Instituto Brasiliense de Direito Pblico IDP
Curso de Ps-Graduao Lato Sensu em
Direito Constitucional
Wildemar Felix Assuno e Silva
A EFETIVIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS AMBIENTAIS
REFERENTES FUNO SOCIOAMBIENTAL DA PROPRIEDADE
Braslia DF 2010
Wildemar Flix Assuno e Silva
A EFETIVIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS AMBIENTAIS
REFERENTES FUNO SOCIOAMBIENTAL DA PROPRIEDADE
Monografia de concluso de curso apresentada como parte das exigncias para obteno do ttulo de ps-graduado em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Pblico IDP Orientador (a): Prof. MsC. Marco Tlio Magalhes
Braslia DF 2010
Wildemar Flix Assuno e Silva
A EFETIVIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS AMBIENTAIS
REFERENTES FUNO SOCIOAMBIENTAL DA PROPRIEDADE
Monografia de concluso de curso apresentada como parte das exigncias para obteno do ttulo de ps-graduado em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Pblico IDP
Aprovado pelos membros da banca examinadora em __/__/__, com meno____(____________________________________________).
Banca Examinadora:
Presidente: Prof.
Integrante: Prof.
Integrante: Prof.
DEDICATRIA
A Deus, a minha esposa e ao meu filho Will Flix.
RESUMO
No Brasil da Constituio da Repblica Federativa promulgada em 05 de
outubro de 1988 restou evidente um novo consenso social em torno do direito de
propriedade, sendo certo que o mesmo adquiriu uma nova dimenso, a propriedade
direito mas s reconhecida como tal com o cumprimento da funo
socioambiental, entretanto, at o momento, com honrosas excees, predomina o
entendimento de que a direito de propriedade ainda o mesmo da edio do antigo
Cdigo Civil Brasileiro de 1916.
O presente estudo trata, em ltima anlise, de esclarecer os motivos pelos
quais idias to caras proteo ambiental ainda no tomaram conta do mundo
jurdico. O segundo captulo ir tratar da sistematizao e constitucionalizao do
direito ambiental no Brasil, analisando a evoluo da proteo jurdica do ambiente,
bem como a sistematizao do direito ambiental a partir do direito administrativo.
Tambm ir discorrer sobre a constitucionalizao da proteo ao ambiente direito
fundamental de terceira dimenso. O terceiro captulo ir estudar a natureza das
normas constitucionais ambientais, elencando as normas principiolgicas
constitucionais referentes funo socioambiental da propriedade bem como as
formas de incidncia das normas de princpio referentes funo socioambiental da
propriedade. O quarto captulo ir rever a classificao das normas constitucionais
ambientais relativas funo socioambiental da propriedade quanto eficcia e
aplicabilidade, bem como quanto densidade e grau de concreo. O quinto
captulo ir discorrer sobre a interpretao das normas constitucionais ambientais
relativas funo socioambiental da propriedade e a freqente coliso entre as
normas principiolgicas referentes ao direito de propriedade e ao direito de um meio
ambiente ecologicamente equilibrado. O sexto e ltimo captulo ir analisar a
vinculao do estado ao direito fundamental a um meio ambiente ecologicamente
equilibrado e a vinculao do poder pblico enquanto implementador e fiscalizador
da funo socioambiental da propriedade.
S U M R I O
INTRODUO ........................................................................................................... 1
SISTEMATIZAO E CONSTITUCIONALIZAO DO DIREITO AMBIENTAL NO BRASIL ...................................................................................................................... 3
2 EVOLUO DA PROTEO JURDICA DO AMBIENTE NO BRASIL .......... 3 2.1 A sistematizao do Direito Ambiental a partir do Direito Administrativo ..... 5 2.2 A constitucionalizao da proteo ao ambiente direito fundamental de
terceira dimenso ......................................................................................... 6
NATUREZA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS AMBIENTAIS ........................... 10 3 NORMAS PRINCIPIOLGICAS CONSTITUCIONAIS REFERENTES
FUNO SOCIOAMBIENTAL DA PROPRIEDADE. ................................. 10 3.1 Formas de incidncia das normas de princpio referentes funo
socioambiental da propriedade .................................................................. 15
CLASSIFICAO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS AMBIENTAIS RELATIVAS FUNO SOCIOAMBIENTAL DA PROPRIEDADE ............................................ 18
4 QUANTO EFICCIA E APLICABILIDADE ................................................. 18 4.1 Quanto densidade e grau de concreo ................................................. 21
A INTERPRETAO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS AMBIENTAIS RELATIVAS FUNO SOCIOAMBIENTAL DA PROPRIEDADE....................... 23
5 PRINCPIOS DE INTERPRETAO ESPECFICA DO TEXTO CONSTITUCIONAL .................................................................................... 23
5.1 Coliso entre as normas principiolgicas referentes ao direito de propriedade e ao direito de um meio ambiente ecologicamente equilibrado. ................................................................................................................... 27
A VINCULAO DO ESTADO AO DIREITO FUNDAMENTAL A UM MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO. ................................................. 30
6. A VINCULAO DO PODER PBLICO ENQUANTO IMPLEMENTADOR E FISCALIZADOR DA FUNO SOCIOAMBIENTAL DA PROPRIEDADE . 30 6.1.A vinculao do Poder Legislativo ........................................................ 30
6.2 A vinculao do Poder Executivo ...................................................... 35 6.3 A vinculao do Poder Judicirio ....................................................... 38
6.4 O Poder Judicirio como garantidor da concreta observncia ao princpio da funo scio-ambiental da propriedade ..................................................... 40
6.4.1 O controle judicial dos atos do Poder Pblico em matria ambiental . 40 6.4.2 A extenso do controle jurisdicional do ato administrativo .............. 41
CONCLUSO .......................................................................................................... 48
REFERNCIAS ........................................................................................................ 50
1
INTRODUO
Contemporaneamente o iderio coletivo vai sendo tomado pela compreenso
de que o destino do homem no mundo est intimamente ligado ao dos outros seres
e depende de sua capacidade de extrair da natureza, com um mnimo de dano, o
indispensvel sobrevivncia digna da espcie. A idia do passado de que o
homem domina e submete a natureza explorao ilimitada, perdeu seu
fundamento.
O homem, mesmo que de forma lenta, compenetra-se de sua
responsabilidade e passa a desenvolver mecanismos para a proteo da natureza,
tendo como norte a necessidade de sobrevivncia de seres das futuras geraes.
Como pano de fundo da idia de proteo ambiental est a compreenso de que
sujeitos inexistentes tm direito vida em um mundo que oferea, no mnimo, tantas
possibilidades quantas as existentes na atualidade, em termos de qualidade
ambiental, ou seja, faz parte do novo paradigma ambiental, alm do ideal de
desenvolvimento sustentvel, a questo da eqidade intergeracional.
Da compreenso concretizao de um ideal ecolgico de existncia
humana h um longo caminho a ser percorrido, a previso abstrata de regras e a
existncia de sanes para casos de descumprimento, ao que parece, no tm
bastado a uma efetiva implementao da proteo ambiental, muito particularmente
quando se trata de incorporar propriedade sua dimenso funcional, dita
socioambiental.
Na mente do homem ainda persiste a idia de propriedade da prpria
natureza e de que nos limites territoriais de seu domnio tudo possvel, at
mesmo colocar a vida na terra em risco. Prevalece a idia de que a propriedade
uma conquista individual, a recompensa por esforos bem sucedidos, com o que se
ignora de forma solene que a propriedade existe em razo de um consenso social,
existe por que o Estado dita sua extenso e fixa as condies de exerccio do direito.
No Brasil da Constituio da Repblica Federativa promulgada em 05 de
outubro de 1988 restou evidente um novo consenso social em torno do direito de
propriedade, sendo certo que o mesmo adquiriu uma nova dimenso, a propriedade
direito mas s reconhecida como tal com o cumprimento da funo
2
socioambiental, entretanto, at o momento, com honrosas excees, predomina o
entendimento de que a direito de propriedade ainda o mesmo da edio do antigo
Cdigo Civil Brasileiro de 1916.
O presente estudo trata, em ltima anlise, de esclarecer os motivos pelos
quais idias to caras proteo ambiental ainda no tomaram conta do mundo
jurdico.
3
SISTEMATIZAO E CONSTITUCIONALIZAO DO DIREITO AMBIENTAL NO BRASIL
2 Evoluo da proteo jurdica do ambiente no Brasil
A histria da humanidade no transcorre, nem pode ser apreciada, em um
vcuo planetrio e, em apartado da compreenso dos processos fsicos, biolgicos e
qumicos altamente complexos que a permeiam. A vida na Terra a um s tempo,
refm e beneficiria da manuteno desse cipoal de foras, que se encontram em
delicado equilbrio dinmico.
Sem querer tocar a superfcie dessas questes mais profundas que envolvem
o relacionamento homem-natureza e, em prol da clareza didtica, tem-se que a
evoluo legislativa-ambiental ptria pode ser analisada sob a luz de trs fases ou
valoraes tico-jurdicas do ambiente.
Da poca do descobrimento (1500) at aproximadamente o incio da segunda
metade do sculo XX, pouca ateno recebeu a proteo ambiental no Brasil,
exceo de umas poucas normas isoladas que visavam salvaguardar a sade do
grupo ou o exaurimento de alguns recursos naturais preciosos (pau-brasil, p. ex.).
Esta fase conhecida como laissez-faire ambiental, ou fase da explorao
desregrada, onde o que tinha maior importncia era a conquista de novas fronteiras,
sendo que eventuais conflitos de cunho ambiental recebiam tratamento privatstico
(direitos de vizinhana).
Nesta tnica, tem-se que na Constituio de 1824 a questo ambiental no foi
abordada em nenhum momento. Na Constituio de 1891 introduziu-se
indiretamente a questo ecolgica, quando se atribui competncia legislativa
Unio para legislar sobre suas minas e terras, sendo tal insero de cunho
eminentemente econmico. Na Carta posterior (1934) o leque de competncia
legislativa da Unio foi alargado, para inserir-se questes referentes gua, energia,
hidroeltrica, floresta, caa, pesca, riquezas do subsolo e bens de domnio federal.
