CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA FACULDADE DE DIREITO DE CURITIBA
BRUNO RICARDO SOARES
TRÁFICO HUMANO: VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE E TRABALHO DECENTE
CURITIBA 2021
CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA FACULDADE DE DIREITO DE CURITIBA
BRUNO RICARDO SOARES
TRÁFICO HUMANO: VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE E TRABALHO DECENTE
Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de bacharel em Direito, do Centro Universitário Curitiba. Orientadora: Prof.ª Dra. Karla Pinhel Ribeiro
CURITIBA 2021
BRUNO RICARDO SOARES
TRÁFICO HUMANO: VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE E TRABALHO DECENTE
Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em
Direito, do Centro Universitário Curitiba, pela Banca Examinadora formada pelos
professores:
___________________________________________ Orientadora: Prof.ª Dra. Karla Pinhel Ribeiro
___________________________________________ Prof. Membro da Banca
Curitiba, ___ de __________de 2021
Dedico esta monografia aos meus pais. Essa
pesquisa é a confirmação de que todo seu esforço e investimento valeram a pena.
AGRADECIMENTOS
Primeiramente agradeço a Deus por me conceder saúde, força e
conhecimento. Sem Ele, essa segunda graduação jamais teria sido possível.
Em seguida, dedico agradecimentos ao bem mais valioso que eu posso ter,
minha família. Pai, Mãe, Dudu e Candy, vocês são a base da minha vida, obrigado
por todo o apoio e incentivo durante essa árdua jornada.
Às queridas professoras Maria da Glória Colucci e Karla Pinhel Ribeiro, por
toda a paciência e dedicação comigo ao longo do semestre. Foi uma honra tê-las
como orientadoras, seus ensinamentos foram fundamentais para que este projeto
pudesse ser concluído.
Aos meus amigos em geral, em especial o Leopoldo e a Ludmilla do curso de
Direito, que tornaram essa graduação mais leve, alegre e divertida. Sou
imensamente grato por todos as risadas, conversas e trabalhos em grupo, vocês
estarão sempre em meu coração.
“Não é concebível uma vida com dignidade entre a fome, a miséria e a incultura, pois a liberdade humana com frequência se debilita quando o homem cai na extrema necessidade, pois a igualdade e dignidade da pessoa humana exigem que se chegue a uma situação social mais humana e justa” (SILVA, José Afonso da).
RESUMO
Essa pesquisa tem como objetivo analisar o tráfico humano com ênfase no princípio da dignidade da pessoa humana à luz do direito positivo brasileiro e no trabalho decente. Elencado no primeiro artigo da Constituição da República Federativa do Brasil, se faz necessário em um primeiro momento realizar uma contextualização histórica acerca do referido princípio, compreendendo sua origem e conceituação nos dias atuais. Em seguida se examinará o trabalho decente de acordo com a resolução de nº 8 da Agenda 2030 da Organização as Nações Unidas e a declaração da Organização Internacional do Trabalho sobre princípios e direitos fundamentais do trabalho. Por fim, se investigará o tráfico de pessoas por meio de legislação nacional e estrangeira, crime organizado transnacional altamente lucrativo que também é conhecido como uma forma de escravidão moderna e que faz milhares de vítimas todos os dias, averiguando suas diversas modalidades e o que o Brasil tem desempenhado para combater essa prática. Palavras-chave: Tráfico humano. Princípio da dignidade da pessoa humana. Trabalho decente.
ABSTRACT
This research aims to analyze human trafficking with emphasis on the principle of human dignity in the light of Brazilian positive law and decent work. Listed in the first article of the Constitution of the Federative Republic of Brazil, it is first necessary to carry out a historical contextualization of the principle, understanding its origin and conceptualization today. Next, decent work will be examined in accordance with Resolution 8 of the 2030 Agenda of the United Nations and the International Labor Organization declaration on fundamental principles and rights of work. Lastly, the human trafficking will be investigated through national and foreign legislation, a highly profitable transnational organized crime that is also known as a form of modern slavery and which causes thousands of deaths every day, investigating its various modalities and what Brazil has done to combat this practice. Key words: Human trafficking. Principle of human dignity. Decent work.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 9 2 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE E O TRABALHO DECENTE ................................... 12 2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA DIGNIDADE ......................................................... 14
2.1.1 Antiguidade Clássica ........................................................................................ 16
2.1.2 Idade Média ...................................................................................................... 18
2.1.3 Novos Sentidos Da Dignidade ......................................................................... 20
2.1.4 Conceito ........................................................................................................... 24
2.2 TRABALHO DECENTE ...................................................................................... 28
2.2.1 Noções iniciais ................................................................................................. 29
2.2.2 Declaração OIT sobre princípios e direitos fundamentais do trabalho ............. 32
2.2.4 Agenda 2030 (ODS 8) ...................................................................................... 33
3 TRÁFICO HUMANO .............................................................................................. 36 3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS .............................................................................. 36
3.2 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA ................................................................. 39
3.3 MODALIDADES DE TRÁFICO HUMANO ......................................................... 44
3.3.1 Tráfico para fins de exploração sexual ........................................................... 45
3.3.2 Trabalho forçado .............................................................................................. 47
3.3.3 Servidão por dívida .......................................................................................... 48
3.4 COMÉRCIO VIRTUAL DE PESSOAS ............................................................... 49
3.5 POLÍTICAS DE ENFRENTAMENTO AO TRÁFICO NO BRASIL ..................... 53
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 59 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 62
9
1 INTRODUÇÃO
Ao falar de tráfico humano, compreende-se como forma atual de escravidão e
que movimenta milhares de dólares anualmente, por meio de mão de obra forçosa e
de baixo custo. Similarmente conhecido como crime organizado transnacional, o
referido delito não necessariamente ocorre no território de um único país, mas
também em diversas outras localidades, sendo muito comum acontecer entre
fronteiras. Os traficantes exploram vítimas que, em muitos casos, encontram-se em
condições sociais extremamente vulneráveis e que possuem dificuldade de acesso à
escolaridade, alimentação, saúde e moradia precária, sendo ludibriadas por falsas
promessas de melhoria de vida.
A pesquisa irá examinar que o referido crime viola inúmeros direitos e
garantias fundamentais adquiridos aos longos dos anos e que são inerentes a todas
as pessoas. Mais especificamente, as vítimas deste crime são privadas de dignidade
humana que detém o status de princípio e fundamento basilar de toda a
Constituição, como previsto em seu primeiro artigo. Ou seja, além de ferir valor
considerado por José Afonso da Silva como supremo1 na Carta Magna de 1988, o
crime de tráfico de pessoas ofende o próprio Estado Democrático de Direito como
um todo.
Sendo crucial a divulgação de conteúdo, a investigação e o debate sobre o
comércio humano, o presente trabalho irá aprofundar de forma ampla o tema e seus
desdobramentos na sociedade atual.
Para compreender o referido crime, se faz necessário em um primeiro
momento abordar o princípio da dignidade da pessoa humana à luz do direito
positivo brasileiro, dignidade esta que se faz presente em todos os indivíduos,
resultado de sua própria condição humana. Entende-se que dignidade é uma
característica do homem e não somente um direito, que independe de condição
social, sexo ou idade, sendo dever do ordenamento jurídico protegê-lo contra
qualquer arbitrariedade. Logo, será estudado de forma detalhada o conceito deste
princípio, acompanhando sua evolução por meio de períodos históricos da
sociedade: desde a antiguidade clássica, a idade média, até os dias atuais.
1 DA SILVA, José Afonso. A dignidade da pessoa humana como valor supremo da democracia. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 212, p. 87-98,1998.
10
Em seguida, será explorado a concepção de trabalho decente sob a
perspectiva da resolução de nº 8 da Organização das Nações Unidas e sua
correlação com a declaração da Organização Internacional do Trabalho sobre
princípios e direitos fundamentais do trabalho. Antes de adentrar no estudo sobre o
comércio humano, é importante entender o significado de trabalho decente,
considerando que as vítimas deste crime são impedidas de um trabalho digno e
devidamente remuneratório, fundamento este representado na Constituição Federal
e atrelado à concepção da dignidade da pessoa humana.
A Organização Internacional do Trabalho classifica o trabalho decente como
fundamento importante no enfrentamento a desigualdade social, garantindo a
democracia e o desenvolvimento sustentável do país, promovendo condições
igualitárias entre homens e mulheres e proporcionando laboração de qualidade,
respeitando a liberdade, equidade, segurança e a dignidade humana.
Posteriormente, irá se averiguar minuciosamente o crime de tráfico de
pessoas, tema principal desta pesquisa, visando auxiliar no debate sobre o tema e a
compreender suas diversas modalidades.
Preliminarmente, é fundamental compreender o significado desta prática
delitiva. Segundo o Decreto nº 5.017/2004, que publica o Protocolo Adicional à
Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à
Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em seu terceiro artigo,
informa que havendo o “recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou
o acolhimento de pessoas”2, restará configurado o crime de tráfico de pessoas.
Em seguida, o capítulo realizará uma contextualização histórica a respeito do
tráfico de pessoas, analisando os primeiros relatos desta prática na história e como
sua evolução nos últimos anos. Também abordará em seguida as diversas
modalidades do tráfico humano, sendo as principais elencadas pelo Escritório das
Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) como: trabalho escravo, o tráfico
para fins de exploração sexual e escravidão por dívida3.
2 BRASIL, Decreto no 5.017 de 12 de maio de 2004. Promulga o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças. Diário Oficial [da] República Federativa da União, Brasília, DF, 12 maio 2004. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Decreto/D5017.htm>. Acesso em 14 maio 2021. 3 UNODC, Global Report on Trafficking in Persons. Relatório Global sobre Tráfico de Pessoas. United Nations publication, Sales No. E.19.IV.2, United Nations, New York, 2018, p. 28. Disponível em: <
11
Para finalizar, compreender-se-á a relevância de políticas públicas na
efetivação do combate ao comércio humano, como uma coleta mais robusta de
informações sobre os principais trajetos de tráfico nacional, as principais vítimas e
suas características. Contudo, há outros pontos relevantes no enfrentamento ao
tráfico: a elucidação da população sobre o assunto, seja nas escolas e nas redes de
comunicação, como uma forma de prevenção contra o crime, a redução de
desigualdades, tendo em vista que a prática delitiva acontece em grande prevalência
com pessoas de baixa renda, a capacitação de profissionais para auxiliarem em
postos de atendimento as vítimas e por fim, cooperação internacional entre países.
https://www.unodc.org/documents/lpo-brazil//Topics_TIP/Publicacoes/GLOTiP_2018_BOOK_web_small.pdf>. Acesso em: 08 out. 2021.
12
2 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE E O TRABALHO DECENTE
Ao longo dos anos, a dignidade da pessoa humana se tornou peça-chave no
extenso rol de direitos fundamentais elencados nas Constituições mundo a fora. É
importante notar a evolução que a dignidade da pessoa humana teve no contexto
histórico da humanidade, sendo motivo principal de inúmeros protestos que ocorrem
por pessoas que pedem comida, saúde e educação.
Não obstante, falar na comercialização de pessoas é se referir aos inúmeros
direitos que são violados com a prática deste ato, principalmente na violação da
dignidade humana, esta que representa um conjunto de direitos fundamentais que
resguardam os indivíduos contra as mais diversas arbitrariedades que acontecem
todos os dias, assegurando-o vida digna e condições mínimas de subsistência.
Logo, para poder adentrar no tema do tráfico humano, será necessário
abordar o princípio da dignidade humana à luz do direito positivo brasileiro com
ênfase no trabalho decente, analisando tal princípio a partir da doutrina
constitucional brasileira e compreendendo a laboração digna de acordo com a
resolução de número 8 da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU).
Especificado no primeiro artigo da Constituição da República Federativa do
Brasil, o princípio da dignidade da pessoa humana pode ser considerado como
compromisso da sociedade como um todo e não apenas do Estado, sendo origem
direta de inúmeros direitos fundamentais e indireta de vários outros. Trata-se de
fundamento basilar da Carta Magna de 1988 e abordá-lo, é examinar valor supremo
intrínseco à pessoa, sendo dever do Estado em proteger tais direitos e garantir vida
digna para seus cidadãos, efetivando, assim, o Estado Democrático de Direito e
garantindo a ordem jurídica-constitucional4.
Acerca do referido valor supremo, José Afonso da Silva enfatiza que se trata
de algo muito maior que mero princípio do ordenamento jurídico pátrio:
Poderíamos até dizer que a eminência da dignidade da pessoa humana é tal que é dotada ao mesmo tempo de natureza de valor supremo, princípio constitucional fundamental e geral que inspiram a ordem jurídica. Mas a verdade é que a Constituição lhe dá mais do que isso, quando a põe como fundamento da República Federativa do Brasil constituída em Estado Democrático de Direito. Se é fundamento é porque se constitui num valor
4 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 05 out. 1988. Disponível em: <http://planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 13 mar. 2021
13
supremo, num valor fundante da República da Federação, do País, da Democracia e do Direito. Portanto, não é apenas um princípio da ordem jurídica, mas o é também da ordem política, social, econômica e cultural. Daí sua natureza de valor supremo, porque está na base de toda a vida nacional. Repetiremos aqui o que já escrevemos em outra feita, ou seja, que a dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida5.
A dignidade humana tem origens que precedem séculos de história da
humanidade, que percorre desde a antiguidade clássica (associado nessa época ao
status social do homem perante a sociedade); a idade média (relacionado aqui à
ideia cristã de que o homem foi criado à imagem de Deus e dessa forma, nasce
digno e precisa se manter afastado do pecado); até os tempos atuais. Com isso,
nota-se um princípio que teve grande evolução e que continua se transformando ao
passo que a humanidade também evolui.
É de senso comum entre os doutrinadores que falar de dignidade humana, é
se referir a um dos elementos primordiais da vida. Afinal, todo e qualquer cidadão
tem o direito de ter vida justa e digna e a este resta ser concedida a prerrogativa de
estar no mundo longe de qualquer preconceito e discriminação.
No ordenamento jurídico brasileiro, Flávia Piovesan esclarece que a
dignidade da pessoa humana é fundamento essencial da Constituição da República:
A dignidade da pessoa humana está erigida como princípio matriz da Constituição, imprimindo-lhe unidade de sentido, condicionando a interpretação das suas normas e revelando-se, ao lado dos Direitos e Garantias Fundamentais, como cânone constitucional que incorpora “as exigências de justiça e dos valores éticos, conferindo suporte axiológico a todo o sistema jurídico brasileiro6.
Em consonância com o que foi exposto até o momento, é possível concluir
que o princípio da dignidade da pessoa humana representa um dos fundamentos
mais básicos do Direito, tendo evidente prevalência hierárquica comparado às
demais normas jurídicas, preenchendo posição de destaque no ordenamento
jurídico nacional e internacional.
Bruno Weyne afirma que a dignidade humana possui maior expressividade se
comparado com outros princípios do ordenamento jurídico:
5 SILVA, 1998, p. 87-92. 6 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 54
14
Esse princípio parece, aliás, ter uma força retórica mais persuasiva, notadamente na justificação de medidas de proteção da pessoa humana, do que alguns modelos jurídico tradicionais, que se tornaram suspeitos por sua extrema vaguidade, tais como: os “princípios gerais de direito”, os “bons costumes”, o “bem comum”, a “ordem pública” e “a moralidade pública”7.
E desta forma, dada à importância deste fundamento no estudo do Direito
(especialmente no Direito Constitucional), se faz necessário pesquisar como se deu
sua evolução histórica.
2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA DIGNIDADE
O princípio da dignidade humana pode ser avaliado como um dos princípios
mais abrangentes e abstratos que há no ordenamento jurídico hoje. De tal forma
que, para determinados doutrinadores, é considerado fundamento da sociedade e
do Estado, como também o seu fim. Para Edinês Maria Sormani Garcia, este deveria
ser considerado como base da própria nação:
A nossa Constituição de 1988, por sua vez, põe como um dos fundamentos da República a dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso lll). Na verdade, este deveria ser apresentado como o fundamento do Estado brasileiro e não apenas como um dos seus fundamentos8.
Apesar de ser amplamente discutido nos últimos anos e citado
expressamente na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a ideia
de dignidade está ligada a lapso temporal histórico, isto é, sempre se transformando
e se desenvolvendo. Logo, é possível concluir que a ideia que a sociedade tem de
dignidade atualmente talvez não fosse a mesma que gerações passadas tinham
sobre este conceito.
O princípio da dignidade da pessoa humana surge como uma maneira de
garantir a segurança social, certificar que a população tenha vida digna e impedir
ainda mais a descaracterização do ser humano, efetivando-se assim após períodos
sombrios na história da humanidade, como é o caso das duas grandes Guerras
7 WEYNE, Bruno Cunha. O Princípio da Dignidade Humana: Reflexões a Partir da Filosofia de Kant. São Paulo: Saraiva Jur, 2013, p. 59. 8 GARCIA, Edinês Maria Sormani. Direito de Família: princípio da dignidade da pessoa humana. Franca, São Paulo: Editora de Direito, 2003, p. 33.
15
Mundiais e da fase do nazismo de Adolf Hitler. No Brasil, se firmou como axioma
principiológico após o país deixar a fase da ditadura militar9.
Após os eventos da Segunda Guerra Mundial, o mundo assistiu de perto o
desenrolar do conflito armado entre nações do Eixo e nações Aliadas, que suprimiu
inúmeros direitos fundamentais e resultou na morte de milhares de civis. Nesse
contexto, se fez necessária a inclusão de um princípio que tutelasse pelo bem
máximo do ser humano, que é a vida. Ana Paula de Barcellos compreende que “a
revelação dos horrores da Segunda Guerra Mundial transformou completamente as
convicções que até ali se tinham como pacíficas e universais”10.
