Lygia Pape: gravuras ou antigravuras? Deslocamentos possíveis da tradição
Maria Luisa Luz Tavora
Trata-se da experiência de Lygia Pape com xilogravuras, nos anos 50. Foi uma passagem como a própria artista afirmou. Passagem que operou deslocamentos do
caráter multiplicador desse meio em Tecelares e da vocaçõo tradicional para a ilustraçõo nos Poemas-Xilogravuras; daí Oiticica chamá-Ias de "antigra vuras".
Xllo grovura. grav ura brasileiro. arte con temporô nea.
Eu pensei o gravura como uma possibilidade de pesquiso (.. .)
Tratar da obra de Lygia Pape foi sempre um
exercício enriquecedor do possível, um esforço
prazeroso de encontros, vivência de
deslumbramentos a perseguirem
incessantemente o ritmo intenso de sua
capacidade criativa.
Fechado o ciclo de sua vida, 50 anos de arte
pelo menos, ampliam-se as possibilidades
poéticas de sua obra, oportunidades e liberdade
de diluir cronologias, de sugerir aproximações,
de confundir começo e fim.
O legado está aí. Obras pontuais atravessam-se
encontrando em suas espessuras artísticas
presenças comuns. Como não aproximar, no
fluxo de sua diversificada produção, as xilos
realizadas na década de 1950 e obras como Toys
(99), expansão modular inicialmente com
matrizes e posteriormente com sólidos, .
permanente Jogo de linhas-espaço/espaços
linha, frestas em pulsão. Frestas de luz que
migram da superfície para o espaço como em
Verde (99); os sulcos, o embate com a matéria,
o corte criativo e t ransformador do Livro do
tempo (60) e do Livro do criação (59/60) ou as
esculturas Kvid (95).
Nessas obras anima-se o sopro vital ao qual se
refere Mário Pedrosa, reve lado num circuito que
Acho que o xilo foi para mim uma passagem. I
"mantém sempre aberta a brecha, onde a idéia
rebrota, e faz tudo recomeçar, desde o viço
para as sensações, o calor para a forma e a
vitalidade por onde a vida se engalana (...?
Lygia, como disse, passou pe la xilogravura. De
1954 a 1961, rompeu esquemas e mecanismos
até então dominantes, num idealismo
especulativo, que bem explica, em sua trajetória,
sua participação ou, melhor, sua também
passagem pelo movimento neoconcreto. Entre
outras propostas, esse movimento firmou um
questionamento das formas artísticas pintura,
escultura e gravura enquanto campos
conceituados; daí seus participantes centrarem
suas propostas na experiência. Na experiência, a
preocupação com a matéria. Essa e outras
preocupações, relacionadas posteriormente ao
movimento, já mobilizavam Lygia desde 1954,
com suas primeiras xilogravuras]
Artista de múltiplas facetas e atividades no
campo da criação, Lygia explorou as textu ras da
madeira, imantando o espaço de organização
construtiva. Hospedou sua imagínação nas
entranhas da madeira, resolvendo problemas de
espaço, numa busca concertual em um meio
conciso como a xilogravura, até então muito
mais explorado pela tradição que aqui se
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implantara, para comunicar interiores torturados
pela dor, pelo desespero ou pela solidão. Nos
anos 50, o peso da tradição expressionista da
gravura fazia-se sentir por meio da obra ímpar
de Oswald Goeldi. Voh:ado para a subjetivação
da realidade, Goeldi fundamentava-se na
vivência cotidiana com sensibilidade. Artista
modemo, manteve-se fiei à especificidade da
xilogravura como meio preferencial de
expressão e à figuração como instrumento de
seu profundo humanismo.
O expressionismo, em termos formais, abrira as
possibilidades para a libertação da figuração
tradicional, facuh:ando ao artista a livre
subjetivação do mundo. A imagem gravada é
energia, é registro da força da mão laboriosa.
Entre nós, o caminho da figuração expressionista
contribuiu para a sedimentação das conquistas
do modemismo, pondo o dedo nas feridas do
espaço urbano. Becos, ruas, favelas, crianças,
mães, trabalhadores, subúrbios povoam as obras
de artistas como Segall, Lívio Abramo e Goeldi .