H que se ressaltar que com a vigncia do antigo Cdigo Civil de 1916
algumas questes ambientais foram indiretamente tratadas nos dispositivos
referente ao uso da propriedade.
4
Com o advento do Decreto-Lei n .25, de 30 de novembro de 1937, passou-se
a organizar e proteger o patrimnio histrico e artstico nacional, abrangendo os
monumentos naturais, bem como os stios e paisagens dotados naturalmente ou
artificialmente de feio notvel. (2 do art. 1 ).
desta poca o Decreto-Lei 852/38, conhecido como o Cdigo de guas.
Tambm o Cdigo Penal de 1942 contemplou diretamente a proteo ambiental nos
artigos 267, 268, 269 e 270.
Numa segunda etapa, preocupado com as diversas categorias de recursos
naturais, o legislador imps controles legais s atividades exploratrias que
degradassem o ambiente. Esta fase, conhecida como fragmentria, marcada pela
tnica utilitarista (tutelava-se somente aquilo que tivesse valor econmico) e
reducionista (fatiamento do ambiente). dessa poca o Estatuto da Terra
(4.504/64), o Cdigo Florestal (Lei no. 4.771/65), os Cdigos de Caa (Lei no.
5.197/67), Pesca (Decreto- Lei no.221/67) e de Minerao (Decreto-Lei no. 227/67),
entre outros diplomas legais.
A Carta Constitucional de 1967 tratou o Direito Ambiental nos mesmos termos
dos diplomas constitucionais anteriores, sendo que a emenda n 01, de 17 de
outubro de 1969 tambm no inovou em relao ao tema.
A terceira e atual fase, conhecida como holstica, teve seu incio com o
advento da Lei 6.902/81 (estaes ecolgicas) e da Lei n . 6.938/81 (Lei da Poltica
Nacional do Meio Ambiente), onde o ambiente passa a ser protegido de maneira
integral, ou seja, como um sistema ecolgico integrado. A regulao legal do
ambiente passou a ter cunho interdisciplinar (esfera administrativa, civil e penal) e
global, como indicam a Lei dos Crimes contra o Meio Ambiente (Lei no. 9.605/98) e a
Lei que criou e regulamentou o Sistema Nacional de Unidades de Conservao (Lei.
no. 9.985/2000).
Merece destaque ainda nesta fase, o tratamento especial que teve o meio
ambiente na Constituio da Repblica Federativa do Brasil promulgada em 05 de
outubro de 1988, jamais visto em outra Carta Poltica brasileira e que elevou o
ambiente, a direito fundamental de toda a coletividade, bem de uso comum do povo
e imps ao Poder Pblico e coletividade, o dever de defend-lo e preserv-lo para
as presentes e futuras geraes (art. 225).
Nesta perspectiva protecionista do ambiente foi que passou a viger a Lei n.
9.605/98, que disps sobre os crimes contra o meio ambiente de forma inovadora e
5
mais gravosa ao mesmo tempo que colocou o aparelho repressor estatal a servio
do equilbrio da natureza e em prol das geraes futuras, herdeiras necessrias dos
ecossistemas planetrios.
Por derradeiro, questes ligadas ao princpio da funo socioambiental da
propriedade tambm foram disciplinadas com a Lei que criou o Sistema Nacional de
Unidades de Conservao (Lei n . 9.985/2000), instrumento legal que passou a
regular a criao de unidades de conservao ambiental e a respectiva possibilidade
de indenizao em decorrncia da interveno estatal, situaes que sempre
geraram controvrsias no cenrio jurdico ptrio.
2.1 A sistematizao do Direito Ambiental a partir do Direito Administrativo
Como cedio na doutrina ambientalista brasileira, a tutela ambiental
encontra-se longe de exaurir-se nos horizontes do Direito Ambiental, haja vista ser
essa temtica extremamente complexa, que envolve conhecimentos
multidisciplinares.
Em razo da impossibilidade do trato particular de tais questes, tem-se que
ao Estado foi conferido o gerenciamento (proteo e preservao) do ambiente,
gerando reflexos no Direito Constitucional, num plano mais amplo, bem como no
Direito Administrativo, num plano mais especfico, sendo que, mais recentemente, no
Direito Sanitrio e do Consumidor, no olvidando as imbricaes com o Direito Civil
(direitos de vizinhana) e com o Direito Penal (Lei da Natureza crimes ambientais).
No obstante esta transdisciplinariedade1 e o amadurecimento da disciplina
enquanto ramo do Direito, tem-se que o Direito Administrativo ainda fornece a
estrutura protetiva do ambiente, bem como, empresta sentido aos seus princpios.
Desta forma, no h como se referir tutela ambiental sem considerar
determinados conceitos tradicionalmente administrativistas, como por exemplo, o de
funo administrativa, de onde extrai-se o conceito de funo ambiental; o de ato
administrativo, partindo da o conceito de ato administrativo ambiental; o de
1 BENJAMIN, Antonio Herman. Funo Ambiental in Dano Ambiental, Preveno, Reparao e Represso, p. 13/14. So Paulo
6
discricionariedade administrativa, procedimento administrativo, sano
administrativa, entre tantos outros, todos transportados para o Direito Ambiental.
Em que pese o vnculo placentrio existente entre o Direito Ambiental e o
Direito Administrativo, cumpre notar que os institutos hauridos deste ltimo quando
utilizados pelo primeiro sofrem uma mutao ou em outras palavras, uma adaptao
de sentido e funo, mantendo a essncia. Tais transmutaes ocorrem em razo
da natureza diversa dos objetos tutelados pelos referidos ramos do Direito, como
tambm, pela realidade e necessidades discrepantes de ambos os universos.
2.2 A constitucionalizao da proteo ao ambiente direito fundamental de terceira dimenso
Seguindo a tnica constitucionalista adotada por vrios pases da Europa da
Amrica Latina, a Constituio da Repblica Federativa do Brasil promulgada em 05
de outubro de 1988 reservou um artigo art. 225 - para tratar da preservao do
meio ambiente entre outros tantos dispositivos relacionados com a matria (art. 5,
LXXIII, art. 23, Incs. VI e VII, art. 24, Incs. VI e VIII, art. 129, Inc. III, art. 186, art. 216,
entre outros).
O direito fundamental (e coletivo) a um meio ambiente ecologicamente
equilibrado (bem de uso comum do povo) tido pelos tericos como de terceira
dimenso, tambm denominado direito de solidariedade ou fraternidade, cuja
titularidade, a priori, outorgada coletividade (direito difuso), no obstante sua
inequvoca faceta individual.
O termo dimenso tem tido maior aceitao entre os modernos tericos dos
direitos fundamentais do que a palavra gerao, em razo de indicar que os
direitos gestados numa gerao ganham outra dimenso com o surgimento de uma
gerao posterior, a qual passa a ser pressuposto de entendimento e realizao dos
direitos surgidos na anterior2.
Exemplo clssico do acima dito d-se com relao ao direito individual de
propriedade, num contexto em que se reconhece a segunda dimenso dos direitos
fundamentais, s pode ser exercido observando-se sua funo social e, com o
2 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Direitos Fundamentais, processo e princpio da proporcionalidade. Dos Direitos humanos aos direitos fundamentais, p. 13. So Paulo, Celso Bastos Editor, 1999.
7
surgimento dos direitos fundamentais de terceira dimenso, observando-se
igualmente sua funo ambiental.
Tecidos tais comentrios, tem-se que a norma bsica, de carter fundamental
para o direito ambiental, est posta no caput do art. 225 da Constituio da
Repblica Federativa do Brasil, promulgada em 05.10.1988::
Todos tm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial qualidade de vida, impondo-se ao Poder Pblico e coletividade o dever de defend-lo e preserv-lo para as presentes e futuras geraes.
Referido dispositivo, denota uma viso antropocntrica (alargada)3 de
proteo ao meio ambiente, posto que acentua o papel do homem (Estado e
coletividade) como responsvel pela natureza, independentemente de sua utilidade
direta e imediata (benefcio econmico atual viso antropocntrica radical), porm,
com vistas manuteno de sua capacidade funcional em prol das geraes futuras,
a partir do momento que fomenta a ao humana em busca da recuperao de seu
equilbrio.
No corpo da Constituio encontram-se outras disposies atreladas ao meio
ambiente, relacionadas s competncias constitucionais dos entes da federao
(legislativas e de implementao art. 23, incs. VI e VII, art. 24, incs. VI e VIII e art.
30, incs. I e II), referente ao regime jurdico constitucional do dano ambiental
(responsabilidade civil pelo dano ambiental art. 225, pargrafos 2 e 3), relativas
aos instrumentos jurdicos de proteo do meio ambiente, atinentes aos direitos e
deveres constitucionais ambientais explcitos e implcitos, os primeiros, relacionados
no art. 225 da Carta Magna e os demais, pinados no texto constitucional e, embora
no cuidem diretamente da proteo ambiental, acessoriamente ou por interpretao
teleolgica terminam por assegurar valores ambientais, como por exemplo, direito de
propriedade, direito ao exerccio da ao popular e ao civil pblica, direito vida,
direito sade, entre outros.
Importante constatar que o legislador constituinte ao mesmo tempo que
assegurou o direito de propriedade (direito fundamental de 1 dimenso) no art. 5,
Inc. XXII, no inciso seguinte, XXIII, atrelou sua validade ao cumprimento de sua
3 MORATO LEITE, Jos Rubens e AYALA, Patryck de Arajo. A Transdiciplinariedade do Direito Ambiental e a sua eqidade intergeracional. Revista de Direito Ambiental, n. 22, ano 6, p. 66/69. So Paulo, 2001.
8
funo social, da qual deflui, nos termos do art. 186, II, a proteo e preservao do
meio ambiente (funo socioambiental da propriedade).
de se notar, ainda, que a fragmentao da competncia legislativa em
matria ambiental na Carta Constitucional de 1988 abre espao incidncia de trs
legislaes diferentes sobre o mesmo assunto (federal, estadual e municipal)
quando se trata de competncia concorrente entre os entes da federao, o que via
de regra acarreta dificuldades na interpretao e aplicao de referidas normas e,
consequentemente, traz prejuzos no que se refere a efetividade da tutela do
ambiente.