Ainda sob esta perspectiva, Edinês Maria Sormani Garcia alega que:
A compreensão da dignidade suprema da pessoa humana e de seus direitos, no curso da História, tem sido, em grande parte o fruto da dor física e do sofrimento moral. A cada grande surto de violência, os homens recuam, horrorizados diante da ignomínia que afinal se abre claramente diante de seus olhos: e o remorso pelas torturas, as mutilações em massa, os massacres coletivos e as explorações aviltantes faz nascer nas consciências, agora purificadas, a exigência de novas regras de uma vida mais digna para todos11.
Abordar o princípio da dignidade da pessoa humana é falar, automaticamente,
sobre os Direitos Humanos que também foram alcançados após momentos difíceis
da história. Nesse cenário, a Organização das Nações Unidas (ONU), vendo a
importância na afirmação da dignidade humana, criou a Declaração Universal dos
Direitos do Homem em dezembro de 1948, estabelecendo um documento de
princípios que compromete seus signatários a respeitar os chamados direitos de
cidadania. Como explica Ferreira Filho:
A Declaração Universal de 1948 – constitui em ideal comum a atingir por todos os povos e todas as nações. O que vem a refletir uma visão otimista do progresso e da história como marcha em sentido determinado12.
9 RANGEL, Tauã Lima Verdan. Da Tortura da Ditadura Militar à justiça de transição na contemporaneidade: a proeminência do direito à memória. Revista Conteúdo Jurídico, 2015. Disponível em: <https://www.conteudojuridico.com.br/open-pdf/cj055917.pdf/consult/cj055917.pdf>. Acesso em: 08 abr. 2021. 10 BARCELLOS, Ana Paula de. Normatividade dos princípios e o princípio da dignidade da pessoa humana na Constituição de 1988. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 161. 11 GARCIA, 2003, p. 41. 12 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 31
16
A importância pela primazia dos Direitos Humanos é tanta, que se trata de
tema que vem sendo discutido há séculos, como é possível ver pelas incontáveis
Conferências Internacionais realizadas ao longo da história. Trindade, elenca
alguma delas: “Conferência Internacional da Cruz Vermelha (Genebra, 1921); XVIII
Conferência (Toronto 1952); XXXIV Conferência (Manila, 1981); XXV Conferência
(Genebra, 1986)”13.
Tais convenções são de extrema importância para o planeta, tendo em vista
que decisões relativas aos Direitos Humanos, tomadas por Federações, Órgãos
Internacionais e por entidades públicas, afetam diretamente a vida milhares de
pessoas todos os dias.
2.1.1 Antiguidade Clássica
Para compreender este referido princípio, é essencial conhecer suas raízes e,
cronologicamente, o primeiro antecedente histórico do termo talvez esteja na
antiguidade clássica, pois antes de ser amplamente discutido no Direito Positivo
atual, o conceito de dignidade consistia em ideia tanto filosófica, quanto teológica.
Bruno Weyne esclarece que a formação clássica do homem se baseava em
duas características fundamentais: “o homem como animal que fala e discorre e o
homem como animal político”14. Logo, neste cenário em que o homem se encontra
vinculado à pólis (Cidade-Estado na antiguidade grega), sua laboração na atividade
política era a única forma de atingir sua independência e autonomia. Havia uma
concepção na filosofia grega de que o homem possuía determinada superioridade
em relação aos animais, principalmente por ser o único dotado de razão15.
Bruno Weyne ensina ainda que a ideia de dignidade já era difundida na
antiguidade grega por Sófocles, que reafirmava tal superioridade do homem: “no
13 TRINDADE, Antônio Augusto Cançado; PEYTRIGNET, Gerard; RUIZ DE SANTIAGO, Jaime. As três vertentes da proteção internacional dos direitos da pessoa humana: direitos humanos, direito humanitário, direito dos refugiados. Costa Rica: Instituto Interamericano de Direitos Humanos, 1996, p. 34. 14 WEYNE, 2013, p. 17. 15 VIEIRA, Celso de Oliveira. Razão, alma e sensação na antropologia de Heráclito. 203 fls. Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2010. Disponível em: <https://repositorio.ufmg.br/bitstream/1843/BUOS-8JAPN9/1/disserta.pdf>. Acesso em: 09 abr. 2021
17
coro da tragédia Antígona, Sófocles considera claramente superior a posição do
homem no mundo.”16.
Embora seja possível sustentar que essa dominância do homem em relação
aos demais seres seja precedente significativo para a concepção de dignidade
humana que temos hoje, é a dignidade como termo sociopolítico que talvez tivesse
maior relevância na antiguidade clássica. Isto é, tinha-se a ideia de que a dignidade
do homem equivalia a determinado título, ou seja, quanto maior fosse seu papel
dentro da sociedade, maior seria seu prestígio. Em outras palavras, era comum a
ideia de haver homens mais dignos do que outros ou até mesmo desprovidos de
qualquer dignidade.
Todavia, é possível afirmar que a dignidade possuía duas acepções: de
cunho social e de cunho político. No contexto romano, a dignidade com cunho
político estaria atrelada a personalidades importantes, tais como: príncipes,
magistrados, autoridades e senadores; enquanto no cunho social indicava o lugar do
indivíduo na sociedade. Eduardo Rabenhorst demonstra que:
[...] mesmo no período democrático em Atenas, a sociedade grega era rigidamente estratificada, de modo que os direitos à igualdade (isonomia) e ao pleno exercício da palavra (isogonia) eram assegurados somente a poucos privilegiados, a saber: aos atenienses do sexo masculino, desde que filhos de atenienses e em pleno gozo de suas liberdades. Tratava-se de uma democracia aristocrática, na qual estavam excluídos da vida política, em virtude da sua própria natureza, as mulheres, os escravos e os estrangeiros17.
Adiante, Bruno Weyne ensina que Marco Túlio Cícero, sob influência do
estoicismo, foi pioneiro na ideia de dignidade como qualidade inerente à natureza
humana, independentemente de sua hierarquia na sociedade. Veja-se:
Ao contrário da concepção sociopolítica, a dignidade como atributo próprio do ser humano implica a aceitação de uma perspectiva interior, espiritual e igualitária. A argumentação de Cícero parte da superioridade da natureza do homem sobre a dos animais. Estes obedecem unicamente aos sentidos, são sensíveis aos prazeres do corpo e se comportam impetuosamente, enquanto que “o homem, ao contrário, com a ajuda da razão, que é o seu galardão, percebe as consequências, a origem, a marcha das coisas, compara-as umas com outras, liga e reata o futuro ao passado [...]18.
16 WEYNE, 2013, p. 19 17 RABENHORST, Eduardo Ramalho. Dignidade humana e moralidade democrática. Brasília: Brasília Jurídica, 2001, p. 16. 18 WEYNE, 2013, op. cit.
18
Logo, com fundamento nos estudos dos estoicos, surge pela primeira vez na
história da humanidade a ideia da dignidade como elemento da condição humana e
não pela posição hierárquica do homem na sociedade.
2.1.2 Idade Média
O conceito de dignidade na idade média apresenta uma relação muito
próxima com a dignidade na antiguidade clássica, estudada anteriormente. De
acordo com Henrique Vaz, há entre as duas tradições “uma comunidade temática,
ligada sem dúvidas à universalidade da experiência humana e dos seus conteúdos
fundamentais”19.
Importante notar que o pensamento medieval, em sua grande parte, envolve a
unidade do homem sob ponto de vista teológico, isto é, de forma cristã. Para Paul
Gilbert, isso implica no surgimento de categorias inéditas e de novo horizonte: “Na
Idade Média, a razão é a imagem de Deus; portanto, refletir sobre ela e sobre sua
abertura para uma transcendência conduz naturalmente a Ele”20.
Na antiguidade clássica, o conceito de dignidade estava atrelado a uma
conceituação sociopolítica, de forma que quanto maior o cargo social do homem,
mais alto fosse sua hierarquia na sociedade, maior seria sua dignidade; enquanto na
idade média, a concepção era de que homem se fundamentava em fonte divina, de
forma que, toda a razão do indivíduo era proveniente de força maior: a de Deus, e
Este, que criou o homem à sua imagem e semelhança. Com isso, tem-se a ideia de
dignidade humana baseada nos ensinamentos bíblicos.
Para Melina Fachin, São Tomás de Aquino foi pioneiro na utilização da
expressão dignidade humana na Idade Média: “a dignidade é inerente ao homem,
como espécie; e ela existe in actu só no homem enquanto indivíduo”21.
Logo, Aquino (e outros pensadores medievais que se baseavam no estudo da
Teologia), defendem que o homem, por ter sido concebido à figura de Deus,
encontra-se no mais alto ponto hierárquico dos seres, estando todo a criação abaixo
d’Ele.
19 VAZ, Henrique Cláudio de Lima. Antropologia filosófica l. São Paulo, Loyola, 1999, p. 60. 20 GILBERT, Paul. Introdução à teologia medieval. São Paulo: Loyola, 1999, p. 11. 21 FACHIN, Melina Girardi. Fundamentos dos direitos humanos: teoria e práxis na cultura da tolerância. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 31
19
Adiante, a concepção de dignidade adquiriu duas novas interpretações a partir
da Idade Média que, segundo Bruno Weyne, ao contrário da antiguidade clássica,
estão atreladas à fundamentação teológica:
A primeira era compreendida como uma dádiva divina destinada àquelas pessoas que ocupavam cargos elevados, sob o argumento de que, por serem representantes de uma ordem eterna criada por Deus, eram portadoras mortais de uma dignidade imortal. [...] A outra acepção de dignidade, sem dúvida, merece maior atenção, uma vez é a partir dela que se pode colher a contribuição e o limite da teologia medieval para construção moderna do conceito de dignidade humana. Mas em que se fundamenta essa dignidade?22.
O autor informa ainda que na teologia cristã, a dignidade pode ser encontrada
em determinadas fontes:
Em outras palavras, o que torna o homem um ser digno? Para a teologia cristã, a resposta dessas perguntas pode ser encontrada em três fontes principais: a Sagrada Escritura, autoridade maior e incontestada; os Padres da Igreja, dentre os quais merecem destaque, neste trabalho, as figuras de Agostinho de Hipona (354-430), integrante da Patrística, e de Tomás de Aquino (1225-1274), representante da Escolástica que realizou uma síntese da antropologia medieval, nela convergindo as teses fundamentais da tradição clássica e da tradição bíblico-cristã; e os filósofos e escritores gregos e latinos, cuja concepção de homem tem considerável influência sobre as duas fontes anteriores23.
Dessa forma, o conceito de dignidade para Bruno Weyne está atrelado à
definição de pessoa e deve ser usado para designar aqueles que possuem certa
dignidade (até mesmo a pessoa divina). Com isso, o homem que nasce com
dignidade, deve buscar mantê-la, já que este está fadado ao pecado24.
Por fim, conclui-se que a noção de dignidade humana na Idade Média é
fundada em reflexo da divindade sobre o homem e que este, por ter sido criado a
partir da imagem e semelhança de Deus, já nasce com certa dignidade inerente a
ele. Embasando-se em Peces Barba, prossegue Bruno Weyne afirmando que a
dignidade humana não foi uma criação repentina, pois se trata mais de dignidade
divina do que do próprio homem: “a dignidade medieval [...] não é propriamente
dignidade humana porque não é autônoma, nem promove o desenvolvimento
individual da condição humana e não parte do próprio indivíduo25.
22 WEYNE, 2013, p. 25 23 Ibid., p. 26. 24 Ibid., p. 29. 25 Ibid., p. 30.
20
2.1.3 Novos Sentidos Da Dignidade
Embora a dignidade humana seja tema de discussão antiga e que remeta aos
primórdios da história da humanidade, foi com o constitucionalismo moderno que o
princípio veio à tona por meio dos direitos fundamentais.
Tendo início no Século XIII e consagrando-se nos séculos seguintes, o
constitucionalismo moderno se consolidou por meio de Revoluções Burguesas, cuja
época foi marcada pelo acentuado liberalismo econômico e mais tarde pela notável
Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão em 178926.
Como o liberalismo predominava nessa época, em que direitos individuais
prevaleciam em detrimento do coletivo, o constitucionalismo moderno surgiu para
proteger o cidadão dos abusos do Estado, marcando uma ruptura entre o cidadão e
o aparelho estatal. Configuraram-se aqui os direitos de primeira geração (ou
dimensão), estes voltados para o homem como indivíduo. Paulo Bonavides resume
o que foi essa primeira geração de direitos da seguinte forma:
Os direitos da primeira geração são os direitos da liberdade, os primeiros a constarem do instrumento normativo constitucional, a saber, os direitos civis e políticos, que em grande parte correspondem, por um prisma histórico, àquela fase inaugural do constitucionalismo do Ocidente. Se hoje esses direitos parecem já pacíficos na condição política, em verdade se moveram em cada país constitucional num processo dinâmico e ascendente, entrecortado não raro de eventuais recuos, conforme a natureza do respectivo modelo de sociedade, mas permitindo visualizar a cada passo uma trajetória que parte com frequência do mero reconhecimento formal para concretizações parciais e progressivas, até ganhar a máxima amplitude nos quadros consensuais de efetivação democrática do poder27.
Nota-se que tal modelo econômico não se mostrou tão eficaz e era visível que
abusos vinham sendo cometidos, afinal tinha-se a ideia de que o direito individual de
um poderia prevalecer sobre o outro.
Ao passo que na Antiguidade Clássica prevalecia o pensamento de que
quanto mais alta fosse a posição hierárquica do homem perante a sociedade, maior
seria sua dignidade (no sentido de realização pessoal); na idade média essa noção
foi colocada de lado para dar lugar a um conceito mais teológico, de que o homem
26 Declarações Universais. Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão. São Paulo, 02 out. 1789. Disponível em: <www.dhnet.org.br/direitos/anthist/dec1789.htm>. Acesso: 18 abr. 2021. 27 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 17 ed. São Paulo, Malheiros, 2005, p. 563 - 564
21
era à imagem de Deus e que Este lhe concedia dignidade a partir de seu
nascimento, sendo necessário mantê-la.
Entretanto, a transição da Idade Média para a modernidade é marcada por
distanciamento do pensamento cosmocêntrico (conexão entre o Homem e o
Universo)28. Dessa forma, ocorre certa ruptura entre Deus e o homem, este que não
é mais reflexo de um ser divino, mas agora representa o próprio mundo. O mundo
agora se torna objeto de dominação do homem e não mais objeto de admiração.
Manfredo Araújo de Oliveira clarifica que:
Trata-se, portanto, da passagem de um horizonte cosmocêntrico-objetal para um horizonte antropocêntrico-subjetal. Isso significa, em primeiro lugar, a mudança no centro de gravidade do pensamento: de agora em diante, o modelo de ser a partir do qual tudo é pensável não é mais o ‘kosmos’ imutável, mas o próprio homem enquanto subjetividade. Muda-se aqui radicalmente o quadro básico de referência de pensamento: o homem não se sente mais simplesmente como parte do grande todo do ‘kosmos’, entendido como ordem acabada, definida, mas revela-se como algo radicalmente diferente de tudo mais: revela-se como subjetividade, como sujeito de seu conhecimento e de sua ação no mundo. Isso não significa que o único problema filosófico do homem seja o homem, mas antes que aqui se pensa e se age no horizonte de uma concepção antropocêntrica do real: o homem, enquanto subjetividade, é a fonte de sentido para tudo29.
A partir do século XVII, as ideias relativas à dignidade da pessoa humana
vêm ganhando destaque com a corrente jusnaturalista incentivadas pelo filósofo
Immanuel Kant (1724-1804).
José Afonso da Silva leciona que a filosofia kantiana se baseia no postulado
que “o homem, como ser racional, existe como fim em si, e não simplesmente
como meio, enquanto os seres, desprovidos de razão, têm um valor relativo e
condicionado, o de meios, eis por que se lhes chamam coisas”30. Ou seja, algo que
não possui valor, como a vida humana, tem dignidade, enquanto algo que não tem
valor, é substituível, é desprovido de dignidade.
Logo, para Kant, essa dignidade seria superior a qualquer preço e jamais
poderia ser ferida ou até mesmo vendida. Ainda, a dignidade humana representa
atributo distinto e inerente a cada ser humano, que o protege de qualquer
28 MARTINS, Paulo Henrique. O paraíso, o tao e o dilema espiritual do ocidente: passagem do antropocentrismo moderno para o cosmocentrismo pós-moderno. 33 fls. Artigo Científico (Pós-graduação em Sociologia) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 1999. Disponível em: <https://www.anpocs.com/index.php/encontros/papers/23-encontro-anual-da-anpocs/gt-21/gt16-17/5001-pmartins-o-paraiso/file>. Acesso em: 11 abr. 2021. 29 OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Ética e sociabilidade. São Paulo: Loyola, 1993, p. 89. 30 SILVA, 1998, p. 87-92
22
arbitrariedade, discriminação e tratamento humilhante, garantindo assim uma vida
digna para cada pessoa.
Fábio Comparato ensina que:
O caráter único e insubstituível de cada ser humano, portador de um valor próprio, veio a demonstrar que a dignidade da pessoa existe singularmente em todo indivíduo; e que, por conseguinte, nenhuma justificativa de utilidade pública ou reprovação social pode legitimar a pena de morte31.
E por meio desta compreensão filosófica que o princípio da dignidade
humana ganhou força nos últimos séculos, tornando uma nova maneira do Direito
conceituar e proteger o ser humano.
O pós segunda Guerra Mundial é marcado pelo início da era dos direitos,
que segundo Norberto Bobbio: “somente depois da Segunda Guerra Mundial é que
esse problema passou da esfera nacional para a internacional, envolvendo – pela
primeira vez na história – todos os povos”32.
Bruno Weyne declara que apesar deste marco histórico ter sido crucial na
idealização da dignidade humana no ordenamento jurídico, a existência prévia de
uma concepção humanitária e universalista também influenciou nessa construção:
Além desse marco histórico, certamente foi decisiva a existência prévia de uma concepção de homem igualitária e universalista, que superasse qualquer distinção, como as relativas ao sexo, à origem étnica, à nacionalidade, à religião e à saúde, em virtude de uma dignidade que é comum a todos os membros da espécie humana. Desse modo, a partir de meados do século XX, os documentos normativos internacionais e nacionais passaram a reservar uma posição de destaque à ideia de dignidade humana, assumindo esta a função de princípio fundamental da ordem jurídico-política33.
