7/29/2019 Manuel Antnio Pina_anlise
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Manuel Antnio Pina
Manuel Antnio Pina nasceu no Sabugal em 1943 e licenciou-se em Direito na Universidade de
Coimbra. Entre 1971 e 2001 foi jornalista do Jornal de Notcias, onde exerceu os cargos de
editor e chefe de redao. Colaborou com diversos outros meios de comunicao, sendo
atualmente colunista da revista Viso.
Tem uma vasta obra literria que engloba poesia, ensaio, literatura infantil, fico e peas de
teatro, tendo j sido traduzido para diversas lnguas. Recebeu vrios prmios, tanto nacionais
como internacionais, nomeadamente o Prmio da Crtica pela Seo Portuguesa da Associao
Internacional de Crticos Literrios, em 2002, atribudo globalidade da sua obra potica.
Manuel Antnio Pina
3.3- Aquilo que os Olhos Vem ou O Adamastor
Esta obra dramtica foi levada cena nos meses de Fevereiro e Maro de 1988 e publicada emNovembro do mesmo ano. Quer pelas indicaes cnicas quer pelo paratexto que antecede o
texto dramtico propriamente dito, registamos a preocupao do autor em expor a
investigao que desenvolveu para contextualizar historicamente a sua criao ficcional,
caracterstica da corrente ps-modernista em que o autor se insere.
Trata-se de uma histria relatada por uma personagem histrica Mestre Joo, fsico e cirurgio
de D. Manuel e que, aps longos anos no Oriente, regressa a Portugal.
Nessa viagem de retorno, ao passar o Cabo da Boa Esperana, relata os acontecimentos que a
testemunhara muitos anos antes. Na nau em que regressa da ndia, recolhe, perto do cabo daBoa Esperana, na Angra de S. Brs, um nufrago, Manuel, personagem ficcional que conta
tambm ele uma histria fantstica e terrvel.
Centrada na aco das personagens, estas distinguem-se por no possurem qualquer trao de
heroicidade. A centralidade da diegese situa-se no plano da aco e dos acontecimentos
vivenciados por personagens resgatadas da histria ou da fico sem se promover qualquer
caracterstica de excepcionalidade, o que poder mais facilmente conduzir ao processo de
projeco do leitor.
Tal como nos diz Sara Reis da Silva: trata-se de uma obra hbrida, na medida em que se alia a
ficcionalidade inerente ao texto literrio em constante dilogo com os outros textos, e uma
determinada verdade decorrente da congregao de elementos resgatados ao discurso da
histria (Silva, 2005: 17).
Posto isto, passemos ento anlise deste texto dramtico.
3.4- Anlise e arquitectura textual
Composto por 14 cenas, esta obra dramtica apresenta uma complexa arquitectura textual
que funciona atravs da mudana dos diferentes planos temporais que convergem no texto.
Quanto sua estrutura interna e tratando-se de um texto dramtico, dizemos que se
desenvolve em trs momentos fundamentais: exposio, conflito e desenlace. A exposio,
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que especificamente se refere apresentao das personagens e dos antecedentes da aco,
compreende os textos que antecedem o texto central da obra em questo: descrio do
cenrio, Breve notcia para a cenografia e os figurinos e a Sinopse. Alm disto, inclumos na
exposio a Cena 1, j que apresenta o narrador da histria que ir ser contada
contextualizando- o num tempo e espao especficos.
Os segmentos de natureza paratextual veiculam informaes de ordem histrica e cultural
relevantes para o leitor, inserindo o texto na poca dos Descobrimentos. Alm disso, as
informaes facultadas auxiliam na interpretao da aco.
No primeiro texto: Breve notcia para a cenografia e os figurinos, o dramaturgo, tendo
recorrido a fontes objectivas, informa sobre o quotidiano a bordo das naus (as dificuldades, os
instrumentos de navegao utilizados e outras curiosidades). No texto da Sinopse,
ressemantiza-se a Histria, introduzindo-se no universo das viagens reais de Bartolomeu Dias,
de Pedro lvares Cabral e Vasco da Gama a personagem de Manuel e inserindo a figura real do
fsico e astrlogo Mestre Joo no espao da fico (Silva 2005:16). Na verdade, a fico e arealidade enlaam-se, introduzindo por um lado aspectos do real na fico e por outro, factos
ficcionais (como a histria de Manuel) no plano do real.