O cidado, diante de to vasta e esparsa legislao, desconhece a forma pela
qual tem que se conduzir diante das questes ambientais e, quando tenta assimilar
o contedo de referidas normas, confunde-se diante das mesmas, assim como,
parte dos operadores do Direito, que diante de normas ambientais que tratam do
mesmo assunto, mas de forma diferente, sentem dificuldades no momento de
interpret-las e aplic-las.
Houve poca em que defendeu-se a codificao das leis ambientais, com o
escopo de unir em um nico texto todas as leis existentes sobre o tema, como forma
de tornar mais compreensvel e acessvel a comunicao da legislao ambiental4 e,
principalmente, tornar efetivos referidos comandos normativos.
De qualquer sorte, a questo da codificao pode parecer, num primeiro
momento, uma das solues mais fceis para enfrentar o problema da efetividade
das normas ambientais, contudo, tal estratgia metodolgica est em contraponto
com os ideais do constitucionalismo moderno e com a tendncia da legislao em
geral, em trabalhar com enunciados normativos principiolgicos, com maior poder de
cobertura dos fatos da vida, j que impossvel regrar todas as condutas dos
homens e todas as possibilidades de ataque ao bem jurdico tutelado.
Neste diapaso, se faz mister a desformalizao das normas e a diminuio
da produo legiferante, muitas vezes casustica e desconectada da realidade
social, como forma de remeter os operadores do Direito a uma ordem jurdica de
4 OLIVEIRA, Sulivan Silvestre. A necessidade de codificao das leis ambientais no Brasil como forma de garantir a eficaz proteo ambiental do cidado. p. 87/90. So Paulo, Revista de Direito Ambiental n.7, ano 2, julho/setembro de 1997.
9
valores5 que no necessita ser codificada para ter vigncia e eficcia no mundo dos
fatos.
de se notar, ainda, que o apego exagerado ao normativismo do tipo
positivista dificulta a concretizao das normas ambientais, que como ser abordado
no captulo seguinte, so de natureza principiolgica, ou seja, suas pautas so
abertas e lingisticamente formadas por conceitos vagos, volteis e de alta
conformao valorativa, circunstncias que esto a exigir do exegeta uma postura
axiolgica diante da norma em detrimento dos purismos formais-metodolgicos de
outrora.
5 KRELL, Andreas J. Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha, p. 77. Porto Alegre, Livraria do Advogado Editora, 2002.
10
NATUREZA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS AMBIENTAIS
3 Normas principiolgicas constitucionais referentes funo socioambiental da propriedade.
As constituies nascem com a pretenso de permanncia. Exatamente por
essa razo, elas devem ser dotadas de vlvulas que permitam a atualizao de seus
ditames em face das contnuas alteraes sociais, ou seja, sistemas de calibrao
da norma.
Uma destas vlvulas consiste, precisamente, no carter principiolgico que
reveste muitas das normas constitucionais. Como j mencionado, os princpios, pela
plasticidade que lhes caracterstica, tm como acomodar, com maior facilidade,
alteraes no seu sentido, o que no possvel em relao s regras.
As Cartas Constitucionais surgidas sob a gide do Estado do Bem-Estar
Social, ditas dirigentes (Canotilho) ao ocuparem-se de uma infinidade de questes
que anteriormente no eram objeto de tutela constitucional, no tiveram como
descer ao nvel de detalhamento necessrio regulamentao imediata de todos os
campos aos quais se dedicaram, em razo disso, lanaram mo de princpios
setoriais com o escopo de estabelecerem valores e objetivos centrais, os quais,
posteriormente, sero objetos de concretizao legislativa.
Desta forma, fica evidente a razo pela qual a Constituio torna-se
hospedeira de tantos princpios. Consoante lio de Joaquin Arce y Flrez-Valdez6,
hoje o habitat natural dos princpios gerais de direito no mais o cdigo
expresso de uma fase do Direito que se findou mas a prpria Constituio, que
sintetiza os valores mais relevantes da ordem jurdica.
Por este prisma, o carter principiolgico da Lei Fundamental representa um
autntico convite ao intrprete para que proceda uma leitura mais valorativa do que
formal da Constituio (desformalizao interpretativa da Constituio7).
6 FLREZ-VALDS, Joaqun Arces. Los principios generales del Derecho y su formulacin constitucional, p. 93/97. Madri, Cuardernos Cvitas, 1990. 7 FERNANDES, Iara de Toledo. A EFETIVIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS. So Paulo, Anais do XVI Congresso Nacional dos Procurados do Estado, 1998.
11
Cumpre frisar que a presena tanto de regras como de princpios
fundamental vitalidade da Constituio, posto que, a adoo de um sistema
constitucional que se alicerasse exclusivamente sobre princpios, carrearia ao
ordenamento uma dose inaceitvel de incerteza e insegurana, j que a aplicao
dos princpios opera-se de modo mais fludo e menos previsvel do que as regras.
Doutra banda, a instituio de um modelo que fundasse unicamente sobre
regras, no daria conta da crescente complexidade e mudanas das situaes que a
Constituio prope-se a tutelar, visto que engessaria o intrprete e o legislador
infraconstitucional, subtraindo-lhes a maleabilidade necessria acomodao dos
conflitos que naturalmente se estabelecem, em casos concretos, entre diversos
interesses constitucionais concorrentes.
Na perspectiva ambientalista tem-se que, parafraseando lvaro Luis Valery
Mirra8, as normas-princpio exercem importante funo no estudo, compreenso,
interpretao e aplicao das normas jurdicas ambientais, a partir do momento que
auxiliam no entendimento e na identificao da unidade e coerncia das mesmas em
relao ao sistema jurdico ambiental de que fazem parte.
A Carta Constitucional vigente, no que tange proteo e preservao do
meio ambiente, traz inmeras normas de carter principiolgico, como por exemplo,
o art. 225, quando dispe que o direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado bem de uso comum do povo, cabendo ao poder pblico e
coletividade defend-lo e preserv-lo.
O legislador constituinte ao colocar a proteo e defesa do meio ambiente sob
responsabilidade do poder pblico e da coletividade deixou de determinar os limites
positivos e negativos de tais aes, bem como, no esclareceu o que seja meio
ambiente ecologicamente equilibrado, para os fins legais.
No obstante referido grau de indeterminabilidade, h a aludida norma
principiolgica tem servido de fundamento para diversos julgados que envolvem
questes ambientais. A ttulo de ilustrao Merece destaque deciso do TJSP9 que
confirmou sentena de 1 Grau, de lavra do MM. Juiz de Direito da Comarca de
Sertozinho, envolvendo questo ambiental e interesse particular, sendo certo que,
8 MIRRA, lvaro Luiz Valery. Princpios Fundamentais do Direito Ambiental, p. 50/66. So Paulo, Revista de Direito Ambiental, Ano 1, abril-junho de 1996. 9 DES. CAMBREA FILHO. Apelao Cvel n 211.502-1/9, da Comarca de Sertozinho, julgada em 08.03.1995, por votao unnime.
12
o eminente desembargador relator fundamentou seu parecer no art. 225, caput, C.F.,
nos seguintes termos:
Ementa. Apelao Cvel. Meio ambiente. Alegao de que o Poder Pblico limitou direito de propriedade, limpeza e conservao de um loteamento. Inocorrncia. Hiptese em que a autora desmatou vegetao capoeira, sem autorizao ambiental. Poder de polcia. Limitao administrativa visando o interesse social. Funo social da propriedade. Art. 225 da Constituio da Repblica. Recurso no provido.
Outra norma de carter principiolgico encontra-se insculpida no art. 227,
caput, da C.F., redigido a partir do item 17 da Declarao de Estocolmo que
encontra sua razo de ser na natureza indisponvel do meio ambiente.
De acordo com referida norma, cabe obrigatoriamente ao Poder Pblico, no
mbito administrativo, legislativo e judicirio, atuar efetivamente na preservao e
conservao dos recursos naturais, adotando polticas pblicas que atinjam os fins
propostos no texto constitucional.
Embora compulsria, a interveno estatal para fins de proteo ambiental
no exclusiva, cabendo a participao direta da sociedade na gesto da qualidade
ambiental. De qualquer modo, h necessidade de atividade legiferante para que se
concretize o fim visado pelo legislador, principalmente no tocante implementao
de polticas pblicas de proteo e preservao do ambiente.
Dentro desta mesma caracterstica normativa h os comandos constantes no
art. 1, nico, art. 225 da C.F. que autorizam a participao popular na proteo do
meio ambiente, impondo um dever sociedade de atuar nesse sentido (art. 225,
caput).
Referida atuao comunitria pode se dar pela participao nos processos de
criao das leis ambientais (iniciativa legislativa e referendos sobre leis e atuao
em rgos colegiados dotados de poderes normativos); pela participao na
formulao e na execuo de polticas ambientais e atravs da prestao
jurisdicional obtida em sede de ao civil pblica.
Para que possa participar, a sociedade necessita estar educada e informada
sobre as questes que envolvem o meio ambiente, cabendo ao Poder Pblico, de
acordo com o art. 225, 1, inc. IV da C.F., adotar mtodos de conscientizao e
estmulo participao popular em tais eventos.
13
Novamente deixou-se em aberto a questo de quais seriam os mtodos de
conscientizao e estmulo aptos a tornar a sociedade mais participativa e atuante
no processo de efetiva proteo do meio ambiente.
Outra pauta ambiental de textura aberta a que diz respeito garantia do
desenvolvimento econmico e social ecologicamente sustentvel, a partir de um
projeto de proteo ao meio ambiente harmonizado com as finalidades precpuas da
ordem econmica e social, ou seja, as polticas de proteo ambiental devem ser
desenvolvidas levando em conta as implicaes econmicas e sociais que
certamente vo gerar.
Surge assim, a necessidade de conciliar a preservao do meio ambiente
com o direito propriedade, com a explorao de recursos naturais, com o exerccio
de atividades produtivas, entre outras imbricaes, sendo reservado ao legislador
ordinrio e tambm aos outros atores polticos institucionalmente legitimados
conformar e funcionalizar respectiva interdependncia.
