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    Movimentos sociais na

    contemporaneidade*1

    MARIA DA GLRIA GOHNUniversidade Estadual de Campinas

    Universidade Nove de Julho

    A RELAO MOVIMENTOS SOCIAIS E EDUCAO

    Abordo, neste texto, a temtica dos movimentos sociais, apresentando al-gumas caractersticas e exemplos na Amrica Latina. Detenho-me no estudo dosmovimentos sociais no Brasil na atualidade e destaco a relao movimento sociale educao. De pronto, esclareo: para ns, a educao no se resume educao

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    deve-se buscar as redes de articulaes que os movimentos estabelecem na prtica

    cotidiana e indagar sobre a conjuntura poltica, econmica e sociocultural do pasquando as articulaes acontecem. Essas redes so essenciais para compreender osfatores que geram as aprendizagens e os valores da cultura poltica que vo sendoconstrudos no processo interativo.

    A relao movimento social e educao existe a partir das aes prticas demovimentos e grupos sociais. Ocorre de duas formas: na interao dos movimentos

    em contato com instituies educacionais, e no interior do prprio movimentosocial, dado o carter educativo de suas aes. No meio acadmico, especialmentenos fruns de pesquisa e na produo terico-metodolgica existente, o estudodessa relao relativamente recente. A juno dos dois termos tem se constitudoem novidade em algumas reas, como na prpria Educao causando reaesde jbilo pelo reconhecimento em alguns, ou espanto e estranhamento nas vises

    ainda conservadoras de outros. No exterior, a articulao dos movimentos com aeducao antiga e constitutiva de alguns grupos de pesquisa, como na Internatio-nal Sociological Association (ISA), Latin American Studies Association (LASA),Associacin Latinoamericana de Sociologia (ALAS) etc.

    No Brasil, essa relao foi sendo vagarosamente construda a partir do fimdos anos 1970, quando foram criadas novas associaes ou ativadas entidades

    cientficas j existentes, a exemplo da Associao Nacional de Ps-Graduaoe Pesquisa em Cincias Sociais (ANPOCS), a Associao Nacional de Ps--Graduao e Pesquisa em Educao (ANPEd), a Sociedade Brasileira parao Progresso da Cincia (SBPC), a Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS) eas Conferncias Brasileiras de Educao (CBEs), realizadas bienalmente, quepassaram a debater os problemas socioeconmicos e polticos e a destacar os

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    nacionais e internacionais ou transnacionais, e utilizam-se muito dos novos meios

    de comunicao e informao, como a internet. Por isso, exercitam o que Habermasdenominou de o agir comunicativo. A criao e o desenvolvimento de novos saberes,na atualidade, so tambm produtos dessa comunicabilidade.

    Na realidade histrica, os movimentos sempre existiram, e cremos quesempre existiro. Isso porque representam foras sociais organizadas, aglutinam aspessoas no como fora-tarefa de ordem numrica, mas como campo de atividades

    e experimentao social, e essas atividades so fontes geradoras de criatividade einovaes socioculturais. A experincia da qual so portadores no advm de forascongeladas do passado embora este tenha importncia crucial ao criar uma mem-ria que, quando resgatada, d sentido s lutas do presente. A experincia recria-secotidianamente, na adversidade das situaes que enfrentam. Concordamos comantigas anlises de Touraine, em que afirmava que os movimentos so o corao, opulsar da sociedade. Eles expressam energias de resistncia ao velho que oprime oude construo do novo que liberte. Energias sociais antes dispersas so canalizadase potencializadas por meio de suas prticas em fazeres propositivos.

    Os movimentos realizam diagnsticos sobre a realidade social, constroempropostas. Atuando em redes, constroem aes coletivas que agem como resistn-cia excluso e lutam pela incluso social. Constituem e desenvolvem o chamadoempowermentde atores da sociedade civil organizada medida que criam sujeitossociais para essa atuao em rede. Tanto os movimentos sociais dos anos 1980 comoos atuais tm construdo representaes simblicas afirmativas por meio de discursose prticas. Criam identidades para grupos antes dispersos e desorganizados, comobem acentuou Melucci (1996). Ao realizar essas aes, projetam em seus partici-pantes sentimentos de pertencimento social. Aqueles que eram excludos passama se sentir includos em algum tipo de ao de um grupo ativo.

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    igualdade, fraternidade e liberdade. A igualdade ressignificada com a tematizao

    da justia social; a fraternidade se retraduz em solidariedade; a liberdade associa-se aoprincpio da autonomia da constituio do sujeito, no individual, mas autonomiade insero na sociedade, de incluso social, de autodeterminao com soberania.Finalmente, os movimentos sociais tematizam e redefinem a esfera pblica, realizamparcerias com outras entidades da sociedade civil e poltica, tm grande poder decontrole social e constroem modelos de inovaes sociais.

