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Lopes Gonçalves, o renovador de Braga na 1ª República.
«Podemos considerar Lopes Gonçalves como um dos grandes
renovadores de Braga, cuja série ilustre costumamos encabeçar com
o famoso arcebispo Dom Diogo de Sousa».
«Sete Cartas de Alexandria» (Dr. Egídio Guimarães)
Sem dúvida, Manuel Monteiro e Domingos Pereira, atingiram maior projecção
nacional, e até internacional, que o seu contemporâneo e amigo Lopes Gonçalves. No
entanto, este ilustre bracarense que muito bem serviu a sua terra, justifica que se lhe
preste a devida justiça e que a sua memória seja recuperada e não se dilua no tempo.
O meu interesse por Lopes Gonçalves surgiu, precisamente, quando o
suplemento «Cultura» do «Diário do Minho» publicou os artigos de divulgação sobre
Manuel Monteiro e Domingos Pereira, dois dos mais prestigiados bracarenses do
século passado e com os quais, Lopes Gonçalves, manteve, até ao fim da vida,
profundas relações de amizade. Nas cartas que o Dr. Manuel Monteiro lhe enviava de
Alexandria, tratava-o, afectuosamente, por «Albaníssimo» ou, Querido Albano.
Desde aí, a partir das referidas publicações, não mais o perdi de vista, ficou--
me “debaixo d’olho”.
Albano Justino Lopes Gonçalves nasceu na cidade de
Braga, na freguesia de S. João do Souto, em 14 de Dezembro
de 1863, tendo sido seus pais Francisco Lopes Gonçalves,
médico veterinário, que muito se notabilizou na imprensa
política da última metade do século XIX, e D. Maria José de
Oliveira.
Fez o curso preparatório nesta cidade, matriculando-se,
em seguida, na Escola do Exército. Concluído o curso, foi
promovido a alferes para Infantaria nº 8, em 1890, e a Tenente-Coronel em 27 de Março
de 1925, reformando-se nesse posto em 22 de Maio do mesmo ano. Foi condecorado
com a comenda de Aviz, medalha de bons serviços no Ultramar e a medalha de
comportamento exemplar.
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Efectivamente, no posto de capitão, quando da guerra entre a Inglaterra e o
Transval, foi chefe do gabinete do Governador de Lourenço Marques e louvado várias
vezes pelo zelo e inteligência com que exerceu tão importante e melindroso cargo, em
ocasião tão delicada.
Mais tarde foi nomeado Presidente da Câmara daquela, então, cidade portuguesa
da África Oriental, ficando o seu nome ligado a melhoramentos da mais alta
importância, revelando-se como organizador e homem de acção. O novo aspecto dessa
cidade ultramarina, o seu progresso e desenvolvimento, a abertura de novas ruas,
levantamento de novos bairros e muitos outros melhoramentos que fizeram de Lourenço
Marques uma das mais europeizadas cidades africanas, devem-se a Lopes Gonçalves. O
seu nome naquela antiga colónia portuguesa era venerado e querido, tendo a sua acção
administrativa sido elogiada muitas vezes em documentos oficiais e na imprensa.
Regressando ao Continente continuou a fazer serviço no Regimento de
Infantaria nº 8 onde, já Major, o foi buscar o amigo e admirador das suas faculdades de
inteligência e trabalho, Dr. Manuel Monteiro, Governador Civil, para presidir à
Comissão Administrativa da Câmara, cargo que exerceu desde Dezembro de 1912 até
15 de Julho de 1915.
Lopes Gonçalves – Presidente da Comissão Municipal Administrativa.
Acertou, Manuel Monteiro, na escolha do homem certo para incentivar a vida da
cidade e do seu concelho, resolver-lhe os seus problemas e delinear-lhe um futuro que a
caminho dos meados do século se apresentasse «digna da sua
rica e milenar história».
De facto, como acabou de dizer-se, Lopes Gonçalves já
havia dado sobejas provas de larga capacidade empreendedora à
frente de um município importante do Ultramar. No entanto,
deve acrescentar-se que a aceitação do novo cargo na Câmara de
Braga não se processou com a facilidade que se possa imaginar;
a decisão de Lopes Gonçalves não foi tomada de ânimo leve,
como se depreende das suas próprias palavras, escritas alguns anos depois de haver
deixado a chefia do Município:
«Num dos primeiros dias de Janeiro do ano de 1912 o meu querido amigo Dr.
Manuel Monteiro, actualmente Juiz dos Tribunais Mistos do Egipto e, ao tempo,
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Governador do Distrito de Braga, procurava-me e pedia-me que aceitasse a
presidência de uma Comissão Administrativa destinada a substituir a que vinha
administrando o Município bracarense desde o advento da República e que já, por mais
de uma vez, havia manifestado o empenho de ser substituída.
As razões de ordem vária que invoquei para declinar o honroso convite pouco
ou nada podem interessar para aqui. Apenas como prova de que não foi sem uma
grande relutância que me resolvi, afinal, a aceitá-lo, aponto a circunstância de ter sido
só em fins de 1912, isto é, um ano, quase, depois de ele me ter sido feito e após
reiteradas e amigas instâncias, que a Comissão Administrativa, a que tive a honra de
presidir, entrou no exercício das suas funções».
Com efeito, um decreto publicado no «Diário do Governo», em 21 de Novembro
de 1912, determinava a dissolução da Comissão Administrativa Municipal que estava
servindo desde Outubro de 1910, substituindo-a por outra composta pelos seguintes
cidadãos:
Major Albano Justino Lopes Gonçalves (proprietário), Secretaria e Obras; Dr.
Eurico Taxa Ribeiro (médico), Limpeza e Higiene; Albino Luiz Gomes Moreira
(proprietário), Águas e Matadouro; Domingos Gonçalves Palha (industrial), Iluminação
e Viação; João Teixeira de Araújo (proprietário), Jardins e Cemitério; Manuel José
Gomes (capitalista), Expostos e Cadeia; Domingos José Ribeiro Braga (professor),
Incêndios, Instrução e Impostos.
A posse foi dada por Luiz Augusto Simões de Almeida, em 6 de Dezembro de
1912, coincidindo com a primeira acta da reunião da nova Comissão Administrativa
Municipal, em que o Presidente, Lopes Gonçalves, expôs o programa da referida
Comissão: contrair um empréstimo de 650 contos destinados à conclusão das obras de
abastecimento de água à cidade, ao estabelecimento do serviço de tracção eléctrica para
o Bom Jesus, à municipalização do serviço de iluminação pública e particular no
concelho, construção de um mercado, de casas económicas para operários etc. etc. Este
programa foi, como se esperava, dado o estado geral dos munícipes, considerado,
«salvas as poucas excepções dos raros crentes, como uma verdadeira “blague”»!
Na verdade, quando a Comissão resolveu contrair o empréstimo de 650 contos, a
quase totalidade dos habitantes de Braga pensava e dizia: «O município não tem
dinheiro, o momento não é oportuno para o agravamento das contribuições, e portanto
não pode ser viável qualquer vasto plano de engrandecimento ou transformação da
cidade». Porém, Lopes Gonçalves garantia que, apesar da situação financeira do
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Município poder então suportar perfeitamente novos encargos, uma vez que entre todos
os municípios que se aproximavam em população e importância do de Braga, era este
último aquele em que menor era a percentagem lançada sobre as contribuições do
Estado, «tinha a certeza de encontrar na própria obra de municipalização projectada
os recursos financeiros necessários para pagamento dos encargos resultantes do
empréstimo em questão», o que, aliás, se veio a verificar posteriormente.
Em Maio de 1913, Joaquim José de Oliveira, João Carlos Nunes da Palma e
Domingos Pereira apresentaram na Câmara dos Deputados o seguinte projecto:
Art.º 1º. É a Câmara Municipal de Braga autorizada à municipalização dos
serviços de tracção eléctrica e iluminação, na cidade e no concelho.
Art.º 2º. Para os fins do disposto no artigo anterior, e ainda para a realização de
outros de reconhecida urgência e justificada utilidade é a mesma Câmara autorizada a
contrair um empréstimo até à quantia de 650.000 escudos, ao juro de 6% ao ano,
amortizável em sessenta anuidades.
§ Único. A autorização a que este artigo se refere não será obrigatória durante os
primeiros cinco anos seguintes à emissão.
Art.º 3º. O empréstimo poderá ser contratado pela Caixa Geral de Depósitos,
com qualquer Banco ou sociedade de crédito, ou lançado em obrigações sorteadas em
harmonia com as anuidades estabelecidas.
Art.º 4º. O empréstimo terá as seguintes aplicações:
a) Expropriações, indemnizações à Companhia Carris e Ascensor do Bom Jesus do
Monte, Companhia Geral Bracarense de Iluminação a Gás e Sociedade de
Electricidade de Portugal;
b) Instalação dos serviços de tracção eléctrica e iluminação;
c) Conclusão dos trabalhos para abastecimento de águas e aquisição de contadores;
d) Construção de mercados;
e) Construção de um matadouro;
f) Instalação de um laboratório de análises de géneros alimentícios e produtos
químicos empregados na agricultura, como adubos, insecticidas, etc.
g) Construção de casas baratas para classes pobres;
Art.º 5º. Serão consignados ao pagamento dos encargos resultantes deste
empréstimo:
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a) A parte que for precisa das receitas provenientes da exploração dos serviços de
abastecimento de água, tracção eléctrica e iluminação e das rendas dos
mercados, matadouro, laboratório e casas baratas.
b) A importância correspondente a três quartas partes da verba actualmente
inscrita no orçamento camarário para iluminação.
§ Único. Serão também destinados a garantir o pagamento deste empréstimo
todas as instalações e construções ou edifícios adquiridos com o seu produto.
Municipalização do gás e iluminação eléctrica.
Ao estabelecer o plano geral da municipalização, Lopes Gonçalves pensava em
modificar o sistema de iluminação pública da cidade tornando-o misto pelo emprego da
luz eléctrica nos pontos mais centrais e importantes, e do gás nos restantes. O plano
visava, para além de outras razões, obviamente um fim económico consequência da
circunstância, já há muitos anos verificada, de que o gás, depois de vendidos os
subprodutos resultantes da destilação da hulha, tais como o coque, o alcatrão, a água
amoniacal, etc. poder ficar quase de graça senão de graça, o que bastava para se
avaliarem facilmente as vantagens de substituir o emprego exclusivo da luz eléctrica,
com que a cidade era iluminada, pelo sistema misto referido.