Dessa forma, os Direitos Humanos começam a se pavimentar como
referenciais da ordem internacional, criticando o ordenamento jurídico que coloca
de lado valores éticos, como foi o caso do nazismo na década de 1920.
Como resposta a esse período sombrio na história da humanidade e por
meio da difusão dos direitos humanos, a dignidade da pessoa humana se torna
preocupação internacional e não mais mero assunto interno de cada Estado. Como
exemplo, é possível citar a criação do Tribunal de Nuremberg em 1945, que teve
31 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 30 32 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 2004, p. 26 33 WEYNE, 2013, p. 55
23
como objetivo julgar os crimes cometidos durante o período nazista e da segunda
Guerra Mundial, como também firmar um novo modelo de justiça no mundo34.
Flávia Piovesan destaca ainda que “o significado do Tribunal de Nuremberg para o
processo de internacionalização dos direitos humanos é duplo: não apenas
consolida a ideia da necessária limitação da soberania nacional como reconhece
que os indivíduos têm direitos protegidos pelo direito internacional”35.
Adiante, Melina Fachin afirma que “a assinatura da Carta das Nações
Unidas marca o começo de uma nova ordem internacional, agora com o foco de
proteção dos Direitos Humanos sob o manto da universalidade”36. Com isso, a
Assembleia Nacional das Nações Unidas aprova em 1948 a Declaração Universal
dos Direitos Humanos, sendo a primeira organização internacional a englobar toda
a população, como é visto no primeiro artigo da referida declaração: “todos os
seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”37. Por fim, a
declaração inovou ao incorporar concepção mais atual de direitos humanos, na
qual enfatizou que esses direitos são irredutíveis e universais, gerando no cenário
internacional uma perspectiva baseada na supremacia do indivíduo e a busca por
cooperação entre os povos.
Após a Declaração Universal de 1948, diversas outras Constituições
passaram a adotar a dignidade humana como elemento fundamental em seu
ordenamento jurídico. Bruno Weyne exemplifica alguma delas:
Apenas a título ilustrativo, fazem referência à dignidade humana: Constituição do Paraguai (Preâmbulo e art. 1o e 46); Constituição do México (art. 3.1 e 25); Constituição de Portugal (art. 1o); Constituição da Espanha (Preâmbulo e art. 10, I); Constituição da Itália (art. 3o e 41); Constituição da Bélgica (art. 23); Constituição da Grécia (art. 7.2); Constituição da Suíça (art. 119); Constituição da Irlanda (Preâmbulo); Constituição da Suécia (art. 2o); Constituição da República Tcheca (Preâmbulo); Constituição da Finlândia (art. 1o); Constituição da Polônia (Preâmbulo e art. 30); Constituição da Lituânia (art. 21); Constituição da
34 ZAGO, Tatiana Sigal. Tribunal de Nuremberg: os antecedentes e o legado. 78 fls. Monografia (Graduação em Direito) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2013. Disponível em: <https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/35576/80.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: 11 abr. 2021 35 PIOVESAN, 2011, p. 123 36 FACHIN, Melina Girardi. Verso e anverso dos fundamentos contemporâneos dos direitos humanos e dos direitos fundamentais: da localidade do nós à universalidade do outro. 178 fls. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2008. Disponível em: https://tede2.pucsp.br/bitstream/handle/8123/1/Melina%20Girardi%20Fachin.pdf>. Acesso em: 11 abr. 2021 37 ONU, Organização das Nações Unidas. Declaração universal dos direitos humanos, 1948. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos>. Acesso em: 13 abr. 2021
24
Eslovênia (art. 34); Constituição da Rússia (art. 7o); Constituição da África do Sul (Seções 7a e 10); Constituição de Israel (art. 1o)38.
No Brasil, o princípio da Dignidade Humana aparece de forma expressa pela
primeira vez na Constituição da República de 1988 no primeiro artigo, inciso lll,
como um dos fundamentos da República, que traz:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana;39
Ingo Sarlet declara que o constituinte adotou importante decisão no que diz
respeito ao Princípio da Dignidade Humana ao incluí-lo categoricamente na lei
maior: “[...] reconheceu categoricamente que é o Estado que existe em função da
pessoa humana, e não o contrário, já que o ser humano constitui a finalidade
precípua, e não o meio da atividade estatal”40.
2.1.4 Conceito
A dignidade é considerada inerente a todos às pessoas, resultado de sua
condição humana. A pessoa já nasce com dignidade, pelo simples fato de fazer
parte da raça humana, que o torna merecedor de respeito pelos demais indivíduos
ao seu redor. Marcelo Novalino afirma que a dignidade não é direito, mas sim
característica do homem: “[...] independentemente de sua origem, sexo, idade,
condição social ou qualquer outro requisito, o ordenamento jurídico não confere
dignidade a ninguém, mas tem a função de protegê-la contra qualquer tipo de
violação”41.
Bruno Weyne ensina que a palavra dignidade, separada do adjetivo
humana, vem do latim: “[...] o conceito tem como ponto de partida o verbo latino
decet (“ser conveniente”), de onde provêm o adjetivo dignus (“que convém a”,
“merecedor”, “digno de”) e o substantivo dignitas (“dignidade”, “mérito”, “nobreza”,
38 WEYNE, 2013, p. 56 39 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 05 out. 1988. Disponível em: <http://planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 13 mar. 2021 40 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 5 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 67-68 41 NOVELINO, Marcelo. Curso de Direito Constitucional. 2 ed. São Paulo: Método, 2008, p. 210
25
“excelência”)”42. Dignidade possui conotação de respeitabilidade, ou seja, que é
necessário ser respeitado e que, na antiguidade clássica, remetia à posição
hierárquica que o homem, bastante digno, possuía perante a sociedade.
Ingo Sarlet ilustra o que é dignidade:
A qualidade intrínseca e distintiva de cada Ser Humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos43.
Tomando por base o ensinamento anterior, pode-se afirmar que todos os
indivíduos devem ser considerados pelo Estado Democrático de Direito, sem
qualquer tipo de isenção. Isso remete ao estudo da dignidade humana nos
primórdios da humanidade, já que se trata de garantia contra o arbitramento estatal
e também de assegurar respeito de integridade ao homem.
Não obstante, nota-se que a dignidade está diretamente relacionada com os
direitos humanos. Afinal, a dignidade humana faz parte dos direitos de
personalidade, que os categorizam como inalienáveis, indisponíveis e
intransmissíveis. Tais direitos de personalidade não possuem conceituação
definitiva, logo se faz necessário sua classificação por meio de doutrina. Adriano
de Cupis exemplifica o que são estes direitos:
É reservada àqueles direitos subjetivos cuja função, relativamente à personalidade, é especial, constituindo o minimum necessário e imprescindível ao seu conteúdo. Por outras palavras, existem certos direitos sem os quais à personalidade restaria uma susceptibilidade completamente irrealizada, privada de todo o valor concreto: direitos sem os quais os outros direitos subjetivos perderiam o interesse para o indivíduo – o que equivale a dizer que, se eles não existissem, a pessoa não existiria como tal. São esses os chamados ́direitos essenciais, com os quais se identificam, precisamente os direitos da personalidade44.
Adiante, Szaniawski observa que a personalidade é de suma importância no
Direito, pois outros bens jurídicos dependem dela para funcionar:
42 WEYNE, 2013, p. 17 43 SARLET, 2002, p. 70 44 CUPIS, Adriano de. Os direitos da personalidade. Lisboa: Livraria Morais, 1961, p. 17
26
Personalidade se resume no conjunto de caracteres do próprio indivíduo; consiste na parte intrínseca da pessoa humana. Trata-se de um bem, no sentido jurídico, sendo o primeiro bem pertencente à pessoa, sua primeira utilidade. Através da personalidade, a pessoa poderá adquirir e defender os demais bens45.
.
O autor reitera também os bens que compõe a personalidade humana, sendo
elas:
Os bens que aqui nos interessam são aqueles inerentes à pessoa humana, a saber: a vida, a liberdade e a honra, entre outros. A proteção que se dá a esses bens primeiros do indivíduo denomina-se direitos da personalidade46.
Logo, falar em dignidade humana dentro do ordenamento jurídico, é afirmar
que esse princípio se refere a uma concepção de isonomia, afinal todos são iguais
perante a lei. Não só isso, mas conceituar de dignidade é algo muito maior,
significa também conjunto de diversos outros direitos fundamentais que são
partilhados entre as pessoas.
Nesse sentido, não é possível declarar nos tempos atuais de que há
dignidade maior ou menor, como se ela variasse de pessoa para pessoa. O
indivíduo, por mais falho que seja, jamais deixará de perder sua dignidade. Afinal,
afirmar que o sujeito seja indigno, hoje, é assegurar que ele seja merecedor de
uma sanção, por exemplo, e não se referir a ele como alguém com pouca ou
menor dignidade.
Carmem Lúcia demonstra que a dignidade é algo que antecede ao Estado:
O sistema normativo de direito não constitui, pois, por óbvio, a Dignidade da Pessoa Humana. O que ele pode é tão-somente reconhecê-la como dado essencial da construção jurídico-normativa, princípio do ordenamento e matriz de toda organização social, protegendo o homem e criando garantias institucionais postas à disposição das pessoas a fim de que elas possam garantir a sua eficácia e o respeito à sua estatuição. A Dignidade é mais um dado jurídico que uma construção acabada no direito, porque firma e se afirma no sentimento de justiça que domina o pensamento e a busca de cada povo em sua busca de realizar as suas vocações e necessidades47.
Cada indivíduo é titular de sua própria dignidade e, com isso, merece que
tanto o Estado, quanto sua comunidade, o tratem com o devido respeito. É
importante frisar que no Estado Democrático de Direito, de acordo com Gilmar
45 SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela. São Paulo: RT, 2002, p. 35 46 Ibid., p. 35. 47 ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e a Exclusão Social. Revista Interesse Público, São Paulo: Notadez, p. 26. 1999.
27
Mendes, não há de se falar em princípios absolutos, pois em certas ocasiões, um
acabará prevalecendo sobre o outro, havendo a necessidade de ponderação de
valores48.
Como já estudado anteriormente, Kant esclarece que o homem tem fim em si
próprio e é detentor de característica especial, essa se chama de dignidade. Por ser
possuidor dessa qualidade com status de valor supremo, o homem não pode ser
utilizado como instrumento do Estado. Ou seja, pela dignidade humana fundamento
basilar da Constituição da República, o Estado precisa agir como agente garantidor
dos direitos fundamentais da todo e qualquer cidadão.
Marcelo Novelino Camargo corrobora tal informação, afirmando que quanto à
dignidade, não se trata de mero direito, mas sim de atributo:
A Dignidade da pessoa humana não é um direito concedido pelo ordenamento jurídico, mas um atributo inerente a todos os seres humanos, independentemente de sua origem, raça, sexo, cor ou quaisquer outros requisitos. A consagração no plano normativo constitucional significa tão-somente o dever de promoção e proteção pelo Estado, bem como de respeito por parte deste e dos demais indivíduos49.
O Supremo Tribunal Federal reafirma por meio de entendimento
jurisprudencial, que a dignidade humana é princípio essencial para o Direito:
A duração prolongada, abusiva e irrazoável da prisão cautelar de alguém ofende, de modo frontal, o postulado da dignidade da pessoa humana, que representa – considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º, III)– significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo. (HC 85.237, Rel. Min. Celso de Melo, j. 17/03/05, DJ 29/04/05)50.
Edinês Maria Sormani Garcia reitera a relevância da dignidade humana no
ordenamento jurídico, sendo esse princípio norteador do Estado e quem vem se
firmando com cada vez mais frequência em decisões judiciais:
48 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 58 49 CAMARGO, Marcelo Novelino. O conteúdo jurídico da dignidade da pessoa humana. Leituras complementares de constitucional – direitos fundamentais. Salvador: JusPODIVM, 2006, p. 47 50 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 85.237. Relator: Ministro Celso de Mello, Brasília, DF, DJe 29 abr. 2005. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=2260709>. Acesso em: 16 abr. 2021.
28
Como se vê, o princípio da dignidade da pessoa humana, um dos princípios fundamentais do Estado de Direito, passou a fundamentar decisões judiciais, irradiando-se, portanto, para além do ordenamento jurídico, para a concretização51.
Com o que foi estudado ao longo desse capítulo, foi visto como o conceito da
dignidade humana passou por grandes transformações ao longo dos anos e
continua se moldando, ao passo que a geração atual evolui, sempre buscando se
inovar e se manter inclusiva a todos os povos.
Por se tratar de fundamento basilar na Constituição da República, o princípio
da dignidade humana confere ao cidadão acesso a um rol de direitos e garantias
fundamentais assegurados pelo legislador, para que a sociedade possa viver
dignamente e impondo limites ao poder estatal, evitando assim que ocorram abusos
em meio a aplicação de normas.
Conclui-se que todo indivíduo nasce com dignidade, pois esta é condição
preexistente ao ser humano. Logo, se todos nascem dignos, pressupõe-se que a
dignidade acarreta uma concepção de igualdade, de justiça, afinal todos são iguais
perante a lei segundo o constitucionalismo brasileiro. Mesmo em situações que há
privação de liberdade, como é o caso do estado de exceção52, não há que se falar
em exclusão da dignidade, pois seria incompatível com o Estado Democrático de
Direito.
2.2 TRABALHO DECENTE
Como já estudado no tópico anterior, o princípio da dignidade humana pode
ser classificado como um dos axiomas mais importantes existentes no ordenamento
jurídico pátrio atual. De tal forma que, doutrinadores o consideram tanto fundamento
da sociedade e do Estado, como também o seu fim.
Tendo em mente a conceituação deste princípio, seu contexto histórico ao
longo dos anos e sua relevância no contexto social, se faz necessário neste instante
adentrar no estudo do trabalho decente à luz da resolução de nº 8 dos Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas
(ONU), tema imprescindível e ligado diretamente tanto à dignidade humana como ao
51 GARCIA, 2003, p. 50 52 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional. 25 ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 761
29
crime de tráfico humano, afinal tal prática delitiva é considerada como uma forma de
atual de escravidão, em que as pessoas são coagidas a trabalhar de forma abusiva
e em muitos dos casos contra sua vontade, podendo ou não serem remuneradas.
2.2.1 Noções iniciais
É possível afirmar que o conceito de escravidão sofreu uma evolução com o
passar dos anos, fazendo com que novas maneiras de subordinação econômica e
social emergissem, diferente do que era visto nos regimes escravocratas de
décadas atrás (apesar de tais regimes não terem sido totalmente erradicados e
ainda são vistos em diferentes cantos do mundo).
Conforme relatório universal elaborado pela Organização Internacional do
Trabalho junto com a fundação Walk Free em 2017, foram constatadas milhares de
pessoas vivendo em situações degradantes e em situações análogas à escravidão:
As novas Estimativas Globais apresentadas neste relatório indicam que mais de 40 milhões de pessoas foram descobertas em situação de escravidão moderna em 2016. Este número alarmante é um alerta para a comunidade global, que, através da adoção dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), se comprometeu com a meta de acabar com a escravidão moderna e o tráfico de pessoas até o ano 203053.
Ainda sobre trabalho escravo, trata-se de direta violação de direitos da
pessoa humana, afinal o Brasil é signatário de Convenções Internacionais que
proíbem qualquer tipo de laboração forçada no País. De acordo com Maria da Glória
Colucci, observa-se que:
A escravidão, em suas diversas formas, tem sua origem em regimes totalitários, a exemplo da Coreia do Norte e da Venezuela, onde a fome e a violência dominam. A agressividade do mercado impulsiona a demanda de trabalhadores, sem levar em conta as condições das atividades desenvolvidas. Por outro lado, a pobreza e a falta de acesso ao desenvolvimento, à educação e à qualificação profissional, inviabilizam melhores condições de vida. Conforme conceito dado de “escravidão moderna”, os elementos que a compõem revelam situações em que pessoas não têm alternativas, senão aceitar a exploração abusiva de sua
53 International Labour Organization and Walk Free Foundation. Global estimates of modern slavery: Forced labour and forced marriage International Labour Office (ILO), Geneva, 2017. Disponível em: <https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---dgreports/---dcomm/documents/publication/wcms_575479.pdf>. Acesso em: 12 set. 2021.
30
força física, emocional e intelectual, pela absoluta falta de oportunidades e despreparo54.
Dentro desta perspectiva, o que vem a ser o trabalho decente? Segundo a
Organização Internacional do Trabalho, toda forma laboração precisa proporcionar
ao trabalhador uma vida digna e satisfatória, ou seja, refere-se a coletivo de direitos
que visam proteger o empregado, priorizando sua dignidade. Sobre o tema, Luciane
Barzotto leciona:
Aquele que é desenvolvido em ocupação produtiva, justamente remunerada e que se exerce em condições de liberdade, equidade, seguridade e respeito à dignidade da pessoa humana55.
Logo, evidencia-se que o trabalho decente não é apenas forma de enfrentar o
desemprego gerando novos postos de trabalho, se trata de algo muito além, como
lutar por laboração digna e que gere renda suficiente para que os trabalhadores e
suas famílias consigam superar a pobreza, reduzindo desigualdades sociais e
promovendo equidade e segurança laboral. Laís Abramo sintetiza melhor o assunto:
Em outras palavras, o conceito de trabalho decente acrescenta, à noção anteriormente consolidada de um emprego de qualidade, as noções de direitos (todas as pessoas que vivem do seu trabalho são sujeitos de direito e não apenas aquelas que estão no setor mais estruturado da economia), proteção social, voz e representação56.