    LUTAS, MOVIMENTOS E ASSOCIATIVISMO NA AMRICA LATINA

    Nos dizeres de Touraine (1984), a primeira dcada desse sculo trouxe, deforma bastante contraditria, o retorno do ator social nas aes coletivas que sepropagaram na maioria dos pases da Amrica Latina. Em alguns pases latino--americanos, houve uma radicalizao do processo democrtico e o ressurgimentode lutas sociais tidas dcadas atrs como tradicionais, a exemplo de movimentostnicos especialmente dos indgenas na Bolvia e no Equador, associados ou noa movimentos nacionalistas como o dos bolivarianos, na Venezuela.Algumas sefundamentam em utopias como o bien vivirdos povos andinos da Bolvia e doEquador, e vem transformando-se em propostas de gesto do Estado um Estadoconsiderado plurinacional porque composto por povos de diferentes etnias, que

    ultrapassam os territrios e fronteiras do Estado-nao propriamente dito.Observa-se tambm, no novo milnio, a retomada do movimento popular

    urbano de bairros, ou movimento comunitrio barrial, especialmente no Mxicoe na Argentina. Todos esses movimentos tm eclodido na cena pblica comoagentes de novos conflitos e renovao das lutas sociais coletivas. Em alguns casos,elegeram suas lideranas para cargos supremos na nao, a exemplo da Bolvia.

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    Um aspecto importante a registrar a ampliao das fronteiras dos movi-

    mentos rurais, articulando-se com os movimentos urbanos. Muitas vezes, a ques-to central rural, mas a forma de manifestao do movimento ocorre no meiourbano, a exemplo dos protestos na Argentina e o prprio MST no Brasil (sobrea Argentina, ver Giarraca, 2003). Ao falarmos de articulaes, registre-se tambmque o movimento sindical de trabalhadores est presente em vrias modalidades,pelo que tem sido chamado de novo, a exemplo dos piqueteiros na Argentina, que

    tm composio social multiforme e heterognea.Na primeira dcada desse sculo, ampliaram-se os movimentos que ultra-passam as fronteiras da nao; so transnacionais, como o movimento alter ouantiglobalizao, presente no Frum Social Mundial, que atuam atravs de redesconectadas por meios tecnolgicos da sociedade da informao. Novssimos atoresentraram em cena, tanto do ponto de vista de propostas que pautam para os temas

    e problemas sociais da contemporaneidade, como na forma como se organizam,utilizando-se dos meios de comunicao e informao modernos. Preocupam-secom a formao de seus militantes, pela experincia direta, e no tanto com a for-mao em escolas, com leituras e estudos de textos. O exame do material produzidosobre os movimentos altermundialistas revela-nos que existem vnculos internacio-nais que os unem, especialmente na mdia, como o jornal Le Monde Diplomatique,

    editado em vrios idiomas, escrito por participantes ou adeptos ao movimento.Existe uma densa e intensa rede de comunicaes intramembros, militantes commilitantes. So produzidos textos, boletins, artigos etc. No Brasil, uma significativaparte desses militantes denominados ativistas tem chegado aos cursos de ps--graduao e, mais recentemente, ocupam posies como professores e pesquisadoresnas universidades, especialmente as novas, criadas nessa dcada na rea de cincias

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    propem outro tipo de globalizao, alternativa, baseada no respeito s diferentes

    culturas locais. Com isso, contribuem para construir outra rede de globalizao, ada solidariedade. Ela expressa-se no somente nos fruns mundiais, mas sobretudonas redes de defesa dos direitos humanos, nas lutas contra a fome e defesa de frentesde produo alimentar, e no de armas, na defesa do meio ambiente, na luta pelapaz, contra a explorao do trabalho infantil etc. No podemos ignorar, entretan-to, as vrias crticas que os movimentos altermundialistas ou transnacionais tmrecebido nos ltimos anos. Elas atingem no s os movimentos, mas tambm seusorganizadores e intelectuais de apoio. Poupeau (2007, p. 47-48) afirma:

    [] estes movimentos transformam os meios em fins, o xito dado no pelasconquistas, mas pelo nmero de participantes e seu impacto miditico na so-ciedade. O movimento torna-se dependente da opinio pblica, pois precisoque a sociedade manifeste o conhecimento da ao, precisa que se discuta e

    debata o que se est demandando, reclamando ou denunciando, para que a aocoletiva venha a atingir reconhecimento e legitimidade social. A mdia e suacobertura tornam-se elementos estratgicos nessa configurao; ela contribuipara a direo do movimento, pois o movimento social precisa de visibilida-de. As crticas aos altermundialistas destacam que, entre os participantes, nosmegaeventos, quem detm de fato a fala so porta-vozes autorizados, de certaforma j profissionais na poltica, detentores de um capital militante onde aluta poltica se trava num combate de ideias e ideais, a questo simblica maisimportante que os problemas concretos. O processo de transformao socialadquire facetas profticas, mstico, sem objetivo definido. Os processos efetivosde dominao existentes no aparecem nos discursos.

    Seguindo o objetivo inicial deste trabalho de traar uma viso panormica

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    recursos, formacin, tierra, jvenes, produccin y comercializacin. En Crdoba seencuentra la Casa Campesina, que es la casa del movimiento (una casa alquilada,en realidad), donde funciona parte del equipo jurdico del movimiento y la Red deComercio Justo.

    O movimento negro, ou afrodescendente como preferem alguns, avanouem suas pautas de luta, a exemplo do Brasil com a poltica de cotas nas univer-sidades e no Programa Universidade para Todos (Prouni) etc. Destaca-se, nesseavano, o suporte governamental por meio de polticas pblicas com resultadoscontraditrios. De um lado, as demandas sociais so postas como direitos (aindaque limitados), abrindo espao participao cidad via aes cidads. De outro,h perdas, principalmente de autonomia dos movimentos e o estabelecimento deestruturas de controle social de cima para baixo, nas polticas governamentais paraos movimentos sociais. O controle social instaura-se, mas com sentido dado pelaspolticas pblicas, ainda que haja a participao cidad no estabelecimento dasnormativas. As grandes conferncias nacionais temticas so uma das estratgiasbsicas desse controle. Nesse cenrio de redes movimentalistas com apoio insti-tucional, deve-se acrescentar as inmeras aes e redes cidads que se apresentamcomo movimentos sociais de fiscalizao e controle das polticas pblicas, atuandoem fruns, conselhos, cmaras, consrcios etc., em escala local, regional e nacional,principalmente no Brasil e na Colmbia.

