MECANISMOS DE PARTICIPAÇÃO E O
GERENCIAMENTO DAS PARTES
INTERESSADAS EM OBRAS PÚBLICAS
Jacemir Barbosa Ribeiro
(UFF)
Orlando Celso Longo
(UFF)
Resumo O Brasil se depara com o seguinte dilema: como crescer, realizar
obras de infraestrutura e promover a qualidade de vida da população,
harmonizando eficiência econômica, equidade social e preservação
ambiental? E como promover equidade sociaal sem ouvir as partes
interessadas? Ribeiro (2010) e Goldfinch et al. (2013) ressaltam o
dever do Estado gastar menos e melhor, com foco na eficiência,
fazendo “mais com menos”, vez que a qualidade de suas compras e
contratações, em parcela relevante na indústria brasileira da
construção civil, pouco se evidenciava diante do desajuste causado ao
tripé da sustentabilidade (triple bottom line). As Modificações e os
desbalanceamentos regionais e locais causados por obras de
engenharia, contratadas pela administração pública, por vezes, são
tratados como consequências naturais, ainda que muitas, senão a
totalidade delas, possam ser previamente evidenciadas às “partes
interessadas” (stakeholders). Nessa linha, o Guide to the Project
Management Body of Knowledge (PMBOK Guide), em sua mais
recente versão (5ª edição), propõe o “gerenciamento das partes
interessadas” como a mais nova área de conhecimento. A proposta
deste trabalho de se utilizar o gerenciamento das partes interessadas
nas fases interna e externa das licitações públicas é a de levar em
conta as três dimensões de Fung (2006) as quais resumem os
principais aspectos dos mecanismos de participação: seleção dos
participantes, modo de comunicação/decisão dos participantes e
extensão do impacto sobre o resultado. A dimensão seleção dos
participantes refere-se a quem é qualificado para participar, ou seja,
quais são (se houver) as restrições impostas para que determinado ator
possa participar. A segunda dimensão, modo de comunicação/decisão,
refere-se à forma como os participantes interagem com a fiscalização
da obra e entre si, e como esses participantes formulam suas opiniões e
tomam decisões. Por último, a dimensão extensão do impacto sobre o
resultado refere-se à ligação e reciprocidade entre o que os
participantes propõem e o resultado final da matéria em questão.
20, 21 e 22 de junho de 2013
ISSN 1984-9354
IX CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 20, 21 e 22 de junho de 2013
2
Palavras-chaves: Projeto básico, Licitação pública, Mecanismos de
participação, Stakeholders
IX CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 20, 21 e 22 de junho de 2013
3
1. INTRODUÇÃO
1.1. SITUAÇÃO PROBLEMA
As modificações e os desbalanceamentos regionais e locais causados por obras de
engenharia nas dimensões ambiental, econômica e social, por vezes, são tratados como
consequências naturais, ainda que muitas, senão a totalidade delas, possam ser previamente
evidenciadas às “partes interessadas”, termo adotado para “stakeholders” e presente no Guide
to the Project Management Body of Knowledge (PMBOK Guide).
Estudos nessa área consolidaram o uso do gerenciamento de projeto como importante
ferramenta para o sucesso de projetos. Todavia, a percepção é a de que a construção civil
brasileira reiteradamente dá pouco valor à aplicação dessas técnicas, as quais permitiriam
adequado balanceamento das necessidades e expectativas envolvendo compras e contratações
de obras de engenharia.
Em Ribeiro (2010a), foram destacadas as variáveis para a qualidade de obras públicas
de engenharia, tais como custos, escopo, orçamento e prazos, os quais são capazes de
impactar na qualidade do produto do projeto. A qualidade deixa de ser requisito independente,
passando a agir em interdependência com as variáveis indicadas, em especial quando se trata
de obra a qual utilize recursos públicos. Juran e Gryna (1993) já asseveravam que qualidade é
a satisfação do consumidor, enquanto que para Garcia (2008), há diversos conceitos para o
termo qualidade. No entanto, segundo Marshall Junior et al. (2008), qualidade deveria
estabelecer a concordância com as exigências e necessidades do usuário, isto, a satisfação do
interesse coletivo.
Portanto, a satisfação do interesse público preconizada subjetivamente pelas ciências
jurídicas, passa a adquirir métrica por intermédio da satisfação dos requisitos de qualidade do
projeto, os quais passam, necessariamente, pela inclusão das necessidades e expectativas dos
stakeholders. O interesse público parece, e na verdade o é, muito mais amplo que
comunidades locais, ainda que em número muito menor de habitantes ou moradores. Seria
como se um morador de uma capital brasileira tivesse o mesmo peso que o indígena afetado
pela construção de uma barragem, a centenas de quilômetros de distância um do outro.
IX CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 20, 21 e 22 de junho de 2013
4
Esse raciocínio é válido mesmo para obras de engenharia de menor porte, vez que
continuará havendo stakeholders afetados, aos quais não basta tão somente a satisfação do
interesse público. Nesse caso, cabe a amplificação dessa importância, sem desmerecer a de
cada cidadão-contribuinte.
Na busca pela correção dessa distorção, surge como ferramenta a 5ª edição do
PMBOK, recentemente lançada pelo Project Management Institute (PMI), cujo
gerenciamento das expectativas dos stakeholders deixa de ser um processo de o grupo
“execução”, e passa a adquirir a importância de área de conhecimento, devendo haver
preocupação com a criação de mecanismos de participação.
Conforme Kahlmeyer-Mertens et al. (2009), o que este artigo propõe é “algo mais que
a elaboração de qualquer pergunta”, permitindo-se discutir se a alteração da 4ª para a 5ª
edição do Guia PMBOK, aparentemente singela, será capaz de alterar, ou não, o guia
PMBOK e as técnicas preconizadas no gerenciamento de projetos, vez que o uso dessas
ferramentas é uma realidade para a administração pública na busca por compras e
contratações de obras públicas de engenharia de qualidade e sustentáveis.
1.2. OBJETIVO
Em Ribeiro (2010a), são abordadas variantes as quais repercutem na gestão de
contratos de execução de obras de construção civil, celebrados com a administração pública,
em especial no que tange à qualidade das aquisições e contratações de serviços ou obras
públicas.
