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MANUAL DO PROFESSOR: QUiSSAMA: O iMPÉRiO DOS CAPOEiRAS
ObjEtivOS DO MANUAL DO PROFESSORO Manual do Professor é um material de apoio e tem por objetivo ser utilizado pelo docente, em correspondência com o Livro do Estudante (Quissama: O Império dos Capoeiras), pa-ra aperfeiçoar-se, expandir seus estudos, preparar os planos de aulas e de avaliação formativa e suprir as dificuldades de aprendizagem dos estudantes.Para o Ensino Médio, o Manual do Professor deve estar em consonância com as Diretrizes Curriculares do Ensino Médio.
FiChA tÉCNiCALivro: Quissama: O Império dos CapoeirasAutor: Maicon TenfenIlustrador: Rubens BelliPosfácio: Carlos EugênioEditora: BirutaLocal e ano de publicação: São Paulo, 2014.Número de páginas: 328Categoria Fundação Biblioteca Nacional: Literatura infantojuvenil
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ORgANizAçãO DO MANUAL DO PROFESSOR
Este material de apoio está organizado de forma a abranger os seguintes elementos:
I – Proposições gerais.
(A) Considerações sobre autor, ilustrador, leitor crítico (pos-fácio) e obra.Objetivo: contextualizar autor, ilustrador, leitor crítico (pos-fácio) e obra.(B) Considerações para a motivação do/a estudante para a lei-tura da obra.Objetivo: motivar o/a estudante para leitura da obra.(C) Considerações sobre a adequação da obra à categoria, ao(s) tema(s) e ao gênero literário (de acordo com o Edital).Objetivo: justificar a pertença da obra aos seus respectivos tema(s), categoria e gênero literário.(D) Subsídios, orientações e propostas de atividades para o uso da obra em sala de aula.Objetivo: apresentar subsídios, orientações e propostas de atividades para o uso da obra em sala de aula.
II - Considerações sobre o material de apoio para pré-leitura, leitura e pós-leitura.
Objetivo: apresentar orientações para as aulas de língua por-tuguesa que preparem os/as estudantes tanto para a leitura da obra em foco (material de apoio pré-leitura), quanto para a retomada e problematização da referida obra (material de apoio pós-leitura).
III - Considerações sobre a abordagem interdisciplinar da obra.
Objetivo: apresentar orientações gerais para aulas de outros componentes ou áreas, a fim de que sejam trabalhados temas e conteúdos presentes na obra em questão, com vistas a uma abordagem interdisciplinar.
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(A) Considerações sobre autor, ilustrador, leitor crítico e obra.
Sobre o autorMaicon Tenfen nasceu em Ituporanga, interior de Santa Ca-tarina, no último dia de 1975. Em 1998, formou-se em Letras na FURB (Universidade de Blumenau), onde hoje é professor de literatura e coordenador da Editora Universitária. Con-cluiu o Mestrado em Literatura Brasileira (2002) e o Douto-rado em Teoria Literária (2006) na UFSC (Universidade Fe-deral de Santa Catarina). Frequentemente realiza palestras sobre leitura e cidadania em escolas de ensino fundamental, médio e superior.
Por mais de dez anos escreveu crônicas semanais para o Diário Catarinense (2002-2013). Também colaborou com o Jornal de Santa Catarina, assinando uma coluna diária entre 2007 e 2011. Escreveu resenhas e artigos de opinião para a imprensa de âmbito nacional. Atualmente mantém o blog O Leitor (Lendo o mundo pelo mundo da leitura), no site da revista Veja. Participou de cursos de roteiro para cinema e TV com Syd Field, William Rabkin e Robert McKee.
Desde 2016 coordena a equipe de roteiristas responsáveis pela série de animação Boris e Rufus, atualmente em exibição pelo canal a cabo Disney XD no Brasil e em toda a América Hispânica. Em breve a animação estreará na TV Cultura, além de ser distribuída para vários países de língua inglesa.