    Nessa breve lista de movimentos sociais na Amrica Latina da atualidade, preciso registrar ainda a retomada do movimento estudantil, especialmente noChile, com a Revolta dos Pinguins (Zibas, 2008), e as ocupaes em universidadesno Brasil, sobretudo nas pblicas, em luta pela melhoria da qualidade do ensi-no, contra reformas da educao, atos de corrupo e desvio de verbas pblicas.Alis, no so apenas os estudantes que tm se mobilizado. A rea da educao,

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    identidades, destacam-se os movimentos das mulheres e o LGBTTTS lsbicas,

    gays, bissexuais, travestis, transexuais, trangneros e simpatizantes, em diferentesformatos e combinaes.Na primeira dcada deste milnio, fortaleceram-se as ONGs e entidades

    do terceiro setor que antes serviam apenas de apoio aos movimentos sociaispopulares. Estes ltimos enfraqueceram-se e tiveram de alterar suas prticas, sermais propositivos participando dos projetos das ONGs e menos reivindicativos

    ou crticos. No Brasil, o nmero de manifestaes nas ruas diminuiu e a relaoinverteu-se: as ONGs tomaram a dianteira na organizao da populao, no lugardos movimentos. Esse processo se aprofundou quando surgiu outro ator socialrelevante no cenrio do associativismo nacional: as fundaes e organizaes doterceiro setor, articuladas por empresas, bancos, redes do comrcio e da indstria,ou por artistas famosos, que passaram a realizar os projetos junto populao, em

    parcerias com o Estado. Apoiados por recursos financeiros, privados e pblicos(oriundos dos numerosos fundos pblicos criados) e por equipes de profissionaiscompetentes previamente escolhidos no por suas ideologias, mas por suas expe-rincias de trabalho , essas organizaes passaram a trabalhar de forma diferentede como os movimentos sociais atuavam at ento. O terceiro setor passou a atuarcom populaes tidas como vulnerveis, focalizadas, grupos pequenos, atuando por

    meio de projetos, com prazos determinados. Novos conceitos foram criados paradar suporte s novas aes, tais como responsabilidade social, compromisso social,desenvolvimento sustentvel, empoderamento, protagonismo social, economiasocial, capital social etc. Esse cenrio resulta em inmeras aes cidads, citadasanteriormente, como as cooperativas de material reciclvel no Brasil (o pas umdos campees na reciclagem de latas, papel e papelo). Projetos sociais organizam

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    MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL

    Antecedentes: a era movimentista (1970-1980)

    No Brasil e em vrios outros pases da Amrica Latina, no fim da dcadade 1970 e parte dos anos 1980, ficaram famosos os movimentos sociais popularesarticulados por grupos de oposio aos regimes militares, especialmente pelosmovimentos de base cristos, sob a inspirao da teologia da libertao.No fimdos anos 1980 e ao longo dos anos 1990, o cenrio sociopoltico transformou-sede maneira radical. Inicialmente, houve declnio das manifestaes de rua, queconferiam visibilidade aos movimentos populares nas cidades. Alguns analistasdiagnosticaram que eles estavam em crise, porque haviam perdido seu alvo e ini-migo principal: os regimes militares. Em realidade, as causas da desmobilizaoso vrias. O fato inegvel que os movimentos sociais dos anos 1970/1980, noBrasil, contriburam decisivamente, via demandas e presses organizadas, para aconquista de vrios direitos sociais, que foram inscritos em leis na nova Consti-tuio Federal de 1988.

    A partir de 1990, ocorreu o surgimento de outras formas de organizaopopular, mais institucionalizadas como os Fruns Nacionais de Luta pela Mo-radia, pela Reforma Urbana, o Frum Nacional de Participao Popular etc. Osfruns estabeleceram a prtica de encontros nacionais em larga escala, gerandograndes diagnsticos dos problemas sociais, assim como definindo metas e ob-jetivos estratgicos para solucion-los. Emergiram vrias iniciativas de parceriaentre a sociedade civil organizada e o poder pblico, impulsionadas por polti-cas estatais, tais como a experincia do Oramento Participativo, a poltica deRenda Mnima, Bolsa Escola etc. Todos atuam em questes que dizem respeito

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    por exemplo, apareceram os transportes alternativos (perueiros); no sistema detransportes de cargas pesadas nas estradas, os caminhoneiros. Algumas dessasaes coletivas surgiram como respostas crise socioeconmica, atuando maiscomo grupos de presso do que como movimentos sociais estruturados. Os atose manifestaes pela paz, contra a violncia urbana, tambm so exemplos dessacategoria. Se antes a paz era um contraponto guerra, hoje ela almejada comonecessidade ao cidado/cidad comum, em seu cotidiano, principalmente nas ruas,onde motoristas so vtimas de assaltos relmpagos, sequestros e assassinatos.