Na Cena 1, como j dissemos, apresenta-se o narrador da aco, que convida o leitor para as
suas deambulaes e lembra que o seu corao est cheio de memrias e melancolias (Pina
1988:11). De entre essas memrias, surge uma sugestionada pelo momento da passagem do
Cabo da Boa Esperana: a lembrana daquele nufrago
Assim, esto apresentados quer os antecedentes da aco, quer as personagens principais da
diegese.
Sucedem-se os acontecimentos que representam a aco central da pea: o encontro do
nufrago e o relato da sua histria (cena 2 at cena 13). O desfecho da aco dramtica
ocorre na cena 14.
Os episdios relatados a partir da cena 2, e at cena 4, surgem na narrativa por encaixe. Na
cena 2- Tempo do perfeito-, o leitor acede s memrias de Mestre Joo que relata a histria
de um nufrago que a tripulao do barco em que viajava resgata, sendo ele o nico
sobrevivente das naus perdidas no Cabo das Tormentas. Na cena 4 retorna-se ao tempo
presente, o tempo da narrao, e a Mestre Joo acorda lentamente das suas lembranas
(Idem: 19) e questiona a veracidade dos acontecimentos que recordara. Sendo ele um homem
das cincias, como poderia crer na histria fantstica que Manuel relatara?.. Aps esta
conexo ao presente, regressamos de novo aos meandros da sua memria. Retoma-se a
histria do nufrago e na cena 5, tendo Manuel j recuperado algumas foras, revela o que lhe
sucedeu, fala do naufrgio que a caravela do Senhor Bartolomeu Dias sofrera e conta:
Fomos todos atirados pelo mar como bocados de papel (Idem:24). Refere o Demnio
Adamastor, A Avantesma que provocara esse naufrgio com o objectivo ltimo de o atingir.
E na cena 6 que acedemos memria de Manuel Tempo do mais-que-perfeito- e outra
narrativa surge encaixada. Manuel conta que seguiu as pisadas de seu pai, que integrara a
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frota de Bartolomeu Dias aquando da passagem do Cabo da Boa Esperana e de como a
concretizao de um sonho premonitrio o arrasta para a situao em que agora se encontra.
A aco assenta na alternncia destes episdios que vo sendo relatados simultaneamente, tal
como nos diz o autor na Sinopse: A histria contada por Manuel dada em sucessivos flash
backs (Pina 1998: 7).
A arquitectura deste texto dramtico complexa, condicionada pela mudana de tempos
imposta pela consequente alterao de narrador. A ordem temporal no linear, pelo que os
diferentes episdios vo sendo sucessivamente encaixados. Em diferentes planos temporais,
somos conduzidos pela memria de Mestre Joo que depositrio da narrativa de Manuel,
uma histria fantstica sobre o destino e de como este o conduziu situao de nufrago,
pondo o leitor em contacto com uma histria infeliz passagem do Cabo da Boa Esperana.
3.5- Personagens
As personagens da narrativa so-nos apresentadas no incio da obra e so referidas seis
personagens que intervm na diegese: Mestre Joo, Capito, marinheiros Pro e Diogo,
Manuel, Pais e irm de Manuel. Parece-nos, contudo, que a listagem das personagens est
incompleta, uma vez que embora a Avantesma ou o Demnio Adamastor no figure nessa
lista, uma personagem fundamental na tessitura da narrativa pela sua relevncia na aco,
inclumo-la no elenco.
No dizer de Maria do Sameiro Pedro, deparamo-nos com duas personagens principais
(Mestre Joo e Manuel) evidenciando-se a personagem Manuel (Pedro 1999:11), esta
personagem evidencia-se uma vez que mais activa e dinmica. Mestre Joo tem um
desempenho menos activo, limitando-se a recordar o estranho encontro com Manuel e a
bizarra histria que lhe confidenciou. O autor textual, adoptando uma focalizao omnisciente
traa-nos o perfil destas duas personagens na Sinopse, pelo que a sua caracterizao
simultaneamente directa e indirecta.