Prosseguindo, h que se ressaltar a natureza principiolgica da norma
insculpida no art. 225, 1 , inc. III da C.F., que dispe que a avaliao prvia dos
impactos ambientais que efetuada por meio de Estudo de Impacto Ambiental,
instrumento essencial e obrigatrio, para toda e qualquer atividade suscetvel de
causar significativa degradao do meio ambiente.
Alm do carter preventivo do instituto, tem-se que referidas avaliaes
revestem-se de mecanismo de planejamento, a partir do momento que obrigam a
realizao de estudos que levam em considerao o meio ambiente e a insero de
atividades de risco em seu bojo.
Tendo em vista a impossibilidade do legislador constituinte em prever e
detalhar quais seriam as atividades que ao serem implementadas gerariam
significativa degradao do meio ambiente, optou-se pela utilizao de signos
lingsticos vagos, passveis de serem formatados de acordo com a situao
apresentada.
At o momento pode-se inferir que as normas acima analisadas atuam direta
ou indiretamente sobre a questo central do presente trabalho, relativa funo
socioambiental da propriedade, cujo fundamento retirado dos arts. 5, inc. XXIII,
170, inc. III e 186, inc. II da mencionada Carta Constitucional.
Em que pese constar do texto constitucional a forma pela qual o exerccio do
direito de propriedade torna-se compatvel com a tutela do ambiente (funo social
14
da propriedade), deixou-se para os exegetas e legisladores ordinrios a tarefa de
contextualizar referido condicionamento, j prevendo a enorme dificuldade de limitar-
se um direito fundamental de 1 dimenso at pouco tempo tido como absoluto e
intangvel.
A partir de um exame conjunto de referidas normas principiolgicas, tem-se
como possvel a imposio de comportamentos negativos (limites obrigaes de
no fazer) e positivos (obrigaes de fazer) ao proprietrio no exerccio de seu
direito, a fim de adequar a sua propriedade preservao do meio ambiente, sob
pena de seu direito torna-se ilegtimo.
Embora ainda falte uma ampla intermediao legislativa, bem como, uma
interpretao mais atualizada e menos formalista das referidas normas, de se
constatar que a utilizao dos mesmos fundamentos norteadores de decises
judiciais que envolvem questes de direito de propriedade e meio ambiente,
ressaltando-se que a Corte Constitucional Ptria tem adotado este princpio
mormente no que se refere proteo dos recursos naturais como pressuposto para
o reconhecimento do cumprimento da funo social pela propriedade. Impende
transcrever, nesta seara, parte do acrdo do STF10 que versa sob a questo
enfocada:
Os preceitos inscritos no art. 225 da Carta Poltica traduzem a consagrao constitucional, em nosso sistema de direito de uma das mais expressivas prerrogativas asseguradas s formaes sociais contemporneas. Essa prerrogativa consiste no reconhecimento de que todos tm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. (...) O dever que constitucionalmente incumbe ao Poder Pblico de fazer respeitar a integridade do patrimnio ambiental no o impede, contudo, quando necessria a interveno estatal na esfera privada, de promover, na forma do ordenamento positivo, a desapropriao de imveis rurais para fins de reforma agrria, especialmente porque um dos instrumentos de realizao da funo social da propriedade rural consoante expressamente proclamado pela Lei n. 8.629/93 (art.9, II, e seu 3) e enfatizado pelo art. 186, II, da prpria Carta Poltica consiste, precisamente, na submisso do domnio necessidade de o seu titular utilizar adequadamente os recursos naturais disponveis e de fazer preservar o equilbrio do meio ambiente, sob pena de, em descumprimento esses encargos, sofrer a desapropriao-sano a que se refere o art.184 da Lei Fundamental.
10 TP, MS 22.164-0-SP, rel. Min. Celso de Mello, DJU 17.11.95, JSTF 208/251.
15
Tecidas tais consideraes, de concluir que o direito de propriedade na
atual ordem constitucional tem um contedo social que se expressa, em linguagem
jurdica, pela frmula da funo socioambiental do domnio e da posse exercidas em
seus limites, fulcrada sob a incontrastvel convico de que a propriedade, mesmo
quando particular, deve operar, sem exceo, em favor do interesse coletivo,
mormente no que se refere ao dever de utilizao adequada dos recursos naturais
disponveis e preservao do meio ambiente.
3.1 Formas de incidncia das normas de princpio referentes funo socioambiental da propriedade
Com base na lio de Jos Diniz de Moraes11 a cerca das formas de
incidncia do princpio da funo social sobre o direito de propriedade,
acrescentando-se a perspectiva ambientalista sobre o tema, tem-se que o referido
princpio pode assumir feies diferentes dentro do ordenamento jurdico.
A princpio, como normas redutoras de determinadas faculdades inerentes ao
direito de propriedade, como ocorre no caso de propriedades compreendidas em
reas de preservao ambiental ou aquelas que foram objeto de tombamento.
Neste particular aspecto, no que tange s reas de preservao permanente,
no h necessidade de desapropriao da rea afetada, visto no estar inviabilizado
totalmente o exerccio do direito de propriedade, apenas limita-se alguns direitos,
como por exemplo, a vedao de corte raso em reservas florestais legais.
Tais comandos normativos podem assumir ainda carter condicionador do
exerccio do direito de propriedade, impondo ao titular de referido direito a obrigao
de exercer seus poderes atendendo s condies previstas na Lei maior, ou seja,
quelas dispostas no art. 186 da Constituio da Repblica Federativa do Brasil de
1988, dentre elas, a que diz respeito utilizao adequada dos recursos naturais
disponveis e preservao do meio ambiente (art. 186, II), sob pena de perda do
bem sem qualquer indenizao.
11 MORAES, Jos Diniz de. A funo social da propriedade e a Constituio Federal de 1988, p. 134. So Paulo, Dialtica, 1999.
16
Este um dos mais importantes critrios de efetivao do princpio da funo
social da propriedade, impondo ao seu titular a obrigao de exercitar seu direito em
benefcio da coletividade e no, apenas, de no exercer em prejuzo de outrem.
Com fulcro nesta forma de incidncia tem-se julgados que obrigam o
proprietrio rural recomposio da rea de reserva legal desmatada,
independentemente de ter sido ele o causador do dano, bem como, averbao de
referida rea junto ao registro imobilirio12, consoante disposto no seguinte trecho
de sentena:
No mrito, v-se que existe a obrigao de manter a reserva legal, como tambm delimitar-se a chamada mata ciliar numa extenso e amplitude proporcional aos cursos da gua que passam pela propriedade (...)
Referidas normas funcionam tambm como princpio norteador da atividade
hermenutica, prevalecendo no s quando est sub judice o cumprimento ou no
da dita funo social da propriedade, mas, principalmente, quando estiver em jogo o
interesse social (coletivo) envolvendo o direito fundamental a um meio ambiente
ecologicamente equilibrado.
de se destacar nessa seara funcional clebre acrdo do Superior Tribunal
de Justia de lavra do Ministro Hlio Mosimann, reconhecendo a sujeio do direito
de propriedade ao cumprimento da sua funo social, a embutida a preservao
dos recursos naturais e a proteo do meio ambiente13, bem como o entendimento
do Superior Tribunal Federal adotado no acrdo (transcrito no tpico anterior)
proveniente do Mandado de Segurana 22.164-0-SP, cujo relator. Min. Celso de
Mello, utilizou-se das normas principiolgicas insculpidas nos artigos 5 Incs. XXII e
XXIII e 186, II da CF88 para fundamentar sua deciso14.
Por derradeiro, cumpre ressaltar que as normas principiolgicas em estudo
assumem ainda carter integrador quando utilizadas para o suprimento de lacunas,
em razo de deficincia legiferante total ou parcial alm de possurem uma funo
diretiva ao imporem no s o dever de se legislar a fim de tornar eficaz o contedo
semntico de alguns de seus comandos, como tambm, o dever de atuar
concretamente para que tais pautas sejam aplicadas e obedecidas.
12 Revista de Direito Ambiental. 01/261, So Paulo, RT. 13 Mandado de Segurana 2.046/DF deciso proferida em 18.05.1993. 14 MS 22.164-0-SP, rel. Min. Celso de Mello, DJU 17.11.95, JSTF 208/251
17
Conforme ser explicado no prximo captulo, para que as normas ambientais
possam incidir no mundo dos fatos, necessitam ser dotadas de eficcia e
aplicabilidade diante da questo a ser regulada, dependendo para tanto da forma
pela qual seus contedos so preenchidos e pelo grau de concretude que seus
comandos aspiram.
18
CLASSIFICAO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS AMBIENTAIS RELATIVAS FUNO SOCIOAMBIENTAL DA PROPRIEDADE
4 Quanto eficcia e aplicabilidade
Muitos so os enfoques e abordagens pelas quais pode-se apreciar a questo
da eficcia e da aplicabilidade das normas constitucionais relacionadas ao meio
ambiente.
Antes porm, convm frisar que a teorizao acerca da aplicabilidade das
normas constitucionais (prescries mandatrias e diretrias), bem como, a
classificao das mesmas em auto-executveis (self-executing), auto-aplicveis
(self-enforcing) ou bastantes em si (self-acting) e em no auto-executveis, no
auto-aplicveis ou no bastantes em si de origem americana15 encabeada por
Cooley e acolhida no Brasil por Ruy Barbosa.
Tal posio foi contrariada por Jos Afonso da Silva em monografia que se
tornou clebre, onde defendeu uma classificao tripartite da norma no que tange a
sua eficcia e aplicabilidade: normas de eficcia plena, de eficcia contida e de
eficcia limitada, sendo as duas primeiras auto-aplicveis (as de eficcia contida
tanto quanto possam) e as ltimas no.
No obstante as divergncias existentes entre os doutrinadores, para os fins
do presente trabalho adotar-se- o entendimento esposado por Jos Afonso da
Silva16, segundo o qual, quanto eficcia (jurdica) e aplicabilidade, as normas
constitucionais podem ser classificadas em normas de eficcia plena e aplicabilidade
imediata, normas constitucionais de eficcia contida e aplicabilidade imediata,
sujeitas porm a restrio, e normas constitucionais de eficcia limitada ou reduzida,
estas ltimas repartidas em dois grupos ou categorias: as definidoras de princpio
institutivo e as definidoras de princpio programtico.