A partir da publicação do primeiro livro, em 1996, publicou duas dezenas de títulos entre crônicas, contos, ensaios e ro-mances. Destacam-se Um cadáver na banheira (romance, 1997), O impostor (contos, 1999), Mistérios, mentiras e trovões (contos, 2002), A culpa é do mordomo (crônicas, 2006), Breve estudo sobre o foco narrativo (ensaio, 2008), A galeria Wilson (ro-
i: PROPOSiçõES gERAiS
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mance, 2010), Ler é uma droga: crônicas sobre livros e leitura (2012) e Quissama: O Império dos Capoeiras (romance, 2014) que foi finalista do Prêmio Jabuti em 2015 na categoria juve-nil. No prelo, pela Editora Biruta, está, em fase de publica-ção, Quissama: Território Inimigo (romance, 2018).
Sobre o ilustradorRubens Belli é natural de Blumenau, SC, graduou-se em Pu-blicidade e Propaganda em 1997. Atua como ilustrador pu-blicitário desde 1990, além de ter trabalhado como designer gráfico na Universidade de Blumenau (FURB) por 8 anos.
Em 1999, fundou a produtora de ilustração e animação Belli Studio Design. Desde 2001 vem produzindo e dirigindo fil-mes em animação, tanto publicitários e institucionais quan-to curtas metragens e séries para TV.
Participou de diversos cursos e eventos relacionados à pro-dução gráfica, ao mercado editorial, design e animação, além de ter participação frequente nas maiores feiras mun-diais, relacionadas ao mercado de entretenimento, como a Kidscreen, em Nova York, o Rio Content Market e a Anima-forum, no Rio de Janeiro.
Sobre o leitor crítico (Posfácio)Carlos Eugênio Líbano Soares, nome literário Carlos Eugê-nio, graduou-se em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1988), fez mestrado em História pela Univer-sidade Estadual de Campinas (1993) e doutorado em Histó-ria Social do Trabalho pela mesma Universidade (1998).
Atualmente é professor adjunto da Universidade Federal da Bahia. É autor dos títulos A Negregada Instituição: os capoeiras na Corte Imperial, 1850-1890 e A capoeira escrava e outras tradi-ções rebeldes no Rio de Janeiro (1808-1850).Especializou-se na área de história da escravidão africana
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no Brasil, com ênfase em história urbana, atuando princi-palmente com os seguintes temas: capoeira, escravidão, es-cravidão urbana, africanos nas cidades do Rio de Janeiro e Salvador no século XIX.
(B) Considerações para a motivação do estudante para a leitura da obra.
Quissama: O Império dos Capoeiras é uma história de ação que se passa em 1868, no Rio de Janeiro, então capital do Império do Brasil. A obra busca seduzir o leitor pela narrativa de aventuras sucessivas do detetive inglês Daniel Woodruff.
A trama se inicia numa taverna, num bar, quando um me-nino, Vitorino Quissama, pede a ajuda para encontrar a sua mãe, uma escrava que havia sido vendida não se sabe para quem. A partir daí começa uma investigação.
A história é contada do ponto de vista de um inglês (Daniel Woodruff) que assume a narração em primeira pessoa como se estivesse vivendo no Rio de Janeiro daquela época. O nar-rador descreve certas peculiaridades da cidade: como era o modo de vida dos escravos, como funcionava o sistema de escravidão urbana, como funcionavam as maltas de capoei-ras, como era uma roda de capoeira, como era a luta entre as maltas, entre as gangues, principalmente os nagoas e os guaiamuns.
A narração desperta o interesse e a curiosidade do leitor, que se envolve na trama das personagens pela capacidade pro-jetiva e criativa da linguagem, transpondo as fronteiras do aqui-agora.
O livro está pautado em extensa pesquisa histórica de época feita pelo ficcionista. A narrativa reconstitui um momento
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decisivo da trajetória nacional, quando as culturas negras e indígenas passaram a se mesclar com o europeísmo domi-nante entre as classes dirigentes para formar aquilo que hoje denominamos “cultura brasileira”. Enquanto a história do menino negro (Quissama), que foge do cativeiro para procurar a mãe desaparecida, determina a ação do livro, no pano de fundo tem-se o retrato de uma sociedade sustenta-da pelo trabalho escravo.
O leitor tem a impressão de que todas as personagens dessa história são reais. Embora sejam fictícias, elas representam pessoas que podem ter vivido na época no Rio de Janeiro. Há, por exemplo, referências a personagens históricas como José de Alencar, que era um escritor muito conhecido e tam-bém Ministro da Justiça, a Princesa Isabel, o Imperador Dom Pedro II.