A propósito da municipalização, julgo não ser de menor interesse destacar, ainda
que resumidamente, o modo como Lopes Gonçalves liderou todo o processo,
demonstrando uma lúcida inteligência, elevado espírito de justiça e grande dignidade
moral.
Ao iniciar as negociações prévias indispensáveis para realizar a expropriação
projectada a principal preocupação de Lopes Gonçalves não era, a respeito da
Companhia do Gás, como o não foi também em relação à Companhia de luz eléctrica
(Sociedade Eléctrica do Norte de Portugal), um negócio que fosse uma “mina” para o
Município e um “barrete” para a Companhia. Ao abordar os representantes das
companhias com quem tinha de tratar, depois de exposto e justificado o plano geral de
municipalização que se tinha em vista, Lopes Gonçalves concluía: «vejamos, pois, se é
possível chegar-se a um acordo de que resultem vantagens mútuas para as partes que
respectivamente representamos».
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Proceder com equidade e rapidez era a sua principal preocupação, não
ignorando, pelo que respeitava à Companhia do Gás, que um critério diferente daquele
que viria a ser acordado poderia levá-la, com mais tempo e mais demora, a aceitar como
preço da expropriação uma importância inferior à dos 55 contos que recebeu, porquanto
a Companhia encontrava-se, numa situação delicada: «… com muito tempo e pouca
justiça seria possível, creio-o bem, obter a expropriação da Companhia do Gás por um
preço inferior àquele porque eu a realizei. E digo com pouca justiça porque, ao iniciar
as negociações prévias, eu não podia esquecer-me de que representava, não um grupo
de financeiros, ou uma empresa industrial de carácter estritamente particular, mas sim
um município, o próprio município que essa Companhia largos anos servira sem
conseguir receber juros do respectivo capital durante muitos deles, e de que eram
accionistas muitos daqueles que, na sua qualidade de munícipes, eu próprio
representava…
Não se preocupam nem têm que preocupar com considerações desta natureza os
particulares quando entre si concertarem negócios em que cada um, pelo seu lado,
procura ganhar o mais que pode. Mas já assim não podem ou não devem proceder,
principalmente quando se trata de expropriações de serviços de utilidade pública,
aqueles que representam o Estado ou os Municípios.
Verdade seja que a respeito de um e outro não falta quem tenha as mais
extraordinárias concepções e até mesmo quem deles não faça ideia alguma…
Se o Estado ou os Municípios não reconhecem os esforços dos que trabalham,
nem asseguram, aos que o arriscam, o respeito pelo capital empregado em empresas de
utilidade pública tornando impossível a vergonhosa e deprimente afirmação de que em
Portugal só podem sustentar-se companhias estrangeiras, quem há-de fazê-lo? Os
particulares? Estes, já o disse, estão no seu papel mantendo-se no círculo estreito do
egoísmo individual e nós sabemos todos muito bem que não falta, por esse país fora,
quem julgue que um contrato bilateral só é perfeito quando um dos contratantes, depois
de assinada a respectiva escritura, pode dizer do outro, esfregando as mãos de
contentamento – foi bem comido!». Isto terá a ver alguma coisa com o «chico esperto»
dos nossos dias?
Lopes Gonçalves considera que a Companhia recebendo 55 contos, recebeu
apenas o que, em relação ao valor real dos haveres que cedia e aos lucros prováveis da
indústria que deixava de explorar, foi julgado equitativo e que a Câmara com justiça e
correcção eliminou um competidor de respeito, ficando, além disso, a explorar uma
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indústria destinada a constituir em futuro bem próximo, uma importante fonte de receita
para o Município.
Acrescente-se, ainda, que a guerra estalando em fins de Julho de 1914, e com a
qual Lopes Gonçalves não podia contar, em 1913, quando foi negociada a expropriação,
encarregar-se-ia de fazer a eliminação da Companhia, porquanto, já não dispunha de
condições para poder sustentar-se.
Habilitando-se a explorar a indústria de fornecimento de luz eléctrica no
concelho, tanto pública como particular, a Câmara assegurava ao Município, à custa de
um pequeno excesso de despesas de instalação e de exploração, uma receita
importantíssima que poderia cobrir ou atenuar o «deficit», inevitável nos primeiros anos
de exploração do serviço de tracção eléctrica.
Porém, não faltou quem considerasse verdadeiramente desastrada a operação
financeira realizada com a Sociedade de Electricidade do Norte de Portugal (S. E. N. P.)
porque diziam, bastava que a Câmara aguardasse pela conclusão do prazo do exclusivo
para ficar com o direito de explorar a indústria de fornecimento de luz eléctrica «sem
carecer de dar um real àquela Companhia!». Só que… quando chegasse o dia (30 de
Junho de 1923 como consta da respectiva escritura do contrato de 8 de Junho de 1892)
em que deveria terminar o prazo da concessão do exclusivo do fornecimento da
iluminação eléctrica à S. E. N. P., o Município terá recebido, em lucros líquidos
resultantes da exploração daquela indústria, muito mais do que pagou àquela
Companhia, não contando com os benefícios de outra ordem.
O acordo feito com a S. E. N. P. firmou-se em bases diferentes daquele que foi
concluído com a Companhia do Gás. Enquanto que em relação a esta se fez a
expropriação completa, passando para o domínio do Município os terrenos, fábrica,
edifícios, contadores, etc. que lhe pertenciam, àquela comprou-se, apenas, o privilégio
do exclusivo da iluminação no concelho durante os anos que faltavam até à caducidade
do prazo da respectiva concessão.
Porém, só depois de repetidas conferências e de reiteradas instâncias levadas a
cabo por Lopes Gonçalves é que a S. E. N. P. se resolveu a aceitar o princípio da
expropriação parcial combinando-se que ela receberia a indemnização de 105 contos
pela cedência, ao Município, do exclusivo da iluminação eléctrica no concelho.
Aquela importância se não foi arbitrada com mesquinhez, também não pode
dizer-se que o tivesse sido com largueza; o que o Município terá ganho com a luz
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eléctrica desde 1 de Janeiro de 1914 até 30 de Junho de 1923 foi bem superior à
importância paga à S. E. N. P.
Não há dúvida que a Companhia lucrou recebendo, antecipadamente, os lucros
que poderia obter durante os anos que faltavam para que a sua concessão caducasse. O
Município lucrou também não só pela importante fonte de receita que para si assegurou,
mas ainda por ter conseguido, por uma importância anual muito inferior àquela que
pagava à S. E. N. P., «dotar a cidade com uma iluminação tão intensa e profusa que
Braga passou a ser, antes que o agravamento da Guerra impusesse restrições ao
consumo da energia eléctrica, a cidade melhor iluminada do país».
Pelo que já foi dito, o critério adoptado por Lopes Gonçalves ao iniciar as
negociações com os representantes da Companhia do Gás e a Companhia de
Electricidade do Norte de Portugal não se subordinou à preocupação exclusiva de obter
as expropriações pelo menor preço possível com desprezo de quaisquer outros factores
que pudessem influir no resultado final da operação financeira em projecto,
nomeadamente a perda de tempo.
Como já se referiu, a Guerra rebentou em princípios de Agosto de 1914 e a
inauguração da Central de energia eléctrica e o serviço de tracção estava prevista para o
mês de Outubro seguinte, tendo já havido grandes dificuldades para serem recebidas as
tubagens das máquinas e caldeiras.
Assim, pois, se com a preocupação exclusiva de obter o abatimento de alguns
contos de réis no custo das expropriações, Lopes Gonçalves arriscasse perder tempo
«discutindo teimando, solicitando intermediários, pedindo arbitragens, entrando no
caminho das exigências e até no das ameaças, os estudos, projectos, adjudicações e
encomendas ter-se-iam feito mais tarde e a guerra teria surgido, portanto, na altura de
tornar absolutamente impossível a realização de todas as obras projectadas ou nas de
as encarecer tão pesadamente, que os prejuízos resultantes, de muitas dezenas de
contos com certeza, não teriam comparação alguma com as reduções que se pudessem
ter obtido no custo das indemnizações perdendo um tempo por tantos títulos precioso».
Refira-se que as negociações com a Companhia do Gás e de Electricidade,
iniciadas nos primeiros meses de 1913, tinham de ser efectuadas a tempo do respectivo
projecto de lei, autorizando a municipalização, ser ainda discutido e aprovado na sessão
legislativa daquele ano, o que realmente se conseguiu, mas só quase ao encerrar-se o
Parlamento.
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Acção dos deputados bracarenses.
Efectivamente, determinado o quantitativo das indemnizações a pagar e das
despesas a fazer com as instalações do serviço de tracção eléctrica, iluminação,
mercado, etc., faltava, ainda, conseguir no Parlamento, a aprovação do projecto de lei
autorizando aquelas obras e a emissão do empréstimo indispensável para as realizar.
Contra o que era de supor, a tarefa não só foi extremamente difícil mas correu
riscos de fracassar completamente.
Em 21 de Junho de 1913, pouco tempo antes do encerramento dos trabalhos
parlamentares, o jornal «Commercio do Minho» comentava a situação: «Está
dependente do Senado um projecto de lei habilitando a Câmara Municipal a levar por
diante os melhoramentos bracarenses. Sobre tal projecto incidiu já discussão, mas as
opiniões dos senadores não são concordes e no assunto fez-se agora o silêncio mais
solene, entrecortado apenas pela voz de algum dedicado, manifestado pela imprensa.
Nesta categoria merece especial menção o sr. Dr. Domingos Pereira, que sobre o caso
tem espargido luz completa.
Ora o projecto acha-se encravado no Senado, a sessão legislativa está a findar
e, passada esta oportunidade, seguir-se-á um compasso de espera de um ano. Portanto,
de duas uma: ou as forças vivas da cidade estão convictas da necessidade dos
anunciados melhoramentos, ou não.
Se, estão, como cremos, porque não temos a mínima razão para dúvidas, devem
reunir-se quanto antes e representar ao Senado para que seja aprovado na presente
sessão legislativa o projecto de lei referente à Câmara Municipal de Braga.
