Mapeando o mistério: Discernimento Comunitário em nosso tempo de espaço
intermediário
Carole Shinnick, SSND with Nancy Schreck, OSF
Introdução
Este artigo começa com uma simples questão colocada para Nancy Schreck durante um intervalo para um
café. A questão era: neste tempo na vida religiosa - espaço intermediário “não tem lugar na sociedade e na
Igreja” quando todos os marcos familiares parecem ter desaparecido, como as religiosas podem discernir a
direção futura?
Esta questão conduziu a outras questões:
- que tipo de declarações direcionais podem emergir do discernimento comunitário no espaço intermediário?
- que dons e graças são necessários para aqueles que discernem no espaço intermediário?
- que tipo de líderes, que grupo de dons parecem necessários para os líderes no tempo de espaço
intermedário?
Este artigo não tem a intenção de responder definitivamente a nenhuma destas questões. Em vez disso, sua
finalidade é iniciar uma conversa em torno destas e outras questões que surgem.
Espaço Intermediário
Assim como Nancy Schreck desenvolveu o tema “espaço intermediário” na Assembléia Nacional das
Mulheres Religiosas na Liderança( LCWR) 2014, ela o descreveu como um tempo de “criatividade e
desorientação quando muito do que era, já se foi e aquilo que está por vir não está claro”. Ela disse: “Nós,
religiosas, estamos neste espaço de quebra para algo novo, de significativas mudanças em nossa visão de
mundo, nossa cosmologia, com um simultâneo colapso de muito do que nos era familiar”(1). Ela enfatizou
que este é o lugar no qual as religiosas são chamadas a ser testemunho entre outras coisas a serem feitas... “ o
que sabemos a respeito de reduções em organizações e declínio de estruturas... alterando cenários espirituais
e teológicos... para a interação numa nova vida, mesmo em declínio... isto é fruto de nossa contemplação e
nosso testemunho que podem ser a graça necessária para o nosso tempo”. De forma muito prática, Nancy
observa que “ Este não é um tempo que pode ser preenchido com planos e projetos, com cronogramas e
orçamentos ou ‘6 passos fáceis’, o que Deus concede é difícil de expressar na melhor das hipotéses”.(2)
E se, por acaso, nosso tempo de evolução for um tempo de noite escura?
Impasse e a noite escura
O que Nancy descreve como espaço intermedário encontra ressonância com muito do que Constance
Fitzgerald, OCD investigou em 1984 em sua dissertação a respeito de desenvolvimento e eventos futuros,
“ Impasse e a Noite Escura”. Neste trabalho, ela considera como os grupos sociais podem se encontrar com a
noite escura de São João da Cruz de maneiras diferentes de uma experiência individual. Na sua introdução,
Fitzgerald escreve que ela encontra “um grande número de experiências de noite escura e impasse, pessoal e
social, que gritam por um significado” e questiona “ E se, por acaso, nosso tempo de evolução for um tempo
de noite escura - um tempo de crise e transição que deve ser entendido, se faz parte da aprendizagem de uma
nova visão e harmonia para o ser humano e o planeta?”
Fitzgerald define impasse como uma situação onde “... não há uma maneira de sair, não há maneira de
contornar, nenhuma saída racional daquilo que aprisiona, não há possibilidades na situação. Num verdadeiro
impasse, toda forma normal de agir é levada a uma paralisação e, ironicamente, o impasse é experimentado
não somente no problema em si mas também em qualquer tentativa racional de solução. Depois, ela destaca
que “Como norte americanos, nós não somos educados para impasses, para experiências de limitação humana
e escuridão que não trazem rendimento ao trabalho duro, estudos, estatísticas, análises racionais e programas
bem planejados”(3).
Discernimento Comunitário no espaço intermediário
Ambas as descrições de espaço intermediário e impasse sugerem fortemente que nossas conhecidas
ferramentas e procedimentos podem não funcionar mais. É tempo de deixar de lado as medidas e métodos do
passado. É tempo de acolher paradoxo e ambiguidade. É tempo de espera, de sabedoria e imaginação.