A maior mensagem da obra é a importância da liberdade como direito humano universal.
(C) Considerações sobre a adequação da obra à categoria, ao(s) tema(s) e ao gênero literário (de acordo com o Edital).
Da categoria A obra está inscrita na Categoria 6: obras literárias destina-das para os estudantes dos 1° aos 3° anos do Ensino Médio.
A obra Quissama: O Império dos Capoeiras é um romance ade-quado para a leitura de jovens e adultos. Isso significa que tanto aquilo que se refere ao estilo quanto à composição e ao tema são escolhas próprias para o destinatário
Do temaA obra se enquadra nos seguintes temas: Ficção, Mistério e Fantasia (textos cujos personagens se envolvam em tramas que escapam do universo cotidiano, histórias detetivescas,
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com resolução de mistérios) e Diálogos com a Sociologia (já que está pautada na reconstituição pela ficção de pesquisa histórica e sociológica de época).
Do gêneroGênero: romance de ação.
A narrativa é iniciada pela interrupção do cotidiano do per-sonagem-narrador (Daniel Woodruff) por um acontecimen-to inusitado “o aparecimento de Quissama”. Essa persona-gem está em busca de um detetive profissional que esteja disposto a resolver o desaparecimento de sua mãe, uma es-crava que havia sido vendida para um desconhecido.
O jogo dedutivo realizado pelo detetive acumula pistas e tes-temunhos aos olhos do leitor. O ritmo do texto é acelerado, precipitado, decorrente do fato de basear-se na ação. O tex-to cresce por justaposição, porquanto cada episódio consti-tui o recomeço da macroscópica unidade dramática que constitui a obra.
O ficcionista se detém no todo constituído pelas partes - a sucessão das partes não esgota o conteúdo do todo e, no fim de cada parte, o ficcionista procura deixar pistas para man-ter vivo o interesse do leitor.
O enredo ocupa lugar prevalente no corpo da obra; a ênfase é posta sobre os acontecimentos, os episódios que se entre-laçam.
Quando o ficcionista decidiu escrever uma história de dete-tive, com mistérios e investigações, resolveu também ir um pouco além. E situou toda a história em lugar e época “verí-dicos”. A perspectiva proposta demandou, portanto, a rela-ção entre aspectos estéticos da obra literária com o seu ca-ráter histórico.
A obra apresenta histórias semelhantes às que poderiam
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ocorrer no mundo real e tem como referencial a “realidade” externa à literatura, segundo a compreensão de realidade em dado local e época. Caracteriza-se por representar um mundo ficcional “verossímil” circunscrito nas fronteiras do possível, segundo os critérios de “realidade” dominantes no contexto de criação da literatura em questão e relata acon-tecimentos e personagens que poderiam ocorrer ou existir (mas não necessariamente ocorreram ou existiram) no mundo extraliterário.
A complicação está relacionada às adversidades e aos peri-gos que são superados pelas personagens, com atitudes que envolvem coragem, inteligência e determinação.
O ficcionista realiza, para constituir a narrativa, uma pes-quisa bibliográfica em livros de História do Brasil, livros sobre Capoeira – principalmente os de Carlos Eugênio Líba-no Soares, e reconstrói o contexto histórico – como era viver no Rio de Janeiro em 1868, o que as pessoas faziam, como elas se divertiam, quais eram os hábitos e os costumes, como as pessoas se vestiam, o que comiam... Num segundo mo-mento faz a pesquisa in loco – visitando os locais em que as cenas acontecem, a Rua do Ouvidor, os Arcos da Lapa, a Pra-ça Tiradentes, que era a Praça da Constituição na época – e essa pesquisa de campo, sem dúvida alguma, é crucial para determinar a construção da obra.
(D) Subsídios, orientações e propostas de atividades para o uso da obra em sala de aula.
Pela tradição artístico-cultural a que se associa, o texto de valor literário tem características próprias, baseadas em convenções discursivas que estabelecem modos e procedi-mentos de leitura bastante particulares (os “pactos de leitu-ra”). Esses modos próprios de ler têm o objetivo básico de permitir ao leitor apreender e apreciar o que há de singular
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num texto cuja intencionalidade não é imediatamente prá-tica, e sim artística.