Com a xilogravura, Lygia Pape mobilizou-se pela
pesquisa espacial, conferindo-lhe contomos
específicos. Não buscou a gravura como um
sagrado ofício. Deslocou-se dessa questão. Ao
contráno, deu as costas ao altar da tradição
gráfica, tal como afirmou: "procurei eliminar
todo o "ranço" da coisa expressionista".4 Buscou
a precisão do traçado, o limite controlado da
forma. Autodidata, abordou a madeira com a
liberdade da experiência pura, primitiva. Nas
gravuras iniciais, matrizes de madeiras diferentes
formulavam espaços a partir de justaposição ou
superposição de uma multiplicidade de veios
que emprestavam uma vibração às superfícies
limitadas pelo traço rigoroso.
O envolvimento da artista com a gravura
revelou sua preocupação de considerar a arte
forma de expressão e não de produção, como
queriam os artistas concretistas. A revitalização
(seria esse o termo próprio1) da gravura, em
Lygia Pape, passa pelo esqueci mento de seu
caráter multiplicador, caráter também presente
na serialidade industrial, que neutraliza o frescor
da criação. A ação sobre a madeira e a
estam pagem sobre o papel funcionaram, de
acordo com sua observação, mais como um
registro da dupla natureza do ser e do não-ser.
Tratava-se do registro de uma ausência - da
ação da matriz/materialização da idéia -,
momento no qual as forças imaginantes moldam
a matéria.
A questão da reprodutibilidade da gravura,
rejeitada como condição de seu trabalho, esteve
em pauta nos debates que se sucederam sobre
a obra de vários artistas. Discutia-se a
legitimidade da tradição gráfica frente às
inovações técnicas, buscava-se a própria
reconceitualização da gravura para sua inserção
nas pesquisas contemporâneas.
Um dos momentos de peso dessa discussão
deu-se nos finais de 1957, quando Ferre ira
Gullar organizou uma "mesa-redonda pública",
no Suplemento Dominical do jornal do Brasil , ampliando o debate que tivera lugar no âmbito
de especialistas por ocasião de exposição
retrospectiva de Lívio Abramo, no MAM-Rio,
em novembro daquele ano. Por meio dos
depoimentos, tomados por Gullar, buscou-se
dimensionar a importância da gravura para a arte
brasileira, indagar sobre a natureza do "fazer" da
gravura (o métier orgulhava a gravura modema
aqui produzida) e a conseqüente discussão
sobre os valores pertinentes à formação do
artista-gravador. 5
Participante desse debate, Lygia tinha clareza dos
limites de sua aproximação com a gravura ao
afirmar: '/'\ gravura só me interessa como meio
de expressão para objetivar uma idéia"6 A nova
geração que se envolvia com a gravura
enfatizava seu caráter experimental, possibilidade
que facuh:ava, aliás, tratamento diferenciado no
processo de estampagem. Acentuar esse
aspecto atenuaria as obrigações impostas pela
tradição gráfica da exploração desse meio tendo
em vista seu caráter multiplicador. Todavia, o
caráter experimental a que chegara a gravura, na
tendência abstrata informal, era visto por muitos
com preocupação? Goeldi, por exemplo,
60
L
avesso a qualquer tendência abstrata, alertava,
em seu depoimento, para o perigo de se burlar
o limite da gravura na confusão das
experimentações.
No caso de Lygia Pape, a artista esteve mais
voltada para o processo de exploração da
madeira, privilegiando o momento da criação:
"Eu utilizava a madeira porque curtia trabalhar
com ela e com aquela tinta negra, viscosa e de
cheiro suportável"8 Muitas vezes, ela se limitou
a fazer tiragem de, no máximo, duas cópias,
subvertendo toda uma postura em relação à gravura. Importava-lhe o fascínio pelo material e
pela energia que ele desprendia. Para Lygia, a
repetição da experiência, em si, não
acrescentava nada a seu processo criador.