Então, o que isso significa para Capítulos e outros encontros de membros discernirem direções futuras?
Como alguém pode enxergar na neblina? O que nós podemos fazer quando os mapas foram feitos antes da
paisagem ter mudado? Avançando no espaço intermediário, muitos e muitos grupos de fé escolhem o
discernimento comunitário como sua modalidade.
O discernimento comunitário complementa e confia no discernimento pessoal dos membros mas, vai além. O
discernimento do grupo contextualiza aquilo que cada indivíduo discerniu. Isto é algo para uma pessoa
discernir “ Esta é a direção que me sinto chamado a seguir”. Mas, como membro de um grupo religioso, é
bastante diferente dizer: “Tendo ouvido todos os pontos de vista, isto é para onde eu acredito que somos
chamados”.
Em artigos anteriores nas Publicações Ocasionais, eu sugeri “ Que o discernimento comunitário é a
modalidade exclusivamente adequada para aqueles cujo nível de maturidade pode ser melhor descrito como
‘adultos capazes de produzir e criar’ - a pessoa que tem aprendido a partir de várias experiências de vida, cuja
energia e comprometimento estão mudando para um futuro que ela poderá não ver mas com o qual ela se
importa profundamente(4)”. Em outras palavras, o discernimento comunitário chama para um alto nível de
maturidade tanto para o grupo como para os indivíduos. Ele requer uma compassiva generosidade para deixar
uma posição ‘à luz’ em favor daquilo que surge do grupo.
Discernindo Direção Futura
Num passado recente, algumas declarações direcionais foram interpretadas como planos estratégicos muito
bem organizados. Outros tentaram incluir a maioria das idéias originadas pelos membros. Algumas eram
como, por exemplo, listas de verificação a serem feitas pelas lideranças.
No entanto, eu concluí que neste tempo de espaço intermediário, nós não podemos mais tentar ter o brilho de
um holofote até o futuro. ( Como se alguma vez pudéssemos!) Em vez disso, nos é dada uma pequena
lanterna para nos guiar em próximos e melhores passos. Eu acredito que, para este tempo, a orientação de
direção mais útil precisa ser sucinta, simples, clara e organizada. Bem feitos, estes documentos representam
uma cuidadosa obtenção da essência das esperanças e sonhos como foram comunitariamente discernidos
pelos membros. Eles expressam o espírito da comunidade - seu carisma, sua história, seu coração.
Necessariamente, eles dizem “ Como nós temos discernido, isto é o que podemos dizer juntos a respeito de
onde somos chamados a seguir como grupo”. Tal declaração responde a pergunta: “Dado quem somos,
nossas realidades neste tempo, nosso desejo de investir num futuro que talvez nunca vejamos - onde
queremos utilizar nossos preciosos recursos - nosso tempo, nossa energia, nossa vida nos próximos anos?”
Declarações direcionais preparadas no espaco intermediário precisam ser claras o suficiente para guiar, leves
o suficiente para libertar e abundantes o suficiente para continuamente revelar possilibilidades não
imaginadas. Parafraseando o profeta Habacuc 2,2: “Escreve a visão, clara o suficiente, de modo que até
mesmo um corredor veloz possa ler’(5).
Os que discernem no espaço intermediário
E sobre aqueles que compõem o grupo de discernimento? De que dons eles necessitam? Que graças eles
precisam rezar para receber? Como indicado anteriormente, o discernimento comunitário supõe que a
comunidade alcançou um nível de maturidade que escolhi chamar de “generativo”, ou seja, capaz de criar e
produzir algo. Uma comunidade “generativa”, diante de significativas decisões sobre propriedades, bens,
ministérios e legado - toma suas decisões disposta a investir num futuro que seus membros nunca vislumbrem
mas com o qual eles se importam profundamente.