Em consequência, o leitor literário caracteriza-se como tal por uma competência própria, ao mesmo tempo lúdica (por-que o pacto é ficcional) e estética (dada a intencionalidade artística). Trata-se, portanto, de uma leitura cujo processo de (re)construção de sentidos envolve fruição estética, em diferentes níveis.
Entende-se por experiência literária o contato efetivo com o texto. Só assim será possível experimentar a sensação de estranhamento que a elaboração peculiar do texto literário, pelo uso incomum de linguagem, consegue produzir no lei-tor, o qual, por sua vez, estimulado, contribui com sua pró-pria visão de mundo para a fruição estética. A experiência construída a partir dessa troca de significados possibilita, pois, a ampliação de horizontes, o questionamento do já da-do, o encontro da sensibilidade, a reflexão. O prazer estético é, então, compreendido aqui como conhecimento, partici-pação, fruição.
Sabe-se que em literatura uma mensagem ética, política e social, como é o caso, só tem eficiência quando apresentar a estrutura literária. Tais mensagens são válidas como quais-quer outras, mas a sua validade depende da forma que lhes dá existência: Há ou não intencionalidade artística? A reali-zação correspondeu à intenção? Quais os recursos utilizados para tal? Qual seu significado histórico-social? Proporciona o texto o estranhamento, o prazer estético?
SUGESTÕES DE ATIVIDADESTendo por base a leitura da obra em questão, propõe-se, de modo a ampliar a experiência estética, a compartilhar o pac-
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to literário e a apreciar os usos estéticos e criativos da lin-guagem, as seguintes situações de aprendizagem:
- Diferenciar história (conteúdo ficcional) de enredo (estruturação da narrativa).
- Distinguir, na narrativa, marcas das intenções do fic-cionista de representar o enredo do texto mais próxi-mo do mundo vivido (proposta realista) ou do mundo imaginário (proposta fantástica).
- Identificar o ciclo sequencial relativo ao conflito ge-rador do enredo: exposição ou ancoragem (ambienta-ção da história, apresentação de personagens e do es-tado inicial da ação); complicação ou fato detonador (surgimento de conflito ou obstáculo a ser superado); clímax (ponto máximo de tensão do conflito); desenla-ce ou desfecho (resolução do conflito ou repouso da ação).
- Relacionar as fases ou etapas do enredo (a situação inicial, o desenvolvimento e o desfecho).
- Identificar o suspense como recurso da construção do enredo.
- Identificar estratégias utilizadas pelo autor na cons-trução do enredo para criar e manter o “suspense”: re-tardamento do ritmo narrativo; corte ou interrupção; mistério; peripécia.
- Identificar características do desfecho do enredo (im-previsível e final feliz).
- Analisar estratégias de construção do enredo para criar o mistério.
- Analisar o papel desempenhado pelas personagens protagonistas, antagonistas e coadjuvantes no enredo.
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- Identificar os modos de apresentar as personagens e as suas funções no enredo (protagonista/antagonista; principal/secundário; herói/vilão).
- Associar as características do “herói” ao comporta-mento e ações da personagem principal.
- Identificar características da apresentação das perso-nagens: os “heróis” (semelhanças com pessoas comuns; poderes extraordinários; capacidade de superar desa-fios e perigos); os “vilões” (ambiciosos, cruéis, maldo-sos).
- Identificar, no enunciado, os modos de apresentar o espaço (visualização do espaço/sinestesia) e as suas funções no enredo.
- Identificar estratégias de organização do tempo: or-denação temporal linear; ordenação temporal com re-trospecção; ordenação temporal com prospecção.
- Reconhecer os efeitos de sentido provocados pela combinação de sequências narrativas, descritivas, ex-positivas, conversacionais, instrucionais ou argumen-tativas.
- Identificar os recursos linguísticos e gráficos que de-terminam a presença do discurso direto ou indireto ou indireto livre no enunciado do discurso narrativo fic-cional.
- Identificar os efeitos de sentido produzidos pelo uso de recursos linguísticos expressivos que marcam o es-paço (ambientação da história) no discurso narrativo ficcional.