O que se pretende com este artigo é corroborar com os estudos envolvendo o
balanceamento do tripé da sustentabilidade, também conhecido como triple bottom line, por
meio da eficácia, eficiência e efetividade dos gastos de recursos do Estado, em especial nas
compras e nos investimentos em obras e serviços de engenharia. Para tanto, a abordagem
envolverá o PMBOK em sua 5ª edição, por intermédio do gerenciamento das partes
interessadas, a qual se trata de nova área de conhecimento incluída às nove áreas apresentadas
até a 4ª edição, quando então encontrava-se contemplado nas áreas de integrações e
comunicação do projeto.
Em que pese a alteração retirar expressivos processos das áreas de integrações e
comunicação do projeto, cabe discutir se essa alteração vai de encontro às expectativas de
sustentabilidade, e se essa mudança pode ser invocada na administração pública, a qual
IX CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 20, 21 e 22 de junho de 2013
5
utiliza, atualmente, cada vez mais o gerenciamento de projetos em seus procedimentos
administrativos.
Se para Vergara (2009) “as questões funcionam como um roteiro de pesquisa”, cabe
discutir se o gerenciamento das partes interessadas, incluído nas nove áreas de conhecimento
na 5ª edição do PMBOK, será ferramenta útil na gestão mais eficiente de órgãos da
administração pública, objetivando-se atender as demandas da sociedade por processos
produtivos sustentáveis na aquisição de bens e nas contratação de obras de engenharia com
qualidade, vez que envolverá pessoas durante a realização desses projetos, será restringido por
limitados recursos e permanecerá envolvendo planejamento, execução e controle.
1.3. METODOLOGIA
Se método é um caminho para que não se passe a vida toda percorrendo rios e
afluentes de assuntos aos quais se está ligado, então as taxionomias dessa pesquisa encontrar-
se-ão divididas quanto aos seus fins e quanto aos seus meios (VERGARA, 2009). Na
comparação das duas últimas edições do Guia PMBOK, a quarta e a quinta, estabelece-se
relação explicativa com vistas a pesquisas aplicadas, de finalidade prática, para a melhoria de
processos da administração pública, em especial quando utilizam práticas e conhecimentos
pertinentes ao gerenciamento de projetos básicos de engenharia.
Em que pese as conclusões de Hocayen-da-Silva et al (2008) quanto à fragilidade nas
publicações científicas as quais tratam da área de administração pública e gestão social, ou
ainda em outras áreas da administração, tais como estratégia, estudos organizacionais,
sistemas de informação e administração de ciência e tecnologia, é possível classificar este
artigo como descritivo e metodológico, já que busca, como fim, descrever processos,
mecanismos e relacionamentos existentes na realidade do fenômeno estudado, utilizando-se,
para tanto, de conjunto de categorias ou tipos variados de classificações (NEUMAN, 1997),
bem como associa-se a caminhos e procedimentos para o atingimento de finalidade.
A estratégia utilizada foi, quanto aos meios, a investigação de caráter documental e a
pesquisa bibliográfica, onde foram analisados documentos existentes e artigos publicados
referentes ao gerenciamento de projetos e à área de administração pública. Moreira (2005)
salienta que a pesquisa documental caracteriza-se como processo de levantamento, verificação
e interpretação de documentos, objetivando-se fim predeterminado, a qual pode ser efetuada
ao longo dos anos (MARCONI E LAKATOS,1990), pois as informações estarão arquivadas
IX CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 20, 21 e 22 de junho de 2013
6
em memorandos, ofícios e publicações de órgãos públicos; em termos bibliográficos, foram
correlacionadas publicações do PMI com postulados teóricos e legislações brasileiras
atualizadas, especialmente a Lei das Licitações, salientando-se tópicos os quais abordem
aspectos gerenciais e de avaliação da qualidade de obras públicas.
2. O GERENCIAMENTO DAS PARTES INTERESSADAS PARA A
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
A maior alteração na quinta edição do Guia PMBOK foi a inclusão da décima área de
conhecimento, qual seja, o gerenciamento das partes interessadas, ou stakeholders, no
capítulo 13 do Guia. Trata-se de mudança de aparência singela mas que, no entanto, é capaz
de afetar de modo significativo os processos de comunicação.
Havia entendimentos que os stakeholders estivessem associados ao gerenciamento de
recursos humanos, o que já demonstrava a necessidade de equalização frente aos anseios de
boa governança e aos conceitos de Costa (2005) de despossessão psicológica, social e política
da maioria carente de recursos à sobrevivência, e de May (2010), ao tratar sobre economia
ecológica, a qual se preocupa com internalidades e externalidades oriundas da poluição e com
a distribuição intergeneracional da base de recursos e de distribuição dos lugares ao sol entre
seres humanos e de todas as espécies restantes (biodiversidade).
Ribeiro (2010b) e Goldfinch et al. (2013) ressaltam o dever de o Estado gastar menos
e melhor, com foco na eficiência, fazendo "mais com menos”, vez que a qualidade de suas
compras e contratações, em parcela relevante na indústria brasileira da construção civil, pouco
se evidenciava diante de prejudicadas dimensões sociais, econômicas e ambientais e, em
corolário, do desajuste causado ao tripé da sustentabilidade (triple bottom line).
Criou-se a décima área de conhecimento – gerenciamento das partes interessadas –
todavia, permanecem inalterados os tradicionais grupos de processos, isto é, iniciação,
planejamento, execução, monitoramento e controle e encerramento, conforme representado
abaixo:
Monitoramento e Controle
Execução Planejamento Encerramento Iniciação
IX CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 20, 21 e 22 de junho de 2013
7
FIGURA 1 – Exemplo de fase simples de projeto, adaptado do Guia PMBOK 5ª ed (2013).
O padrão estruturado na fig. 1 demonstra a integração entre as cinco categorias
conhecidas como grupos de processos do gerenciamento de projeto, cujas interações e
propósitos são adaptados na tabela 1 abaixo:
Grupos de processos do gerenciamento de projeto de obra pública
Grupo Natureza dos processos
Processos de
iniciação
Os processos de iniciação podem representar um novo projeto de obra ou uma nova
fase, bem como a apresentação de projeto em busca de autorizações para início de
novo empreendimento ou fase. No caso de projeto básico de obra pública, tratar-se-á
da fase interna da licitação.