    Grupos de mulheres foram organizados nos anos 1990 em funo de suaatuao na poltica, criando redes de conscientizao de seus direitos e frentes delutas contra as discriminaes. O movimento dos homossexuais tambm ganhouimpulso e as ruas, organizando passeatas, atos de protestos e grandes marchasanuais. Numa sociedade marcada pelo machismo, isso tambm uma novidadehistrica. O mesmo ocorreu com o movimento negro ou afrodescendente, quedeixou de ser predominantemente movimento de manifestaes culturais para ser,sobretudo, movimento de construo de identidade e luta contra a discriminaoracial. Os jovens tambm criaram inmeros movimentos culturais, especialmentena rea da msica, enfocando temas de protesto, pelorap, hip hopetc.

    Deve-se destacar ainda trs outros importantes movimentos sociais noBrasil, nos anos 1990: dos indgenas, dos funcionrios pblicos especialmentedas reas da educao e da sade e dos ecologistas. Os primeiros cresceram emnmero e em organizao nessa dcada, passando a lutar pela demarcao de suasterras e pela venda de seus produtos a preos justos e em mercados competitivos.Os segundos organizaram-se em associaes e sindicatos contra as reformasgovernamentais que progressivamente retiram direitos sociais, reestruturam asprofisses e arrocharam os salrios em nome da necessidade dos ajustes fiscais. Os

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    1 | H um novo cenrio neste milnio: novos tipos movimentos, novas de-mandas, novas identidades, novos repertrios. Proliferam movimentosmulti e pluriclassistas. Surgiram movimentos que ultrapassam frontei-ras da nao, so transnacionais, como o j citado movimento alter ouantiglobalizao. Mas tambm emergiram com fora movimentos comdemandas seculares como a terra, para produzir (MST) ou para viver seumodo de vida (indgenas). Movimentos identitrios, reivindicatrios dedireitos culturais que lutam pelas diferenas: tnicas, culturais, religiosas,

    de nacionalidades etc. Movimentos comunitrios de base, amalgamadospor ideias e ideologias, foram enfraquecidos pelas novas formas de se fa-zer poltica, especialmente pelas novas estratgias dos governos, em todosos nveis da administrao. Novos movimentos comunitaristas surgiram alguns recriando formas tradicionais de relaes de autoajuda; outros or-ganizados de cima para baixo, em funo de programas e projetos sociaisestimulados por polticas sociais.

    2 | Criaram-se varias novidades no campo da organizao popular, tais comoa atuao em redes e maior conscincia da questo ambiental ao demandarprojetos que possam vir a ter viabilidade econmica sem destruir o meioambiente.

    3 | A nova conjuntura econmica e poltica tem papel social fundamental paraexplicar o cenrio associativista atual. As polticas neoliberais desorganizaramos antigos movimentos e propiciaram arranjos para o surgimento de novosatores, organizados em ONGs, associaes e organizaes do terceiro setor.

    4 | As reformas neoliberais deslocaram as tenses para o plano cotidiano, ge-rando violncia, diminuio de oportunidades no mundo do trabalho for-mal, formas precrias de emprego, constrangimento dos direitos dos indi-vduos, cobrana sobre seus deveres em nome de um ativismo formal etc.

    5 | O Estado promoveu reformas e descentralizou operaes de atendimen-

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    1 | Movimentos sociais em torno da questo urbana, pela incluso social epor condies de habitabilidade na cidade. Exemplos:a | Movimentos pela moradia, expresso em duas frentes de luta: articu-

    lao de redes sociopolticas compostas por intelectuais de centro--esquerda e movimentos populares que militam ao redor do temaurbano (o hbitat, a cidade propriamente dita). Eles participaramdo processo de construo e obteno do Estatuto da Cidade; redesde movimentos sociais populares dos Sem-Teto (moradores de ruas

    e participantes de ocupaes de prdios abandonados), apoiados porpastorais da Igreja Catlica e outras;

    b | movimentos e aes de grupos de camadas mdias contra a violnciaurbana e demandas pela paz (no trnsito, nas ruas, escolas, aescontra as pessoas e seu patrimnio etc.);

    c | mobilizaes e movimentos de recuperao de estruturas ambien-

    tais, fsico-espaciais (como praas, parques), assim como de equipa-mentos e servios coletivos (rea da sade, educao, lazer, esportese outros servios pblicos degradados nos ltimos anos pelas po-lticas neoliberais); ou ainda mobilizaes de segmentos atingidospelos projetos de modernizao ou expanso de servios.

    2 | Mobilizao e organizao popular em torno de estruturas institucio-nais de participao na gesto poltica-administrativa da cidade:a | Oramento Participativo e Conselhos Gestores (sade, educao,

    assistncia social, criana e adolescente, idoso);b | conselhos da Condio Feminina, Populaes Afrodescendentes

    etc.3 | Movimentos em torno da questo da sade, como:

    a | Sistema nico de Sade (SUS);

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    7 | Mobilizaes e movimentos dos sem-terra, na rea rural e suas redes dearticulao com as cidades por meio da participao de desempregados emoradores de ruas, nos acampamentos do MST, movimentos dos peque-nos produtores agrrios, Quebradeiras de Coco do Nordeste etc.