- Identificar, no enunciado, os modos de apresentar o tempo (ordenação temporal linear/cronológica; orde-nação temporal com retrospecção/flashback) e os efei-
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tos de sentido produzidos pelo uso de recursos linguís-ticos expressivos que marcam o tempo (valores dos verbos no presente, no imperfeito, no mais-que-perfei-to) no discurso narrativo ficcional.
- Analisar o papel do tempo cronológico ou psicológico no enredo.
- Reconhecer o processo narrativo no tempo cronoló-gico para apresentar os fatos no momento em que es-tão acontecendo, no presente do enredo, ou, no passa-do, quando já perfeitamente concluídos.
- Identificar estratégias textuais de entremear presen-te e passado, utilizando a técnica de flashback e seus efeitos de sentido no enredo.
- Identificar no enredo marcas do tempo psicológico ou imaterial e seus efeitos de sentido.
- Reconhecer o valor moral da narrativa: não há ativi-dade criminosa perfeita e espaço para tolerância à cri-minalidade e nem para carência de punição.
- Identificar como ocorre a pesquisa dos dados que cer-cam o crime: o objetivo em se descobrir o crime e os motivos que impulsionam a investigação.
- Identificar marcas no enredo do jogo dedutivo que o detetive (herói) realiza, acumulando pistas e testemu-nhos aos olhos do leitor, para no fim chegar a conclu-sões que estavam implícitas no que se apresentou.
- Reconhecer a presença de valores sociais e humanos atua-lizáveis e permanentes na narrativa, como forma de com-preensão do mundo presente.
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Sugestões de atividades pré-leitura
Concluído o Ensino Fundamental, supõe-se que os alunos que ingressam no Ensino Médio já estejam preparados para a leitura de textos mais complexos da cultura literária.
Mediante a organização da obra, sugerem-se as seguintes situa-ções de aprendizagem:
Ler em sala de aula, conjuntamente com os estudantes, a biografia do autor, o prefácio e o posfácio, permitindo que os leitores formulem hipóteses sobre o conteúdo da obra e sobre o gênero.
Destacar que há a inserção de “Notas” em que o narrador acrescenta informações para determinados eventos ou expressões utilizadas. Mencionar a importância dessas referências para compreensão do enredo. Leia conjunta-mente algumas notas, verificando como aparecem na narrativa.
Leia a seguinte entrevista feita com Maicon Tenfen que fala so-bre pesquisa e escrita do livro Quissama: O Império dos Capoeiras:
Do que trata “Quissama: O Império dos Capoeiras”?
É uma história que acontece no Rio de Janeiro em 1868 e que começa numa taverna, num bar, quando um mole-que, Vitorino Quissama, pede a ajuda de um inglês que estava de passagem pela cidade, Daniel Woodruff, para encontrar a mãe dele, uma escrava que havia sido vendi-da para um destino ignorado. É claro que o inglês acha
ii: CONSiDERAçõES SObRE O MAtERiAL DE APOiO PARA PRÉ-LEitURA, LEitURA E PóS-LEitURA
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essa história muito estranha e eles acabam tendo um pri-meiro confronto. A partir daí eles vão formar uma dupla que vai andar pela cidade, tanto nos salões da corte quan-to nas moradias dos cortiços, até iniciar uma investigação.
Por que contar a história do ponto de vista de um inglês?
Há duas razões. A primeira é que eu imaginei que o Da-niel Woodruff, quando estivesse bastante velho, teria es-crito a sua autobiografia. Eu gosto muito dessa coisa de literatura memorialista, de recordar passagens da sua vida, porque temos um tom mais analítico, mais saudo-sista. E a segunda é porque se eu contasse essa história do ponto de vista de um brasileiro, ou seja, de alguém que estivesse vivendo no Rio de Janeiro daquela época, seria como contar a história a partir do ponto de vista de um gato escaldado. O narrador precisa descrever certas pe-culiaridades da cidade: como funcionava o sistema de escravidão urbana, como funcionavam as maltas de ca-poeiras, como era a luta entre os nagoas e os guaiamuns. Essas coisas que saltariam aos olhos de um estrangeiro seriam altamente comuns para quem vivesse na cidade naquela época.
Como foi o processo de pesquisa?