A Organização Internacional do Trabalho resume trabalho decente em quatro
pilares fundamentais, sendo eles:
Ao final da década de 1990, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) desenvolveu e passou a disseminar o conceito de trabalho decente como síntese do seu mandato histórico, lastreado em quatro pilares estratégicos: i) respeito às normas internacionais do trabalho, em especial aos princípios e direitos fundamentais do trabalho (liberdade sindical e reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva; eliminação de todas as formas de trabalho forçado; abolição efetiva do trabalho infantil; eliminação de todas as formas de discriminação em matéria de emprego e ocupação); ii) promoção
54 COLUCCI, Maria da Glória. Escravidão Moderna e Direitos Sociais (ODS 8), 29 set. 2021 Disponível em: <https://rubicandarascolucci.blogspot.com>. Acesso em: 12 set. 2021. 55 BARZOTTO, Luciane Cardoso. Direitos humanos e trabalhadores: atividade normativa da Organização Internacional do Trabalho e os limites do Direito Internacional do Trabalho. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 127 56 ABRAMO, Laís. Trabalho Decente: o itinerário de uma proposta. Bahia análise & Dados, Salvador, v. 20, n. 2/3, p. 163, jul./set. 2010. Disponível em: <http://antigo.safiteba.org.br/documentos/artigo_trabalho_decente.pdf>. Acesso em 12 set. 2021
31
do emprego de qualidade; iii) extensão da proteção social; e iv) diálogo social57.
Constata-se que a Organização Internacional do Trabalho promoveu o
referido termo para que os Estados membros pudessem reavaliar as formas de
trabalho oferecidas à população, transformando-o em um objetivo (como é o caso da
resolução nº 8 da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas e que será
estudada mais tarde) e podendo assim evoluir junto com a sociedade, de forma
íntegra e concomitante com o progresso social e econômico. Importante ressaltar
que não é um dever apenas do Estado em zelar pelo trabalho decente, mas também
de toda sociedade, afinal as empresas privadas precisam resguardar os direitos dos
trabalhadores, promovendo laboração justa e digna. Mara Darcanchy corrobora tal
informação:
Destarte, a questão que se ressalta é que a identificação da empresa como ética e socialmente responsável não resulta somente da criação e/ou participação em grandiosos projetos sociais com autopromoção midiática, mas sim, também de ações cotidianas de seus gestores, como a preocupação com o entorno, com a comunidade local onde a empresa está inserida: o tratamento digno concedido aos seus colaboradores através de políticas públicas de contratação do trabalho decente58.
Para Ulrich Back, a sociedade representa “uma ameaça para si mesma, pois
com a incessante produção de riqueza vem acompanhada igualmente uma
produção social de riscos globalizados, os quais atingem todas as nações, sem
distinções”59. Ou seja, com a desenfreada globalização dos últimos anos, há de um
lado uma falsa percepção de homogeneização, enquanto do outro, verifica-se um
aumento das desigualdades sociais.
Maria da Glória Colucci discorre ainda:
Com a globalização, os problemas se tornam comuns aos países, não só referentes ao comércio internacional, mas em relação ao tráfico de pessoas, de trabalhadores, a exploração de mulheres e crianças em situação de
57 BERG, Janine; RIBEIRO, José. Evolução recente do trabalho decente no Brasil: avanços e desafios. Mercado de Trabalho: conjuntura e análise. IPEA, ano 15, n. 44, p. 19-28. Disponível em: <http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/3975/1/bmt44_03_nt01_evolucao.pdf>. Acesso em 12 set. 2021. 58 DARCANCHY, Mara. O “Decent Work” na globalização socialmente inclusiva do direito internacional do trabalho. Revista Juridica, [S.l.], v. 2, n. 29, p. 164-184, dez. 2012. ISSN 2316-753X. Disponível em: <http://revista.unicuritiba.edu.br/index.php/RevJur/article/view/519/403>. Acesso em: 12 set. 2021. 59 BACK, Ulrich. Sociedade em risco: rumo a outra modernidade. Tradução de Sebastião Nascimento. 34 ed. São Paulo: Editora 34, 2010, p. 73
32
risco, devido à migração desordenada, como acontece ao norte do País, com os mexicanos60.
Enfim, é possível concluir que o tráfico humano é estimulado pelas situações
de extrema pobreza no mundo, levando as pessoas a buscarem melhores condições
de vida, sobretudo nas modalidades de exploração sexual, trabalho forçado e o de
servidão por dívida, temas que serão aprofundados no próximo capítulo.
2.2.2 Declaração OIT sobre princípios e direitos fundamentais do trabalho
Em um cenário de inúmeras violações humanitárias no âmbito nacional e
internacional, é indispensável mecanismos de proteção e concretização desses
direitos. São dois os principais momentos históricos que efetivaram o processo
internacional de autenticação e efetivação dos direitos dos trabalhadores: a criação
da Organização Internacional do Trabalho, que surgiu em um contexto pós Primeira
Guerra Mundial, em Versalhes, no ano de 1919, com o objetivo de fomentar a justiça
social, sendo um dos “primeiros regimes internacionais dispostos funcionalmente na
matéria de direitos humanos”61 e a adoção, anos mais tarde, da Declaração sobre os
Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho.
Para Luiz Eduardo Gunther, a Organização Internacional do Trabalho possui
importância excepcional:
Observa-se como os efeitos da globalização-mundialização podem apresentar desafios jurídicos no papel dos Estados, das Organizações Internacionais, ou das empresas multinacionais. E, particularmente, assinala-se o significado fundamental da OIT, nesse momento histórico, para reunir elementos de convicção, analisá-los e apresentar estudos consistentes com o objetivo de equilibrar as relações entre o capital e o trabalho, já que vivenciamos um mundo unipolar, com o predomínio do capitalismo62.
Adiante, em 1998, durante uma Conferência Geral da Organização
Internacional do Trabalho, outro marco importante no direito dos trabalhadores
ocorreu: foi adotada a Declaração sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no
Trabalho que passou a reconhecer Convenções Internacionais, adotando e
efetivando direitos considerados essenciais aos trabalhadores, tornando obrigatória
60 COLUCCI, 2021, loc. cit. 61 BARZOTTO, 2007, p. 136 62 GUNTHER, Luiz Eduardo. A OIT e o Direito do Trabalho no Brasil. Curitiba: Juruá, 2012, p. 26.
33
a adesão e a promoção de tais direitos por todos os Estados-membros, por se tratar
de valores universais.
Para Matteo Carbonelli, a referida Declaração estabelece pontos importantes
a serem adotados pelos países participantes no tocante aos direitos e garantias
fundamentais dos trabalhadores:
Esta Declaração, em verdade, depois de reafirmar que, em uma situação de crescente interdependência econômica, é uma necessidade urgente reafirmar esses direitos, estabelece que todos os Estados-Membros da Organização, tendo aceitado os princípios e os direitos previstos na Constituição e na Declaração de Filadélfia, que foram, em seguida, expressos e desenvolvidos sob a forma de direitos e de obrigações específicos nas oito Convenções reconhecidas como Fundamentais, têm, portanto, mesmo que não tenham ratificado essas Convenções, a obrigação de respeitar, promover e tornar realidade, de boa-fé e de acordo com a Constituição da OIT, os princípios relativos aos direitos fundamentais consagrados nas referidas Convenções, e mais estabelecidas em outras Convenções e Recomendações sobre os mesmos assuntos63.
Por se tratar de direitos subjetivos, os direitos dos trabalhadores advêm de
normas específicas que pleiteiam por sua efetividade no ordenamento jurídico. Ou
seja, a referida Declaração busca promover políticas sociais concretas, incitar a
formação profissional e promover à criação de empregos em conjunto com a parcela
justa do trabalhador nos lucros para o pleno desenvolvimento de sua subsistência,
ocorrendo por meio de políticas sociais de cooperação entre os sistemas jurídicos,
sempre visando melhores condições de laboração para os empregados. Por fim, não
é possível afirmar em aplicação e efetivação dos Direitos Humanos sem que, de
fato, elas sejam respeitadas e aplicadas dentro do Estado Democrático de Direito.
2.2.4 Agenda 2030 (ODS 8)
A relação entre sustentabilidade e laboração vem ganhando grande destaque
nos últimos anos, de tal forma que, tanto o trabalho decente e justo, junto com o
desenvolvimento sustentável, tem previsão normativa no ordenamento jurídico
nacional, como é o caso do artigo 225 da Constituição Federal da República:
63 CARBONELLI, Matteo. A proteção internacional dos direitos fundamentais no trabalho. In: CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa; VILLATORE, Marco Antônio César (Coord.); WINTER, Luís Alexandre Carta; GUNTHER, Luiz Eduardo (Org.). Direito internacional do trabalho e a Organização Internacional do Trabalho: um debate atual. São Paulo: Atlas, 2015, p. 26
34
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações64.
O termo sustentabilidade é caracterizado como o “conjunto dos processos e
ações que se destinam a manter a vitalidade e a integridade da Mãe Terra”65. Logo,
esse termo é utilizado para se referir a uma forma de desenvolvimento consciente e
de uma gestão responsável, começando a ser amplamente difundido a partir da
Declaração de Estocolmo de 197266, criado na Conferência das Nações Unidas
sobre o Meio Ambiente Humano na Suécia e que representou um marco na
valorização do trabalho, possibilitando a efetivação da dignidade humana dos
trabalhadores e implementando pela primeira vez a ideia de crescimento
sustentável. Anos mais tarde, após diversas Conferências nacionais e internacionais sobre
o tema, chefes de Estado e representantes de países membros das Nações Unidas
se juntam em setembro de 2015 para colocar em prática o documento intitulado:
“Transformando o Mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”.
Para Denise Maria Penna Kronemberger, trata-se de:
Plano de ação que abrange temas relativos às dimensões ambiental, social, econômica e institucional de sustentabilidade, composto por 17 (dezessete) objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), 169 metas e 232 indicadores, voltados para pessoas, planeta, prosperidade, paz e parcerias. Entre os compromissos assumidos na Agenda, destaca-se o de “não deixar ninguém para trás67.
É de interesse do presente do trabalho, o Objetivo de Desenvolvimento
Sustentável de nº 8, que dispõe: “promover o crescimento econômico sustentado,
inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos”68.
Esta resolução tem como objetivo a laboração e o desenvolvimento econômico,
64 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 05 out. 1988. Disponível em: <http://planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 13 set. 2021 65 BOFF, Leonardo. Sustentabilidade: o que é – o que não é. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012, p. 14. 66 ONU, Organização das Nações Unidas. Declaração de Estocolmo sobre o ambiente humano de 1972. Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Meio-Ambiente/declaracao-de-estocolmo-sobre-o-ambiente-humano.html>. Acesso em: 13 set. 2021 67 KRONENBERGER, Denise Maria Penna. Os desafios da construção dos indicadores ODS globais. Revista ciência e cultura. São Paulo, v. 71, p. 40-45, 2016. Disponível em: <http://cienciaecultura.bvs.br/pdf/cic/v71n1/v71n1a12.pdf>. Acesso em: 13 set. 2021 68 ONU, Organização das Nações Unidas. Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 8: trabalho decente e crescimento econômico, 2015. Disponível em: <https://brasil.un.org/pt-br/sdgs/8>. Acesso em: 13 set. 2021
35
voltado para igualdade entre trabalhadoras e trabalhadores. Dentre as metas
estabelecidas pelo referido ODS, destaca-se a de número 8.5, que prevê:
Até 2030, alcançar o emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todas as mulheres e homens, inclusive para os jovens e as pessoas com deficiência, e remuneração igual para trabalho de igual valor69.
Constata-se que a Agenda 2030 e o ODS de nº 8 em específico, estabelecem
uma forma ampla de ações e metas para mudar o mundo, tornando-se indispensável
a cooperação global para que tais objetivos possam ser alcançados, como é o caso
do trabalho decente e digno disposto na mesma resolução. Logo, se faz necessário
a participação de não somente do Estado, mas também de toda a sociedade e
empresas privadas, alocando todos os recursos disponíveis para desta forma
cumprir com os objetivos previstos no documento desenvolvido pela Organização
das Nações Unidas.
69 ONU, Organização das Nações Unidas. Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 8: trabalho decente e crescimento econômico, 2015. Disponível em: <https://brasil.un.org/pt-br/sdgs/8>. Acesso em: 13 set. 2021
36
3 TRÁFICO HUMANO
Há grande ênfase no combate às drogas no Brasil, mas não há tantos dados
sobre o tráfico humano. Como é possível se aceitar que em pleno século XXI, seres
humanos tenham sua dignidade violada e sejam privados de trabalho digno? Logo, o
objetivo deste capítulo é investigar o tráfico de pessoas dentro e fora do território
brasileiro, sob legislações específicas nacionais e estrangeiras.
3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Também denominado como comércio de pessoas, o tráfico humano é uma
das práticas que mais cresceu na última década. Essa prática criminosa alarma a
população mundial principalmente por violar os direitos e garantias fundamentais
das vítimas, fato que não condiz com o ordenamento jurídico pátrio. Por se tratar de tema extremamente relevante tanto no cenário nacional,
como no internacional, é de suma importância entender em um primeiro momento o
significado exato do termo “tráfico de pessoas”, que segundo o Decreto de nº
5.017/2004, em seu art. 3º:
Significa o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração70.
Logo, refere-se a crime que envolve coagir ou convencer determinada pessoa
ou um grupo de pessoas a fornecerem trabalhos, serviços ou atos sexuais de forma
comercial. Para Maria Alice Medeiros, não se deve confundir dois conceitos
importantes quanto ao tema:
É importante ressaltar que não se deve confundir o simples deslocamento ou exploração com o tráfico de pessoas, pois, as duas atividades, devem estar correlacionadas para caracterizar esse crime organizado. O histórico da vítima é fator de extrema importância para a caracterização do crime,
70 BRASIL, Decreto no 5.017 de 12 de maio de 2004. Promulga o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças. Diário Oficial [da] República Federativa da União, Brasília, DF, 12 maio 2004. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Decreto/D5017.htm>. Acesso em 14 maio 2021.
37
assim como para tirá-la de uma das mais degradantes situações existentes hodiernamente71.
Maria Alice Medeiros ensina ainda que algumas perguntas específicas
relacionadas ao trabalho da vítima, podem facilitar a identificação do crime:
Se o indivíduo pode parar o seu trabalho quando desejar; se ele foi abusado física, psicológica ou sexualmente; se ele possui um passaporte ou algum outro documento de identificação; se ele recebe o salário que foi acordado; se os membros de sua família recebem ameaças; e como é que ele chegou no país em que se encontra. Todo esse questionamento constitui um processo eficaz para a identificação da vítima e, a sua não realização, viola Tratados Internacionais que estabelecem protocolos a serem cumpridos quanto à matéria em comento72.
Não obstante, o comércio de pessoas é classificado por Cortes Internacionais
como um crime contra a humanidade, sendo que tal coerção pode ser de maneira
gentil ou agressiva, de forma física e também psicológica. As vítimas do tráfico
humano podem ser qualquer pessoa, independente de sua cor, nacionalidade,
idade, raça, religião, gênero ou orientação sexual. E apesar de não haver um perfil
específico de tais vítimas, segundo relatório oficial publicado em 2018 pelo Escritório
das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), as mulheres são as mais
buscadas pelos criminosos, sendo a grande maioria delas utilizadas para exploração
sexual e casamentos servis73. Devido a questões sociais, tais como: violência doméstica, miséria, falta de
emprego, pouca ou nenhuma expectativa de melhoria de vida, levam as pessoas a
deixarem seus países a procura de melhorar sua condição social, mas que não
fazem ideia de que serão comercializadas, exploradas ou até aliciadas. Chegando
no destino final, as vítimas começam a fazer parte da rede de tráfico humano, em
que os criminosos lhes oferecem vantagens em troca de lucro.
De acordo com dados oficiais apresentados pela Organização das Nações
Unidas (ONU) e publicados pelo site do Senado Federal, há aproximadamente de
241 rotas de tráfico no Brasil, sendo 110 delas relacionadas ao deslocamento
71 MEDEIROS, Maria Alice de Brito Silva. Tráfico Internacional de Pessoas: A escravidão moderna fundada na vulnerabilidade da vítima. Revista Jusbrasil, 15 set. 2016. Disponível em: <https://alicebsm.jusbrasil.com.br/artigos/383893203/trafico-internacional-de-pessoas>. Acesso em: 13 jun. 2021 72 Ibidem. 73 UNODC, Global Report on Trafficking in Persons. Relatório Global sobre Tráfico de Pessoas. United Nations publication, Sales No. E.19.IV.2, United Nations, New York, 2018, p. 28. Disponível em: < https://www.unodc.org/documents/lpo-brazil//Topics_TIP/Publicacoes/GLOTiP_2018_BOOK_web_small.pdf>. Acesso em: 08 out. 2021.
38
interno de pessoas (intermunicipal e interestadual, sendo que 60% dos casos
ocorrem nas regiões Norte e Nordeste do país) e 131 dessas rotas correspondentes
à transferência internacional74.
Conforme já informado anteriormente, trata-se de atividade bastante lucrativa
para os traficantes, afinal, segundo dados publicados pela Organização Internacional
do Trabalho (OIT), a prática ilícita movimenta anualmente em torno de 31,6 bilhões
de dólares para os criminosos, sendo considerada a terceira prática ilegal mais
rentável do mundo, atrás apenas da compra e venda de armamentos e drogas75.
Não é possível se referir aos praticantes dessa atividade ilícita como grupo
específico de pessoas, tendo em vista que os criminosos podem ser brasileiros,
estrangeiros, membros da própria família da vítima, parceiros, estranhos e podem
agir tanto sozinhos como parte de organizações criminosas.
Portanto, como se examina, é prática delitiva que envolve o transporte de
pessoas entre países, referindo-se ao Crime Organizado Transnacional, isto é, que
não ocorre somente no território de um único país, mas sim de vários. Para André de
Carvalho Ramos:
O Protocolo de Prevenção, Supressão e Punição do Tráfico de Pessoas, especialmente Mulheres e Crianças, complementar à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, adotado em Nova Iorque em 15 de novembro de 2000, foi firmado tendo-se em vista que a prevenção e o combate ao tráfico de pessoas requer atuação conjunta dos países de origem, trânsito e destino, com medidas destinadas a prevenir o tráfico, punir os traficantes e proteger suas vítimas, nos termos de seu preâmbulo76.
