciados nos quais os clíticos
estão inseridos. Como vimos no capítulo 2, as análises de corpora apresentam
diferentes padrões de distribuição quanto ao uso dessas formas, tanto em
120
perspectiva diacrônica quanto em perspectiva sincrônica. Diante disso, é de
nosso interesse procurar entender, dentre outras coisas: como os falantes
lidam cognitivamente com esses clíticos, que conhecimentos são acionados
para decodificar a referência de 2SG, que grau de complexidade em termos de
custos de processamento da informação cada forma pronominal envolve e, em
última análise, como o processamento desses clíticos pode explicar a
distribuição de uso atestada sincronicamente. Todas essas questões estão
diretamente ligadas à dimensão cognitiva do objeto de estudo em foco e,
portanto, legitimam a adoção da metodologia experimental nesta pesquisa.
A análise da dimensão cognitiva de um determinado fenômeno é feita
através de medidas indiretas, que podem ser mensuradas a partir da
percepção dos falantes. Por percepção25, entendemos “a operação de análise
de um estímulo” (FIELD, 2004, p. 204). Dentro dessa lógica, o ato de perceber
relaciona-se com o processo de decodificação da informação presente em um
dado estímulo linguístico (apresentação em uma folha de papel, na tela de um
computador ou mesmo via fones de ouvido). As reações provocadas a partir
desse estímulo são, pois, associadas ao modo como o indivíduo percebe o
estímulo. As medidas psicométricas visam, então, a tornar analisáveis as
diferentes percepções dos falantes, controlando, por exemplo, o nível de
aceitação dos sujeitos segundo uma escala numérica, o tempo despendido
para acionar uma tecla após a leitura de um determinado segmento ou
mesmo, em uma técnica mais sofisticada, o número de vezes que os indivíduos
fixaram o olhar em determinado trecho de uma frase.
A percepção que os sujeitos têm acerca de um fenômeno linguístico
geralmente é explicada segundo o modo como eles processam esse fenômeno
em suas mentes. Em sentido lato, processamento diz respeito à “análise,
classificação e interpretação de um estímulo” (FIELD, 2005, p. 224). Já em
sentido mais restrito, podemos dizer que processamento se refere “ao processo
receptivo de ouvir e ler”. No âmbito dos estudos psicolinguísticos, o termo é
25 Cumpre destacar que o conceito de percepção apresentado difere do que tem sido
frequentemente empregado em trabalhos recentes da sociolinguística. Nesses estudos, a
percepção diz respeito às inferências feitas pelos falantes a partir de certos fenômenos
variáveis da língua, que evocam significados sociais específicos. Desse modo, o conceito de percepção não abarcaria necessariamente aspectos cognitivos.
121
utilizado para designar especificamente “as operações cognitivas subjacentes
(a) às quatro habilidades linguísticas (falar, ouvir, ler e escrever); (b) à
recuperação de itens lexicais; e (c) à construção de representações do
significado” (FIELD, 2004, p. 224).
Recorrendo novamente ao exemplo dos clíticos pronominais com
referência à 2SG, diríamos, quanto à percepção, que a nossa investigação
busca observar como os falantes reagem à presença de te, lhe e o/a inseridos
em diferentes tipos de enunciados. Por exemplo, ao serem solicitados para
julgar fragmentos de cenas de filmes legendadas, será que os participantes
emitirão notas diferentes para as legendas, a depender do tipo de clítico que
seja lido? Ou, ainda, será que eles acessarão mais facilmente à referência de
2SG na hora de responder uma pergunta interpretativa depois de ler uma
frase com te ou lhe? No que tange ao processamento, dois aspectos nos
interessam em particular: (i) se os clíticos favorecem, de fato, a interpretação
da referência a 2SG e (ii) quão custosa é essa interpretação a partir dos
diferentes clíticos (em termos de esforço cognitivo, demanda de atenção etc).
Para encerrar essa subseção, ressaltamos novamente a necessidade de
que os trabalhos sobre gramaticalização de formas e construções, ao menos
aqueles que dedicam maior atenção aos aspectos sincrônicos do processo,
incorporem, em alguma medida, a metodologia experimental em suas
análises. Conforme assinalamos sinteticamente na seção 3.2., há uma série
de princípios e mecanismos utilizados para explicar as trajetórias de
gramaticalização que se pautam na dimensão cognitiva do processo.
Entretanto, boa parte dessas afirmações é puramente teórica e mereceria uma
verificação empírica que a experimentação pode proporcionar. As
considerações acerca do processamento de construções mais
gramaticalizadas também vão pelo mesmo caminho e, seguramente, gozariam
de maior credibilidade se fossem verificadas experimentalmente.
Na última subseção do capítulo, descrevemos o protocolo geral da
pesquisa via experimentação. Serão brevemente apresentadas, a seguir, as
etapas que o pesquisador deve cumprir dentro dessa abordagem
metodológica.
122
3.3.3 Protocolo da abordagem experimental
O protocolo metodológico que exibiremos nas próximas linhas tem por
objetivo, dentro da linguística experimental, explicitar com o máximo de
clareza o modus operandi da pesquisa empreendida. Isso assegura a
objetividade do processo de investigação científica, além de possibilitar que
um estudo específico seja replicado por outros estudiosos, que poderão propor
adaptações ao modelo criado. De modo geral, o referido protocolo apresenta
um conjunto de elementos fixos, que obrigatoriamente deverão constar no
projeto experimental do pesquisador (ainda que, na prática, haja grande
variabilidade na maneira como esses elementos serão explorados, algo
diretamente relacionado à natureza do fenômeno linguístico de interesse).
Resumidamente, os passos elementares em uma abordagem experimental são
os seguintes:
O trabalho experimental em gramática começa com a especificação
dos problemas da pesquisa. A partir desse ponto e com base em
alguma hipótese de trabalho, o pesquisador formulará alguma
previsão comportamental (...). Estabelecida sua previsão, o
pesquisador deverá dar continuidade a seu projeto experimental selecionando uma técnica de pesquisa compatível com suas previsões.
Logo depois, uma série de especificações metodológicas devem ser
cumpridas: o pesquisador definirá a tarefa experimental, delineará as
variáveis independentes e dependentes relevantes para a pesquisa,
estabelecerá as condições do experimento, formulará estímulos
experimentais, selecionará e distribuirá os participantes da tarefa experimental, aplicará o experimento e, finalmente, organizará e
interpretará os seus resultados. (KENEDY, 2015, p. 147-148).
Pontuaremos cada um dos passos mencionados a seguir, a partir das
técnicas experimentais. Como exemplificação para ilustrar os elementos
listados, usaremos os projetos experimentais criados para esta tese, com a
finalidade de analisar as formas clíticas com referência a 2SG no PB.
- Técnicas experimentais
Tendo especificado quais são os problemas bem como as hipóteses e
previsões relativas ao comportamento dos falantes de uma língua diante de
certo fenômeno gramatical, o pesquisador terá de definir uma técnica
experimental, capaz de atender satisfatoriamente às questões levantadas.
Especificamente, a técnica diz respeito ao tipo de análise psicométrica que o
123
pesquisador utiliza para analisar os aspectos relacionados ao processamento
cognitivo do fenômeno investigado.
Na psicolinguística, costuma-se dividir essas técnicas em dois grupos:
as de medida on-line e as de medida off-line. Essa separação baseia-se na fase
do processamento em que as medidas são registradas. As medidas on-line são
capturadas durante o curso de processamento realizado pelos participantes
enquanto estes estão sendo expostos aos estímulos linguísticos. Já as
medidas off-line são contabilizadas após o término do processamento
linguístico, contemplando reflexões conscientes emitidas pelos participantes
do experimento. As medidas off-line podem ser subdivididas, por sua vez,
quanto à aferição cronométrica da tarefa. Em um teste off-line cronométrico,
registra-se o tempo despendido pelos participantes para executar a tarefa
proposta, enquanto que em um teste off-line não-cronométrico não há a
aferição do tempo gasto pelos participantes para completar a tarefa.
Na presente tese, adotamos técnicas experimentais on-line e off-line. A
técnica off-line (cronométrica) consiste em uma adaptação do modelo clássico
das tarefas de julgamento, na qual os nossos participantes assistiam a
fragmentos de cenas legendadas e atribuíam uma nota (dentro de uma escala
de 5 pontos) para legendas sinalizadas na cor vermelha. Essas legendas
traziam os clíticos investigados. A finalidade central da técnica era verificar o
índice de aceitação dos clíticos quando inseridos em diferentes situações
comunicativas (cf. capítulo 4). A segunda técnica, envolvendo medida on-line,
compreendia uma tarefa de leitura automonitorada: os participantes liam
duas frases, relacionadas entre si, e, ao final, tinham de responder a uma
pergunta interpretativa, relacionada à última frase lida. Nesta, havia um
clítico que retomava um referente da primeira frase (cf. capítulo 5). O objetivo
do experimento era verificar o índice de ativação da informação de 2SG na a
partir dos diferentes clíticos e registrar o tempo despendido para ler as frases
com o clítico e para responder à pergunta. A outra técnica on-line utilizada
envolvia a leitura de frases, no mesmo modelo do experimento anterior;
contudo, os movimentos oculares dos participantes, durante toda a tarefa de
leitura, foram monitorados pelo equipamento de eye tracker, fornecendo,
124
assim, uma medida psicométrica capturada durante o processamento da
leitura das frases (cf. capítulo 6).
- Tarefa experimental
A tarefa experimental refere-se ao que, de fato, os indivíduos convidados
para participar do teste terão de fazer. Na maioria dos casos, os participantes
não são especialistas em linguística, de modo que a tarefa a ser executada por
eles deve ser preferencialmente simples, clara e objetiva. Do contrário, a alta
complexidade da tarefa pode comprometer os resultados, visto que crescem as
chances da maioria dos sujeitos não realizar a tarefa corretamente.
Nos experimentos elaborados para esta tese, os participantes efetuaram
as seguintes tarefas: (i) assistir a fragmentos de cenas de filmes legendadas e
julgar a adequação do texto das legendas com a situação representada nas
cenas através das teclas do computador; (ii) ler frases por inteiro, projetadas
na tela do computador de acordo com o acionamento de teclas realizado pelo
próprio participante e responder a perguntas interpretativas; e (iii) ler frases
por inteiro na tela do computador, enquanto o rastreador monitora o
comportamento ocular durante a leitura.
- Variáveis controladas
A delimitação das variáveis a serem controladas em um experimento é
uma etapa de grande importância. É nessa etapa que o pesquisador define os
fenômenos linguísticos que, consoante a sua hipótese de investigação,
provocam um determinado comportamento durante a tarefa experimental.
Nesse sentido, classificam-se as variáveis de um experimento como
independentes e dependentes. São variáveis independentes os fenômenos
estipulados como desencadeadores de certas reações dos participantes. Por
outro lado, são variáveis dependentes os dados registrados durante a tarefa,
traduzidos sob a linguagem de uma medida psicométrica. Assim, a lógica
experimental é que a presença da variável independente causa o
comportamento observado pelos participantes na forma de uma variável
dependente.
125
O tipo de clítico em referência a 2SG foi definido, nesta tese, como uma
variável independente. Dentro dessa lógica, acreditamos que, a depender da
forma clítica apresentada, os participantes teriam comportamentos distintos.
No primeiro experimento, por exemplo, envolvendo o julgamento de cenas
legendadas, previmos que a presença do clítico te nos enunciados provocaria
maior aceitação das legendas analisadas pelos participantes. Através da
variável dependente nota atribuída à legenda, essa previsão pôde ser testada.
Em resumo, assumimos que os participantes julgariam as legendas com te
utilizando as notas mais altas da escala (var. dependente) porque esse clítico
teria maior aceitação entre os falantes do PB na representação da informação
de 2SG (var. independente em foco).
- Condições experimentais
Em termos psicolinguísticos, as condições são os níveis projetados pelas
variáveis independentes controladas pelo pesquisador combinadas entre si.
Assumindo que uma variável é formada por dois ou mais níveis concretos e
levando em consideração que, em geral, os estudiosos costumam controlar
duas ou mais variáveis, as condições experimentais de um teste são o produto
da multiplicação entre os níveis das variáveis em estudo.
Para exemplificar isso, vamos utilizar as variáveis independentes
controladas no teste de julgamento de cenas legendadas (cf. capítulo 4). Neste
experimento, pretendíamos observar o efeito de duas variáveis sobre o
comportamento dos participantes: o tipo de clítico de 2SG, constituído de três
níveis (clítico te, clítico lhe e clítico o/a) e o tipo de interação entre os
personagens da cena, formado por dois níveis (interações simétricas e
interações assimétricas). Conjugando os níveis das duas variáveis, nosso
experimento contava com seis condições experimentais, conforme ilustramos
no Quadro 3.4 a seguir:
126
Variável “tipo de clítico” Variável “tipo de
interação”
Condições projetadas
TE ASSIMÉTRICA te-assimétrica
SIMÉTRICA te-simétrica
LHE ASSIMÉTRICA lhe-assimétrica
SIMÉTRICA lhe-simétrica
O/A ASSIMÉTRICA o/a-assimétrica
SIMÉTRICA o/a-simétrica
Quadro 3.4 – Exemplo da projeção de condições a partir dos níveis das variáveis.
Todas essas condições obrigatoriamente deverão aparecer dentre os
estímulos linguísticos construídos para o experimento, em um mesmo número
de vezes, como explicaremos na sequência.
- Estímulos e distratores
Os estímulos experimentais são a forma através da qual as condições
são apresentadas na tarefa. A natureza dos estímulos pode variar bastante,
podendo ser desde um morfema até um pequeno texto de algumas linhas,
apresentado em meio escrito ou fônico. Os estímulos também podem estar
associados a imagens. Tudo isso depende diretamente do fenômeno
investigado e da técnica escolhida pelo pesquisador. Quanto ao número de
estímulos, é uma convenção dos estudos experimentais que cada condição
ocorra durante a tarefa, no mínimo, quatro vezes, na forma de quatro
estímulos distintos. Isso é necessário para que, em termos quantitativos, seja
possível a detecção de um padrão de comportamento relacionado a cada
condição.
Todos os elementos que constituem os estímulos experimentais devem
ser cuidadosamente selecionados pelo pesquisador (p. ex., o tamanho das
palavras e frases utilizadas, a frequência de uso cotidiano das palavras que
formam o estímulo etc). Isso é necessário para que não sejam inclusas,
acidentalmente, outras variáveis independentes não controladas no
experimento. Por exemplo, nas tarefas de leitura automonitorada e de leitura
de frases com rastreamento ocular, que tinham como variável dependente o
tempo de leitura das frases e segmentos selecionados, construímos estímulos
que tinham sempre a mesma quantidade de sílabas. Caso não fosse feito esse
controle, a diferença de tamanho entre as palavras e frases dos estímulos de
127
cada condição certamente enviesaria o resultado da medida cronométrica e,
muito provavelmente, ocultaria possíveis padrões de reação.
Outro ponto fundamental do projeto experimental é a formulação de
estímulos distratores, que consistem em itens idênticos, quanto ao formato
geral, aos itens experimentais, mas que não representam nenhuma condição
experimental do estudo. Como o nome sugere, os itens distratores servem para
despistar os participantes em relação ao fenômeno sob investigação. Isso evita
que os sujeitos criem padrões mecânicos de resposta, algo que pode ocorrer
se eles descobrirem sobre o que exatamente é o teste. Segundo o protocolo das
pesquisas psicolinguísticas, a sugestão é que haja no experimento dois terços
de itens distratores, em relação aos itens experimentais. Por exemplo, se o
teste tiver dez estímulos experimentais, o recomendado é que sejam inseridos
vinte estímulos distratores, totalizando um número de trinta estímulos a
serem apresentados aos participantes.
No que se refere à apresentação desses estímulos, é preciso que os itens
experimentais e distratores estejam misturados e sejam exibidos aos
participantes em uma ordem ou sequência aleatória (ou pseudoaleatória). O
intuito dessa randomização é, novamente, evitar a mecanização das
respostas dadas pelos sujeitos, além de dificultar a conscientização acerca do
objeto de estudo. Atualmente, muitos softwares utilizados para a
programação de experimentos já oferecem a randomização automática, o que
garante que cada participante lerá os estímulos em uma ordem diferente. O
próprio pesquisador também pode aleatorizar os itens manualmente, visto
que, em alguns casos, a randomização automática pode apresentar dois ou
três itens experimentais em sequência, ou ainda selecionar um item
experimental como primeiro estímulo a ser visto pelos participantes, fatos que
preferencialmente devem ser evitados para não comprometer o resultado. Há,
ainda, a noção de protetores nas duas extremidades da apresentação de
materiais durante a randomização: neste caso, o pesquisador estabelece que
os dois primeiros e os dois últimos itens a serem vistos pelos participantes
sejam elementos distratores.
128
- Recrutamento de participantes
Após a confecção dos estímulos e a organização dos mesmos para a
aplicação do teste (seja através de um programa de computador, ou em meio
impresso), o pesquisador deve recrutar pessoas para executar a tarefa
experimental proposta. É preciso que haja certo controle quanto ao perfil
sociocultural dos participantes (idade, sexo, escolarização etc), para evitar que
variáveis indesejáveis sejam inseridas no experimento. Além disso, outra
exigência que deve ser cumprida é em relação ao termo de consentimento livre
e esclarecido, por meio do qual o participante toma ciência da tarefa que irá
executar, seus possíveis riscos, e autoriza, por meio de assinatura, a utilização
dos dados experimentais gerados durante a tarefa para fins de pesquisa. A
apresentação desse termo aos participantes deve preceder a execução da
tarefa.
Em algumas investigações, o tipo de participante pode representar mais
uma variável independente controlada na pesquisa. Isso acontece quando o
pesquisador, com base nas suas hipóteses e teorias, assume que o
comportamento dos participantes em relação ao fenômeno pode ser variável
segundo características intrínsecas aos próprios sujeitos. Nestes casos, fala-
se em variável grupal. No experimento de julgamento de cenas legendadas
aplicado como parte das análises desta tese, consideramos o tipo de
participante como uma variável grupal. Conforme será explicado em detalhes
no capítulo 4, esse teste foi aplicado a indivíduos naturais de quatro estados
brasileiros diferentes; sendo assim, controlamos o estado de origem dos
participantes como uma variável independente, haja vista que isso poderia
influenciar os resultados acerca de algumas condições (p. ex., as condições
com o clítico lhe, apontado pelas análises sociolinguísticas como uma marca
dialetal no PB).
No que tange à quantidade de participantes necessárias, essa ainda é
uma questão em aberto nos estudos psicolinguísticos. Tradicionalmente,
recomenda-se que sejam em torno de vinte sujeitos, podendo variar até cem.
A complexidade da tarefa bem como o número de estímulos que compõe o
experimento são parâmetros importantes na hora de definir a quantidade de
participantes.
129
Além disso, existem ainda duas possibilidades de distribuição dos
participantes pelas condições experimentais do teste. A primeira, que consiste
em apresentar todas as condições a todos os sujeitos, é conhecida como
distribuição dentre sujeitos (do inglês, “within-subjects”). Na outra
possibilidade, o pesquisador pode preferir, por diferentes razões, dividir as
condições por grupos de participantes, de maneira que cada grupo veja uma
condição apenas (ou um grupo de condições). Esse modelo é denominado de
distribuição entre sujeitos (do inglês, “between-subjects”). Dos três
experimentos elaborados para esta pesquisa, apenas o julgamento de cenas
legendadas segue o modelo dentre sujeitos; os outros dois foram construídos
segundo o modelo entre sujeitos, conforme detalharemos nos capítulos
referentes aos mesmos.
- Aplicação do experimento
A aplicação do experimento deve ser feita em um local apropriado, no
sentido de que os participantes disponham de um conforto mínimo para a
execução da tarefa e estejam em um ambiente preferencialmente silencioso e
calmo. Isso favorece a concentração dos sujeitos na tarefa e garante que os
resultados sejam mais proveitosos, isto é, evita a perda de dados pela má
execução da tarefa. Também é comumente recomendado que, após a etapa de
instrução, o pesquisador ou quem quer que esteja aplicando o experimento se
retire do local ou se distancie suficientemente dos participantes. Isso também
serve para evitar que os sujeitos se desconcentrem durante a execução da
tarefa.
Outro procedimento fortemente recomendado pelos estudiosos de
psicolinguística é o cumprimento de uma etapa de treinamento individual com
os participantes. Após receberem as instruções, é desejável que os mesmos
simulem a execução da tarefa com três ou quatro estímulos (que não sejam
iguais a nenhum daqueles que compõem o experimento de fato), a fim de se
adaptar à dinâmica do teste, ao manuseio do teclado, dentre outras coisas.
Esse treinamento pode ser feito com a presença do pesquisador, que pode
eventualmente sanar dúvidas dos participantes durante a execução da tarefa.
Depois que o pesquisador se certificar de que o participante compreendeu
130
perfeitamente a tarefa, poderá avançar, então, ao teste de verdade. Mais uma
vez, esse procedimento reduz as chances de perda de dados devido à má
execução da tarefa experimental.
- Análise estatística dos dados
Ao término da aplicação da tarefa experimental a todos os participantes
recrutados, o pesquisador pode proceder à etapa de análise dos resultados,
com o objetivo de apurar se os dados coletados são favoráveis ou contrários
às previsões da pesquisa. Para tanto, será necessária a aplicação de um
tratamento estatístico para organizar e interpretar os dados. A simples
realização de cálculos de estatística descritiva (tais como porcentagem ou
média aritmética) não é suficiente para a análise de dados experimentais, uma
vez que é preciso realizar um teste de hipóteses para verificar a significância
das diferenças obtidas entre as condições.
Em Estatística, utiliza-se o valor de probabilidade (ou p-valor), um
coeficiente encontrado a partir da aplicação de diferentes cálculos. Para que o
resultado seja considerado estatisticamente relevante, convenciona-se, para a
área das ciências humanas, de modo geral, que o p-valor deva ser igual ou
inferior a 0,05, isto é, 5%. Isso significa dizer que, inferencialmente, as
chances de o pesquisador obter certa distribuição têm de ser igual ou inferior
a cinco dentre cem, em caso de a hipótese nula ser verdadeira.
A Hipótese nula (tradicionalmente representada pela notação H0) pode
ser entendida como uma afirmativa de que não existe relação entre duas
variáveis independentes, relação esta que o pesquisador deseja demonstrar.
É, grosso modo, uma espécie de “do contra” do universo, que propõe que tudo
é randômico e anômalo. Na refutação da hipótese nula é que reside a
credibilidade da ciência. Sendo assim, o que se quer em uma análise a partir
de testes de hipótese, é refutar a hipótese nula, evitando, ainda, o que se
conhece como erros do tipo I e do tipo II, respectivamente, quando a hipótese
nula é verdadeira e o pesquisador a rejeita e quando a hipótese nula é falsa e
o pesquisador não a rejeita.
Existem diferentes tipos de testes estatísticos que podem ser utilizados
para aferir a significância dos resultados experimentais. A adoção de um teste
131
específico depende de alguns fatores, tais como a variável dependente em
questão (se ela é contínua – como no caso das contagens de tempo – ou
discreta – como no caso das escalas de nota), o tipo de distribuição dos
participantes, a normalidade da distribuição dos dados coletados etc. Em
geral, os testes mais utilizados pelos psicolinguistas são o qui-quadrado, o
teste-t, a análise de variância (ANOVA) e a regressão.
Esses elementos são, em essência, aqueles com os quais o pesquisador
deverá lidar obrigatoriamente durante a montagem do seu projeto
experimental. Naturalmente, alguns pontos apresentados podem sofrer
alterações segundo o tipo de fenômeno linguístico estudado, a técnica
utilizada, o perfil dos participantes etc. Tais elementos serão retomados
detalhadamente em cada um dos capítulos de apresentação dos experimentos,
na seção de descrição dos testes que antecederá a análise dos resultados.
Eventuais modificações em algum aspecto serão sinalizadas dentro desses
capítulos. Cumpre, agora, tecer os últimos comentários com o intuito de
finalizar o presente capítulo.
3.4 Conclusão do capítulo
No terceiro capítulo desta tese, procuramos sistematizar algumas
premissas e conceitos relevantes para o estudo dos clíticos de 2SG no PB.
Primeiramente, resgatamos o conceito mais tradicional de gramaticalização, a
fim de demonstrar que a assunção de que formas já gramaticais podem se
tornar ainda mais gramaticais integra há bastante tempo a definição de
gramaticalização. Além disso, pontuamos alguns princípios, parâmetros e
mecanismos (extensão, especialização, decategorização e efeitos de frequência
de uso) que tomamos como relevantes para a nossa explicação teórica do
fenômeno e discutimos alguns problemas acerca da trajetória de mudança
clítico>afixo e da gramaticalização de pronomes pessoais no âmbito dos
estudos de gramaticalização. Com vistas a embasar a nossa proposta de
análise, dedicamos uma seção do capítulo para argumentar em favor da
viabilidade (e mesmo da necessidade) de conjugar os estudos de
132
gramaticalização com os estudos de processamento, amparando-nos
principalmente na Hipótese de Correspondência Desempenho-Gramática
proposta por Hawkins (2004, 2014). Por fim, exploramos os pontos gerais,
porém cruciais, da metodologia experimental, destacando principalmente o
protocolo metodológico da experimentação. Nos próximos capítulos, relatamos
os experimentos linguísticos desenvolvidos para esta tese e as análises dos
resultados.
133
4 EXPERIMENTO 1: JULGAMENTO DE CENAS LEGENDADAS
Neste capítulo, em que começamos a apreciar os resultados obtidos a
partir da aplicação de experimentos linguísticos acerca das formas clíticas de
2SG, trataremos do julgamento de cenas legendadas aplicado aos falantes do
português nascidos em diferentes estados brasileiros. Como detalharemos nos
próximos parágrafos, o principal objetivo nesse teste era analisar como os
falantes do PB reagiriam diante das formas de 2SG inseridas em diversas
situações comunicativas. Nas próximas seções, descrevemos
pormenorizadamente o projeto experimental do teste de julgamento bem como
os resultados produzidos através dele. Passemos, agora, à descrição do
experimento.
4.1 Desenho do experimento
O experimento com cenas legendadas desenvolvido para compor a
investigação das formas clíticas de 2SG consiste em uma adaptação de um
paradigma experimental bastante conhecido e adotado nas pesquisas
(psico)linguísticas: o julgamento de gramaticalidade/aceitabilidade. Em
termos práticos, o pesquisador solicita aos participantes que julguem, isto é,
relatem sua reação espontânea diante de um determinado enunciado,
informando se este é possível de ocorrer na língua. Há, evidentemente, uma
interpretação pretendida ou esperada, que o pesquisador pretende verificar,
através das respostas, se será regular e constante entre os participantes.
A prática do julgamento de gramaticalidade/aceitabilidade é de longa
data no âmbito dos estudos da linguagem. De acordo com Maia (2015), esse
método constituiu a principal ferramenta de análise da Linguística Gerativa
por décadas, desde o seu surgimento na década de 1950, ainda que de
maneira essencialmente intuitiva e informal. Já em Cowart (1997),
encontramos um importante refinamento da técnica para o estudo da sintaxe.
Na obra, o autor propõe maior rigor metodológico aos testes de julgamentos
de frases, seguindo os padrões da Psicolinguística Experimental, e demonstra
que é possível identificar regularidades linguísticas significativas a partir de
experimentos construídos de maneira criteriosa e com a aplicação de análises
134
estatísticas. O trabalho de Cowart (1997) foi tão decisivo para o refinamento
dos testes de julgamento que “inaugurou” uma nova área dos estudos
experimentais, a qual tem sido referida como Sintaxe Experimental (cf. MAIA,
2015).
A proposta de Cowart (1997) de aplicar a metodologia experimental aos
testes de julgamento intuitivos e informais foi bem recebida na área e se
tornou referência para o estudo de diversos temas e questões em sintaxe. No
âmbito das pesquisas brasileiras, diversos linguistas têm adotado o modelo de
julgamento de frases de acordo com o paradigma experimental da
psicolinguística, dos quais podemos citar o trabalho de Kenedy (2007) acerca
das orações relativas no português. O autor aplicou um teste de julgamento
imediato de gramaticalidade a falantes nativos do português brasileiro e do
português europeu de vários níveis de escolaridade a fim de argumentar que,
dentre outros aspectos, as variedades do português analisadas não possuem
diferenças significativas em seu sistema de relativização. Os resultados do
teste de julgamento evidenciaram essa hipótese, ao demonstrarem que os
falantes portugueses tiveram comportamentos semelhantes ao de falantes
brasileiros durante o julgamento dos diferentes tipos de relativas (cortadora e
preposicionada).
No que se refere ao nome atribuído à técnica, verificamos que há certa
flutuação na literatura experimental entre os termos “gramaticalidade” e
“aceitabilidade”. Embora muitos autores tratem ambos os termos como
sinônimos, há outros, como Schütze e Sprouse (2013) que os diferenciam
sinalizando para o fato de que, em se tratando de testes de julgamento de
frases, o mais coerente seria adotar “aceitabilidade”:
Uma vez que a gramática é um construto mental inacessível à
consciência, os falantes não podem ter impressões sobre o status de
uma sentença em relação a essa gramática; em vez disso, nos termos de Chomsky (1965), deve-se dizer que suas reações dizem respeito à
aceitabilidade, ou seja, até que ponto a sentença parece ‘boa’ ou ‘ruim’
para eles. (SCHÜTZE; SPROUSE, 2013, p. 27-28)26. [grifo dos autores]
26 Do original em inglês: “Since a grammar is a mental construct not accessible to conscious
awareness, speakers cannot have any impressions about the status of a sentence with
respect to that grammar; rather, in Chomsky’s (1965) terms, one should say their reactions
concern acceptability, that is, the extent to which the sentence sounds “good” or “bad” to them.”
135
Sendo assim, para os referidos autores, a aceitabilidade é uma
percepção que emerge de modo espontâneo em resposta aos estímulos
apresentados e que, tal como outros tipos de percepção – volume,
temperatura, dor –, não pode ser medida diretamente, da forma como existe
na mente dos falantes (SCHÜTZE; SPROUSE, 2013, p. 28). O pesquisador
deve lançar mão de métodos de medição indiretos, por exemplo, utilizando
uma escala de notas. Os autores assumem, portanto, que a aceitabilidade
capturada nos julgamentos é, por si mesma, um tipo de dado sobre o
comportamento e a cognição humana a ser descrito e explicado.
Não pretendemos, neste estudo, entrar no mérito da discussão de qual
nome seria o mais adequado. Por essa razão, optamos por denominar o
experimento desenvolvido como julgamento de cenas legendadas. Na
realidade, é preciso ressaltar, inclusive, que o experimento desenvolvido não
tem como objetivo averiguar a gramaticalidade dos clíticos analisados, como
ocorre nos experimentos gerativistas no modelo mais tradicional de
julgamento (denominados, por isso mesmo, de testes de
gramaticalidade/aceitabilidade).
Em vez disso, nosso interesse central é observar como os falantes de
diversas localidades do Brasil reagem à presença dos clíticos estudados na
legenda de cenas de filmes e seriados que retratam variados tipos de interação
verbal. Sendo assim, não controlamos rigorosamente, por exemplo, os padrões
sintáticos dos estímulos, a partir da contagem de número de palavras,
utilização de sentenças subordinadas ou coordenadas etc. Os nossos
estímulos foram pensados especificamente com o intuito de parecerem
legendas reais de filmes (soaria, no mínimo, artificial, que todas as legendas
tivessem, por exemplo, a mesma configuração sintática). A partir disso,
pretendemos verificar como os participantes julgam a presença dos clíticos
nessas legendas e, principalmente, se a situação representada na cena
influencia esse julgamento.