Outrossim, no que se refere eficcia e aplicabilidade das normas
principiolgicas tidas como programticas adotar-se entendimento discrepante ao
do referido constitucionalista, no sentido de que referidas pautas so de cunho
15 SILVA, Celso de Albuquerque. Interpretao Constitucional Operativa, p. 31. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2001. 16SILVA, Jos Afonso. Aplicabilidade das Normas Constitucionais, p. 253/254. So Paulo, Malheiros, 1997.
19
preceptivo, podendo ser invocadas a qualquer tempo independentemente de lei que
lhes indique o contedo, de forma a criar direitos subjetivos individuais positivos e
negativos em relao s mesmas.17
Neste diapaso, de acordo com o que dispe o art. 5, 1 da CF88, As
normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais tm aplicao imediata.
Embora fora do art. 5 da C.F., j se discorreu sobre o fato de que o direito
conferido no art. 225 do referido diploma legal tido como fundamental, posto sua
importncia para a existncia digna e sadia de todo e qualquer indivduo, sendo-lhe
aplicvel a norma insculpida no art. 5, 1 , acima transcrita.
Outrossim de fcil constatao que referido preceito constitucional (art. 5,
1 da C.F) vem sendo mal compreendido, quando no ignorado pelos operadores
do Direito18 o que acarreta prejuzos inominveis na efetivao dos direitos
fundamentais.
Entre aqueles que admitem (limitadamente) a eficcia de referido dispositivo
constitucional, destaca-se o esclio de Ingo Wolfgang Sarlet19, para quem a
interpretao do artigo em destaque no pode ser levada a uma posio extrema
(negando eficcia total ou conferindo eficcia ilimitada), tendo em vista, mormente
no que concerne aos direitos fundamentais sociais de natureza prestacional, os
naturais limites impostos pelo princpio da reserva do possvel, pela impossibilidade
do Poder Judicirio implementar (ou determinar a implementao) programas
socioeconmicos, bem como, na coliso entre direitos fundamentais.
H que se ressaltar que a questo referente ao princpio da reserva do
possvel deve ser analisada com reservas, haja vista que tal construo terica foi
importada do direito germnico para o ptrio, atravs das lies de Canotilho, sem
os ajustes (sociais, econmicos e culturais) necessrios.20
No Brasil mencionado argumento tem sido largamente utilizado como forma
de no cumprimento dos preceitos constitucionais referentes aos direitos
17 KRELL, Andreas J. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha, p. 38/40. Porto Alegre, Livraria do Advogado Editora, 2002. 18 MORO, Srgio Fernando. Desenvolvimento e efetivao judicial das normas constitucionais, p. 66. So Paulo, Max Limonad, 2001. 19 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficcia dos direitos fundamentais, p. 245/246. Porto Alegre, Livraria do Advogado Editora, 2001. 20 KRELL, Andreas J. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha, p. 51/52. Porto Alegre, Livraria do Advogado Editora, 2002.
20
fundamentais prestacionais, o que condiciona a efetivao dos mesmos existncia
de recursos econmicos dotados para tal fim.
Interpretao mais restritiva a proposta por Joo Gebran Neto21 ao
mencionado dispositivo constitucional (art. 5, 1), no sentido de que em razo da
sua localizao topogrfica, o mesmo s seria aplicvel aos direitos fundamentais
consagrados no art. 5 da C.F.
No obstante as controvrsias doutrinrias, h que se destacar que as
noes de aplicabilidade e eficcia (jurdica e no social) podem ser consideradas as
duas faces da norma, na medida em que esta somente ser eficaz (no sentido
jurdico) por ser aplicvel e na medida de sua aplicabilidade.
H que se considerar, ainda, que sob o ponto de vista pragmtico no h
norma constitucional sem eficcia22, ante a possibilidade da norma, por menor que
seja sua carga de eficcia, gerar os efeitos que dela se espera.
Em ltima hiptese, s pelo fato da norma fazer parte do corpus constitucional
j obriga que toda a legislao infraconstitucional seja com ela compatvel, sob
pena de ser considerada inconstitucional, o que no deixa de ser uma espcie de
eficcia.
O artigo 225 da Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988, com
referncia sua auto-aplicabilidade, no homogneo. Contm disposies que
apresentam eficcia plena, enquanto outras so estruturadas com ncleos eficazes,
mas que flutuam em comandos de eficcia limitada. Finalmente, uma terceira
categoria, h dispositivos de textura aberta, espera de complementao legal ou
regulamentar, que lhes dar fora executria.
de se notar ainda que a utilizao indiscriminada da expresso na forma da
lei indica, no mais das vezes, que acertos anteriores j delimitaram o campo do
legislador ordinrio, do administrador pblico e do membro do Poder Judicirio
quanto questo to evasivamente tratada no texto constitucional.
Assim sendo, no obstante a estrutura heterognea das normas
constitucionais ambientais em estudo, no se pode consider-las apenas diretivas
(aqui no sentido utilizado por Caetano Azzarati23) estabelecidas ao legislador futuro,
21 MORO ,Srgio Fernando. Desenvolvimento e efetivao judicial das normas constitucionais, p. 72. So Paulo, Max Limonad, 2001. 22 FERRAZ, Jnior, SAMPAIO, Trcio e outros. Constituio de 1988 Legitimidade, Vigncia e Eficcia Supremacia, p. 74. Rio de Janeiro, Forense, 2000. 23 DINIZ, Maria Helena. Norma Constitucional e seus efeitos, p. 92. So Paulo, Saraiva, 2001.
21
cabendo aos operadores do Direito, atentos que esto configurao interna das
normas supra mencionadas, discernirem o que contedo exortativo e o que
passvel de aplicao direta.
4.1 Quanto densidade e grau de concreo
Como visto, inexiste norma constitucional destituda de eficcia, tendo em
vista que todo dispositivo incerto no corpo constitucional possui uma normatividade
mnima.
Dentro desta perspectiva, tem-se que o contedo do dispositivo (densidade
da norma) de suma importncia para a determinao da normatividade do
comando, posto que, a densidade da norma constitucional est diretamente ligada a
capacidade da mesma produzir efeitos e sua condio de aplicao.
Conforme ensina Gomes Canotilho24, (...) densificar uma norma significa
preencher, complementar e precisar o espao normativo de um preceito,
especialmente carecido de concretizao, a fim de tornar possvel a soluo, por
esse preceito, dos problemas concretos.
Afirma ainda o referido constitucionalista lusitano que Existem certas normas
cuja densidade pressupe um menor espao de discricionariedade ou de liberdade
de conformao que outras25, indicando uma tendncia de abertura (vertical) da
norma constitucional mediao legislativa concretizadora.
As normas constitucionais quanto ao contedo semntico-realizador podem
ser classificadas em norma de alta densidade normativa: so aquelas dotadas de
suficiente normatividade, e que se encontram aptas a, diretamente e sem a
interveno do legislador doutrinrio, gerar os seus efeitos essenciais e norma de
baixa densidade normativa: so aquelas que no possuem normatividade suficiente
para, de forma direta e sem a interferncia legislativa, gerarem seus efeitos
principais.
luz do acima referido tem-se que o artigo 225 da Carta Constitucional
Brasileira altera incisos e pargrafos com baixa densidade normativa e outros com
24CANOTLIHO, J. Gomes. Direito Constitucional, p. 202/203. Coimbra, Coimbra Editora, 1993. 25 CANOTILHO, J. Gomes. Direito Constitucional p. 188/189. Coimbra, Coimbra Editora, 1993.
22
densidade menos reduzida. Dentro desta perspectiva, de se notar que, por
exemplo, o caput do citado artigo, mais os incisos I, III (primeira parte) IV, V, VI e VII
possuem densidade mandamental baixa.
Tal reduo de densidade, como j referido no captulo 3, ocorre em razo da
opo do legislador constituinte em utilizar termos vagos, como por exemplo,
atividade potencialmente causadora de significativa degradao, bem como, de
deixar as condies de realizabilidade de referidas normas para um plano posterior,
como se observa, por exemplo, na questo da educao ambiental.
Outrossim, de se reconhecer que nem sempre a finalidade buscada pelo
legislador constituinte apreendida com exatido pelo legislador ordinrio que, no
raras vezes, d contornos diferentes norma constitucional, complementando-a ou
regulamentando-o de modo diferente do inicialmente idealizado, tendo em vista a
pr-compreenso que tem acerca dos fatos normatizados.
Assim, no se pode olvidar que a questo da eficcia normativa passa pela
ntima conexo existente entre o sistema e a ideologia daqueles que o operam,
fazendo surgir a figura da lacuna axiolgica quando ocorre a inadequao do texto
da norma com o seu valor objetivo, ncleo da problemtica epistemolgica em
relevo.
Por outro prisma, esse vazio da norma pode ser superado adequadamente
utilizando-se recursos existentes fora do texto da mesma26 e, como ser
demonstrado no captulo que segue, atravs de uma atividade hermenutica
concretizadora, executvel a partir de uma interpretao material-valorativa do
direito27.
Dentro desta perspectiva vital que o poder pblico em todas suas esferas e
os operados do Direito estejam comprometidos com o desenvolvimento e a
efetivao das normas constitucionais atinentes proteo e preservao ambiental,
independentemente da questo das mesmas possurem textura aberta e at mesmo,
a despeito do princpio da reserva do possvel.
26 MORO ,Srgio Fernando. Desenvolvimento e efetivao judicial das normas constitucionais, p. 89. So Paulo, Max Limonad, 2001. 27 KRELL, Andreas J. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha, p. 77. Porto Alegre, Livraria do Advogado Editora, 2002.
23
A INTERPRETAO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS AMBIENTAIS RELATIVAS FUNO SOCIOAMBIENTAL DA PROPRIEDADE
5 Princpios de interpretao especfica do texto constitucional
J no divergem os modernos doutrinadores sobre a necessidade de adoo
de mtodos especficos para uma interpretao constitucional, concordes que esto
quanto ao fato de que a profunda relao entre o direito constitucional e a poltica,
bem como, o alto grau de abstrao da maioria das normas constitucionais impe ao
intrprete a utilizao de instrumental adequado, apto a conduzi-lo a concluses que
no possam ser tidas como superinterpretao, interpretao paranica ou
reducionista.
