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Superior Tribunal de Justiça

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 34.848 - RJ (2011/0143183-2)

RELATOR : MINISTRO BENEDITO GONÇALVESRECORRENTE : VINÍCIUS DE FIGUEIREDO LOPES E OUTROSADVOGADO : SÉRGIO ALEXANDRE CUNHA CAMARGO E OUTRO(S)RECORRIDO : MUNICÍPIO DE DUQUE DE CAXIAS PROCURADOR : LUCIANA FERNANDES SCHETINI CARDOSO E OUTRO(S)

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO BENEDITO GONÇALVES (Relator): Trata-se de recurso

ordinário em mandado de segurança interposto por Vinícius de Figueiredo Lopes e outros contra

acórdão oriundo do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, cuja ementa está

consignada nos seguintes termos (fls. 368/369):

Mandado de segurança. Concurso público. Servidores municipais. Prefeitura de Duque de Caxias. Programa de Saúde da Família (PSF). Pretensão de reconhecimento do direito ao recebimento de vencimento-base no valor previsto no edital do concurso. Art. 37 da CRFB/88. Administrador público que se encontra vinculado às normas legais, devendo obediência ao princípio da legalidade. Somente lei específica pode fixar ou alterar a remuneração dos servidores públicos. Inexiste direito adquirido do servidor às previsões contidas no edital do concurso, se elas estiverem em desacordo com o previsto na legislação. Princípio da legalidade que obriga a elaboração dos editais dos concursos públicos e das licitações em harmonia aos comandos legais. Impossibilidade de se majorar o vencimento-base se os valores pagos mensalmente aos impetrantes correspondem ao valor previsto em lei para os padrões iniciais da carreira. Precedentes do STJ e desde Tribunal de Justiça. Erro material cometido pela comissão organizadora do concurso que não é capaz de criar direito adquirido ao aumento da remuneração de servidor público. DENEGAÇÃO DA SEGURANÇA.

Desse desate foram opostos embargos declaratórios, que restaram rejeitados às fls.

392/395.

Na presente insurgência, defendem os recorrentes que não há lei em sentido formal e

material que regulamente a carreira dos servidores do Programa de Saúde da Família do

Município de Duque de Caxias, de modo que não há impedimento para que seja cumprido o

disposto no edital do concurso referente a tais cargos no que diz respeito ao vencimento-base.

Eis as argumentações dos recorrentes (fls. 405):

Ocorre que a legislação pela qual é lastreada a defesa da Procuradoria do Município de Caxias, e ao que parece, fora a tese acolhida pelo Desembargador Relator, refere-se tão somente aos servidores públicos do cargo de 20 horas, concursados para trabalhar como médicos, dentistas e enfermeiros dentro do Município que nada tem

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haver com o PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA, pois foram tão somente desviados de função para atender a carência deste programa governamental federal e recebem GRATIFICAÇÃO para trabalharem por mais 20 horas, e assim, complementarem 40 horas de trabalho".Importante salientar que em janeiro de 2008, quando da realização do certame, houve neste mesmo concurso duas provas distintas realizadas em dias distintos: A prova para preenchimento dos cargos da rede, em geral com 20h semanais de carga horária, e a para preenchimento dos cargos de PSF, com carga horária de 40h semanais (PROVA PRÉ CONSTITUÍDA NESTA DEMANDA-EDITAL).A matéria das provas, as provas e as datas das provas foram completamente distintas, como constas do edital.

Ao final, requer o provimento deste recurso ordinário, a fim de que seja determinada a

aplicação do disposto no edital do concurso.

O Município de Duque de Caxias apresentou contrarrazões às fls. 451/457, pugnando

pela manutenção do acórdão recorrido, mediante o argumento de que os Tribunais Superiores já

decidiram que "não existe direito adquirido do servidor a determinado regime jurídico

estatutário, tampouco às previsões contidas no edital do concurso, se elas estiverem em

desacordo com o previsto na legislação" (fls. 455). Afirma que a gratificação paga aos

impetrantes está de acordo com o artigo 3º e 4º da Lei Municipal nº 1.561/2001, que criou o

regime especial de trabalho para atendimento do Programa de Saúde da Família, para a categoria

funcional de médico, e Lei Municipal 1.584/2001, que modificou o art. 2º da Lei 1.561/2001,

incluindo o regime especial para enfermeiro PSF. Adiciona que "a referida gratificação vem

sendo reajustada de acordo com as Leis Municipais nº 1.882/2005, artigo 19; Lei 1.969/2006,

artigo 17; Lei 2.040/2007, artigo 21 e da Lei 2.262/2009, artigo 14" (fls. 454).