Tal como o prprio autor nos adianta na Sinopse, o Mestre Joo teve existncia histrica
comprovada homem experimentado nas coisas da cincia, mas tambm homem de f e
conhecedor dos limites da razo e do mistrio. (Pina 1998:9) 103
Esta personagem narra a fantstica histria de Manuel e guia-nos na narrativa. um homem
das cincias habituado a um pensamento objectivo, racional e emprico, mas que se questionasobre o inexplicvel, que se debate com o incompreensvel, tal como ele prprio assume a
propsito da histria de Manuel:
Sou homem das cincias naturais () conheci o mundo e aproveitei a vida muito com duvidar e
com acreditar no testemunho dos meus olhos e meus ouvidos mais do que com argumentar.
() Mas quem poder acreditar no testemunho dos seus sentidos perante coisas to
desconformes a todas as leis da natureza como as que me foi dado nesta mesma Angra de S.
Brs ver e ouvir? (Pina 1998:19).
Este homem da cincia um homem dotado de f e espiritualidade: () sou de ig ual maneiraum homem de f, tambm por fora da mesma experincia e vida, que nem sempre dado ao
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julgamento dos homens compreender dos desgnios de Deus (Pina 1998:20). Nele parecem
convergir duas caractersticas paradoxais: razo e f. Por isso, consideramos a profundidade
psicolgica desta personagem relevante para o efeito que a histria de Manuel provoca no
leitor.
na cena 5 que Mestre Joo toma conhecimento da histria do nufrago Manuel e, nessedilogo, curioso que as falas de Mestre Joo ou so interrogaes ou exclamaes, j que
aquele homem da cincia parece duvidar do pensamento racional que no prev a existncia
de seres fantsticos, ao ouvir o relato de Manuel sobre o seu encontro com Adamastor.
Duvida, mas a sua curiosidade perante tal acontecimento agudiza-se: Por ti o Adamastor?.. E
porque razo viria por ti? (Pina 1998: 26).
O interesse de Mestre Joo pela histria de Manuel vai crescendo: Depois me hs-de contar
mais, e todos os sucessos que viveste (Pina 1998: 43) Se num primeiro momento Mestre Joo
duvida da histria de Manuel, com o decorrer da aco mostra-se cada vez mais interessado
nela: () s vezes parece que delirasMas, continua, continua (Pina 1998: 50).
Na cena 12, Manuel confronta Mestre Joo com a existncia da Avantesma e Mestre Joo
responde-lhe manifestando que a hipottica existncia da Avantesma no passa tambm ela
de uma criatura natural de Deus (Idem, 51). esta concepo pragmtica que torna
interessante a figura de Mestre Joo e assume j no final da aco essa mesma postura e
concepo perante o desconhecido: por minha experincia e minha razo, de que h-de tudo
ter causa natural, conhecida ou no que ela seja (Idem, 53).
Ser esse o grande ensinamento de Mestre Joo: o homem nem sempre tem capacidade para
compreender todos os mistrios naturais, e termina a sua meditao sem certezas ou teoriasexplicativas enquadradas no real, mas com incertezas e dvidas provocadas por esse mesmo
real: Mas tendo visto o que vi, e ouvido o que ouvi, que posso eu verdadeiramente saber,
que posso eu saber?.. (Idem, 53)
Manuel, o outro protagonista da aco um adolescente de 14/15 anos e vive com a me no
povoado de Massarelos () (Idem, 7) Familiarizado com a vida no mar, j que sente a
ausncia de seu pai por este ter partido na frota de Bartolomeu Dias, tem um sonho revelador
e premonitrio em que o pai atacado pelo Adamastor. Manuel enfrenta o monstro na
tentativa de salvar o seu pai daquela ameaa e vence o monstro Adamastor: () eu salvei o
meu pai! Bati-me no mar com a Avantesma e venci-a! Dei-lhe tantas pancadas e tantas facadasque afugentei o Demnio () (Idem, 28).
O sonho de Manuel acaba por concretizar-se meses depois, segundo as palavras do pai e aps
uma tempestade ao largo do Cabo das Tormentas: Por pouco morria eu ali! () Salvou -me o
meu Anjo da Guarda (Idem, 33). Manuel, ao ouvir o relato do pai, lembra -se do seu sonho e
revela: Assim aconteceu, o sonho que tive foi um sonho verdadeiro (Idem, 37).