Quanto às vantagens de utilizar essa técnica experimental,
concordamos com Schütze e Sprouse (2013) quando afirmam que os dados de
julgamento exercem um papel crucial nas pesquisas linguísticas, visto que
fornecem informações que nem sempre estão disponíveis em outros tipos de
136
dados. Os linguistas mencionam quatro vantagens em se trabalhar com dados
de julgamento: (i) fornecem evidências acerca de fenômenos que ocorrem tão
raramente no uso linguístico espontâneo que seria impossível estudá-los de
outro modo; (ii) revelam, por vezes, o conhecimento linguístico dos falantes
cujo comportamento em outras tarefas não evidencia o mesmo grau de
conhecimento; (iii) evitam a inclusão, na análise dos dados, de erros de
produção (deslizes de articulação da língua ou de suportes do meio escrito)
cometidos pelos indivíduos, que poderiam ser associados a usos linguísticos
efetivos; (iv) podem ser coletados em comunidades de fala nas quais o uso de
equipamentos sofisticados seria inviável. A essas vantagens, acrescentamos,
ainda, um aspecto destacado por Derwing e De Almeida (2005), que diz
respeito à versatilidade da técnica, amplamente utilizada para fenômenos
sintáticos, mas que também é facilmente adaptável para fenômenos
fonológicos, morfológicos e semânticos.
Boa parte desses fatores foi determinante para que o teste de julgamento
fosse a primeira técnica experimental utilizada na análise das formas clíticas
de 2SG. Primeiramente, como vimos no capítulo de revisão, a distribuição dos
clíticos te, lhe e o/a nos corpora disponíveis mostra-se fortemente irregular,
visto que inúmeros fatores (principalmente extralinguísticos) podem interferir
direta ou indiretamente no uso desses pronomes na produção oral ou escrita.
Além disso, a análise das ocorrências em corpora é pouco informativa quanto
à maneira como, de fato, os indivíduos percebem os clíticos, limitando-nos a
conjecturas facilmente refutáveis. Junte-se, também, o fato de que o teste de
julgamento nos serviu de “filtro”, como mostraremos mais adiante, uma vez
que alguns aspectos até então não controlados interferiram inesperadamente
no julgamento emitido pelos participantes. Sendo assim, os dados de
julgamento possibilitaram um refinamento metodológico aplicado aos
experimentos posteriores.
Uma questão metodológica bastante relevante para a elaboração do
teste de julgamento é a escolha da variável dependente, ou seja, o meio pelo
qual os participantes reportarão seus julgamentos. Schütze e Sprouse (2013)
dividem os testes de julgamento em duas grandes categorias: tarefas não-
numéricas (ou qualitativas) e tarefas numéricas (ou quantitativas). Enquanto a
137
primeira é projetada para capturar diferenças qualitativas entre as condições,
a segunda serve para fornecer informação sobre o tamanho da diferença entre
as condições. Testes de julgamento em que os participantes devem escolher a
melhor opção (escolha forçada), ou dizer se uma determinada sentença faz
parte ou não da língua (teste de “sim ou não”) são considerados não-
numéricos. Já os testes em que os participantes atribuem uma nota dentro
uma escala para exprimir seu julgamento são representativos da categoria
numérica. Todos os tipos de variável dependente oferecem vantagens e
desvantagens ao pesquisador, cabendo a ele decidir, a partir do fenômeno
estudado, aquela que atenderá mais satisfatoriamente os seus objetivos.
Para o teste de julgamento com cenas legendadas desta tese, optamos
por utilizar a tarefa numérica/quantitativa da escala Likert (LIKERT, 1932).
Dentre as razões que nos levaram a adotar o julgamento por escala,
destacamos o fato de que esta tarefa é mais sensível do que as tarefas
qualitativas no estabelecimento de estimativas numéricas com relação ao
tamanho das diferenças entre as condições (cf. SCHÜTZE; SPROUSE, 2013).
Além disso, acreditamos que um julgamento do tipo sim ou não poderia gerar
enganosamente um resultado em que não houvesse diferenças significativas
entre os níveis da variável independente. Por sua vez, uma tarefa de escolha
forçada poderia salientar a consciência metalinguística dos participantes, já
que eles seriam levados a comparar frases contendo os clíticos analisados.
Todavia, reconhecemos as limitações da tarefa numérica, visto que é
impossível garantir que todos os indivíduos utilizem corretamente a escala de
notas (e não a transforme, por exemplo, em um teste qualitativo, atribuindo,
em todas as condições, apenas a nota mais alta e a mais baixa). Diante desse
risco, vários procedimentos foram adotados a fim de minimizar a utilização
equivocada da tarefa com escala pelos participantes, conforme descreveremos
na subseção de procedimentos.
Retomando o que dissemos no início desta seção, o experimento
envolvendo dados de julgamento aplicado para fins de análise dos pronomes
clíticos de 2SG consiste, na realidade, em uma adaptação do modelo clássico
de julgamento descrito na literatura experimental. O fenômeno linguístico em
foco exigiu modificações quanto à maneira como os enunciados seriam
138
exibidos para os participantes. Em geral, os pesquisadores inserem seus
objetos de investigação em frases declarativas ou pequenos parágrafos, de
modo que o próprio enunciado em si satisfaz as informações contextuais
necessárias para a leitura e o entendimento das frases. Para o estudo dos
clíticos de 2SG, contudo, esse formato seria insatisfatório, pois esses
elementos linguísticos estão fortemente vinculados às sequências textuais
dialógicas, que pressupõem uma interação discursiva direta entre dois ou
mais interlocutores.
Por essa razão, inserimos as formas clíticas estudadas em enunciados
associados a cenas de vídeo. Dito de outro modo, os participantes eram
expostos aos itens experimentais através de fragmentos de cenas de filmes e
seriados estrangeiros e liam as sentenças contendo os clíticos como se elas
fossem, na verdade, legendas das cenas. Essa solução resolve a questão da
dialogicidade associada às formas de 2SG, uma vez que os clíticos apareciam,
nas cenas, relacionados a personagens específicos, que interagiam em uma
situação comunicativa claramente identificável.
Vejamos, a seguir, quais são as hipóteses gerais da pesquisa
diretamente testadas no julgamento de cenas legendadas. Com base nessas
hipóteses, apontamos também quais são as previsões em torno da reação dos
participantes diante dos clíticos de 2SG analisados.
4.2 Hipóteses e previsões
Considerando as características específicas do teste de julgamento, as
questões levantadas nesta tese que poderiam ser diretamente observadas no
experimento são:
(i) A percepção das formas clíticas com referência à 2SG (te, lhe e o/a) é
condicionada por fatores de ordem sociopragmática, como o tipo de
interação e o grau de formalidade/intimidade?
(ii) O fator diatópico/regional interfere na percepção dos falantes do PB com
relação às formas clíticas de 2SG?
A partir dessas questões, formulamos as seguintes hipóteses:
139
(i) Dentre os clíticos em estudo, a forma te é a menos condicionada por
fatores sociopragmáticos, devido ao processo de gramaticalização
identificado nos dialetos do PB; a perda de restrições contextuais licencia
a ocorrência desse item em diferentes situações comunicativas. Por
serem formas menos gramaticalizadas e mais marcadas
linguisticamente, o/a e, principalmente, lhe são condicionadas a fatores
sociopragmáticos.
(ii) O fator diatópico não interfere na percepção dos falantes em relação ao
clítico te, uma vez que o processo de gramaticalização dessa forma não
se restringe a dialetos específicos do PB. O fator diatópico, contudo, atua
sobre a percepção do clítico lhe, já que esse pronome apresenta uma forte
associação com os dialetos nordestinos.
Das referidas hipóteses, derivam as previsões acerca do experimento
listadas a seguir:
(i) Os participantes emitirão um julgamento bastante positivo para as
condições que contêm o clítico te, atribuindo as notas mais altas da
escala, independentemente dos aspectos sociopragmáticos associados ao
tipo de interação;
(ii) O julgamento das condições que apresentam os clíticos lhe e o/a estará
condicionado aos aspectos sociopragmáticos associados ao tipo de
interação, de modo que as cenas marcadas por relações mais
assimétricas e com maior grau de formalidade receberão notas mais altas
nessas condições;
(iii) Os participantes naturais do estado do Ceará emitirão um julgamento
mais positivo para as condições com o clítico lhe, atribuindo notas mais
altas da escala, em comparação com o julgamento dos participantes
naturais dos estados do Sudeste (Rio de Janeiro, São Paulo e Minas
Gerais).
Na próxima subseção, discriminamos, em detalhes, quais foram as
variáveis independentes controladas no experimento e as condições delas
derivadas. As variáveis dependentes obtidas através do teste de julgamento
também são pontuadas na sequência.
140
4.3 Variáveis e condições
O experimento de julgamento de cenas legendadas foi construído
levando em consideração duas variáveis independentes, identificadas abaixo:
(a) TIPO DE CLÍTICO: te, lhe ou o/a
(b) TIPO DE INTERAÇÃO: simétrica ou assimétrica
Conjugando essas variáveis, estabelecemos seis condições
experimentais. A seguir, exemplificamos cada uma delas com uma das frases
experimentais utilizadas no teste:
(a) Condição TE-SIMÉTRICO
Ex.: “Eu te disse isso ontem.” [Grupo de amigos conversando em um bar]
(b) Condição TE-ASSIMÉTRICO
Ex.: “Deus sempre te espera por aqui.” [Freira e visitante na igreja]
(c) Condição LHE-SIMÉTRICO
Ex.: “Mas pelo visto ninguém lhe contou.” [Dois amigos conversando no trem]
(d) Condição LHE-ASSIMÉTRICO
Ex.: “Eu lhe pago qualquer preço pra sair daqui!” [Presidiário e advogado na cadeia]
(e) Condição O/A-SIMÉTRICO
Ex.: “Ele a trata como uma idiota!” [Duas amigas em um bar]
(f) Condição O/A-ASSIMÉTRICO
Ex.: “Se não falar a verdade eles o prendem.” [Advogada e detento na cadeia]
Um importante critério metodológico adotado em relação à variável tipo
de clítico no teste diz respeito à posição sintática das formas em relação ao
verbo predicador. Como ilustram os exemplos anteriores, todos os clíticos
sempre apareciam antepostos ao verbo principal (inclusive nas frases com
perífrase verbal). Entendemos que colocar os clíticos pospostos em algumas
legendas adicionaria outra variável independente no experimento – a posição
sintática do clítico em relação ao verbo –, algo não desejado para esta
investigação. Além disso, assumimos como pressuposto que a próclise é a
posição natural da maioria dos clíticos no PB (cf. PAGOTTO, 1993; GALVES,
2001; VIEIRA, 2002; inter alios) e, por isso, apresentar legendas com ênclise
aos participantes poderia interferir diretamente na nota atribuída pelo
julgamento.
Ainda sobre as frases construídas como itens experimentais, reforçamos
o que dissemos anteriormente: o padrão sintático das frases a serem julgadas
141
pelos participantes não era exatamente o mesmo. Dada a natureza do teste,
seria inviável que todas as legendas apresentadas nas cenas seguissem a
mesma configuração sintática. Cientes de que essa variabilidade pode, de
alguma maneira, interferir no julgamento, analisaremos, quando for
pertinente, os aspectos sintáticos das sentenças, a fim de verificar se eles
condicionaram um determinado padrão de julgamento.
Quanto à variável tipo de interação, recorremos aos pressupostos da
Pragmática Sociocultural (BROWN; GILMAN, 1960; BRIZ, 2004), que
postulam um sistema bipartido em Poder (P) e Solidariedade (S). Para os
autores, o eixo do Poder representa relações verticais, diferenciáveis ou não
recíprocas (diferenças quanto à faixa etária, sexo/gênero ou posição
hierárquica institucional dos indivíduos). Trata-se de relações governadas pela
hierarquia estabelecida em níveis distintos: pai-filho, professor-aluno etc. De
maneira oposta, as relações horizontais ou recíprocas representam o eixo da
Solidariedade. De acordo com Briz (2004, p.80), a Solidariedade envolve
relações de proximidade e simetria entre os indivíduos que negociam e
constroem a interação, independentemente do estatuto social. Nas relações
simétricas, há igualdade funcional entre os participantes quanto ao papel
exercido e semelhança na idade, sexo/gênero ou profissão.
Outros fatores sociopragmáticos que definem as interações de maior
proximidade são aqueles segundo os quais os indivíduos partilham mais
experiências ou saberes, possuem maior grau de contato (físico ou ocular) e
compromisso afetivo. Esses elementos identificam geralmente relações
simétricas. Já nas relações assimétricas, o papel funcional, os direitos e as
obrigações dos interlocutores são, de algum modo, determinados e mais
submetidos a convenções sociais.
Como já foi dito em linhas anteriores, a questão do tipo de interação é
bastante cara ao estudo dos pronomes de 2SG, visto que diversos trabalhos
baseados em análises de corpora relatam a influência de fatores como grau de
formalidade e intimidade entre os indivíduos, faixa etária etc. Por essa razão,
para que o resultado do experimento não fosse enviesado pela utilização de
um único tipo de interação – que, eventualmente, pudesse favorecer uma das
formas em detrimento das demais –, optamos por inserir metade das frases
142
experimentais em situações mais simétricas e a outra metade em situações
assimétricas. Isso se traduz, dentro do teste elaborado, em uma pluralidade
considerável de contextos comunicativos reproduzidos nas cenas dos filmes e
seriados utilizados. No Quadro 4.1, listamos todos os tipos de interação
presentes nas cenas experimentais:
Relações
simétricas
• Casal de namorados jovens
conversando
• Dois amigos conversando no
trem
• Casal discutindo em
apartamento
• Dois presidiários na cadeia
• Casal discutindo a relação na
rua
• Diálogo entre noivos no altar
do casamento
• Casal de jovens na praia
• Duas amigas em um bar
• Grupo de amigos
conversando em um bar
• Discussão entre jovens em
um bar
• Diálogo entre amigos de
trabalho no escritório
• Dois amigos conversando
numa arquibancada
Relações
asimétricas
• Rapaz e menino em casa
• Cliente e funcionária no caixa
do supermercado
• Presidiário e advogado na
cadeia
• Motorista e policial em Blitz
• Advogada e detento na cadeia
• Professora e aluna em sala de
aula
• Sequestrador e vítima em
área deserta
• Filho e pai em trilha na
montanha
• Aeromoça e passageiro no
avião
• Médico e paciente no hospital
• Freira e visitante na igreja
• Cliente e funcionária numa
lanchonete
Quadro 4.1 – Tipos de interação entre os personagens
nas cenas experimentais do teste de julgamento.
Além dessas duas variáveis independentes, que estruturam diretamente
o teste de julgamento, controlamos ainda outra variável: o estado de origem
dos participantes. Os níveis dessa variável são descritos a seguir:
(a) ESTADO DE ORIGEM: Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Ceará
143
O estado de origem representa uma variável grupal, no sentido de não
estar relacionada diretamente com o desenho do experimento, mas sim com o
perfil dos participantes, suas características próprias. Sabemos que, conforme
relatam os trabalhos sociolinguísticos, vigoram subsistemas de tratamento
diferentes nas localidades consideradas. Como compilado por Scherre et al.
(2015) na posição de sujeito, os falantes de São Paulo (na maior parte do
estado) e Minas Gerais utilizam exclusivamente a forma você, enquanto os
falantes do Rio de Janeiro e Ceará apresentam um uso variável entre você e
tu. Com relação à posição de complemento verbal, em particular, os clíticos de
2SG, os falantes cearenses alternam intensamente entre o uso de te e lhe
(ARAÚJO; CARVALHO, 2015), este último típico dos dialetos nordestinos. Os
falantes paulistas, mineiros e fluminenses empregam, por sua vez, mais
expressivamente te (LOPES et al., no prelo) e, em contextos muito específicos
e com menor frequência, lhe. Levaremos em conta esses aspectos na análise
dos resultados, a fim de verificar se as particularidades de cada subsistema
de tratamento utilizado pelos participantes de diferentes estados irão interferir
no julgamento emitido por eles.
Obtivemos a informação do local de origem dos participantes por meio
de uma ficha de participação, preenchida por todos os voluntários após a
realização do teste. Nela, eles redigiam a cidade e estado onde nasceram.
Posteriormente, na etapa de organização dos dados em uma planilha, essa
informação era transcrita em uma coluna específica.
No que se refere à variável dependente, o teste de julgamento de cenas
legendadas contou com a medida de nota atribuída segundo a escala Likert
(de 5 pontos), conforme representamos abaixo:
(a) NOTA ATRIBUÍDA SEGUNDO A ESCALA LIKERT: 1, 2, 3, 4 ou 5
Na seção subsequente, expomos as informações relevantes acerca do
perfil dos participantes do experimento.
144
4.4 Participantes
Participaram do experimento, ao todo, 98 sujeitos. Desse número total,
porém, desconsideramos os julgamentos emitidos por 16 indivíduos, que não
executaram a tarefa proposta corretamente27. Desse modo, foram
contabilizados, efetivamente, os julgamentos de 82 sujeitos, nativos de 4
estados brasileiros: Rio de Janeiro (20), São Paulo (18), Minas Gerais (22) e
Ceará (22). Destes, 29 eram do sexo masculino. A média de idade dos
voluntários era de, aproximadamente, 25 anos. Todos possuíam nível superior
(completo ou em andamento).
Quanto à área de formação, a maioria dos participantes fez/faz
graduação em Letras (71), havendo, também, graduandos/graduados de
Biologia (08), Filosofia (01), Farmácia (01) e Odontologia (01). Sobre a
participação de estudantes de Letras no teste, algo que costuma não ser
recomendado na Psicolinguística (pois acredita-se que eles podem ter seu
desempenho linguístico alterado devido a uma maior consciência
metalinguística e/ou maior atenção à norma culta), acreditamos que ela não
seja prejudicial ao tipo de teste utilizado. A tarefa dos participantes consistiu
em uma atividade bastante lúdica, de forma que a interferência da consciência
metalinguística ou da avaliação segundo a norma culta parece ter sido
mínima. Além disso, perguntamos aos sujeitos, no final do teste, se algo em
particular havia chamado a atenção e nenhum dos 82 participantes
considerados na análise mencionou qualquer aspecto relativo aos clíticos de
2SG.
4.5 Materiais
Para a elaboração dos itens experimentais e distratores, selecionamos
os fragmentos de cenas que seriam utilizados junto aos enunciados com os
27 Desconsideramos os julgamentos dos participantes que deram a mesma nota para todos
os itens (inclusive para os distratores ruins), que criaram um padrão próprio de julgamento
dentro da escala (p. ex., atribuíam apenas 1 e 5) e ainda os que atribuíram notas aleatoriamente (1, 2, 3, 4, 5 sequencialmente).
145
clíticos de 2SG28. Todos os vídeos foram extraídos de cenas de filmes e seriados
estrangeiros disponíveis online no site do YouTube. Para capturá-los,
utilizamos o 4K Video Downloader, software gratuito e disponível na internet
e compatível com os sistemas operacionais Windows, Mac e Linux. Após a
captura das cenas, elas foram recortadas e editadas com o auxílio do iMovie,
editor de vídeos gratuito, disponível somente para Mac. Na etapa de edição,
retiramos o som original das cenas, visto que sua presença poderia
desconcentrar os participantes durante o teste. Ainda na etapa de edição,
estipulamos um tempo de duração aproximado de 15 segundos para cada
cena, com o intuito de que o tempo total de duração do experimento não
causasse um excessivo desgaste nos participantes, o que, consequentemente,
comprometeria os resultados. Ao todo, selecionamos 48 fragmentos de cenas.
Figura 4.1 – Interface do programa iMovie.
Posteriormente, elaboramos as legendas a serem adicionadas aos
fragmentos de cena. As legendas foram especialmente criadas para o
experimento, de modo que não havia qualquer correlação entre elas e o roteiro
original dos filmes ou dos seriados selecionados. Para a inserção das legendas
nos fragmentos de vídeo, utilizamos a ferramenta Movie Maker, aplicativo
gratuito e disponível apenas para Windows.
28 Agradeço imensamente o auxílio de Bruna Brasil Albuquerque de Carvalho, bolsista de Iniciação Científica pela FAPERJ, nas etapas de seleção e edição dos fragmentos de cena.
146
Figura 4.2 – Interface do Movie Maker com cena recebendo legenda.
Das 48 cenas editadas, 24 traziam na legenda um dos clíticos de 2SG
(8 legendas com te, 8 legendas com lhe e 8 legendas com o/a29). As frases que
continham o pronome eram sempre as últimas a aparecer em cada vídeo,
sendo exibidas na cor vermelha. Antes delas, havia outras (5, em média),
apresentadas na cor branca, com a finalidade de criar um breve diálogo30 para
a situação representada na cena, conforme podemos visualizar na Figura 4.3:
29 Dada a natureza alternante desse clítico segundo o gênero do referente, construímos 4
legendas com o e 4 legendas com a. 30 Todos os diálogos criados para as legendas das cenas experimentais encontram-se
disponíveis nos anexos.
147
Figura 4.3 – Diálogo da cena experimental “Aeromoça e passageiro no avião”.
As outras 24 cenas foram utilizadas como distratoras, inseridas com o
intuito de despistar os participantes em relação ao fenômeno investigado.
Tradicionalmente, nas pesquisas psicolinguísticas, os investigadores inserem
dois terços de itens distratores em relação ao número de itens experimentais.
No teste de julgamento de cenas legendadas, contudo, decidimos inserir o
mesmo número de cenas experimentais e distratoras, visto que as frases na
cor branca que precediam a frase em vermelho já funcionavam como
distratoras. Junte-se a isso o fato de o enunciado a ser julgado aparecer na
forma de legenda, acompanhando o vídeo, o que também funcionava, de certa
maneira, como um elemento distrator.
Nas cenas distratoras, não havia clíticos de 2SG (cf. Figura 4.4). Essas
cenas serviram, também, como parâmetro para verificar se os participantes
haviam executado a tarefa corretamente, visto que metade das distratoras
trazia problemas na legenda (o que deveria fazer com que os indivíduos
atribuíssem as notas mais baixas da escala) e a outra metade não apresentava
qualquer problema (devendo, portanto, receber as notas mais altas da escala).
Todas as frases das legendas foram escritas com fonte Segoe UI, tamanho 24.
148
Figura 4.4 – Exemplo de um diálogo distrator considerado bom.
No que se refere aos itens do experimento em correlação com as
condições, temos a seguinte distribuição representada a seguir:
(a) Condição TE-SIMÉTRICO: 4 cenas
(b) Condição TE-ASSIMÉTRICO: 4 cenas
(c) Condição LHE-SIMÉTRICO: 4 cenas
(d) Condição LHE-ASSIMÉTRICO: 4 cenas
(e) Condição O/A-SIMÉTRICO: 4 cenas
(f) Condição O/A-ASSIMÉTRICO: 4 cenas
(g) Distratores bons: 12 cenas
(h) Distratores ruins: 12 cenas
Após a fase de edição e legendagem, reunimos e programamos as cenas
no Psyscope X B77 (COHEN et al., 1993), software gratuito e disponível
somente para Mac, amplamente utilizado em experimentos da área da
psicolinguística. Através do programa, as cenas foram randomizadas, de
forma que cada participante assistia às 48 cenas em sequências aleatórias.
149
Esse procedimento é importante, pois evita que os resultados sejam
influenciados, por exemplo, por um possível estranhamento inicial dos
participantes em relação ao experimento – o que afetaria o julgamento das
primeiras legendas – ou pelo cansaço gerado durante a execução da tarefa –
que prejudicaria a avaliação das últimas legendas. Além de computar as notas
atribuídas pelos participantes, o Psyscope registrou também o tempo de
emissão da nota para cada cena.
Quanto à distribuição dos participantes, todos os 82 sujeitos foram
expostos a todas as condições experimentais. Sendo assim, podemos dizer
que, no teste de julgamento, adotamos uma distribuição dentre participantes
(within subjects).
Após a descrição material do experimento, vejamos, a seguir, quais
foram os procedimentos adotados durante a aplicação do teste.
4.6 Procedimentos
O teste de julgamento de cenas legendadas foi aplicado aos
participantes entre maio de 2016 e setembro de 2017, nos quatro estados
brasileiros anteriormente mencionados31. Para a aplicação, utilizamos dois
notebooks – MacBook Air, monitor de 11”, e Macbook Pro, monitor de 15”
(Apple, Macintosh). Cada participante recebia, individualmente, as instruções
para a realização do teste, feitas oralmente, em interação direta com o
pesquisador responsável, e por escrito, na tela inicial da tarefa. Antes de
começar efetivamente o teste, todos os sujeitos cumpriam uma etapa de
treinamento, na presença do pesquisador, recebendo orientações específicas
sobre a dinâmica do experimento.
Na fase de treinamento – apenas com legendas distratoras, que
apresentavam o mesmo formato do experimento real –, os participantes eram
instruídos a assistir atentamente aos vídeos (visto que não havia a
possibilidade de paralisar ou rever as cenas) e, ao final de cada um, julgar a
qualidade da frase destacada na cor vermelha, observando a coerência da
31 Rio de Janeiro: maio de 2016; São Paulo: abril de 2017; Minas Gerais: maio de 2017; Ceará: setembro de 2017.
150
mesma com a situação à qual ela estava associada. O julgamento era feito
segundo uma escala numérica de 5 pontos, em que a Nota 1 deveria ser
atribuída às frases consideradas “completamente incoerentes”, e a Nota 5
deveria ser atribuída às frases consideradas “completamente coerentes” com
a situação na qual estavam inseridas. As Notas 2, 3 e 4 deveriam ser utilizadas
em consonância com a proximidade das duas extremidades da escala.
O participante só iniciava o teste real quando demonstrava ter
compreendido plenamente a tarefa. Durante a realização do experimento, os
sujeitos ficavam sozinhos ou em um campo bastante isolado dentro da sala
de aplicação, havendo isolamento acústico necessário para a concentração na
tarefa, sem que houvesse a interferência da presença do pesquisador ou de
terceiros. De modo geral, os participantes demoravam, em média, 15 minutos
para julgar todas as cenas do experimento. As notas eram acionadas através
das teclas numéricas do Macbook. O início da tarefa e de cada nova cena era
efetuado através da tecla de espaço.
Na sequência, iniciamos a apresentação dos resultados obtidos a partir
do referido experimento. Em seguida, discutimos esses resultados à luz das
hipóteses e previsões postuladas.
4.7 Resultados
Os julgamentos emitidos pelos participantes foram organizados em
planilhas do Excel e receberam tratamento estatístico através da plataforma
R. Comecemos pelos resultados globais, a fim de verificar se houve um efeito
principal envolvendo a variável tipo de pronome. A Figura 4.5 traz uma síntese
dos julgamentos atribuídos para cada forma clítica investigada (lhe, o/a, te)
por meio de boxplots (“gráfico de caixas”). Esse modelo de gráfico nos
possibilita visualizar a concentração e a dispersão de julgamentos na escala
de notas. Em um boxplot, as barras horizontais da caixa central indicam onde
se situam os limites de 25%, 50% e 75% das medições (primeiro, segundo e
terceiro quartis, respectivamente). As barras indicam, ainda, os pontos em que
há maior concentração de valores. As barras horizontais delimitando o fim das
linhas tracejadas marcam a dispersão dos dados. Vejamos:
151
Figura 4.5 – Distribuição de notas atribuídas pelos participantes
na escala de julgamento segundo o tipo de clítico.
Como podemos verificar no resultado global, em que foram reunidas
as respostas dos 82 participantes, as legendas que traziam a forma te foram
as que receberam notas mais altas: a mediana (linha horizontal em negrito)
encontra-se no ponto 4 da escala (segunda maior nota) e é muito próxima da
média geral de 3,93; além disso, a posição da caixa de concentração de notas
no eixo de te entre os pontos 3 e 5 da escala também é indicativa de que as
notas atribuídas às condições com esse pronome foram consideravelmente
altas. A dispersão, marcada pela linha tracejada, estende-se até o ponto 1,
revelando que, apesar da alta concentração na parte superior da escala, houve
julgamentos entre os pontos mais baixos da mesma.
Esse padrão observado para a forma te diferencia-se visivelmente dos
padrões encontrados para o julgamento das legendas que exibiam as formas
lhe e o/a. No que diz respeito a lhe, notamos que, embora a parte superior da
caixa sinalize uma concentração das avaliações entre os pontos 3 e 5, a
mediana está situada no ponto 3 da escala e é bastante próxima da média
geral, que registra 3,29. Chamamos a atenção, ainda, para o fato de a linha
que indica o primeiro quartil estar situada no ponto 2, mostrando que houve
certa concentração de julgamentos no polo inferior da escala. Padrão similar
pode ser visto com relação ao eixo da forma o/a: os julgamentos das legendas
que continham esse clítico traduzem-se em uma concentração de notas em
torno do ponto 3 da escala, conforme sinalizam a mediana e a média (3,25) na
Figura 4.5.
152
Apesar das coincidências em relação à mediana e à média, é preciso
sublinhar diferenças existentes entre a distribuição das notas dadas para as
legendas com lhe e com o/a. Analisando o posicionamento das linhas que
demarcam o terceiro quartil, vemos que a concentração de julgamentos para
lhe se estende até o ponto 5, o mais elevado da escala, enquanto que a
concentração de julgamentos para o/a se situa até, aproximadamente, o ponto
4. Isso parece mostrar que, embora as medianas sejam iguais e as médias
apresentem valores quase idênticos, de uma maneira geral, as legendas com
lhe receberam maior número de notas altas em comparação com as legendas
com o/a. Como sugere o padrão do boxplot de o/a, a nota 3 da escala parece
ser mais representativa do julgamento emitido pelos participantes acerca
desse clítico em relação aos demais.
Com o intuito de averiguar a significância das diferenças observadas
no gráfico, realizamos análises de estatística inferencial, através da aplicação
do teste de qui-quadrado (2). A partir desse teste, constatamos que as
diferenças existentes na distribuição das notas atribuídas para as legendas
com te são significativamente relevantes, tanto em contraste com as notas
dadas para lhe (2=77,0 (4), p < 0,001)32 quanto com as notas para o/a
(2=95,77 (4), p < 0,001). Em contrapartida, ao compararmos a distribuição
das notas atribuídas para as legendas com lhe e com o/a, a análise de qui-
quadrado apontou que as diferenças não são estatisticamente significativas
(2=7,64 (4), p = 0,10).
Ao contemplarmos na análise a variável tipo de interação,
relacionando-a aos clíticos em estudo, encontramos os seguintes padrões de
distribuição, ilustrados nas Figuras 4.6 e 4.7 a seguir:
32 A notação do valor de probabilidade (p-valor) indica que a chance da distribuição de notas observada para as legendas com te em comparação com a distribuição observada para as
legendas com lhe ser a mesma é menor do que 1 em 1000 (p < 0,001).
153
Figura 4.6 – Distribuição das notas
atribuídas aos clíticos em cenas com relações simétricas
Figura 4.7 – Distribuição das notas
atribuídas aos clíticos em cenas com relações assimétricas
Vemos, com base nos gráficos, que as legendas que traziam a forma te
foram as mais bem julgadas no experimento, tanto nas cenas que envolviam
relações mais simétricas entre os personagens quanto nas cenas em que havia
relações com certa assimetria. No primeiro contexto, percebemos que o
terceiro quartil do boxplot se situa no ponto 5 da escala, a mediana encontra-
se no ponto 4 (novamente, bem próxima do valor da média: 4,14) e o limite
inferior de dispersão de notas vai até o ponto 3; os pontos 1 e 2 da escala
aparecem sinalizados com outliers (os pequenos círculos), indicando valores
atípicos. No segundo contexto, encontramos as mesmas marcações para o
terceiro quartil e para a mediana (confronte-se com a média: 3,72); contudo,
podemos verificar, também, que o primeiro quartil se situa no ponto 3 da
escala, e o limite superior de dispersão se estende até o ponto 5.