O Ministério Público Federal, em seu parecer de fls. 472/476, opinou pelo não

provimento do recurso ordinário, consoante a seguinte ementa:

Administrativo. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança. Concurso Público. Reconhecimento do direito de perceber vencimento-base no valor estipulado em edital. Impossibilidade. Necessidade de lei específica para fixar ou modificar o vencimento dos servidores. Precedente do STJ (RMS 25.670/DF).Parecer do MPF pelo conhecimento e improvimento do Recurso Ordinário, resguardando aos impetrantes o direito de questionar, pelas vias ordinárias, eventuais descontos em suas remunerações.

É o relatório.

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RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 34.848 - RJ (2011/0143183-2)

EMENTAADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PUBLICO. SERVIDORES MUNICIPAIS. PREFEITURA DE DUQUE DE CAXIAS. PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA. PRETENSÃO DE RECEBIMENTO DE VENCIMENTO-BASE PREVISTO NO EDITAL DO CONCURSO. IMPOSSIBILIDADE. DESCONFORMIDADE COM O DISPOSTO EM LEI LOCAL. 1. Recurso ordinário contra acórdão que denegou a ordem em mandado de segurança, o qual, por sua vez, objetivava o reconhecimento do direito ao recebimento de vencimento-base no valor previsto no edital do concurso.2. Embora o edital de concurso para provimento de vagas para cargos públicos vincule a Administração ao cumprimento de seus exatos termos, não é menos verdade que tais regras não podem se desvincular das normas legais e tampouco pode a Administração, sem infringir normas e princípios constitucionais, alterar a remuneração dos servidores públicos. 3. Partindo desse raciocínio, não obstante o edital seja expresso quanto ao vencimento-base de R$ 4.816,62, sugerindo a atuação junto ao Programa de Saúde da Família como inerente ao cargo pretendido, tal disposição não pode vingar, tendo em vista que não há base legal para a existência de cargos diferenciados para exercício junto ao PSF. 4. A Lei Municipal n. 1.561/2001, que criou o Regime Especial de Trabalho para atendimento ao Programa de Saúde da Família, para a categoria funcional de médico (posteriormente ampliado para outras carreiras), instituiu tão somente a concessão de uma gratificação aos servidores interessados a participarem do programa.5. Assim, ao conferir ao exercício do trabalho junto ao PSF tratamento específico, diverso dos cargos de médicos, dentistas e enfermeiros submetidos ao regime normal de trabalho, de fato, incorreu o edital em erro material, pois fez constar vencimento-base superior ao estipulado na legislação que rege a carreira dos impetrantes, o que não se pode admitir.6. Portanto, consoante bem asseverou o acórdão recorrido, "se os valores pagos mensalmente aos impetrantes correspondem ao valor previsto em lei para os padrões iniciais da carreira, não há como se majorar o vencimento-base na forma pleiteada" (fls. 343).7. Recurso ordinário não provido.

VOTO

O SENHOR MINISTRO BENEDITO GONÇALVES (Relator): Como visto, a

hipótese dos autos é de recurso ordinário contra acórdão que denegou a ordem em mandado de

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segurança, o qual, por sua vez, objetivava o reconhecimento do direito ao recebimento de

vencimento-base no valor previsto no edital do concurso.

Alegam os impetrantes que realizaram concurso público para os cargos específicos de

médicos, enfermeiros e dentistas do Programa de Saúde da Família (PSF), cujo vencimento-base

era de R$ 4.816,62 (quatro mil, oitocentos e dezesseis reais e sessenta e dois centavos), mas,

após aprovados, passaram a receber vencimento-base de R$ 719,20 (setecentos e dezenove reais

e vinte centavos), ou seja, muito inferior ao previsto no edital.

Compulsando os autos, verifica-se que o edital conferiu aos candidatos a opção de se

inscrever não só para concorrer aos cargos de médico, dentista e enfermeiro em regime normal

de trabalho (20 horas semanais e vencimento-base de R$ 719,20), como também para os

mesmos cargos em exercício junto ao PSF - regime especial de trabalho (40 horas semanais e

vencimento-base de R$ 4.816,62).

Em relação à primeira opção (nível superior para médicos, dentistas e enfermeiros,

dentre outros), previu vencimento-base de R$ 719,20 (setecentos e dezenove reais e vinte

centavos), acrescido de 20% de insalubridade (R$ 143,84), abono (R$ 615,95) e auxílio

transporte (R$ 80,00), totalizando R$ 1.559,99 (Hum mil, quinhentos e cinquenta e nove e

noventa e nove rais), com carga horária de 20 horas semanais. Por sua vez, especificamente para

médicos, dentistas e enfermeiros do PSF, estabeleceu vencimento-base de R$ 4.816,62 (quatro

mil, oitocentos e dezesseis reais e sessenta e dois centavos) e carga horária de 40 horas semanais

(fls. 279).

Ocorre que, não obstante o edital seja expresso quanto ao vencimento-base de R$

4.816,62, sugerindo a atuação junto ao Programa de Saúde da Família como inerente ao cargo

pretendido, tal disposição não pode vingar, tendo em vista que não há base legal para a

existência de cargos diferenciados para exercício junto ao PSF.