    8 | Movimentos contra as polticas neoliberais:a | Mobilizaes contra as reformas estatais que retiram direitos dos tra-

    balhadores do setor privado e pblico;b | atos contra reformas das polticas sociais;

    c | denncias sobre as reformas que privatizam rgos e aparelhos esta-tais.9 | Grandes fruns de mobilizao da sociedade civil organizada: contra a

    globalizao econmica ou alternativa globalizao neoliberal (contraALCA, por exemplo); o Frum Social Mundial (FSM), iniciativa brasi-leira, com dez edies ocorridas no Brasil e no exterior; o Frum SocialBrasileiro, inmeros fruns sociais regionais e locais; fruns da educao

    (Mundial, de So Paulo); fruns culturais (jovens, arteses, artistas popu-lares etc.).

    10|Movimento das cooperativas populares: material reciclvel, produodomstica alternativa de alimentos, produo de bens e objetos de con-sumo, produtos agropecurios etc. Trata-se de uma grande diversidadede empreendimentos, heterogneos, unidos ao redor de estratgias de

    sobrevivncia (trabalho e gerao de renda), articulados por ONGs quetm propostas fundadas na economia solidria, popular e organizados emredes solidrias, autogestionrias. Muitas dessas ONGs tm matrizes hu-manistas, propem a construo de mudanas socioculturais de ordemtica, a partir de uma economia alternativa que se contrape economiade mercado capitalista.

    11| Mobilizaes do Movimento Nacional de Atingidos pelas Barragens, hi-

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    massificam as culturas locais, regionais ou nacionais. Partir da ptica dos direitosde um povo ou agrupamento social adotar um princpio tico, moral, baseado nasnecessidades e experincia acumuladas historicamente dos seres humanos, e nonas necessidades do mercado. A ptica dos direitos possibilita-nos a construode uma agenda de investigao que gera sinergia, no compaixo, que resulta empolticas emancipadoras, no compensatrias. Fora da ptica da universalidadedos direitos, camos nas polticas focalizadas, meras justificativas para polticas quepromovem uma modernizao conservadora. A ptica dos direitos como ponto departida poder fazer-nos entender as mudanas sociais em curso.

    Movimentos sociais pela educao abrangem questes tanto de escolas comode gnero, etnia, nacionalidade, religies, portadores de necessidades especiais,meio ambiente, qualidade de vida, paz, direitos humanos, direitos culturais etc. Osmovimentos sociais so fontes e agncias de produo de saber. O contexto escolar

    um importante espao para participao na educao. A participao na escolagera aprendizado poltico para a participao na sociedade em geral.Ao lanarmos um olhar sobre a relao entre educao e movimentos sociais

    no Brasil, podemos encontrar alguns movimentos a partir da segunda metade dosculo XX, citando, por exemplo, as Ligas Camponesas, nos anos 1960, e a utilizaodo mtodo Paulo Freire, alm da importante relao entre a educao escolar do

    ensino superior e os movimentos sociais, nas mobilizaes ao redor de maio de 1968.Nos anos 1970, a relao bem perceptvel nas Comunidades de Base da Igreja(CEBs), com a educao no formal, que naquela poca tambm buscava formarpoliticamente seus participantes, dando-lhes instrumentos para uma viso crticado mundo. As CEBs eram a porta de entrada nos movimentos sociais urbanos deluta por creches, transportes, postos de sade, moradia etc. Dado o regime poltico

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    dade do que chamou de uma revoluo na educao. A meta simples:essencialmente universalizar a educao bsica de qualidade (Folha de S.Paulo, 22/12/2010, C11). Infelizmente, para muitos polticos e adminis-tradores, educao de qualidade significa formao de mo de obra parao perfil da maioria dos empregos existentes precrios e mal remune-rados. Estamos longe de um cenrio em que a educao seja vista comoformao integral, que incluiu o pensamento crtico, a capacidade de lero mundo, de indignar-se com as injustias, reconhecer e se alegrar com as

    manifestaes de inovao e criatividade dos seres humanos, ou seja, derefletir de maneira autnoma.e | Gesto Democrtica da Escola. Includa na Constituio de 1988 e na

    LDB de 1996, a gesto democrtica tem sido objeto de inmeros projetosexperimentais. Os planos e reformas neoliberais enfatizam a gesto comofoco central a ser trabalhado. Com isso, projetos so formulados.

    f | Valor das mensalidades nas escolas particulares ou confessionais, espe-

    cialmente no ensino superior. O movimento dos estudantes lidera essareivindicao.g | Polticas pblicas que priorizem a educao com suportes orament-

    rios adequados. Movimentos de diferentes matrizes polticas da rea daeducao tm enfatizado fortemente essa questo. Eles denunciam que aeducao tem prioridade nos discursos, mas, na prtica efetiva dos planos,planejamentos e planilhas, no de fato prioridade. Entre os movimen-tos, citam-se: o Frum Nacional de Luta pela Escola Pblica ou o Movi-mento Compromisso Todos pela Educao, alm dos sindicatos docentese demais profissionais da educao.

    h | Realizao de experincias alternativas. Tem crescido nos ltimos anosas anlises que afirmam que os problemas da educao formal no seresumem na busca de solues convencionais dentro das escolas. Arti-

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    de a prpria identidade desse grau de ensino no ser clara. Em um pascom tradies cartoriais, bacharelescas e burocratizadas, no se construiuum projeto claro a respeito dos profissionais que o ensino tcnico forma.Ele j teve diferentes representaes no imaginrio da sociedade, de escolapara pobres, de formao para o trabalho etc. As faculdades de tecnologia,aprovadas em 2002, com cursos para formao de tecnlogos, como gastro-nomia, hotelaria e inmeros ofcios no campo da sade ainda encontramresistncia para ser aceitas como cursos superiores, embora muitas tenham

    altssima demanda em seus vestibulares (como o curso de gastronomia novestibular 2010 da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ).m | Jornadas mais efetivas nos programas contra o analfabetismo. Movimentos

    como o Brasil Alfabetizado pautaram essa demanda. Em um momentohistrico em que a educao aparece como uma das trs principais priorida-des da populao, havendo prognsticos de que a dcada de 2010 venha serconhecida como a era dos educadores (G. Dimenstein, Folha de S. Paulo,