Essas disparidades indicam que, embora a concentração de notas, em
ambos os contextos, tenha se situado na parte superior da escala, houve
diferenças no que diz respeito aos julgamentos segundo o tipo de relação: as
legendas com te em cenas com relações assimétricas tiveram uma dispersão
entre os pontos 1 e 3 que não se verifica para as legendas com te em cenas
com relações simétricas. A análise estatística pelo teste de qui-quadrado
indicou, ainda, que essas diferenças são significativas (2=24,74 (4), p <
0,001).
Observamos, também, diferenças no padrão de boxplot do clítico lhe,
confrontando-se os dois tipos de interação estabelecidos no experimento.
154
Como ilustram as Figuras 4.6 e 4.7, para as cenas em que havia interações
simétricas entre os personagens, a concentração de notas dadas pelos
participantes situa-se na parte superior da escala, em que verificamos a linha
do terceiro quartil no ponto 5 e a mediana em 4. Distanciando-se desses
valores, temos a média (3,45) e a linha do primeiro quartil no ponto 2. O limite
inferior de dispersão situa-se no ponto 1 da escala. Isso indica que houve
maior variabilidade de julgamentos emitidos, mas, ainda assim, as notas mais
elevadas são as mais frequentes. Em contrapartida, para as legendas com lhe
em cenas com interações assimétricas entre os personagens, verificamos um
padrão distinto: a concentração de notas encontra-se entre os pontos 4
(terceiro quartil) e 2 (primeiro quartil), com a mediana no ponto 3 (e média
igual a 3,14). Os limites de dispersão alcançam os pontos 5 (na parte superior)
e 1 (na parte inferior).
As diferenças nos padrões descritos anteriormente, acerca do clítico lhe,
indicam que a variável tipo de relação parece ter atuado também no
julgamento dos participantes. Enquanto no contexto de relações simétricas a
concentração de notas está na parte superior da escala, no contexto de
relações assimétricas essa concentração gira em torno do ponto 3, parte
central da escala de julgamento. Assim como no caso do pronome te, o teste
de qui-quadrado também sinalizou que as diferenças observadas no
julgamento de lhe segundo o tipo de relação são significativas ((2=11,61 (4), p
< 0,05).
Quanto aos padrões de boxplot relativos ao clítico o/a, notamos que não
houve diferenças expressivas no que se refere à concentração e à dispersão de
notas de julgamento. Independentemente do tipo de relação – simétrica ou
assimétrica –, temos o mesmo padrão: mediana no ponto 3, com o terceiro
quartil no ponto 4 e o primeiro quartil no ponto 2, limites de dispersão nos
pontos 5 (superior) e 1 (inferior). A única diferença fica a cargo da média geral
registrada: 3,33 nas relações simétricas e 3,18 nas relações assimétricas. A
análise pelo teste de qui-quadrado (2=4,33 (4), p = 0,36) corrobora a
impressão visual sugerida pelos gráficos: não há diferenças significativas no
padrão de julgamento das legendas que traziam o clítico o/a em relação ao
tipo de interação.
155
Explorando ainda os dados presentes nos gráficos das Figuras 4.6 e 4.7,
verificamos, através do teste de qui-quadrado, que as diferenças perceptíveis
entre as notas dadas para as legendas com te e para as legendas com lhe e
o/a são significativas tanto nas relações simétricas (te-lhe: 2=54,67 (4), p <
0,001; te-o/a: 2=80,37 (4), p < 0,001) quanto nas relações assimétricas (te-
lhe: 2=31,52 (4), p < 0,001; te-o/a: 2=27,48 (4), p < 0,001). Já as diferenças
atestadas entre lhe e o/a novamente não se mostraram significativas em
nenhum dos dois contextos em questão (simétrico: 2=5,80 (4), p = 0,21;
assimétrico: 2=5,36 (4), p = 0,25).
Dando prosseguimento à apresentação dos resultados, abordaremos,
agora, os dados de julgamento contemplando a variável estado de origem, a
fim de analisar se os padrões de distribuição de nota e as diferenças
identificadas no resultado global se refletem nos padrões e nas diferenças dos
participantes divididos por estado. Pretendemos verificar, também, se as
diferenças dialetais existentes entre as localidades analisadas interferiram no
julgamento dos participantes, isto é, se o julgamento emitido pelos sujeitos foi
influenciado pelo sistema de tratamento utilizado em cada localidade. Nas
Figuras 4.8-4.11, temos os gráficos que apresentam a distribuição de notas
por estado:
Figura 4.8 – Distribuição de notas
atribuídas aos clíticos pelos participantes
cearenses
Figura 4.9 – Distribuição de notas
atribuídas aos clíticos pelos participantes mineiros
156
Figura 4.10 – Distribuição de notas
atribuídas aos clíticos pelos participantes
fluminenses
Figura 4.11 – Distribuição de notas
atribuídas aos clíticos pelos participantes
paulistas
Como podemos notar, a concentração de notas altas para as legendas
com o clítico te, identificada no gráfico geral dos dados, também ocorre nos
gráficos que ilustram os resultados por estados. Em todos eles, esse foi o
pronome mais bem julgado, registrando mediana no ponto 4 da escala e
médias girando em torno desse mesmo ponto (RJ: 4,01; SP: 3,92; MG: 3,90;
CE: 3,88). Quanto ao padrão de boxplot, temos a mesma distribuição de dados
do clítico te em três estados: os julgamentos dos participantes cearenses,
mineiros e paulistas concentram-se entre os pontos 5 (terceiro quartil) e 3
(primeiro quartil); o limite de dispersão inferior alcança o ponto 1. Destoando
visivelmente da distribuição mencionada para essas três localidades,
verificamos que a concentração dos julgamentos dos participantes
fluminenses se situa entre os pontos 5 (terceiro quartil) e 4 (mediana), com o
limite de dispersão inferior atingindo o ponto 3 da escala; os pontos 2 e 1
aparecem sinalizados como valores atípicos. Desse modo, vemos que os
participantes do RJ emitiram um julgamento mais coeso, o que parece indicar
maior aceitação da forma te entre eles.
Ao efetuarmos o teste de qui-quadrado, contudo, identificamos que
nenhum dos padrões de distribuição verificados é significativamente diferente
(CE-MG: 2=1,86 (4), p = 0,76; CE-RJ: 2=7,61 (4), p = 0,10; CE-SP: 2=4,05
(4), p = 0,39; MG-RJ: 2=6,40 (4), p = 0,17; MG-SP: 2=1,46 (4), p = 0,83; RJ-
SP: 2=4,91 (4), p = 0,29). Pautando-nos nesses dados, podemos dizer que o
julgamento dos participantes acerca do pronome te não foi influenciado pelas
157
diferenças existentes entre os sistemas de tratamento das localidades em
questão.
A referida semelhança na distribuição das notas para as legendas com
te entre os participantes dos quatro estados analisados não é encontrada para
as notas dadas às legendas com o clítico lhe. Na realidade, vemos quatro
padrões destoantes entre si. Os julgamentos dos participantes cearenses são
os que se concentram na parte mais superior da escala, com a linha do terceiro
quartil situada no ponto 5 e a mediana no ponto 4 (média: 3,47); a linha do
primeiro quartil encontra-se no ponto 2 e o limite de dispersão inferior no
ponto 1. Frente a esse padrão, temos os julgamentos dos participantes
mineiros, fluminenses e paulistas, que são semelhantes apenas quanto à
mediana, localizada no ponto 3 da escala. Dentre os resultados desses três
estados, vemos que os julgamentos dos participantes de MG se concentram
entre os pontos 3 e 4,5 (aproximadamente), com limites de dispersão que
atingem os pontos 1 e 5. Já os julgamentos dos participantes do RJ revelam
grande variabilidade na concentração de notas, que vão desde o ponto 5
(terceiro quartil) até o ponto 2 (primeiro quartil), com limite de dispersão
inferior situado no ponto 1. Por fim, temos os julgamentos dos participantes
paulistas, que se concentram entre os pontos 4 (terceiro quartil) e 2 (primeiro
quartil) da escala, com limites de dispersão nos pontos 5 (superior) e 1
(inferior).
Aplicando-se o teste de qui-quadrado às quatro distribuições como um
todo, detectamos um valor de probabilidade significativo (2=24,06 (12), p =
0,01) em relação às notas atribuídas para as legendas com o clítico lhe. Na
análise por pares, todavia, a única diferença que se mostrou estatisticamente
significativa foi a existente entre a distribuição de notas dos participantes de
MG e do RJ (2=14,06 (4), p < 0,01). Nas demais comparações (CE-MG: 2=6,05
(4), p = 0,19; CE-RJ: 2=8,11 (4), p = 0,08; CE-SP: 2=5,66 (4), p = 0,22; MG-
SP: 2=6,17 (4), p = 0,18; RJ-SP: 2=6,08 (4), p = 0,19), os valores de
probabilidade não foram significativos.
No que tange às distribuições de notas dadas para as legendas com o
clítico o/a, também podemos perceber diferenças entre os padrões de
julgamento. Vemos que, nos quatro boxplots, representativos dos julgamentos
158
dos participantes dos estados investigados, a linha da mediana encontra-se
no ponto 3 da escala, assim como a linha do primeiro quartil, que se situa no
ponto 2, e o limite de dispersão inferior, que atinge o ponto 1. As diferenças
restringem-se, portanto, à parte superior dos gráficos. Na representação dos
julgamentos de MG, temos o único caso em que a linha do terceiro quartil se
situa no ponto 5 de escala, indicando, pois, certa variabilidade de notas altas
(4 e 5) no que diz respeito à concentração dos julgamentos. Já na
representação dos dados do RJ, a linha do terceiro quartil situa-se entre os
pontos 4 e 5, havendo dispersão de notas até o ponto 5 (sinalizado pela linha
tracejada na parte superior). Nas representações dos julgamentos dos
participantes do CE e de SP, temos o mesmo padrão: a linha do terceiro quartil
situada no ponto 4 e o limite de dispersão superior situado no ponto 5 da
escala. De forma geral, os padrões de o/a revelam que, embora as medianas
na nota 3 ilustrem certa concordância entre os participantes dos 4 estados (e
também as médias, que são bem próximas – CE: 3,26; MG: 3,44; RJ: 3,19; SP:
3,08) no julgamento desse pronome, as linhas de concentração e dispersão
sinalizam para diferenças de comportamento quanto à atribuição de notas
maiores do que 3.
Curiosamente, os testes de qui-quadrado apontaram que há diferenças
significativas entre os padrões de notas dadas para o/a. Já na aplicação do
teste às quatro distribuições reunidas (2=26,40 (12), p < 0,01), verificamos o
valor de significância existente entre os padrões. Na aplicação do teste por
pares, em quatro deles obtivemos a relevância estatística (CE-MG: 2=11,93
(4), p < 0,05; CE-RJ: 2=9,26 (4), p = 0,05; MG-RJ: 2=17,02 (4), p < 0,01; MG-
SP: 2=12,61 (4), p < 0,05). Não foram estatisticamente significativas as
diferenças entre as notas dadas pelos participantes do CE e SP (2=2,83 (4), p
= 0,58) e do RJ e SP (2=6,49 (4), p = 0,16).
Ao compararmos a distribuição de notas para os três tipos de pronome
segundo os dados de cada localidade, verificamos que, em todas elas, houve a
mesma diferença significativa entre te e os demais pronomes (CE: te-lhe -
2=11,10 (4), p < 0,05; te-o/a - 2=23,53 (4), p < 0,001; MG: te-lhe - 2=17,63
(4), p < 0,01; te-o/a - 2=17,05 (4), p < 0,01; RJ: te-lhe - 2=31,61 (4), p < 0,001;
te-o/a - 2=43,71 (4), p < 0,001; SP: te-lhe - 2=26,55 (4), p < 0,001; te-o/a -
159
2=31,43 (4), p < 0,001). Do mesmo modo, não detectamos, para nenhuma das
localidades analisadas, um valor de significância relativo às notas dadas para
lhe em contraste com as notas dadas para o/a (CE: 2=3,53 (4), p = 0,47; MG:
2=6,86 (4), p = 0,14; RJ: 2=8,13 (4), p = 0,08; SP: 2=1,40 (4), p = 0,84).
Passemos agora aos gráficos que combinam as três variáveis
comentadas até este ponto: tipo de clítico, tipo de interação e estado de origem.
As distribuições encontradas são exibidas nas Figuras 4.12-4.15 abaixo,
também na forma de boxplots:
Figura 4.12 – Distribuição de notas atribuídas aos clíticos
pelos participantes cearenses segundo o tipo de interação
Figura 4.13 – Distribuição de notas atribuídas aos clíticos
pelos participantes mineiros segundo o tipo de interação
160
Figura 4.14 – Distribuição de notas atribuídas aos clíticos
pelos participantes fluminenses segundo o tipo de interação
Figura 4.15 – Distribuição de notas atribuídas aos clíticos
pelos participantes paulistas segundo o tipo de interação
Em primeiro lugar, cumpre destacar que os participantes de todas as
localidades julgaram mais positivamente o clítico te quando este aparecia em
uma situação simétrica. Isso pode ser constatado pelo posicionamento das
caixas de concentração referentes à distribuição das notas do CE, RJ e SP e
pelas médias das quatro localidades (CE: 4,08; MG: 3,94; RJ: 4,17; SP: 4,40).
Em nenhum subgrupo do conjunto de participantes, inclusive, a concentração
de notas dadas para te em interações assimétricas foi superior à concentração
de notas para esse mesmo clítico nas interações simétricas. Na distribuição
dos julgamentos emitidos por fluminenses e paulistas, chama a atenção o fato
de a mediana estar situada no ponto 5 da escala quando te era exibido em
cenas simétricas. Nos julgamentos dos participantes de MG, temos uma
distribuição idêntica para te em interações simétricas e assimétricas, desfeita
apenas pelo índice das médias registradas (te-simétrico: 3,94; te-assimétrico:
161
3,86). Nos julgamentos dos sujeitos cearenses, as medianas relativas a te
coincidem no ponto 4 da escala, porém tanto o padrão das caixas de
concentração quanto os valores das médias (simétrico: 4,08; assimétrico: 3,68)
sugerem a prevalência de aceitação desse clítico nas interações simétricas.
As cenas de caráter simétrico também favoreceram a atribuição de notas
mais altas para o clítico lhe. Quer pela disposição das caixas de concentração,
quer pelas médias registradas (CE: 3,67; MG: 3,51; RJ: 3,31; SP: 3,24),
podemos verificar que as notas atribuídas pelos participantes das quatro
localidades foram ligeiramente mais altas para lhe nas situações simétricas,
frente as assimétricas. Há, entretanto, diferenças diatópicas quanto à
distribuição de lhe-simétrico. Olhando para a posição em que as medianas se
situam, vemos que, nos gráficos baseados nos julgamentos dos participantes
do CE e de MG, elas se encontram no ponto 4, enquanto que, nos gráficos do
RJ e de SP, as mesmas se posicionam no ponto 3 da escala. Aliás, os padrões
de concentração e dispersão do RJ e de SP, de um lado, e do CE e de MG, de
outro, são idênticos. As diferenças na distribuição ficam mais acentuadas em
relação a lhe-assimétrico: os participantes cearenses foram os que atribuíram
as notas mais altas em termos de concentração; já os julgamentos dos
fluminenses têm um padrão exatamente inverso ao dos cearenses,
configurando o subgrupo de participantes que atribuiu as notas mais baixas
para essa condição; os julgamentos dos mineiros e paulistas, por sua vez, são
idênticos e revelam uma concentração de notas em torno do ponto 3 da escala.
No que se refere ao clítico o/a, não notamos, através da observação dos
gráficos, nenhum efeito geral do tipo de interação sobre os participantes das
diferentes localidades, uma vez que cada estado apresenta um padrão
diferente. Os julgamentos dos cearenses e dos mineiros indicam uma
concentração de notas mais altas para o/a em situações simétricas,
perceptível pela posição das caixas (no caso de MG) e pela localização das
medianas na escala (em ambos os casos). Em contrapartida, os julgamentos
dos participantes do RJ apontam para um quadro oposto, visto que a
concentração de notas é maior quando o referido clítico aparece em interações
assimétricas (visualizada pela posição do terceiro quartil, que se situa no
ponto 5). Já em relação aos julgamentos dos participantes paulistas, não há
162
diferenças de concentração quanto ao tipo de interação, e a única
dessemelhança entre as distribuições diz respeito aos valores das médias
(simétrico: 3,14; assimétrico: 3,03).
4.8 Discussão
Explorando os resultados obtidos a partir do gráfico geral, apresentado
na Figura 4.5, verificamos que a nossa previsão de que os participantes
emitiriam um julgamento bastante positivo para as legendas que contivessem
o clítico te se confirmou nos nossos dados. Das três formas em análise, esta
foi a que recebeu a maior concentração de notas altas (especialmente, a nota
5), revelando, inclusive, uma diferença significativa para a concentração de
notas atribuídas às legendas com lhe e o/a, conforme sinalizaram os testes de
qui-quadrado. Esse resultado global nos permite conjecturar que, de fato,
existe uma reação diferente, em termos de percepção linguística, por partes
dos falantes ao lerem o pronome te na legenda, reação essa que se manifesta,
nos dados de julgamento, na avaliação altamente positiva.
Essa hipótese acerca de te também encontra respaldo nos resultados
apresentados nas Figuras 4.6 e 4.7, em que cruzamos a variável tipo de clítico
com as variáveis tipo de interação e estado de origem. Tais resultados
evidenciam que a avaliação positiva observada no gráfico geral não é causada
pela atuação nem do tipo de interação – visto que te foi o clítico que recebeu
as maiores notas tanto nas cenas simétricas quanto nas cenas assimétricas –
e nem da naturalidade dos participantes – uma vez que o pronome te recebeu
as maiores notas entre os participantes dos quatro estados diferentes.
A partir disso, percebemos que os resultados experimentais sustentam
outras duas hipóteses defendidas nesta pesquisa: (i) a forma te é a menos
condicionada por fatores de ordem sociopragmática, devido ao processo de
generalização como marca de segunda pessoa por que passa nos dialetos do
PB e (ii) a percepção dos falantes em relação ao clítico te não sofre interferência
do fator diatópico. Mesmo esse item tendo sido inserido em cenas com
situações comunicativas diversas e tendo sido julgado por falantes de
diferentes localidades do país (dentre elas, MG e SP, em que não se utiliza a
163
forma tu na posição de sujeito, e CE, em que se utiliza expressivamente o
clítico lhe como complemento), parece que, na maioria dos casos, sua
presença não foi percebida como inadequada ou artificial. O resultado do
Experimento 1 evidencia, portanto, o fato de que o clítico te parece ter se
tornado “imune” a pressões sociopragmáticas frente as outras duas formas
clíticas. Tomamos esse resultado como um indicativo do caráter ainda mais
gramatical que esse item teria adquirido no PB.
Se os resultados gerais foram bastante informativos em relação ao
julgamento do clítico te, o mesmo não podemos dizer acerca dos julgamentos
emitidos para as formas lhe e o/a. No gráfico geral da Figura 4.5, vimos que
as notas dos participantes para as cenas que traziam esses clíticos giraram
em torno do ponto 3 da escala, ainda que, na comparação entre ambos, lhe
tenha sido mais bem julgado do que o/a.
No que se refere à atuação da variável tipo de interação, observamos que
lhe recebeu notas mais altas quando aparecia em situações mais simétricas,
contrariando a nossa previsão. Os julgamentos para as legendas com o
pronome o/a foram praticamente idênticos nas cenas simétricas e
assimétricas, com notas próximas ao ponto 3 da escala.
Ainda sobre os clíticos lhe e o/a, nas Figuras 4.8-4.11, em que temos a
correlação com a variável grupal estado de origem, vimos padrões de
julgamento destoantes para lhe, uma vez que os participantes de cada estado
atribuiu um padrão de notas distinto para as legendas com esse clítico, com
destaque para o julgamento dos cearenses, em que as notas se concentraram
na parte mais alta da escala (embora o teste de qui-quadrado tenha apontado
que essa diferença não é estatisticamente significativa em relação às notas
dos demais participantes).
Quanto à forma o/a, com exceção dos julgamentos dos participantes
mineiros, os julgamentos emitidos apresentaram padrões similares, com notas
em torno do ponto 3 da escala, o que parece indicar incerteza na hora da
avaliação. Novamente, os testes estatísticos indicaram não haver diferenças
significativas entre as localidades investigadas.
Podemos relacionar esse padrão de julgamento observado para as
legendas com o/a a vários fatores. O principal deles talvez seja a
164
artificialidade, para falantes do PB, em se fazer referência ao interlocutor
utilizando a forma o/a. Diversos estudos, desde o trabalho pioneiro de Duarte
(1986), têm recorrentemente demonstrado a baixíssima produtividade desse
clítico na variedade brasileira. Mesmo entre os indivíduos considerados cultos
e escolarizados, os índices de uso não ultrapassam 5% na escrita. Isso em
contexto de objeto anafórico, portanto, com referência a 3SG. Somos levados
a pensar, nessa linha de raciocínio, que esse quadro se torna mais complexo
ainda se pensamos em o/a com referência a 2SG.
Além disso, como o teste de julgamento discutido neste capítulo adota
uma técnica off-line (ou seja, capta as respostas dos indivíduos depois que eles
já processaram as informações dos estímulos), não temos como garantir que
os participantes interpretaram os clíticos lhe e, principalmente, o/a presentes
nas legendas como sendo de 2SG. Em outras palavras, podemos conjecturar
que o elevado índice de notas 3 talvez seja reflexo de um estranhamento dos
participantes, que tiveram dificuldades de processar os clíticos nas legendas
como 2SG (ou nem sequer os processaram dessa maneira). Como não havia
nenhum tipo de pergunta relacionada ao entendimento da legenda que
aparecia em destaque e nenhum participante relatou, após a execução da
tarefa, ter dificuldades para entender as legendas com o/a, não temos como
garantir quantos deles, de fato, fizeram uma interpretação de 2SG.
Diante desse quadro, faz-se necessária a formulação de novos
experimentos, baseados em outras técnicas, para que possamos examinar
como se dá a interpretação da informação de 2SG a partir dos clíticos lhe e
o/a. Até esse ponto, tudo que podemos afirmar é que não houve um padrão
de comportamento claramente delineado para esses clíticos no teste de
julgamento de cenas legendadas, como verificamos para as legendas que
traziam te. Encerremos, pois, este capítulo, tecendo algumas palavras de
conclusão.
4.9 Conclusão do capítulo
Nesta apresentação do primeiro experimento realizado acerca das
formas clíticas em referência a 2SG, descrevemos e analisamos o teste de
165
julgamento de cenas legendadas. Inspirado no formato clássico dos testes de
julgamento de aceitabilidade, o experimento que desenvolvemos afasta-se do
modelo canônico em diversos aspectos. O primeiro deles deve-se justamente
à utilização de estímulos audiovisuais, necessários para a inserção das formas
pronominais em diferentes situações interativas. Além disso, cabe ressaltar
que o teste com legendas visava principalmente a captar as reações subjetivas,
não sendo o principal objetivo, nessa primeira etapa, questões mais
diretamente relacionadas ao processamento on-line dos clíticos. Por essa
razão, como ilustramos em alguns pontos do capítulo, não efetuamos um
controle mais rigoroso quanto ao formato dos enunciados, em termos
sintáticos, do tamanho das frases etc.
Resumidamente, verificamos, através dos dados de julgamento, que
fatores sociopragmáticos tais como tipo de interação e grau de simetria entre
os interlocutores não interferiram expressivamente sobre o julgamento do
clítico te. De modo geral, este foi o pronome mais bem avaliado em termos de
notas, registrando índices superiores aos de lhe e de o/a, tanto nas interações
simétricas quanto nas interações assimétricas. Além disso, com a comparação
de julgamentos emitidos por participantes de quatro localidades distintas do
Brasil, pudemos perceber que não houve influência da variável estado de
origem no julgamento dos participantes; em todas as localidades analisadas,
o clítico te foi o pronome mais bem julgado.
A partir do teste de julgamento, entretanto, outras questões surgiram.
Algumas lacunas ainda permanecem: como os falantes processam a
informação de 2SG a partir do clítico lhe? Que fatores de ordem cognitiva
poderiam explicar o resultado pouco elucidativo encontrado para esse
pronome no teste de julgamento? Como os falantes interpretam, de fato, o
clítico o/a? Eles conseguem acessar a referência de 2SG a partir desse clítico?
Ao compararmos os clíticos lhe e o/a, qual deles envolve o maior grau de
complexidade de processamento linguístico? Ambos serão mais custosos
cognitivamente em relação ao processamento do clítico te?
Na tentativa de responder a essas indagações, buscamos elaborar e
aplicar outros dois experimentos linguísticos, a serem descritos e analisados
nos próximos capítulos.
166
5 EXPERIMENTO 2: LEITURA AUTOMONITORADA
Dando prosseguimento à apresentação, análise e discussão dos
resultados experimentais envolvendo os clíticos de 2SG no PB, abordamos, no
presente capítulo, o segundo experimento realizado: a leitura automonitorada.
Nesse teste, aplicado em dois estados brasileiros diferentes – Rio de Janeiro e
Ceará –, tínhamos como objetivo central verificar a eficácia dos clíticos
analisados na ativação da informação de 2SG na mente dos participantes. Nas
seções a seguir, apresentamos a técnica utilizada, pontuando as variáveis
envolvidas, os materiais e procedimentos adotados, e os resultados advindos
do experimento. Iniciamos esta apresentação descrevendo a lógica por detrás
da tarefa experimental em questão e revisitando alguns trabalhos ilustrativos
acerca do PB que adotaram essa técnica.
5.1 Desenho do experimento
A tarefa de leitura automonitorada consiste na exibição de um texto
fracionado em partes menores, que, a depender dos interesses do investigador,
podem ser desde palavras até sentenças completas. Os participantes são,
então, convidados a ler esses textos na tela do computador seguindo uma
rotina específica: para iniciar a tarefa, eles acionam uma tecla que chama à
tela o primeiro segmento do texto; após a leitura deste, os sujeitos devem
acionar novamente a tecla para visualizar o segundo segmento, e assim por
diante, até que eles tenham lido o texto inteiro. Desse modo, justifica-se o
rótulo de “automonitorada” dado à tarefa (tradução do inglês self-paced
reading; cf. MITCHELL, 2004; GARROD, 2006), visto que é o próprio
participante quem determina o ritmo no qual o material escrito é apresentado
na tela do experimento.
Interessa ao pesquisador analisar justamente os intervalos de tempo
registrados entre a exibição de cada segmento, a partir do ritmo de
acionamento da tecla de comando pelos participantes. A lógica que subjaz à
tarefa é que tempos de leitura mais elevados em regiões específicas do texto
podem ser indício de maior custo de processamento linguístico das unidades
167
presentes no segmento em questão. Por essa razão, a leitura automonitorada
é considerada uma tarefa on-line, já que a medida psicométrica registrada pelo
pesquisador (tempo de leitura) é capturada durante o processamento
linguístico realizado pelos participantes enquanto leem os segmentos na tela
do computador.
De acordo com Mitchell (2004, p. 18), a utilização da leitura
automonitorada nas pesquisas psicolinguísticas datariam da segunda metade
da década de 1970, tendo sido introduzida de maneira independente por
diferentes pesquisadores da época (PYNTE, 1974; AARONSON;
SCARBOROUGH, 1976; MITCHELL; GREEN, 1978)33. Desde então, já foi
utilizada de diversas maneiras. O autor cita duas versões bastante difundidas
da tarefa: a moving-window e a stationary window.
Na primeira, “(...) o display se move da esquerda para a direita com os
sucessivos acionamentos de tecla para que cada segmento do texto ocupe uma
posição na tela semelhante à frase exibida como um todo” (MITCHELL, 2004,
p. 19). Nesse caso, a tarefa de leitura automonitorada pode ser cumulativa, em
que os primeiros segmentos permanecem na tela enquanto os seguintes são
adicionados (até revelar o texto inteiro), ou não-cumulativa, em que os
primeiros segmentos desaparecem da tela à medida que os seguintes são
adicionados. Ainda consoante Mitchell (2004), a versão cumulativa pode ser
problemática, pois “(...) alguns sujeitos revelam uma compreensível tendência
a pressionar a tecla rapidamente até a sentença completa estar na tela, e então
ler o material a seu gosto” (p. 19). O autor afirma, então, que a versão não-
cumulativa “evita, de alguma maneira, esse problema de dissociação entre o
acionamento da tecla e o processamento linguístico” (p. 19), que, compromete
diretamente a variável dependente controlada.
Na segunda versão de leitura automonitorada mencionada pelo autor,
identificada como stationary window, “cada segmento sucessivo se sobrepõe
ao anterior na mesma posição da tela” (MITCHELL, 2004, p. 19). Essa
modalidade pode ser problemática para os testes que optam pela exibição do
texto em palavra por palavra, uma vez que torna a tarefa de leitura ainda mais
33 Referências mencionadas por Mitchell (2004, p. 18).
168
artificial para os participantes (é incomum, na prática de leitura do cotidiano,
que se leia um texto inteiro em um suporte que exibe palavra por palavra do
texto, no mesmo ponto da tela).
Quanto ao tamanho dos segmentos convencionado pelo pesquisador,
Garrod (2006) chama a atenção para o fato de que “unidades menores como
palavras tendem a ser lidas muito mais lentamente nessas tarefas” (p. 253),
em comparação com o ritmo de leitura das unidades maiores, como frases
inteiras, que “podem ser lidas em um ritmo normal durante a leitura
automonitorada”. Diante dessa observação, o autor estabelece a seguinte
correlação: “quando a técnica possui alta resolução on-line (por exemplo,
quando palavra por palavra), ela também interfere mais no processo de leitura
normal.” (p. 253).
No que se refere às vantagens de utilizada dessa técnica, os autores
costumam arrolar a ela o fato de ser uma tarefa barata e relativamente simples
de ser construída, em comparação com outras tarefas on-line existentes.
Existem, atualmente, diferentes softwares que podem ser utilizados para
programar um experimento dessa natureza (p. ex., MEL, PsyScope, E-Prime,
DMDX, dentre outros). Os experimentos envolvendo leitura automonitorada
também costumam ser de simples execução pelos participantes, que,
geralmente, os consideram fáceis de responder. Além disso, podemos destacar
ainda a possibilidade de estudar, através dessa tarefa, temas bastante amplos
e complexos dos estudos linguísticos, como a análise sintática, os processos
de compreensão discursiva e o processamento anafórico.
Como limitações, os pesquisadores costumam apontar a tendência de
aumento no tempo de processamento/leitura dos participantes, ocasionada
pela própria natureza da tarefa (isto é, a exibição de um texto em partes). Esse
modo incremental de exibição do material linguístico pode desencadear, em
alguns casos, um efeito de spillover: o processamento de um determinado
segmento não termina necessariamente quando o participante avança para o
próximo segmento, o que pode fazer com que o tempo de leitura dos segmentos
seguintes sejam afetados. Sendo assim, é comum que os investigadores
controlem não só o tempo de leitura do segmento crítico (isto é, na parte do
texto em que aparece o fenômeno linguístico em estudo), como também o
169
tempo de leitura do segmento imediatamente posterior, a fim de verificar se
houve um efeito de spillover.
A tarefa de leitura automonitorada é amplamente adotada pelos
pesquisadores brasileiros, produzindo dados interessantes acerca dos mais
variados fenômenos linguísticos do PB. Embora seja relativamente antiga,
conforme apontamos acima, essa tarefa ainda é bastante utilizada nas
pesquisas envolvendo o processamento linguístico. Seria uma tentativa muito
ambiciosa (e mesmo fracassada!) tentar listar todos os estudos desenvolvidos
no Brasil a partir da leitura automonitorada, haja vista a extensa bibliografia
já produzida. Por essa razão, nos reservamos a mencionar apenas um
trabalho, a título de exemplificação.