É evidente que se trata de clara violação dos direitos fundamentais das
pessoas envolvidas. Havendo a movimentação, comercialização ou a supressão de
direitos, restará configurado o comércio humano, independente da anuência da
vítima. De modo geral, está diretamente relacionado à condição social na qual o
indivíduo está inserido, pois os criminosos aproveitam-se desta vulnerabilidade, por
meio de abuso de poder e de influência e acaba ocorrendo aqui uma espécie de
74 BRASIL, Agência Senado. Regiões mais pobres concentram rotas de tráfico de pessoas segundo pesquisa da ONU. Jornal do Senado. Brasília, DF: Senado Federal, 27 jun. 2012. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2012/06/27/regioes-mais-pobres-concentram-rotas-de-trafico-de-pessoas-segundo-pesquisa-da-onu>. Acesso em: 24 mar. 2021. 75 BRASIL, Organização Internacional do Trabalho. Tráfico de Pessoas para fins de exploração sexual, Brasília, DF: OIT, 2006. Disponível em: < https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---americas/---ro-lima/---ilo-brasilia/documents/publication/wcms_233892.pdf>. Acesso em: 15 abr. 2021. 76 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 205.
39
aliciamento, ou seja, os traficantes fazem promessas de melhores condições de vida
às vítimas com o objetivo de ludibriá-las. Nesse contexto, é importante notar como as vítimas são privadas deste
princípio considerado basilar para a Constituição da República. José Afonso da Silva
ensina que:
[...] dignidade da pessoa humana não é uma criação constitucional, pois ela é um desses conceitos a priori, um dado preexistente a toda experiência especulativa, tal como a própria pessoa humana. A Constituição, reconhecendo a sua existência e a sua eminência, transformou-a num valor supremo da ordem jurídica, quando a declara como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, constituída em Estado Democrático de Direito77.
Por fim, por envolver vítimas de todos os cantos do mundo e também por
abranger mais de uma jurisdição, o órgão mais competente para julgar esses delitos
hoje seria o próprio Tribunal Penal Internacional, este que tem competência para
julgar crimes contra a humanidade (como é o caso do tráfico de pessoas), crimes de
agressão, de guerra e genocídio.
3.2 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA
Para entender a forma que acontece o tráfico de pessoas no cenário mundial
atual, se faz necessário em um primeiro momento estudar sua evolução histórica, a
fim de compreender melhor quais foram os primeiros relatos desta prática na
trajetória da humanidade e como ela evoluiu ao longo dos anos.
Apesar de ser um assunto que vem ganhando destaque nas grandes mídias
dos últimos anos, vide ser o tema central da novela “Salve Jorge” exibida pela Rede
Globo de Televisão em 201278, o tráfico de pessoas não é recente e acontece há
séculos ao redor do mundo.
Para John Roberts, o contexto da comercialização humana está diretamente
ligado à escravidão, podendo ser considerada hoje sua evolução moderna:
Entre os livres, alguns são nascidos livres, outros são libertos. Nascidos livres são aqueles que nasceram em liberdade; os libertos são aqueles que
77 SILVA, 1998, p. 87-92. 78 SALVE JORGE. Criação e Autoria: Glória Perez. Rio de Janeiro: Rede Globo de Televisão, 2012.
40
foram libertados de uma escravidão legal. Há três tipos de libertos: cidadãos romanos, latinos ou submetidos79.
A escravidão durante os séculos passados, tinha suas bases na forma
submissa de trabalho, também conhecido como trabalho servil, em que se
comercializava empregados em troca de mercadorias, algo muito comum durante o
período do feudalismo.
Eliane Pedroso discorre sobre a prática do trabalho servil naquela época:
O medo e a precariedade de recursos impelem o trabalhador a permanecer sob o jugo do trabalho servil. Não há como voltar à terra natal, mormente porque o trabalhador, ao ser recrutado, sob a promessa de excelentes vantagens, aceita endividar-se com o transporte, a alimentação, roupas, remédios e utensílios de trabalho. As despesas com o transporte inauguram a escravidão por dívida, visto que os locais de trabalho são de difícil acesso, o transporte existente é irregular e inseguro e, desse modo, a liberdade de locomoção é constrangida. Em certos casos, antes mesmo do transporte, a dívida se perfaz, eis que muitos homens em busca de trabalho migram de suas terras natais sem qualquer dinheiro para as regiões em que os aliciamentos são feitos e lá se hospedam nos “hotéis pioneiros”, onde a hospedagem é previamente paga pelos “gatos”.80
Se na antiguidade o objetivo da comercialização de escravos era a mão de
obra servil, o tráfico humano no cenário atual está mais ligado ao lucro que às
vítimas dão aos criminosos ao serem traficadas.
De acordo com Renata de Farias, há registros da exploração humana desde
períodos antes de Cristo:
Desde os tempos mais remotos, a exploração humana fez-se presente. O próprio Código de Hamurabi, de 1694 a.C., fazia referências às formas de escravidão, fazendo uma relação entre os senhores e seus escravos. Em Atenas, a população era escravizada por meio da guerra contra os povos estrangeiros. Os traficantes compravam os povos inimigos capturados para depois oferecê-los em pontos comerciais81.
Logo, é possível afirmar que o tráfico de pessoas sempre esteve presente em
diferentes fases da história. Há relatos da comercialização de pessoas desde a
Idade Média, até o período das Grandes Navegações e Colonizações, onde se
79 ROBERTS, John Morris. O livro de ouro da história do mundo. 6 ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001, p. 54 80 PEDROSO, Eliane. Da negação ao reconhecimento da escravidão contemporânea. In.: VELLOSO, Gabriel e FAVA, Marcos Neves (orgs.). Trabalho escravo contemporâneo: o desafio de superar a negação. São Paulo: LTR, 2006, p. 68 81 FALANGOLA, Renata de Farias. Tráfico internacional de pessoas sob a ótica do direito internacional. 56 fls. Monografia (Graduação em Direito) – Faculdade Farias Brito, Fortaleza, 2013. Disponível em: < http://monografias.brasilescola.uol.com.br/direito/trafico-internacional-pessoas-sob-Otica-direito-internacional.htm>. Acesso: 02 jun. 2021
41
perpetuava o tráfico negreiro. Renata de Farias explica que os escravos nesta época
possuíam mero valor mercantil:
Nota-se que, desde os primórdios dos tempos, a escravidão configura-se a partir da comercialização mercantil do ser humano como sendo um bem de consumo. O que passa assim a ter relação com o ‘tráfico’, em que os seres humanos, também possuem um valor mercantil, mas para finalidades diversas. Grandes riquezas mundiais formaram-se a partir do trabalho escravo, contribuindo assim para a Revolução Industrial82.
Por um período de aproximadamente 300 anos, o trabalho escravo se tornou
meio essencial para que fosse possível o descobrimento e conquista de novas
terras, em troca de um lucro rápido e de mão de obra barata. A prática veio a ser
abolida com a Lei Eusébio de Queiróz no ano de 185083.
Tendo isso em mente, observa-se um “aperfeiçoamento” da escravidão ao
longo dos anos, afinal o tráfico de pessoas nos tempos atuais pode ser definido
como uma forma de escravidão moderna e que vem se intensificando cada vez mais
ao redor do mundo, impulsionado por fatores sociais, econômicos e políticos.
Segundo Elaine Pearson, foi por volta do ano de 1900 que a expressão
“tráfico” foi empregada pela primeira vez. Para a pesquisadora, o tráfico durante
esse período histórico era um “movimento com propósitos morais, em que as
mulheres eram levadas à prostituirem-se”84.
Por se tratar de crime que acontecia principalmente entre fronteiras, era
necessário a criação de uma resolução internacional para extinguir o comércio de
escravos. De acordo com Thalita Cordeiro, a política de enfrentamento ao tráfico
humano foi apresentada pela primeira vez em 1902, com a Conferência de Paris:
O combate ao tráfico de pessoas é introduzido, a nível nacional, com a Conferência de Paris de 1902, na qual se estabeleceu o primeiro acordo internacional com vistas a repreendê-lo: o Protocolo de Paris, firmado em 1904. O cerne da discussão, à época, correspondia ao tráfico de pessoas brancas, concebido no contexto da associação de mulheres para fins imorais (prostituição), diferenciando-se, entretanto, do tráfico de escravos desenvolvido no século XIX85.
82 FALANGOLA, 2013, loc. cit. 83 ALENCASTRO, Felipe. África, números do tráfico atlântico. In.: SCHWARCZ, Lilia Moritz e GOMES, Flávio (orgs.). Dicionário da escravidão e liberdade. Disponível em: <https://contrapoder.net/wp-content/uploads/2020/04/SCHWARCZ-_-GOMES-2018.-Dicion%C3%A1rio-da-escravid%C3%A3o-e-liberdade.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2021. 84 PEARSON, Elaine. Direitos humanos e tráfico de pessoas: um manual. Rio de Janeiro: Aliança Global Contra Tráfico de Mulheres, 2006, p. 24. 85 ARY, Thalita Carneiro. O tráfico de pessoas em três dimensões: evolução, globalização e a rota Brasil-Europa. 158 fls. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) – Universidade de
42
O Protocolo de Paris, mesmo sendo um progresso na confrontação ao tráfico
de pessoas, foi criticado por se restringir a somente um grupo específico de vítimas,
no caso o das escravas brancas. Apesar dos esforços de convenções posteriores,
Thalita Cordeiro afirma que “o tráfico de seres humanos, todavia, ainda permanecia
intimamente relacionado com a questão da prostituição, acabando por proteger
mulheres europeias, sobretudo do leste europeu”86.
Camila Vieira ensina que foi somente por volta de 1910, que o tráfico de
pessoas se tornaria uma infração criminal:
A partir de 1910, os instrumentos internacionais passaram a conceituar tráfico e exploração da prostituição como infrações criminais puníveis com pena privativa de liberdade e passíveis de extradição. A proteção foi se expandindo para abranger todas as mulheres, com especial atenção para crianças e adolescentes. A Convenção de 1910 definia o tráfico e o favorecimento à prostituição como o aliciamento, induzimento ou descaminho, ainda que com o seu consentimento, de mulher casada ou solteira menor, para a prostituição. Tratando-se de mulher casada ou solteira maior, a conduta só deveria ser punida se tivesse sido praticada “com fraude ou por meio de violências, ameaças, abuso de autoridade, ou qualquer outro meio de constrangimento87.
Com o decorrer o tempo e após diversas discussões sobre o tema, Ela
Wiecko de Castilhos afirma que o final da década de 40 foi decisivo no combate à
prática do comércio humano por meio da Convenção para Supressão do Tráfico de
Pessoas e da Exploração da Prostituição de Outrem, pois deu ênfase no valor da
dignidade e o valor da pessoa humana:
A sucessão histórica sobre o tráfico internacional de pessoas, pode ser dividida em duas fases: antes e depois da Convenção de 1949, isto é, no contexto da Liga das Nações e no âmbito da Organização das Nações Unidas, com expressa anulação e substituição das normas anteriores. A primeira fase iniciou com a preocupação de proteger as mulheres europeias, principalmente do leste europeu. Não se definiu tráfico, apenas o compromisso de reprimi-lo e preveni-lo com sanções administrativas88.
Brasília, Brasília, 2009. Disponível em: <https://repositorio.unb.br/bitstream/10482/4359/1/2009_ThalitaCarneiroAry.pdf>. Acesso em: 03 jun. 2021. 86 Ibid., p. 30 87 VIEIRA, Camila. Tráfico internacional de mulheres para exploração sexual e as ações desenvolvidas pelo brasil para combatê-lo. Monografia (Graduação em Relações Internacionais) – Universidade do Sul de Santa Catarina, Tubarão, 2018. Disponível em: <https://repositorio.animaeducacao.com.br/bitstream/handle/12345/7060/Camila%20Vieira_finalizado_TCC.pdf>. Acesso em: 03 jun. 2021. 88 CASTILHO, Ela Wiecko V. de. Tráfico de pessoas: da Convenção de Genebra ao Protocolo de Palermo. In: CAMPOS, Bárbara Pincowsca Cardoso (Coord.). Política nacional de enfrentamento ao tráfico de pessoas. 2 ed. Brasília: Secretaria Nacional de Justiça (SNJ), 2008, p. 11.
43
A convenção também passou por duras críticas, visto que apesar do objetivo
ser de coibir esta prática, ela referia-se apenas ao comércio de pessoas para a
prostituição, camuflando o significado bastante abrangente do tráfico humano.
Ainda nesse período, mais um avanço na proteção dos direitos mínimos das
pessoas: a Organização das Nações Unidas reconheceu a Declaração Universal dos
Direitos Humanos (também conhecida como Declaração de Paris) que foi
fundamental na reafirmação e garantias dos direitos e garantias de todos os
cidadãos. André de Carvalho Ramos afirma que foi a partir da referida Declaração,
que se deu início a chamada internacionalização dos Direitos Humanos:
Nos seus trinta artigos, são enumerados os chamados direitos políticos e liberdades civis (artigos I ao XXI), assim como direitos econômicos, sociais e culturais (artigos XXII– XXVII). Entre os direitos civis e políticos constam o direito à vida e à integridade física, o direito à igualdade, o direito de propriedade, o direito à liberdade de pensamento, consciência e religião, o direito à liberdade de opinião e de expressão e à liberdade de reunião. Entre os direitos sociais em sentido amplo constam o direito à segurança social, ao trabalho, o direito à livre escolha da profissão e o direito à educação, bem como o “direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis” (direito ao mínimo existencial – artigo XXV)89.
Não obstante, André de Carvalho Ramos ensina também que a Declaração
Universal dos Direitos Humanos foi fundamental na defesa da dignidade humana:
A Declaração Universal de Direitos Humanos estabelece, já no seu preâmbulo, a necessidade de proteção da dignidade humana por meio da proclamação dos direitos elencados naquele diploma, estabelecendo, em seu art. 1o que “todos os seres humanos nascem livres e iguais, em dignidade e direitos”90.
Mais tarde, surgiram instrumentos com o objetivo de colocar um fim na prática
de comercialização de pessoas, sendo uma das mais notórias a Convenção de
Genebra em 1956 que ratificou e ampliou conceitos trazidos no passado contra essa
atividade ilegal, destacando a necessidade de seus países membros instituírem
medidas para condenar o tráfico humano.
Nos anos 2000, um comitê da Assembleia Geral da ONU instaurou o que viria
a ser o principal mecanismo no enfrentamento ao tráfico humano no mundo, o
“Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado
89 RAMOS, 2014, p. 26 90 Ibid., p. 76
44
Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas,
em Especial Mulheres e Crianças (Protocolo de Palermo)”91, que estabeleceu o
comércio de pessoas como crime organizado transnacional, este reconhecido por
diversas nações e que é considerado ameaça à segurança do sistema
internacional92.
Em síntese, o Protocolo de Palermo veio a ser a ratificado no Brasil por meio
do Decreto de nº 5.017/2004 (conforme já citado em parágrafos anteriores). Mais
tarde, a discussão e o combate ao tráfico humano ganham um novo cenário no país
com o decreto presidencial de nº 5.948/2006, que aprova a Política Nacional de
Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Quanto a legislação brasileira, o Código
Penal tipifica no art. 231 o tráfico de mulheres para fins sexuais que, mais tarde,
ganhou algumas redações para tornar o crime mais abrangente como é o caso da
Lei 13.334/2016 que trouxe em sua redação o art. 149-A93.
3.3 MODALIDADES DE TRÁFICO HUMANO
O comércio de pessoas tornou-se assunto comum em discussões sobre
direitos humanos e pobreza global. Existem vários elementos do tráfico de seres
humanos a levar-se em conta, tais como: o que é feito, como é feito e porque é feito.
São diversas as atividades nas quais as vítimas do comércio de pessoas são
submetidas, tais como: trabalho escravo, atividades sexuais, casamentos servis,
tráfico de crianças, mulheres e até mesmo para retirada de órgãos. Portanto, é
imprescindível analisar o enfrentamento ao tráfico humano sob uma perspectiva de
cooperação internacional, afinal precisa haver esforço em conjunto entre as nações,
por se tratar de crime que acontece entre fronteiras. A Constituição da República, no
art. 4º, estabelece que:
Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: I - Independência nacional; II - Prevalência dos direitos humanos;
91 ONU, Organização das Nações Unidas. Protocolo de Palermo, 2004. Disponível em: <http://sinus.org.br/2014/wp-content/uploads/2013/11/OIT-Protocolo-de-Palermo.pdf>. Acesso em 25 mar. 2021 92 Ibidem. 93 BRASIL, Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União. Rio de Janeiro, 31 dez. 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm>. Acesso em: 25 mar. 2021.
45
III - Autodeterminação dos povos; IV - Não-intervenção; V - Igualdade entre os Estados; VI - Defesa da paz; VII - solução pacífica dos conflitos; VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo; IX - Cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; X - Concessão de asilo político. Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.94
Apesar da educação da população nos tipos de tráfico humano seja
fundamental, é importante ser capaz de reconhecer os tipos comuns de tráfico de
pessoas para prevenir sua exploração e estar atento aos sinais relativos ao tráfico
para interrompê-lo no seu percurso. De acordo com a Organização Internacional
do Trabalho (OIT), uma pessoa que foi traficada pode dar indícios de que seus
movimentos estão sendo monitorados, manifestar problemas físicos ou
psicológicos, apresentar documentos falsos, não ter ciência do endereço em que
reside ou trabalha, trabalhar excessivamente por longos períodos ou não
demonstrar alguma interação social95. Identificar esses sinais e estar ciente dos
tipos comuns de tráfico de pessoas, são os primeiros passos cruciais para
erradicar esse crime gravíssimo na sociedade.