Sem referir as razões e propósitos que determinaram a hostilidade com que, nas
duas câmaras, o projecto foi recebido por vários dos seus membros, Lopes Gonçalves
põe em destaque a atitude que nessa luta assumiram os deputados pelo círculo de Braga,
Manuel Monteiro, Joaquim de Oliveira e Domingos Pereira:
«Se não fossem eles, se não fosse a sua corajosa persistência, a sua propaganda
calorosa, a sua vigilância infatigável, o projecto de lei, que, depois de uma luta
tenacíssima, eles conseguiram ver enfim aprovado numa das últimas sessões da
legislatura de 1913, teria ficado de remissa para o ano seguinte e, mesmo dada a
hipótese de ser discutido e aprovado numa das primeiras sessões desse ano, ele viria já
demasiadamente tarde.
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A guerra teria surpreendido, em meio da sua execução, todos os trabalhos
projectados e, como já acentuei, as consequências de tal facto resultantes teriam
assumido proporções de um irremediável descalabro».
De facto, e finalmente, foi aprovado pelo Senado com modificações, em sessão
de sexta feira, 20 de Junho, o projecto de lei autorizando a Câmara de Braga a contrair
um empréstimo de 650 contos a fim de proceder à municipalização dos serviços de
tracção eléctrica e iluminação, construção do mercado, etc.
O «Commercio do Minho», na sua edição de 26 de Junho, referindo-se ao
acontecimento noticiava: «em sinal de regozijo iluminaram-se na noite de sábado
alguns edifícios públicos e particulares, queimaram-se muitos foguetes e correu as ruas
a banda dos órfãos de S. Caetano».
Na sessão extraordinária de 26 de Junho o Presidente, Lopes Gonçalves,
referindo-se à aprovação, no Congresso, do projecto lei que autoriza a Câmara a
municipalizar a viação eléctrica e a iluminação, e ainda a realizar outros
melhoramentos, emitindo para isso o empréstimo de 650.000$00, congratulou-se pela
conversão em lei do referido projecto, enaltecendo os relevantes serviços dos
parlamentares que se interessaram pela aprovação do projecto lei, propondo que se
lançasse na acta um voto de congratulação e outro de agradecimento aos senadores
Estêvão de Vasconcelos e Sousa Fernandes, deputados Drs. Joaquim de Oliveira e
Domingos Pereira, e Dr. Manuel Monteiro, antigo Governador Civil.
Mas não foi esse, apenas, o único inestimável serviço que, por essa ocasião,
aqueles parlamentares prestaram à sua terra.
Como a subscrição pública não tivesse coberto a totalidade do empréstimo
houve necessidade de negociar com a Caixa Geral de Depósitos, o que não foi nada fácil
por via de razões de ordem legal e, como não poderia deixar de ser , por questões de
natureza burocrática.
Lopes Gonçalves garante que, se não fossem aqueles ilustres deputados,
principalmente o Dr. Manuel Monteiro, que foi de uma grande dedicação e tenacidade, a
concessão do empréstimo não teria sido votada pelo Conselho de Administração da
Caixa Geral de Depósitos e isso teria colocado a Comissão Municipal de 1913 em
grandes dificuldades. Ainda no que respeita às negociações do empréstimo com a
referida instituição bancária prestou também valiosíssimos serviços o Dr. Augusto
Soares, ex – ministro de Estado e um «sincero amigo de Braga».
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Por isso, Lopes Gonçalves, considera para si extremamente grato ter o ensejo
«de poder dizer o que, em benefício do desenvolvimento material de Braga, fizeram
todos aqueles que referi. E sinto-me mais à vontade e satisfeito ao fazê-lo quanto é
certo que, não pertencendo, nem tendo jamais pertencido, ao partido político de que
aqueles meus amigos pessoais são figuras de destaque, as minhas palavras não
poderão ser atribuídas à paixão política mas sim a um preito de justiça e ao propósito
de cumprir um dever de que eu jamais pretendia eximir-me ainda mesmo quando ele
não fosse, como é, extremamente grato ao meu espírito».
E acrescenta ainda: «Embora tivesse exercido funções administrativas, estando
no poder um governo democrático, e colaborando, portanto, na administração pública,
com autoridades democráticas, eu nunca estive filiado nesse partido, não tendo mesmo
entrado jamais num centro político nem assistido a qualquer reunião de carácter
exclusivamente partidário». Lopes Gonçalves escrevia isto em 1919.
O abastecimento de água.
Enquanto no Parlamento se uniam esforços pela aprovação do projecto de lei
autorizando a municipalização projectada, a Câmara bracarense não estava inactiva e
procurava, fundamentalmente, apressar a conclusão das obras de abastecimento de água
à cidade, excelente e indispensável melhoramento, cuja iniciativa se devia à Câmara do
Dr. Domingos José Soares que administrava o Município por ocasião do advento da
República em 1910.
Porém, em 1913, quando Lopes Gonçalves assumiu a presidência da Comissão
Administrativa, os trabalhos estavam de tal modo atrasados que só o assentamento das
canalizações estava quase completamente concluído, pois o resto estava por fazer ou
montar. Perante esta situação, afigurava-se impossível a quase toda a gente o tempo
para concluir os trabalhos, sendo, pois, convicção geral, em toda a cidade, que a água do
Cávado não entraria nos depósitos no referido ano de 1913.
O certo é que a Central junto do Cávado (a cerca de meia dúzia de quilómetros
de distância da cidade), a montagem das respectivas caldeiras, máquinas e bombas, os
filtros, o grande depósito de água filtrada, os três depósitos de distribuição na cidade,
dois na zona alta (Guadalupe) e um na zona baixa (Carvalheiras), etc., tudo isso ficou
operacional em 1913.
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Dando-lhe o devido relevo, o «Commercio do Minho», (2 e 4 de Setembro), faz
o relato do acontecimento:
«Ontem foi inaugurado o funcionamento dos maquinismos de elevação no Bico.
Dentro em pouco tempo os grandes reservatórios construídos dentro da cidade, serão
cheios por intermédio desses maquinismos, do precioso líquido tão necessário à vida, à
limpeza e à higiene. Desses reservatórios, como de corações gigantescos, passará o
refrigerante fluido ao complicado sistema arterial bracarense, levando a todos os
bairros, a todas as ruas, a todas as casas e a todas as dependências das mesmas, água
em abundância para os diferentes usos domésticos.
Cabem justos louvores à actual Comissão Administrativa Municipal, pelo bem
provado interesse que tomou na rápida solução deste problema. Ela soube imprimir aos
atrasados trabalhos o incremento preciso para este trabalho.
Não menores encómios são devidos às vereações transactas, que iniciaram e
continuaram tão útil melhoramento.
Ao acto assistiram os Srs. Governador Civil e o seu secretário particular,
General Comandante da Divisão com o seu ajudante, Chefe do Estado Maior, deputado
Dr. Domingos Pereira, Presidente e vogais da Comissão Administrativa do Município e
alguns vogais da Comissão Municipal transacta, representantes da imprensa local e
correspondentes de jornais do Porto e de Lisboa, Dr. Teixeira da Silva, representando
o Sr. Director das Obras Públicas e várias outras pessoas.
Falaram os Srs. Engenheiro Carlos de Vasconcelos, representante da casa
fornecedora das máquinas e o Presidente da Comissão Administrativa Municipal.
Ao principiar o funcionamento das máquinas ressoou uma salva de palmas e
foram levantados diferentes Vivas».
O Mercado da …discórdia.
Em sessão ordinária de 3 de Julho de 1913 a
Câmara, para além do envio de um telegrama de
congratulação ao Presidente do Ministério e aprovadas as
bases para abertura do concurso para a construção da linha
de tracção eléctrica para o Bom Jesus, apreciava e aprovava
a proposta de Lopes Gonçalves sobre o local em que devia
ficar o mercado.
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Cinco dias depois, a 8 de Julho, o «Commercio do Minho» noticiava:
«Deliberou a ilustre Comissão Administrativa Municipal, e a nosso entender deliberou
muito bem, que o projectado mercado fechado fosse construído na Praça Municipal,
onde, desde tempo remotíssimo tem estado o antigo mercado… A presunção de que a
Praça Municipal é pequena para mercado fechado, não tem razão de ser…
…Felicitamos, pois, a Câmara por ter
tomado tão acertada resolução, que poupará
muito dinheiro ao Município, respeitando
hábitos e interesses criados e aliás legítimos.
A unanimidade de opinião é impossível; mas
cremos bem que a maioria da cidade aplaude
a deliberação de deixar o mercado onde
estava.
As coisas não teriam sido bem assim. A construção, ou melhor, a localização do
mercado, cujo projecto é da autoria do arquitecto Moura Coutinho, não foi pacífica. Não
sei, de facto, se a maioria da cidade aplaudia ou não a ideia de Lopes Gonçalves, mas
que foi uma decisão polémica foi; antes, durante e depois da construção…até à sua
demolição em Outubro de 1955.
Pouco tempo depois da assinatura do contrato, com Domingos José Afonso, da
empreitada de construção do mercado, o jornal «Commercio do Minho», de 9 de Abril
de 1914, comentava em Editorial:
«Agora que está em vias de construção o mercado fechado e coberto, na Praça
Municipal, levantam-se reclamações contra a escolha daquele local. Optam uns pelo
Campo da Vinha, outros pela cerca do antigo Paço Episcopal, e ainda outros locais
que lhes parecem mais apropriados.
Nisto, como em tudo, verifica-se o «tot capita, quot sententia».
Os próprios moradores da Praça Municipal, que foram à Câmara, em comissão,
agradecer a escolha daquele local para a construção do mercado, mostram-se agora
contrariados, porque o projectado edifício lhes assombrará as suas habitações.
Não falta quem diga que o mercado fica pequeno, ao passo que outros afirmam
ficar ele com proporções bastantes para a cidade. Enfim, as opiniões variam ao sabor
de vários interesses e modos de ver.
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O facto é que o mercado foi discutido, posto em praça, adjudicado; existe um
compromisso sério entre a Câmara e a casa construtora; os trabalhos da construção
estão iniciados, portanto, as reclamações são tardias. Mas se há quem nesta altura,
encontre solução que satisfaça a todos ou à maioria… já aqui não está quem falou».
Parece, de facto, que a localização do mercado terá sido a obra mais polémica, e
até talvez a única polémica, de todas as
grandes obras do dinâmico e distinto autarca.