Preocupada com a qualidade orgânica da
madeira, preferiu poupá- Ia de sucessivas
reproduções, a fim de poder obter a
luminosidade de seus poros, elemento
fundamental em suas composições. Os veios
caraderísticos de cada madeira interessavam
para seu trabalho: os desenhos do pinho perto
dos nós (pinho europeu, das caixas de bacalhau
do armazém próximo de seu ateliê), a
sinuosidade dos veios do pinho-de-riga, a
textura fina e porosa da peroba foram utilizados
como valores gravados preexistentes,
controláveis e que, segundo a artista, permitiam
uma gama enorme de "negros desenhados".
Seu depoimento é revelador de uma parceria
com a matéria: "Sempre trabalhei no fio da
madeira, e procuro deixar o material falar por si
mesmo, independente, expressivo por si SÓ".9
As fibras pulsam, vibram, levando à manifestação
ambivalente dos espaços interior e exterior, e a
percepção-vivência da obra atravessa essa
distinção. Pelos veios dá-se a permanência
orgânica da matéria. Os veios envolvem os
segredos da vida que corre, lugar de trânsito,
passagens da seiva que se transforma em folhas
e frutos.
Importa acrescentar que essa presença tão
expressiva da madeira passava por um processo
de controle acentuado do resultado da
impressão: "Eu tinha uma habilidade muito
grande, me lembro que uma vez fiZ um álbum
com 20 xilos coloridas . Eu conseguia pela
pressão da mão o mesmo tom de cinza em
todas as chapas, eram umas coisas assim que eu
curtia fazer, umas experimentações .. .". 10 Lygia
fazia vários estudos da mesma idéia, de uma
mesma composição, selecionando a madeira em
função dos negros mais ou menos intensos que
perseguia.
A vibração desses veios interessava-lhe tanto, a
ponto de usar o bloco de madeira como matriz,
sem incisão, isto é, fragmentos
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geometricamente concebidos para imprim'lr
sobre o papel suas respectivas texturas, Além de
deslocar seu trabalho da tradição gráfica no
aspecto da reprodutibilidade, Lygia atingia ainda
a natureza mesma da matriz como lugar da
intervenção expressiva, A matriz-módulo passou
a integrar a estrutura espacial ambivalente,
submetida a procedimentos de justaposição,
inversão ou superposição, Projeta-se como
forma no espaço gravado, rompendo com a sua
natureza de espaço-superfície, suporte da força
e da grafia do artista, II
Ao trabalhar com os blocos de madeira,
justapondo-os, a artista obtinha a linha não mais
por meio das incisões, mas como intervalos
entre os referidos blocos: "", uso bloco pois
uma chapa grande não me oferece a mesma
possibilidade de precisão e a precisão, em meu
trabalho, é elemento de grande importância", 12
A linha emerge não do
controle reqUintado da faca,
seu instrumento, mas como
fnuto do deslocamento da
idéia de incisão para a de
intervalo entre os blocos de
madeira, Na pintura, Lygia
Clark com estratégia similar
chegou à linha orgânica,
A posição crítica/criativa de
Lygia, em relação à tradição
da gravura, faz parte
certamente do exercício de
uma vontade negativo, 13
identificada pelo crítico
Ronaldo Brito como própria no
Neoconcretismo. Para ele, o rompimento com
os esquemas formais dominantes e a abertura
da obra à participação do espectador, proposta
comum em muitos trabalhos do grupo, levaram
esse movimento a uma situação paradoxal em
relação à experiência originai da arte construtiva
européia; daí caracterizá-lo como uma filiação
maldita,
Nesse sentido, e por extensão, Hélio Oiticica
chamou a gravura de Lygia Pape de
"antigravu ras " , e poderíamos completar, gravuras
malditas ?A ousadia da artista não a desviou '
todavia da preocupação de realizar uma obra
gráfica, Na gravura, como em qualquer outro
meio artístico, o binômio criação - técnica
procura sintonia com o processo de busca do
artista, Lygia não se intimidou, perseguiu idéias
e, encontrando para os problemas de espaço
que se colocou, estruturas ambivalentes,
respostas singulares, soluções originais, Os veios
e sua luminosidade, a linha precisa, a
estruturação atravessada pela geometria
rebrotam nos fiOS de cobre e dourados das mais
recentes e poéticas Tteias,
Além do conjunto Tecelares, nome dado a suas
gravuras a partir de 1956, Lygia realizou
experiências com poesia que incluíram a
parceria com a gravura: são seus Poemasxilogravuras ,14
fo,
Neles, o diálogo com a tradição da ilustração é
retomado para mais um deslocamemnto: "Cada
gravura surge do poema correspondente, não
como uma ilustração mas como a configuração
plástica da disposição gráfiCO espacial das
palavras na página", 15 Lygia reinventa a
integração gravura/texto, Aqui também é criada
uma situação de ambivalência, No Brasil, a
vocação da gravura para a ilustração fora
reforçada pela atividade crescente de nossos
gravadores, como Goeldi e Lívio Abramo, nos
anos 40, período no qual a presença no Rio de
62
I
r Axl Leskoschek, grande ilustrador europeu, das categorias tradicionais da arte: a pintura
contribui para consolidar o gênero. O curso de escultura-objeto, a escultura-pintura-construção,
Artes Gráficas da Fundação Getúlio Vargas, em o poema-gravura, a gravura-poema, o poemaI I 1946, organizado por Santa Rosa, outro grande escultura. Os limites são subvertidos e
ilustrador, aproximou nossos artistas desse expandidos.