Logo, por meio da pesquisa em relatórios e publicações oficiais, esse tópico
irá abordar as três principais formas de tráfico de pessoas que acontecem no
mundo, os países que são mais afetados e os gêneros mais procurados por esta
prática criminosa. Entre os tipos de tráfico mais comuns estão: exploração sexual,
trabalho forçado e servidão por dívida.
3.3.1 Tráfico para fins de exploração sexual
Falar sobre o comércio humano atualmente, é quase automático pensar em
tráfico para fins de exploração sexual. Conforme já informado anteriormente,
apesar de não haver gênero específico e afetar os mais diversos tipos de
94 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 05 out. 1988. Disponível em: <http://planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 13 mar. 2021 95 BRASIL, Organização Internacional do Trabalho. Tráfico de Pessoas para fins de exploração sexual, Brasília, DF: OIT, 2006. Disponível em: < https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---americas/---ro-lima/---ilo-brasilia/documents/publication/wcms_233892.pdf>. Acesso em: 15 abr. 2021.
46
indivíduos, a exploração sexual atinge principalmente crianças e mulheres mais do
que qualquer outro grupo.
De acordo com Paola Frassinetti Alves de Miranda, trata-se de uma
atividade bastante lucrativa para os criminosos, mas de poucos riscos, pois “onde
existem, as leis são raramente usadas e as penas aplicadas não são proporcionais
aos crimes. Traficantes de drogas recebem penas mais altas do que as dadas para
aqueles que comercializam seres humanos”96.
Segundo o relatório oficial publicado em 2018 pelo Escritório das Nações
Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC)97 em um estudo realizado em 54 países,
envolvendo aproximadamente 5.400 mulheres adultas, 83% delas foram vítimas de
tráfico para exploração sexual. Em relação ao gênero masculino, foram analisados
em torno de 2.200 homens, sendo que 10% desse número tiveram a finalidade de
exploração sexual. Já em relação as vítimas infantis: 72% das meninas eram
usadas em exploração sexual, enquanto os meninos essa porcentagem cai para
50%.
De todas as formas de comercialização de pessoas analisadas no mundo, a
mais identificada ainda é o tráfico para fins e exploração sexual. Conforme o
Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), por meio de
pesquisa realizada em 2016, aproximadamente 60% das vítimas identificadas
foram para fins de exploração sexual98.
As formas de exploração se diferenciam de região para região devido a
questões sociais, políticas e culturais, sendo a exploração sexual mais
predominantemente em alguns países do que outros:
No Sul da Ásia, bem como na Ásia Central, o tráfico para trabalho forçado e para exploração sexual foram detectados em proporções quase iguais. O tráfico para fins de exploração sexual foi a forma mais detectada em todas as sub-regiões europeias, na América do Norte e Central e no Caribe, bem como na Ásia Oriental e no Pacífico. No norte da África, outras formas de exploração, como a exploração da mendicidade infantil, foram mais frequentemente detectadas do que outras formas99.
96 MIRANDA, Paola Frassinetti Alves de. O escravismo contemporâneo e o tráfico de pessoas: indefinição conceitual e a exploração sexual de mulheres e crianças. Constituição, Economia e Desenvolvimento: Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional, Curitiba, 2010, p. 28 97 UNODC, Global Report on Trafficking in Persons. Relatório Global sobre Tráfico de Pessoas. United Nations publication, Sales No. E.19.IV.2, United Nations, New York, 2018, p. 28. Disponível em: <https://www.unodc.org/documents/lpo-brazil//Topics_TIP/Publicacoes/GLOTiP_2018_BOOK_web_small.pdf>. Acesso em: 08 out. 2021 98 Ibid., p. 28 99 Ibid., p. 29
47
3.3.2 Trabalho forçado
Outro exemplo bastante comum de comércio de pessoas é o trabalho
forçado. Apesar do tráfico para fins de exploração sexual também poder ser
caracterizado como uma forma de trabalho forçado ou escravidão moderna, esse
tópico irá tratar sobre o assunto no sentido da mão de obra, esta que pode ocorrer
na forma de trabalho agrário, serventia doméstica, manufaturação, serviços de
zeladoria, serviços de hotelaria, construção, saúde e cuidado de idosos, dentre
outros.
Waldimeiry Correa da Silva e Karina Góes ensinam que o trabalho forçado,
junto da servidão por dívida (que será conceituado no próximo tópico), tráfico de
pessoas e outras cinco formas de escravidão, fazem parte do conceito amplo de
Formas Contemporâneas de Escravidão:
O conceito de Formas Contemporâneas de Escravidão, portanto, pretende abranger todo o conteúdo da atual forma de exploração que engloba todo o conteúdo acima especificado, que possui ampla sinergia negativa. Trata-se de conceito aberto que significa o gênero do qual fazem parte a escravidão, o tráfico de escravos, o trabalho forçado, as instituições e práticas análogas à escravidão (servidão, servidão por dívidas, matrimônio forçado, exploração infantil) e o tráfico de pessoas100.
Não obstante, como visto no início deste capítulo, a escravidão passou por
uma evolução desde os primórdios da humanidade, em que era muito comum a
comercialização de escravos entre patrões. Nos tempos atuais, é normal se referir
ao tema como uma forma escravidão de moderna, aquela que é praticada em
desconformidade com as inúmeras convenções relativas ao trabalho que
aconteceram ao longo dos anos, proibindo qualquer forma de laboração forçada.
Embora essa forma de tráfico seja muito diferente do tráfico para fins de
exploração sexual, também é extremamente frequente encontrar essa prática
criminosa ao redor do mundo. Em sua grande parte, o trabalho forçado decorre da
miséria, uma vez que as vítimas são forçadas a trabalhar por pouco ou nenhum
salário.
100 GÓES, Karina Dantas Góes e; SILVA, Waldimeiry Correa da. Formas contemporâneas de escravidão: Ofensa direta à dignidade humana, 2013. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=0365aaecae1f1493>. Acesso em: 08 jun. 2021.
48
Dando continuidade ao estudo realizado em 54 países pelo Escritório das
Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC)101 no tópico anterior, de
aproximadamente 5.400 vítimas mulheres: 13% delas foram utilizadas para fins de
trabalho escravo. Em relação aos homens, de 2.200 vítimas, essa porcentagem
cresce para 82%102.
De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), os principais
motivos que favorecem o comércio de pessoas são: “pobreza, ausência de
oportunidades de trabalho, discriminação de gênero, violência doméstica, turismo
sexual, leis deficientes, entre outras”103.
Em legislação nacional, o crime de trabalho escravo está tipificado por meio
do art. 149 do Código Penal, sob pena de 2 a 8 anos de reclusão e multa e assim
disposto, resumidamente:
Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)104.
3.3.3 Servidão por dívida
Por último, apesar de ser facilmente confundido como meio de trabalho
forçado, a servidão por dívida é também uma forma comum de tráfico de pessoas
que ocorre em todo o mundo, mas que possui um objetivo mais específico: o uso
de um débito, ou título, para manter uma pessoa sob servidão.
Ao redor do mundo, são inúmeros os trabalhadores que são vítimas de
servidão por dívida. Isso ocorre quando criminosos exploram ilegalmente uma
dívida inicial que o trabalhador assumiu antes de aceitar os termos de emprego, ou
quando os trabalhadores herdam débitos nos locais em que prestam laboração.
101 UNODC, Global Report on Trafficking in Persons. Relatório Global sobre Tráfico de Pessoas. United Nations publication, Sales No. E.19.IV.2, United Nations, New York, 2018, p. 28. Disponível em: <https://www.unodc.org/documents/lpo-brazil//Topics_TIP/Publicacoes/GLOTiP_2018_BOOK_web_small.pdf>. Acesso em: 08 out. 2021 102 Ibid., p. 30 103 BRASIL, Organização Internacional do Trabalho. Tráfico de Pessoas para fins de exploração sexual, Brasília, DF: OIT, 2006. Disponível em: <https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---americas/---ro-lima/---ilo-brasilia/documents/publication/wcms_233892.pdf>. Acesso em: 24 jun. 2021 104 BRASIL, Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União. Rio de Janeiro, 31 dez. 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm>. Acesso em: 24 jun. 2021.
49
É fundamental abordar esta forma de tráfico de pessoas, uma vez que está
diretamente ligada ao sucesso financeiro do criminoso em detrimento da vítima.
Quando uma vítima está sendo explorada por uma dívida, ela fica presa em um
ciclo de indigência, pois na maior parte dos casos ela fica presa no local de
trabalho, sem poder sair ou ser remunerada
Para Waldimeiry Correa da Silva e Karina Góes e Góes, os elementos
constitutivos da servidão por dívida são: “a) fornecimento de mão de obra em
garantia de uma dívida; b) quantificação desarrazoada do valor do serviço
prestado; c) duração do trabalho sem limite de prazo ou natureza do serviço
indefinida”105
3.4 COMÉRCIO VIRTUAL DE PESSOAS
Por meio da globalização, vive-se em um mundo com tecnologias cada vez
mais presentes no cotidiano da população, principalmente no que tange ao
crescente número de pessoas com acesso à internet, algo que nos tempos
passados não era uma realidade e era restrito a somente uma parcela de pessoas.
Vive-se hoje um fenômeno chamado de cibercultura, em que cada vez mais
pessoas estão conectadas por meio de computadores, celulares e afins. Sua
importância é tão grande, que a própria Organização das Nações Unidas (ONU)
classifica o acesso à internet como um direito humano e negando-o, restaria violado
o art. 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos no que diz respeito ao
acesso à informação:
Art. 19. Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; esse direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras106.
Entretanto, da mesma forma que a desenvolvimento da internet trouxe
diversos benefícios para a população, como é o caso da inclusão social, tem-se
fomentado também a hostilidade contra grupos vulneráveis, além de intensificar a
105 GÓES, Karina Dantas Góes e; SILVA, Waldimeiry Correa da. Formas contemporâneas de escravidão: Ofensa direta à dignidade humana, 2013. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=0365aaecae1f1493>. Acesso em: 08 jun. 2021. 106 ONU, Organização das Nações Unidas. Declaração universal dos direitos humanos, 1948. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos>. Acesso em: 13 jun. 2021
50
realização de crimes e a formar grupos terroristas. Não ajuda o fato de não haver
políticas públicas mais assertivas de cooperação internacional no enfrentamento a
esses crimes virtuais e que, nos últimos anos, tem encontrado um “lar” na
denominada deep web.
Leonardo Pereira ensina brevemente o conceito por trás dessa camada
obscura da internet:
Em grande parte, a deep web existe, assim como a própria internet, graças à força militar dos Estados Unidos. Neste caso, graças ao Laboratório de Pesquisas da Marinha do país, que desenvolveu o The Onion Routing para tratar de propostas de pesquisa, design e análise de sistemas anônimos de comunicação. A segunda geração desse projeto foi liberada para uso não- governamental, apelidada de TOR e, desde então, vem evoluindo... Em 2006, TOR deixou de ser um acrônimo de The Onion Router para se transformar em ONG, a Tor Project, uma rede de túneis escondidos na internet em que todos ficam quase invisíveis. Onion, em inglês, significa cebola, e é bem isso que a rede parece, porque às vezes é necessário atravessar várias camadas para se chegar ao conteúdo desejado107.
Identifica-se que não é qualquer pessoa que conseguirá acesso a deep web,
pois requer conhecimentos avançados em programas específicos para sua
utilização. Para entender de uma maneira mais simples este assunto, toma-se por
base o exemplo de um iceberg: em sua ponta, está a internet que a população em
geral conhece e tem acesso hoje, visto nos mecanismos de busca e redes sociais,
enquanto nas suas profundezas, encontra-se a deep web, esta acessível apenas de
maneira anônima, por meio de programas específicos e onde ocorrem inúmeras
atividades ilícitas.
Observa-se que a deep web foi idealizada com o objetivo de dificultar o
rastreio de seus usuários pelas autoridades, preservando a identidade dos
criminosos e ao mesmo tempo facilitando a prática dos mais diversos delitos, tais
como: tráfico de pessoas para os mais distintos fins, comércio de armamentos,
drogas ilícitas, mortes por encomendas, dentre outros. João Marcon e Thaís Dias
discorrem sobre o assunto:
A Deep Web é um nível da internet no qual não existem limites para os atos que são lá praticados: fotos e vídeos de muita violência são espalhados sem nenhum tipo de filtro. O que existe de mais perigoso na DeepWeb é o seu anonimato, pois, quem a utiliza, dificilmente é rastreado, posto que
107 SANTINO, Renato. Deep Web: Saiba o que acontece na parte obscura da internet. Olhar Digital, 16 nov. 2018. Disponível em: < https://olhardigital.com.br/2018/11/16/seguranca/deep-web-entenda-o-que-acontece-no-lado-obscuro-da-internet/>. Acesso em: 09 jun. 2021.
51
muitas ferramentas são usadas para esconder a verdadeira identidade e localização do usuário108.
Apesar destes crimes terem sido impulsionados pela internet nos últimos
anos, eles não surgiram com a deep web. São delitos praticados por criminosos há
anos, mas que encontraram com a difusão da rede, uma maneira mais lucrativa e
secreta de praticar tais atos. Amanda Juncal Prudente afirma que não foi o crime
que se modificou, mas a forma realizá-lo:
O crime em si não mudou. Alterou-se apenas o modus operandi, com a ampliação da oferta, realizada livre e descaradamente na rede obscura, a forma de relacionamento dos agentes e de captura das vítimas. Mudou a complexidade do ato e também a impunidade, que aumentou e serviu de estímulo para novos criminosos109.
Nesse contexto de anonimidade que a internet profunda fornece aos seus
usuários e a demanda pela exploração de pessoas, seja para o trabalho forçado,
para a exploração sexual ou até para extração de órgãos, os criminosos veem uma
oportunidade lucrativa para poder praticar estes atos e na maioria dos casos, não
serem descobertos pela polícia.
Amanda Prudente reitera ainda que: “todo esse contexto de avanço
tecnológico e interconexão global aguça profundamente a vulnerabilidade dos
grupos sociais já́ marginalizados por causas anteriores ao surgimento da rede.”110
Ou seja, se antigamente os criminosos precisavam se restringir a um local
geográfico específico para poderem estudar as vítimas e prosseguirem com o
tráfico, isto mudou com a internet, permitindo que o crime se internacionalizasse de
uma maneira muito mais fácil:
Neste ambiente virtual, os grupos de criminosos iniciam o aliciamento de vítimas em redes sociais, salas de bate papo ou em anúncios diversificados pela Web que a conduzem para uma conversa privativa. Após, viabilizam um encontro in persona. Acaso seja bem sucedido, as vítimas são capturadas e vendidas para exploração sexual, servil, para trabalho escravo ou comércio de órgãos. A oferta desses “produtos” também ocorre pelo meio virtual, de forma velada e com pagamentos apenas em criptomoedas
108 MARCON, João Paulo Falavinha; DIAS, Thais Pereira. Deep web: O Lado Sombrio da Internet. Revista Conjuntura Global, Curitiba, v. 3, p. 233, 2014. 109 PRUDENTE, Amanda Juncal. O impacto da Deep Web no tráfico humano: análise a partir da responsabilidade do Estado. 188 fls. Dissertação (Mestrado em Ciência Jurídica) – Universidade Estadual do Norte do Paraná, Jacarezinho, 2020, p. 70. Disponível em: <https://uenp.edu.br/pos-direito-teses-dissertacoes-defendidas/direito-dissertacoes/16224-amanda-juncal-prudente/file>. Acesso em 13 jun. 2021. 110 Ibid., p. 93
52
digitais. Após, há possibilidade de as violações à pessoa traficiada continuarem ocorrendo e gerando lucros on-line111.
Logo, é possível observar a atuação direta da internet na comercialização
humana na sociedade atual. Apesar da deep web ser um dos locais em que
traficantes possam cometer tais crimes e ainda se manterem anônimos, a
comercialização de pessoas pode ocorrer diante dos olhos da população em geral,
tendo em vista o amplo acesso da sociedade às redes sociais. O primeiro contato de
um traficante com as vítimas pode ocorrer por meio de uma troca de mensagens até
então inocente no facebook, por exemplo. O Escritório das Nações Unidas sobre
Drogas e Crime (UNODC), no seu relatório publicado em 2018 sobre o tema,
sintetiza melhor essa informação:
O que é popularmente conhecido como internet fornece uma ampla variedade de plataformas de mídia social, a maioria das quais facilita o compartilhamento de imagens, textos e/ou vídeos. Os traficantes podem tirar proveito de características particulares dessas plataformas, como criptografia de mensagens, adesão baseada em perfis personalizados e criação de grupos de usuários com interesses específicos. Podem igualmente utilizar serviços baseados na internet para efetuar pagamentos em linha de forma anônima ou para distribuir material pornográfico. As muitas formas disponíveis de utilizar a internet facilitam a identificação e o contato dos traficantes com as vítimas e, ao mesmo tempo, evitam a sua identificação através da restrição da interação física112.
Por fim, apesar da internet ser uma ótima ferramenta para os mais diversos
fins e de mudar a forma como a sociedade comunica entre si, junto da sua
globalização, apareceram inúmeros riscos. Amanda Prudente afirma que essa
evolução precisa acontecer paralelamente no meio jurídico como uma forma de
proteger os usuários de pessoas mal-intencionadas113, cabendo também aos
signatários do Protocolo de Palermo em proporcionar a segurança de seus cidadãos
e resguardar seus direitos e garantias fundamentais, enfrentando diretamente o
tráfico humano e levando à justiça os criminosos destes meios para explorar as
vítimas.
111 PRUDENTE, 2020, p. 90. 112 UNODC, Global Report on Trafficking in Persons. Relatório Global sobre Tráfico de Pessoas. United Nations publication, Sales No. E.19.IV.2, United Nations, New York, 2018, p. 28. Disponível em: <https://www.unodc.org/documents/lpo-brazil//Topics_TIP/Publicacoes/GLOTiP_2018_BOOK_web_small.pdf>. Acesso em: 08 out. 2021. 113 PRUDENTE, 2020, p. 102.