Cabral, Leitão e Kenedy (2015) construíram dois experimentos de leitura
automonitorada a fim de analisar a influência da animacidade no
processamento de cláusulas relativas de sujeito e de objeto do PB. Pondo em
xeque a assertiva de que apenas aspectos sintáticos afetariam o
processamento de orações relativas (especificamente, a função sintática do
pronome relativo), os autores defendem que o traço semântico de animacidade
do antecedente também influenciaria a interpretação dessas cláusulas. Em
um dos experimentos criados, Cabral, Leitão e Kenedy (2015) construíram o
mesmo número de orações relativas de sujeito e de objeto, sendo que metade
delas envolvia termos animados e a outra metade, termos inanimados. Desse
modo, o experimento contava com 4 condições experimentais, ilustradas pelos
exemplos a seguir, extraídos dos autores:
(30) Cláusula Relativa de Objeto animado (CROa):
A moça / que o soldado segurou / na cena / tinha sido / sua namorada.
(31) Cláusula Relativa de Objeto inanimado (CROi):
A arma / que o soldado segurou / na cena / pertencia / à corporação policial.
(32) Cláusula Relativa de Sujeito Animado (CRSa):
A moça / que alvejou o soldado / na cena / tinha menos de / vinte anos.
(33) Cláusula Relativa de Sujeito inanimado (CRSi):
A arma / que alvejou o soldado / na cena / era considerada / inofensiva.
Conforme indicam as barras inclinadas, os pesquisadores fracionaram
as sentenças do experimento em cinco segmentos; o segundo segmento
170
continha sempre um pronome relativo (que), um verbo de três sílabas na
terceira pessoa do singular e um substantivo com três sílabas determinado
por um artigo. A exibição dos segmentos na tela do computador se dava de
modo não-cumulativo. Com o intuito de atrair a atenção dos participantes
para a leitura dos segmentos, os pesquisadores inseriram perguntas do tipo
sim ou não sobre as frases lidas.
A partir dos tempos médios de leitura do segmento crítico, Cabral, Leitão
e Kenedy (2015) encontraram um efeito significativo do traço de animacidade
na tarefa de leitura automonitorada: segundo os autores, os participantes do
teste liam mais rapidamente as cláusulas relativas de objeto quando elas se
ligavam a um termo inanimado (1379ms) do que quando se ligavam a um
termo animado (1550ms). Além disso, os pesquisadores ressaltaram um fato
surpreendente: a média de tempo de leitura das cláusulas relativas de objeto
inanimado foi significativamente menor (1379ms) do que a média registrada
para as cláusulas relativas de sujeito inanimado (1519ms). Esse resultado vai
de encontro ao que geralmente é descrito na literatura sobre o tema, uma vez
que se costuma afirmar que o processamento das relativas de objeto seria
mais custoso do que o processamento das relativas de sujeito. Com esse
resultado, Cabral, Leitão e Kenedy (2015) demonstram a importância de se
levar em consideração, nos estudos sobre orações relativas, traços de natureza
semântica.
Passemos, agora, à apresentação do teste de leitura automonitorada
construído e aplicado para esta tese, cujo foco é analisar o processamento de
formas clíticas com referência à 2SG. Especificamente, pretendemos, com esse
experimento, (i) verificar se o fato de o clítico te ter sido a forma mais bem
avaliada pelos participantes no teste de julgamento de cenas legendadas tem
alguma relação com a facilidade de processamento do referente de 2SG por
esse pronome e (ii) observar como os clíticos lhe e o/a são processados quando
em referência à 2SG, visto que, no Experimento 1, os dados de julgamento
não sinalizaram claramente para uma tendência de comportamento geral
entre os participantes. Junte-se a isso o fato de que essas formas também
podem atuar como referentes de 3SG, de modo que, no experimento de leitura
171
automonitorada, será possível verificar qual leitura os participantes farão
desses clíticos.
Sendo assim, almejamos testar também a eficácia dos clíticos
pronominais em questão na recuperação de um referente marcado
sintaticamente como sendo de 2SG em estruturas de subordinação completiva
de verbos dicendi. Para tanto, criamos itens experimentais que envolviam a
menção de três nomes próprios, sendo que um deles permitia a interpretação
de referente de 2SG. As frases de teste apresentavam o mesmo formato de
(34):
(34) Sônia prometeu para Aldo na companhia de Davi: Eu te ajudo com a prova.
PERGUNTA: Sônia ajuda Davi com a prova?
Na primeira sentença (a oração matriz), que contém o verbo dicendi,
temos a menção de três nomes próprios – “Sônia”, “Aldo” e “Davi”. Além de
introduzir referentes com traço [+pessoa] no estímulo, essa sentença cria uma
situação que remete o leitor a uma interação dialógica, necessária para a
inserção de uma forma pronominal de 2SG. Na segunda sentença (a oração
completiva do verbo dicendi), há o emprego de dois pronomes pessoais: “eu”,
que, na situação criada pelo estímulo, está inequivocamente em correferência
com o SN sujeito da primeira sentença (neste exemplo, o SN “Sônia”), e “te”,
que está vinculado ao SPrep dativo da primeira sentença (“para Aldo”), já que
é ele o destinatário da mensagem transferida pelo agente “Sônia”.
Após ler as sentenças que traziam os nomes próprios e o clítico – no
caso do exemplo, te, os participantes tinham de responder a uma pergunta
relacionada com o clítico, tal qual a que aparece em (34). No caso do exemplo,
a resposta esperada seria “não”, uma vez que o clítico te se refere ao
interlocutor de “Sônia”, ou seja, “Aldo”. “Davi”, nesse contexto é um referente
de 3SG, que está fora do eixo falante-ouvinte, ainda que presencie o diálogo
entre “Sônia” e “Aldo”.
Dentro desse modelo de frase, os clíticos lhe e o/a podem gerar
ambiguidade sintática. Isso porque, como vimos anteriormente, esses itens
eram, originalmente no português, formas de referência à 3SG. Após a
emergência das formas nominais de tratamento, esses clíticos passam a poder
172
atuar também na referência à 2SG. Vejamos, em (35-36), a mesma frase
anterior, nas versões com lhe e com o/a:
(35) Sônia prometeu para Aldo na companhia de Davi: Eu lhe ajudo com a prova.
PERGUNTA: Sônia ajuda Davi com a prova?
(36) Sônia prometeu para Aldo na companhia de Davi: Eu o ajudo para a prova.
PERGUNTA: Sônia ajuda Davi para a prova?
Nas versões com os clíticos oriundos da 3SG, existe a possibilidade de
que o terceiro SN (“Davi”) seja interpretado como o referente desses clíticos.
Essa possibilidade é vedada para te, que, desde a sua origem, sempre
funcionou no português como pronome de 2SG (fato que pode, inclusive,
justificar a sua permanência e gramaticalização no PB). Sendo assim, a
questão que buscamos examinar é: como os falantes do PB interpretam, de
fato, os clíticos lhe e o/a em enunciados como os de (35) e (36)? Que leitura
eles atribuem preferencialmente a essas formas nesses contextos ambíguos?
Esses clíticos facilitam o processamento de um referente de 2SG durante a
leitura? Quão custosa será, em termos de tempo de processamento, a
recuperação dos SN antecedentes em relação ao clítico te?
Na próxima seção, arrolamos as hipóteses com que trabalhamos neste
experimento e que propomos como respostas às questões acima. Além disso,
descrevemos as previsões pensadas quanto ao desempenho dos participantes
na tarefa de leitura automonitorada.
5.2 Hipóteses e previsões
O experimento proposto visa a produzir dados que nos possibilitem
explorar as questões que seguem:
(i) Em que medida a presença dos clíticos te, lhe e o/a em um dado
enunciado favorece o processamento de um referente de 2SG?
(ii) Dentre essas três formas, qual delas é a mais eficiente na ativação da
informação de 2SG?
(iii) O fator diatópico/regional interfere no processamento da informação de
2SG?
173
Com base nessas questões, propomos as seguintes hipóteses a serem
testadas:
(i) As formas clíticas te e lhe favorecem a interpretação de 2SG com maior
frequência do que a forma o/a. Essa diferença deve-se ao fato de, no PB,
as duas primeiras serem marcadas pelo traço de 2SG, enquanto que a
última, quando utilizada, atua na referência à 3SG;
(ii) A forma te é a mais eficiente no processamento da 2SG, sendo a estratégia
default de referência ao interlocutor. O seu alto grau de gramaticalização
no PB reflete-se em uma maior velocidade de processamento;
(iii) As diferenças dialetais envolvendo a representação da 2SG no PB não
interferem no processamento dos clíticos analisados, sobretudo do clítico
te.
A partir das hipóteses listadas, postulamos como previsões do
Experimento 2 que:
(i) Os participantes efetuarão a leitura de 2SG dos referentes assinalados
nos enunciados de maneira mais eficiente, quando nestes houver os
clíticos te e lhe;
(ii) Os participantes terão maior dificuldade para efetuar a leitura de 2SG
dos referentes assinalados nos enunciados quando nestes houver o clítico
o/a;
(iii) Em termos de custo de processamento, os enunciados contendo o clítico
te demandarão menos tempo de leitura em relação àqueles que
contiverem o clítico lhe; além disso, os enunciados contendo o clítico o/a
demandarão maior tempo de leitura em relação aos enunciados
envolvendo os clíticos te e lhe;
(iv) Não haverá diferenças significativas entre os tempos de leitura dos
enunciados por participantes nativos de regiões diferentes do Brasil (Rio
de Janeiro e Ceará), principalmente em relação a te, que perde restrições
sociopragmáticas ao passar a atuar como um marcador morfológico de
2SG.
174
Apontamos, na próxima subseção, a variável independente analisada,
as condições experimentais projetadas e as variáveis dependentes fornecidas
pelo experimento de leitura automonitorada.
5.3 Variáveis e condições
Adotamos, para o experimento de leitura automonitorada, um design do
tipo 3, com a variável independente tipo de clítico, que contém três níveis:
(a) TIPO DE CLÍTICO: te, lhe ou o/a
Como detalharemos mais adiante, na subseção 5.5, a variável tipo de
interação, controlada no Experimento 1, foi neutralizada nos itens
experimentais elaborados para o Experimento 2, uma vez que os objetivos
deste experimento estão mais relacionados à funcionalidade linguística dos
clíticos. Sendo assim, cada nível da variável tipo de clítico projetou uma
condição. Exemplificamos, abaixo, essas condições com itens utilizados no
experimento:
(a) Condição CLÍTICO TE
Ex.: Rita revelou para Pedro na casa de José: eu te amava na escola.
PERGUNTA: Rita amava Pedro na escola?
(b) Condição CLÍTICO LHE
Ex.: Rita revelou para Pedro na casa de José: eu lhe amava na escola.
PERGUNTA: Rita amava Pedro na escola?
(c) Condição CLÍTICO O/A
Ex.: Rita revelou para Pedro na casa de José: eu o amava na faculdade.
PERGUNTA: Rita amava Pedro na faculdade?
É importante destacar que a presença de uma palavra diferente na
condição clítico o/a (“faculdade”, em vez de “escola”), deve-se a um recurso
metodológico de compensação, adotado para que a diferença de tamanho
existente entre o clítico o/a e os demais pronomes investigados não enviesasse
a variável dependente tempo de leitura. Detalhamos melhor essa questão na
subseção 5.6.
Controlamos também a variável grupal estado de origem. Embora não
tenha influenciado a elaboração do desenho experimental, essa variável foi
controlada a fim de verificarmos se ela atuaria, em alguma medida, sobre o
175
comportamento dos participantes. No experimento de leitura automonitorada,
a variável estado de origem compreende os seguintes níveis:
(b) ESTADO DE ORIGEM: Rio de Janeiro e Ceará
Ressaltamos, ainda em relação à variável mencionada, que o seu
controle nos possibilita pôr à prova a terceira hipótese relacionada ao
Experimento 2, apontada em 5.2, a saber: diferenças regionais envolvendo a
representação da 2SG no PB não interferem no processamento dos clíticos
analisados, sobretudo do clítico te, que seria uma forma neutra às diferenças
dialetais. Como já mencionamos em outros pontos deste trabalho, para a
posição de complemento verbal, os usuários do dialeto fluminense empregam,
com alta frequência, o clítico te, ao passo que os falantes da variedade
cearense utilizam, também com frequência elevada, as formas te e lhe. Dessa
maneira, a aplicação do teste de leitura automonitorada a falantes de ambos
os estados (RJ e CE) nos permitirá analisar se a variedade utilizada por eles
interfere na realização da tarefa experimental proposta.
Quanto às variáveis dependentes, o Experimento 2 nos forneceu duas
medidas. São elas: a resposta das perguntas interpretativas e o tempo de
leitura das sentenças. Detalhamos a seguir essas medidas:
(a) RESPOSTA DAS PERGUNTAS INTERPRETATIVAS: sim ou não
(b) TEMPO DE LEITURA DAS SENTENÇAS: em milissegundos (ms)
Como veremos na sessão 5.6, a tarefa do participante consistia em ler
duas sentenças, apresentadas uma após a outra, e, em seguida, responder a
uma pergunta do tipo “sim ou não” sobre as sentenças. Levando em
consideração o formato dos enunciados experimentais, é possível associar a
resposta do participante (“sim” ou “não”) à leitura que ele efetuou dos clíticos,
que apareciam sempre na segunda sentença, como podemos visualizar em
(37), outro item experimental utilizado no teste:
(37) Paulo garantiu para Aline na frente de Ana: Eu a indiquei para o cargo.
PERGUNTA: Paulo indicou Aline para o cargo?
SIM → leitura de 2SG (referente “Aline”).
NÃO → leitura de 3SG (referente “Ana”).
176
No que se refere à variável tempo de leitura, tomamos como segmentos
críticos as sentenças contendo os clíticos e a sentença que trazia a pergunta
interpretativa. Portanto, analisamos, por exemplo, o tempo que os
participantes levaram para ler o segmento “Eu a indiquei para o cargo” e a
pergunta interpretativa “Paulo indicou Aline para o cargo?”, com relação ao
item ilustrado em (37).
Na continuação do capítulo, tratamos do perfil dos participantes que
realizaram o experimento de leitura automonitorada.
5.4 Participantes
No Experimento 2, contamos com a participação de 60 sujeitos, naturais
de 2 estados brasileiros: Rio de Janeiro (30) e Ceará (30). Destes, 24 eram do
sexo masculino. Os participantes tinham, em média, 25 anos de idade. Todos
possuem ensino superior (completo ou em andamento). Quanto à área de
formação, todos são da área de Letras.
5.5 Materiais
O teste era composto por 30 enunciados experimentais, sendo 10 itens
para cada condição. Os participantes foram divididos em 3 grupos e
visualizavam 10 itens experimentais mesclados com outros 20 itens
distratores. Além disso, cada grupo era exposto a duas condições
experimentais, segundo o esquema exibido a seguir:
(a) Grupo 01: Condições CLÍTICO TE e CLÍTICO LHE - 10 experimentais + 20 distratoras
(b) Grupo 02: Condições CLÍTICO LHE e CLÍTICO O/A - 10 experimentais + 20 distratoras
(c) Grupo 03: Condições CLÍTICO TE e CLÍTICO O/A - 10 experimentais + 20 distratoras
Sendo assim, um participante do Grupo 01, por exemplo, lia 5
enunciados contendo o clítico te, 5 enunciados contendo o clítico lhe e outros
20 enunciados distratores, que, evidentemente, nunca traziam as formas
pronominais em análise. Adotamos esse formato de distribuição das condições
dentre participantes (within subjects) pelas seguintes razões: (i) possibilidade
de utilização de um número maior de itens por condição sem aumento no
177
tamanho do experimento; (ii) possibilidade de apresentação do mesmo
enunciado em todas as condições experimentais; (iii) possibilidade de redução
do número de itens distratores.
No que tange aos enunciados experimentais, todos eles eram
constituídos por duas sentenças, sendo a primeira uma oração matriz e a
segunda uma oração completiva relacionada ao verbo dicendi da primeira
sentença. O enunciado, como um todo, reproduzia um discurso direto, em que
a segunda sentença representava a fala de um referente facilmente
identificável na primeira sentença. A fim de neutralizar o efeito de possíveis
variáveis não controladas no experimento, todos os enunciados experimentais
foram rigorosamente construídos conforme a seguinte configuração sintática:
NOME1 Vdicendi para NOME2 no/na SNlocativo de NOME3: eu CL V SPrep.
As palavras que preenchiam as lacunas dos nomes eram sempre nomes
próprios, utilizados uma única vez em todo o teste, de modo que o participante
não lia um mesmo nome próprio em outro enunciado, experimental ou
distrator (cf. no Quadro 5.1). Como a configuração sintática apresentada
sugere, o referente NOME2 é o interlocutor de NOME1, o que possibilita que os
participantes estabeleçam correferência entre NOME2 e a forma pronominal
inserida na lacuna de CL. A presença do constituinte oblíquo, após o
constituinte dativo que insere NOME2 no enunciado, visa a criar,
propositalmente, a possibilidade de correferência entre CL e NOME3. Como já
mencionamos anteriormente, o experimento proposto nos permitirá analisar
se os clíticos lhe e o/a – que, teoricamente, podem se referir à 2SG e à 3SG –
recuperam mais frequentemente o NOME2 ou o NOME3 na leitura dos
participantes.
178
PADRÃO SINTÁTICO DOS ITENS EXPERIMENTAIS
Para as condições com te e lhe Para as condições com o/a
Rita revelou para Pedro na casa de José: Eu
lhe/te amava na escola.
Pergunta: Rita amava Pedro na escola?
Rita revelou para Pedro na casa de José: Eu
o amava na faculdade.
Pergunta: Rita amava Pedro na faculdade?
Bruna ligou para Luís no prédio de Hugo: Eu
lhe/te espero no mercado.
Pergunta: Bruna espera Hugo no mercado?
Bruna ligou para Luís no prédio de Hugo:
Eu o espero no restaurante.
Pergunta: Bruna espera Hugo no
restaurante?
Marcos propôs para Vera no celular de Laura:
Eu lhe/te encontro na estação.
Pergunta: Marcos encontra Vera na estação?
Marcos propôs para Vera no celular de
Laura: Eu a encontro no desembarque.
Pergunta: Marcos encontra Vera no
desembarque?
Lucas falou para Beth no evento de Olga: Eu
lhe/te convido para o show.
Pergunta: Lucas convida Olga para o show?
Lucas falou para Beth no evento de Olga:
Eu a convido para o baile.
Pergunta: Lucas convida Olga para o baile?
Paulo garantiu para Aline na frente de Ana:
Eu já lhe/te indiquei ao cargo.
Pergunta: Paulo já indicou Aline ao cargo?
Paulo garantiu para Aline na frente de Ana:
Eu a indiquei para o cargo.
Pergunta: Paulo indicou Aline para o
cargo?
João disse para Carla na presença de Marta:
Eu te/lhe perdoo pelos erros.
Pergunta: João perdoa Marta pelos erros?
João disse para Carla na presença de
Marta: Eu a perdoo pelas mentiras.
Pergunta: João perdoa Marta pelas
mentiras?
Rui avisou para Maria na festa de Paula: Eu
te deixarei em casa hoje.
Pergunta: Rui deixará Maria em casa hoje?
Rui avisou para Maria na festa de Paula:
Eu a deixarei em casa amanhã.
Pergunta: Rui deixará Maria em casa
amanhã?
Sônia prometeu para Aldo no carro de Davi:
Eu te/lhe ajudo com a prova.
Pergunta: Sônia ajuda Davi com a prova?
Sônia prometeu para Aldo no carro de Davi:
Eu o ajudo para a prova.
Pergunta: Sônia ajuda Davi para a prova?
Taís contou para Alex no noivado de Felipe:
Eu te/lhe conheci no colégio.
Pergunta: Taís conheceu Alex no colégio?
Taís contou para Alex no noivado de Felipe:
Eu o conheci na faculdade.
Pergunta: Taís conheceu Alex na
faculdade?
Sofia divulgou para Carlos na sala de Raul:
Eu te/lhe promovo ao emprego!
Pergunta: Sofia promove Raul ao emprego?
Sofia divulgou para Carlos na sala de Raul:
Eu o promovo para a vaga!
Pergunta: Sofia promove Raul para a vaga?
Quadro 5.1 – Itens experimentais utilizados no Experimento 2.
A estrutura de discurso direto também estava presente em todos os
itens distratores. Estes, no entanto, diferiam dos enunciados experimentais
nos seguintes aspectos: (i) não apresentavam, na primeira sentença, três
nomes próprios; (ii) o verbo da primeira sentença não era necessariamente um
verbo dicendi; (iii) não havia nenhum tipo de estratégia de 2SG na segunda
sentença. Embora não seguissem exatamente a mesma configuração sintática
dos enunciados experimentais, os distratores não destoavam, no teste, em
179
relação à estrutura dialógica e nem em relação ao tamanho do enunciado. Em
(38-41), apresentamos quatro itens distratores utilizados no experimento:
(38) A professora informou aos alunos no fim da aula: Adiei a prova para julho.
PERGUNTA: A professora adiou a prova para julho?
(39) Eduarda planejou com a irmã no sofá da sala: Vamos arrumar o quarto.
PERGUNTA: Eduarda vai arrumar o quarto com a irmã?
(40) O guarda pediu ao motorista na via expressa: Coloque o cinto de segurança.
PERGUNTA: O guarda colocou o cinto de segurança?
(41) Ivan decidiu com o sócio na sala da empresa: Assinarei o contrato hoje.
PERGUNTA: Ivan recusará o contrato com o sócio?
Em cada um dos três grupos de teste, havia 20 participantes, sendo 10
nascidos no estado do Rio de Janeiro e 10, no estado do Ceará. Excetuando a
divisão diatópica, já esclarecida em parágrafos anteriores, a inserção de
participantes nos grupos do experimento foi feita de maneira aleatória.
Após a elaboração de todos os enunciados a serem utilizados no
experimento, organizamos os itens experimentais e distratores em uma
planilha Excel, para que os mesmos fossem lidos pelo software PsychoPy v1.8
(PEIRCE, 2009). Esta ferramenta, gratuita e disponível para os sistemas
operacionais Windows, Mac e Linux, serviu-nos para programar a
apresentação dos estímulos no computador bem como para registrar as
respostas e os tempos de leitura dos participantes (vide a Figura 5.1). Além
disso, o PsychoPy também possibilitou a randomização dos enunciados, de
maneira que cada participante foi exposto às frases experimentais em
sequências aleatórias.
180
Figura 5.1 – Interface do software PsychoPy com experimento programado.
Com o experimento devidamente configurado no computador, foi
possível iniciar a aplicação aos participantes. Passemos, na próxima
subseção, aos procedimentos utilizados para a aplicação do teste.
5.6 Procedimentos
Aplicamos o experimento de leitura automonitorada entre os meses de
setembro e outubro de 2017, primeiramente no estado do Ceará. Utilizamos,
na aplicação, um Macbook Pro, monitor de 15” (Apple, Macintosh).
Individualmente, cada sujeito recebia os comandos para a realização do teste,
transmitidos oralmente, pelo pesquisador responsável, e por escrito, na tela
do computador. Além disso, todos os participantes realizavam uma etapa de
treinamento antes de começar o teste real, ainda na presença do pesquisador,
a fim de receber orientações específicas ou de sanar possíveis dúvidas acerca
da tarefa.
Durante o treino, os participantes eram expostos a quatro enunciados,
bastante semelhantes aos distratores do teste verdadeiro (listados em 42-45).
Assim, o pesquisador instruía os sujeitos a manusear, no teclado do Macbook,
apenas a tecla “espaço” (para passar à tela seguinte) e, na tela da pergunta
interpretativa, as teclas “a” (para responder “sim”) e “l” (para responder “não”).
As referidas teclas de resposta foram escolhidas a fim de facilitar o
181
acionamento da resposta pelos participantes (vide a posição de “a” e “l” no
teclado padrão) e eram sinalizadas no teclado por um papel adesivo colorido.
(42) Letícia pediu ao garçom na mesa do restaurante: Quero frango com brócolis.
PERGUNTA: Letícia pediu frango com brócolis ao garçom?
(43) Victor implorou à mãe no caminho do clube: Vamos jantar na praça do shopping!
PERGUNTA: Victor implorou para jantar na praça do clube?
(44) Caio conferiu com o professor a nota do bimestre: Fiquei com nove na média.
PERGUNTA: Caio ficou com nove na média do bimestre?
(45) Mara fechou com o chefe as contas da firma: Reduzimos dez por cento dos gastos.
PERGUNTA: Os gastos da firma aumentaram?
Nas instruções, os participantes também eram informados quanto à
rotina da tarefa: ao clicar “espaço”, apareceria um asterisco no centro da tela
em branco e isso significava que seria exibido um novo enunciado; clicando
em “espaço” novamente, surgiria a primeira parte do enunciado, que deveria
ser lido no menor tempo possível para o entendimento completo; acionando
“espaço” pela terceira vez, apareceria a segunda parte do enunciado, que
também deveria ser lido atentamente e o mais rápido possível; em mais um
clique em “espaço”, seria exibida uma pergunta interpretativa, relacionada ao
enunciado que havia sido lido. A pergunta só desapareceria da tela quando o
participante acionasse “a” ou “l” no teclado, o que também deveria ser feito
rapidamente. Respondida a pergunta, voltava ao centro da tela um asterisco.
O processo se repetia até o final do experimento, que tinha sua conclusão
sinalizada por uma mensagem de agradecimento. O esquema a seguir ilustra
a rotina descrita:
[espaço] → * (início de um novo enunciado)
[espaço] → Rita revelou para Pedro na casa de José:
[espaço] → eu te amava na escola.
[espaço] → Rita amava Pedro na escola?
[A] ou [L] → * (início de um novo enunciado) ...
Realizando a etapa de treinamento sem grandes dificuldades e não
havendo dúvidas, os participantes iniciavam o experimento propriamente dito.
Durante a realização da tarefa, os sujeitos ficavam sozinhos ou em um campo
suficientemente isolado do local de aplicação, livre de ruídos que pudessem
afetar o seu desempenho. Em média, os participantes levavam 5 minutos para
182
cumprir integralmente a tarefa, caracterizada por eles como de simples
execução e de fácil entendimento.
No que se refere à apresentação dos estímulos, eles eram exibidos em
meio escrito, de modo não-cumulativo, na cor preta, em fundo branco na tela
do Macbook. Como formatação padrão, utilizamos a fonte Times New Roman,
tamanho 14, centralizado. Cada segmento do enunciado, exposto em uma tela
individual, ocupava uma única linha. Quanto à dimensão dos segmentos, a
primeira sentença possuía 15 sílabas, a segunda sentença, 9 sílabas e a
pergunta interpretativa, 11 sílabas.
Ainda em relação à dimensão dos estímulos, cumpre destacar que os
enunciados associados à condição CLÍTICO O/A contavam com uma sílaba a
mais na segunda sentença e na pergunta interpretativa (cf. o Quadro 5.1).
Essa decisão metodológica foi tomada em razão desse clítico ser representado
por um único caractere em meio escrito. Para que isso não enviesasse a
variável tempo de leitura em relação às demais condições, decidimos
compensar essa diferença com o acréscimo de mais uma sílaba. Esse ajuste
não afetava o sentido global do enunciado.
5.7 Resultados
Após a aplicação do experimento aos 60 participantes, reunimos os
dados, salvos automaticamente pelo PsychoPy em planilhas do Excel, a fim de
analisá-los estatisticamente. Dividiremos a exposição dos resultados pelas
variáveis dependentes analisadas. Iniciamos com os resultados relativos à
resposta da pergunta interpretativa, nossa medida off-line. Como já explicamos
em outras partes deste capítulo, a partir da resposta dada à pergunta feita
após a leitura da frase com o clítico (sim ou não), era possível depreender qual
interpretação os participantes fizeram do pronome (2SG ou 3SG). Para tornar
a apresentação dos resultados mais clara, optamos por informar a frequência
(em %) de respostas relacionadas à leitura de 2SG, que é de nosso interesse
central.
183
5.7.1 Respostas às perguntas interpretativas
As Figuras 5.2 e 5.3 sintetizam a frequência com que os participantes
efetuaram a leitura de 2SG a partir dos clíticos investigados. Os índices
globais aparecem na Figura 5.2, e o resultado correlacionado com a variável
estado de origem aparece na Figura 5.3:
Figura 5.2 – Interpretação da informação
de 2SG segundo o tipo de pronome (em %).
Figura 5.3 – Interpretação da informação
de 2SG segundo o tipo de pronome - por
estados (em %).
Segundo os resultados globais, vemos que os três clíticos favoreceram a
interpretação de 2SG na leitura dos participantes com uma frequência
relativamente alta (acima de 60% em todos os casos). A forma te foi a que
ativou a leitura de 2SG, em termos percentuais, com maior recorrência (em
75% dos enunciados que envolviam esse pronome). Em segundo lugar no
ranking, temos o pronome lhe, com um índice bastante próximo (73%) do
índice verificado para te. Na terceira posição – sendo, pois, o pronome menos
eficiente na referência a 2SG –, aparece o clítico o/a, com 66% de frequência.
Todavia, aplicando o teste de qui-quadrado aos dados sintetizados na Figura
5.2, com o intuito de verificar se as diferenças seriam significativas, apuramos
que nenhuma delas se mostrou relevante estatisticamente: te-lhe: 2=0,20 (1),
p = 0,64; te-o/a: 2=3,47 (1), p = 0,06; lhe-o/a: 2=1,69 (1), p = 0,19.
Quanto aos resultados da Figura 5.3, que subdividem os índices obtidos
a partir das respostas às perguntas interpretativas de acordo com o estado de
origem dos participantes, verificamos que a distribuição dos percentuais de
frequência dos participantes do RJ é semelhante à distribuição do resultado
global. O clítico te foi a forma que favoreceu a interpretação de 2SG com maior
frequência (84%), seguida do clítico lhe (74%). Em contrapartida, o clítico o/a
184
foi a forma pronominal menos eficiente para acessar a 2SG (65%). Vale
ressaltar, ainda, que a diferença entre as frequências relativas à interpretação
dos participantes fluminenses foi maior, em termos percentuais, do que a
observada no resultado geral (10% entre te e lhe, 9% entre lhe e o/a, e 19%
entre te e o/a). Por outro lado, os resultados do teste de qui-quadrado
mostraram que a única diferença significativa se dá entre os índices de
interpretação envolvendo os clíticos te e o/a (2=8,52 (1), p < 0,01), ao passo
que as diferenças nos índices envolvendo os pares pronominais te e lhe
(2=2,44 (1), p = 0,11) e lhe e o/a (2=1,50 (1), p = 0,21) não são
estatisticamente relevantes.
Focalizando a distribuição dos índices obtidos a partir das respostas dos
sujeitos do CE, percebemos que há diferenças quanto à interpretação da
informação de 2SG, se as compararmos com o resultado geral. A principal
diferença diz respeito ao índice dos enunciados com o pronome te, que atuou
no acesso ao nome próprio de 2SG em apenas 66% das situações (contra 75%
do resultado geral). Entre os cearenses, a forma mais eficiente no acesso à
2SG foi o clítico lhe, com 71%. Já a forma o/a favoreceu a leitura de 2SG em
67% dos enunciados. Entretanto, as diferenças existentes por tipo de clítico,
entre os dados do CE, não foram estatisticamente significativas em nenhuma
das comparações binárias (te-lhe: 2=0,37 (1), p = 0,54; te-o/a: 2=0 (1), p = 1;
lhe-o/a: 2=0,21 (1), p = 0,64).
Comparando os índices de interpretação da informação de 2SG a partir
dos clíticos, nos dois estados, vemos que a maior diferença percentual ficou
por conta das frases que traziam o pronome te: 84% nas respostas dos
participantes fluminenses frente a 66% nas respostas dos cearenses. Para as
frases com os demais pronomes, encontramos índices muito próximos, como
74% (RJ) e 71% (CE) para lhe, e 65% (RJ) e 67% (CE) para o/a. Analisando as
distribuições mencionadas pelo teste estatístico de qui-quadrado, detectamos
que nenhuma das diferenças diatópicas quanto aos índices de interpretação é
significativa (te: 2=2,16 (1), p = 0,14; lhe: 2=0,06 (1), p = 0,80; o/a: 2=0,03
(1), p = 0,86).