Processos de
planejamento
Nessa fase, desenvolvem-se as soluções escolhidas de forma a fornecer visão global
da obra pública, identificando-se todos os seus elementos constitutivos, com clareza,
por meio do escopo e das especificações técnicas, assim como os requisitos de
projeto os quais constarão das peças técnicas do edital de licitação, composto pelo
caderno de encargos e pelo projeto básico, ou executivo se já houver.
Processos de
execução
A perfeita conclusão de cada fase de uma obra pública será definida pela satisfação
dos requisitos contidos nas peças técnicas do edital.
Processos de
monitoramento e
controle
Esses processos exigem acompanhamento e fiscalização da obra pública, conforme
preceitua o arts. 58 e 67 da Lei de Licitações (8.666/93), estabelecendo-se métricas
de avaliação do progresso físico e de performance dos serviços contratados.
Paralelamente, serão identificadas as áreas as quais necessitem de alterações.
Processos de
encerramento
Exigirá formalidades que corroborem com a transparência da satisfação dos critérios
de recebimento de obra, ou de fase de obra, pública, finalizando-se as atividades
envolvidas nos grupos de processos.
TABELA 1 – Framework ou estrutura dos grupos de processos – adaptado do Guia PMBOK (2013).
IX CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 20, 21 e 22 de junho de 2013
8
Alencar (2013) afirma que os negativos aspectos do patrimonialismo, fisiologismo e
clientelismo insistem em tomar o lugar do espírito público, todavia, diversos órgãos da
administração pública vêm aplicando conhecimentos, habilidades, ferramentas e técnicas para
projetar atividades as quais satisfaçam requisitos de projetos e de dispositivos legais
orientadores de licitação visando à contratação de obras e serviços de engenharia pela
Administração Pública, os quais, conforme salienta Bräunert (2008), não se limitam à Lei
8.666/93, mas sim, a um conjunto normativo mais amplo, o qual estabelece diretrizes
correlatas a diversos procedimentos legais, técnicos, administrativos e econômicos.
O mais novo Guia PMBOK (2013), ao criar o gerenciamento das partes interessadas,
além das nove anteriormente existentes, corrobora com o conjunto normativo descrito por
Bräunert (2008), tais como a norma técnica publicada pela Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT) NBR 26.000 - diretrizes sobre responsabilidade social (2010), a qual
permitiria que as licitações de obras públicas induzissem o particular contratado a
comportamento socialmente responsável, vez que seu desempenho perante a sociedade em
que opera e o impacto no meio ambiente se tornou uma parte crucial na avaliação de seu
desempenho geral e de sua capacidade de continuar a operar de forma eficaz, refletindo-se o
reconhecimento cada vez maior da necessidade de assegurar ecossistemas saudáveis,
igualdade social e boa governança organizacional. O particular contratado está sujeito a uma
investigação mais criteriosa das diversas partes interessadas, em especial aos órgãos de
controle externo e interno de cada administração. A percepção e a realidade do desempenho
em responsabilidade social da organização podem influenciar, além de outros, os seguintes
fatores:
sua vantagem competitiva;
sua reputação;
sua capacidade de atrair e manter trabalhadores e/ou conselheiros, sócios e
acionistas, clientes ou usuários;
a manutenção da moral, do compromisso e da produtividade dos empregados;
a percepção de investidores, proprietários, doadores, patrocinadores e da
comunidade financeira; e
sua relação com empresas, governos, mídia, fornecedores, organizações pares,
clientes e a comunidade em que opera.
IX CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 20, 21 e 22 de junho de 2013
9
Essa mesma norma técnica deixa claro para a percepção do nível de accountability da
organização que todos os temas centrais de um empreendimento contêm várias questões, e é
responsabilidade de cada contratante, administração pública e o setor privado,
individualmente, identificar quais questões são relevantes e significativas para se abordar, por
meio de suas considerações e por meio do diálogo, com as partes interessadas.
Para Santos e Quelhas (2012), por ser associado à imagem de transparência e
confiabilidade, o conceito de accountability pode ter significado diferente para diferentes
pessoas, também por conta de não se ter um significado correspondente nas línguas
portuguesa, francesa, espanhola, alemã e holandesa, e não ter distinção semântica com
“responsabilidade”.
Dessa forma, como atrativo a mudanças de postura do setor privado, especificamente a
da indústria da construção civil, o conhecimento e aplicação do gerenciamento de projeto
conduz a vantagens competitivas sustentáveis, disponibilizadas no Guia PMBOK, cuja última
edição, segundo o PMI, também se encontra alinhada com a ISO (International Standards
Organisation) 21500 – orientações para gerenciamento de projetos, consolidando-se
complementaridade e validação ao criar plataforma comum que visa ser uma referência para
as organizações, facilitando a transferência de conhecimento e a harmonização de princípios,
vocabulários e processos existentes. Dessa forma, na abordagem deste artigo, cabe destacar
que a norma ISO 21500 mantém correlação com as áreas de conhecimento do Guia PMBOK,
inclusive quanto ao gerenciamento das partes interessadas.
Frequentemente, é possível se deparar com empreendimentos os quais sequer
identificaram as partes interessadas e, como resultado, a administração pública encontra
dificuldades de trabalhar com o que lhes é próprio, isto é, a divergência no enfrentamento de
questões as quais envolvam o sucesso do projeto, ou seja, as variáveis indicadas em Ribeiro
(2010b) para a qualidade e para a sustentabilidade das obras de infraestrutura prometidas para
a Copa de 2014 e para os Jogos Olímpicos de 2016, prejudicadas por aumentos alarmantes de
custos, conforme manifestação do próprio Tribunal de Contas da União, prazos extrapolados,
conforme manifestações dos comitês organizadores dos eventos, e escopos alterados para se
evitar tudo que possa criar arestas com segmentos da “opinião público-eleitoral”.
Em Ribeiro (2010a), destaca-se que a Constituição Federal (CF) de 1988 estabelece,
em seu art. 37, que a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da
IX CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 20, 21 e 22 de junho de 2013
10
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, e estatui, no inciso XXI do
mesmo art. 37, que a contratação de obras, serviços, compras e alienações dar-se-ão mediante
licitação pública que assegure igualdade de condições aos concorrentes, com cláusulas que
estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos
termos da Lei.