Manuel interioriza que a Avantesma se vingar dele por este a ter vencido e embarca na frota
de Pedro lvares Cabral, na caravela comandada por Bartolomeu Dias. Esta armada sofre um
naufrgio ao largo do Cabo das Tormentas e Manuel est certo que era o Adamastor sua
procura. Manuel debate-se com a fria do mar e desta vez porm, o Adamastor vence, e
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Manuel morre. Pelo menos Manuel julga que morre. E o Adamastor julga que o matou (Idem,
9).
Mas Manuel sobrevive e tudo o que sucede a este indivduo comum, sem nenhum trao que o
torne excepcional, torna-o involuntariamente heri, sendo ele o nico sobrevivente desse
naufrgio. A morte acontece quele que supostamente maior competncia teria para vencer aAvantesma, Bartolomeu Dias.
Ao passo que Mestre Joo uma personagem plana, que mantm o seu comportamento ao
longo da aco e representa uma concepo equilibrada e consciente relativamente ao perigo
do desconhecido, Manuel um adolescente e, como tal, tem uma presena mais viva e
temperamental. A viagem que Manuel efectua alm - mar tambm uma viagem alm de si.
Nessa viagem, enfrenta todos os seus medos e terrores, embarcando na experincia da idade
adulta. De facto, as dificuldades que o jovem Manuel enfrenta no se resumem ao confronto
com o monstro Adamastor. Manuel considera que conforme nos diz na Cena 12, atravessou o
Purgatrio e viveu no Inferno aps o naufrgio que sofreu. A diegese desenvolve-se em tornoda aco desta personagem, o ncleo da aco situa-se no devir das personagens e no
propriamente no seu carcter excepcional. 105
As outras personagens pelo seu relevo na aco dizemos que so secundrias, excepo da
figura de Adamastor que corporiza os medos e os terrores de todas as personagens em
especial de Manuel. Importa salientar a nota de rodap referente personagem de
Adamastor: Adopta-se aqui o nome de Adamastor por convenincia narrativa: o nome est
popularizado como personificao dos medos dos Mares do Fim do Mundo, a designao
(importada por Cames da mitologia grega) , como se sabe de data posterior (Idem, 8).
Apela-se aqui experincia literria do leitor para compreender e participar neste jogointertextual.
Como dissemos, a figura de Adamastor de extrema importncia na aco, estando referida
desde logo no ttulo da obra: Aquilo que os olhos vem ou Adamastor. De facto, Adamastor
parece opr-se ao sintagma Aquilo que os olhos vem. A conjuno coordenativa alternativa
ou expressa exactamente a ideia de alternncia: se cremos Naquilo que os olhos vem,
ento aceitamos o real, o sensorial e o emprico como certo; se, por outro lado, cremos em
Adamastor, aceitamos o irreal, o inexplicvel. No fundo, no ttulo anuncia -se a mensagem
principal da obra: o real em oposio ao irreal ou a confluncia dos dois paradigmas num nico
espao: o mar.
Do ttulo do texto tambm transparece a filiao desta obra no tema das Descobertas, dada a
evocao desta figura mitolgica. Ao longo do texto, o Adamastor tambm chamado
Avantesma, Demnio, monstro, Mostrengo (uma clara aluso Mensagem de
Fernando Pessoa).
A presena do Adamastor nesta obra quase omnipresente e transversal a toda a aco. Se
no vejamos: desde logo pelo ttulo, nos dilogos entre Manuel e o Mestre Joo, no sonho de
Manuel, no confronto descrito pelo pai e no desfecho da pea.
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Analisando o papel que este ser fictcio desempenha na narrativa, recorremos s ideias de Karl
Propp, j que este formalista concluiu que a personagem nada mais que um feixe de
funes, constitudo pelos predicados que designam suas aces ao longo da intriga (Porpp
apud Ceia 2000). O conceito de Propp pode muito bem ser aplicado personagem fictcia, uma
vez que todo e qualquer ser fictcio, pode ser considerado um feixe de funes na narrativa.