Avancemos, na próxima subseção, para a análise da variável
dependente on-line tempo de leitura das sentenças. Especificamente,
185
interessa-nos averiguar as médias de tempo de leitura das frases que traziam
o clítico (apresentadas em 5.7.2) e da pergunta interpretativa (apresentadas
em 5.7.3).
5.7.2 Médias de tempo de leitura das sentenças com o clítico
As Figuras 5.4 e 5.5 exibem as médias de tempo de leitura das frases
com o clítico. Elas foram obtidas a partir de dois cálculos distintos: pela média
dos participantes (5.4) e pela média dos itens experimentais (5.5). Na primeira
figura, reunimos os dados de cada participante no conjunto de cada condição
e extraímos uma média (lembrando que cada participante via 10 itens
experimentais). Já na segunda figura, agrupamos os dados de cada item no
conjunto de cada condição e calculamos a média (cada item experimental era
visto por 20 participantes diferentes). Esse procedimento objetiva organizar
melhor os dados da variável dependente e evitar o erro do tipo II (o “falso
negativo”): se calculássemos a média geral das condições através da soma dos
tempos de leitura de todos os itens e de todos os participantes conjuntamente,
poderíamos não encontrar diferenças significativas na análise estatística da
variância (ANOVA), diferenças essas que, na realidade, podem existir, mas
estariam camufladas na média geral.
Figura 5.4 – Média de tempo de leitura da frase com o clítico (em ms), calculada por
participantes.
Figura 5.5 – Média de tempo de leitura da frase com o clítico (em ms), calculada por
itens experimentais.
Visualizando as Figuras 5.4 e 5.5, vemos que, em termos globais, as
frases com o clítico te foram as que demandaram menor tempo leitura, fato
que se traduz tanto na média calculada por participantes (1904,1
milissegundos) quanto na média calculada por itens (1879,9 milissegundos).
186
Em sequência, estão as frases que traziam o clítico o/a, que contabilizaram
um tempo médio de leitura de 2230,9 milissegundos na análise por
participantes e 2188,8 milissegundos na análise por itens. Já as frases com o
clítico lhe foram as que registraram as maiores médias de tempo de leitura
(2359,9 milissegundos no cálculo por participantes e 2346,5 milissegundos
no cálculo por itens), o que nos permite pensar que esse clítico seja o que
demanda maior custo de processamento.
Com o intuito de verificar a significância das diferenças existentes entre
as médias de tempo registradas, efetuamos a Análise de Variância (ANOVA)34
por participante e por item. Em ambos os casos, a Anova indicou efeito
principal significativo do fator tipo de clítico (F1 (2,60)=4,58 p < 0,05; F2
(2,10)=12,85 p < 0,001). Na análise do teste-t35, em que verificamos a
relevância da diferença entre as médias de tempo dos pronomes por
comparações binárias, constatamos que as médias verificadas para o tempo
de leitura das frases com te são significativamente menores do que as médias
verificadas para as frases com os demais clíticos (te-lhe: t1 (39)=3,70 p < 0,001
– t2 (9)=6,10 p < 0,001; te-o/a: t1 (39)=2,28 p < 0,05 – t2 (9)=3,08 p < 0,05). Em
contrapartida, as diferenças entre as médias de tempo de leitura das frases
com lhe comparadas às médias das frases com o/a não se mostraram
significativas pelo teste-t (t1 (39)=0,68 p = 0,49 – t2 (9)=1,69 p = 0,12).
Nas Figuras 5.6 e 5.7, a seguir, analisaremos as médias de tempo de
leitura considerando a variável estado de origem. Em outras palavras,
recalculamos as médias de leitura das frases com os clíticos (por participantes
e por itens) separando os dados segundo o estado natal dos sujeitos, a fim de
apurar se houve alguma diferença diatópica em relação aos tempos de leitura.
34 A análise de variância é um teste paramétrico que compara médias de três ou mais grupos
de condições. O teste inferencial ANOVA avalia a probabilidade de que qualquer diferença
entre duas condições se deva a um erro amostral. A rejeição da hipótese nula (ou seja, não há diferença alguma) em favor da hipótese alternativa (isto é, há diferenças significativas)
indica que as diferenças observáveis se devem ao fator (ou fatores) controlados, que surtiram
efeitos estatisticamente significativos sobre os resultados dos participantes. 35 O teste-t segue a mesma linha de raciocínio da análise de variância, no sentido de indicar
a significância de diferenças entre as médias observáveis para cada conjunto de condição. A
principal diferença é que o teste-t faz análises binárias, comparando as condições existentes na amostra por pares.
187
Figura 5.6 – Tempo médio de leitura da
frase com o clítico (em ms) segundo o estado de origem.
Calculado por participantes.
Figura 5.7 – Tempo médio de leitura da
frase com o clítico (em ms) segundo o estado de origem.
Calculado por itens experimentais.
Como podemos notar, tanto os participantes fluminenses quanto os
participantes cearenses levaram menos tempo para ler as frases que traziam
o clítico te: encontramos um tempo médio de 1964,5 milissegundos para os
primeiros e de 1843,8 milissegundos para os últimos na média por
participantes; ao considerarmos as médias por itens, os valores se reduzem
ligeiramente em ambas as localidades: 1922,7 milissegundos para o RJ e 1833
milissegundos para o CE. As frases que apresentavam o clítico lhe
contabilizaram as maiores médias de tempo dentre as formas analisadas,
sendo 2220,8 milissegundos entre os participantes do RJ e 2499
milissegundos entre os participantes do CE na análise por participantes, e
2230,3 milissegundos e 2495,9 milissegundos, respectivamente, na análise
por itens. Além disso, o tempo médio de leitura das frases com o clítico o/a foi
maior em relação a te, porém menor em relação a lhe: 2048,6 milissegundos
(RJ) e 2413,2 milissegundos (CE) nas médias por participantes; 2030,7
milissegundos e 2386,6 milissegundos nas médias por itens.
A Análise de Variância indicou, assim como para as médias de tempo
globais, um efeito principal significativo da variável tipo de clítico (F1
(2,60)=4,65 p < 0,05 - F2 (2,10)=9,68 p < 0,001). Contudo, não houve efeito
principal significativo da variável estado de origem (F1 (2,60)=1,91 p = 0,16 -
F2 (2,10)=3,71 p = 0,06) nem interação entre as variáveis tipo de clítico e estado
de origem (F1 (2,60)=1,41 p = 0,24 - F2 (2,10)=2,18 p = 0,12).
Aos realizarmos os testes-t a partir das médias de tempo de leitura de
ambas as localidades, obtivemos um resultado curioso: as médias de leitura
para as frases com te foram significativamente menores em relação às médias
188
das frases com os outros pronomes nos dados do Ceará (te-lhe: t1(19)=3,82 p
< 0,01 – t2 (9)=6,27 p < 0,001; te-o/a: t1 (19)=2,63 p < 0,05 – t2 (9)=2,63 p <
0,05), mas não o foram nos dados do Rio de Janeiro (te-lhe: t1 (19)=1,52 p =
0,14 – t2 (9)=1,96 p = 0,08; te-o/a: t1 (19)=0,73 p = 0,47 – t2 (9)=1,47 p = 0,17).
Por sua vez, as diferenças entre as médias de tempo de leitura das frases com
lhe em relação às médias das frases com o/a não foram significativas nos
dados dos dois estados (RJ: t1 (19)=0,73 p = 0,47 – t2 (9)=1,06 p = 0,31; CE: t1
(19)=0,28 p = 0,77 – t2 (9)=0,43 p = 0,67).
Na subseção que segue, exploraremos as médias de tempo de leitura
das perguntas interpretativas. Após lerem as frases com os clíticos, os
participantes tinham de responder a uma pergunta que relacionava os nomes
próprios da primeira frase exibida na sequência com as informações da frase
com o pronome. O que queremos descobrir agora é: quanto tempo, em média,
os participantes levaram para responder a essas perguntas interpretativas?
5.7.3 Médias de tempo de leitura das perguntas interpretativas
Nas Figuras 5.8 e 5.9, abaixo, temos as médias de tempo de leitura das
perguntas interpretativas. Assim como na subseção anterior, temos as médias
calculadas por participantes e por itens experimentais.
Figura 5.8 – Média de tempo de leitura da
pergunta interpretativa (em ms), calculada
por participantes.
Figura 5.9 – Média de tempo de leitura da
pergunta interpretativa (em ms), calculada
por itens experimentais. Focalizando primeiramente o gráfico da Figura 5.8, que traz as médias
por participantes, constatamos que as perguntas que sucediam as frases com
o clítico te foram lidas mais rapidamente, contabilizando um tempo médio de
2953,3 milissegundos. Já em relação às perguntas interpretativas que
189
sucediam as frases com os clíticos lhe e o/a, verificamos tempos médios de
leitura de 3321,3 milissegundos para aquelas e de 2968,1 milissegundos para
estas. Tempos de leitura bastantes similares podem ser vistos no gráfico da
Figura 5.9, que reúne as médias por itens experimentais. Nesse caso,
encontramos as seguintes médias para as perguntas que sucediam as frases
com os pronomes te, lhe e o/a, nessa ordem: 2920,8 milissegundos, 3236
milissegundos e 2925,9 milissegundos.
Segundo o resultado do teste ANOVA, porém, não houve efeito principal
significativo do fator tipo de clítico (F1 (2,60)=1,28 p = 0,27 - F2 (2,10)=2,74 p
= 0,08). Nas análises de teste-t, detectamos diferenças significativas apenas
nas comparações entre as médias de leitura das perguntas que sucediam as
frases com os clíticos lhe e te na análise por participantes (t1 (39)=2,50 p <
0,05) e entre as médias de leitura relativas às perguntas que seguiam as frases
com os clíticos lhe e o/a na análise por itens (t2 (9)=3,16 p < 0,05). As demais
comparações binárias por participantes (lhe-o/a: t1 (39)=1,49 p = 0,14; te-o/a:
t1 (39)=0,07 p = 0,94) e por itens (te-lhe: t2 (9)=2,02 p = 0,07; te-o/a: t2 (9)=0,02
p = 0,97) não foram estatisticamente significativas.
Daremos prosseguimento à descrição dos resultados do Experimento 2
explorando as médias de tempo de leitura da pergunta interpretativa em
correlação com a variável estado de origem. Tal como executamos na subseção
anterior, analisaremos as médias de leitura das perguntas interpretativas (por
participantes e por itens) segundo a localidade dos participantes, com o intuito
principal de atestar se houve diferenças diatópicas em relação ao tempo de
resposta.
Figura 5.10 – Tempo médio de leitura da
pergunta interpretativa (em ms) segundo o
estado de origem. Calculado por participantes.
Figura 5.11 – Tempo médio de leitura da
pergunta interpretativa (em ms) segundo o
estado de origem. Calculado por itens experimentais.
190
Na análise dos tempos médios de leitura das perguntas segundo o
estado de origem dos participantes, observamos diferenças quanto às menores
e maiores médias registradas. Nos dados relativos aos indivíduos do RJ, vemos
que o tempo de leitura das perguntas que sucediam as frases com clítico o/a
representa a menor média, tanto no cálculo por participantes (2539,1
milissegundos) quanto no cálculo por itens (2535,9 milissegundos). Em
segundo lugar, aparecem as médias referentes ao tempo de leitura das
perguntas que seguiam as frases com o clítico te, com valores iguais a 2830,3
milissegundos (para a análise por participantes) e 2799,5 milissegundos (para
a análise por itens). As perguntas que sucediam as frases com o clítico lhe são
as que registram as médias de tempo de leitura mais elevadas: 3399,5
milissegundos (por participantes) e 3240,6 milissegundos (por itens).
Essa ordenação é totalmente diferente nos dados relativos aos
indivíduos do CE, nos quais verificamos que as menores médias de tempo de
leitura foram registradas para as perguntas que sucediam as frases com o
clítico te, quer no cálculo por participantes (3076,4 milissegundos) quer no
cálculo por itens (3017,3 milissegundos). Já as perguntas que seguiam os
enunciados que traziam o clítico o/a contabilizaram médias de 3397,1
milissegundos na análise por participantes e 3320,6 milissegundos na análise
por itens, sendo a condição com os maiores tempos de leitura dentre os
sujeitos cearenses. Para as perguntas subsequentes às frases com o clítico
lhe, contabilizamos médias intermediárias entre os tempos de leitura de te e
o/a: 3243 milissegundos na análise por participantes e 3224,4 milissegundos
na análise por itens.
Os resultados do teste ANOVA não indicaram efeito principal nem do
fator tipo de clítico (F1 (2,60)=1,32 p = 0,26), nem do fator estado de origem
(F1 (2,60)=2,28 p = 0,13) na análise por participantes. Além disso, o ANOVA
também indicou, na referida análise, que não houve efeito de interação entre
os fatores tipo de clítico e estado de origem (F1 (2,60)=1,99 p = 0,14). Já em
relação à análise por itens experimentais, a análise de variância indicou o fator
estado de origem como significativo (F2 (2,10)=5,33 p < 0,05). O fator tipo de
clítico, contudo, não foi significativo nessa análise (F2 (2,10)=2,16 p = 0,12),
191
assim como também não houve efeito de interação entre os fatores controlados
(F2 (2,10)=2,78 p = 0,07).
Nas análises binárias, realizadas através do teste-t, detectamos
diferenças significativas, apenas entre os dados do RJ, com relação às médias
de leitura das perguntas que sucediam as frases com lhe em comparação com
as médias de leitura de o/a (t1 (19)=2,99 p < 0,01 - t2 (9)=3,18 p < 0,05) e te
(t1 (19)=2,69 p < 0,05). As demais comparações envolvendo as médias do RJ
não foram significativas (lhe-te: t2 (9)=1,55 p = 0,15; te-o/a: t1 (19)=-1,20 p =
0,24 – t2 (9)=-1,31 p = 0,22). No que tange aos dados do CE, os testes-t
indicaram não haver diferença significativa em nenhuma das comparações
realizadas (te-lhe: t1 (19)=0,83 p = 0,41 – t2 (9)=0,99 p = 0,34; te-o/a: t1
(19)=1,02 p = 0,31 – t2 (9)=1,16 p = 0,27; lhe-o/a: t1 (19)=-0,44 p = 0,66 – t2
(9)=-0,36 p = 0,72).
5.8. Discussão
Os resultados descritos anteriormente nos permitem refletir sobre
diversos aspectos concernentes às hipóteses e previsões aludidas na seção 5.2
do presente capítulo. No desenvolvimento dessa discussão, procuraremos
correlacionar as previsões e hipóteses com os resultados efetivamente obtidos
através do experimento de leitura automonitorada.
Inicialmente, prevíamos que os participantes, de um modo geral, seriam
capazes de efetuar a leitura da informação de 2SG dos referentes nominais
presentes nos enunciados dos itens experimentais de forma eficaz,
principalmente quando aparecessem os clíticos te e lhe nas frases. Essa
previsão foi verificada nos índices de interpretação da informação de 2SG,
ilustrados na Figura 5.2. Tanto as condições com o clítico te (75%) quanto as
condições com o clítico lhe (73%) registraram altos índices de resposta em que
pudemos constatar que os participantes retomavam, na maioria das vezes, o
nome próprio que representava o interlocutor no contexto criado pelas frases
iniciais de cada condição.
Um resultado que nos surpreendeu, entretanto, foi o relativo aos índices
de interpretação da informação de 2SG nas condições que envolviam o clítico
192
o/a. Havíamos postulado que os participantes efetuariam em menor escala a
leitura de 2SG a partir das frases que contivessem esse clítico, fato que não
foi observado. Como podemos visualizar na Figura 5.2, os participantes em
geral conseguiram acionar a leitura de 2SG em 66% dos itens experimentais
da condição do clítico o/a. De imediato, atribuímos esse elevado índice à
própria natureza do experimento: os estímulos eram apresentados em meio
escrito e podiam ser lidos por tempo indeterminado (embora a orientação
padrão tenha sido que as sentenças fossem lidas no menor tempo possível).
Junte-se a isso o fato de todos participantes serem altamente escolarizados e,
portanto, terem certo contato com formas linguísticas pouco frequentes na
língua falada, como é o caso de o/a. Dessa forma, pensamos que, se o mesmo
experimento fosse replicado com estímulos orais e com participantes de menor
grau de escolarização, os resultados gerais atinentes à variável índice de
respostas às perguntas interpretativas poderiam ser diferentes para a condição
do clítico o/a.
Além disso, verificamos também, através do teste estatístico de qui-
quadrado, que as diferenças de frequência existentes entre as condições,
exibidas na Figura 5.2, não são significativas. Em outras palavras, isso quer
dizer que, com relação à interpretação da informação de 2SG, capturada a
partir das respostas acionadas pelos participantes, não houve efeito da
variável tipo de clítico.
As diferenças observadas na Figura 5.3. também não se mostraram
significativas, o que nos leva a descartar uma possível interferência da variável
estado de origem sobre a interpretação das frases com os clíticos. Na
comparação entre os índices de interpretação da informação de 2SG,
constatamos que nem mesmo a diferença existente na condição com o clítico
te entre os dados do RJ (84%) e do CE (66%) foi significativa. Ademais, na
verificação estatística das diferenças entre as condições segundo os dados de
cada estado, vimos que nenhuma delas foi significativa entre os dados do CE
(te: 66%, lhe: 71%, o/a: 67%); entre os dados do RJ, apenas a diferença entre
as condições dos clíticos te e o/a foi significativa (te: 84% e o/a: 65%).
A ausência de efeito do tipo de clítico sobre as respostas dadas pelos
participantes, todavia, não quer dizer que haja uma equivalência entre os
193
pronomes investigados. As diferenças encontradas através da variável tempo
de leitura da frase com o clítico parecem sustentar essa premissa. No que diz
respeito à média de tempo de leitura geral das frases que traziam os clíticos,
notamos que as frases da condição do clítico te foram lidas em tempos
significativamente menores (1904 milissegundos na análise por participantes
e 1879 milissegundos na análise por itens), quer em comparação com as frases
da condição do clítico lhe, quer em comparação com as frases da condição do
clítico o/a. Tal resultado vai ao encontro da nossa hipótese, segundo a qual o
elevado estágio de gramaticalização de te no PB faz com que essa forma seja
processada mais rapidamente, uma vez que está mais disponível na memória
dos falantes para ativar a informação de 2SG. As outras formas, no entanto,
embora tenham possibilitado a retomada dos referentes de 2SG na tarefa
experimental proposta, demandaram maiores tempos de leitura das frases em
que o clítico aparecia, como ilustram os gráficos das Figuras 5.4 e 5.5.
Aos separarmos as médias de tempo de leitura da frase com o clítico
segundo o estado de origem dos participantes, observamos que (i) o efeito da
variável tipo de clítico foi igualmente significativo, (ii) não houve efeito
significativo da variável estado de origem e (iii) não houve interação entre as
variáveis mencionadas. Essas informações sugerem que a localidade natal dos
participantes não interfere no tempo de leitura das frases, o que nos permite
descartar, por exemplo, a hipótese de que os participantes cearenses, por
utilizarem produtivamente a forma lhe na língua falada como uma estratégia
de 2SG, leriam os enunciados contendo esse clítico mais velozmente do que
os participantes fluminenses.
Quanto às diferenças significativas de tempo de leitura entre os dados
de cada condição, notamos que os enunciados com o pronome te foram lidos
pelos participantes cearenses mais rapidamente (1843 milissegundos – média
por participantes; 1833 milissegundos – média por itens) dos que os
enunciados que traziam os pronomes lhe e o/a. Embora tenhamos encontrado
diferenças da mesma natureza para os enunciados lidos pelos participantes
fluminenses, os testes-t por pares indicaram que elas não são significativas.
Além disso, as diferenças entre as médias das frases com lhe e com o/a não
foram significativas nos dados de ambos os estados.
194
Ainda em relação às diferenças entre as médias de tempo, agora ligadas
à leitura das perguntas interpretativas, notamos, através dos valores
apresentados nas Figuras 5.8 e 5.9, que os participantes, em geral, levaram
menos tempo para ler as perguntas precedidas pelas frases com o clítico te
(2953 milissegundos – média por participantes; 2920 milissegundos – média
por itens). As perguntas que sucediam os enunciados com o clítico lhe foram
as que registraram maiores médias de tempo de leitura (3321 milissegundos
– média por participantes; 3236 milissegundos – média por itens). Embora o
teste de variância não tenha apontado para um efeito significativo do fator tipo
de clítico, duas comparações, nos testes-t, se mostraram significativas, ambas
envolvendo o clítico lhe (lhe-te na análise por participantes e lhe-o/a na análise
por itens), o que parece sinalizar que as perguntas lidas após as frases com
esse pronome, de fato, demandaram maior tempo de leitura.
Separando as médias de tempo de leitura da pergunta interpretativa por
estados, representadas nas Figuras 5.10 e 5.11, vemos que os participantes
do CE levaram, em média, mais tempo para responder à pergunta após terem
lido uma frase com o clítico o/a (3397 milissegundos – média por
participantes; 3320 milissegundos – média por itens). Já as perguntas que
sucediam as frases com o clítico te eram respondidas mais rapidamente (3076
milissegundos – média por participantes; 3017 milissegundos – média por
itens) pelos mesmos participantes. Ainda que essas diferenças nas médias
estejam de acordo com a nossa previsão geral (isto é, média para a condição
te < média para a condição lhe < média para a condição o/a), as análises
estatísticas revelaram que elas não são significativas.
Por outro lado, os testes-t indicaram que, no que tange aos dados do
RJ, as diferenças nas médias de leitura das perguntas que sucediam as frases
com lhe (3399 milissegundos – por participantes; 3240 milissegundos – por
itens) em comparação com as médias de leitura de o/a (2539 milissegundos –
por participantes; 2535 milissegundos – por itens) e te (2830 milissegundos –
por participantes; 2799 milissegundos – por itens) são significativas, o que
nos leva a pensar que os participantes fluminenses demandavam mais tempo
para responder às perguntas precedidas por frases com o clítico lhe. Além
disso, embora as médias de tempo de leitura para a condição do clítico o/a
195
tenham sido menores do que as médias para a condição do clítico te, essas
diferenças não foram significativas.
Nesse sentido, podemos dizer que as análises acerca dos tempos de
leitura – tanto das frases com os clíticos quanto da pergunta interpretativa –
mostram que, apesar de os participantes das duas localidades aparentemente
terem executado a tarefa experimental de modo distinto, os resultados, em
sua totalidade, sinalizaram para a mesma direção. De um lado, vimos que as
diferenças nos tempos de leitura da frase com o clítico registradas para os
participantes do CE se mostraram significativas. Isso parece sugerir que esses
participantes só avançavam para a tela que trazia a pergunta interpretativa
quando tinham alguma segurança quanto à compreensão da frase. De outro
lado, notamos que foram as diferenças nos tempos de leitura da pergunta
interpretativa que se revelaram como significativas para os dados dos
participantes do RJ. Aparentemente, tais participantes liam as frases com o
clítico em um ritmo similar e partiam para a tela da pergunta. Todavia,
encontramos diferenças nas médias de tempo de leitura da pergunta, o que
parece sugerir, em se tratando de uma tarefa de leitura automonitorada, de
um efeito spillover: podemos dizer que o processamento das frases com o
clítico pelos participantes ia além do momento em que eles acionavam a tecla
que trazia à tela a frase seguinte, afetando, assim, o tempo de leitura da
pergunta interpretativa.
Se correlacionarmos esses resultados com os índices de interpretação
da informação de 2SG, concluiremos que: (i) os participantes fluminenses
registraram uma média de tempo baixa para ler as perguntas que sucediam
as frases com a forma te e acessaram em 84% das vezes o referente de 2SG;
(ii) a média de tempo de leitura das perguntas que sucediam as frases com a
forma o/a também foi baixa (e o teste-t indicou, inclusive, que não houve
diferença significativa na comparação com a média da condição do pronome
te); entretanto, o índice de interpretação da informação de 2SG foi
significativamente menor (65%) do que o verificado para a condição do
pronome te; (iii) em relação à condição do clítico lhe, detectamos que os
participantes fluminenses levavam mais tempo para responder à pergunta
196
interpretativa; todavia, eles acessavam, com maior frequência, o referente de
2SG da frase anterior (74%).
Em síntese, o que procuramos demonstrar é que as diferenças previstas
quanto aos tempos de leitura foram capturadas em segmentos distintos do
Experimento 2: para os participantes do CE, as médias de tempo de leitura da
frase com o pronome foram mais informativas; para os participantes do RJ,
as médias de tempo de leitura da pergunta interpretativa em correlação com
os índices de interpretação da informação de 2SG se mostraram mais
esclarecedoras. Nesse sentido, já que as diferenças quanto à variável estado
de origem não foram significativas, podemos dizer, baseados nos resultados
gerais, que o Experimento 2 forneceu evidências favoráveis aos seguintes
aspectos discutidos nesta tese: (i) o pronome te é a forma que representa a
informação de 2SG por excelência no PB, o que se traduziu no teste de leitura
automonitorada em menores médias de tempo de leitura dos itens
relacionados a esse pronome; (ii) os pronomes lhe e o/a se mostraram como
formas que, embora tenham ativado a informação de 2SG no teste com uma
frequência consideravelmente alta, demandaram maior tempo de leitura dos
itens relacionados (no caso de lhe) ou propiciaram, em um maior número de
casos, a interpretação de 3SG (no caso de o/a).
Antes de encerrar o presente capítulo, cabe, ainda, tecer alguns
comentários, nos quais destacaremos as informações mais relevantes para a
tese obtidas a partir dos resultados do Experimento 2 bem como
sublinharemos os problemas e questões que suscitaram do referido
experimento.
5.9 Conclusão do capítulo
Em uma tentativa de aproximar o experimento de leitura
automonitorada, apresentado neste capítulo, ao experimento de julgamento
de cenas legendadas, discutido no capítulo anterior, arriscamos dizer que o
elevado índice de aceitação para sentenças com o clítico te, verificado nos
resultados a partir das legendas de filmes, está em consonância com as
médias de tempo de leitura mais baixas, atestadas nos resultados do
197
experimento de leitura automonitorada. Recuperando mais uma vez nossa
hipótese teórica para explicar a permanência da forma te, argumentamos que
um elevado estágio de gramaticalização desse item no PB garante a sua
sobrevivência.
Como já vimos até aqui, te é a estratégia mais eficiente no acesso à
informação de 2SG. Junte-se a isso o fato de que tal acesso envolve baixo
custo de processamento, como evidenciaram os tempos de leitura discutidos
neste capítulo. Desse modo, sendo mais eficiente e menos custoso
cognitivamente, esse item parece estar mais disponível na memória dos
falantes, o que – na nossa perspectiva – justifica o alto índice de julgamentos
positivos que encontramos no Experimento 1. Essa “automatização” das
construções verbo-pronominais envolvendo a forma te nos leva a pensar que
isso seja o reflexo de um processo de gramaticalização, em que esse item passa
a atuar como um marcador da informação de segunda pessoa.
Se, novamente, os resultados foram bastante esclarecedores acerca do
processamento do pronome te, o mesmo não podemos dizer a respeito dos
resultados atinentes aos clíticos lhe e o/a. De tudo que discutimos neste
capítulo, o resultado que nos causa maior estranhamento é o índice
relativamente alto de ativação do referente de 2SG a partir de frases com o
clítico o/a. Os diversos estudos já realizados sobre o tema (DUARTE, 1986;
FREIRE, 2000; 2005; SOUZA, 2014; dentre outros) justificam o nosso
estranhamento.
Além disso, a ausência de diferenças significativas entre os índices de
interpretação da informação de 2SG relacionadas a lhe e a o/a também nos
leva a duvidar se esses resultados não teriam sido provocados por certas
limitações da técnica adotada. Não houve um controle preciso acerca do tempo
que os participantes gastaram para ler cada palavra das sentenças
experimentais. Como eles efetuaram essa leitura? Qual terá sido o elemento
mais fixado durante a visualização dos estímulos? Houve um efeito de
ambiguidade a partir dos nomes próprios presentes na frase inicial? Essas
questões nos conduziram, pois, a desenvolver e aplicar um terceiro
experimento, envolvendo uma técnica mais precisa em relação aos elementos
198
fixados pelos participantes. Trataremos desse terceiro experimento no
próximo capítulo.
199
6 EXPERIMENTO 3: LEITURA DE FRASES COM RASTREAMENTO
OCULAR
Neste terceiro e último capítulo acerca dos dados experimentais
relativos à percepção das formas clíticas de 2SG, descrevemos o experimento
de leitura de frases com rastreador ocular. Esse teste envolveu apenas
participantes do Rio de Janeiro e tem como objetivo principal pôr à prova, a
partir de uma técnica on-line, as hipóteses defendidas no trabalho. Em outras
palavras, pretendemos, utilizando a sofisticada tecnologia do eye tracker,
verificar se as respostas produzidas pelos indivíduos sinalizam positivamente
para uma diferença no processamento dos clíticos lhe e o/a em relação à forma
te, uma vez que assumimos que te passa por um processo de gramaticalização
no PB, passando a atuar como um marcador da informação de 2SG. Nos
parágrafos que seguem, detalhamos as informações mais relevantes sobre a
técnica, procurando destacar – tal como fizemos nos dois capítulos
precedentes – as variáveis em estudo, os materiais utilizados, os
procedimentos de aplicação e os resultados encontrados.
6.1 Desenho do experimento
Por volta de 1878/79, um oftalmologista francês chamado Émile
Javal36, ao observar alguns sujeitos durante a atividade de leitura, verificou
que os olhos humanos não se movem de forma contínua do começo até o final
de uma linha de texto. Em vez disso, ele notou que o olhar avança sobre o
texto através de pequenos saltos, entre os quais existem pequenas pausas.
Essa descontinuidade na dinâmica de leitura foi associada, tempos mais
tarde, a dificuldades que os indivíduos encontram durante o processamento
da informação linguística presente nos textos. Dessa forma, podemos dizer
que, grosso modo, as pesquisas que utilizam a técnica do rastreamento ocular
assumem como pressuposto que as variações observáveis no padrão do olhar
dos indivíduos em uma atividade de leitura estão fortemente relacionadas com
o processamento cognitivo das estruturas linguísticas presentes no texto. Esse
36 Os dados históricos aos quais fazemos alusão neste parágrafo foram extraídos de Luegi (2006).
200
parece ser o posicionamento, por exemplo, de Luegi, Costa e Faria (2009). De
acordo com as autoras:
A análise dos padrões oculares durante a leitura sustenta-se no
pressuposto de que os movimentos dos olhos reflectem eventuais
dificuldades sentidas pelo leitor durante o processamento da
informação linguística. Se determinada estrutura ou condição causar maiores dificuldades ao leitor e se houver sobrecarga cognitiva
durante o processamento da informação, essas dificuldades serão
reflectidas nos padrões oculares, alterando-os. (LUEGI; COSTA;
FARIA, 2009, p.63)
Forster (2017) faz afirmação parecida, ao tratar da lógica da técnica do
rastreamento ocular:
Parte dos trabalhos que usam o rastreamento ocular no âmbito da pesquisa cognitiva investigam a influência de informação top-down,
dentre as quais se inclui possivelmente informação de natureza
linguística, no comportamento oculomotor. Esses trabalhos são
baseados na pressuposição de que os movimentos oculares são
reflexos do estado cognitivo de um indivíduo em um determinado
momento e, por isso, poderiam nos dizer como e quando certas informações são processadas. Pressupõe-se que, ao direcionar o olhar
para um determinado ponto, o sujeito direciona também seus recursos
cognitivos a ele com vistas a processar informações nele contidas ou a
ele relacionadas. (FORSTER, 2017, p. 623)
A formalização desse pressuposto é atribuída a Just e Carpenter (1980).