Ainda de acordo com Ribeiro (2010a), não há nada de subjetivo no conceito de
satisfação do interesse público, pois, para Limmer (1997), cada empreendimento precisa ser
visto como um projeto que esteja vinculado a cada fase de seu ciclo de vida e, portanto, deve
haver a preocupação de se identificar as partes interessadas em cada fase, destacando que a
busca pela satisfação do interesse público deverá estar presente em todas as etapas, desde a
fase inicial, quando o conceito técnico do empreendimento é desenvolvido. Essa importância
é destacada por Kolltveit & Gronhaug (2004), para quem o conceito de projeto passa pela
solução que satisfaça a funcionabilidade, a qualidade e a capacidade técnica especificada.
Seguindo essa linha, para Marques (2007), a preocupação deve se estender aos resultados
desejados (outcomes), bem como a perfeita operação e os custos de manutenção do projeto.
3. PROCESSOS DO GERENCIAMENTO DAS PARTES
INTERESSADAS EM PROJETOS BÁSICOS DE OBRAS PÚBLICAS
DE ENGENHARIA
O gerenciamento de projeto das partes interessadas em obras públicas de engenharia
exigirá a identificação de pessoas, grupos ou organizações as quais possam impactar ou serem
impactadas pelo empreendimento, de modo que expectativas, aspectos e impactos possam ser
adequadamente analisados, desenvolvendo-se estratégia de gerenciamento a qual considerou,
do ponto de vista técnico, o planejamento, a estruturação e a elaboração do projeto (ABASSI
& AL-MHARMAH, 2000), permitindo-se que todo o trabalho a ser feito seja previamente
determinado e definido, dando a devida importância à fase inicial do empreendimento
(KOLLTVEIT & GRONHAUG, 2004), com vistas à efetividade no envolvimento dos
stakeholders nas decisões e execução do projeto.
Não resta dúvida que obra pública será um resultado único, exigirá esforços
empreendidos temporariamente e, portanto, se enquadra na definição de projeto do Guia
PMBOK (2013), assim como no PMI Lexicon of Project Terms (2012).
IX CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 20, 21 e 22 de junho de 2013
11
O gerenciamento das partes interessadas demandará monitoramento contínuo o qual
garanta que: (a) novas partes interessadas sejam identificadas; (b) os atuais stakeholders
sejam revisados; e (c) partes interessadas as quais não estejam mais envolvidas sejam
removidas do plano de comunicações. Para tanto, será preciso compreender as necessidades e
as expectativas, encaminhando adequadamente as questões e ocorrências, gerenciando
conflitos de interesses, mantendo o envolvimento das partes interessadas nas decisões e
atividades da obra, cuja satisfação deve ser mantida como objetivo.
O propósito é o de constituir um universo mais simpático aos princípios de governança
da Administração Pública, contando com partes interessadas, de modo que:
1. o Estado aja como proprietário informado e ativo, estabelecendo clara e
consistente política de propriedade, assegurando que a governança seja
conduzida de forma transparente e responsável (accountable), com o
necessário grau de profissionalismo e efetividade (FONTES FILHO e
PICOLIN, 2008);
2. a administração pública deve pautar suas ações em processos recomendados no
gerenciamento de projetos, estendendo essa prática como requisito do projeto
básico;
3. a gestão dos particulares contratados deverá estar definida pela relação de ética
e transparência com todos seus shareholders (acionistas) e stakeholders
(parceiros e atores sociais importantes) durante a execução das obras e serviços
de engenharia;
4. as entidades da administração pública devem identificar os beneficiados e
priorizar os interesses da sociedade (government-to-citizen);
5. as contratadas devem agir como empresas cidadãs, com práticas de integridade
de gestão e proibição total ao suborno;
6. os empreendimentos devem permitir sua operação no prazo esperado;
7. os empreendimentos devem homenagear o binômio custo-benefício, buscando
atender à demanda justificável de médio e longo prazo, inclusive quanto aos
custos operacionais do ciclo de vida (life-cycle costing);
IX CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 20, 21 e 22 de junho de 2013
12
8. os empreendimentos devem possuir as características técnicas necessárias e
claramente definidas no projetos básicos;
9. devem ser estipuladas programações técnicas realísticas e eficientes, inclusive
como instrumento de solução harmoniosa de pleitos contratuais, buscando-se
respeitar a estimativas de custos previstas no projeto básico, ressalvadas as
variações técnico-normativas aceitáveis e justificáveis;
10. estejam contempladas as dimensões de sustentabilidade sociais, econômicas,
ecológicas, espaciais e culturais em cada projeto básico (SOUZA &
SAMPAIO, 2006).
Os processos de gerenciamento das partes interessadas de uma obra pública, conforme
recomendação do Guia PMBOK (2013), encontram-se descritas na tabela 2 abaixo, podendo
variar em virtude de certas especificidades de cada empreendimento:
Gerenciamento das partes interessadas
Processo Visão Geral do Gerenciamento das Partes Interessadas
Identificação das partes
interessadas
Circunvizinhança, comunidades locais, grupos os quais utilizem o local
como rota de deslocamento, concessionários de serviços públicos, áreas
ou micro-áreas conservadas ou preservadas ambientalmente, enfim,
pessoas, grupos ou organizações as quais possam ter resguardados seus
interesses, envolvimentos, interdependências, influências e potenciais
impactos na qualidade, nos prazos, na conformidade dos orçamentos e
no nível de satisfação do interesse público – isto é, o sucesso do projeto.
Plano de gerenciamento das
partes interessadas
Estabelecimento de estratégia visando a efetividade do envolvimento
das partes interessadas da obra ao longo do seu ciclo de vida. Esses
níveis de envolvimento poderão variar com o tempo, correlacionando-
se com a fase em que a obra se encontrar.
Gerenciamento do
envolvimento das partes
interessadas
Comissões de fiscalização com múnus público e representantes do
licitante contratado precisarão manter processos de comunicação
capazes de encontrar expectativas e necessidades, encaminhá-las
adequadamente, evitando-se frustrações das partes envolvidas através
IX CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 20, 21 e 22 de junho de 2013
13
do ciclo de vida do projeto.