Após anos de Capítulos mais que perfeitos e declarações direcionais, podemos estar bastante inquietos, tateando nas névoas deste tempo - procurando por direção, à espera de uma pista sobre nosso futuro
Assim, uma qualidade essencial dos indivíduos reunidos para o discernimento comunitário é um espírito
criador, nutrido por oração contemplativa pessoal. Ronald Rolheiser, OMI sugere que a questão que conduz
para um discipulado maduro é “Como eu dou a minha vida mais generosamente e de maneira mais pura?”(6)
Consequentemente, as pessoas reunidas para o discernimento comunitário no espaço intermediário precisam:
- se comprometer com todo o processo e com o caminho de conversão que tem pela frente
- se comprometer fielmente com a oração contemplativa pessoal e com o diálogo contemplativo
comunitário(7) do processo de discernimento,
- ouvir atentamente cada pessoa, resistindo `a tendência humana de preparar argumentos e réplicas assim que
o outro fala,
- falar com sinceridade, clareza e de forma sucinta,
- manter suas posições calmamente - não forçando a ninguém mas as oferecendo com humildade como dons
enquanto acolhem outros pontos de vista com o mesmo espírito,
- estar livre da necessidade de vencer, de ser brilhante ou de estar certo,
- estar razoavelmente tranquilo com a ambiguidade,
- ter sofrido perdas e ter crescido com as decepções passadas,
- estar menos interessado numa única voz profética e mais comprometido com o testemunho profético
comunitário.
Líderes para o espaço intermediário
Que tipo de líderes atendem as necessidades das comunidades neste tempo do espaço intermediário na vida
religiosa? Até certo ponto a resposta para esta questão é praticamente a mesma como a descrição de quem
discerne. Se os parágrafos anteriores forem relidos substituindo a palavra “ quem discerne” por “líderes”, isto
poderá ser útil. Em algum sentido, líderes no espaço intermediário são os dirigentes, que devem, de maneira
significativa, envolver os membros no discernimento comunitário em torno de questões críticas, antes do que
eles.
Em 1997, a Conferência de Lideranças de Mulheres Religiosas publicou o documento “Dimensões da
Liderança” no qual 03 conjuntos de habilidades e traços foram identificados como desejáveis para pessoas ou
equipe de líderes. Ler este documento hoje, através das lentes de líderes para o espaço intermediário, é
esclarecedor. Algumas frases saltam da página, recentes e novas. Por exemplo, as lideranças precisam:
- demonstrar presença sem ansiedade,
- articular um sentido dinâmico do carisma, de forma cativante para tempos complexos e tempos de
mudanças,
- olhar a realidade de frente bem como transmitir esperança,
- atrair membros para o diálogo sobre questões que interessam, tópicos de conflito, decisões a serem tomadas,
- negociar, mediar, escutar, delegar, colaborar, facilitar
Conclusão
Em uma dissertação entitulada “ Sendo certo ou tocando a Verdade”(9), a escritora Deborah Smith Douglas
cita o poema “Anthem”de Leonardo Cohen:
Tocar os sinos que ainda podem tocar
Esqueça sua oferenda perfeito
Há uma rachadura em tudo
É assim que a luz penetra.(10)
Ela destaca: “Se nós podemos atenuar a apreensão em nossa necessidade de estar certos - se nós podemos
deixar a luz entrar através das rachaduras em nossa ‘casca dura’ - nós podemos vir a permanecer na
verdadeira liberdade, alegria e amor a que Deus nos chama”.
Esta poderia ser uma boa citação para terminar - e para iniciar - uma conversa a respeito de discernimento
comunitário no espaço intermediário. Após anos de Capítulos mais que perfeitos e declarações direcionais,
podemos estar bastante inquietos, tateando nas névoas deste tempo - procurando por direção, à espera de uma
pista sobre nosso futuro. ( Deus, por favor – somente uma pequenina pista!)
No entanto, este é o nosso tempo, misterioso e desafiador como é. É um bom tempo. É o único tempo que
temos. Como a rainha Ester, nós podemos dizer “ Quem sabe fosse apenas para este momento que nascemos”.