Esses pesquisadores realizaram um estudo de rastreamento de leitura para a
língua inglesa e observaram, dentre outras coisas, que os participantes
fixavam por mais tempo palavras menos frequentes. Além disso, eles
perceberam também que a frequência e o tamanho das palavras que
precediam ou sucediam uma determinada palavra não influenciava a duração
do olhar nesta, de modo que seria possível associar o tempo de leitura
registrado ao processamento da palavra em foco. A partir da correlação
positiva detectada entre complexidade do material linguístico e duração das
fixações e dos tempos de leitura, Just e Carpenter (1980) propuseram dois
princípios para o estudo do movimento dos olhos em tarefas de leitura: o
Princípio da Imediaticidade (immediacy assumption) e Princípio de Ligação
Olho-Mente (eye-mind assumption).
O Princípio de Imediaticidade postula que o processamento da
informação lida é imediato. Dessa forma, segundo Just e Carpenter (1980, p.
330), “(...) um leitor tenta interpretar cada palavra lexical assim que ela é
201
encontrada, mesmo correndo o risco de fazer suposições que às vezes se
revelam erradas”37. Por interpretação, os autores compreendem o
“processamento em vários níveis, tais como a codificação da palavra, a escolha
do seu significado, atribuição ao seu referente e a definição do seu status na
frase e no discurso”38. Correlacionado com este, aparece o Princípio de Ligação
Olho-Mente, segundo o qual “(...) o olho permanece fixado em uma palavra
enquanto ela estiver sendo processada”39 (JUST; CARPENTER, 1980, p. 330).
Por essa lógica, os autores depreendem que “(...) o tempo necessário para
processar uma palavra recém-fixada é indicado diretamente pela duração do
olhar”40.
Embora subjaza ao raciocínio básico das pesquisas com monitoramento
ocular, o Princípio de Ligação Olho-Mente precisa ser relativizado. Isso porque,
segundo Forster (2017, p. 625), “(...) o local e a duração das fixações, em certas
circunstâncias, pode não coincidir exatamente com o locus e com a duração
do processamento cognitivo, conforme sugere a versão forte da eye-mind
assumption”. O autor defende essa relativização pautando-se nos tipos de
atenção visual, que, segundo ele, pode ser patente ou latentemente
direcionada:
(...) podemos alocar nossa atenção em um ponto do campo visual,
orientando nosso olhar a ele – atenção patente (overt attention) – ou podemos fazê-lo de maneira menos transparente, alocando recursos
cognitivos nesse ponto sem dirigir nosso olhar a ele – atenção latente
(covert attention). Em função disso, é possível a dissociação entre o
locus do processamento cognitivo e o locus de fixação. (FORSTER,
2017, p. 625)
Diante dessa questão, parece-nos que o mais adequado é interpretar os
dados provenientes de rastreamento ocular antes como evidências do que
como provas absolutas acerca da correlação entre complexidade linguística e
tempo de leitura elevado. Em outras palavras, não consideramos o Princípio
37 “(…) a reader tries to interpret each content word of a text as it is encountered, even at the expense of making guesses that sometimes turn out to be wrong”. 38 “Interpretation refers to processing at several levels such as encoding the word, choosing
one meaning of it, assigning it to its referent, and determining its status in the sentence and
in the discourse”. 39 “(…) the eye remains fixated on a word as long as the word is being processed”. 40 “So the time it takes to process a newly fixated word is directly indicated by the gaze duration”.
202
de Ligação Olho-Mente deterministicamente, tal como postularam Just e
Carpenter (1980), mas sim analogisticamente, a exemplo de estudos como os
de Posner (1980), Posner et al. (2014) e de Wright e Ward (2008). Além disso,
com a possibilidade concreta de que outras variáveis interfiram nos resultados
de monitoramento ocular, cresce a necessidade de uma elaboração detalhada
e rigorosa do projeto experimental envolvendo a referida técnica.
Para a concepção de um projeto experimental envolvendo o
rastreamento ocular, algumas informações relativas à visão humana precisam
ser consideradas (visto que os rastreadores e os dados por eles produzidos são
projetados a partir da fisiologia do olho humano). Segundo Luegi, Costa e
Faria (2009), existe, na nossa visão, uma área que é abrangida quando
fixamos algum ponto no espaço; a essa área, denomina-se campo visual. Este,
por sua vez, divide-se em três regiões: (i) a região foveal, onde os raios de luz
incidem na região da retina conhecida como fóvea; (ii) a região parafoveal,
onde os raios de luz incidem na região da parafóvea; (iii) a região periférica,
onde os raios incidem na região externa à parafóvea (cf. Figura 6.1 ).
Figura 6.1 – Regiões do campo visual do olho humano.
(Fonte: http://eyetracking.me/?page_id=9)
Dessas três regiões, a mais importante para os estudos de
monitoramento ocular é a que corresponde à região da fóvea, pois é onde a
imagem do objeto focalizado é projetada, além de ser a zona com maior grau
de precisão no processamento de detalhes. Assim, à medida que a imagem
projetada se afasta do centro da fóvea, a nitidez dessa imagem se reduz
gradativamente. De acordo com Luegi, Costa e Faria (2009, p. 67), no que
203
tange à extração de informações referentes à leitura, duas zonas são realmente
úteis: a zona foveal e parafoveal, “que criam duas regiões de extracção de
informação: a zona perceptiva, correspondente à soma da região foveal e
parafoveal, e a zona de identificação da palavra, que corresponde à região
foveal”.
A partir dessa informação, compreendemos, pois, a própria dinâmica de
movimentação do globo ocular humano, regida por dois mecanismos
fisiológicos básicos: as sacadas e as fixações. Em sentido amplo, as sacadas
correspondem aos “saltos” realizados durante a leitura (observados por Émile
Jamal no século XIX), enquanto que as fixações correspondem às pequenas
paradas sobre palavras específicas de uma determinada frase.
As sacadas são movimentos rápidos e balísticos, que podem ser
reflexivos ou voluntários e ocorrem de 3 a 4 vezes por segundo e tem
durabilidade de 10 a 100 milissegundos (cf. Richardson; Spivey, 2004;
Martinez-Conde; Macknik; Hubel, 2004 apud FORSTER, 2017, p. 618).
Acredita-se que, durante os movimentos sacádicos, a visão seja praticamente
suprimida. Consoante Forster (2017), a função desse tipo de movimento é
direcionar a fóvea para um determinado ponto, a fim de captar com maior
acuidade informações visuais. Além disso, segundo Irwing (2004 apud
FORSTER, 2017, p. 619), existem evidências de que ocorre processamento de
informações durante um movimento sacádico, tais como o reconhecimento e
a identificação de palavras anteriormente fixadas.
As fixações consistem em curtos períodos em que o olhar se encontra
parcialmente estacionado sobre uma determinada imagem. A informação
visual é analisada durante as fixações, através da região foveal. As fixações
possibilitam, também, a seleção de porções de estímulo visual para o
processamento. Além disso, a informação externa à porção selecionada pelo
campo visual ligado à fóvea permite que, durante a fixação, seja selecionado o
alvo para a sacada seguinte (Irwing, 2004 apud FORSTER, 2017, p. 621).
Tanto as sacadas quanto as fixações apresentam variabilidade na
quantidade e na durabilidade, a depender do tipo de estímulo visual. Forster
(2017) afirma que o número de sacadas na leitura tende a ser menor em textos
mais familiares para o leitor. As fixações, por sua vez, podem durar, em média,
204
de 200 a 300 milissegundos. Esse número pode se alterar bastante de acordo
com a tarefa desempenhada pelos sujeitos. A seguir, reproduzimos uma tabela
presente no estudo de Rainer (1998, p. 373), com a média de duração da
fixação e do comprimento da sacada em tarefas visuais envolvendo a língua
inglesa:
Tarefa Média de
duração da
fixação (ms)
Média do
comprimento da
sacada (graus)
Leitura silenciosa 225 2 (cerca de 8 caracteres)
Leitura oral 275 1,5 (cerca de 6
caracteres)
Busca visual 275 3
Percepção de cena 330 4
Leitura de música 375 1
Datilografia 400 1 (cerca de 4 caracteres)
Tabela 6.1 – Média aproximada de duração da fixação e do comprimento da sacada em
diferentes tarefas visuais. As medidas têm como referência a língua inglesa.
(Adaptado de RAINER, 1998, p. 373)
No âmbito dos estudos psicolinguísticos, verificamos que, dentre o
conjunto de informações capturadas pelos rastreadores oculares, as medidas
relativas às fixações são as mais utilizadas nas análises de processamento
linguístico, especificamente o número e a duração das fixações em um dado
estímulo. Forster (2017) aponta que ambas as variáveis dependentes são,
geralmente, associadas
(...) à alocação de recursos cognitivos e, em certas circunstâncias, a
um aumento da carga de processamento cognitivo, de forma que é
possível inferir, por exemplo, na comparação entre condições, que
aquelas correlacionadas a um número maior ou uma duração maior das fixações estariam associadas à maior dificuldade de
processamento” (Holmqvist et al, 2011, p. 381-383; 412-415).
(FORSTER, 2017, p. 626)
As sacadas também são utilizadas, ainda que em menor escala, como
medidas de análise nos estudos linguísticos. Um tipo de medida particular
que pode ser apreciado é o número de sacadas regressivas. Embora o esperado
e mais frequente seja as sacadas progressivas, que avançam nas linhas de um
texto, da esquerda para a direita (no caso de línguas como o inglês e o
português), o olhar humano, durante a execução de tarefas como a leitura,
também retrocede em certa quantidade (10% a 15% das sacadas, segundo
205
Rayner e Clifton Jr., 2009 apud FORSTER, 2017, p. 628), ou seja, produz
sacadas regressivas. Um índice elevado de sacadas regressivas costuma ser
interpretado como evidência de dificuldade na leitura dos estímulos. Logo, alta
incidência de sacadas regressivas tende a ser vista como reflexo de maior
carga de processamento.
No que se refere à dinâmica de pesquisa com rastreamento ocular,
temos as seguintes etapas: a partir da detecção dos direcionamentos do olhar
dos participantes, os sistemas de rastreamento traduzem as informações
coletadas em coordenadas com valores para os eixos x e y em relação à tela
do computador, em função do tempo; com base nesses dados, o pesquisador
pode extrair várias medidas, que serão adotadas como variáveis dependentes
do experimento; ao assumir o pressuposto de que os movimentos dos olhos se
correlacionam com processos cognitivos, o pesquisador pode traçar
conclusões acerca da natureza e do curso temporal de processos cognitivos
atuantes na realização da tarefa experimental, tomando como evidência
empírica os padrões de comportamento oculomotor analisados (cf. FORSTER,
2017).
Quanto às vantagens e limitações que caracterizam a técnica de
rastreamento ocular, listamos, a seguir, algumas citadas por Forster (2017),
começando pelas vantagens:
- precisão na captura do processamento on-line: o rastreador permite aos
pesquisadores coletar de maneira contínua as amostras de dados referentes
ao posicionamento do olhar dos participantes, contemplando todo o período
de observação do estímulo. Com isso, é possível verificar as alterações de
comportamento visual provocadas por cada elemento linguístico nos
participantes, o que fornece aos pesquisadores dados de processamento on-
line muito precisos;
- baixo grau de volição envolvido: o comportamento dos movimentos oculares
é, na maioria dos casos, um ato involuntário. Por essa razão, o controle
consciente do participante quanto às suas reações na tarefa realizada é
mínimo;
- menor grau de invasibilidade: atualmente, a maioria dos equipamentos
existentes permite que os experimentos com rastreador sejam menos
206
invasivos para os participantes (evitando, por exemplo, fadiga e desconfortos
físicos). Isso faz com que o tempo de preparação para a execução da tarefa
também seja menor;
- tarefa mais imediata: como os participantes não precisam realizar nenhuma
tarefa adicional (p. ex., apertar uma tecla para ler os estímulos ou responder
a uma pergunta), os comportamentos e reações registrados são mais diretos,
isto é, não sofrem a interferência de tarefas concomitantes;
- integralidade dos estímulos: nas tarefas de leitura, não há necessidade de
que os estímulos sejam segmentados e apresentados aos pedaços, como ocorre
em outras técnicas;
- detalhamento dos eventos de leitura: com o rastreamento ocular, é possível
analisar dados relativos à leitura dos estímulos de maneira discreta. O
pesquisador pode, por exemplo, saber o tempo exato que os participantes
despenderam para ler cada palavra de uma frase;
- validade ecológica relativa: como primeira desvantagem, está o fato de os
experimentos com rastreador ocular não refletirem as condições perfeitamente
naturais de processamento, o que exige certa relativização quanto à validade
ecológica dos dados observados;
- alto custo financeiro: talvez a maior limitação seja justamente o custo dos
equipamentos e softwares necessários para o rastreamento do olhar. A maioria
dos materiais tem um valor elevado, o que explica, por exemplo, o fato de
inúmeros laboratórios de linguística experimental no Brasil não conduzirem
pesquisas com essa técnica.
Devido ao último ponto destacado acima, os trabalhos com a técnica do
rastreamento ocular desenvolvidos no Brasil ainda são escassos, se
comparados àqueles que empregam outras técnicas experimentais. Forster
(2017) cita alguns estudos mais recentes, produzidos no país, dentre os quais
mencionamos aqui o trabalho de Maia (2008), que analisou os níveis de
processamento a partir da observação de imagens, e as investigações
realizadas no âmbito da referência pronominal: Leitão, Ribeiro e Maia (2012),
acerca da Penalidade do Nome Repetido, e Teixeira, Fonseca e Soares (2014),
a respeito do pronome nulo. Em relação aos fenômenos estudados com o
monitoramento ocular, verificamos que os pesquisadores têm investigado
207
estritamente a referência pronominal de 3SG, não havendo, portanto, relatos
experimentais com essa técnica envolvendo formas pronominais de 2SG.
No experimento de leitura de frases, que passaremos a delinear na
próxima subseção, assumimos a forma não determinística da hipótese de Just
e Carpenter (1980), uma vez que buscaremos relacionar possíveis diferenças
nos tempos de fixação dos participantes nas áreas contendo os clíticos de 2SG
com disparidades na demanda de esforço cognitivo para processá-los
linguisticamente. Partindo da premissa de que as formas analisadas nesta
tese apresentam dissimilaridades estruturais, funcionais e cognitivas (fato que
explica os padrões de frequência atestados pelos estudos de corpora),
esperamos que os resultados obtidos através do monitoramento ocular dos
participantes forneçam evidências on-line – isto é, extraídas do momento em
que os falantes estão processando os itens experimentais em questão –
favoráveis às nossas hipóteses, sobretudo à hipótese de gramaticalização da
forma te.
Utilizamos, neste teste, essencialmente os mesmos itens materiais
construídos para o experimento de leitura automonitorada. Entretanto, como
será mostrado na sequência, realizamos algumas modificações a fim de
ajustá-los à técnica do rastreamento. Nosso intuito ao preservar os mesmos
estímulos experimentais é, dentre outros, tornar os resultados obtidos
diretamente comparáveis com o que encontramos a partir do Experimento 2.
Dessa maneira, acreditamos que, se nossas hipóteses estiverem na direção
correta, os dados de ambos os testes revelarão certa complementaridade: os
padrões de fixação do olhar sobre as frases que trazem os clíticos de 2SG
poderão fornecer evidências mais consistentes para as interpretações feitas
acerca das médias de tempo de leitura verificadas no Experimento 2.
De um modo mais preciso, buscamos demonstrar, por meio dos dados
de rastreamento ocular, que o clítico te é a forma mais gramaticalizada de
representação da 2SG no PB. Sendo amplamente aceita no teste de julgamento
e tendo registrado os menores tempos de leitura do referente na tarefa de
leitura automonitorada, a previsão em torno dessa forma pronominal agora é
que ela registre número e quantidade de fixações substancialmente menores
em comparação com as formas lhe e o/a. Se essa previsão for confirmada,
208
teremos então mais uma forte evidência experimental de que o clítico te seria
a forma dêitica de representação da 2SG mais arraigada na gramática e, por
essa razão, estaria mais disponível para os usos efetivos dos falantes.
A seguir, destacamos as questões que motivaram a realização do
Experimento 3, pontuamos as hipóteses diretamente testadas nele e listamos
as previsões postuladas em torno da tarefa de leitura de frases com
rastreamento ocular.
6.2 Hipóteses e previsões
Pretendemos explorar, com base no experimento de leitura de frases
com rastreamento ocular, as seguintes questões:
(i) É possível estabelecer uma relação positiva entre a frequência de
ocorrência dos clíticos te, lhe e o/a atestada em corpora e o esforço
cognitivo necessário para o processamento da informação de 2SG?
(ii) O que evidenciam os padrões de processamento on-line dos falantes em
relação aos clíticos verificados durante a leitura de frases?
As hipóteses que lidam com as questões anteriores e que serão
submetidas à prova no experimento são:
(i) Há uma relação biunívoca entre a distribuição de frequência das formas
clíticas em dados de corpora e o esforço cognitivo envolvido, na medida
em que o clítico te, altamente frequente nos dados de uso, demanda
menor custo de processamento, ao passo que o clítico o/a, raramente
atestado pelas pesquisas etnográficas (mesmo em dados de língua
escrita), envolve maior esforço cognitivo.
(ii) Antes de se tratar de uma explicação circular, essa relação evidencia, na
realidade, as diferenças morfossintáticas e semânticas existentes entre
esses clíticos, que se refletem tanto nos dados de uso (que constituem o
produto da codificação gramatical) quanto nos dados de compreensão
(que captam o processo on-line da decodificação gramatical);
(iii) Os padrões de processamento on-line obtidos a partir da técnica de
rastreamento ocular são capazes de aferir diferenças de comportamento
dos participantes quanto ao tipo de clítico presente na frase, revelando
209
que as formas te, lhe e o/a não são processadas da mesma maneira
durante a execução da tarefa de leitura. Desse modo, os dados do eye-
tracking fornecem evidências que não podem ser atestadas em métodos
menos diretos.
Assim sendo, colocamos como previsões de resultados para o
Experimento 3 que:
(i) Os participantes fixarão em menor número e por menos tempo as frases
com o clítico te. Além disso, efetuarão preferencialmente a leitura de 2SG
dos referentes assinalados nos enunciados;
(ii) Embora também venham a efetuar a leitura de 2SG para a maioria dos
referentes assinalados nos enunciados experimentais, os participantes
fixarão em maior quantidade e por maior intervalo de tempo as frases
com o clítico lhe;
(iii) As frases com o clítico o/a também deverão registrar maior quantidade e
maiores tempos de duração de fixações do olhar. Contudo, nesses
enunciados, os participantes não efetuarão uma leitura
predominantemente de 2SG para os referentes destacados.
Na sequência, passamos à descrição da variável independente
analisada, as condições experimentais projetadas e as variáveis dependentes
fornecidas pelo experimento com a técnica do monitoramento ocular.
6.3 Variáveis e condições
No presente experimento, temos um design do tipo 3, ou seja, uma
variável independente (tipo de clítico) com três níveis:
(a) TIPO DE CLÍTICO: te, lhe ou o/a
Tal qual procedemos na elaboração do Experimento 2, neutralizamos a
possível interferência da variável tipo de interação nos itens experimentais
utilizados. Com isso, cada condição experimental corresponde a um dos níveis
da variável tipo de clítico. Vejamos, a seguir, exemplos dessas condições
experimentais:
210
(a) Condição CLÍTICO TE
Ex.: Paulo garantiu para Aline na frente de Ana: eu já te indiquei ao cargo.
PERGUNTA: Paulo já indicou Aline ao cargo?
(b) Condição CLÍTICO LHE
Ex.: Paulo garantiu para Aline na frente de Ana: eu já lhe indiquei ao cargo.
PERGUNTA: Paulo já indicou Aline ao cargo?
(c) Condição CLÍTICO O/A
Ex.: Paulo garantiu para Aline na frente de Ana: eu a indiquei para o cargo41.
PERGUNTA: Paulo indicou Aline para o cargo?
Uma vez que o experimento com o rastreador ocular foi conduzido
apenas com falantes do estado do Rio de Janeiro, não houve a necessidade de
controlar a variável estado de origem. Evidentemente, perguntamos, antes da
aplicação do teste, a todos os voluntários se eles haviam nascido e se viviam
dentro do estado.
As variáveis dependentes analisadas no Experimento 3 são: a resposta
das perguntas interpretativas, a duração das fixações do olhar e o número de
fixações do olhar nos segmentos críticos. Exibimos essas medidas abaixo:
(a) RESPOSTA DAS PERGUNTAS INTERPRETATIVAS: sim ou não
(b) DURAÇÃO DAS FIXAÇÕES DO OLHAR: em milissegundos (ms)
(c) NÚMERO DE FIXAÇÕES DO OLHAR NOS SEGMENTOS CRÍTICOS: média de ocorrências
As variáveis explicitadas em (b) e (c) foram extraídas do primeiro
template, isto é, a primeira tela com a qual os participantes tinham contato
(cf. seção 6.6, para maiores detalhes relativos à dinâmica do experimento).
Eles podiam ler os enunciados apresentados como estímulos por tempo
indeterminado (embora fossem instruídos a lê-los dentro do menor tempo
necessário para compreendê-los), enquanto o rastreador ocular registrava
automaticamente todas as fixações e sacadas realizadas. Em etapa posterior,
delimitamos, com auxílio do software do próprio equipamento utilizado, três
áreas críticas: área 1 – Clítico, área 2 – Clítico+Verbo e área 3 – Frase inteira.
Desse modo, os tempos de fixação e o número de fixações que serão reportados
na subseção 6.7 correspondem especificamente a essas três regiões da tela do
computador. A Figura 6.2 ilustra o primeiro template com uma das condições
experimentais e a sinalização das referidas áreas críticas:
41 Conforme explicamos em 5.6, as condições com o/a apresentam pequenos ajustes para compensar a diferença quanto ao número de caracteres que há entre os clíticos.
211
Figura 6.2 – Template do enunciado com a forma clítica
e a sinalização das áreas críticas delimitadas.
Já a variável resposta das perguntas interpretativas foi obtida a partir
do segundo template visualizado pelos participantes. Nele, havia uma
pergunta diretamente relacionada com os referentes e clíticos que apareciam
no enunciado do primeiro template e dois retângulos de resposta, com as
opções “sim” e “não” (cf. a Figura 6.3). Os sujeitos eram orientados
previamente a responder à questão fixando simplesmente o olhar na direção
da alternativa que eles julgassem como sendo correta. Diferentemente do
primeiro, o template com a pergunta era exibido na tela do computador por
um período de 5 segundos e, após esse tempo, desaparecia automaticamente.
Figura 6.3 – Template com a pergunta interpretativa.
212
Como esclarecemos no capítulo anterior, não havia uma “resposta certa”
para as perguntas. A configuração sintática dos enunciados nos permitia
verificar qual a leitura que os participantes efetuavam em relação aos clíticos.
Exemplificamos, a seguir, a lógica da tarefa:
(46) 1º Template: PAULO garantiu para ALINE na frente de ANA: eu a indiquei para o cargo.
2º Template: PAULO indicou ALINE para o cargo? [SIM] ou [NÃO]
SIM = o participante efetuou uma leitura de 2SG para o clítico a, ligando-o ao referente
nominal ALINE
NÃO = o participante efetuou uma leitura de 3SG para o clítico a, ligando-o ao referente
nominal ANA 42
Vejamos, na próxima subseção, o perfil dos participantes que se
voluntariaram para o experimento de leitura de frases com rastreamento
ocular.
6.4 Participantes
Participaram neste teste 30 sujeitos, todos declaradamente nativos do
estado do Rio de Janeiro. Apenas 5 dos voluntários eram do sexo masculino.
A média de idade dos participantes era de 23 anos de idade. Todos possuíam
ensino superior (completo ou em andamento) e, em sua maioria (28), são da
área de Letras, com exceção de um participante da área de odontologia e outro
da área de artes visuais.
6.5 Materiais
Construímos 30 enunciados experimentais, de modo que cada condição
correspondia a 10 itens diferentes. Esses estímulos foram organizados em 3
conjuntos, formados por 10 itens experimentais acompanhados de mais 20
itens distratores. Cada conjunto reunia duas condições experimentais, da
seguinte maneira:
(a) Conjunto 01: Condições CLÍTICO TE e CLÍTICO LHE - 10 experimentais + 20 distratoras
(b) Conjunto 02: Condições CLÍTICO LHE e CLÍTICO O/A - 10 experimentais + 20 distratoras
(c) Conjunto 03: Condições CLÍTICO TE e CLÍTICO O/A - 10 experimentais + 20 distratoras
42 Ou mesmo a um hipotético 4º referente, que estaria ausente do contexto construído no enunciado.
213
Os 30 participantes foram divididos equanimemente em três grupos e
cada grupo visualizava os estímulos presentes em um dos conjuntos. Dessa
forma, os participantes do Grupo 01 liam 5 enunciados com o clítico te, 5
enunciados com o clítico lhe e 20 enunciados distratores; os participantes do
Grupo 02 eram expostos a 5 enunciados com o clítico lhe, 5 com o clítico o/a
e mais 20 distratores; os participantes do Grupo 03 visualizavam 5
enunciados com te, 5 com o/a e 20 distratores. Na prática, todos os 30 sujeitos
viram as mesmas frases, visto que a principal diferença entre os conjuntos era
o tipo de clítico utilizado. Por exemplo, as mesmas 5 frases vistas com o clítico
lhe pelo Grupo 01 apareciam com o clítico o/a para o Grupo 02 e com o clítico
te para o Grupo 03. Essa configuração por quadrado latino fez com que as
condições estivessem distribuídas dentre participantes (within subjects).
Os itens experimentais compreendiam duas orações em relação de
subordinação. A oração matriz construía-se em torno de um verbo dicendi e a
oração completiva atuava como o objeto direto desse verbo. O enunciado
representava, portanto, um discurso direto dentro do qual a oração completiva
correspondia à fala de um dos referentes da oração matriz. Os itens
experimentais utilizados na tarefa com o rastreador ocular foram os mesmos
que integraram o experimento de leitura automonitorada, descrito no capítulo
5. No Quadro 6.1, exibimos novamente os enunciados visualizados pelos
participantes nos diferentes grupos:
214
ITENS EXPERIMENTAIS UTILIZADOS
Para as condições com te e lhe Para as condições com o/a
Rita revelou para Pedro na casa de José: Eu
lhe/te amava na escola.
Pergunta: Rita amava Pedro na escola?
Rita revelou para Pedro na casa de José: Eu
o amava na faculdade.
Pergunta: Rita amava Pedro na faculdade?
Bruna ligou para Luís no prédio de Hugo: Eu
lhe/te espero no mercado.
Pergunta: Bruna espera Hugo no mercado?
Bruna ligou para Luís no prédio de Hugo:
Eu o espero no restaurante.
Pergunta: Bruna espera Hugo no
restaurante?
Marcos propôs para Vera no celular de Laura:
Eu lhe/te encontro na estação.
Pergunta: Marcos encontra Vera na estação?
Marcos propôs para Vera no celular de
Laura: Eu a encontro no desembarque.
Pergunta: Marcos encontra Vera no
desembarque?
Lucas falou para Beth no evento de Olga: Eu
lhe/te convido para o show.
Pergunta: Lucas convida Olga para o show?
Lucas falou para Beth no evento de Olga:
Eu a convido para o baile.
Pergunta: Lucas convida Olga para o baile?
Paulo garantiu para Aline na frente de Ana:
Eu já lhe/te indiquei ao cargo.
Pergunta: Paulo já indicou Aline ao cargo?
Paulo garantiu para Aline na frente de Ana:
Eu a indiquei para o cargo.
Pergunta: Paulo indicou Aline para o
cargo?
João disse para Carla na presença de Marta:
Eu te/lhe perdoo pelos erros.
Pergunta: João perdoa Marta pelos erros?
João disse para Carla na presença de
Marta: Eu a perdoo pelas mentiras.
Pergunta: João perdoa Marta pelas
mentiras?
Rui avisou para Maria na festa de Paula: Eu
te deixarei em casa hoje.
Pergunta: Rui deixará Maria em casa hoje?
Rui avisou para Maria na festa de Paula:
Eu a deixarei em casa amanhã.
Pergunta: Rui deixará Maria em casa
amanhã?
Sônia prometeu para Aldo no carro de Davi:
Eu te/lhe ajudo com a prova.
Pergunta: Sônia ajuda Davi com a prova?
Sônia prometeu para Aldo no carro de Davi:
Eu o ajudo para a prova.
Pergunta: Sônia ajuda Davi para a prova?
Taís contou para Alex no noivado de Felipe:
Eu te/lhe conheci no colégio.
Pergunta: Taís conheceu Alex no colégio?
Taís contou para Alex no noivado de Felipe:
Eu o conheci na faculdade.
Pergunta: Taís conheceu Alex na
faculdade?
Sofia divulgou para Carlos na sala de Raul:
Eu te/lhe promovo ao emprego!
Pergunta: Sofia promove Raul ao emprego?
Sofia divulgou para Carlos na sala de Raul:
Eu o promovo para a vaga!
Pergunta: Sofia promove Raul para a vaga?
Quadro 6.1 – Enunciados utilizados como itens experimentais no Experimento 3.
Os enunciados distratores também seguiam o mesmo padrão sintático
dos enunciados experimentais. Os distratores não traziam, contudo, os três
nomes próprios na oração matriz nem um pronome clítico na oração
completiva que retomasse algum referente da oração matriz. A estrutura
dialógica bem como o tamanho das sentenças foi mantida nos dois tipos de
enunciado. Nas frases reproduzidas em (47-50), temos quatro itens distratores
vistos pelos participantes:
215
(47) A juíza impôs ao advogado no término da sessão: Darei três dias à defesa.
PERGUNTA: A juíza deu à defesa três dias?
(48) Denise brigou com o pai no almoço de domingo: Quero viajar no feriado!
PERGUNTA: Denise quer viajar no feriado?
(49) Os operários exigiram do patrão na greve geral: Queremos reajuste salarial!
PERGUNTA: Os operários querem férias remuneradas?
(50) Igor discutiu com o médico na clínica do bairro: Marquei a consulta em abril!
PERGUNTA: Igor cancelou a consulta em abril?
Inscrevemos cada enunciado e pergunta interpretativa em um slide de
apresentação de PowerPoint, em fundo branco, com tamanho 25,4cm x
19,05cm. Esses slides foram salvos um a um como arquivos de pdf. Em
seguida, importamos esses arquivos – já com a configuração de templates –
para o programa TOBII Studio 2.3.2. Também utilizamos esta ferramenta para
programar a exibição dos templates no computador. A apresentação dos
enunciados foi semialeatória, visto que, na etapa de montagem do
experimento no computador, organizamos os templates de uma forma que os
participantes nunca iniciassem a tarefa visualizando um enunciado
experimental e nem vissem dois enunciados da mesma condição próximos um
do outro. O esquema a seguir ilustra a lógica de distribuição adotada:
DIST01 → DIST02 → EXP-TE01 → DIST03 → DIST04 → EXP-LHE01 → DIST05 → DIST06 ...
DIST = distratores
EXP-TE = experimental com clítico te
EXP-LHE = experimental com clítico lhe
Os procedimentos adotados na aplicação do teste de leitura de frases
com rastreamento ocular são explicitados na próxima subseção.
6.6 Procedimentos
O experimento de leitura de frases foi aplicado no mês de julho de 2017,
no Laboratório de Psicolinguística Experimental (LAPEX) da Faculdade de
Letras da UFRJ, sob a supervisão do professor Marcus Maia. Os participantes
liam as frases exibidas em um monitor de 23”, acoplado ao aparelho de
rastreamento ocular TOBII Studio 2.3.2. Antes de iniciar as tarefas relativas
ao teste, os participantes tinham seu olhar calibrado ao rastreador. Após
serem posicionados corretamente na cadeira, dentro da distância
216
recomendada (entre 65 e 70 centímetros do aparelho), solicitava-se que eles
acompanhassem com os olhos uma pequena esfera vermelha que percorria
aleatoriamente o espaço da tela. Quando a esfera parava, os participantes
deviam fixar seu olhar no ponto em que ela estivesse. Com este procedimento,
era possível verificar se o rastreador está acompanhando corretamente os
movimentos oculares dos participantes (cf. Figura 6.4).