A interpretao constitucional em essncia uma atividade de reconstruo
do contedo da norma a partir de uma anlise pluralstica de todo o sistema em
cotejo com as situaes da vida e no um fenmeno monoltico, singular28.
Assim sendo, exige-se que o intrprete tenha em conta o sistema jurdico, os
fatos, a ideologia do texto legal e a sua prpria; que considere os postulados da
filosofia, sociologia, psicologia e a tradio histrica, de sorte que a real dimenso
das opes do constituinte no lhe escapem e, ao mesmo tempo, os riscos que tais
opes possam representar para as geraes futuras no sejam ignorados, com
ateno para o fato de que Constituio sntese do pensamento poltico de uma
determinada sociedade, que se destina a organiz-la e est voltada, em maior ou
menor grau, perpetuao das situaes fticas que lhe permitiram o surgimento.
O intrprete da norma constitucional, em particular quando trabalha com as
normas de princpios, no deve ignorar que a dialtica (no sentido hegeliano) entre
o legislativo e o poder judicirio, entre a doutrina e a autoridade, entre o poder e a
opinio pblica, que faz a vida do direito e lhe permite conciliar a estabilidade e a
mudana 29.
Obviamente, nem todas as normas constitucionais sujeitam-se a leituras
idnticas, algumas, com alto grau de concreo, nas quais conduta exigida e sano
28BARROSO, Luis Roberto. Interpretao e Aplicao da Constituio, p.04. Rio de Janeiro, Renovar, 1996. 29 PERELMAN, Chim.. tica e Direito, p. 631.So Paulo, Marins Fontes, 2000.
24
correspondente se apresentam mais ou menos evidentes, pedem apenas a
delimitao do fazer ou no fazer imposto pela norma.
Doutra banda, outras, por demais abstratas, convidam o intrprete ao uso
exaustivo de mtodos prprios da interpretao constitucional e no afastam, em
ltima instncia, a possibilidade de uma interpretao na qual prepondere as
convenincias da oportunidade, a ideologia do intrprete ou do grupo em que
encontra-se inserido, o que, em maior ou menor grau, sempre ocorre com as
decises das Cortes Constitucionais.
Se a escolha de um mtodo justo em termos de interpretao constitucional
configura tarefa difcil de ser empreendida, fcil concluir, todavia, serem os
mtodos clssicos de interpretao formulados por Ihering e Savigny no sculo XIX,
insuficiente para abranger a complexidade da norma constitucional que, alm de sua
dimenso jurdica, traduz um plexo de fatores polticos a tornar inapto o mtodo
jurdico tradicional para solver as graves questes interpretativas relacionadas
Constituio.
A natureza diferenciada de princpios e regras constitucionais suscita a
necessidade de se desenvolver uma hermenutica constitucional igualmente
diferenciada da tradicional, mormente em relao s pautas principiolgicas que se
encontram em latente estado de coliso.
Nesta linha, a moderna doutrina constitucionalista tem sustentado a existncia
de princpios de interpretao especficos do texto constitucional, como por exemplo,
o princpio da unidade da Constituio, onde o exegeta deve levar em conta a
interdependncia das diversas normas constitucionais, as quais formam um sistema
integrado.
Sustenta-se tambm a existncia de um princpio de efeito integrador, a partir
do qual na soluo dos problemas jurdico-constitucionais d-se preferncia
interpretao que mais favorea a integrao social, reforando a unidade poltica;
Outro princpio de suma importncia o da mxima efetividade na
interpretao da norma constitucional, posto que atribu ao contedo da mesma a
maior carga de eficcia possvel, tendo em vista que, atualmente, no mais se
admite haver na Constituio normas que sejam meras exortaes morais ou
declaraes de princpios e promessas a serem atendidos futuramente;
Com base na lio de Lassale tem-se o princpio da fora normativa da
Constituio, que enfatiza a necessidade permanente de se proceder a uma
25
atualizao das normas constitucionais em razo da evoluo social, para melhor
garantir sua eficcia e permanncia. No h uma modificao do texto
constitucional, mais sim, uma alterao do modo de compreend-lo.
Pode-se citar tambm os princpios da conformidade funcional, da
interpretao conforme a Constituio e da harmonizao, todos direcionados para a
concretizao dos preceitos constitucionais atravs de uma adequao do contedo
da norma aos fatos.
Vale ressaltar que o intrprete ao realizar a sua funo deve sempre inici-la
pelos princpios constitucionais, dizer, deve partir do princpio maior que rege a
matria em questo, voltando em seguida para o mais genrico, depois o mais
especfico, at encontrar-se a regra concreta que vai orientar a espcie.
de se reconhecer a importncia dos princpios constitucionais na atividade
interpretadora em razo do grau de generalidade, abstrao e capacidade de
expanso dos mesmos, o que permite ao exegeta superar o legalismo estrito
atravs de uma insero axiolgica no sistema sem pender para o decisionismo,
posto que referidas pautas funcionam como limites interpretativos mximos e vlvula
redutora da arbitrariedade do aplicador da norma atravs do dever de motivao de
seu convencimento30.
As interpretaes constitucionais tradicionais limitam-se a levantar todas as
possveis interpretaes que a norma sub examine comporta e a confront-las com a
Constituio, atravs da utilizao dos mtodos histrico, cientfico, literal,
sistemtico e teleolgico.
Na interpretao constitucional tradicional no permitido ao intrprete fazer
qualquer alargamento ou restrio no sentido da norma de modo a deix-la
compatvel com a Carta Maior.
Em razo dessa insuficincia interpretativa que se assiste na atual quadra
uma inclinao da jurisprudncia no sentido de maximizar as formas de
interpretao, com o escopo de permitir um alargamento ou restrio do sentido da
norma de modo a torn-la efetiva.
Por este prisma, h que se fazer meno ao mtodo de interpretao
hermenutico-concretizador, construdo sob as bases da metodologia tpica de
Theodor Viehweg, que busca o resultado (interpretao) constitucionalmente correto
30 BARROSO, Luis Roberto. Interpretao e Aplicao da Constituio, p.191. Rio de Janeiro, Renovar, 1999.
26
mediante um procedimento racional e controlvel, fundamentando esse resultado
tambm de forma racional e controlvel, criando, assim, certeza e previsibilidade
jurdicas e no a simples deciso pela deciso.
Conforme ensina Konrad Hesse31, a concretizao pressupe a compreenso
do contedo da norma a concretizar e, nessa linha de entendimento, no poder o
intrprete se desvencilhar nem da pr-compreenso nem do problema concreto a
resolver. O intrprete compreende o contedo da norma a partir de uma pr-
compreenso de sentido, permitindo-lhe contempl-la com expectativas prprias,
possibilitando-lhe seguir uma trajetria que culminar na fixao do sentido da
mesma.
induvidosa a influncia da tpica tambm no mtodo concretista da
Constituio aberta propugnado por Peter Hberle, podendo ser ele considerado um
radical na utilizao de referido mtodo no mbito do Direito Constitucional.
Referido autor distingue a interpretao em sentido lato (aquela que oferece
um amplo campo ao debate e renovao, encerrando uma viso dialtica da
realidade social apta consecuo do entendimento do fenmeno constitucional em
sua essncia e fundamento) e, em sentido estrito (aquela que utiliza mtodos
tradicionais de vis nitidamente privatstico).
Para Hberle32 a interpretao constitucional um processo aberto, operao
livre que como tal deve conservar-se. A sua compreenso h de ser a mais dilatada
possvel, de modo que, sobre acolher aquela interpretao que se faz em mbito
mais restrito, principalmente na esfera jurdica dos tribunais, venha a abranger por
igual aqueles que ativa ou passivamente participam da vida poltica da comunidade.
Tecidas tais consideraes acerca das diversas formas de interpretao
constitucional, resta indene de dvida que interpretar a constituio muito mais do
que clarificar seu sentido. , antes de tudo, uma atividade atualizadora do texto
normativo em relao realidade social vigente, motivo pelo qual comum dizer-se
que toda concretizao (interpretativa) constitucional tarefa de aperfeioamento e
criao.
31 HESSE, Konrad. Escritos de Derecho constitucional, p. 37. Porto Alegre, Srgio Antonio Fabris Editor, 1991. 32 HRBELE, Peter. Hermenutica Constitucional A sociedade aberta dos intrpretes da constituio: contribuio para a interpretao pluralista e procedimental da Constituio, p. 17/19. Porto Alegre, Srgio Antonio Fabris Editor, 1997.
27
Assim sendo, importa consignar que, no que se refere s normas
principiolgicas ambientais ora em relevo, s se alcanar um grau satisfatrio de
realizabilidade de seus comandos a partir de uma interpretao que leve em conta a
carga axiolgica da Carta Constitucional em concomitncia com a necessidade de
concretizao de seu texto.
5.1 Coliso entre as normas principiolgicas referentes ao direito de propriedade e ao direito de um meio ambiente ecologicamente equilibrado.
J foram observadas anteriormente partes das constituies nascidas sob a
gide do Welfare State que possuem catlogos de direitos fundamentais escritos
os quais, dependendo da situao concreta e da forma como so interpretados,
podem entrar em choque.
O conceito de coliso de direitos fundamentais pode ser compreendido estrita
ou amplamente. No primeiro caso h coliso entre direitos fundamentais e no
segundo, entre direitos fundamentais e outras normas.33
Com base nas consideraes tecidas cerca dos princpios jurdicos, tem-se
que no h, propriamente, uma antinomia ou caso de coliso de direitos quanto se
coteja o direito de propriedade com o direito a um meio ambiente ecologicamente
equilibrado (artigos 5, inc. XXII, 5., inc. XXIII c.c. art. 170, III e art.186, II da
Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988).
O titular de um direito fundamental, ao exerc-lo, pode ver este em conflito
com outros direitos fundamentais titularizados por outros indivduos. Nesses casos
h o que a doutrina convencionou em chamar de coliso de direitos.
Segundo Canotilho34, na esteira de Vital Moreira, ocorre coliso de direitos
quando o exerccio de um direito fundamental colide:
a) com o exerccio do mesmo ou de outro direito fundamental por parte de outro titular (conflito de direitos em sentido estrito); b) com a defesa e proteo de bens da colectividade e do Estado constitucionalmente protegidos (conflito entre direitos e outros bens constitucionais).