Fiz uma pesquisa bibliográfica em livros de História do Brasil, livros sobre Capoeira – principalmente os do Car-los Eugênio Líbano Soares, que assina o posfácio do livro –, que descrevem o contexto histórico – como era viver no Rio de Janeiro em 1868, o que as pessoas faziam, como elas se divertiam, como eram os hábitos e os costumes, como as pessoas se vestiam, o que comiam... E além de pesquisar nos livros de História, eu também pesquisei muito na própria literatura brasileira da época, principal-mente Joaquim Manuel de Macedo, José de Alencar, Ma-
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chado de Assis e Aluísio Azevedo. Num segundo momen-to fiz a pesquisa in loco – visitei os locais em que as cenas acontecem, a Rua do Ouvidor, os Arcos da Lapa, a Praça Tiradentes, que era a Praça da Constituição na época – e essa pesquisa de campo, sem dúvida alguma, foi crucial para que a história tomasse determinados contornos. Co-mo eu não sou carioca e não conheço o Rio de Janeiro como uma experiência cotidiana, eu tinha muito medo de cometer erros, por exemplo, de localização, erros to-pográficos. Foi muito importante para mim ter estado lá onde a história aconteceu e caminhar por aquela região.
Por que misturar personagens reais e fictícios?
Em algum momento eu tive a impressão de que todos os personagens dessa história são reais, inclusive Vitorino Quissama. A pesquisa que eu fiz procurava identificar como era o modo de vida dessas pessoas, como era o mo-do de vida de um escravo, ou talvez até um escravo fora-gido, na cidade do Rio de Janeiro de 1868. Como era uma roda de capoeira, como era a luta entre as maltas, entre as gangues, principalmente os nagoas e os guaiamuns. Então, nesse sentido, embora Vitorino Quissama e Daniel Woodruff sejam fictícios, acho que eles têm muito de re-alidade, porque eles estão servindo de protótipo para um tipo de pessoa que eu acredito que realmente existiu na-quela época. Mas também tem na história, por exemplo, o José de Alencar, que era um escritor muito conhecido e era também Ministro da Justiça, a Princesa Isabel, o Con-de d’Eu e o Imperador Dom Pedro II. Todas essas figuras são reais e, de alguma maneira, estão contribuindo para a ficção; enquanto que as personagens fictícias, de algu-ma maneira, estão contribuindo para a realidade que eu tentei criar para o Quissama: O Império dos Capoeiras.
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Como os elementos da cultura brasileira são tratados no seu livro?
Até 1850 o negócio mais lucrativo que existia no Brasil era o tráfico de escravos. Com a lei Eusébio de Queirós, que proibiu o tráfico, houve uma leve valorização do trabalho livre e isso fez com que uma certa classe média apareces-se na cidade do Rio de Janeiro. Eram filhos de militares, filhos de políticos, filhos de fazendeiros que estavam es-tudando medicina ou direito. Esse pessoal começou a pensar no Brasil de uma maneira diferente. Até então você tinha uma classe rica ligada aos padrões culturais europeus e você tinha os escravos, que de alguma manei-ra cultivavam a sua cultura, a sua música, os seus costu-mes e, claro, a sua capoeira. Quando essa nova classe média começou a olhar para a cultura local e a fazer uma espécie de fusão, de mistura de elementos, surgiu aquilo que hoje nós podemos chamar de cultura brasileira. Por exemplo, a Chiquinha Gonzaga, que viveu justamente nessa época, teve uma formação musical pautada pelos clássicos europeus, mas ela era muito curiosa e olhava para os negros, o que eles estavam cantando, o que esta-vam dançando. Então ela vai pegar essa música negra e vai fundir com a música europeia, o que vai resultar nu-ma nova forma de música que vai ser aquilo que nós cha-mamos hoje de música brasileira. Isso aconteceu com a literatura, com o teatro e com várias outras formas de expressão cultural. Quissama: O Império dos Capoeiras é um romance histórico de aventuras, mas o pano de fundo na verdade é a formação da cultura brasileira.
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No caso da Literatura, o tempo é crucial. A leitura de um roman-ce requer planejamento do professor para orientar a leitura e o tempo para o aluno ler o livro.