Figura 6.4 – Etapa de calibração do olhar do participante ao rastreador. As marcações em
verde sinalizam os pontos fixados na tela pelo participante no momento da calibração.
(Fonte: https://s3-eu-west-1.amazonaws.com/ppreviews-plos-725668748/1504942/preview.jpg)
Concluída a etapa de calibração, os sujeitos recebiam as instruções para
a realização da tarefa, que eram passadas oralmente, pelo pesquisador
responsável, e por escrito, na tela do computador. Antes do experimento de
fato, os participantes realizavam um treinamento, ainda na presença do
pesquisador, recebendo orientações mais específicas e sanando possíveis
dúvidas. O treino era composto por quatro enunciados, muito similares aos
itens do experimento. Na tela, as sentenças apareciam automaticamente, e os
participantes poderiam lê-las por tempo indeterminado (embora fosse
salientado pelo pesquisador que eles deveriam gastar somente o tempo
necessário para a compreensão dos enunciados). Em seguida, deveriam
apertar o botão F5 do teclado para chamar à tela a pergunta interpretativa. A
pergunta ficava exposta por um tempo máximo de 5 segundos e, depois disso,
desaparecia automaticamente. Para respondê-la, os participantes deveriam
apenas fixar uma das caixas de resposta que julgasse correta. As caixas, com
as opções “sim e “não”, situavam-se logo abaixo da pergunta. Após a resposta,
217
surgia na tela um novo enunciado e o treino transcorria desse modo até o
final.
Ao concluir o treinamento, os participantes passavam por um novo
procedimento de calibração do olhar e, logo em seguida, começavam a
realização do experimento. Nessa fase, todos os sujeitos ficavam sozinhos na
sala do LAPEX, com isolamento acústico necessário à concentração na
atividade. Os participantes demoravam, em média, 7 minutos para terminar
a tarefa, considerada de simples execução e de fácil entendimento pelos
mesmos.
Quanto à apresentação dos estímulos, eles apareciam na tela em meio
escrito, na cor preta, em fundo branco na tela do monitor acoplado ao
rastreador ocular. Como formatação, utilizamos a fonte Courier New, tamanho
14, centralizado. Os enunciados ocupavam uma única linha na tela. A
dimensão dos segmentos era a mesma descrita para o Experimento 2: o
enunciado continha 24 sílabas e a pergunta interpretativa, 11 sílabas.
Além disso, os itens experimentais relacionados à condição CLÍTICO O/A
apresentavam uma sílaba a mais. A razão disso, conforme também já foi
explicado para o Experimento 2, é que o clítico o/a compreende um único
sinal gráfico. Isso poderia enviesar o tempo de leitura dessa condição em
comparação com as demais. Tal acréscimo não prejudicava a leitura geral das
frases, conforme ilustramos no exemplo a seguir:
(51)
a. Mar|cos| pro|pôs| pa|ra| Ve|ra| no| ce|lu|lar| de| Lau|ra: → 15 sílabas
Eu| lhe| en|con|tro| na| es|ta|ção. → 9 sílabas
b. Mar|cos| pro|pôs| pa|ra| Ve|ra| no| ce|lu|lar| de| Lau|ra: → 15 sílabas
Eu| te| en|con|tro| na| es|ta|ção. → 9 sílabas
c. Mar|cos| pro|pôs| pa|ra| Ve|ra| no| ce|lu|lar| de| Lau|ra: → 15 sílabas
Eu| a| en|con|tro| no| de|sem|bar|que. → 10 sílabas
Como podemos ver nos enunciados do exemplo em (51), para as versões
com os clíticos lhe e te, incluímos uma palavra com três sílabas na frase com
o pronome (“estação”). Já na versão com o clítico a, substituímos a palavra
“estação” por outra, com 4 sílabas e semanticamente equivalente
(“desembarque”).
218
6.7 Resultados
Uma vez aplicado aos 30 sujeitos, o experimento de leitura com
rastreador ocular forneceu dados relativos às variáveis dependentes
necessárias para investigarmos o efeito do tipo de clítico sobre os padrões
oculomotores dos participantes durante o teste. Nas próximas subseções,
apresentaremos os resultados segundo as variáveis dependentes
consideradas. Começamos com a medida off-line, a resposta da pergunta
interpretativa, segundo a qual é possível capturar os índices de interpretação
da informação de 2SG na memória dos participantes, isto é, com que
frequência o participante fixou na tela do computador a opção relacionada à
leitura de 2SG a partir do clítico.
6.7.1 Respostas às perguntas interpretativas
Na Figura 6.5, temos o gráfico que sumariza com que frequência os
participantes do experimento acessaram o referente marcado como 2SG nos
enunciados experimentais no momento de responder à pergunta
interpretativa:
Figura 6.5 – Índices de interpretação da informação de 2SG na tarefa de leitura com
rastreamento ocular (em %).
Semelhantemente ao resultado obtido a partir da mesma variável
dependente no experimento de leitura automonitorada, vemos que os
enunciados com a forma pronominal te foram os que mais ativaram a
219
interpretação do referente de 2SG, em 89% das respostas registradas. Em
segundo lugar, aparecem os enunciados que traziam o clítico lhe, cujo
percentual de interpretação da informação de 2SG foi de 73%. Em terceiro e
último lugar, encontramos os enunciados que envolviam o clítico o/a como
sendo os que menos conduziram à interpretação de 2SG, com 49% de índice
de interpretação da informação de 2SG. Ao procedermos às análises de
estatística inferencial, utilizando o teste de qui-quadrado, verificamos que,
neste caso, todas as diferenças nos índices de interpretação foram
significativas (te-lhe: χ²(1) = 8,31 p < 0,01; te-o/a: χ²(1) = 37,40 p < 0,001; lhe-
o/a: χ²(1) = 12,10 p < 0,001).
Passemos, na sequência, às variáveis dependentes on-line. No caso do
experimento em questão, tratamos da média de duração dos tempos de fixação
do olhar e do número de fixações registradas nas áreas críticas estabelecidas
nas frases.
6.7.2 Médias de duração dos tempos de fixação do olhar
Em relação à variável duração dos tempos de fixação do olhar,
analisamos os resultados relativos às três áreas críticas que delimitamos na
etapa de extração dos dados: (i) a área onde se localizava o pronome clítico,
(ii) a área que compreendia o pronome clítico junto com o verbo; (iii) a frase
inteira da condição. Vejamos a Figura 6.6, que traz os resultados referentes à
primeira área crítica estabelecida:
Figura 6.6 – Tempo médio de duração da fixação do olhar
na área crítica do pronome clítico (ms).
220
Conforme ilustram os valores do gráfico, a forma clítica fixada por mais
tempo, em média, foi o pronome lhe, contabilizando 469 milissegundos. A área
do clítico te nos enunciados foi a segunda mais fixada, em termos de tempo
de duração, computando um valor médio de 414 milissegundos. Já a área em
que se apresentava o clítico o/a na frase foi a menos fixada em relação ao
tempo de duração, correspondendo ao valor médio de 405 milissegundos.
Entretanto, cabe destacar que, ao aplicarmos o teste ANOVA para averiguar a
significância das diferenças observadas, nenhuma delas se mostrou
estatisticamente relevante: não houve efeito principal, relativo à variável tipo
de clítico (F(2,178) = 1,50 p > 0,05), nem um valor de probabilidade
significativo na comparação binária entre os níveis da variável (te-lhe: t(89) =
1,61 p > 0,05; te-o/a: t(89) = 0,21 p > 0,05; lhe-o/a: t(89) = 1,48 p > 0,05).
Interpretamos essa ausência de significância como algo relacionado à
própria natureza do experimento, em vez de uma evidência de que o tipo de
clítico não interfira nos padrões de fixação do olhar do participante. Dito de
outro modo, é preciso lembrar que as formas em estudo constituem palavras
funcionais e que tendem a não serem fixadas fovealmente. De acordo com
Luegi, Costa e Faria (2009, p.68) “as palavras não lexicais ou funcionais,
sobretudo as mais curtas, não são fixadas, o que não significa que não sejam
processadas”. Dessa maneira, uma vez que estamos tratando de palavras
funcionais monossilábicas, é bastante plausível que os participantes tenham
fixado, mais frequentemente, o verbo que sucedia os clíticos, capturando
visualmente os pronomes na zona perceptiva (que engloba a região parafoveal
da visão).
Assumindo que os clíticos não tenham sido satisfatoriamente fixados no
experimento – como sugerem os curtíssimos tempos de fixação registrados,
todos em torno de 400 milissegundos –, dada a própria natureza linguística
desses itens, acreditamos que os resultados relativos à primeira área crítica
estabelecida não foram suficientemente informativos por conta disso. Sendo
assim, coube, então, analisarmos a segunda área crítica estabelecida, que
compreendia a construção pronome clítico+verbo. Os resultados com as
médias de tempo de fixação são apresentados na Figura 6.7:
221
Figura 6.7 – Tempo médio de duração da fixação do olhar
na área crítica do clítico+verbo (ms)
De imediato, já percebemos que as diferenças entre os índices dessa
área crítica são mais visíveis, especialmente no que se refere à condição com
o pronome te. Notamos que as fixações na construção do tipo te+verbo
registraram, em média, menor tempo de duração, o que se traduz no valor de
836 milissegundos. Quanto às construções lhe+verbo e o/a+verbo,
percebemos tempos de fixação mais elevados: 1117 milissegundos para a
primeira e 1104 milissegundos para a segunda. Essas médias sugerem que os
participantes necessitaram fixar a referida área crítica por menos tempo
quando nela havia o clítico te, fato que nos permite pensar que esse pronome
facilitava mais a identificação de seu referente do que os outros dois.
Aplicando o teste ANOVA, constatamos que, para a área crítica clítico+verbo,
houve efeito principal da variável tipo de pronome (F(2,198) = 7,68 p < 0,001).
Além disso, a diferença existente entre o tempo de fixação da construção
te+verbo em relação ao das outras duas foi apontada como significativa (te-
lhe: t(99) = 3,90 p < 0,001; te-o/a: t(99) = 3,41 p < 0,001). Contudo, a análise
de variância indicou que as diferenças entre as médias de tempo de fixação
das construções lhe+verbo e o/a+verbo não são estatisticamente significativas
(lhe-o/a: t(99) = 0,14 p > 0,05).
Além das duas áreas críticas já comentadas, controlamos, ainda, o
tempo de duração das fixações na frase inteira que era apresentada aos
participantes. Os resultados aparecem organizados em forma de gráfico na
Figura 6.8 seguinte:
222
Figura 6.8 –Tempo médio de duração da fixação do olhar na frase inteira (ms).
Conforme podemos verificar, as médias indicam que o tempo médio das
fixações nas frases que continham o pronome te era de 5556 milissegundos,
sendo a menor média em comparação com as demais. Os enunciados que
traziam o pronome lhe tiveram tempo médio de fixação de 6013 milissegundos.
Já as frases que apresentavam o clítico o/a foram as que computaram o tempo
médio de fixação mais elevado: 6955 milissegundos. Novamente, baseando-
nos nas diferenças das médias em foco, podemos conjecturar que a presença
da forma te nos enunciados tornava a leitura mais eficaz em termos de esforço
cognitivo, o que se traduziu em um menor tempo médio de fixação do olhar.
O resultado do teste ANOVA, para essa área crítica, também apontou um efeito
principal significativo da variável tipo de clítico (F(2,198) = 6,77 p < 0,01). Na
análise por pares, o teste-t sinalizou como significativas as diferenças entre as
médias das frases com o/a tanto em relação às frases com te (t(99) = 3,80 p <
0,001) quanto em relação às frases com lhe (t(99) = 2,25 p < 0,05). Já a
diferença entre as médias das frases envolvendo te em comparação com as
frases que traziam lhe não se mostrou estatisticamente significativa (t(99) =
1,22 p > 0,05).
Contemplaremos, agora, a outra medida on-line obtida a partir do
experimento com rastreador ocular: o número de fixações. Por meio dessa
variável dependente, podemos analisar quantas vezes os participantes
fixaram, em média, as áreas críticas consideradas.
223
6.7.3 O número de fixações do olhar
A Figura 6.9, abaixo, apresenta os resultados da média de fixações
realizadas pelo participante em relação à área crítica em que estava situado o
clítico:
Figura 6.9 – Média de fixações na área crítica do pronome clítico.
Os dados presentes no gráfico acima ilustram que, dentre as três formas
clíticas estudadas, a área crítica que continha a forma lhe foi a que registrou,
em média, o maior número de fixações: 2,03. A área crítica nas condições que
traziam o clítico te computou média de 1,52 fixação. Já a área crítica nas
frases em que aparecia o clítico o/a registrou uma média de 1,31 fixação.
Segundo os resultados estatísticos do teste ANOVA, houve efeito do tipo de
pronome sobre as diferenças nas médias registradas (F(2,178) = 12,4 p <
0,001). Através do teste-t por pares, verificamos, ainda, que são significativas
as diferenças das médias de lhe em comparação com te (t(89) = 3,25 p < 0,01)
e com o/a (t(89) = 4,62 p < 0,001). Em contrapartida, as diferenças entre as
médias de fixações de te e o/a não foram estatisticamente relevantes (t(89) =
1,60 p > 0,05).
Assim como procedemos na apreciação da variável dependente tempo de
fixação, também em relação ao número de fixações não iremos interpretar as
diferenças observadas a um efeito advindo do tipo de clítico, mas sim a uma
particularidade do experimento. Acreditamos que a média de fixações mais
elevada nas condições com o clítico lhe seja decorrente do tamanho do
estímulo visual (uma palavra com 3 caracteres), frente ao tamanho dos
224
estímulos visuais relacionados a te (2 caracteres) e, principalmente, o/a (1
caractere). O tamanho desse clítico possivelmente fez com que a área crítica
em questão tenha sido mais fixada nas condições em que ele aparecia, o que
nos leva a pensar que a diferença no valor da média não esteja tão
intimamente ligada a questões de complexidade cognitiva, sobretudo em
comparação com o clítico o/a. Essa questão será retomada nos próximos
resultados a serem descritos.
Na Figura 6.10, temos as médias de fixações da área crítica que
compreendia a construção formada a partir do pronome clítico+verbo:
Figura 6.10 – Média de fixações na área crítica clítico+verbo.
Ao abordarmos a área crítica em que, muito provavelmente, o clítico era
percebido (através da zona parafoveal), verificamos que a construção te+verbo
foi a que registrou o menor número de fixações, com média de 3,79. Já a
construção o/a+verbo, nas frases em que aparecia, contabilizou um valor
médio de 4,27 fixações. A construção lhe+verbo computou o número de
fixações mais elevado, com média de 4,73. No entanto, a partir da análise
estatística, pudemos verificar que nem todas essas diferenças existentes entre
as médias das condições são significativas. A variável tipo de pronome
mostrou-se mais uma vez relevante (F(2,198)=4,01 p>0,05) no resultado do
teste ANOVA. Na aplicação do teste-t, contudo, verificamos que apenas a
diferença entre as médias de fixação das construções te+verbo e lhe+verbo
foram estatisticamente significativas (t(99)=3,04 p<0,01). As diferenças entre
as médias de fixação de o/a+verbo e te+verbo (t(99)=1,53 p>0,05), tal qual
225
entre o/a+verbo e lhe+verbo (t(99)=1,25 p>0,05), não foram apontadas como
relevantes estatisticamente.
Ainda em relação ao número de fixações, examinamos essa medida on-
line em relação à frase inteira que era lida pelos participantes na tela do
computador. Os valores das médias registradas são apresentados na Figura
6.11 que segue:
Figura 6.11 – Média de fixações na frase inteira.
Ao considerarmos a frase inteira, percebemos que os enunciados que
traziam o clítico o/a foram os que registraram o maior valor médio de fixações:
27,98. Por outro lado, verificamos que os enunciados em que havia a presença
do clítico te registraram o valor médio de 24,23 fixações, o mais baixo dentre
os resultados em análise. Já as frases que continham o clítico lhe
contabilizaram uma média de 25,16 fixações. A análise de variância do teste
ANOVA apontou efeito principal da variável tipo de pronome (F(2,198)=3,11 p
< 0,05). As análises pareadas do teste-t indicaram, por sua vez, haver
diferença significativa somente entre o par “frases com te” e “frases com o/a”
(t(99)=2,50 p < 0,05). As diferenças existentes entre as médias de fixações dos
pares “frases com te” e “frases com lhe” (t(99)=0,59 p > 0,05), e “frases com
lhe” e “frases com o/a” (t(99)=1,73 p > 0,05) não foram estatisticamente
significativas.
Com o objetivo de tornar mais evidentes e visuais os resultados relativos
aos padrões de fixação do olhar dos participantes durante o experimento de
leitura de frases, apresentamos, na Figura 6.12 a seguir, três mapas de calor,
gerados através de uma das funcionalidades do programa TOBII Studio. Esses
226
mapas, construídos com base em uma das sentenças experimentais, ilustram
o comportamento ocular que, de maneira geral, os participantes tiveram
durante a tarefa:
João disse para Carla na presença de Marta: Eu te perdoo pelos erros.
João disse para Carla na presença de Marta: Eu lhe perdoo pelos erros.
João disse para Carla na presença de Marta: Eu a perdoo pelas mentiras.
Figura 6.12 – Mapas de calor ilustrativos das fixações oculares de frases
com os clíticos te, lhe e a.
Conforme podemos observar, a frase que trazia o clítico te registra
menores durações de fixação, indicadas pela cor verde. Além disso, a área da
frase fixada por mais tempo (correspondente ao segmento “disse para Carla”),
sinalizada pela cor vermelha, indica que o participante acionou uma
interpretação de 2SG de maneira inequívoca. Isso pode ser reforçado no mapa
por meio da observação da área em que se situa o clítico te na frase (com
coloração entre o verde e o amarelo, indicando baixo tempo de fixação) e da
área em que aparece o terceiro nome próprio “Marta”, possível antecedente do
clítico (com coloração predominantemente verde, indicando baixo tempo de
fixação). Em outras palavras, podemos afirmar que o clítico te conduziu o
participante a uma interpretação de 2SG bastante segura, detectável pela
duração da fixação no constituinte “para Carla”.
Na frase que continha o pronome lhe, temos um quadro ligeiramente
distinto. Primeiramente, verificamos que a duração da fixação na área do
clítico é relativamente maior, comparada com o clítico te, o que é atestada pela
coloração avermelhada. Além disso, podemos notar também que houve maior
227
tempo de fixação em outras áreas da frase, especialmente naquelas em que
aparecem os nomes próprios candidatos a antecedente do clítico (sinalizado
pela coloração amarela que chega ao alaranjado na região dos constituintes
“para Carla” e “de Marta”), o que parece sugerir certa hesitação do participante
quanto à interpretação da informação de pessoa (2ª ou 3ª do singular). Desse
modo, parece plausível afirmar que a leitura de 2SG não foi tão imediata a
partir do clítico lhe em relação ao que vemos para o clítico te. Apesar disso,
como sugere a coloração entre o laranja e o vermelho na área do constituinte
“para Carla”, podemos concluir que o participante atribuiu uma interpretação
de 2SG ao clítico.
O mesmo não é verificado para a frase com o clítico a. Percebemos uma
duração de fixação consideravelmente alta na área do enunciado em que esse
clítico aparece (indicada pela cor vermelha) e, junto a isso, uma duração
também elevada no campo em que se situa o nome próprio “Marta” (indicada
pela cor amarelada que chega ao laranja). Essas informações do mapa de calor
nos levam a concluir que, neste caso, o participante optou por uma leitura de
3SG, ligando o clítico ao terceiro nome próprio da sentença anterior. Cumpre
destacar, contudo, que também há uma duração de fixação relativamente alta
na área em que aparece o nome próprio “Carla” (sinalizada pela coloração
amarela intensa), o que sugere que a interpretação do clítico despertou
dúvidas no participante durante o processamento das informações contidas
na frase.
6.8 Discussão
Como terceiro e último experimento aplicado com o intuito de pôr à
prova as hipóteses em torno das quais gira a presente tese, podemos dizer que
os resultados obtidos por meio da tarefa de leitura com monitoramento ocular
foram bastante elucidativos, principalmente no que tange às diferenças
relacionadas aos clíticos lhe e o/a, que, nas experimentações anteriores, de
caráter off-line, não puderam ser detectadas dentro de uma significância
estatística esperada. De modo bastante amplo, podemos dizer que as medidas
controladas no referido experimento sinalizaram que há diferenças tanto
228
qualitativas como quantitativas envolvendo as formas pronominais te, lhe e
o/a em termos do processamento da informação de 2SG.
Através dos resultados atinentes aos índices de interpretação da
informação de 2SG, verificamos que os participantes associaram o clítico te
ao referente marcado como o interlocutor dentro do contexto criado pelos
enunciados na maioria das vezes (89%). Tal índice salienta a eficácia desse
item para acessar a informação de 2SG na memória dos falantes.
Encontramos índices também elevados para as frases que continham lhe
(73%), fato que ilustra a maior associação desse clítico com a referência de
2SG do que com a 3SG pelos falantes. Configurando como a estratégia que
acessou o referente de 2SG em menor escala, temos o clítico o/a (49%), sendo,
portanto, a forma menos eficaz, dentre as três, para recuperar a informação
de 2SG. Embora essa mesma ordenação quanto à eficácia na retomada do
referente de 2SG tenha sido encontrada no experimento de leitura
automonitorada (2SG = te > lhe > o/a), naquele experimento as análises
estatísticas não foram significativas. Já na tarefa com eye-tracking, essa
distribuição foi significativa em todas as comparações, o que sugere que o
clítico te seja a forma mais eficiente no acesso à informação de 2SG.
Quanto à variável média de duração dos tempos de fixação, constatamos
que houve diferenças significativas que vão na direção das nossas hipóteses.
A partir da área crítica clítico+verbo, verificamos que as condições envolvendo
os clíticos lhe e o/a registraram tempos médios de fixação mais elevados (1117
e 1104 milissegundos, respectivamente), em comparação com as condições
que apresentavam o clítico te (836 milissegundos). Segundo os resultados do
teste estatístico, a diferença entre as médias de tempo de fixação de lhe+verbo
e o/a+verbo não são significativas, ao passo que as diferenças entre te+verbo
e as condições com lhe e com o/a são estatisticamente relevantes. Os índices
obtidos a partir dessa variável sugerem, portanto, que o custo de
processamento da área em que aparece a forma te é significativamente menor
em relação aos outros dois clíticos, o que podemos tomar como evidência do
seu acentuado nível de gramaticalização.
No que se refere aos resultados da área crítica “frase inteira”,
encontramos importantes diferenças em relação aos resultados da área crítica
229
anterior. As fixações dos participantes sobre as frases que continham o clítico
o/a demoravam, em média, mais tempo do que em relação às frases com os
outros clíticos (o/a: 6955 milissegundos; lhe: 6013 milissegundos; te: 5556
milissegundos). Tendo em vista que a estrutura morfossintática das sentenças
experimentais era praticamente idêntica (exceto pelos pequenos ajustes feitos
para as frases da condição o/a, conforme já explicitamos), parece plausível
associar a média de duração das fixações mais alta à presença do referido
clítico. Já as frases que continham o pronome te registraram a menor média
de duração das fixações; no entanto, a análise estatística indicou que essa
média não é significativamente menor do que a encontrada para as frases com
lhe. Os resultados evidenciam, pois, que o estatuto de te é bastante distinto
dos outros dois clíticos analisados, ou seja, esses itens não seriam mais
funcionalmente equivalentes. Os tempos de fixação (tanto da área com o
pronome quanto da frase inteira) mais baixos parecem indicar que a forma te,
sendo a estratégia mais gramaticalizada, exige um esforço cognitivo dos
falantes substancialmente menor.
A análise da terceira variável dependente, número de fixações do olhar,
embora tenha revelado menor índice de diferenças significativas, reflete a
mesma ordenação vista na medida anterior: na área crítica clítico+verbo, a
maior média de fixações ocorre no conjunto de frases que apresentavam o
clítico lhe (4,73). As condições que continham o clítico te foram as que
registraram menor número de fixações na área do clítico (3,79). Para as
condições que traziam na área crítica o/a+ verbo, encontramos uma média de
fixações de 4,27, inferior à que foi registrada para lhe+verbo, mas superior a
que foi contabilizada para te+verbo. Por esse resultado, temos, novamente,
mais uma evidência do baixo custo de processamento relacionado ao clítico
te, cuja diferença no número de fixações em relação às condições com lhe é
significativa.
Contemplando a mesma medida a partir da área crítica “frase inteira”,
temos que os participantes produziram um número de fixações maior sobre
as frases experimentais que traziam o clítico o/a (média de 27,98 fixações).
Em consonância com os resultados para essa área crítica nas variáveis
dependentes média de tempo de duração das fixações e número de fixações,
230
parece coerente dizer que os enunciados que traziam o clítico o/a
desencadearam maior custo de processamento nos participantes, uma vez que
contabilizamos maior número e maior média de tempo de duração de fixações
para as condições desse pronome. Em contrapartida, constatamos que os
participantes fixaram em menor número as frases que continham o clítico te
(média de 24,23 fixações). E a diferença na média entre ambas as condições,
o/a e te, foi significativa. A média de fixações nas frases com lhe foi de 25,16,
ficando, pois, entre as médias encontradas para o/a e te.
Sumarizando os resultados encontrados no experimento com rastreador
ocular, podemos traçar um perfil para cada clítico investigado como segue:
(i) O clítico te se mostrou como a estratégia gramatical mais eficiente
para o acesso à informação de 2SG em termos de processamento
linguístico, uma vez que foi capaz de ativar essa informação com
maior frequência do que os outros pronomes estudados, exigindo,
para isso, menor tempo e número de fixações nas frases;
(ii) O clítico lhe é, pelo que sugerem os resultados experimentais, uma
estratégia “ao meio do caminho”; embora seja capaz de ativar a
informação de 2SG em um grande número de casos, exige um custo
de processamento mais alto, pois demanda maior tempo e número
de fixações do olhar em comparação com te;
(iii) O clítico o/a consiste na estratégia gramatical menos eficiente para
acessar a informação de 2SG, posto que foi capaz de ativar essa
informação com um índice inferior ao verificado para os outros
pronomes. Embora a área em que esse clítico aparecia nas frases não
tenha registrado as médias de tempo e de número de fixações mais
altas – como havíamos previsto inicialmente –, os enunciados que
traziam esse item, como um todo, envolveram maior custo de
processamento, tendo contabilizado tempo de duração (em relação a
lhe e te) e número de fixações (em relação a te) significativamente
maiores. Associamos esse dado à dificuldade dos falantes do PB em
processar a informação de pessoa a partir desse clítico,
principalmente em contextos potencialmente ambíguos como era o
caso dos contextos inseridos no experimento.
231
Na próxima seção, apresentamos alguns comentários finais, a título de
conclusão do presente capítulo. Nela, pretendemos avaliar a eficácia da
técnica do eye tracking para o estudo das formas clíticas de 2SG.
6.9 Conclusão do capítulo
À guisa de conclusão, cabe destacar a pertinência da técnica do eye
tracking para o estudo das formas clíticas de 2SG. A referida ferramenta se
mostrou bastante adequada e, em certa medida, até necessária para uma
compreensão mais aprofundada dos aspectos relacionados à percepção dos
itens te, lhe e o/a antepostos aos seus verbos predicadores por falantes
nativos do PB. Dada a granularidade do objeto de estudo, arriscamos afirmar
que somente através de uma técnica com tamanho grau de acurácia
diferenças tão difíceis de serem capturadas por outros métodos poderiam ser
detectadas e analisadas com segurança.
Os resultados apresentados neste capítulo tornaram mais claros os
dados aparentemente obscuros que encontramos a partir da utilização de
outras técnicas experimentais (principalmente da leitura automonitorada).
Tais resultados sugerem que existem diferenças entre a percepção de lhe e de
o/a quanto ao acesso à informação de 2SG. Tendo em vista que, no
experimento de leitura automonitorada, não foi possível encontrar diferenças
significativas entre as condições com esses pronomes, podemos associar essa
ausência de evidência ao formato do experimento: o fato de os participantes
poderem ler por tempo indeterminado as frases e as perguntas interpretativas
pode ter interferido nas medições dos tempos de leitura. Além disso, o modo
de emissão das respostas também deve ser levado em consideração: o ato de
clicar em um botão do teclado é – para uma variável que lida com milésimos
de segundo – menos imediato do que o ato de direcionar o olhar para uma
opção específica na tela de um computador.
A técnica do eye tracking, contudo, envolve uma série de fatores que
podem restringir a verificação de determinadas hipóteses de pesquisa. Dadas
as especificidades do aparato tecnológico e de seu manuseio, não foi possível
232
que replicássemos o experimento em localidades fora do Rio de Janeiro (onde
está sediado o LAPEX). O eye tracker é uma tecnologia cara e infelizmente
poucas instituições brasileiras dispõem desse equipamento em seus
laboratórios. Seria interessante que, futuramente, outros pesquisadores
replicassem o experimento criado em outras localidades, a fim de relatar
semelhanças e diferenças com os resultados reportados neste capítulo.
Apesar disso, acreditamos que os resultados encontrados a partir de
falantes fluminenses sejam, em boa medida, representativos do modo como
os falantes do PB devem processar os clíticos estudados. Embasamos essa
hipótese nos seguintes argumentos: (i) não encontramos, em relação aos
experimentos aplicados a falantes de outras localidades, resultados que se
contradigam ou apontem para direções completamente distintas; (ii) no teste
de julgamento de cenas e no teste de leitura automonitorada, não
encontramos evidências significativas de que falantes de dialetos diferentes
processem os itens investigados de forma diferente, o que nos permite
descartar um possível efeito de variação diatópica sobre o fenômeno em
questão.
Feitas as últimas observações deste capítulo, cabe, agora, seguirmos
para as conclusões a que pudemos chegar com a presente investigação.
233
7 CONCLUSÕES
Nas últimas linhas desta tese, gostaríamos de retomar as questões e
hipóteses que conduziram a nossa pesquisa procurando confrontá-las com os
resultados gerais mais relevantes. Além disso, tentaremos aproximar os
pressupostos teóricos descritos no capítulo 3 dos resultados discutidos nos
capítulos de análise. Nesse intento de conjugar as diferentes partes,
resgatamos a nossa hipótese de gramaticalização do pronome te, a fim de
salientar os fatores que possivelmente motivaram a convencionalização de te
como marca de 2SG. Pretendemos destacar também a importância de estudos
experimentais acerca de formas em processo de mudança na língua,
delineando perspectivas futuras em relação aos estudos das formas de
referência ao interlocutor no PB.
Conforme anunciamos no capítulo de introdução, a questão central que
moveu (e continuará movendo) a nossa pesquisa é: por que o clítico te,
relacionado ao paradigma do pronome tu (que está em processo de
desaparecimento em diversos dialetos do PB) permanece no sistema de
tratamento ao lado da forma inovadora você, co-ocorrendo frequentemente
com ela? Para tentar entender essa questão, optamos por confrontar a atuação
da forma te com outras duas formas morfossintaticamente equivalentes a ela:
os clíticos lhe e o/a.
No plano teórico-descritivo, detectamos disparidades que nos lançaram
algumas pistas sobre o problema. O clítico te era uma variante flexional de
acusativo na língua latina que passou ao português como marca de 2SG para
as funções de objeto direto e indireto. Por um longo espaço de tempo, foi a
única forma para marcar a 2SG em relações mais íntimas e informais. Em
oposição, os clíticos lhe e o/a são formas originalmente de 3SG que
historicamente passaram a poder representar 2SG a partir da reanálise da
construção Vossa Mercê como uma estratégia de referência ao interlocutor.