Controle do envolvimento das
partes interessadas
Trata-se de processo de monitoramento de todas as relações com as
partes interessadas, ajustando-se estratégias e planos de envolvimento
dos stakeholders.
TABELA 2 – Grupos de processos do gerenciamento das partes interessadas – adaptado do novo Guia PMBOK.
Esses processos interagem entre si e com as demais nove áreas de conhecimento e seus
respectivos processos, harmonizados com outros padrões fundamentais globais do PMI,
permitindo-se terminologias consistentes e em alinhamento com a norma ISO 21500. Em que
pese ainda não haver a 5ª edição do Guia PMBOK em português, segue proposta na fig. 2 do
panorama dos processos para os projetos de obras públicas:
IX CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 20, 21 e 22 de junho de 2013
14
FIGURA 2 – Visão geral do gerenciamento das partes interessadas de uma obra pública, adaptada do Guia
PMBOK (2013).
4. VARIEDADES, DEFINIÇÃO E NÍVEIS DE INFLUÊNCIA DAS
PARTES INTERESSADAS
Visão Geral do
gerenciamento das partes
interessadas de uma obra
pública
Identificação das partes interessadas
1. Entradas
1. Termo de abertura do projeto
2. Compras e aquisições da obra
3. Fatores ambientais locais e regionais
4. Processos de bens e patrimônio
2. Técnicas e ferramentas
1. Análise das partes interessadas
2. Análise de engenheiros e arquitetos
3. Reuniões
3. Saídas
1. Registro das partes interessadas
Plano de gerenciamento das partes interessadas
1. Entradas
1. Plano de gerenciamento do projeto
2. Registro das partes interessadas
3. Fatores ambientais locais e regionais
4. Bens e patrimônio
2. Técnicas e ferramentas
1. Análise das partes interessadas
2. Reuniões
3. Técnicas analíticas
3. Saídas
1. Plano de gerenciamento das partes interessadas
2. Atualização dos documentos do projeto
Gerenciamento do envolvimento das partes interessadas
1. Entradas
1. Plano de gerenciamento das partes interessadas
2. Plano de gerenciamento das comunicações
3. Registro de alterações
4. Processos de bens e patrimônio
2. Técnicas e ferramentas
1. Metodologia de comunicação
2. Habilidades interpessoais
3. Gerenciamento das habilidades
3. Saídas
1. Registro de ocorrências
2. Requisições de mudanças
3. Atualizações do plano de gerenciamento do projeto
4. Atualização dos documentos do projeto
5. Atualização dos processos organiza-cionais de recursos, bens e patrimônio
Controle do envolvimento das partes interessadas
1. Entradas
1. Plano de gerenciamento de projeto
2. Registro de ocorrências
3. Dados de desempenho da obra
4. Processos organizacionais de recur-sos, bens e patrimônio
2. Técnicas e ferramentas
1. Sistemas de gerenciamento das informações
2. Análise de engenheiros e arquitetos
3. Reuniões
3. Saídas
1. Informações de desempenho da obra
2. Requerimentos e solicitações de alterações
3. Atualização do plano de gerenciamen-to de projeto
4. Atualização dos documentos do projeto
5. Atualização dos processos organizacionais de recursos, bens e patrimônio
IX CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 20, 21 e 22 de junho de 2013
15
Dado o volume de obras públicas em todas as esferas de governo e de Poderes, o que
se observa é a opinião pública recebendo informações dos meios de comunicação já na fase de
execução dos empreendimentos, quase sempre vinculadas à malverssação de recursos
públicos.
O que se constata, ainda, por intermédio de acórdãos e decisões dos órgãos de controle
externo, tais como Tribunal de Contas da União (TCU) e os Tribunais de Contas estaduais e
municipais, os quais são estranhos ao desenho organizacional de uma administração gestora
de contrato de obra pública, é que a atuação de controle independe da identificação de
demandas de representantes de comunidades locais, ou mesmo regionais.
Obra pública é marcada por especificidades que a diferencia dos demais tipos de
políticas públicas: suas atividades abrangentes interferem em transportes, telecomunicações,
exploração de recursos naturais, educação, saúde, enfim, no curso do mercado como um todo,
constituindo-se em ação direta do poder do Estado, ao qual é permitido constranger a ação de
atores privados, bem como gerar custos ou benefícios concentrados.
O empobrecido registro do histórico de participações de comunidades locais ou
regionais em tomadas de decisões pertinentes a projetos brasileiros conduzem a necessidade
de criação de mecanismos de efetiva identificação e participação de partes interessadas. No
âmbito de um regime democrático, no qual o elemento básico é a eleição da classe
responsável pela condução dos assuntos do Estado, qual a legitimidade de um órgão que
possui seu administrador nomeado politicamente, mas que não identifica e considera as
diversas demandas das partes interessadas no planejamento de obras de engenharia?
Órgãos e entidades da administração pública possuirão estruturas institucionais
desenhadas de modo a garantir a responsabilização, cuja legislação de criação define os
objetivos a serem perseguidos e os procedimentos a serem seguidos (MCCUBBINS, NOLL E
WEINGAST, 1987). Além disso, têm-se também mecanismos como o contrato de gestão, o
pedido de esclarecimento, as audiências instituídas pelo Legislativo, a indicação e arguição de
servidores públicos, as iniciativas do Ministério Público, entre outras medidas as quais
permitem estruturas de accountability horizontal expressiva. O Poder Judiciário torna-se
importante ator, vez que possui prerrogativa de revisar decisões administrativas,
caracterizando-se como um importante momento de responsabilização do administrador.
O desenho institucional também contém mecanismos de transparência e prestação de
IX CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 20, 21 e 22 de junho de 2013
16
contas, os quais buscam, ao mesmo tempo, evitar a captura por grupos de interesse, e também
inserir a política do órgão ou da entidade no contexto social. A ideia seria incentivar a
expressão de demandas da sociedade diretamente nos processos licitatórios. Entre os
mecanismos citados por Silva (2012) encontram-se a publicidade dos atos e a necessidade de
justificativa das decisões, cujo objetivo seria garantir maior transparência e constrangimento
sobre os administradores, impedindo decisões claramente enviesadas e sem justificativa.