Esta perspectiva no pretende qualificar as aces das personagens para classific-las, antes
classifica-as apenas segundo as funes que desempenham no texto.
Assim, cremos ser possvel esboar uma definio provisria para a personagem fantstica ou
ser fictcio. Fantstica a personagem que rompe com o conceito aristotlico de mimesis,
subvertendo as expectativas ideolgicas para cumprir uma funo ideolgica. A 106
personagem Adamastor cumpre esse preceito j que simboliza o medo e ameaa e a incluso
da sua figura horrenda resulta na heroificao daqueles que a defrontam.
3.6- Tempo e Espao
Num texto dramtico, identificamos trs tempos distintos: o tempo da representao (que
corresponde durao do conflito em palco), o tempo da escrita (altura em que o autor
concebeu a obra) e o tempo da aco (poca em que se desenrola o conflito dramtico).
Sabemos que esta obra foi levada cena em 1998, tendo a sua primeira edio ocorrido no
mesmo ano.
No que se refere ao tempo da aco, na Sinopse o prprio autor localiza temporal eespacialmente a aco, dizendo: a aco narrada por Mestre Joo passa -se no mar em
1501 (Pina 1998:7).
Como j anteriormente referimos, o tempo da aco desenvolve-se em diferentes planos
espaciais e temporais, conduzidos pela memria de Mestre Joo. A sua complexa arquitectura
textual est baseada na mudana de tempo e consequentemente de espao:
O tempo (presente) da narrao de Mestre Joo, o tempo da sua memria (perfeito) e,
dentro deste, o tempo (mais que - perfeito) da memria de Manuel (Idem, 9). Esta
constante alternncia temporal, a densidade dos dilogos e a utilizao de vocabulrio
especfico exigem da parte do receptor conhecimentos enciclopdicos, literrios e culturais.
Para alm destes trs planos temporais, a aco termina fora do mbito desses trs tempos.
Termina num - Pretrito Indeterminado-, sugerindo um tempo fora do real e do cronolgico.
Espacialmente, a aco alterna consoante a mudana temporal, ou seja: o tempo presente
ocorre numa nau da carreira da ndia; o tempo perfeito corresponde narrao de Mestre
Joo e passa-se no interior de uma nau da frota de Pedro lvares Cabral; o tempo mais que
- perfeito ocorre 13 anos antes e desenrola - se em terra numa casa austera e pobre e,
posteriormente no mar na frota de Pedro lvares Cabral, segundo o que conta a Mestre Joo
aquando do relato da sua histria.
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O mar e a paisagem martima dominam o espao da aco. As indicaes cnicas sugerem a
recriao de espaos como: uma nau Nvel inferior do cenrio: convs. Nvel superior:
coberta e castelo da proa (Pina 1998: 5); o mar panos de azul muito escuro () levantam-
se e enrolam-se sobre o cenrio, como ondas do mar revolto (Idem, ibidem); a praia. De
facto, das 14 cenas que compem a obra, 11 (cenas 1- 5; cena 8; cenas 10-14) passam-se em
pleno mar a bordo de uma nau. Mesmo nas restantes (cenas 6, 7 e 9), que se desenrolam em
terra, especificamente em casa de Manuel, curiosamente essa casa localizada num espao
tambm ele relacionado com o mar: a Ribeira do Porto. O tema estruturador dessas cenas
o mar, quer quando so referidos os perigos que a mentalidade quinhentista lhe atribua (
Pelo Mar das Trevas dentro e por terras de negros e no meio de tormentas e falsidadesE de
pestes, e de doenas) (cena 6, p.27-29); quer quando o pai de Manuel relata as aventuras
vividas alm-mar: No, homens de cabea de co no vi, nem de co nem de gatoMas alm
do Cabo Tormentoso vi muitas coisas de causar grande espanto, havia um grande tumulto
no mar e as vagas eram to altas que no conseguia nadar (cena 7, p.34).
Na cena 9, Manuel informa a me da sua partida para o mar e esta teme o pior, j que para ela
o mar stio de perdio e desgraa: Foi o vosso pai que o convenceu! Falou-lhe tanto do mar
e das coisas que por l viu que ele quer ir tambm! Hei-de perder m arido e filho no mar!
(cena 9: 39).
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