Ler na sala trechos da obra (a partir dos quais seja possível recu-perar aspectos significativos da obra que está sendo lida) e a esses dedicar uma ou mais aulas propiciando a reflexão pode colaborar com o leitor para o entendimento do que será lido.
Proponha a leitura da obra.
A leitura individual, mediante o isolamento e o silêncio, propor-ciona ao estudante a experiência literária que pode atingir sua subjetividade de maneira inusitada. A leitura do texto literário é, portanto, um acontecimento que provoca reações, estímulos, ex-periências múltiplas e variadas, dependendo da história de cada indivíduo. Não só a leitura resulta em interações diferentes para cada um, como cada um poderá interagir de modo diferente com a obra em outro momento de leitura do mesmo texto. Privilegia-se, assim, o contato direto do leitor com a obra, vivenciando a experiência literária. O espaço da biblioteca é indicado tanto no momento da leitura quanto para compartilhar impressões de leitura com os colegas e com os professores.
Sugestões de atividades pós-leitura
A atividade coletiva da leitura literária dá-se num segundo mo-mento, sendo indispensável passar pela leitura individual. É a hora da troca de impressões e de comentários partilhados. Em geral pergunta-se ao leitor: “E aí, gostou?”. Nesse momento, os estudantes podem expor a particularidade de suas leituras com apreciações individualizadas sobre personagens, narrador, en-redo, valores, etc., ou seja, emitir o seu ponto de vista, suas im-
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pressões sobre vários aspectos da leitura − todas elas legítimas.
Fatores linguísticos, culturais, ideológicos, por exemplo, contri-buem para modular a relação do leitor com o texto, que pode ir desde a rejeição ou incompreensão mais absoluta até a adesão incondicional. Também conta a familiaridade que o leitor tem com o gênero literário, que igualmente pode regular o grau de exigência, de afastamento ou aproximação.
É comum a enunciação de opiniões de imediato diferentes. É na troca de impressões, de comentários partilhados, que os leitores vão descobrindo muitos outros elementos da obra, às vezes, nes-se diálogo mudam de opinião e descobrem outra dimensão que não haviam observado num primeiro momento.
Essas situações evitariam que o jovem lesse unicamente como uma obrigação. Ele lerá porque deseja compartilhar com seu grupo sua experiência de leitura e, ao mesmo tempo, começará a construir um saber sobre o próprio gênero, os valores e as diferentes estratégias narrativas.
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iii: CONSiDERAçõES SObRE A AbORDAgEM iNtERDiSCiPLiNAR DA ObRA
Sugestão para abordagem interdisciplinar
Em 1868, Quissama, um garoto escravo, exímio capoeirista, fo-ge de seu proprietário, o Alemão, chefe de uma facção crimino-sa que domina os morros do Rio. Seu objetivo: procurar Woo-druff, detetive inglês de passagem pela cidade, para que ele o ajude a encontrar sua mãe desaparecida. A história tem como cenário uma reconstrução histórica precisa da capital do impé-rio em meados do século 19, e os personagens fictícios se mis-turam a outros, reais, como a Princesa Isabel e o escritor José de Alencar, então Ministro da Justiça de D. Pedro II. Assim, temos aqui um conteúdo relevante para professoras e profes-sores não só de Língua Portuguesa/Literatura como também Artes, Educação Física, História, Geografia, Sociologia, dentre outras disciplinas. Em sintonia com as DCN (Diretrizes Curri-culares Nacionais) para o Ensino Médio, a história de Quissama possibilita levar em conta as contribuições de diferentes cultu-ras, em especial a africana, para o nosso país. A narrativa pos-sibilita abordar interdisciplinarmente a questão da escravidão, estimulando os estudantes a compreenderem de forma crítica seus impactos no presente, a desenvolverem empatia para com os ancestrais escravizados e orgulho de nossas raízes africanas. Afinal, como profetizava o abolicionista Joaquim Nabuco ( 1849-1910), em Minha Formação, “a escravidão permanecerá por mui-to tempo como a característica nacional do Brasil”. Em pleno século 21, indicadores sociais revelam que a discriminação con-tinua a vitimar brasileiras e brasileiros cuja pele escura eviden-cia serem descendentes dos africanos – aqueles que alavanca-ram a economia brasileira durante mais de três séculos.