Poderá ter sido um erro de visão, o que de
modo nenhum é suficiente para diminuir as
muitas e valiosas obras com que dotou a sua
terra natal.
De qualquer modo, interessará agora, e
muito, conhecer as razões invocadas por Lopes Gonçalves para justificar a decisão que
o levou a optar pela localização do malfadado mercado.
Quatro anos após haver deixado a presidência da Câmara, isto é, em 1919, Lopes
Gonçalves publicou uma obra, hoje pouco menos que desconhecida, «Em volta de um
importante problema de Administração Municipal», uma espécie de relatório da sua
actividade camarária, pretendendo, certamente, explicar a sua acção enquanto presidente
do Município.
Já em 1915, no jornal diário desta cidade «Echos do Minho», entendeu aclarar,
em 35 extensos artigos intitulados «A caminho da verdade…», tudo que se suscitou
desde a sua presidência da Câmara Municipal até ao último dia da sua direcção dos
Serviços Municipalizados.
Reportando-me à obra publicada em 1919 e quando era já, desde 1915,
presidente da Mesa da Confraria do Bom Jesus do Monte, Lopes Gonçalves, à guisa de
prefácio, ou pórtico, como lhe chama o Dr. Egídio Guimarães escreve:
«A todos aqueles a cujas mãos este livro for parar, suplica o autor que se não
poupem o sacrifício de lê-lo, se porventura lhes basta, como compensação ou estímulo,
a esperança de não perderem o seu tempo.
Neste livro – em que se versam importantes problemas que tanto interessam à
vida municipal que, pela sua elevação há-de ser, e é mister que seja, a nossa grande
escola de civismo – há um pouco de tudo isto: sede de justiça, fé no progresso,
Carlos Rodrigues Jaca 15
esperança no futuro, admiração e respeito pelos que trabalham e produzem, tédio e
desprezo pelos invejosos inúteis.
Tanto basta para que o autor se não arreceie de fazer a sua súplica e fique
esperançado em que ela será ouvida».
Lopes Gonçalves, inicialmente, não deixou de concordar, e durante largo tempo,
com todos aqueles que consideravam o local – Praça Municipal, mais conhecido por
«Campo de Touros» – não ter as dimensões ou a área suficiente para nela caber o novo
mercado e onde funcionava o antigo. Porém, analisando a hipótese mais atenta e
pormenorizadamente, considerou-se que não só na praça onde funcionou o antigo
mercado podia caber o novo, mas ainda de que era possível, torná-la maior aumentando,
como veio a suceder, em vez de reduzir, como geralmente se supunha necessário, a
largura das ruas adjacentes.
Convencido de que era a melhor hipótese, não havia mais que hesitar na escolha,
pois, em sua opinião, a construção do novo mercado no mesmo local em que funcionava
o velho equivalia a realizar uma obra nova «sem necessidade de alterar velhos hábitos
nem de ferir interesses respeitáveis».
… Alterar, sem necessidade, velhos e inveterados hábitos e prejudicar, sem
razão, interesses importantes e respeitáveis ligados às edificações e casas de negócio
próximas do antigo mercado eram coisas que certamente convinha evitar sem esquecer
ainda que, dos vários locais da cidade em que, pela sua área ou dimensões se tornava
possível a edificação projectada, todos eram mais excêntricos e correspondiam a zonas
de menor densidade de população».
E afirma, ainda, a propósito da controversa obra:
- «Tudo, absolutamente, tudo, militava em favor da construção do novo mercado
no lugar onde sempre funcionara o velho e somente se justificaria a escolha de outro se
aquele fosse, como tanto se persistia em afirmar, demasiadamente acanhado ou
pequeno. Mas hoje, que ele já está em exploração há três anos, é fácil verificar se tinha
ou não fundamento o receio dos que supunham que, construído no local em que ficou, o
novo mercado não poderia conter todos os lugares e lojas de venda indispensáveis ao
movimento comercial da cidade …Mas como era mister não deixar de atribuir defeitos
à obra, mesmo depois de desfeita a lenda da insuficiência do local preferido para a sua
construção, surgiu ultimamente – pelo menos só ultimamente tive conhecimento dela –
contra o pobre mercado a acusação de que ele veio prejudicar a «vista» do edifício da
Câmara Municipal»!
Carlos Rodrigues Jaca 16
É um facto que neste ponto Lopes Gonçalves terá falhado e, embora o mercado
não deixasse de ser uma construção funcional e não destituída de beleza, em breve os
bracarenses que o apoiaram reconheceram que estavam errados. A escolha do local
destinado ao mercado envolveu, inclusivamente, em acesa polémica Lopes Gonçalves e
o vereador Domingos José Ribeiro Braga. Apesar da correcção dos dois autarcas o caso
acabou por ultrapassar as sessões camarárias, discutido nos jornais e até em opúsculos
exclusivamente impressos com esse fim, demonstrando profunda discordância sobre o
assunto.
Parece não haver dúvida que, aqui, falhou a visão urbana de Lopes Gonçalves ao
não levar em conta os dois
belos edifícios existentes na
velha Praça do Pão ou
Campo de Touros, Câmara
Municipal e Paço dos
Arcebispos, ambos da autoria
do artista bracarense André
Soares, se bem que, por esse tempo, não fossem devidamente apreciados, tanto mais que
o edifício do Paço se encontrava em ruínas provocadas pelo incêndio de 15 de Abril de
1866. A restauração do Paço dos Arcebispos para nele se instalar a Biblioteca Pública e
o Arquivo Distrital não podia deixar de atrair mais as atenções e provocar uma maior
sensibilidade para um dos
mais belos locais da cidade,
tornando premente a
necessidade de demolir o tão
polémico mercado, o que veio
acontecer em Outubro de
1955.
O erro da implantação
do mercado, diz o Dr. Egídio
Guimarães, no belo largo a que hoje se dá o nome de Praça do Município «é apagado,
todavia, pela obra deixada por Lopes Gonçalves no pouco tempo que esteve à frente da
Câmara Municipal».
Sem se pretender apagar o erro, ou diminuir a responsabilidade de Lopes
Gonçalves no caso da localização do mercado, e mesmo considerando que as
Carlos Rodrigues Jaca 17
comparações são, muitas vezes, odiosas, desajustadas ou injustas, o certo é que… quase
cem anos depois, vemos, por este País fora, e por este País “dentro”, o camartelo dono e
senhor do património cultural.
Uma Câmara eleita.
A nova Comissão Executiva Municipal de Braga foi escolhida pelos diferentes
vereadores eleitos para a Câmara Municipal que em 2 de Janeiro de 1914 se forma, pela
primeira vez no período republicano, após consulta popular. Nestas eleições haviam
sido eleitos 32 vereadores, conforme o estipulado pela nova lei de 7 de Agosto de 1913,
a partir dos quais se formaram a Câmara e a Comissão Executiva:
Presidente: Major Albano Lopes Gonçalves; Vice-Presidente: Alberto Lopes
Guimarães; Vice-Secretários: Augusto Moreira de Castro e Abel da Natividade e Silva.
Distribuição de Pelouros: Presidente: Secretaria, Obras e Serviços
Municipalizados; Vice-Presidente: Instrução; Domingos Gonçalves Palha: Impostos;
João Teixeira de Araújo: Jardins e Cemitério; Moreira de Castro: Expostos; Abel da
Natividade e Silva: Incêndios; Constantino Baptista Lopes: Limpeza e Higiene;
Casimiro Júlio de Sousa: Cadeia; João Rodrigues da Silva Braga: Matadouro. Seguiam-
se os vogais substitutos.
O vereador José Fernando Carneiro Braga, vogal substituto, propôs que, sendo
esta a primeira vereação eleita pelo povo após a implantação da República, e para
solenizar a sua primeira sessão, se saudassem o Chefe do Estado, o Presidente do
Governo, as Câmaras de Lisboa e Porto como representantes do povo do sul e do norte,
e o povo deste concelho, que elegeu a actual Câmara.
Posteriormente, em 1919, se não o terá feito antes, Lopes Gonçalves viria a
tecer alguns comentários referindo-se a esta Câmara «new style».
Das inovações estabelecidas pelo novo Código Administrativo de 1913, Lopes
Gonçalves distinguia o «referendum» e a grande autonomia administrativa, mas
colocava reservas, ou discordava mesmo, inteiramente, em relação a uma complexidade
maior quanto à estrutura do órgão destinado à função de administrar: a Câmara de Braga
que era, com o antigo Código, constituída por 7 vereadores, passou, com o novo, a ter
32 efectivos e outros tantos substitutos.
Carlos Rodrigues Jaca 18
A este propósito, vejamos o que Lopes Gonçalves nos diz e que, apesar de não
ser uma revelação de estrondo, tem muito de actual … e não só a nível político. Lopes
Gonçalves sabia bem do que falava e porque falava:
«… Por melhor que tenha sido a intenção e por mais alto que seja o espírito que
a orientou ou em que se inspira, é preciso ver nela o domínio das preocupações
teóricas, ou das ideias puras, e não a adopção ou adaptação de verdades ou princípios
sociais que derivem de ensinamentos da prática ou correspondam às modernas
afirmações da ciência sociológica.
Nesse fecundo manancial de «saber de experiências feito» que é a inesgotável
colecção de aforismos populares não escasseiam as «sentenças» condenatórias do
princípio que, na constituição das Câmaras Municipais segundo o Código de 1913, se
teve por melhor.
É só procurar: cada cabeça, cada sentença; muita gente junta não se salva;
onde todos mandam ninguém obedece; onde mandam todos, todos mandam mal, etc.
Ninguém há que ignore quanto em geral é limitada e tantas vezes absolutamente
estéril, mesmo, a obra das grandes comissões.
E se, excepcionalmente, alguns desses complexos agregados de homens chega a
produzir coisa de jeito é que, negando o próprio critério que presidiu à sua
organização, a obra realizada é o produto do esforço e do trabalho, não de todos
aqueles que o constituem, mas de número excessivamente restrito ou até mesmo de um
só, apenas.
O facto é sobejamente conhecido, deparam-se frequentes ocasiões de o
verificar, e não vale, portanto, a pena de recorrer ao apoio dos sociólogos para
demonstrar verdades que toda a gente sente.