53
3.5 POLÍTICAS DE ENFRENTAMENTO AO TRÁFICO NO BRASIL
O tráfico humano é um crime preocupante e que está presente em qualquer
canto do mundo. Milhares de pessoas, todos os dias, são vítimas dessa forma de
escravidão moderna, sendo mantidas contra a sua vontade em locais adversos,
trabalhando em condições extremamente precárias, sendo forçadas a servidão ou
até mesmo sendo submetidas a exploração sexual. Trata-se de crime organizado,
que fomenta uma receita anual bilionária e que causa sérios danos às pessoas
envolvidas. Com isso em mente, como o Brasil tem agido para enfrentar essa
situação?
Conforme estudado no início deste capítulo, o tráfico de pessoas sofreu uma
evolução ao longo dos anos, refinando-se e envolvendo cada vez mais países e
redes criminosas, sendo conhecido atualmente como uma forma serventia
moderna e que explora as vulnerabilidades de suas vítimas. Antigamente se
tratava de crime que não tinha tanta visibilidade, mas que foi ganhando cada vez
mais espaço nas grandes mídias e discussões ao redor do mundo.
Se era comum o tráfico humano acontecer em uma determinada localidade
geográfica, hoje se trata de um crime cada vez mais internacional, principalmente
devido as facilidades que o acesso à internet proporcionou a sociedade, a qual se
faz cada vez mais necessário uma cooperação conjunta entre países para
combater essa prática. Para Maria Alice Medeiros, é imprescindível um conjunto de
políticas públicas para poder enfrentar o comércio de pessoas:
O Tráfico Internacional de Pessoas constitui um problema contemporâneo, de dimensões exorbitantes, que afeta todo o ordenamento jurídico e social de um país, motivo pelo qual o seu enfrentamento só se faz possível mediante uma rede de cooperação, em função da característica multifacetada e da necessidade de respostas, para um caso específico, de distintas políticas públicas, de forma a abarcar: segurança pública, relações internacionais, assistência social, saúde, educação, direitos humanos, proteção aos direitos da mulher e, não menos importante, a questão das desigualdades social. Para o atendimento de uma vítima que passou pela situação do tráfico, muitas políticas precisam ser acionadas para que ela possa, de fato, ser reinserida114.
114 MEDEIROS, Maria Alice de Brito Silva. Tráfico Internacional de Pessoas: A escravidão moderna fundada na vulnerabilidade da vítima. Revista Jusbrasil, 15 set. 2016. Disponível em: <https://alicebsm.jusbrasil.com.br/artigos/383893203/trafico-internacional-de-pessoas>. Acesso em: 13 jun. 2021
54
Mas o que são políticas públicas? Apenas para fins de compreensão, é
importante tecer uma breve exposição sobre o que significa esse conceito e qual é
a sua importância para a sociedade atual. Políticas públicas são nada menos o
Estado agindo em favor da coletividade, colocando em prática projetos de governo
que são direcionados para população, por meio de ações ou até mesmo
programas. Celina Souza explica mais detalhadamente o significado desse
conceito e sua ligação com o tráfico de humano:
Pode-se, então, resumir política pública como o campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo, “colocar o governo em ação” e/ou analisar essa ação (variável independente) e, quando necessário, propor mudanças no rumo ou curso dessas ações (variável dependente). A formulação de políticas públicas constitui-se no estágio em que os governos democráticos traduzem seus propósitos e plataformas eleitorais em programas e ações que produzirão resultados ou mudanças no mundo real. Por último, políticas públicas, após desenhadas e formuladas, desdobram-se em planos, programas, projetos, bases de dados ou sistema de informação e pesquisas. Quando postas em ação, são implementadas, ficando daí submetidas a sistemas de acompanhamento e avaliação115.
Principalmente no território brasileiro, há uma política mais incisiva no
combate às drogas, mas que não acontece com a mesma intensidade com o
comércio de pessoas. Para poder se ter um controle deste crime no país, se faz
necessário em um primeiro momento a concretização de uma política nacional de
coleta de dados para analisar quais são as maiores rotas de tráfico no Brasil, quem
são as vítimas mais desejadas pelos criminosos, suas idades, as possíveis causas
econômicas e sociais, dentre outros. Bárbara Campos, Mariana Oliveira e Ivens da
Gama afirmam que um dos estudos mais importantes sobre o tema (e único de
abrangência nacional), foi o PESTRAF – Pesquisa sobre o Tráfico de Mulheres,
Crianças e Adolescentes para Fins de Exploração Sexual, realizado em 2002, “que
apontou 241 rotas de tráfico interno e internacional de crianças, adolescentes e
mulheres brasileiras, indicando a gravidade do problema no país”116.
115 CELINA, Souza. Políticas públicas: uma revisão de literatura. Revista Sociologias, Porto Alegre, ano 8, nº 16, p. 20-45, jul./dez. 2006. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/soc/a/6YsWyBWZSdFgfSqDVQhc4jm/?format=pdf&lang=pt>. Acesso em: 17 jun. 2021. 116 CAMPOS, Bárbara Pincowsca Cardoso; OLVEIRA, Mariana Siqueira de Carvalho; GAMA, Ivens Moreira da. O que o Brasil tem feito para combater o tráfico de pessoas? In: Ministério da Justiça. Desafios e Perspectivas para o Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas no Brasil. Brasília: Ministério da Justiça, Secretaria Nacional de Justiça, Coordenação de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, 2011, p. 230
55
Com um controle mais robusto de informações sobre o referido tráfico, é
indispensável colocar algumas medidas em prática, como é o caso de
disseminação de conteúdo e de esclarecimento sobre o tema nas grandes mídias e
nas escolas, redução de desigualdades, cooperação internacional, treinamento de
profissionais para atuarem em redes de atendimento e também o aperfeiçoamento
de políticas públicas.
Não obstante, se faz necessário um apontamento que é de extrema
importância: identificar devidamente o aliciado como sendo uma vítima, pois
somente dessa forma o crime poderá ser combatido por meio de legislações
específicas, caso contrário há possibilidade deste ser confundido com fenômenos
semelhantes, como é o caso de migrantes que viajam pelo mundo sem o porte de
documentos e também do contrabando de imigrantes.
Apenas para fins de elucidação, o contrabando de migrantes difere-se do
tráfico de pessoas em algumas questões. Para o Escritório das Nações Unidas
sobre Drogas e Crime (UNODC), são três os pontos: o consentimento (no
contrabando, há a anuência da vítima), a exploração (o crime de contrabando
termina com a chegada da pessoa no local acordado, ao contrário do tráfico, em
que em seguida se dará início a exploração da vítima) e por fim o caráter
transacional (enquanto o primeiro ocorre necessariamente entre países, o tráfico
de pessoas pode ocorrer também somente em região nacional)117.
Por abranger diversas modalidades, o tráfico de pessoas necessita de uma
diferente abordagem para cada uma dessas categorias. A abordagem para com
uma vítima de tráfico sexual não será a mesma de uma pessoa que foi explorada
para mão de obra forçada, por exemplo.
Ao longo dos anos, o Brasil avançou em políticas para unir e aperfeiçoar os
esforços quanto ao combate ao tráfico humano. Conforme já visto anteriormente, o
Brasil recepcionou o “Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o
Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do
Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças (o Protocolo de Palermo)”118
117 UNODC. Tráfico de pessoas e contrabando de migrantes. Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime. Disponível em: <https://www.unodc.org/lpo-brazil/pt/trafico-de-pessoas/index.html>. Acesso em: 15 jun. 2021 118 BRASIL, Decreto no 5.017 de 12 de maio de 2004. Promulga o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças. Diário Oficial [da] República Federativa da União, Brasília, DF, 12 maio 2004. Disponível em:
56
por meio do Decreto de nº 5.017/2004, uniformizando as medidas no controle e
combate ao tráfico humano. Apesar de ser um pequeno passo, foi fundamental para
poder unir esforços entre os atores internacionais por meio de cooperação mútua
contra este crime.
Cabe destacar o artigo 2º do referido decreto:
Artigo 2º. Os objetivos do presente Protocolo são os seguintes: a) Prevenir e combater o tráfico de pessoas, prestando uma atenção especial às mulheres e às crianças; b) Proteger e ajudar as vítimas desse tráfico, respeitando plenamente os seus direitos humanos; e c) Promover a cooperação entre os Estados Partes de forma a atingir esses objetivos.119
Nota-se a importância do decreto acima e desse artigo em específico, por
elencar diversas resoluções a serem efetivadas pelos países membros. O
Protocolo por si, em seu preâmbulo, começa com uma breve explicação sobre o
que é o tráfico humano, apontando os cabimentos legais a serem tomados em
relação ao crime, como também o seu âmbito de aplicação. Não obstante, Maria
Alice Medeiros ensina que o dispositivo “cria programas de assistência e proteção
à vítima, de modo que o Estado se comprometa a proteger a privacidade e
identidade da mesma, proporcionando uma recuperação física, psicológica e
social.”120.
Adiante, em outubro de 2005, colocou-se em discussão pela primeira vez no
país, uma política nacional com o intuito de combater esse crime, sob a
coordenação da Secretaria Nacional de Justiça.
Por meio de extensos seminários, debates e audiências públicas sobre o
assunto, foi aprovado em outubro de 2006 o Decreto de nº 5.948/2006 intitulado
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Decreto/D5017.htm>. Acesso em 14 maio 2021. 119 BRASIL, Decreto no 5.017 de 12 de maio de 2004. Promulga o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças. Diário Oficial [da] República Federativa da União, Brasília, DF, 12 maio 2004. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Decreto/D5017.htm>. Acesso em 14 maio 2021. 120 MEDEIROS, Maria Alice de Brito Silva. Tráfico Internacional de Pessoas: A escravidão moderna fundada na vulnerabilidade da vítima. Revista Jusbrasil, 15 set. 2016. Disponível em: <https://alicebsm.jusbrasil.com.br/artigos/383893203/trafico-internacional-de-pessoas>. Acesso em: 13 jun. 2021
57
Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, representando um
grande progresso no país quanto ao tema.
A Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas traz um conjunto de diretrizes, princípios e ações norteadoras da atuação do Poder Público nesse tema. O texto está estruturado em três grandes eixos, considerados estratégicos para o enfrentamento ao tráfico de pessoas: 1) prevenção; 2) repressão ao tráfico e responsabilização de seus autores; e 3) atenção à vítima121.
Para Laryssa de Almeida e Luciano Silva, a Política Nacional de
Enfretamento ao tráfico de pessoas estabeleceu alguns pilares:
Os três pilares da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas são a prevenção do tráfico de pessoas, seguida da punição aos envolvidos no tráfico e, finalizando, a assistência às vítimas desse delito. Observa-se, contudo, que as medidas de enfrentamento ao problema da comercialização de seres humanos no Brasil não é monopolizada pelo Estado, sendo que o resguardo legal e a assistência médica e psicológica às vítimas também podem ser garantidos por intermédio do trabalho de ONGs122.
Adiante, seria promulgado por meio do Decreto 6.347/2018 o Plano Nacional
de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, que adaptaria as diretrizes estabelecidas
pela Política Nacional anterior junto a legislações específicas nacionais e
estrangeiras sobre o tema. Laryssa de Almeida e Luciano Silva ensinam que este
plano, instarou três eixos fundamentais:
Eixo estratégico I: Prevenção ao tráfico, que objetivou diminuir a vulnerabilidade de grupos sociais ao tráfico e fomentar o seu empoderamento, através de políticas públicas que combatam as causas estruturais do problema; Eixo estratégico II: Atenção às vítimas, que objetivou buscar um tratamento justo, seguro e não discriminatório às vítimas brasileiras ou estrangeiras em território brasileiro, sua reinserção social, uma adequada assistência consular, proteção especial e acesso à Justiça; Eixo estratégico III: Repressão e responsabilização de seus autores, que objetivou a fiscalização, controle e investigação penais e trabalhistas, nacionais e internacionais123.
121 CAMPOS, Bárbara Pincowsca Cardoso; OLVEIRA, Mariana Siqueira de Carvalho; GAMA, Ivens Moreira da. O que o Brasil tem feito para combater o tráfico de pessoas? In: Ministério da Justiça. Desafios e Perspectivas para o Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas no Brasil. Brasília: Ministério da Justiça, Secretaria Nacional de Justiça, Coordenação de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, 2011, p. 236 122 ALMEIDA, Laryssa Mayara Alves de; SILVA, Luciano do Nascimento. Políticas públicas e o combate ao tráfico de pessoas para fim de exploração sexual no brasil. Publica Direito, 2013, p. 11. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=649a34787d84055f>. Acesso em: 17 jun. 2021 123 Ibid., p. 12
58
Mais tarde, por meio de um amplo debate de vários setores da sociedade, o
Plano Nacional ganharia duas novas versões (o Plano Nacional de Enfrentamento
ao Tráfico de Pessoas ll e lll, em 2011 e 2018, respectivamente).
Por fim, para que o referido Plano Nacional seja eficaz, é fundamental uma
ação em conjunto entre os governos federais, estaduais e municipais, procurando
colocar em prática as orientações expostas nesses documentos nacionais. Para
Verônica Maria Teresi “as instâncias de governos devem buscar se valer das
ferramentas administrativas que estejam de acordo as suas necessidades
buscando uma atuação eficiente e sintonizada com sua realidade.”124
Conforme Verônica Maria Teresi, algumas regiões brasileiras já contam com
políticas de enfrentamento ao referido crime, como é o caso dos estados da Bahia,
de Pernambuco, do Acre e de São Paulo125.
Apesar de louvável esses esforços, ainda é pouco, pois se faz necessário
uma política mais assertiva em todas as regiões brasileiras e não somente em
quatro ou cinco estados, tendo em vista que se trata de um crime regional (em um
local específico), interestadual (que acontece entre dois ou mais estados), como
também transnacional (entre fronteiras de países).
O combate ao tráfico de pessoas só será efetivo se houver uma colaboração
entre Estados, Munícipios e do Governo Federal em elaborar ações, metas, estudos,
compartilhamento de dados e treinamento de profissionais para lidarem com a
situação, se modernizando e estando atentos a evolução que esse crime vem
sofrendo ao longo dos anos.
124 TERESI, Verônica Maria. Guia de referência para a rede de enfrentamento ao tráfico de pessoas no Brasil. Brasília, Ministério da Justiça, Secretária Nacional de Justiça, 2012, p. 100. Disponível em: <https://www.justica.gov.br/sua-protecao/trafico-de-pessoas/publicacoes/anexos/cartilhaguiareferencia.pdf>. Acesso em: 17 jun. 2021. 125 Ibid., p. 101
59
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho buscou aprofundar o obstáculo que o tráfico humano
apresenta para o mundo inteiro, mostrando-se como uma questão complexa e
controversa, sendo constantemente combatida no cenário nacional e internacional.
Tal crime, visa transferir a vítima do local em que reside para locais alheios,
podendo ser tanto dentro do território nacional, como para fora de seu país de
origem. Examinou-se que o Brasil é uma República Democrática e que todo poder
emana do povo, sem distinções. Vive-se um Estado Democrático de Direito que visa
proteger os direitos e garantias de seus cidadãos, como é o caso da dignidade da
pessoa humana, princípio este elencado no primeiro artigo da Constituição da
República Federativa do Brasil. Não só isso, mas protege também outros direitos
fundamentais como o direito a liberdade, que é completamente suprimido com a
comercialização de pessoas. Foi constatado ao longo do primeiro capítulo que a dignidade sofreu diversas
mudanças ao longo da história e que continua se inovando em conjunto com a
geração atual, buscando manter-se abrangente a toda a sociedade. Não só isso,
mas ao tratar de dignidade, se refere a fundamento primordial da Constituição de
1988, conferindo aos cidadãos uma ampla gama de direitos e garantias
fundamentais. Evidenciou-se que todo cidadão nasce digno, pois é uma condição
preexistente do ser humano. Logo, se todos nascem com dignidade, implica-se que
esta promove uma concepção de justiça, de igualdade, pois todos são iguais perante
a lei e é dever do Estado resguardar esse direito e garantir à população uma vida
justa, digna e livre de arbitrariedades. Adiante, foi estudado o trabalho decente e sua relação direta com a dignidade
humana e o comércio de pessoas, tendo em vista que as vítimas são forçadas a
trabalharem sob condições degradantes, indo totalmente na contramão do que o
princípio da dignidade, o trabalho justo e o desenvolvimento sustentável preceituam.