Talvez o gesto mais poderoso de todos seja: “ atenuar nossa apreensão” voltando nossas mãos para cima,
como se fossem taçass, para receber o que Deus quer nos conceder agora, acreditando que “Em todas as
épocas, ó Deus, o Senhor tem sido nosso refúgio. Em todas as épocas, ó Deus, o Senhor tem sido nossa
esperança (11).
Carole é uma IrmãEscolar de Notre dame e ex-diretora executiva da Conferência das Mulheres Religiosas
na Liderança: ela éfacilitadora de encontros para munheres religiosas.
Veja a seguir a tradução, em portugues, deste diagrama.
Skills and Traits from LCWR's 'Dimensions of Leadership'
Symbolic
Meaning-Making Abi!fty
to coMect the richness of the inner
world with the ch<illen << of the
times {Spiril:ua!
Relational Place a high priority on
relational skills in themselves and
others
Organizational
Structural
Perceive the culture and climate
of the group order to shape
learning organizations
10 LCWR Occasional Papers -Winter 20 16
Habilidades e Traços – Dimensoeões da Liderança –
Conferência das Mulheres Religiosas na Liderança
Dando sentido simbólico:
Habilidade para conectar a riqueza do mundo interior com o desafio dos tempos
(liderança espiritual)
Conectar a essência da Congregação com a essência da Igreja e do Mundo
Articular o carisma, de forma cativante em tempos dinâmicos e tempos de mudanças
Ver além dos fatos, o significado dos fatos e tendências
Relativo:
Atribuir alta prioridade no desenvolvimento e animação de habilidades relativas a si
mesmos e aos outros
Presença sem ansiedade, estar ‘em casa’consigo mesmos
Escutar, inspirar confiança, reconhecimento e reconhecimento
Atrair membros para o diálogo sobre questões que interessam, tópicos, decisões
Estrutura organizacional:
Perceber a cultura e o clima do grupo para formar organizações de aprendizagem
Entender aspectos legais e financeiros da vida da organização
Administrar de forma eficar, trazendo a agenda para a vida da organização
Negociar, mediar, escutar, delegar, colaborar, priorizar, pensar estrategicamente
Talvez o gesto mais poderoso de todos seja: “ atenuar nossa apreensão” voltando nossas mãos para cima, como se fossem taças, para receber o que Deus quer nos conceder agora
Endnotes
1. Miriam Ambrosio, CRB, President
of Aparecidia, "The Religious Life in
Brazil," USIG Plenary, Rome. May
2013 as quoted by Nancy Schreck OSF in "However Long the Night," Leadership Conference of
Women Religious. National Assembly 2014
2. Nancy Schreck, OSF, "However Long the Night: Holy Mystery Revealed in our Midst," Leadership
Conference of Women Religious National Assembly 2014
3. Constance FitzGerald, OCD, "Impasse and the Dark Night," Living With Apocalypse, ed. Tilden Edwards.
Harper& Row: San Francisco, 1984.
4. Carole Shinnick, SSND, "Communal
Discernment: A Governance Style for Generative Adults," Occasional Papers. Summer 2013, p. 17
5. Actual text: "Record the vision and inscribe it on tablets, so that the one who reads it may run." Habakkuk
2:2, New American Standard Bible
6. Ronald Rolheiser, Sacred Fire: A Vision for a Deeper Human and Christian Maturity, Random House: New
York, 2014
7. For a fuller exploration of contemplative dialogue, please see: Liz Sweeney, SSJ, "Moving into a Deeper
Communion: Communal
Discernment through Contemplative Dialogue," Occasional Papers. Summer 2014, pp 6-8
8. "Dimensions of Leadership: Capacities, Skills and Competencies for Effective Leadership," Leadership
Conference of Women Religious,
1997
9. Deborah Smith Douglas, "Being Right or Ringing True," Weavings: A Journal of the Christian Spiritual Life,
vol. 30, no. 4, Aug/Sept/Oct 2015
10. Leonard Cohen, "Anthem," 1992
11. Janet Sullivan Whitaker, "In Every Age" based on Psalm 90, 2009