Na impossibilidade, pois, de se poder prescindir, na administração municipal de
organismos colectivos, tudo aconselha a reduzir-lhe os inconvenientes inevitáveis,
restringindo o número dos seus elementos constitutivos e não aumentando-o como
sucedeu com o Código de 1913.
Mal se imagina, quando se procedeu à preparação dos trabalhos eleitorais em
fins daquele ano, as dificuldades que surgiram, em certos concelhos sobretudo, para
encontrar um tão grande número de pessoas elegíveis, entre efectivos e substitutos, que,
não se recusando a ser eleitos, satisfizessem também às condições de idoneidade
suficientes para constituírem as listas propostas nas eleições camarárias que então se
realizaram.
Carlos Rodrigues Jaca 19
E dessas dificuldades deviam resultar, necessariamente, defeitos de selecção
que não deixariam de concorrer para o agravamento dos males inevitáveis, que em
geral derivam da acção e do funcionamento de assembleias muito numerosas».
É muito provável, mas não o posso afirmar peremptoriamente, que o facto de
Lopes Gonçalves ter pedido a demissão do cargo por duas vezes, entre 2 de Janeiro de
1914 e 15 de Julho de 1915, possa, de algum modo, estar relacionado com as
considerações que o autarca bracarense deixou escrito, em 1919, num testemunho que é
um dos capítulos mais importantes da história desta cidade: «Em volta de um
importante problema de Administração Municipal» …
A municipalização da Companhia Carris e Ascensor do Bom Jesus.
Um dos melhoramentos mais relevantes na vida da cidade deve-se, também, à
Câmara da presidência de Lopes Gonçalves: a introdução da tracção eléctrica nos
transportes públicos urbanos, seguindo o exemplo já estabelecido no Porto (1895) e
Lisboa (1901).
Os transportes urbanos entraram ao
serviço do público bracarense nos finais do
século XIX, utilizando o chamado carro
americano que, deslizando em carris, era puxado
por muares. Os carros chegaram a ser puxados
por pequenas locomotivas (compradas na Suiça
por iniciativa de outro grande bracarense –
Manuel Joaquim Gomes – a quem se deve, igualmente, o Ascensor do Bom Jesus), «o
que produzia muitas faúlhas que inutilizavam não
poucos fatos e vestidos dos utentes, mormente, no
Verão, período em que circulavam abertos».
Deve desde já dizer-se que o plano da tracção
eléctrica foi elaborado no tempo do Dr. Domingos
Soares, Presidente da Câmara no período anterior à implantação da República, porém,
só Lopes Gonçalves conseguiria levá-lo à execução. O empreendedor autarca era um
grande entusiasta da tracção eléctrica, chegando mesmo a idealizar uma vasta rede que,
a concretizar-se, seria mais extensa do que a de Lisboa ou Porto.
Carlos Rodrigues Jaca 20
Foram morosas e complicadas todas as “démarches” levadas a cabo para instalar
a rede de tracção eléctrica. Curiosamente, foi a própria Companhia Carris e Ascensor do
Bom Jesus que, devido aos pesados encargos com a manutenção dos carros americanos
em circulação, e, ou, «porque se apercebeu da oportunidade de negócio que a
introdução da nova forma de tracção representava, solicitará à Câmara Municipal de
Braga, em 27 de Novembro de 1905, o estabelecimento da tracção eléctrica na cidade e
até ao Bom Jesus».
As negociações foram-se arrastando, por isto ou por aquilo, avançando e
recuando, até que em 2 de Junho de 1910 a Câmara de Domingos Soares viabilizou a
possibilidade de a tracção eléctrica se prolongar até ao alto do Bom Jesus.
Após algumas situações atribuladas naturalmente provocadas pela mudança de
regime, o projecto foi retomado, considerando-se a municipalização da Companhia
Carris e Ascensor como um facto irreversível. Era uma questão de tempo e …
burocracia.
As bases para o acordo entre a Confraria e a Câmara foram aprovadas nas
reuniões da edilidade bracarense de 22 de Abril e 2 de Maio de 1912. Porém, o processo
deve ter emperrado durante algum tempo uma vez que, em 6 de Dezembro do referido
ano, quando, em sessão extraordinária, a nova Comissão Administrativa Municipal
tomava posse, o presidente, Lopes Gonçalves, refere-se, conforme está exarado na
respectiva acta, ao muito que havia a fazer para a solução de vários problemas
municipais, destacando, entre eles, a viação eléctrica, presa por dificuldades
burocráticas na aprovação do contrato com a Comissão Administrativa do Santuário do
Bom Jesus.
Embora a expropriação da Companhia Carris já tivesse sido resolvida e regulada
pela Comissão Municipal presidida por Simões de Almeida, o que consideravelmente
facilitou a tarefa da Câmara de Lopes Gonçalves, as propostas relativas ao concurso só
foram analisadas em reunião de 20 de Agosto de 1913 e aprovadas superiormente cerca
de um mês depois.
Finalmente, em Janeiro de 1914, imediatamente a seguir à eleição da nova
Comissão Executiva da Câmara Municipal de Braga, foram iniciadas as obras para a
instalação da viação eléctrica, com o assentamento dos carris em algumas das principais
artérias da cidade, tendo sido a electrificação da linha executada pela AEG, através da
Thompson – Houston Ibérica e procedendo-se, também, a uma construção destinada à
recolha dos carros, nas proximidades da estação de caminho-de-ferro.
Carlos Rodrigues Jaca 21
Em sessão plenária da Câmara, realizada a 1 de Julho de 1914, o Presidente da
Comissão Executiva Municipal, Lopes Gonçalves, fez o relatório do estado em que se
encontravam as obras do Município. Referindo-se, em especial, à tracção eléctrica,
mostrou quantos embaraços de ordem burocrática vinha encontrando mas, apesar de
tudo, contava que ela seria inaugurada na segunda quinzena de Agosto, acrescentando
que todas as obras para este fim seguiam com a
máxima brevidade, que o material estava a chegar
a Braga, encontrando-se já na cidade os
montadores estrangeiros. Sobre a tracção eléctrica
até ao alto do Bom Jesus, dizia que se tem
procedido aos respectivos estudos e que essa obra
havia de efectuar-se.
A inauguração da tracção eléctrica.
Como era de calcular, a inauguração da tracção eléctrica, que iria substituir
definitivamente a tracção animal e a vapor, não se realizou na data prevista. Muito
naturalmente, uma obra desta envergadura depara sempre com imprevistos de ordem
vária e à última hora, se bem que, neste caso, o atraso na inauguração em relação ao que
estava previsto não tivesse passado além dos dois meses.
Assim, finalmente, a 18 de Outubro de 1914, é inaugurada oficialmente a tracção
eléctrica, notabilíssimo melhoramento, que há muito vinha constituindo uma legítima
aspiração da população bracarense.
Vejamos como, no próprio dia, o jornal «Echos do Minho» se refere à
inauguração:
«… Braga desejava ardentemente a tracção eléctrica. Conseguiu finalmente o
seu «desideratum», não sem que visse postergadas, mais do que uma vez, as suas doces
ilusões; não sem que por diversas ocasiões fossem os seus nobres desejos lançados
sistematicamente por terra, por homens (…) que não tinham pejo de embaraçar (…) um
grandioso melhoramento tão útil, como indispensável a uma população inteira que
insistentemente o reclamara. (…). Surgiu no meio de toda esta doblez de carácter, de
todo este marasmo entorpecedor e simbólico de cobardia, um homem que sabe nortear-
se pelos seus actos (…) pelo seu admirável espírito empreendedor. E os eléctricos, a
comprová-lo, aí estão!
Carlos Rodrigues Jaca 22
…É a justiça, o dever que nos obriga a vir render uma homenagem merecida. E
essa mesma justiça e esse mesmo dever, neste jornal que sempre manteve imperturbável
(…) o timbre de, em coisas que interessam a Braga, ser absolutamente imparcial e
despido de preconceitos, nos obriga a registar nestas colunas o nome do Senhor Major
Lopes Gonçalves como um benemérito da nossa terra. Fazemo-lo sem favor porque não
é como homem ou como político que o louvamos e lhe rendemos preito, mas sim como
bracarense que, com tanto amor e dedicação, tem feito quanto em suas forças lhe é
possível para conseguir que Braga prospere e siga avante na senda do progresso (…).
…É a sua Ex.ª que se deve a rápida montagem do serviço de tracção eléctrica e
ainda a sua inauguração que hoje toda a população bracarense festeja
jubilosamente…Braga jamais olvidará o benefício que lhe fez».
Efectivamente, pelas 15 horas procedeu-se, na Central de Electricidade, à
inauguração dos maquinismos produtores de energia eléctrica, comparecendo ali grande
número de convidados, admirando toda a imponência das instalações eléctricas e o
espaçoso «hangar» onde se guardam os carros e outras dependências. Foram depois
postas em movimento as grandes máquinas geradoras da electricidade, sendo a primeira
a ser destravada pelo Sr. Governador Civil e a segunda pelo Sr. Eng. António Maria da
Silva.
Na sua edição de terça-feira, 20 de Outubro, o «Commercio do Minho»
descrevia o que tinha sido a inauguração:
«Às 4 e meia da tarde abriram-se as portas do amplo «hangar» para dar saída
aos carros eléctricos que iam fazer a sua estreia oficial, conduzindo os membros da
Câmara Municipal, autoridades e diferentes convidados.
Os carros fizeram magnificamente o percurso através da cidade até ao Bom
Jesus do Monte, regressando à Avenida Central, onde foram tomados de assalto pelo
público, ao qual foram facultados e que se mostrava ansioso por tomar lugar neles.
Em quase todas as ruas percorridas pelos eléctricos, havia filas de povo, a vê-
los passar e a festejá-los. Na Avenida Central a concorrência era enorme.
Em vários pontos da estrada do Bom Jesus, grupos de populares levantavam
vivas e aclamavam o acontecimento. Na cidade, alguns prédios estavam embandeirados
e iluminados à noite. A rua Nova de Santa Cruz estava embandeirada também. Em
Tenões havia embandeiramento, música, fogo e muito povo.
Carlos Rodrigues Jaca 23
No pórtico do Bom Jesus estava também uma banda de música. Lá em cima no
Santuário também houve manifestações, música fogo e à noite foram iluminados o
templo, a esplanada, os hotéis e outros edifícios.