33 ALEXY, Robert. Coliso de Direitos Fundamentais e realizao de direitos fundamentais no Estado de Direito Democrtico, p. 67/69. So Paulo, Revista de Direito Administrativo, vol. 217, julho/setembro de 1999. 34 CANOTILHO, J. Gomes. Direito Constitucional p. 142. Coimbra, Coimbra Editora, 1998.
28
Ao se delimitar o mbito normativo do direito de propriedade, que d a real
dimenso de sua aplicabilidade, verifica-se que este no abrange condutas
contrrias preservao ambiental, uma vez que, independentemente da vontade
do proprietrio, o legislador constituinte ao dispor sobre a proteo constitucional ao
meio ambiente reduziu o conceito de propriedade e retirou do mbito de tal direito
um conjunto de condutas, submetendo-o aos fins sociais pr-estabelecidos. Como
um direito fundamental, o direito de propriedade tem um ncleo essencial, irredutvel,
que no pode ser afastado.
Em razo da existncia, no corpus constitucional de um conjunto de normas
(regras e princpios) que, por si s, j se apresentam como redutoras do alcance da
definio de propriedade, como o dever submisso ao cumprimento de uma
funo social, h que se concluir que o direito de propriedade um direito
condicional, ou seja, s existe se determinadas condies forem cumpridas pelo seu
titular.
No caso dos contornos decorrentes da adoo de normas constitucionais
ambientais, tem-se que no h, entre as condutas abrangidas pela proteo ao
direito de propriedade, direitos a poluir, desmatar, degradar ou qualquer outra
conduta lesiva ao meio ambiente.
Assim sendo, independentemente da vontade do proprietrio, a prpria
Constituio reduziu o conceito de propriedade e limitou seu exerccio, em prol do
direito fundamental a um meio ambiente ecologicamente equilibrado,
desdobramento do prprio direito vida e parte integrante do princpio da dignidade
da pessoa humana.
H, portanto, consagrada na Constituio uma precedncia da proteo
constitucional ao meio ambiente frente ao direito de propriedade, posto que o direito
vida, nas palavras de Jos Afonso da Silva35, deve orientar as aes tendentes a
tutelar o meio ambiente, pois ele deve estar acima de quaisquer consideraes
como as de desenvolvimento, como as de respeito ao direito de propriedade, como
as da iniciativa privada.
De outra banda, no h um jus subietionis instituidor de um dever de
suportar o proprietrio, sem reparao pecuniria, uma reduo absoluta ao
exerccio das faculdades inerentes propriedade. No caso concreto que se poder 35 SILVA, Jos Afonso. Aplicabilidade das Normas Constitucionais, p. 170. So Paulo, Malheiros, 1997.
29
aferir se est sendo imposta uma limitao compatvel com o exerccio do direito de
propriedade ou se sofre o titular daquele direito uma excessiva e onerosa imposio.
Ainda a no haver coliso, posto que, ao lado da proteo ambiental, resta
presente na Constituio, como princpio da ordem econmica, a previso de
proteo propriedade, e demais contornos a ela relativos, muito embora, ainda se
insista numa clssica leitura do instituto (Direito Romano) em desconformidade com
a configurao que lhe fora dada pela Carta Constitucional de 1988.
Pelo exposto, resta concluir que no h coliso entre os direitos fundamentais
insculpidos nos artigos 5, inc. XXII, 5., inc. XXIII c.c. art. 170, III e art.186, II, pois a
interpretao j indica que no h interseco entre os mbitos normativos dos dois
direitos, posto que no engloba e nem protege o direito de propriedade condutas
contrrias e lesivas ao meio ambiente.
Outrossim, se colidentes fossem os referidos direitos fundamentais
(propriedade X meio ambiente ecologicamente equilibrado), o conflito passaria pela
resoluo proposta por Habermas36, segundo a qual, dentre as normas aplicveis
prima facie ao caso, optaria-se por aplicar aquela que melhor se adaptar situao
descrita em todos os seus aspectos relevantes.
36 HABERMAS, Jrgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade, p. 322/323. Rio de Janeiro, Editora Tempo Brasileiro, 1997.
30
A VINCULAO DO ESTADO AO DIREITO FUNDAMENTAL A UM MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO
6 A vinculao do Poder Pblico enquanto implementador e fiscalizador da funo socioambiental da propriedade
6.1 A vinculao do Poder Legislativo
No particular aspecto da vinculao da atividade do legislador aos direitos
fundamentais, a questo pode ser estudada por dois prismas: a dimenso negativa e
a dimenso positiva do referido liame, dentro do paradigma atual, inaugurado por
Drig, de clara renncia aos padres positivistas de onipotncia do legislador em
prol da prevalncia de valores intangveis insculpidos nas normas de direitos
fundamentais, bem como, pela formulao feita por Krger, de que hoje no h mais
que se falar em direitos fundamentais na medida da lei, mas, sim, em leis apenas na
medida dos direitos fundamentais37.
Nestes termos, a dimenso positiva diz respeito a um dever do legislador de
otimizar (concretizar) as normas de direitos fundamentais, realizando os fins por elas
colimados, conforme os parmetros constitucionais.
Doutra banda, a acepo negativa do vnculo determina uma limitao
material da atividade do legislador, em relao sua liberdade de conformao
regulamentadora de comportamentos. Assim, todo ato emanado de entidade pblica
ou atos emanados de entidades privadas aos quais a lei outorgou fora de norma
jurdico-pblica que estiverem relacionados aos direitos fundamentais devem ter o
contedo extrado do prprio texto constitucional, no podendo dele se apartarem.
Tal proibio inviabiliza a edio de normas contrrias aos direitos fundamentais, em
nvel ordinrio e tambm constitucional (emenda e reviso). Na opinio de Gomes
Canotilho38, estas particularidades transformam as normas de direitos fundamentais
em normas negativas de competncia porque estabelecem limites ao exerccio de
competncias das entidades pblicas legiferantes. 37SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficcia dos Direitos Fundamentais, p. 328 38 CANOTILHO, J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituio, pg. 402. Coimbra, Coimbra Editora, 1998.
31
Resume-se a questo com a preleo do mencionado constitucionalista
lusitano39 que sustenta que
A aporia da vinculatividade constitucional insiste na contradictio: por um lado o legislador deve considerar-se vinculado, positiva e negativamente, pelas normas constitucionais, por outro lado, ao legislador compete actualizar e concretizar o contedo da constituio.
Merece destaque dentro do tema da vinculao do legislador aos direitos
fundamentais a ocorrncia de inconstitucionalidade por omisso, fruto da inrcia
legislativa (total ou parcial) em face de uma imposio mais ou menos concreta
contida nas normas de direitos fundamentais, ressaltando-se uma graduao da
eficcia vinculativa de acordo com a densidade normativa e grau de concretude das
mesmas. Contudo, no se verifica possvel o enfrentamento de tal problemtica
neste estudo, sob pena de desvirtuamento da linha de pesquisa adotada em relao
ao tema proposto.
Prosseguindo, tem-se que na esfera ambiental, a partir da Constituio da
Repblica Federativa do Brasil de 1988, a ao legiferante ordinria restou vinculada
ao disposto no art. 225, cujo teor, a par de garantir a todos um meio ambiente
ecologicamente equilibrado, imps ao poder pblico e coletividade o dever de
defend-lo e preserv-lo para as futuras geraes. Disps, ainda, acerca de formas
para que se alcanasse a efetivao das polticas traadas (artigo 170, inciso VI, da
Carta Magna) para a defesa do ambiente como um dos princpios da ordem
econmica (poltica de preveno e proteo do meio ambiente).
A Carta Magna recepcionou diplomas outros, anteriormente editados com
vistas proteo do meio ambiente e preservao dos recursos nacionais, dentre
eles, o que estabelece a poltica nacional ambiental - Lei 6.938 de 31 de agosto de
1981 - inicialmente fundamentado nas alneas c, h e i, do inciso XVII, do artigo 8,
da Constituio Brasileira de 1969, o qual tem como tnica fundamental proteger e
recuperar o meio ambiente, de forma a garantir a dignidade da pessoa humana, a
vida e para criar condies propcias consecuo de um desenvolvimento scio-
econmico sustentvel.
39 CANOTILHO, J. Gomes. Constituio Dirigente e Vinculao do Legislador Contributo para a compreenso das normas constitucionais programticas, pg. 63. Coimbra, Coimbra Editora, 1998.
32
No que se refere intrincada relao existente entre o direito de propriedade
e a necessidade da proteo ambiental, consubstanciada na funo socioambiental
da propriedade, h que se ressaltar que o legislador da dcada de 60 j ocupava-se
da demanda, tanto que o princpio da funo social da propriedade figurava na
Constituio de 1967, na Emenda de 1969, e em legislao infraconstitucional,
particularmente do Estatuto da Terra (Lei n. 4.504/64) que preconiza: Art. 2.
(...)1. A propriedade da terra desempenha integralmente a sua funo social
quando, simultaneamente: (...) c) assegura a conservao dos recursos naturais.
De igual modo, o Cdigo Florestal (Lei n. 4.771/65) disciplinava formas de
interveno na propriedade com vistas proteo ambiental, ligadas noo de
propriedade que cumpre sua funo social.
Em 18 de julho de 2000, passou a viger a Lei n. 9.985, que regulamentou o
art. 225, 1., incisos I, II, III e VII da Constituio da Repblica Federativa do Brasil
e instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservao da Natureza (SNUC),
disciplinando a interveno do Poder Pblico na propriedade para fins de proteo e
preservao ambientais.
Merece destaque tambm, na esfera penal, a Lei n. 9.605/98 Lei dos
Crimes Ambientais que, em que pese as inmeras discusses travadas em torno de
seu contedo, mais um instrumento em defesa da qualidade ambiental.