gravador, um dos orientadores do ensino ali
ministrado. O folheto de divulgação desse curso
garantia "o domínio seguro do desenho de
propaganda e artes gráficas, especialização que,
dia a dia se toma mais necessária, em face do
avanço da técnica de publicidade e da expansão
que , mesmo no nosso meio, estão tendo os
livros, as revistas e os jornais" .'6 Em sua
programação, a ilustração deveria ser abordada
em sua história e natureza plural no livro, na
revista, na prosa, na poesia e na caricatura. A
inserção do gravador no mercado fazia-se via a
ilustração, em periódicos, revistas e suplementos
dominicais.
Lygia sempre escreveu, interessando-se pela
poesia; daí Juntar-se a Ferreira Gullar, Reynaldo
Jardim e Theon Spanudis, que organizaram a
Coleção Espaço, voltada justamente para a
poesia. Embora publicados nesta coleção em
•
1960, os Poemas-xilogravuras são obras de 1957
e constituem uma etapa singular da produção
dos Livros-poemas que a artista realizou nesse
mesmo ano, feitos em cartolina, com letraset.
Nos Livros-poemas, Lygia operou recortes e
t
t colagens com formas e palavras. Essas duas
experiências com poemas inserem-se no
caminho aberto pelo poeta francês Stéphane
Mallarmé (1842-1898), de rompimento com as
estruturas tradicionais da poesia, levando a sua
exploração visual. Concorrem para adensar
imagens e dar sentido ao poema tanto a
sonoridade das palavras quanto sua flsicalidade
tipográfica, sua dimensão, sua relação com o
espaço do papel, intervalos , vazios. Os poetas
neoconcretos cariocas, com os quais Lygia
trabalhou, acolheram essa formulação de uma
nova poesia, 17 na qual o espaço branco da
página integra-se à estrutura da poesia,
conferindo-lhe significação, compondo o poema
como forma visual. Confirma-se a poética das
obras neoconcretas que se revela pela quebra
Nos Poemas-xilogravuras, as páginas, duas a
duas, uma em branco sempre com duas
palavras espacialmente distribuídas e outra com
a gravação, compõem o poema. (Há,
excepcionalmente, um poema com três
palavras). À luz das estratégias de ilustração, o
processo se inverte. A forma problematiza a
palavra e sua significação, que se impõem em
termos visuais, ao contrário da tradição da
ilustração, na qual as palavras constituem a
narrativa e instruem e fundamentam a
organização de imagens. Não é possível separar
as duas partes, que, embora tendo cada uma
sua lógica, nesse confronto, ampliam sua
significação: "É um livro formado por duas partes
distintas: poema e gravura. As duas, lado a lado,
perdem sua independência expressiva por uma
outra catalisadora, que abrange as duas partes,
fundindo-as num todo de conteúdo novo". 18
No conjunto desses poemas, a linha-incisão é
reabilitada. Ela dinamiza a superfície , criando
ritmos e desvios do olhar, que busca no jogo
palavra-formas a resposta para suas indagações.