Além disso, o fato de eles serem sintaticamente especificados (lhe para a
função dativa e o/a para a função acusativa) restringiu seus campos de
atuação frente ao clítico te, que atua em ambas as funções desde os primeiros
séculos da língua portuguesa.
234
Além dos pontos assinalados acima, vimos ainda as disparidades de
uso, relatadas por diferentes pesquisas sincrônicas e diacrônicas baseadas
em corpora. Os pesquisadores, de maneira geral, ressaltam a notável
regularidade na frequência de uso da forma te, que, pelo menos, desde os fins
do século XIX já podia ocorrer nos textos combinada com o pronome você na
posição de sujeito. Em contrapartida, as frequências de uso dos clíticos lhe e
o/a se mostram, nas pesquisas, bastante irregulares, na maioria dos casos
correlacionadas a diferentes variáveis extralinguísticas (localização geográfica,
período histórico, grau de instrução/nível de escolarização dos indivíduos,
faixa etária e tipo de relação entre os interlocutores).
Esses estudos nos foram bastante informativos e nos serviram como
base para a elaboração de algumas hipóteses desta tese, porém não chegam
a explicar, de maneira efetiva, a sobrevivência do clítico te. Embora alguns
estudiosos já tenham proposto explicações teóricas para esse fato – de ordem
sociopragmática, morfossintática e cognitivo-funcional (cf. Capítulo 2) –,
nenhum trabalho procurou explicar empiricamente a permanência de te em
um sistema no qual você se difunde. Isso foi, certamente, uma das principais
motivações para a realização desta pesquisa.
A partir das descrições históricas e dos dados de corpora acerca dos
referidos clíticos, começamos a pensar sobre a dimensão cognitiva desse
fenômeno em particular. Havendo importantes diferenças na diacronia e no
uso desses clíticos, como os falantes do PB atual devem interpretar/processar
a informação de 2SG através dos clíticos te, lhe e o/a? Qual seria a forma mais
eficiente na ativação da referência à 2SG? Que fatores poderiam influenciar
essa interpretação? Essas indagações foram a força motriz desta tese, em uma
empreitada que buscou compatibilizar um fenômeno de mudança com os
estudos de processamento.
Com base nos estudos já realizados sobre o tema e das questões
suscitadas por eles, procedemos à elaboração de três experimentos
linguísticos, com vistas a explorar a compreensão dos falantes do PB sobre
enunciados que envolviam os clíticos te, lhe e o/a. Esses experimentos
cumpriam diferentes objetivos e propuseram tarefas distintas aos
participantes, de modo que os dados produzidos por eles captassem diferentes
235
facetas do objeto de estudo. No julgamento de cenas legendadas, o intuito era
mensurar o índice de aceitação dos três clíticos, inseridos em variadas
situações comunicativas e avaliados por participantes de diferentes
localidades do Brasil. Na leitura automonitorada, tínhamos como objetivo
principal averiguar a acessibilidade da informação de 2SG a partir dos
pronomes clíticos e o custo de processamento envolvido nessa operação
mental. Na leitura de frases com rastreamento ocular, visávamos a aferir com
maior precisão o tempo de processamento despendido pelos falantes durante
a decodificação dos enunciados que continham as formas em questão. Na
exposição dos resultados, verificamos que:
(i) No julgamento de cenas legendadas, a forma te foi a mais bem
julgada, computando índices de aceitação significativamente mais
elevados do que os concernentes às formas lhe e o/a. Esse resultado
foi constatado entre os julgamentos de participantes de quatro
estados brasileiros diferentes, tanto para as interações simétricas
quanto para as interações assimétricas, o que evidenciou que a
aceitação do clítico te não está relacionada a fatores
sociopragmáticos ou dialetais;
(ii) Na leitura automonitorada, os dados experimentais indicaram que
os participantes demoravam, em média, menos tempo para ler os
enunciados que continham o clítico te. Dentre as três formas
analisadas, te se mostrou como a estratégia mais eficiente na
ativação da referência à 2SG demandando baixo custo de
processamento;
(iii) Na leitura de frases com rastreador ocular, encontramos resultados
que tornaram ainda mais evidente a existência de diferenças no
processamento de te, lhe e o/a quanto ao acesso à informação de
2SG. Também nesse experimento, o clítico te despontou como a
estratégia mais eficiente em termos cognitivos, tendo ativado a
informação de 2SG com uma frequência bastante alta. Além disso,
foi a forma que exigiu menor tempo e número de fixações do olhar
dos participantes durante a leitura dos enunciados.
236
Esses resultados, sumariamente recuperados, forneceram evidências
favoráveis ao conjunto de hipóteses que postulamos para o problema, quais
sejam: (i) os clíticos em análise não são processados do mesmo modo, visto
que existem diferenças entre eles que interferem diretamente no
processamento da informação de 2SG; (ii) As diferenças sociopragmáticas não
interferem no processamento de te, embora pareçam, em alguma medida,
influenciar na compreensão dos clíticos o/a e lhe; (iii) Dentre os três clíticos,
o processamento de lhe é o único que parece sofrer alguma interferência da
variável localidade de origem do falantes, visto que constitui uma marca
dialetal no PB; (iv) a forma te é a marca de representação da referência à 2SG
por excelência, fato que se reflete, dentre outras coisas, no seu largo índice de
aceitação e baixo custo de processamento.
Mas, afinal, o que tudo isso significa, em termos linguísticos? Em que
medida os resultados relativos ao processamento das formas clíticas, em
especial de te, contribuem para a explicação dos padrões de uso desses
pronomes no PB, detectados nas pesquisas baseadas em corpora?
Em primeiro lugar, precisamos retomar as assunções teóricas de
Hawkins (2004; 2014), em específico, a sua Hipótese de Correspondência
Desempenho-Gramática. Conforme apresentamos no capítulo 3, o referido
autor argumenta que a gramática das línguas consiste na convencionalização
de estruturas “preferidas” pelos falantes no desempenho. Essa preferência
estaria associada a princípios de eficiência, dentre os quais destacamos o
Princípio Minimizar Formas, que, resumidamente, estabelece que o
processador humano tende a concentrar mais propriedades/funções a um
número reduzido de formas; isso dependeria da facilidade com que tais
propriedades/funções podem ser atribuídas a certas formas.
A evidência central apontada por Hawkins (2004) acerca da sua hipótese
está ancorada na verificação empírica. Segundo ele, a convencionalização das
formas preferidas no desempenho pode ser atestada a partir dos padrões de
distribuição em corpora e pela facilidade de processamento em experimentos
linguísticos. Nesse sentido, podemos afirmar que os nossos resultados,
envolvendo os clíticos com referência à 2SG, se coadunam com essa hipótese,
visto que há uma forte correlação entre os dados de uso e de processamento;
237
a forma te, além de ser amplamente utilizada pelos falantes do PB, é também
a estratégia que mais facilita o processamento da informação de 2SG,
conforme demonstraram os resultados dos experimentos.
No nosso entendimento, falar em convencionalização de formas
linguísticas preferidas pelos falantes é, em outras palavras, falar de um
processo de gramaticalização. Por esse motivo, postulamos como nossa
hipótese central que a alta frequência de uso do clítico te ao longo do tempo
teria desencadeado um processo de gramaticalização desse item no PB.
Especificamente, a forma te teria se convertido em um marcador da
informação de 2SG. Adotando essa linha de análise, podemos identificar como
evidências dessa gramaticalização: a extensão pragmática do item na
atualidade, visto que ele não está mais restrito ao plano da intimidade; a sua
alta e regular frequência de uso, típica das formas gramaticalizadas, mesmo
nos contextos em que coexiste com você na posição de sujeito; os elevados
índices de aceitabilidade registrados no teste de julgamento; a maior
velocidade de processamento da informação que veicula por parte dos
falantes, atestada nos experimentos de leitura automonitorada e leitura com
rastreamento ocular.
A preferência por te no âmbito da referência ao interlocutor em posição
de complemento verbal teria, portanto, convencionalizado esse item, no
sentido de que ele se tornou ainda mais gramatical. Resta-nos, agora, refletir
sobre um ponto: por que te se tornou a marca de representação da 2SG por
excelência (na posição de complemento) dentro de um sistema em que a forma
você se difundiu? Por que os clíticos lhe e o/a, pertencentes ao paradigma de
você, não conseguiram “banir” te do sistema? Arriscaremos uma resposta
apoiados em tudo que mencionamos nos parágrafos anteriores, resposta essa
que estará longe de ser completa ou definitiva.
Analisando estruturalmente os três clíticos investigados nesta tese,
observamos que o clítico te é um “candidato ótimo” para a representação da
2SG. Primeiramente, porque sofre menos restrições funcionais do que os
outros dois, podendo atuar na complementação acusativa e dativa (o que
amplia o leque de contextos sintáticos em que essa forma pode ser inserida).
Além disso, verificamos através do experimento com cenas legendadas que te
238
também está menos sujeito a restrições sociopragmáticas e extralinguísticas,
o que permite a sua utilização em diferentes situações comunicativas.
Morfofonologicamente, te também é o que melhor se “ajusta” à posição
anteposta ao verbo predicador: a sua estrutura formada por consoante-vogal
adequa-se bem ao padrão fonológico do português, em comparação com lhe
(iniciado pela consoante lateral palatal, incomum para início de vocábulos do
português) e o/a (constituído unicamente por uma vogal, sem ataque silábico).
Por fim, cabe lembrar ainda que te acessa inequivocamente a informação de
2SG, não gerando, portanto, ambiguidades semânticas; as formas lhe e,
principalmente, o/a, podem acessar também a 3SG, o que, de certo modo,
complexifica o processamento desses clíticos em determinados contextos
(como indicaram os Experimentos 2 e 3).
Esses fatores, aliados com os demais aspectos já levantados
anteriormente, parecem contribuir para a
convencionalização/gramaticalização de te no sistema de tratamento do PB.
Os clíticos lhe e o/a parecem ser preteridos em favor de te por envolverem as
restrições estruturais, funcionais e contextuais comentadas. Desse modo, e
consoante Hawkins (2014), podemos pensar que o processador linguístico dos
falantes do PB opta pela forma mais eficiente e menos custosa para
estabelecer a referência ao interlocutor: a forma te.
Por fim, esperamos que as investigações empreendidas nesta tese
tenham servido para demonstrar a viabilidade de se estudar formas
linguísticas em processo de gramaticalização pela ótica do processamento.
Naturalmente, os experimentos propostos carecem de aperfeiçoamentos e
reformulações, de modo que se tornem mais produtivos e informativos a
respeito do tema discutido. Mesmo assim, acreditamos que os primeiros
passos foram dados no sentido de colocar à prova postulados e princípios
teóricos relacionados à gramaticalização que versam sobre a dimensão
cognitiva do processo. Seria bastante enriquecedor para os estudos dessa área
se mais estudiosos se propusessem a confrontar os dados de corpora e as
explicações teóricas com resultados experimentais.
Para encerrar, esboçamos uma pequena “agenda de pesquisa” acerca
dos desdobramentos desta tese. Evidentemente que este trabalho não esgota
239
o assunto e ainda há muita coisa para ser investigada. Em primeiro lugar,
ressaltamos a importância de que sejam elaborados experimentos específicos
para analisar o status funcional dos clíticos lhe e o/a no PB. O nosso foco era
explorar o processamento do clítico te e, para tanto, procuramos contrastar
essa forma com os outros dois. No entanto, cada um deles precisará ser
minuciosamente examinado.
Sendo um pronome de uso bastante restrito na representação da 3SG,
quando empregado em referência a 2SG, o/a parece ser uma forma estranha
para os falantes do PB, sugerindo certa artificialidade. A presença de o/a na
referência de 2SG talvez represente um uso fossilizado, de produtividade
muito restrita e sujeito à extinção. Ainda necessitaremos estudar mais sobre
como esse pronome é processado pelos brasileiros e talvez um bom caminho
seja a realização de análises contrastivas com o português europeu, no qual
esse clítico é produtivamente utilizado (tanto na 3SG quanto na 2SG).
Quanto ao clítico lhe, os estudos etnográficos mostram que seu uso em
referência a 3SG é bastante raro no PB, o que nos permite pensar que esse
item tenha migrado para a representação da 2SG. No entanto, como
mostraram os experimentos, embora seja relativamente eficaz para
estabelecer a referência com o interlocutor, lhe parece estar bem distante de
se tornar uma forma de uso generalizado no PB, sendo, em vez disso, uma
marca de utilização restrita e complexa. Experimentos que controlem mais
acuradamente variáveis sociopragmáticas poderão ser bastante informativos.
Por fim, voltamos ao clítico te. Os experimentos desenvolvidos nesta tese
ofereceram uma análise holística do fenômeno, visto que estávamos
interessados em compreender questões mais gerais acerca do processamento
de te. Análises futuras, de cunho mais qualitativo, serão muito bem-vindas.
Em novos experimentos, poderão ser explorados, por exemplo, os verbos com
os quais o pronome te se liga. A frequência de ocorrência dos itens verbais
influencia o processamento de te? Há casos em que o pronome e o verbo estão
mais integrados entre si, de modo que os falantes processem te como um
afixo? Há casos em que o processamento de te é mais custoso? São questões
que podem (e devem) suscitar a continuação da investigação realizada aqui.
240
Será preciso seguir adiante, haja vista a necessidade de se realizarem
mais investigações sobre os problemas, as questões e as hipóteses discutidas
nesta tese. O estudo das formas de tratamento ainda é muito incipiente no
âmbito da abordagem experimental e precisará ser mais bem desenvolvido por
outras pesquisas. As páginas escritas até aqui devem ser sucedidas por
muitas outras, a fim de que alcancemos um entendimento razoavelmente mais
amplo acerca da questão. Parodiando a famosa passagem shakespeariana:
existem mais coisas no uso e no processamento do que supõe o nosso vão
conhecimento linguístico...
241
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251
ANEXOS
I. Diálogos construídos para as legendas das cenas experimentais
(Experimento 1):
A. Condições com o pronome lhe:
(1) Rapaz e menino em casa
RAPAZ: E aí, garoto! Você gosta de chocolate, né?
[O menino fica olhando em silêncio]
RAPAZ: Você quer comer um? /[Retira um chocolate do bolso] Esse é para você!
MENINO: Eu não quero chocolate! Estou sem fome.
RAPAZ: Como é? / Pega logo, eu tô lhe dando!
(2) Cliente e funcionária no caixa do supermercado
FUNCIONÁRIA: Não aceitamos cartão de crédito.
CLIENTE: [olha para a funcionária sem entender] O quê?
FUNCIONÁRIA: Pagamento só em dinheiro.
CLIENTE: Ah! Nossa! Sério mesmo? / Eu não tenho uma moeda sequer aqui
comigo... [Procura dinheiro na bolsa] / Então... / Eu lhe ajudo com o trabalho no
caixa, ok?
(3) Advogado e presidiário na cadeia
ADVOGADO: Você pegou prisão perpétua.
PRESIDIÁRIO: Mas eu sou inocente / eu jamais mataria a minha esposa.
ADVOGADO: Todas as provas apontam para você.
PRESIDIÁRIO: Eu lhe pago qualquer preço pra sair daqui!
(4) Policial e motorista em Blitz
POLICIAL: Avançar o sinal vermelho é infração grave... / E num cruzamento
perigoso como esse... / Não tem como perdoar! / Desculpe, Excelência, mas é o
meu trabalho.
MOTORISTA: Eu estava atrasado para um julgamento importante.
POLICIAL: Não me interessa o motivo, essa é a lei!
MOTORISTA: [olha para o policial indignado] O que você disse? / Eu lhe processo
por desacato!
(5) Casal de namorados jovens conversando
MOÇA: [fazendo charme para o rapaz] Já vai?
RAPAZ: É... Amanhã eu tenho prova na faculdade / Preciso estudar.
MOÇA: [olha surpresa] Jura?
RAPAZ: [decepcionado] Você sabe que eu não posso ficar / Eu já lhe expliquei
isso.
252
(6) Dois amigos conversando no trem
AMIGA: [Apontando para o amigo] Da escola! / Claro! Você estudou comigo na
Castelo... [tentando lembrar o nome] / Encantado.
AMIGO: [tenta lembrar também] É uma que tinha a parede toda rabiscada...
AMIGA: Eu que rabisquei.
AMIGO: O quê?
AMIGA: Todo mundo soube disso na época / Mas pelo visto ninguém lhe contou.
(7) Casal discutindo em apartamento
MULHER: Acho que a gente precisa dar um tempo.
HOMEM: Eu concordo! Minha paciência esgotou!
MULHER: Sua mãe está atrapalhando a nossa relação!
HOMEM: Para de culpar minha mãe!
MULHER: Ela vai acabar com o nosso casamento! / Ela sempre me odiou!
HOMEM: [dá as costas e sai] Você está ficando louca!
MULHER: Volta aqui! Vou lhe mostrar quem é louca!
(8) Dois presidiários na cadeia
PRESO 1: Eles vão me pagar caro por me colocarem aqui! / Vou acabar com todos
eles! / Não vai restar nenhum vivo!
PRESO 2: Você só pensa em crimes! / Já chegou ao fundo do poço, não vê?
PRESO 1: Mas logo vou conseguir sair daqui. / E vou me vingar de todos eles!
PRESO 2: Nada disso adianta agora.
PRESO 1: Eu quero vingança!
PRESO 2: Acabou pra gente, já era!
PRESO 1: Vou matar todos eles! / Eu não vou ficar aqui!
PRESO 2: Você já está na cadeia, aceite!
PRESO 1: Cale a boca! / Eu lhe mato também, se quiser!
B. Condições com o pronome o/a:
(1) Advogada e detento na cadeia
ADVOGADA: Michael, me fala a verdade.
DETENTO: Eu não fiz nada.
ADVOGADA: É melhor você abrir o jogo comigo / Se não falar a verdade eles o
prendem.
(2) Professora e aluna em sala de aula
ALUNA: [vai até a mesa da professora] Oi! Trouxe esses biscoitos. / Você quer
provar?
PROFESSORA: [bocejando e mexendo na bolsa] Deixa aí. [A aluna coloca o pote
sobre a mesa e continua parada. A professora encara a aluna aborrecida] / Quer
que eu a leve para a direção?
253
(3) Sequestradores e vítima em área deserta
SEQUESTRADOR 1: Acaba logo com ela!
VÍTIMA: Me solta! Me solta! Socorro!
SEQUESTRADOR 2: Cala essa boca!
VÍTIMA: Eu não quero morrer, por favor!
SEQUESTRADOR 2: Eu mandei você calar essa boca! [Joga a vítima no chão e
aponta o revólver para ela] / Quem a salvará dessa vez? [sequestrador 2 é baleado
por outro personagem que surge na cena antes de atirar na vítima]
(4) Pai e filho em trilha na montanha
FILHO: Caramba! / Você não me disse que essa trilha iria demorar um dia inteiro!
PAI: Já percorremos mais da metade, filho! / Logo chegaremos ao vilarejo
FILHO: Mas eu já estou cansado!
PAI: Eu sei, mas é assim mesmo / eu falei que era cansativo / Agora não dá pra
voltar, temos que chegar ao vilarejo para voltarmos
FILHO: Eu estou cansado, não ouviu? Será que é tão difícil de entender? / Depois
você diz que eu não o respeito!
(5) Casal discutindo a relação na rua
HOMEM: Estou indo embora agora!
MULHER: Faça o que achar melhor.
HOMEM: Encontrei isso dentro da sua bolsa. [Retira um bilhete do bolso] / E aí? /
O que você faria no meu lugar?
MULHER: O que você acha? / Eu o perdoaria.
(6) Diálogo entre noivos no altar do casamento
NOIVO: Na alegria e na tristeza / Na saúde e na doença / Com todo amor.
NOIVA: Para compartilhar, respeitar e cuidar. / Você me aceita? / Eu o aceito.
(7) Casal de namorados jovens na praia
RAPAZ: Sabe, Júlia, eu estive pensando... A gente se conhece há bastante tempo /
E a gente tá sempre junto por aí, um ajudando o outro...
MOÇA: É, tem razão... A gente tá sempre juntos.
RAPAZ: E eu queria sabe se você aceitaria namorar comigo...
MOÇA: Até que enfim você tomou coragem. / Você sempre soube que eu o amo!
(8) Duas amigas em um bar
AMIGA 01: O Caio me ligou ontem querendo saber como eu tava... / A gente
conversou melhor, mas sem chances de voltar [expressão de decepção]
AMIGA 02: [expressão de incômodo] Eu não sei / Você faz tudo por ele / E ele... /
Ele a trata como uma idiota!
254
C. Condições com o pronome te:
(1) Aeromoça e passageiro no avião
AEROMOÇA: Tem algo de errado com a poltrona?
PASSAGEIRO: Eu não gostei desse assento e queria trocar.
AEROMOÇA: Não trocamos o assento durante o voo!
PASSAGEIRO: Eu sei, mas acontece que tem um monte de poltronas livres nesse
voo...
AEROMOÇA: Regras são regras! / Eu sinto muito / mas eu não posso te trocar de
lugar.
(2) Médico e paciente no hospital
PACIENTE: Quanto tempo eu tenho?
MÉDICO: Não posso fazer esse tipo de afirmação.
PACIENTE: Eu sei que o meu caso é grave.
MÉDICO: Descanse um pouco / você acabou de passar por uma cirurgia.
PACIENTE: Pode falar, Doutor. / Eu prefiro saber a verdade.
MÉDICO: Não vou te enganar, você tem um tumor no cérebro.
(3) Freira e visitante na igreja
VISITANTE: Oi, tudo bem? Desculpe por entrar sem avisar / Eu só passei aqui para
fazer uma oração rápida / Mas já terminei, tô indo embora / Outra hora eu volto
com calma
FREIRA: Não existe hora certa para entrar na Casa do Senhor / Você deve vir à
Igreja quando sentir vontade / Deus sempre te espera por aqui
(4) Cliente e funcionária numa lanchonete
FUNCIONÁRIA: Olá! Posso ajudar?
CLIENTE: Vou querer essa promoção do eggcheeseburguer com fritas e refrigerante.
FUNCIONÁRIA: Essa promoção acabou ontem.
CLIENTE: [surpreso] Como acabou?
FUNCIONÁRIA: [em tom de ironia] Não existe mais.
CLIENTE: Chama o gerente agora / Eu vou te denunciar.
(5) Grupo de amigos conversando em um bar
AMIGO 01: Quem vai querer cerveja?
AMIGO 02: Albert, ninguém vai beber aqui. / Estou convencendo o pessoal de ir
para uma boate. / Vamos para a Brown ou para a Wonk?
AMIGO 03: A Brown fechou já faz um tempo.
AMIGO 02: Não!
AMIGO 03: Eu te disse isso ontem.
255
(6) Discussão entre jovens em um bar
RAPAZ 01: Não sei se você já tá sabendo / mas você quebrou a regra do bar. / É
proibida a entrada de calouros / sem me pedir autorização. / [risos] Se eu fosse
você, saía daqui agora mesmo.
RAPAZ 02: [rindo do que ouviu] Você é o dono do bar pra criar regras? / Quer
saber? / Nem vou te responder!
(7) Diálogo entre amigos de trabalho no escritório
AMIGO 01: A Rita do RH tá saindo com o chefe...
AMIGO 02: Fofoca velha! Todo mundo sabe que ela até dorme na casa dele! / Ela
vai subir de cargo rapidinho.
AMIGO 01: Pois é. A Rita é muito interesseira... / Tem gente que faz de tudo pra
subir de cargo...
AMIGO 02: Ah! Qual é? / Você não ia aceitar / se a chefe te chamasse para sair?
(8) Dois amigos conversando numa arquibancada
AMIGO 01: Os Visitantes vão massacrar!
AMIGO 02: Não fala besteira!
AMIGO 01: O time da casa vai tomar uma surra!
AMIGO 02: Isso não vai acontecer! / Sem a menor chance! / E esse cara?
AMIGO 01: Você acha que os da Casa vencem? [bate no braço do amigo 02] / Ei! Ei!
AMIGO 02: O que foi?
AMIGO 01: Eu tô falando, não me ignora!
AMIGO 02: Tá nervoso, cara? / Eu hein!
AMIGO 01: Eu te fiz uma pergunta!
II. Frases experimentais utilizadas para os Experimentos 2 e 3:
❖ Grupo 1 (lhe e te)
LHE01 Rita revelou para Pedro na casa de José: Eu lhe amava na escola.
Pergunta: Rita amava Pedro na escola? SIM
LHE02 Bruna ligou para Luís no prédio de Hugo: Eu lhe espero no mercado.
Pergunta: Bruna espera Hugo no mercado? NÃO
LHE03 Marcos propôs para Vera no celular de Laura: Eu lhe encontro na estação.
Pergunta: Marcos encontra Vera na estação? SIM
LHE04 Lucas falou para Beth no evento de Olga: Eu lhe convido para o show.
Pergunta: Lucas convida Olga para o show? NÃO
LHE05 Paulo garantiu para Aline na frente de Ana: Eu já lhe indiquei ao cargo.
Pergunta: Paulo já indicou Aline ao cargo? SIM
TE01 João disse para Carla na presença de Marta: Eu te perdoo pelos erros.
256
Pergunta: João perdoa Marta pelos erros? NÃO
TE02 Rui avisou para Maria na festa de Paula: Eu te deixarei em casa hoje.
Pergunta: Rui deixará Maria em casa hoje? SIM
TE03 Sônia prometeu para Aldo no carro de Davi: Eu te ajudo com a prova.
Pergunta: Sônia ajuda Davi com a prova? NÃO
TE04 Taís contou para Alex no noivado de Felipe: Eu te conheci no colégio.
Pergunta: Taís conheceu Alex no colégio? SIM
TE05 Sofia divulgou para Carlos na sala de Raul: Eu te promovo ao emprego.
Pergunta: Sofia promove Raul ao emprego? NÃO
❖ Grupo 2 (o/a e lhe)
OA01 Rita revelou para Pedro na casa de José: Eu o amava na faculdade.
Pergunta: Rita amava Pedro na faculdade? SIM
OA02 Bruna ligou para Luís no prédio de Hugo: Eu o espero no restaurante.
Pergunta: Bruna espera Hugo no restaurante? NÃO
OA03 Marcos propôs para Vera no celular de Laura: Eu a encontro no desembarque.
Pergunta: Marcos encontra Vera no desembarque? SIM
OA04 Lucas falou para Beth no evento de Olga: Eu a convido para o baile.
Pergunta: Lucas convida Olga para o baile? NÃO
OA05 Paulo garantiu para Aline na frente de Ana: Eu a indiquei para o cargo.
Pergunta: Paulo indicou Aline para o cargo? SIM
LHE01 João disse para Carla na presença de Marta: Eu lhe perdoo pelos erros.
Pergunta: João perdoa Marta pelos erros? NÃO
LHE02 Rui avisou para Maria na festa de Paula: Eu lhe deixarei em casa hoje.
Pergunta: Rui deixará Maria em casa hoje?
LHE03 Sônia prometeu para Aldo no carro de Davi: Eu lhe ajudo com a prova.
Pergunta: Sônia ajuda Davi com a prova? NÃO
LHE04 Taís contou para Alex no noivado de Felipe: Eu lhe conheci no colégio.
Pergunta: Taís conheceu Alex no colégio? SIM
LHE05 Sofia divulgou para Carlos na sala de Raul: Eu lhe promovo ao emprego.
Pergunta: Sofia promove Raul ao emprego? NÃO
257
❖ Grupo 3 (te e o/a)
TE01 Rita revelou para Pedro na casa de José: Eu te amava na escola.
Pergunta: Rita amava Pedro na escola? SIM
TE02 Bruna ligou para Luís no prédio de Hugo: Eu te espero no mercado.
Pergunta: Bruna espera Hugo no mercado? NÃO
TE03 Marcos propôs para Vera no celular de Laura: Eu te encontro na estação.
Pergunta: Marcos encontra Vera na estação? SIM
TE04 Lucas falou para Beth no evento de Olga: Eu te convido para o show.
Pergunta: Lucas convida Olga para o show? NÃO
TE05 Paulo garantiu para Aline na frente de Ana: Eu já te indiquei ao cargo.
Pergunta: Paulo já indicou Aline ao cargo? SIM
OA01 João disse para Carla na presença de Marta: Eu a perdoo pelas mentiras.
Pergunta: João perdoa Marta pelas mentiras? NÃO
OA02 Rui avisou para Maria na festa de Paula: Eu a deixarei em casa amanhã.
Pergunta: Rui deixará Maria em casa amanhã? SIM
OA03 Sônia prometeu para Aldo no carro de Davi: Eu o ajudo para a prova.
Pergunta: Sônia ajuda Davi para a prova? NÃO
OA04 Taís contou para Alex no noivado de Felipe: Eu o conheci na faculdade.
Pergunta: Taís conheceu Alex na faculdade? SIM
OA05 Sofia divulgou para Carlos na sala de Raul: Eu o promovo para a vaga!
Pergunta: Sofia promove Raul para a vaga? NÃO
III. Frases distratoras utilizadas para os Experimentos 2 e 3:
A atriz afirmou aos fãs no teatro da cidade: Encenarei Othelo mês que vem. Pergunta: A atriz encenará Othelo mês que vem? SIM
O dentista chamou o auxiliar na mesa de cirurgia: Prepare a anestesia. Pergunta: O dentista preparou a anestesia na mesa de cirurgia? NÃO
A professora informou aos alunos no fim da aula: Adiei a prova para julho. Pergunta: A professora adiou a prova para julho? SIM
O guarda pediu ao motorista na via Expressa: Coloque o cinto de segurança.
Pergunta: O guarda colocou o cinto de segurança? NÃO
A juíza impôs ao advogado no término da sessão: Darei três dias à defesa.
Pergunta: A juíza deu à defesa três dias? SIM
258
O jogador reclamou com o técnico no meio do treino: Entrei em campo ontem!
Pergunta: O técnico entrou em campo ontem? NÃO
A avó telefonou para o neto na manhã de Natal: Assei um peru para a ceia.
Pergunta: A avó assou um peru para a ceia? SIM
O taxista advertiu ao passageiro no começo da viagem: O taxímetro
quebrou. Pergunta: O taxista usou o taxímetro na viagem? NÃO
O vendedor lembrou ao cliente na hora da compra: Aceito cartão de crédito. Pergunta: O vendedor aceita cartão de crédito? SIM
Os operários exigiram do patrão na greve geral: Queremos reajuste salarial!
Pergunta: Os operários querem férias remuneradas? NÃO
Bruno combinou com a amiga na saída do mercado: Iremos ao cinema de
noite. Pergunta: Bruno irá com a amiga ao mercado de noite? NÃO
Denise brigou com o pai no almoço de domingo: Quero viajar no feriado! Pergunta: Denise quer viajar no feriado? SIM
Ivo marcou com o irmão na fila da bilheteria: Vamos pegar segunda fileira. Pergunta: Ivo pegou última fileira com o irmão? NÃO
Eduarda planejou com a irmã no sofá da sala: Vamos arrumar o quarto. Pergunta: Eduarda vai arrumar o quarto com a irmã? SIM
Ivan decidiu com o sócio na sala da empresa: Assinarei o contrato hoje. Pergunta: Ivan recusará o contrato com o sócio? NÃO
Elisa acertou com a babá para o dia da festa: Pagarei duas diárias. Pergunta: Elisa pagará duas diárias para a babá? SIM
Igor discutiu com o médico na clínica do bairro: Marquei a consulta em
abril! Pergunta: Igor cancelou a consulta em abril? NÃO
Célia conversou com o avô nas férias de verão: Quero ficar na fazenda. Pergunta: Célia quer ficar na fazenda? SIM
Fábio brincou com os convidados no casamento: Cobrarei pelos convites. Pergunta: Fábio vendeu os convites para o casamento? NÃO
Sara fechou com o inquilino a locação do imóvel: Diminuirei o aluguel. Pergunta: Sara diminuirá o aluguel do imóvel? SIM
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