Para a identificação e estabelecimento dos níveis de influência das partes interessadas,
haveria a necessidade de criação de mecanismos, tais como ouvidoria, conselhos consultivos e
as consultas e audiências públicas, bem como a atuação da comissão de fiscalização para
integrar a sociedade diretamente nas atividades empreendedoras, promovendo maior
receptividade às demandas dos diversos grupos sociais e também uma maior difusão de
informação acerca das fases de planejamento da obra pública, evitando-se uma orientação
disjuntiva de distanciamento e aproximação perante a sociedade e os atores do Estado,
oportunizando-se um ambiente no qual duas fontes de pressão podem ser evidenciadas: a
política e a econômica/social.
Fung (2006) estabelece três dimensões as quais resumem os principais aspectos dos
mecanismos de participação:
seleção dos participantes;
modo de comunicação/decisão dos participantes; e
extensão do impacto sobre o resultado.
A dimensão seleção dos participantes encontra-se relacionada com a qualificação
necessária para participar de debates, isto é, as restrições impostas para que determinado ator
possa participar, nesse caso, de questões técnicas de engenharia.
Ad
min
istr
ação
Ges
tore
s d
o
con
trat
o
Per
ito
s
(en
gen
hei
ros
e
arq
uit
eto
s)
Par
ttes
cap
acit
adas
inte
ress
adas
Par
tes
leig
as
inte
ress
adas
Sel
eção
alea
tóri
a
Rec
ruta
men
to
dir
ecio
nad
o
Au
to-
recr
uta
men
to
Ab
erto
------------- Estado --------------- ----------------------- Minipúblicos ------------------------ -------- Público ---------
Mais exclusivo Mais inclusiva
FIGURA 3 – Método de seleção de participantes, adaptado de Fung (2006).
IX CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 20, 21 e 22 de junho de 2013
17
Ainda, segundo Fung (2006) e Silva (2012), de um modo geral, o universo das partes
interessadas de uma obra pública, e, tem por base dois questionamentos centrais: quem é
elegível para participar? E, como indivíduos se tornam participantes? O eixo da fig. 3,
ordenado da categoria menos inclusiva para a mais inclusiva, tem como primeira forma de
seleção o expertise de cada grupo ou indivíduo, que se caracteriza pelo caráter extremamente
exclusivo e formalizado, exigindo dos candidatos especialização em áreas afins da engenharia
ou arquitetura. Esse sistema de seleção é visto, principalmente, nas câmaras técnicas,
mecanismos de participação que visam à integração de representantes especializados da
sociedade. Já a presença de representantes de classes (leigos e selecionados por diversas
formas) se constitui em uma forma mais inclusiva, na qual é predeterminada a gama de
interesses que poderão se habilitar. Tal forma é comumente vista nos conselhos consultivos,
nos quais representantes das principais classes interessadas na política em questão são
convidados a integrar um órgão de apoio aos formuladores de decisão. A representação de
classes pode tomar uma forma mais ou menos inclusiva, aproximando-se das categorias nos
extremos. A forma menos inclusiva é a participação apenas através da indicação e a forma
mais inclusiva, aquela que se aproxima do sistema aberto no qual, qualquer cidadão estaria
habilitado a participar, tal como as ouvidorias, consultas e audiências públicas.
A segunda dimensão seria o modo de comunicação e decisão, definindo-se a forma
como os participantes interagem com a administração e entre si, e como esses participantes
formulam suas opiniões e tomam decisões.
Ex
pec
tad
or
Ex
pre
ssão
Des
env
olv
imen
to
Ag
reg
ação
e
neg
oci
ação
Del
iber
ação
com
bin
ada
Imp
lem
enta
ção
de
técn
icas
e
ferr
amen
tas
Menos intenso Mais intenso
FIGURA 4 – Modos de comunicação e decisão, adaptado de Fung (2006).
Para Fung (2006), esses seis modos de comunicação (os três primeiros) e de tomada de
decisão (os três últimos) podem ser ordenados em uma segunda dimensão a qual varia, de
menos intenso para mais intenso, os níveis de investimento, conhecimento e
comprometimento dos participantes (fig. 4).
IX CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 20, 21 e 22 de junho de 2013
18
Os expectadores se constituem numa forma que efetivamente não envolve nenhum
tipo de comunicação ou decisão. A estrutura estabelecida é a de palestras e exposições, nas
quais o participante se torna um mero ouvinte. Já expressão refere-se a uma forma na qual o
participante tem a oportunidade de expressar suas preferências. Contudo, tal forma não
envolve o debate e a formação e transformação de preferências vistos na forma
desenvolvimento. Por último, as formas mais intensas se caracterizam pelo debate contínuo e a
modificação de preferências, em busca de uma decisão coletiva.
Por último, a dimensão extensão da autoridade e influência refere-se diretamente ao
impacto da participação, à ligação entre o que os participantes expressam e o resultado final.
O termo autoridade e influência parece mais adequada para os casos de obras públicas, em
consonância com Fung (2006), dado o padrão de formalidade e hierarquia adstritos ao serviço
público.
Ben
efíc
ios
pes
soai
s
Dif
usã
o d
e
info
rmaç
ão
Co
nse
lho
/co
nsu
lta
Co
go
ver
nan
ça
Del
iber
ação
Menos autoridade Mais autoridade
FIGURA 5 – Extensão de autoridade e influência, adaptado de Fung (2006).
Benefícios pessoais se referem à forma na qual o participante não possui expectativa
de influenciar o resultado final. Nesse sistema, o indivíduo se integra ao mecanismo em busca
de benefícios estritamente pessoais, como status ou uma satisfação de um dever cívico (Fung,
2006). Já na forma difusão de informação também não há expectativa de influência direta
sobre o resultado final; contudo, a participação em determinados mecanismos gera uma
visibilidade que pode, por fim, impactar o resultado indiretamente. Este é o caso da
participação de muitos políticos em audiências públicas, nas quais garantem visibilidades para
suas posições através da mídia. Na forma conselho/consulta há a possibilidade real de
influência sobre o resultado final. Contudo, a administração do órgão ou da entidade ainda
reserva para si o direito de aceitar ou não as sugestões advindas dos mecanismos de
participação. Este é o caso dos conselhos consultivos e de algumas audiências/consultas
públicas. Por último, tem-se o sistema de deliberação, no qual as decisões tomadas
IX CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 20, 21 e 22 de junho de 2013
19
efetivamente tornam-se políticas. As três dimensões desse modelo, em conjunto,
proporcionam a possibilidade de classificação dos mais diversos mecanismos de participação
social, cujos modos de comunicação podem empregar proposta de Nabatchi (2012) com
processos one-way (fluxo unidirecional de informações, como web sites, por exemplo), two-
way (fluxo bidirecional de informações, como ouvidorias, por exemplo) ou comunicação
deliberativa (oportunidade a todos de ampla manifestação e decisão, com obrigação de ouvir
atentamente). A forma como os participantes são selecionados, como se comunicam e tomam
decisões e a extensão do impacto de tais decisões orientam diretamente se as preferências dos
grupos sociais serão atendidas e quais grupos, especificamente, se beneficiarão e quais não.