    26/12/2010, C9), o analfabetismo ainda existente uma demanda da maisalta prioridade.

    n | Educao de jovens e adultos. Exemplos: Movimento Nacional do EJA(Educao de Jovens e Adultos), e o Movimento de Alfabetizao de Jo-vens e Adultos (MOVA). No passado, a educao de jovens e adultos foca-lizava bastante o processo de alfabetizao. Na atualidade, projetos como o

    EJA vo muito alm disso. O EJA realiza o Encontro Nacional de Educa-o de Jovens e Adultos (ENEJA), que j tem institucionalidade. Trata-sede um movimento que debate, questiona e postula mudanas, assim comotambm cria memria e grande acervo de material para pesquisas, pelosdados e textos que mantm on-linepara consulta. O MOVA tambm umdos exemplos de movimento que foi estimulado por polticas pblicas im-plementadas em parceria com a comunidade organizada, com a assessoria

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    o espectro dos sujeitos em ao, pressupondo um trabalho conjunto entre pais,professores, gestores e funcionrios, representantes de associaes e organizaesde bairros e entorno das escolas. Dois pontos devem demarcar as relaes desseconjunto, a saber: I) ser integradora, partindo dos problemas da escola sem esqueceros problemas do bairro ou comunidade territorial onde a unidade est localizada;II) centrada em um modelo de escola denominado por Alain Touraine (2005) comoEscola do Sujeito, no qual se reconhece a liberdade e criatividade e as demandasindividuais e coletivas. O modelo orienta-se para a liberdade do sujeito, para a co-municao intercultural, para a gesto democrtica da sociedade e suas mudanas,para formar para a cidadania. Esse modelo ainda supe a transmisso competentede conhecimentos bsicos e no s de domnio de habilidades como queremvrios projetos neoliberais. Uma escola que, em suma, prepara os indivduos paraser cidados do e no mundo.

    Na rede do ensino superior universitrio, tanto pblica como particular oucomunitria/confessional, as lutas sempre estiveram presentes com maior visibili-dade, nas demandas, mobilizaes e greves para a contratao de professores, maisverbas para educao, contra os reajustes das mensalidades, assim como na expansoe no acesso ao ensino universitrio; cotas para os socioeconomicamente excludos oupor questes da cor ou etnia; tarifas de transportes e de restaurantes universitriosetc. Nos ltimos anos, os j citados programas PROUNI e o REUNI, do governofederal, so responsveis pela expanso do ensino superior e incluso de estudantesde baixa renda ou em situao de vulnerabilidade social. Eles respondem s deman-das feitas h dcadas por grupos e setores populares organizados, constituindo-sehoje em espao de articulao de vrias demandas e lutas institucionalizadas pelaeducao.

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    Outros espaos onde necessria a atuao de educadores:

    a | em comunidades carentes grupos vulnerveis (mulheres, crianas, ido-sos e pobres, excluso socioeconmica ou grupos tnicos/culturais ouraciais, como negros, para quem a excluso , alm de socioeconmica,tambm cultural);

    b | na mobilizao de recursos da comunidade para combate s situaes deexcluso por meio da implantao de programas e projetos sociais (usual-

    mente fruto de parcerias populares organizadas, governos locais, ONGs,movimentos etc.);c | movimentos tnico-raciais (ndios e negros);d | movimentos de gnero (mulheres e homens) e movimentos de homos-

    sexuais (que tm demandas especficas e diferentes dos movimentos nu-cleados pela perspectiva de gnero, que trata mais das relaes sociaisentre homens e mulheres). Gays, lsbicas e transexuais no so apenas

    discriminados, mas criminalizados, alvo de atentados contra a vida, soperseguidos e morrem em atentados praticados por grupos com ideolo-gias fascistas e nazistas;

    e | movimentos culturais de jovens, especialmente na rea da msica, apren-dizagem e formas de expresso como o rape o hip hop;

    f | mobilizaes e protestos contra a guerra, pela paz;g | movimentos de solidariedade e apoio a programas com meninos e meni-

    nas de rua, adolescentes que usam drogas, portadores de HIV, portadoresde necessidades especiais.

    h | movimento pela infncia;i | movimentos pela preservao ou construo de condies para o meio

    ambiente local, regional, nacional e global. Aqui se inscrevem, alm dosmovimentos ecolgicos, os movimentos em torno da gua de defesa de

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    3 | Aprendizagem tcnica instrumental: como funcionam os rgos governa-mentais, a burocracia, seus trmites e papis, quais as leis que regulamen-

    tam as questes em que atuam etc.4 | Aprendizagem poltica: quais so seus direitos e os de sua categoria, quem

    quem nas hierarquias do poder estatal governamental, quem cria obs-tculos ou usurpa seus direitos etc. Na escola ou em processos de alfabe-tizao com jovens e adultos, pode-se observar o poder da alfabetizao,mas concordamos com Ricci quando afirma: esta compreenso poltica

    do seu poder, que Paulo Freire se referia. Mas esta politizao necessriado alfabetizando possui uma peculiaridade. A alfabetizao e o ensino nopodem adotar como funo a organizao, mas ser um meio para este fim(Ricci, 2004).