Não obstante, o conceito de sustentabilidade no mundo atual é tão importante, que
vai muito além da ideia de degradação ambiental, ganhando uma conotação de
relacionamento entre a sociedade, o meio ambiente e o ser humano, passando a
60
integrar a agenda mundial, por meio da resolução de nº 8 dos Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas. Compreendeu-se que o trabalho decente tem como objetivo algo muito maior
do que apenas combater o desemprego, trata-se de uma meta em buscar por
laboração digna e com renda justa aos trabalhadores, reduzindo desigualdades
sociais e promovendo equidade e segurança laboral. Observou-se ainda que o
trabalho, área do direito que está em constante transformação, tem como objetivo
integrar os trabalhadores a um desenvolvimento que seja sustentável e justo. Por
meio da cooperação entre Estados, se mostra necessário combater toda e qualquer
prática que leve os indivíduos a uma forma desonrosa de laboração, como é o caso
do tema principal desta pesquisa e suas diversas modalidades, que segundo
estudos realizados pela Organização Internacional do Trabalho, identificam-se
aproximadamente 40 milhões de pessoas vivendo em situações análogas à
escravidão ao redor do mundo. Por fim, o último capítulo dedicou-se em compreender a conceituação de
tráfico humano e suas peculiaridades, crime que está em ascensão e que gera uma
receita bilionária para os traficantes, mostrando-se imprescindível tanto políticas
públicas como medidas eficazes para combater a mercantilização humana, como é o
caso da Lei Federal 13.344/2006 em vigência, que dispõe sobre medidas de
contenção ao comércio nacional e internacional de pessoas e de cuidados às
vítimas. Em um primeiro momento, foi apresentado uma contextualização histórica
acerca do tráfico humano, buscando compreender os primeiros relatos deste crime
no percurso da humanidade. Compreendeu-se que o tráfico de pessoas está
interligado com a escravidão e que há relatos da comercialização de pessoas desde
a Idade Média até o período das Grandes Navegações e Colonizações, período em
que acontecia o tráfico negreiro, havendo a negociação de escravos negros em
troca de mão-de-obra forçada e não remunerada. Depois, constatou-se que começaram a surgir instrumentos com o objetivo de
combater essa prática delitiva, sendo a Convenção de Genebra em 1956 uma das
pioneiras no assunto, ratificando e aprimorando conceitos abordados no passado
contra essa atividade ilegal, ressaltando a importância dos Estados membros em
apresentarem medidas para enfrentar o tráfico humano. Subsequentemente, foi
instaurado pela Assembleia Geral da ONU o Protocolo de Palermo, sendo
61
promulgado pelo Brasil como Decreto em 2004 e que se tornou referência global,
estabelecendo o tráfico de pessoas como crime organizado transacional, sendo
reconhecido por diversos países e considerado uma ameaça ao sistema
internacional. Mais tarde, investigou-se as principais formas de tráfico de pessoas e a
influência direta que a globalização da Internet tem em sua propagação, tendo esta
ganhado um destaque significativo ao longo dos anos, pois vive-se em um mundo
com tecnologias cada vez mais presentes no dia a dia da sociedade, fenômeno
conhecido como cibercultura. Entretanto, se o acesso à internet abrange cada vez mais pessoas e sua
inclusão social pode ser considerada como algo benéfico, tendo em vista que no
passado isso era uma realidade para poucos, há também uma crescente hostilidade
contra grupos mais vulneráveis, além de estimular a prática de crimes virtuais e a
formar grupos terroristas, tendo os criminosos encontrado um local que gera
anonimidade para seu usuários e é considerado de difícil acesso ao público em
geral, denominado como “deep web”. E é nesse contexto de internet anônima que se
fomenta uma das principais formas do tráfico de pessoas, ocorrendo a demanda
pela exploração de pessoas, seja para a compra e venda de órgãos, para o trabalho
forçado ou até para o tráfico para fins exploração sexual. Por fim, a pesquisa buscou mostrar a relevância de políticas públicas no
confronto ao comércio humano e da cooperação internacional, elencado no art. 4º da
Constituição Federal, por se tratar se de crime que ocorre também entre fronteiras.
Apesar de importante as medidas que o Brasil adotou nos últimos anos, se faz
necessário uma política mais assertiva em todo o território nacional, sendo
imprescindível uma colaboração entre Estados, Munícipios e do Governo Federal na
elaboração de ações, metas, estudos, compartilhamento de dados e treinamento de
pessoas para lidarem com a situação, estando atentos à constante evolução que
esse crime vem sofrendo ao longo dos anos.
62
REFERÊNCIAS
ABRAMO, Laís. Trabalho Decente: o itinerário de uma proposta. Bahia análise & Dados, Salvador, v. 20, n. 2/3, p. 163, jul./set. 2010. Disponível em: <http://antigo.safiteba.org.br/documentos/artigo_trabalho_decente.pdf>. Acesso em 12 set. 2021. ALENCASTRO, Felipe. África, números do tráfico atlântico. In.: SCHWARCZ, Lilia Moritz e GOMES, Flávio (orgs.). Dicionário da escravidão e liberdade. Disponível em: <https://contrapoder.net/wp-content/uploads/2020/04/SCHWARCZ-_-GOMES-2018.-Dicion%C3%A1rio-da-escravid%C3%A3o-e-liberdade.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2021. ALMEIDA, Laryssa Mayara Alves de; SILVA, Luciano do Nascimento. Políticas públicas e o combate ao tráfico de pessoas para fim de exploração sexual no brasil. Publica Direito, 2013, p. 11. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=649a34787d84055f>. Acesso em: 17 jun. 2021. ARY, Thalita Carneiro. O tráfico de pessoas em três dimensões: evolução, globalização e a rota Brasil-Europa. 158 fls. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) – Universidade de Brasília, Brasília, 2009. Disponível em: <https://repositorio.unb.br/bitstream/10482/4359/1/2009_ThalitaCarneiroAry.pdf>. Acesso em: 03 jun. 2021. BACK, Ulrich. Sociedade em risco: rumo a outra modernidade. Tradução de Sebastião Nascimento. 34 ed. São Paulo: Editora 34, 2010, p. 73. BARCELLOS, Ana Paula de. Normatividade dos princípios e o princípio da dignidade da pessoa humana na Constituição de 1988. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Renovar, 2000. BARZOTTO, Luciane Cardoso. Direitos humanos e trabalhadores: atividade normativa da Organização Internacional do Trabalho e os limites do Direito Internacional do Trabalho. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. BERG, Janine; RIBEIRO, José. Evolução recente do trabalho decente no Brasil: avanços e desafios. Mercado de Trabalho: conjuntura e análise. IPEA, ano 15, n. 44, p. 19-28. Disponível em: <http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/3975/1/bmt44_03_nt01_evolucao.pdf>. Acesso em 12 nov. 2021. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 2004. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 17 ed. São Paulo, Malheiros, 2005.
63
BRASIL, Agência Senado. Regiões mais pobres concentram rotas de tráfico de pessoas segundo pesquisa da ONU. Jornal do Senado. Brasília, DF: Senado Federal, 27 jun. 2012. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2012/06/27/regioes-mais-pobres-concentram-rotas-de-trafico-de-pessoas-segundo-pesquisa-da-onu>. Acesso em: 24 mar. 2021. BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 05 out. 1988. Disponível em: <http://planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 13 mar. 2021. BRASIL, Decreto no 5.017 de 12 de maio de 2004. Promulga o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças. Diário Oficial [da] República Federativa da União, Brasília, DF, 12 maio 2004. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Decreto/D5017.htm>. Acesso em 14 maio 2021. BRASIL, Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União. Rio de Janeiro, 31 dez. 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm>. Acesso em: 25 mar. 2021. BRASIL, Organização Internacional do Trabalho. Tráfico de Pessoas para fins de exploração sexual, Brasília, DF: OIT, 2006. Disponível em: <https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---americas/---ro-lima/---ilo-brasilia/documents/publication/wcms_233892.pdf>. Acesso em: 15 abr. 2021. BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 85.237. Relator: Ministro Celso de Mello, Brasília, DF, DJe 29 abr. 2005. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=2260709>. Acesso em: 16 abr. 2021. BOFF, Leonardo. Sustentabilidade: o que é: o que não é. Petrópolis: Vozes, 2012, p. 14. CAMARGO, Marcelo Novelino. O conteúdo jurídico da dignidade da pessoa humana. Leituras complementares de constitucional – direitos fundamentais. Salvador: JusPODIVM, 2006. CAMPOS, Bárbara Pincowsca Cardoso; OLVEIRA, Mariana Siqueira de Carvalho; GAMA, Ivens Moreira da. O que o Brasil tem feito para combater o tráfico de pessoas? In: Ministério da Justiça. Desafios e Perspectivas para o Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas no Brasil. Brasília: Ministério da Justiça, Secretaria Nacional de Justiça, Coordenação de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, 2011. CARBONELLI, Matteo. A proteção internacional dos direitos fundamentais no trabalho. In: CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa; VILLATORE, Marco Antônio César (Coord.); WINTER, Luís Alexandre Carta; GUNTHER, Luiz Eduardo
64
(Org.). Direito internacional do trabalho e a Organização Internacional do Trabalho: um debate atual. São Paulo: Atlas, 2015. CASTILHO, Ela Wiecko V. de. Tráfico de pessoas: da Convenção de Genebra ao Protocolo de Palermo. In: CAMPOS, Bárbara Pincowsca Cardoso (Coord.). Política nacional de enfrentamento ao tráfico de pessoas. 2 ed. Brasília: Secretaria Nacional de Justiça (SNJ), 2008. CELINA, Souza. Políticas públicas: uma revisão de literatura. Revista Sociologias, Porto Alegre, ano 8, nº 16, p. 20-45, jul./dez. 2006. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/soc/a/6YsWyBWZSdFgfSqDVQhc4jm/?format=pdf&lang=pt>. Acesso em: 17 jun. 2021. COLUCCI, Maria da Glória. Escravidão Moderna e Direitos Sociais (ODS 8), 29 set. 2021 Disponível em: <https://rubicandarascolucci.blogspot.com>. Acesso em: 12 set. 2021. COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2005. CUPIS, Adriano de. Os direitos da personalidade. Lisboa: Livraria Morais, 1961. DA SILVA, José Afonso. A dignidade da pessoa humana como valor supremo da democracia. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 212, p. 87-98,1998. DARCANCHY, Mara. O “Decent Work” na globalização socialmente inclusiva do direito internacional do trabalho. Revista Jurídica, [S.l.], v. 2, n. 29, p. 164-184, dez. 2012. ISSN 2316-753X. Disponível em: <http://revista.unicuritiba.edu.br/index.php/RevJur/article/view/519/403>. Acesso em: 12 set. 2021. Declarações Universais. Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão. São Paulo, 02 out. 1789. Disponível em: <www.dhnet.org.br/direitos/anthist/dec1789.htm>. Acesso: 18 abr. 2021. FACHIN, Melina Girardi. Fundamentos dos direitos humanos: teoria e práxis na cultura da tolerância. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. FACHIN, Melina Girardi. Verso e anverso dos fundamentos contemporâneos dos direitos humanos e dos direitos fundamentais: da localidade do nós à universalidade do outro. 178 fls. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2008. Disponível em: https://tede2.pucsp.br/bitstream/handle/8123/1/Melina%20Girardi%20Fachin.pdf>. Acesso em: 11 abr. 2021. FALANGOLA, Renata de Farias. Tráfico internacional de pessoas sob a ótica do direito internacional. 56 fls. Monografia (Graduação em Direito) – Faculdade Farias Brito, Fortaleza, 2013. Disponível em: < http://monografias.brasilescola.uol.com.br/direito/trafico-internacional-pessoas-sob-Otica-direito-internacional.htm>. Acesso: 02 jun. 2021.
65
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 31. GARCIA, Edinês Maria Sormani. Direito de Família: princípio da dignidade da pessoa humana. Franca, São Paulo: Editora de Direito, 2003. GILBERT, Paul. Introdução à teologia medieval. São Paulo: Loyola, 1999. GÓES, Karina Dantas Góes e; SILVA, Waldimeiry Correa da. Formas contemporâneas de escravidão: Ofensa direta à dignidade humana, 2013. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=0365aaecae1f1493>. Acesso em: 08 jun. 2021. GUNTHER, Luiz Eduardo. A OIT e o Direito do Trabalho no Brasil. Curitiba: Juruá, 2012. International Labour Organization and Walk Free Foundation. Global estimates of modern slavery: Forced labour and forced marriage International Labour Office (ILO), Geneva, 2017. Disponível em: <https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---dgreports/---dcomm/documents/publication/wcms_575479.pdf>. Acesso em: 12 set. 2021. KRONENBERGER, Denise Maria Penna. Os desafios da construção dos indicadores ODS globais. Revista ciência e cultura. São Paulo, v. 71, p. 40-45, 2016. Disponível em: <http://cienciaecultura.bvs.br/pdf/cic/v71n1/v71n1a12.pdf>. Acesso em: 13 set. 2021. MARCON, João Paulo Falavinha; DIAS, Thais Pereira. Deep web: O Lado Sombrio da Internet. Revista Conjuntura Global, Curitiba, v. 3, p. 233, 2014. MARTINS, Paulo Henrique. O paraíso, o tao e o dilema espiritual do ocidente: passagem do antropocentrismo moderno para o cosmocentrismo pós-moderno. 33 fls. Artigo Científico (Pós-graduação em Sociologia) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 1999. Disponível em: <https://www.anpocs.com/index.php/encontros/papers/23-encontro-anual-da-anpocs/gt-21/gt16-17/5001-pmartins-o-paraiso/file>. Acesso em: 11 abr. 2021. MEDEIROS, Maria Alice de Brito Silva. Tráfico Internacional de Pessoas: A escravidão moderna fundada na vulnerabilidade da vítima. Revista Jusbrasil, 15 set. 2016. Disponível em: <https://alicebsm.jusbrasil.com.br/artigos/383893203/trafico-internacional-de-pessoas>. Acesso em: 13 jun. 2021. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2008. MIRANDA, Paola Frassinetti Alves de. O escravismo contemporâneo e o tráfico de pessoas: indefinição conceitual e a exploração sexual de mulheres e crianças.
66
Constituição, Economia e Desenvolvimento: Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional, Curitiba, 2010. NOVELINO, Marcelo. Curso de Direito Constitucional. 2 ed. São Paulo: Método, 2008. OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Ética e sociabilidade. São Paulo: Loyola, 1993. ONU, Organização das Nações Unidas. Declaração de Estocolmo sobre o ambiente humano de 1972. Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Meio-Ambiente/declaracao-de-estocolmo-sobre-o-ambiente-humano.html>. Acesso em: 13 set. 2021. ONU, Organização das Nações Unidas. Declaração universal dos direitos humanos, 1948. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos>. Acesso em: 13 abr. 2021. ONU, Organização das Nações Unidas. Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 8: trabalho decente e crescimento econômico, 2015. Disponível em: <https://brasil.un.org/pt-br/sdgs/8>. Acesso em: 13 set. 2021. ONU, Organização das Nações Unidas. Protocolo de Palermo, 2004. Disponível em: <http://sinus.org.br/2014/wp-content/uploads/2013/11/OIT-Protocolo-de-Palermo.pdf>. Acesso em 25 mar. 2021. PEARSON, Elaine. Direitos humanos e tráfico de pessoas: um manual. Rio de Janeiro: Aliança Global Contra Tráfico de Mulheres, 2006, p. 24. PEDROSO, Eliane. Da negação ao reconhecimento da escravidão contemporânea. In.: VELLOSO, Gabriel e FAVA, Marcos Neves (orgs.). Trabalho escravo contemporâneo: o desafio de superar a negação. São Paulo: LTR, 2006, p. 68 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. PRUDENTE, Amanda Juncal. O impacto da Deep Web no tráfico humano: análise a partir da responsabilidade do Estado. 188 fls. Dissertação (Mestrado em Ciência Jurídica) – Universidade Estadual do Norte do Paraná, Jacarezinho, 2020, p. 70. Disponível em: <https://uenp.edu.br/pos-direito-teses-dissertacoes-defendidas/direito-dissertacoes/16224-amanda-juncal-prudente/file>. Acesso em 13 jun. 2021. RABENHORST, Eduardo Ramalho. Dignidade humana e moralidade democrática. Brasília: Brasília Jurídica, 2001. RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2014. RANGEL, Tauã Lima Verdan. Da Tortura da Ditadura Militar à justiça de transição na contemporaneidade: a proeminência do direito à memória. Revista Conteúdo
67
Jurídico, 2015. Disponível em: <https://www.conteudojuridico.com.br/open-pdf/cj055917.pdf/consult/cj055917.pdf>. Acesso em: 08 abr. 2021. ROBERTS, John Morris. O livro de ouro da história do mundo. 6 ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001. ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e a Exclusão Social. Revista Interesse Público, São Paulo: Notadez, p. 26. 1999. SALVE JORGE. Criação e Autoria: Glória Perez. Rio de Janeiro: Rede Globo de Televisão, 2012. SANTINO, Renato. Deep Web: Saiba o que acontece na parte obscura da internet. Olhar Digital, 16 nov. 2018. Disponível em: < https://olhardigital.com.br/2018/11/16/seguranca/deep-web-entenda-o-que-acontece-no-lado-obscuro-da-internet/>. Acesso em: 09 jun. 2021. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 5 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional. 25 ed. São Paulo: Malheiros, 2005. SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela. São Paulo: RT, 2002. TRINDADE, Antônio Augusto Cançado; PEYTRIGNET, Gerard; RUIZ DE SANTIAGO, Jaime. As três vertentes da proteção internacional dos direitos da pessoa humana: direitos humanos, direito humanitário, direito dos refugiados. Costa Rica: Instituto Interamericano de Direitos Humanos, 1996. UNODC, Global Report on Trafficking in Persons. Relatório Global sobre Tráfico de Pessoas. United Nations publication, Sales No. E.19.IV.2, United Nations, New York, 2018, p. 28. Disponível em: <https://www.unodc.org/documents/lpo-brazil//Topics_TIP/Publicacoes/GLOTiP_2018_BOOK_web_small.pdf>. Acesso em: 08 out. 2021. UNODC. Tráfico de pessoas e contrabando de migrantes. Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime. Disponível em: <https://www.unodc.org/lpo-brazil/pt/trafico-de-pessoas/index.html>. Acesso em: 15 jun. 2021. VAZ, Henrique Cláudio de Lima. Antropologia filosófica l. São Paulo, Loyola, 1999. VIEIRA, Camila. Tráfico internacional de mulheres para exploração sexual e as ações desenvolvidas pelo brasil para combatê-lo. Monografia (Graduação em Relações Internacionais) – Universidade do Sul de Santa Catarina, Tubarão, 2018. Disponível em: <https://repositorio.animaeducacao.com.br/bitstream/handle/12345/7060/Camila%20Vieira_finalizado_TCC.pdf>. Acesso em: 03 jun. 2021.
68
VIEIRA, Celso de Oliveira. Razão, alma e sensação na antropologia de Heráclito. 203 fls. Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2010. Disponível em: <https://repositorio.ufmg.br/bitstream/1843/BUOS-8JAPN9/1/disserta.pdf>. Acesso em: 09 abr. 2021 WEYNE, Bruno Cunha. O Princípio da Dignidade Humana: Reflexões a Partir da Filosofia de Kant. São Paulo: Saraiva Jur, 2013. ZAGO, Tatiana Sigal. Tribunal de Nuremberg: os antecedentes e o legado. 78 fls. Monografia (Graduação em Direito) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2013. Disponível em: <https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/35576/80.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: 11 abr. 2021
Top Related