Das 7 às 11 da noite realizou-se na Avenida Central um festival que atraiu ali
uma concorrência grandiosa, quase igual à que costuma reunir-se por ocasião dos
festejos baptistinos».
Parece que nem toda a população da cidade se mostrou entusiasmada com os tão
desejados carros eléctricos, porquanto, no próprio dia da inauguração, um carro
eléctrico foi apedrejado em S. Victor por uns operários chapeleiros receando que a
electricidade fosse prejudicial à vida de cada um. Porém, o caso não voltou a repetir-se
e os carros eléctricos passaram a ser bem aceites por todos.
Registe-se que, precisamente, na mesma data da inauguração da tracção
eléctrica, foi lançada a primeira pedra para a construção das primeiras casas baratas
destinadas às classes mais pobres. Esta obra de Lopes Gonçalves, de grande alcance
social e que teve o apoio do seu amigo Manuel Monteiro, acabou por morrer devido à
sua saída da Câmara. Apenas se construíram as duas primeiras casas do tão necessário e
desejado bairro social, situadas no alto da rua do Taxa e onde hoje uma, (a da esquina),
deu lugar a um restaurante típico (“Piri-Piri”) e a outra, onde em tempos terá funcionado
uma oficina de cromagem.
A manifestação.
Certamente, terá sido por via dos notáveis melhoramentos com que Lopes
Gonçalves ia dotando a sua terra que, poucos dias depois, em 8 de Novembro, se
realizou uma grandiosa manifestação promovida pela Associação de Classe Comercial,
em homenagem à Câmara Municipal.
Um cortejo memorável, em que se incorporaram numerosas colectividades,
dirigiu-se ao edifício municipal saudando entusiasticamente a Câmara, tendo sido
entregue a Lopes Gonçalves uma artística mensagem, subscrita por representantes de
todas elas, a qual foi lida e entregue pelo Sr. Casimiro da Silva, presidente da
Associação promotora.
Da referida mensagem, passo a transcrever algumas passagens:
«Ex.mº Sr. Major Albano Justino Lopes Gonçalves, digníssimo Presidente da
Comissão Executiva da Câmara Municipal de Braga.
Carlos Rodrigues Jaca 24
As colectividades abaixo assinadas, representantes directas e legítimas das
forças vivas da cidade, irmanadas num único sentimento, - o sentimento sublime do
dever, e sobremaneira orgulhosas ante o despertar desta terra para uma vida nova,
uma vida fecunda de progressos e de belezas, jubilosamente depõem nas mãos de Vª
Ex.ª como bom e dedicado filho de Braga, se dignou iniciar, e que com tanto brilho, e
como uma actividade só própria de uma alma puramente afeiçoada à causa sublime do
rejuvenescimento do seu querido torrão natal, já hoje tem prestes a concluir-se.
Vª Ex.ª, Ex.mº Sr. Major A. J. Lopes Gonçalves, para conseguir que o seu plano
de melhoramentos fosse iniciado, e ainda após o seu início, teve de lutar, ninguém o
ignora, com obstáculos de toda a espécie, fomentados, quantas vezes, por espíritos que
se apelidam de patriotas, e que afinal encarnam em si o símbolo deprimente da rotina,
dessa rotina cujo predomínio vinha escravizando a nossa terra à sua vontade nefasta,
inibindo-a de progredir, de caminhar, enfim, de par com a ideia maravilhosa do
progresso, que hoje avassala todas as consciências cultas e faz desabar com fragor,
tudo quanto personificando velharias incompatíveis com as exigências da nossa época
não têm o direito de conservar o predomínio outrora adquirido.
………………………………………………………………………………………………
Já a nossa Braga pode apontar-se como a cidade mais progressiva do país. E
para que este conceito se radicasse em todos os espíritos esclarecidos e justos,
contribuiu, sem dúvida, essa, série, admirável de melhoramentos, que V.ª Ex.ª delineou
e pôs em prática, e cujos benéficos efeitos, toda a cidade já começa a sentir.
Pois para que essa grandiosa obra de transformação da nossa terra seja
produtiva, estas colectividades, que perante V.ª Ex.ª vêm manifestar a alta simpatia que
lhe tributam a sua concordância absoluta com o seu plano notável de melhoramentos,
oferecem a V. Ex.ª o seu mais activo concurso, no sentido de se promover, não só na
cidade, como na encantadora estância do Bom Jesus, diversões e festas fomentadoras
do turismo, indústria esta até hoje tão descurada entre nós, e que urge desenvolver
activamente no nosso meio, para que a nossa terra atinja em todos os seus elementos de
vida, a grande prosperidade a que tem incontestável jus.
Aceite, pois, V.ª Ex.ª, com os protestos da nossa mais elevada consideração e
com a homenagem do nosso mais subido apreço, a certeza de que em todas as
conjunturas nos terá a seu lado…».
Seguem-se as assinaturas de dezenas e dezenas de representantes das
Associações de Classe.
Carlos Rodrigues Jaca 25
Esta consagração terá sido uma eloquente prova de como a cidade compreendia
o trabalho e a dedicação do ilustre municipalista.
Lopes Gonçalves agradeceu a manifestação, afirmando que ela não pertencia só
à Câmara, mas principalmente aos Srs. Drs. Manuel Monteiro e Domingos Pereira, que
foram quem mais auxiliou os melhoramentos levados a efeito. Referindo-se aos
trabalhos realizados e aos planos que gizava para o futuro, prometeu que no próximo
Verão estaria em funcionamento a linha eléctrica directa ao Santuário do Bom Jesus,
tratando-se também da de Braga à vila de Prado.
A ligação ao Bom Jesus do Monte. Outros projectos.
O projecto de prolongamento da viação eléctrica até ao Santuário do Bom Jesus,
para o qual se chegou a contrair um empréstimo de cem contos, não chegou a
concretizar-se, sendo inviabilizado, fundamentalmente, por via da I Grande Guerra
(1914 – 18). Segundo explica Lopes Gonçalves, tratava-se de «uma estrada destinada
ao assentamento de uma linha de tracção eléctrica em ligação com a já existente e que,
partindo de um ponto próximo da entrada do escadório do Santuário do Bom Jesus do
Monte e contornando o outeiro da Senhora da Consolação (este traçado era o mesmo
que já tinha sido mandado estudar pela Câmara do Dr. Domingos Soares em 1910, e que
foi restabelecido em 1914 para ser submetido à aprovação do Governo com um projecto
de expropriação por zonas), devia terminar no Alto daquela estância a fim de evitar o
transbordo dos carros eléctricos para o Ascensor, e inversamente, concorrendo para
facilitar e tornar mais cómodo, sobretudo nos dias de festa ou romaria em que o
movimento é excepcionalmente intenso».
Lopes Gonçalves estava convicto da viabilidade do projecto. E mais, esperava
que essa obra pudesse realizar-se não só sem dispêndio algum da parte da Câmara, mas
até com algum lucro da parte desta, pelo facto de se poder contar com a expropriação
por zonas e ser garantida a venda, para construção, de numerosas parcelas de terreno
que ficariam disponíveis de um e de outro lado da estrada.
Conseguir-se-ia assim, dizia, não só um bairro, higiénico e magnificamente
situado, mas ainda um acréscimo de receitas tanto no serviço de tracção eléctrica como
no de fornecimento de luz.
Carlos Rodrigues Jaca 26
Já se disse, e parece constatado, que Lopes Gonçalves era um entusiasta da
tracção eléctrica e, se calhar, até um sonhador.
Precisamente, quando se iniciaram os trabalhos para a instalação do serviço de
tracção eléctrica para o Bom Jesus pensou-se, também, na ligação, pelo mesmo sistema
das duas cidades minhotas: Braga e Guimarães. Tratava-se, dizia Lopes Gonçalves, de
uma velha e legítima aspiração das duas populosas terras do Minho «e só num país
como o nosso se pode explicar que ela não tenha sido realizada há muitos anos.
Não é fácil poder justificar-se, na verdade, que duas cidades que distam uma da
outra 21 kilómetros, apenas, cujos concelhos, contíguos, contam, juntos uma população
de quase 120.000 habitantes e cuja estrada comum, de ligação, além de muito povoada,
serve uma estação termal importante – Caldas das Taipas – não estejam ainda ligadas
por uma linha de tracção eléctrica.
Mas se é certo que a favor da ligação, por aquele sistema, de Braga a
Guimarães se reúnem circunstâncias excepcionalmente favoráveis certamente que não
são de muito menor valor as que concorrem para se admitir a possibilidade de ligar, de
um modo idêntico, e com todas as probabilidades de êxito económico e financeiro,
outras povoações importantes do Minho».
Lopes Gonçalves, entusiasmado, num plano que, talvez, se pudesse considerar
utópico, sonhava com uma rede de tracção eléctrica que abarcava Guimarães,
Famalicão, Barcelos, Esposende e Póvoa de Varzim, acrescentando à rede «uma nova
“malha” que não só vale pela sua densidade de população, mas também pela
circunstância de assegurar a ligação, cómoda e económica, da parte central da região
do baixo Minho com o litoral – sobretudo com a lindíssima praia da Póvoa de Varzim,
tão querida de todos os minhotos, mas principalmente dos habitantes de Braga, de tal
maneira que, durante os meses de verão, quase parece um desdobramento desta última
cidade».
Lopes Gonçalves ia mesmo mais longe, pondo em relevo as vantagens de ordem
vária, da ligação por meio de tracção eléctrica do Alto com o Baixo Minho, pela linha
Monção, Arcos, Ponte da Barca, Braga e a ligação desta mesma cidade, e portanto a
toda a rede, ao Gerês.
Esta vasta rede de tracção eléctrica, dizia Lopes Gonçalves, seria realizada por
fases sucessivas e não toda de uma vez, porquanto, tratava-se de uma extensão de 450
quilómetros.
Carlos Rodrigues Jaca 27
Onde encontrar os largos milhares de contos que uma tão vasta rede de tracção
eléctrica custaria? Lopes Gonçalves, entendia ser fácil consegui-lo, através da
constituição de uma Federação de Municípios do Minho com o fim de explorar, em
proveito da região, a queda de água do Lindoso.