    5 | Aprendizagem cultural: quais elementos constroem a identidade do grupo,quais suas diferenas, suas diversidades, as adversidades culturais que tmde enfrentar, qual a cultura poltica do grupo (seu ponto de partida e o

    processo de construo ou agregao de novos elementos a essa cultura)etc.

    6 | Aprendizagem lingustica: refere-se construo de uma linguagem co-mum que possibilita ler o mundo, decodificar temas e problemas, per-ceber/descobrir e entender/compreender seus interesses no meio de umturbilho de propostas que se defrontam. Com essa linguagem, criam uma

    gramtica prpria, com cdigos e smbolos que os identificam.7 | Aprendizagem sobre a economia: quanto custa, quais os fatores de produ-o, como baixar custos, como produzir melhor com custo mais baixo etc.

    8 | Aprendizagem simblica: quais so as representaes que existem sobreeles prprios demandatrios, sobre o que demandam, como se autor-representam, que representaes ressignificam, que novas representaescriam.

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    mentos sociais, ou de grupos de presso da sociedade civil pela redemocratizao dopas. Consideramos importante inclu-los neste texto porque so tambm espaos deaprendizagem e produo de saber, ainda que possam conter prticas nem sempreinovadoras e, portanto, reprodutoras de saberes no democrticos.

    Os conselhos esto inscritos na Constituio Federal de 1988 na qualidadede instrumentos de expresso, representao e participao da populao. Essasestruturas inserem-se, portanto, na esfera pblica e, por fora de lei, integram-sea rgos pblicos vinculados ao Poder Executivo, voltados para polticas pblicasespecficas, responsveis pela assessoria e suporte ao funcionamento das reas emque atuam.

    Os conselhos gestores so diferentes dos conselhos comunitrios, popula-res ou dos fruns civis no governamentais, porque esses ltimos so compostosexclusivamente de representantes da sociedade civil, cujo poder reside na forada mobilizao e da presso, no possuindo assento institucional junto ao PoderPblico. Os conselhos gestores so diferentes tambm dos conselhos de not-veis, que j existiam nas esferas pblicas no passado, compostos exclusivamentepor especialistas.

    Os conselhos gestores so novos instrumentos de expresso, representaoe participao. Em tese, so dotados de potencial de transformao poltica. Seefetivamente representativos, podero imprimir novo formato s polticas sociais,pois se relacionam com o processo de formao das polticas e tomada de decises.Com os conselhos, gera-se uma nova institucionalidade pblica, pois criam umanova esfera social-pblica ou pblica no estatal. Trata-se de um novo padro derelaes entre Estado e sociedade, porque viabilizam a participao de segmentossociais na formulao de polticas sociais e possibilitam populao o acesso aosespaos em que se tomam as decises polticas.

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    projetos, dentro de planejamentos estratgicos, buscando parcerias com o Estadoe empresas da sociedade civil.

    A legislao em vigor no Brasil desde 1996 preconiza que, para o recebimentode recursos destinados s reas sociais, os municpios devem criar seus conselhos.Isso explica por que a maioria dos conselhos municipais surgiu aps essa data (em1998, dos 1.167 conselhos existentes nas reas da educao, assistncia social e sade,488 deles haviam sido criados depois de 1997; 305 entre 94 e 96; e apenas 73 antesde 1991). Nos municpios, as reas bsicas dos conselhos gestores so: educao,assistncia social, sade, habitao, criana e adolescentes. Na esfera municipal, elesdevem ter carter deliberativo.

    Na rea da educao, nos municpios, sabe-se que alm do Conselho Mu-nicipal de Educao h ainda o Conselho de Alimentao Escolar (COMAE), oConselho de Acompanhamento e Controle Social (CACS) e o ex-Fundo de Ma-nuteno e Desenvolvimento de Ensino Fundamental e Valorizao do Magistrio(FUNDEF), substitudo pelo FUNDEB, que inclui o financiamento de todos osnveis de ensino bsico. Juntos, esses trs conselhos, a rede de escolas e a SecretariaMunicipal de Educao constituem o Sistema Municipal de Ensino e devem ela-borar o Plano Municipal de Ensino que estabelea progressivamente metas paraa autonomia das escolas, medida que forem capazes de elaborar e executar seuprojeto pedaggico, garantindo a gesto democrtica do ensino pblico.

    Apesar de a legislao incluir os conselhos como parte do processo de gestodescentralizada e participativa e institu-los como novos atores deliberativos e parit-rios, vrios pareceres oficiais tm assinalado e reafirmado o carter apenas consultivodos conselhos, restringindo suas aes ao campo da opinio, da consulta e do aconse-lhamento, sem poder de deciso ou deliberao. A lei os vinculou ao Poder Executivodo municpio, como rgos auxiliares da gesto pblica. preciso, portanto, que

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    Por meio dos conselhos, por exemplo, a sociedade civil exercita o direitode participar da gesto de diferentes polticas pblicas, tendo a chance de exercer

    maior controle sobre o Estado. Os fruns, por sua vez, so frutos das redes tecidasnos anos 1970/1980 e tm possibilitado aos grupos organizados olhar para alm dadimenso local. Tm abrangncia nacional e so fontes de referncia e comparaopara os prprios participantes.