Alguns exemplos de como explorar o tema do livro sob diferen-
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tes perspectivas, inter-relacionadas. Em História, os estudan-tes podem ser convidados a identificar as forças econômicas, políticas e sociais apontadas na narrativa, que já estavam em ação na época, e levariam o Brasil, vinte anos depois, a abolir da escravatura. Talvez comparar o movimento abolicionista com movimentos atuais pelos direitos humanos ou pela sustentabi-lidade ambiental, cujos ativistas hoje são considerados, por muitos, como sonhadores utópicos. Também poderia ser explo-rada a Guerra do Paraguai, pano de fundo da narrativa: inicia-da em 1864, ela iria estender-se até 1870 e seria um dos fatores decisivos para o fim da escravidão, por envolver afro-brasileiros comprados para lutarem em nome de seus proprietários, ou alforriados, com a condição de se juntarem ao exército impe-rial. Ao questionar os estudantes sobre situações no Brasil que hoje consideramos ultrajantes, mas que podem conter a semen-te de mudanças positivas no futuro, a professora ou professor estará a deflagrar um debate valioso.
Um exercício interessante será pedir que os estudantes, em grupo, pesquisem e procurem diferenciar, na narrativa, o que realmente aconteceu (fato histórico) do que é ficção, invenção literária. Nesse jogo, ganharia a equipe que melhor conseguis-se separar essas duas dimensões, com a devida justificativa.
Em Geografia, ao explorar os espaços onde a narrativa se de-senvolve, os estudantes poderão constatar as consequências das interferências humanas no território do Rio de Janeiro en-tre 1868 e o presente. A comparação entre pinturas e fotos, “on-tem e hoje”, de locais como os Morros da Providência, do Cas-telo e do Livramento, do Paço Imperial, de ruas como Direita e Riachuelo, podem gerar reflexões sobre até que ponto as mu-danças melhoraram a qualidade de vida das pessoas mais po-bres.
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Outra possibilidade é desafiar os estudantes a localizarem em mapas os territórios da África Ocidental de onde vieram nossos ancestrais dos povos iorubás, malesi, hauçás e banto (congos, quimbundos e kasanjes), aprendendo mais sobre sua história e culturas.
As transformações da Capoeira, de ferramenta de resistência de pessoas escravizadas, nos séculos 17 a 19, à atividade perse-guida pela polícia nos séculos 19 e início do 20, à Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade (Unesco, 2014) no século 21, pode ser trabalhada tanto em História quanto em Educação Física, onde as diferentes formas dessa luta poderão ser apren-didas e praticadas pelas meninas e meninos.
A Arte pode ser convocada em vários momentos e por muitas vias... Talvez começar pela Música, com a escuta de Noites do Norte, onde Caetano Veloso transforma em música um trecho famoso de Joaquim Nabuco sobre a escravidão, citado no início desse texto. Na reconstituição histórica da época, que tal uma pesquisa sobre as rodas de batuque, lundus, polcas e valsas ci-tadas na narrativa? A banda The Zorden tem uma canção ins-pirada em “Quissama”, baseando-se na musicalidade do berim-bau e nas antigas marchinhas imperiais do segundo reinado. Veja em: https://www.youtube.com/watch?v=tpe1rvDe_6I&t=258s.
Nesse momento, a Sociologia poderia entrar em campo, pro-pondo-se aos estudantes uma pesquisa sobre as reações das elites brancas a manifestações culturais dos despossuídos co-mo por exemplo, o lundu no século 19 e o funk no século 20. Os estudantes também poderiam, a partir da narrativa, pesquisar, pelas lentes da Sociologia, as permanências e transformações na situação das cidadãs e cidadãos mais pobres do Rio de Ja-neiro, entre 1868 e hoje, em relação a temas como Moradia, Educação, Transporte e Segurança Pública. E mais: a história
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de “Quissama” possibilita fazer com que o tema dos Direitos Humanos percorra transversalmente todas as disciplinas, co-mo recomendam as DCN para o Ensino Médio, com ênfase aos desafios do Racismo e, também, à questão da mulher em nosso país: uma das heroínas do livro é Georgiana C. de Alencar, a esposa do célebre José de Alencar.
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