A Lopes Gonçalves, demonstrar as possibilidades financeiras e económicas de
uma rede de tracção eléctrica, como aquela que tinha planeado, não se lhe afigurava
coisa impossível, nem sequer… ousada.
Segundo os seus cálculos, a Central do Lindoso ao produzir, anualmente, cerca
de 78.840.000 KW gerava um rendimento bruto que, depois de deduzida a importância
dos encargos do capital e as despesas de exploração e conservação, permitia auferir à
Federação de Municípios um rendimento líquido anual a ultrapassar os mil contos.
Obviamente, toda aquela energia eléctrica produzida pela Central tinha que ser
vendida. Como? Lopes Gonçalves, explica:
«A Federação dos Municípios dar-lhe ia três destinos diversos: uma parte da
energia total seria destinada pela própria federação a ser aplicada como força motriz
na instalação da rede de tracção eléctrica de acordo com o plano já estabelecido;
outra parte seria distribuída por todos os municípios federados, proporcionalmente às
suas necessidades actuais e futuras, para uso de cada concelho, no emprego de luz e
força motriz para indústrias caseiras, etc; e o resto – porque depois desta distribuição
ainda haveria sobras – para fins diversos, e ainda para ser vendida, pela federação,
aos municípios estranhos a ela, que assim a desejassem. Era, sobretudo, no trajecto até
ao Porto e nesta última cidade, que a energia eléctrica restante seria facilmente
colocada».
Lopes Gonçalves chegou a fazer conferências públicas, quer em Viana do
Castelo, quer na Póvoa de Varzim, sobre a viabilidade da realização do projecto da rede
de tracção eléctrica que idealizara, porém, uma Federação de Municípios como aquela
que chegou a projectar-se, foi considerada nas esferas governativas, «uma coisa
extremamente parecida com um … sonho».
No entanto, sempre se mostrou convicto ter sido sobretudo a guerra que
impossibilitou a realização do plano projectado e, consequentemente, a operação
financeira a ele inerente, impedindo também que a Federação de Municípios se
constituísse.
Acrescente-se, ainda, que a tentativa feita para comprar as quedas de água e
Central Eléctrica do Lindoso, com o objectivo de tornar essa fonte de energia
Carlos Rodrigues Jaca 28
propriedade regional, não contou com a adesão de todos os concelhos incluídos no
plano, porquanto, algumas Câmaras, por isto, ou por aquilo, negaram-lhe o necessário
apoio.
Lopes Gonçalves. Um Homem multifacetado.
Sem dúvida, Lopes Gonçalves pode ser apresentado à admiração, e como
exemplo, sob alguns aspectos diferentes.
Das múltiplas facetas da actividade do autarca bracarense julgo, muito embora
sem esgotar o assunto, ter ficado assinalado o suficiente sobre o militar distinto, o
inteligente municipalista e o apaixonado e activo regionalista.
Igualmente notável foi a sua faceta de jornalista brilhante e distinto. Embora
não referindo outra colaboração menos conhecida, e de menor efeito social, em
semanários, é bem digna de atenção a sua correspondência para «O Primeiro de
Janeiro», cuja parte noticiosa era precedida por uma pequena crónica onde o
regionalismo era um tema sempre novo.
No «Echos do Minho», mais tarde no «Diário do Minho», quando era um dos
seus directores Álvaro Pipa, e depois no «Correio do Minho», colaborou com excelentes
artigos, defendendo, com grande brilho, os seus pontos de vista sobre os interesses da
cidade e do concelho, os interesses da região, a vida local e os problemas
administrativos.
Orgulhando-se da sua acção na imprensa, tinha prazer em considerar como
colegas os que trabalhavam nos jornais, contribuindo decisivamente para restabelecer e
activar a Associação de Jornalistas e Homens de Letras de Braga, da qual, quando
faleceu, era o sócio número 1.
Espírito de invulgar cultura, em permanente contacto com o que se passava a
nível internacional, e dotado de qualidades brilhantíssimas, Lopes Gonçalves era um
homem modesto.
Carlos Rodrigues Jaca 29
Algumas vezes lhe ofereceram o lugar de ministro. Recusou sempre, como
recusou quando foi convidado para a presidência da Câmara, aceitando por fim, como
se disse, após reiteradas instâncias, porque lhe foi apresentado o pedido como um
serviço que os interesses comuns reclamavam do brioso oficial do exército.
Sabe-se que Lopes Gonçalves foi um dos maiores impulsionadores da
construção do Teatro Circo e da constituição
da empresa que levou a cabo a edificação de
uma das melhores casas de espectáculo
existentes no País. Porém, a sua acção ficou
na sombra, por sua vontade. Lopes
Gonçalves figura, apenas, no voto de louvor
proposto em sessão plenária da Câmara
Municipal na véspera da inauguração do Teatro Circo, em 20 de Abril de 1915.
Não o envaideciam as honras e homenagens recebidas, antes, daí colhendo
ânimo para maiores empreendimentos. Mas se em vez de consagrações encontrava
hostilidade – hostilidade das pessoas ou das coisas – as mesmas dificuldades o
animavam mais ainda, porquanto era dotado de um temperamento tenaz e cheio de brio.
Uma das facetas mais curiosas de Lopes Gonçalves foi o culto pela música,
onde atingiu elevada craveira, e que o acompanhou toda a sua vida. Após o regresso da
sua missão ultramarina, em 1905, além dos seus afazeres militares desenvolveu uma
certa actividade, tal como sucedera antes da sua partida para Lourenço Marques.
Como artista, participou em conjuntos musicais amadores, quer executando,
(tocava piano, violino e flauta) quer dirigindo. Anteriormente à sua viagem a África
pertenceu a um «Clube Musical» que, então, existia em Braga. Mais tarde, e já depois
da sua vinda, escreveu a letra e música para um coro a que deu o título «A Tecedeira»,
interpretado por um orfeão num espectáculo de beneficência, como refere o jornal
«Commercio do Minho» na sua edição de Domingo, 31 de Março de 1907, com o título
«Récitas de caridade.
Nas próximas terça e quinta – feira haverá no Teatro de S. Geraldo duas récitas
de caridade, promovidas pelas Senhoras Viscondessa de Pindela e D. Maria Inácia de
Faria Robi, e pelo Snr. Comendador Fernando Rodrigues de Carvalho, em benefício da
Oficina de S. José desta cidade.
…………………………………………………………………………………….
Carlos Rodrigues Jaca 30
O nº 4 do respectivo programa é: «A Tecedeira» (coro), música e letra do Sr.
Albano Justino Lopes Gonçalves». (Ao tempo, capitão de Infantaria nº 8).
No ano de 1917, já depois de ter abandonado a presidência da Câmara, Lopes
Gonçalves organizou, no Santuário do Bom Jesus, a «festividade completa da Semana
Santa, solenidade esta que começou em 4ª feira de Trevas e terminou no Domingo de
Ressurreição, tomando parte uma grande orquestra de distintos músicos, organizada
pelo hábil músico bracarense João Maria de Araújo Esmeriz».
Lopes Gonçalves encarregou-se também de levar a efeito a festa de Nossa
Senhora dos Desamparados, na Igreja dos Terceiros, apresentando-se na qualidade de
regente duma orquestra de profissionais e amadores. Na Sé Catedral organizou uma
festividade ao Coração de Jesus, na qual tomou parte um grupo coral de 150 elementos
recrutados nos diferentes colégios e seminários de Braga, assumindo, ainda, a direcção
da orquestra e coros que se fez ouvir na cerimónia religiosa da Senhora das Dores, na
Igreja dos Congregados.
Em artigo publicado no jornal «Correio do Minho», em 20 de Julho de 1929,
intitulado «A Educação Musical», o Dr. Jerónimo Louro, ao tempo Presidente do
Orfeão de Braga, escrevia … «Fundido o Clube Musical com o Clube Bracarense,
Lopes Gonçalves auxiliado por vários rapazes da “elite” bracarense faz ressurgir o
antigo orfeão e sob a sua regência se apresentou várias vezes em público…». O seu
amor pela música levou-o, quando Presidente da Delegação da Sociedade de
Propaganda de Portugal, a instituir dois prémios para os alunos mais aplicados da aula
de Rudimentos de Música do Orfeão de Braga, a qual teve o seu início em Março de
1925.
Talvez não seja desajustado afirmar-se, e prestando-lhe justiça, que Lopes
Gonçalves foi o precursor do Conservatório de Música de Braga, já que idealizou, em
1914, quando era Presidente da Comissão Executiva da Câmara, a criação de uma
Escola Municipal de Música. Numa carta que escreveu ao «Correio do Minho» e
publicada em 24 de Julho de 1929, atribuía a essa escola o ensino dos rudimentos de
música e de solfejo dos instrumentos de corda e dos instrumentos mais usuais das
madeiras e dos metais. Só muito mais tarde, na década de sessenta, se concretizaria a
escola de música em Braga com a fundação do Conservatório, graças à acção da
musicóloga D. Maria Adelina Caravana Rigaud de Sousa.
Carlos Rodrigues Jaca 31
Da Câmara à Confraria do Bom Jesus.
Ao apresentar a demissão da presidência da Câmara, Lopes Gonçalves não quis
demonstrar o que lhe ia na alma: os ataques injustificados, incompreensões, a
desconfiança de uns e a má vontade de outros, gente mal intencionada deturpando a
verdade fazendo propalar e circular boatos infundados que iam de encontro à sua honra
e dignidade, terão sido as razões que o levaram, aos 52 anos, e apenas com dois anos e
meio de mandato, a abandonar o cargo que vinha exercendo com manifesta dedicação,
seriedade e inteligência.
Assim, a 10 de Maio de 1915, em sessão plenária do Senado Municipal, depois
de tratados vários assuntos, o Presidente da Comissão Executiva apresentou um ligeiro
relatório dos seus actos e da situação da Câmara, mostrando que era boa mas
justificando a necessidade de contrair um empréstimo de 100 contos, para atender a
várias dificuldades provenientes do mal estar geral criado pela guerra.
Por fim, Lopes Gonçalves, referiu-se à sua entrada para a Câmara, solicitado
constantemente, durante mais de um ano, com essa finalidade; aludiu aos seus trabalhos,
ao auxílio que lhe prestaram os deputados bracarenses, afirmou não ser político nem ter
partido algum, mas que fazia justiça a quem a merecesse.