No obstante a existncia das leis supra citadas, entre outras que consagram
a proteo e preservao do meio ambiente, em todas as suas interfaces (fauna,
flora, guas, florestas, etc), no se observa a efetividade plena das mesmas, no
sentido de impedir a degradao do ambiente e explorao irracional dos recursos
naturais. Os poucos resultados que esto sendo obtidos decorrem da crescente
conscientizao da populao e do ativismo das organizaes no governamentais,
que impeliram o Poder Pblico a traar polticas de proteo ambiental mais eficazes
e a editar leis no sentindo de melhor disciplinar a relao homem/natureza.
Como j mencionado anteriormente, a atual ordem jurdica nacional impe ao
Estado, em todas as suas esferas, o dever de proteger, preservar e conservar o
meio ambiente, consoante o disposto na Constituio Federal, na Lei 6938/81 e nas
declaraes de Estocolmo (1972) e Rio de Janeiro (1992).
Nesse diapaso, a Poltica Nacional do Meio Ambiente objetiva garantir a
todos a efetividade do direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Ademais, sua importncia indiscutvel, ante a necessidade, em especfico em
33
questes ambientais, de uma poltica preventiva, educativa e racional, pois aps a
ocorrncia de danos, dificilmente se obtm uma reparao a contento.
No demais destacar que a previso de uma poltica ambiental encontra-se
descrita na ordem social da Constituio e tambm, no que se refere proteo
ambiental, na ordem econmica, fato que deixa claro que o ambiente est ligado ao
desenvolvimento social e econmico, constituindo um direito coletivo, fundamental e
social40.
Assim sendo, em que pese o fato de, atualmente, o Brasil possuir uma
avanada legislao protetiva de direitos transindividuais, imperativo reconhecer
que, infelizmente, para que a lei cumpra efetivamente sua finalidade no basta
simplesmente a sua publicao ou eficcia formal, pois continuam carentes de
concretizao41.
No se pode olvidar que o nvel de efetividade de uma norma depende do
grau de realizabilidade de seu contedo, ou seja, para ser efetiva uma norma no
pode conter promessas irrealizveis e necessita ter instrumentos que assegurem
sua concretude 42.
Deste modo, s o fato de existir legislao no suficiente para sanar os
problemas existentes, pois a legislao somente uma ferramenta. A efetividade
depende da vontade poltica, da tica na poltica e dos administradores, da
educao ambiental e cidad a serem implementadas em todo o pas, pelas
condutas dos cidados, pela criao de incentivos fiscais preservao ambiental e
aes administrativas que necessitam ser realizadas continuadamente e
espontaneamente e no como se faz atualmente aps processo, deciso e ordem
judicial.
Nessa linha de argumentao, destaca-se o esclio de Josaphat Marinho43,
no sentido de que
(...) a natural variedade de prescries constitucionais no legitima que se amontoem dispositivos contraditrios ou marcados por graves suspeitas de impraticabilidade. Aglomerado dessa ndole propicia o
40 FIGUEIREDO, Guilherme Jos Purvin de. Eficcia das Polticas Estaduais de Meio Ambiente, p. 78. Revista de Direito da Associao dos Procuradores do Novo Estado do Rio de Janeiro, 1999. 41 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais, p. 112. So Paulo, Celso Bastos Editor, 1999. 42 BARROSO, Luis Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas normas. Limites e Possibilidades da Constituio Brasileira, p. 2311/232. Rio de Janeiro, Renovar, 1996. 43 MARINHO, Josapht. Margem da Constituio, p. 99. Braslia, Braslia Jurdica, 1992.
34
enfraquecimento da estrutura constitucional, pela propaganda de que incompatvel com a realidade. Cumpre ao legislador no esquecer que a convico generalizada de validade da lei concorre para sua eficcia, tanto quanto a descrena popular lhe diminui o alcance (...).
Por outro prisma, na esteira de Marcelo Neves44, h que se mencionar a
existncia da legislao simblica dentro do sistema normativo constitucional, haja
vista que o fracasso da funo instrumental da lei no pode ser relacionado apenas
ineficcia das normas jurdicas. Segundo referido autor,
evidente que, quando o legislador se restringe a formular uma pretenso de produzir normas, sem tomar qualquer providncia no sentido de criar os pressupostos para a eficcia, apesar de estar em condies de cri-los, h indcio de legislao simblica.
Prossegue referindo-se a dois tipos de legislao simblica: a legislao-libi,
normalmente verificvel quando o legislador, muitas vezes sob presso direta,
elabora diplomas normativos para satisfazer as expectativas dos cidados, sem que
com isso haja o mnimo de condies de efetivao das respectivas normas; e a
legislao como frmula de compromisso dilatrio, como forma de adiar a soluo
de conflitos sociais atuais atravs de compromissos (legislaes) dilatrios, com o
objetivo nico de transferir a soluo dos mesmos para um futuro indeterminado45.
No obstante o acima transcrito, conclui-se que, embora atado vinculao
meio-fim que decorre do texto constitucional, o legislador emprega a legislao
simblica como forma de manter-se dentro do jogo democrtico, atendendo as
expectativas daqueles que dele fazem parte.
No erra Marcelo Neves quando assevera que o uso do respectivo
expediente decorre de uma necessidade do legislador em transmitir para os
destinatrios da norma uma falsa sensao de bem estar, entretanto, no s. Em
alguns casos o uso da legislao simblica revela-se como sendo o nico caminho
possvel para obteno do consenso, em razo da pr-compreenso que cada
integrante tem sobre a questo em debate.
No se pode olvidar, por outro lado, que o desconhecimento dos fenmenos
ambientais leva o legislador, muitas vezes, a estabelecer normas de efeitos no to
positivos para o meio ambiente, principalmente no que se refere aos programas de
gesto ambiental, onde se nota as maiores carncias, em razo dos regulamentos e
44 NEVES, Marcelo. A Constitucionalizao Simblica, 1994, pg. 32. So Paulo, Acadmica, 1994.
35
programas adotados para a conservao e preservao do meio ambiente no
estarem fundamentados em dados precisos.
6.2 A vinculao do Poder Executivo
Tambm no que se refere ao Poder Executivo e respectivos rgos
administrativos em geral, verifica-se plausvel a vinculao dos mesmos s normas
de direitos fundamentais, consoante depreende-se do teor do art. 5., 1. da
Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988.
Da mesma forma, as pessoas jurdicas de direito privado que exercem
atividades pblicas (concesso, permisso, autorizao) tambm se encontram
vinculadas aos direitos fundamentais. O mesmo raciocnio vlido para as entidades
de direito pblico que exercem atividades de carter privado.
De qualquer sorte, as relaes entre os rgos da administrao e os direitos
fundamentais pautam-se pelo princpio da constitucionalidade imediata. Nestes
termos, os rgos administrativos executam as leis que estejam estritamente em
consonncia com os direitos fundamentais, bem como interpretam-nas em
conformidade com o princpio constitucional da efetividade mxima.
A no observncia destes postulados poder acarretar a invalidao judicial
dos atos administrativos editados em desconformidade com os preceitos de direitos
fundamentais, atravs do controle judicial dos atos administrativos, objeto de estudo
em captulo posterior.
H que se ressaltar que a questo dos rgos administrativos exercerem um
tipo de controle de aceitao ou rejeio de leis que impliquem em ofensa s
diretrizes dos direitos fundamentais ainda objeto de acirradas discusses por parte
dos operadores do Direito46.
Os que admitem este controle de constitucionalidade atpico, baseiam-se no
argumento de que a fora dirigente dos direitos fundamentais impe a todos e a
cada um dos rgos da administrao essa viglia em prol dos direitos
fundamentais. Por outro lado, os opositores desta tese recusam administrao em
geral e aos agentes administrativos em particular qualquer forma de controle da
46 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficcia dos Direitos Fundamentais, p. 332/333. Porto Alegre, Livraria do Advogado Editora, 2001.
36
constitucionalidade das leis, mesmo que este dogma implique na violao dos
direitos fundamentais, posto que, cabe ao Poder Judicirio (STF), enquanto guardio
da Constituio, exercer este controle.
No obstante a celeuma instalada, mostra-se mais adequado um
posicionamento que pondere as duas vertentes, admitindo-se o controle
administrativo que implique na no execuo de leis flagrantemente
inconstitucionais, atentatrias vida e a dignidade humanas mas, por outro lado, a
aplicao da lei tida como possivelmente atentatria aos direitos fundamentais, com
posterior questionamento de constitucionalidade da mesma junto ao STF.
Avanando no tema, outro ponto que causa controvrsia a questo da
vinculao dos atos de governo e atos discricionrios aos direitos fundamentais.
Oportuno se faz transcrever a opinio de Ingo Wolfgang Sarlet47 sobre o assunto:
No que tange medida da vinculao dos direitos fundamentais, poder afirmar-se que, quanto menor for a sujeio da administrao s leis (de modo especial na esfera dos atos discricionrios e no mbito dos atos de governo), tanto maior vir a ser a necessidade de os rgos administrativos observarem no mbito da discricionariedade de que dispem o contedo dos direitos fundamentais, que, consoante j assinalado, contm parmetros e diretrizes para a aplicao e interpretao dos conceitos legais indeterminados.
No outra a lio de Gomes Canotilho48 sobre o tema, sustentando que os
direitos, liberdades e garantias constituem-se em medidas de valorao e de
conformao para a Administrao Pblica, no primeiro caso quando preenche o
contedo dos conceitos indeterminados e no segundo no exerccio de seu poder
discricionrio (parmetro de vinculao imediato).
Desta forma, conclui-se que a esfera de discricionariedade do julgador
encontra-se tangida pela vinculao do ato a ser praticado com os direitos
fundamentais, ocorrendo a mesma situao no caso de atos polticos.
Sob a tica do meio ambiente, a tarefa do administrador no menos
herclea do que a do legislador, posto que, da mesma forma que esse, encontra-se
vinculado ao disposto no texto constitucional e s leis ordinrias ambientais, no que
47 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficcia dos Direitos Fundamentais, p. 333. Porto Alegre, Livraria do Advogado Editora, 2001. 48 CANOTILHO. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituio, pg. 402. Coimbra, Coimbra Editora, 1998.
37
diz respeito implementao de polticas pblicas que efetivamente resguardem o
ambiente.
Vrios so os obstculos que permeiam o caminho do administrador.
Primeiro, a necessidade de densificar adequadamente t
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