A linha-luz é delicada como o são as duas
palavras, num amplo vazio, espaço em branco,
mas não vazio, e, si m, manifestação transitiva,
aberta para o mundo das vivências do leitor
espectador. Como num ideograma chinês, o
espírito de síntese defiagra e potencializa uma
experiência singular.
Trazemos um dos Poemas-xilogravuras. De um
lado as palavras fiO e foz, al inhadas numa
espécie de linha de terra, mantêm-se numa
base, propondo um exercício de horizontal idade
ao olhar, qualquer que seja a seqüência de
leitura escolhida. Frágeis, delicadas, diminutas,
numa folha branca, "cheia de vazio". Pronunciá
las exige um suave sopro. De outro lado, a
superfície gravada se oferece numa sinuosidade
vibrante - maleabilidade das águas do rio -,
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t
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numa cadência de sulcos que sugerem também
inumeráveis meandros. O fio, junção,
encadeamento, ligação. A foz, desaguamento,
mutação para outra água, encontro. As palavras
e a gravura constituem pontos de cruzamento
de imagens vivificadas pela experiência do
"leitor". A imaginação das águas provoca as
imagens poéticas. Imagens da mobilidade.
Tudo está dado e nada está dado; Lygia cria uma
espacialidade imaginativa. Espacialidade que
incrementa a participação do "leitor" no próprio
processo de criação da obra. Viver essa tensão,
em forma de poesia, é a proposta dos Poemos
xilogravuras.
No debate aqui referido, respondendo sobre os
rumos que tomava a gravura, nos anos 50,
quanto à experimentação, Fayga Ostrower
respondeu: "". considero tudo pesquisa, busca
ou procura, e tudo é válido, por isto não
acredito em prescrições, nem na arte nem na
crítica de arte e muito menos em tabus. As
profecias de nada valem, a eloqüência resta
mesmo com a obra executada". 19
Gravuras ou antigravuras, qual a eloqüência das
xilogravuras de Lygia Pape?
Tecelores e os Poemas-xilogravuras propõem um
convite ao espectador por uma relação mais
comunicativa. Teias de vivências. Lygia não
trabalha presa ao mundo das imagens. Lança a
xilogravura para o mundo das vivências.
Vivências da matéria. Vivências do espaço
ampliado. Vivências do espaço-luz. Vivências da
geometria feita poema.
A xilogravura foi mesmo para Lygia uma
passagem, um laboratório de pesquisa, um
exercício de imaginação. Na verdade, sua
trajetória artística foi marcada sempre por
passagens. Produziu "obras-acontecimentos"
que criam elos, conjugam memória e profecia.
Anunciam e reafirmam o interesse pela
expressão da matéria, a sedução pela luz, a
prodigalidade dos cortes, a execução precisa da
idéia. Opera deslocamentos. Das xilogravuras
para os fios de cobre, blocos de madeira,
64
alumínio, luz néon, luz negra, pigmentos, areia,
pipoca, frutas, tecidos, borracha, ferro cromado,
vidro, náilon, etc.
A velocidade de sua imaginação poética
inscreve-se no tempo vertical, do deslocamento
do ser.
Maria Luisa Luz Tavora é professora adjunta de História da Arte
nos cursos de graduação e pós-graduação da Escola de Belas
Artes/UFRJ, doutora em História Social (Histórra e Cultura)
IFCS/UFRJ e diretora adjunta da Pós-Graduação da EBA/UFRJ.
I
Notas
I Pape, Lygla. Dos5lê Lygia Pape, Afle&Ensaios, ano v: n. 5, Rio de janeiro: EBNUFRj , 1998: 9.
, 1 Pedrosa, Mário. Lygia Pape. RIo de janeiro: Funarte, 1983: I. Coleção Arte Brasileira Contemporânea.
3 Sobre o assunto ver Martins, Maria Clara Amado. Lygia Pape - Período Neoconcreto. Monografia do Curso de Especialização em História da Arte e da Arquitetura no BrasiL PUC-Rio de janeiro, s/d.