In some venues, citizens who participate join in a kind of
cogoverning partnership in which they join with officials to
make plans and policies or to develop strategies for public
action (FUNG, 2006).
Na fig. 6, encontra-se adaptada a estrutura tridimensional do modelo de Fung (2006) e
Silva (2012) para a problemática e o contexto aqui trabalhados.
Extensão da autoridade e influência
Expectador
Expressão
Desenvolvimento
Agregação e negociação
Deliberação combinada
Implementação de técnicas e
ferramentas
Ad
min
istr
ação
Ges
tore
s d
o c
on
trat
o
Per
ito
s (e
ng
enh
eiro
s e
arq
uit
eto
s)
Par
ttes
cap
acit
adas
in
tere
ssad
as
Par
tes
leig
as i
nte
ress
adas
Sel
eção
ale
ató
ria
Rec
ruta
men
to d
irec
ion
ado
Au
to-r
ecru
tam
ento
Ab
erto
Benefícios pessoais
Difusão de informação
Conselho/consulta
Cogovernança
Deliberação
Seleção dos participantes
IX CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 20, 21 e 22 de junho de 2013
20
Comunicação e decisão
FIGURA 6 – Modelo tridimensional dos sistemas de participação, adaptado de Fung (2006).
5. CONCLUSÃO
Há amplo consenso quanto aos anos de 1990 para o Brasil, para os quais se
constituíram a “década das reformas”. O chamado Estado desenvolvimentista, caracterizado
pela forte intervenção no mercado e pela centralização do aparelho do Estado, já demonstrava
relevantes indícios de crise na década de 1980. Portanto, seria preciso que o Estado
funcionasse melhor e a um custo menor, e seguiram-se um dos maiores programas de
privatização do mundo, em especial, no governo Fernando Henrique Cardoso. Por envolver
aspectos de sustentabilidade, é dever do Estado gastar menos e melhor, com foco na
eficiência, fazendo "mais com menos”, o que para o caso das obras públicas, as quais
representam relevante parcela na indústria brasileira da construção civil, verifica-se que as
dimensões sociais, econômicas e ambientais e o tripé da sustentabilidade (triple bottom line)
encontram-se desequilibrados.
Eventos esportivos em nível internacional, a serem realizados nas grandes capitais
brasileiras, provocaram o início de grandes obras de infraestrutura, as quais se encontravam
represadas e descompassadas com as necessidades de crescimento. E, por se tratarem de obras
as quais utilizam recursos públicos, surgem os mecanismos impostos pelas regras de licitação
pública, quer seja em sua fase interna ou externa, divididas pelo momento em que se trazem
as condições do ato convocatório ao conhecimento público, por meio da publicação do edital.
Se na fase interna são possíveis as devidas correções, na fase externa, após a publicação do
edital, qualquer falha ou irregularidade constatada, se insanável, levará à anulação do
procedimento.
De fato, as licitações de obras públicas se constituiram como forma de estabelecer, ao
menos formalmente, uma maior transparência e responsividade da atividade de contratação à
sociedade como um todo. Contudo, para além da constatação desse avanço democrático, a Lei
de Licitações preceitua em seu art. 3º que a licitação destina-se a garantir a observância do
princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a
administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável, e em conformidade
com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da
IX CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 20, 21 e 22 de junho de 2013
21
publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do
julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos, salientando que a licitação não será
sigilosa, sendo públicos e acessíveis ao público os atos de seu procedimento, salvo quanto ao
conteúdo das propostas, até a respectiva abertura.
Em que pese a disposição jurídica, o que se percebe, na prática, é que não há
mecanismos os quais permitam a participação efetiva da sociedade. É o que Nabatchi (2012)
enfatiza: “praticamente nenhuma atenção é dada para o papel da opinião pública”. No entanto,
com o reconhecimento das técnicas e ferramentas do gerenciamento de projetos por diversos
órgãos e entidades da administração pública, o que se propõe é aproveitar a ascensão das
partes interessadas à nova área de conhecimento na quinta edição do Guia PMBOK, criando-
se e a institucionalizando-se arenas inclusivas para atuação de interesses coletivos, as quais
buscariam influenciar o processo de planejamento, proporcionando participação da sociedade
e a devida transparência (disclosure), assegurando-se visibilidade da gestão de contratos de
obras públicas, restando ao gestor assegurar o uso dos conhecimentos disponíveis de
gerenciamento de projetos, a implementação dos mecanismos de participação, os
instrumentos internos de fiscalização e a evidenciação dos resultados.
A proposta deste trabalho de se utilizar o gerenciamento das partes interessadas nas
fases interna e externa das licitações poderá levar em conta as três dimensões as quais
resumem os principais aspectos dos mecanismos de participação: seleção dos participantes,
modo de comunicação/decisão dos participantes, as reciprocidades e a extensão do impacto
sobre o resultado. A dimensão seleção dos participantes refere-se a quem é qualificado para
participar, ou seja, quais são (se há) as restrições impostas para que determinado ator possa
participar. A segunda dimensão, modo de comunicação/decisão, refere-se à forma como os
participantes interagem com a fiscalização da obra, e entre si, e como esses participantes
formulam suas opiniões e tomam decisões. Cabe destacar que, quanto aos modos de
comunicação, haverá processos one-way (fluxo unidirecional de informações, como web sites,
por exemplo), two-way (fluxo bidirecional de informações, como ouvidorias, por exemplo) ou
comunicação deliberativa (oportunidade a todos de ampla manifestação e decisão, com
obrigação de ouvir atentamente). Por último, a dimensão extensão do impacto sobre o
resultado refere-se à ligação entre o que os participantes propõem e o resultado final da
matéria em questão.