    As novas prticas constituem um novo tecido social, denso e diversificado,tensionando as velhas formas de fazer poltica e criando, em termos de alternativas

    democrticas, novas possibilidades concretas para o futuro.

    Concluses e desafos

    Estamos vivendo um novo momento na trajetria do associativismo latino--americano, sobretudo no caso do Brasil. As anlises destacam o carter educativodas aes coletivas, organizadas na forma de movimentos sociais, a ampliaodesse cenrio associativo para alm da sociedade civil, adentrando em novas esfe-ras pblicas, a exemplo dos conselhos e conferncias nacionais, e o surgimento denovos formatos desse associativismo, que agora trabalha essencialmente em rede. OEstado transformou suas relaes com a sociedade civil organizada, impulsionandopolticas pblicas participativas, muitas delas coordenadas ou com a participao deantigas lideranas oriundas de movimentos sociais. A busca da institucionalizao deprticas antes autnomas tornou-se uma constante. Novo marco regulatrio oficial,possibilitou a criao de inmeras inovaes no campo da gesto democrtica, e oleque de entidades e associaes atuando no campo da educao, especialmente naeducao no formal, cresceu bastante.

    Disso tudo resulta um cenrio contraditrio em que convivem entidadesque buscam a mera integrao dos excludos, por meio da participao comunitria

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    sociedade civil exigem clara vontade poltica das foras democrticas, organizadaspara a construo de uma sociedade de um espao pblico diferente do modelo

    neoliberal, construdo a partir de excluses e injustias. preciso que sejam res-peitados os direitos de cidadania e que se aumentem progressivamente os nveisde participao democrtica da populao. Esses nveis expressam-se em espaospblicos, consolidados em instituies que deem forma aos direitos humanos e aoexerccio da participao cidad, presentes nos conselhos, plenrias, fruns e outraspossveis instituies a ser inventadas. Tudo isso compe o universo da temtica

    educao e movimentos sociais. Conclumos apresentando uma longa lista dereferncias bibliogrficas sobre os movimentos sociais na contemporaneidade,com o objetivo de auxiliar o leitor em futuros aprofundamentos. E, lembrando umalerta de Rancire (1995), ao criticar as formas de participao no emancipadoras,criadas apenas para estabelecer consensos e controles, que diz que nesses casosa participao poltica confundida com o consenso, e a poltica deixa de ser a

    reivindicao da parte dos que no tm parte, a uma interveno de expedientes.

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    SOBRE O AUTOR

    MARIADAGLRIAGOHN doutora em cincia poltica pela Universidadede So Paulo (USP), com ps-doutorado em sociologia na New SchoolUniversity, N.York. Professora titular da Faculdade de Educao da Universidade

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    Movimentos sociais na contemporaneidade

    O trabalho objetiva apresentar um panorama geral dos movimentos sociais

    da atualidade, com destaque para a Amrica Latina, e apresentar um mapeamentode suas principais formas no Brasil. Nesse sentido, reflete sobre o carter educativode suas aes, tanto para seus participantes como para a sociedade em geral e paraos rgos pblicos. A premissa bsica de que os movimentos sociais so fontesde inovao e matrizes geradoras de saber. Entretanto, como no se trata de umprocesso isolado, mas de carter poltico-social, o trabalho analisa as articulaes narede de relaes que os movimentos estabelecem na conjuntura poltica, econmicae sociocultural do pas, para compreender os fatores que geram as aprendizagens e os

    valores da cultura poltica que vo sendo construdos. Destacam-se os movimentosque ocorrem nas reas da educao formal e da educao no formal.

    Palavras-chave: movimento social; educao; participao social; cidadania;aprendizagem; saberes sociais

    Social movements in contemporaryThe work aims to present an overview of social movements in actuality, in the

    Latin America, and presents a mapping of their main forms in Brazil. The search

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    Resumos/ abstracts/ resumens

    ponders the educational character of their actions, both for its participants, as for society

    in general and public agencies. The basic premise of assertion that social movements

    are sources of innovation and knowledge-generating arrays. However, because it is notan isolated process but social-political character, the paper search joints in the network

    of relationships that establish movements in political, economic and socio-cultural

    country, to understand the factors that generate learning built and values of political

    culture that are being built. . The text highlights movements that occurs in the areas of

    education formal and non-formal education.

    Keywords: social movement; education; citizenship; social participation; socialknowledge; learning

    Movimientos sociales en la contemporaneidad

    El trabajo tiene como objetivo presentar una visin general de los movimientos

    sociales en la actualidad en la Amrica Latina y presenta una asignacin de sus principales

    formas en Brasil. Busca reflexionar sobre el carcter educativo de sus acciones, tanto

    para sus participantes, como para la sociedad en general y para los organismos pblicos

    gubernamentales. La premisa bsica es la afirmacin de que los movimientos sociales son

    fuentes de innovacin y arreglos de discos de generacin de conocimiento. Sin embargo, porque

    no es un proceso aislado sino de carcter social y poltica, el trabajo de buscar las articulaciones

    en la red de relaciones que establece los movimientos en la cena poltica, econmica y socio-

    culturales del pas, para comprender los factores que generan el aprendizaje y valores de lacultura poltica que se estn construyendo. El texto pone de relieve los movimientos que se

    producen en las reas de educacin, educacin formal y no formal.

    Palabras clave: movimiento; educacin; ciudadana; participacin social; cono-

    cimiento social; aprendizaje