4 Pape, Lygia. Lygia Pape. Rio de janeiro: Funarte, 1983: 44, Coleção Arte BraSIleira Contemporânea.
s IniCiado no primeiro domingo de dezembro de 1957, estendendo-se a fevereiro de 1958, o debate contou com o~o depoimentos publicados na seguinte ordem: Oswaldo Goeldi, Fayga Ostrower, Lygia Pape, Edlth Behnng, Darei Valença, Iberê Camargo, Marcelo Grassmann e Lívio Abramo. Sobre o assunto ver: Tavora, f'1aria LUlSa Luz. Mesa-redonda pública: idéias sobre a gravura brasileira --1 957/1958. Interfaces, revista do Centro de Letras e Artes da UFRJ, 1995: 41-53.
• Depoimento de Lygia Pape , jornal do Brasil, 15/ 1211957: Suplemento Dominical: 3.
7 Na condução do debate, fica claro o desacordo pessoal de Ferreira Gullar frente às expenências rea lizadas por essa tendênCia que, por intermédio de alguns artistas, incorporava Inovações técnicas introduzidas por johnny Friedalender, mestre de alguns gravadores da nova geração que buscaram em Paris sua orientação. Nesse mesmo ano, comentava-se sobre a vinda desse gravador para o Curso inaugural do ateliê do MAM-Rio, projeto em andamento. O debate foi atravessado pelo desconforto desse convite.
8 Pape, Lygia. Op. cito 1983: 44. Lygia Pape teve que se afastar da pintura por causa de uma intoxicação com a tinta a óleo. A tinta tipográfica não lhe causava problemas,
9 DepOimento de Lygla Pape, jornal do Brasil, 1717/ 1975: Caderno B.
10 Pape, Lygia. Op. cit. 1998: 8.
I I Essa questão das matrizes-módulos, matriz-forma, vai ser também explorada na gravura em metal. por alguns artistas freqüentadores e orientadores do Ateliê livre do MAM-Rio, nos anos 60, Anna LetyCla, Theresa Miranda, entre outros. Na xllo, Fayga Ostrower vai dar tratamento singular às matrizes.
" Depoimento de Lygia Pape, jornal do Brasil, 15/12/1957: Suplemento Domintcal: 3.
t3 Brito, Ronaldo. Neoconcretísmo, vértice e ruptura do Projeto Construtivo Brastleiro. Rio de janeiro: Funartefinap, 1985: 76.
14 Esses poemas compõem a Coleção Espaço, que teve cinco números publicados, de 1958 a 1960, com apoio do Suplemento Dominical do jornal do Brasil, Dedicada à poeSIa , a publicação dependia de recursos financeiros dos artistas e foi apresentada na seguinte ordem: nO I , Ferreira Gullar, 1958; (1-°2, Theon Spanudis, 1958; nO 3, Reynaldo jardim, 1959; nO 4, Carlos Fernando Fortes de
c o L A
Alme ida, 1959; o quinto e último número coube a Lygia Pape, em 1960. Também em novembro desse ano, . foram apresentados, em painéis com vidro, na 11 Exposição Neoconcreta, realizada no MEC, no Rio de janeiro. Trata-se de 13 poemas visuais, Impressos em cartão, contidos numa capa de formato quadrangular, medindo 21 ,Scm de lado. IV; páginas dos poemas medem 21 x20.5cm e, quando abertas, 2 1 x4 lcm. Sobre Oassunto, ver Martins, Maria Clara Amado. OS [MOS de Lygia Pape. Dissertação de Mestrado em História da Arte EBNUFRj, 1996.
15 Pape, Lygia. Poemas-invenção, in jornal do Brastl, 26/1 1160: Suplemento Domnical: 6.
16 Folheto de divulgação do Curso de Desenho de Propaganda e Artes Gráficas da Fundação GetúliO Vargas, 1946.
17 Sobre as questões que envolveram a poesia concreta, ver Campos, Augusto, Campos, Haroldo, Plgnatari, Décio. Teoria da poesia concreta. São Paulo: Duas Cidades, 1975; dos mesmos autores, Mal/armê. São Paulo: Perspectiva , 1991. Coleção Signos.
18 Pape, Lygla Poemas-invenção, in jornal do Brasil, 26/ 1 111960: Suplemento Dominical: 6.
19 Depoimento de Fayga Ostrower, in jornal do Brasil, 8/12/1957: Suplemento Dominical: 3.
8 O R A ç À O • M A R I A L U I S A L U Z T A V o R A 65