Mais do que a simples satisfação do interesse público, o que está em jogo é o
IX CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 20, 21 e 22 de junho de 2013
22
adequado balanceamento das dimensões de sustentabilidade de uma obra pública de
engenharia, a qual contemple as demandas da variedade de partes interessadas, sopesados por
intermédio de mecanismos de participação e implementados ainda no planejamento e na
elaboração do projeto básico, utilizando-se dos conhecimentos de gerenciamento dos
stakeholders.
REFERÊNCIAS
ABBASI, Ghaleb Y.; AL-MHARMAH, Hisham A. Project management by the public sector
in a developing country. International Journal of Project Management, n. 18. Amsterdam:
Elsevier, 2000.
ABRÚCIO, Fernando L. Os avanços e dilemas do modelo pós-burocrático: a reforma da
administração pública à luz da experiência internacional recente. In: BRESSER-PEREIRA,
Luiz C.; SPINK, Peter (Org.). Reforma do Estado e administração pública gerencial. 6. ed.
Rio de Janeiro: FGV, 2005.
ALENCAR, F. Democracia debilitada. Jornal O Globo, n. 29.029. Rio de Janeiro: Infoglobo,
2013.
Associação Brasileira de Normas Técnicas. Diretrizes sobre responsabilidade social – NBR
26000. Rio de Janeiro, 2010.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988.
Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>.
Acesso em: 9 jan. 2013.
BRASIL. Lei ordinária nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8666cons.htm>. Acesso em: 9 jan. 2013.
BRÄUNERT, Rolf Dieter Oskar Friedrich. Obras e serviços de engenharia e o pregão.
Curitiba: Negócios Públicos, 2008.
FONTES FILHO, Joaquim Rubens; PICOLIN, Lidice Meireles. Governança corporativa
em empresas estatais: avanços, propostas e limitações. Revista da Administração Pública, n.
42. Rio de Janeiro: FGV, 2008.
FUNG, Archon. Varieties of participation in complex governance. Public Administration
Review, vol. 66. Nova Jersey: John Wiley & Sons, 2006.
GARCIA, Riter Lucas Miranda. Eficiência em órgãos públicos: uma proposta de
indicadores. Dissertação de Mestrado. Fundação Getúlio Vargas. Rio de Janeiro, 2008.
GOLDFINCH, Shaun; DEROUEN JR, Karl; POSPIESZNA, Paulina. Flying blind? Evidence
for good governance public management reform agendas, implementation and outcomes in
low income countries. Public Administration and Development, v. 33, n. 1, Nova Jersey:
IX CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 20, 21 e 22 de junho de 2013
23
John Wiley & Sons, 2013.
HOCAYEN-DA-SILVA, Antônio João; ROSSONI, Luciano; FERREIRA JÚNIOR, Israel.
Administração pública e gestão social: a produção científica brasileira entre 2000 e 2005.
Revista da Administração Pública, n. 42. Rio de Janeiro: FGV, 2008.
JURAN, Joseph Moses; GRYNA, Frank Jr. Quality Planning and Analysis. Nova Iorque:
McGraw-Hill, 1993.
KAHLMEYER-MERTENS, Roberto S.; FUMANGA, Mario; TOFFANO, Claudia
Benevento; SIQUEIRA, Fabio. Como elaborar projetos de pesquisa – linguagem e
método. 2. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2009.
KOLLTVEIT, Bjorn J.; GRONHAUG, Kjell. Project management by the public sector in a
developing country. International Journal of Project Management, n. 18. Amsterdam:
Elsevier, 2000.
LIMMER, Carl V. Planejamento, orçamentação e controle de projetos e obras. Rio de
Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1997.
MARCONI, M. A.; LAKATOS, E. M. Técnicas de pesquisa: planejamento e execução de
pesquisas, amostragens e técnicas de pesquisa, elaboração e interpretação de dados. São
Paulo: Atlas, 1990.
MARSHALL JUNIOR, Isnard; CIERCO, Agliberto A.; ROCHA, Alexandre V.; MARQUES,
Maria da C. da Costa. Aplicação dos princípios da governança corporativa ao sector público.
Revista de Administração Contemporânea, v. 11, n. 2. Curitiba: UFPR, 2007.
McCUBBINS, Mathew; NOLL, Roger; WEINGAST, Barry. Administrative procedures as
instrument of political control. Journal of Law, Economics and Organization, v. 30, n. 2,
1987.
NABATCHI, Tina. Putting the “public” back in public values research: designing
participation to identify and respond to values. Public Administration Review, v. 72, n. 5,
Nova Jersey: John Wiley & Sons, 2012.
NEUMAN, L. W. Social research methods: qualitative and quantitative approaches. Boston:
Allyn & Bacon, 1997.
PMI. Um Guia do Conhecimento em Gerenciamento de Projetos. Guia PMBOK®. Quinta
Edição – EUA: Project Management Institute, 2013.
RIBEIRO, Jacemir Barbosa. Variáveis para a qualidade de projetos e obras na
administração pública: aplicação de estudo de caso. Dissertação de mestrado. Universidade
Federal Fluminense. Niterói, 2010a.
______________________. Variáveis para a qualidade de bens e obras de engenharia da
administração pública: a adoção de critérios de sustentabilidade. VI Congresso Nacional de
Excelencia em Gestão. Rio de Janeiro, Brasil: 21p. 2010b.
IX CONGRESSO NACIONAL DE EXCELÊNCIA EM GESTÃO 20, 21 e 22 de junho de 2013
24
SANTOS, Carlos Soares do, QUELHAS, Oswaldo L. G. O que é transparência
governamental? VIII Congresso Nacional de Excelencia em Gestão. Rio de Janeiro, Brasil:
22p. 2012.
TCU, Tribunal de Contas da União. Licitações e contratos: orientações e jurisprudência do
TCU. 4. ed. rev., atual. e ampl. Brasilia: Senado Federal, 2010.
VERGARA, Sylvia Constant. Projetos e relatórios de pesquisa em administração. 11. ed.
São Paulo: Atlas, 2009.
Top Related