Digo isso porque a Lei Municipal n. 1.561/2001, que criou o Regime Especial de

Trabalho para atendimento ao Programa de Saúde da Família, para a categoria funcional de

médico (posteriormente ampliado para outras carreiras), instituiu tão somente a concessão de

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uma gratificação aos servidores interessados a participarem do programa.

Isto quer dizer que o referido programa é prestado por profissionais concursados da rede

de saúde pública, que originalmente cumpriam 20 horas semanais em hospitais e postos de

saúde, mas, uma vez desviados para ao Regime Especial de Trabalho criado no Município pela

Lei 1.561/2001, passaram, então, a cumprir 40 horas semanais e a receber a gratificação PSF.

Eis a redação da referida legislação (fls. 279):

Art. 1º Fica criado o Regime Especial de Trabalho para a Categoria Funcional de Médico.Art. 2º O Regime Especial de Trabalho obedecerá ao seguinte:

I função a desempenhar: Medico Generalista,II carga horária semanal: 40 (quarenta) horasIII nº de vagas a serem preenchidas: 1 (uma), por equipe.

Art. 3º Fica o Chefe do Poder Executivo autorizado a conceder aos Servidores abrangidos pela presente Lei, uma gratificação equivalente à diferença que faltar, até que seja alcançada a remuneração bruta de R$ 3.800,00 (três mil e oitocentos reais).Art. 4º A gratificação ora concedida

I não servirá como base de cálculo para qualquer tipo de adicional ou remuneração de 13º salário e concessão de 1/3 de férias;II tem caráter provisório, não integrando a sistemática dos salários, e não está sujeita a qualquer desconto previdenciário;II não será incorporada aos vencimentos dos Funcionários em atividade, nem aos proventos dos inativos, em nenhuma hipótese; e III não beneficiará os servidores destinatários da presente Lei que se encontrem em gozo de licença a qualquer título, com exceção daquelas concedidas à gestante e para a paternidade.

Art. 5º A gratificação instituída pela presente Lei será descontada proporcionalmente aos dias de falta ao serviço e licenças concedidas, de acordo com a respectiva carga horária, excluindo-se as licenças previstas no inciso IV, do artigo anterior.Art. 6º O disposto nesta Lei será para atendimento exclusivo do Programa de Saúde da Família.(...)

Por oportuno, cabe aqui registrar que, por intermédio das Leis ns. 1.584/2001,

1.698/2003 e 1.892/2005, o programa foi, posteriormente, ampliado, para abranger os

enfermeiros, cirurgiões-dentistas e auxiliares de consultório dentário, nutricionistas, assistentes

sociais, professores de educação física, instrutores de práticas corporais, fonoaudiólogos,

psicólogos, psiquiatras, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais.

Assim, ao conferir ao exercício do trabalho junto ao PSF tratamento específico, diverso

dos cargos de médicos, dentistas e enfermeiros submetidos ao regime normal de trabalho, de

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fato, incorreu o edital em erro material, pois fez constar vencimento-base superior ao estipulado

na legislação que rege a carreira dos impetrantes, o que não se pode admitir.

Não há dúvida de que o edital de concurso para provimento de vagas para cargos

públicos vincula a Administração ao cumprimento de seus exatos termos (art. 41, da Lei

8.666/93). Contudo, não é menos verdade que tais regras não podem se desvincular das normas

legais e tampouco pode a Administração, sem infringir normas e princípios constitucionais,

alterar a remuneração dos servidores públicos (art. 37, caput , e inciso X, da Constituição

Federal).

Assim, devendo a Administração obediência ao princípio da legalidade, não há como se

aplicar edital que prevê remuneração em desacordo com a legislação local, não havendo o que se

falar em direito líquido e certo dos impetrantes.

Nesse sentido é o seguinte precedente do STJ, senão vejamos:

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DELEGADO DA POLÍCIA CIVIL DO DISTRITO FEDERAL. LEI FEDERAL N.º 11.135/05. INGRESSO NA CLASSE E PADRÃO INICIAL DA CARREIRA. LEGALIDADE. ENQUADRAMENTO EM PADRÃO INTERMEDIÁRIO. PREVALÊNCIA DO EDITAL. IMPOSSIBILIDADE.1. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça consolidou-se no sentido de que o provimento originário de cargos públicos deve se dar na classe e padrão iniciais da carreira, conforme a lei vigente na data da nomeação, ainda que o edital do certame contivesse previsão de ingresso em outro padrão da carreira e de vencimento.2. Recurso desprovido (RMS 25670/DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Acórdão Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, DJe 09/11/2009).

Portanto, consoante bem asseverou o acórdão recorrido, "se os valores pagos

mensalmente aos impetrantes correspondem ao valor previsto em lei para os padrões iniciais da

carreira, não há como se majorar o vencimento-base na forma pleiteada" (fls. 343).

Ante o exposto, nego provimento ao recurso ordinário em mandado de segurança.

É como voto.

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