Agradeceu a cooperação da Câmara da qual se despedia, retirando-se porque «é
forçoso que me retire, porque estou fatigado», mas prometia continuar lá fora a obra de
engrandecimento de Braga.
O presidente do Senado propôs, sendo aprovado, um voto de louvor a Lopes
Gonçalves pelo zelo e inteligência com que defendeu os interesses municipais.
Embora tivesse continuado no exercício das suas funções por mais algum tempo,
a sua decisão tinha um carácter irreversível, sendo tal propósito manifestado,
igualmente, por vários membros da sua vereação.
Assim, cerca de dois meses depois, em 15 de Julho, devia ter reunido a
Comissão Executiva da Câmara Municipal, porém, como não houvesse número
suficiente para se realizar a sessão, os vereadores resolveram, sob a presidência de
Albino Moreira, solicitar a convocação do Senado visto ter-se demitido o presidente e
pedido licença o vice-presidente, de que resultava «não poder funcionar regularmente a
referida corporação administrativa».
Constava-se, ainda, nesta altura, que da parte dos vereadores havia o desejo de
convidar Lopes Gonçalves a retomar o lugar da presidência.
Carlos Rodrigues Jaca 32
Como ficara determinado o Senado reuniu a 19 de Julho, tendo sido presente um
ofício de Lopes Gonçalves em que este considerava, necessária «a convocação urgente
de uma sessão extraordinária do Senado para se tratar da situação em que se encontra
a Comissão Executiva, cujos membros efectivos requereram na sua maioria licença e os
substitutos desejam também aproveitar-se da mesma garantia que a lei lhes confere».
Efectivamente, em 22 de Julho, realizava-se uma reunião do Senado, sob a
presidência de José Maria Gomes Belo, para proceder à eleição da nova Comissão
Executiva Municipal, vindo a ser Presidente o Dr. Eurico Taxa Ribeiro.
Na mesma reunião foi presente a nota do estado financeiro do Município, da
qual se concluía que realizados os empréstimos autorizados e liquidadas todas as
empreitadas o saldo era positivo. Alberto Guimarães apresentou uma moção, que foi
aprovada, exprimindo a congratulação da Câmara pelo saldo apresentado:
«Sendo em conformidade com a proposta aprovada na sessão de 19,
apresentado e lido na sessão extraordinária de hoje, o estado da fazenda municipal, e
constando-se pelos números e algarismos contidos nesse documento que não pode ser
mais próspera a situação deste município, pois que o citado documento acusa a
existência de um saldo positivo de 63.000$00.
A Câmara Municipal exprimindo a sua satisfação por este facto, iniludivelmente
lisonjeiro, congratulando-se com todos os que depositam a sua confiança na
administração da Comissão Executiva reeleita.
Braga e sala das sessões da Câmara Municipal, 22 de Julho de 1915».
A actividade de Lopes Gonçalves não termina com a sua saída da Câmara como,
aliás, o próprio prometera.
Ao abandonar a Presidência e, mais tarde, a Direcção dos Serviços
Municipalizados, foi eleito para a Mesa do Bom Jesus onde, ao tomar medidas de
grande alcance, viria a iniciar e a realizar uma série de notáveis melhoramentos.
Presidindo à Mesa da Confraria, Lopes Gonçalves não tardaria a modernizar a
famosa estância de turismo: o Museu, a Biblioteca, importantes restauros na Igreja e nas
Capelas, repovoamento adequado das clareiras na Mata, melhoramentos no Elevador,
aquisição de água, foram alguns dos benefícios prestados ao Bom Jesus pela sua
dedicação.
Prosseguindo os melhoramentos, já integrado na Comissão de Iniciativa, e de
acordo com Raul Lino, elaborou um plano de acção que vinha sendo começado com a
Carlos Rodrigues Jaca 33
construção de um Casino na antiga esplanada dos Fornos, «muito adiantado já, tanto no
corpo principal como noutras dependências, colunatas, recintos de jogos desportivos, e
mais anexos».
E não só fez prosseguir as construções, porquanto,
preocupou-se, também, na publicação de um guia ou roteiro
de Braga: «A pedido da Comissão de Iniciativa de Braga
acedeu, dedicada e generosamente, o texto deste Guia
Ilustrado, o Ex.mº Senhor Dr. Manuel Monteiro, antigo
Ministro de Estado e actual Presidente de um dos tribunais
mistos do Egipto, que assim gentilmente se prestou a ser,
por amor da sua terra, o “cicerone” erudito e amável, dos
que se proponham percorrer, mesmo numa rápida e fugidia
excursão, um dos mais adoráveis recantos deste Minho incomparável. Ao delicado
esteta e autorizado crítico de Arte aqui deixa a Comissão de Iniciativa de Braga
consignado o seu mais vivo reconhecimento».
O Roteiro «Portugal – Braga – Bom Jesus», profusamente ilustrado e editado
também em francês e inglês, referia, como era natural, não só a cidade e os seus
monumentos, mas também a formosa estância do Bom Jesus, descritos pela pena
prestigiosa de Manuel Monteiro a quem Lopes Gonçalves encarregara de redigir.
São desta época, entre 1925 e 1929, as cartas endereçadas por Manuel Monteiro
a Lopes Gonçalves, cartas essas que, no fundamental, se prendiam com problemas
relativos ao Bom Jesus. A estância – santuário era muito da predilecção de Manuel
Monteiro a quem, muitas vezes, o Dr. Egídio Guimarães ouvira dizer, que «o remate do
escadório que envolve a fonte do pelicano, com as escadarias convergentes e o todo
coroado pelo majestoso e bem proporcionado templo, se poderia considerar como a
mais bela arquitectura de jardins que ele jamais vira, ele que havia percorrido sem
pressas, os mais belos lugares de grande parte do mundo».
Mais além e muito além iria Lopes Gonçalves, tanto na Câmara como no Bom
Jesus, se a guerra e, posteriormente, a doença e morte, não o tivessem impedido de
realizar os projectos que lucidamente idealizava.
Concluindo:
Ao aceitar, em finais de 1912 a presidência da Câmara, Lopes Gonçalves ficou
com o cargo da Secretaria e Obras, tendo sido aí, justamente, que se revelou o carácter
inovador de um dos mais distintos edis bracarenses, manifestando-se a sua acção no
Carlos Rodrigues Jaca 34
curto período de pouco mais de dois anos, em que imprimiu à cidade de Braga uma
fisionomia de acordo e própria do século XX. A remodelação de Braga foi sempre a sua
grande preocupação: uma cidade moderna, embelezada, uma cidade nova:
A abertura da
Avenida Central (ou dos
Combatentes da Grande
Guerra) que resultou da
transformação do jardim
gradeado, na presente
avenida englobando a
parte a que chamavam
alameda e avançou até
ao Largo da Senhora – a
– Branca; os transportes
urbanos por tracção eléctrica que desejava alargar, irradiando de Braga, a todos os
concelhos do Distrito; novos arruamentos e ajardinamento de várias praças e largos;
remodelação dos serviços de iluminação pública; o abastecimento de águas (problema
cuja solução, como já se referiu, havia sido iniciada pela Câmara da presidência do Dr.
Domingos Soares), construção do mercado; os serviços municipalizados, etc. Para
realizar tudo isto teve
que vencer grandes
dificuldades, pois
quando iniciou a sua
administração municipal
as Câmaras estavam sob
a estrita tutela do poder
central, não gozando,
ainda, da autonomia que
a República depois lhes
concedeu.
A obra de Lopes Gonçalves, elaborada segundo um plano inteiramente seu e
secundada pelos seus colaboradores, colegas de vereação municipal, foi o começo da
Carlos Rodrigues Jaca 35
transformação da cidade de Braga, a sua ampliação, o seu alargamento, sem em nada
prejudicar ou diminuir tudo quanto nela existia de antigo, de histórico e de tradicional.
O ilustre cidadão, Albano Justino Lopes Gonçalves, que dedicou à sua terra o
maior carinho e o melhor do seu esforço, veio a falecer, prematuramente, com 66 anos
incompletos, a 14 de Novembro de 1929, na sua casa do Largo de Maximinos, nº 173.
Com a sua morte, Braga perdia um dos maiores valores que, após a proclamação
da República, mais trabalhou pelo seu engrandecimento.
Bibliografia Consultada.
Actas da Câmara Municipal de Braga (Dezembro de 1912 a Julho de 1915).
Amorim, Eugénio – «Dicionário biográfico de músicos». Edição Maranus. Lisboa,
1941.
Carneiro, Álvaro – «A Música em Braga». Separata de «Theologica», 1959.
Cordeiro, José Manuel Lopes, Mendes Fernando e Vasconcelos António – «O
Elevador do Bom Jesus do Monte». Edição: Ordem dos Engenheiros – Região Norte.
Apoio – Câmara Municipal de Braga. 2001.
Guimarães, Egídio Amorim – «Sete Cartas de Alexandria». Uma trilogia: Manuel
Monteiro, Albano Justino Lopes Gonçalves e Braga. Separata de «Bracara Augusta».
Vol. XL.
Gomes, Joaquim da Silva – «Antologia de Bracarenses Ilustres». Braga, 2004.
Gonçalves, Albano Lopes – «Em volta de um importante problema de Administração
Municipal». Livraria Cruz. Braga, 1919.
Gonçalves, Albano Lopes – «A caminho da verdade…». «Echos do Minho», 21 de
Agosto a 6 de Outubro de 1915.
Sousa, Amadeu José Campos de – «Braga do entardecer da Monarquia ao tempo da 1ª
República (1890 – 1926)». Abordagem de História Política. 2ª Edição. Edições Casa do
Professor, 2004.
Jornais: «Commércio do Minho» (1912 a 1915); «Correio do Minho» (24 / 7 /, 15 e 16
/ 11 / 1929); «Diário do Minho» (11 / 5 / 2005); «Diário de Notícias» (19 / 11 / 1929);
«Echos do Minho» (1914 - 1915).
Nota: Cumpre, e por ser da mais elementar justiça, agradecer, publicamente, a disponibilidade e a
valiosa colaboração que o meu querido amigo, Dr. Jorge Freitas, Professor na Escola Secundária de
Alberto Sampaio, me vem oferecendo há um bom par de anos, quer no Suplemento «Cultura» do «Diário
do Minho», quer quando fui seu colega na referida Escola.
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