TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL
ACÓRDÃO N° 339
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA N° 339 - CLASSE 26!
PARANÁ (1* Zona - Curitiba).
Relator: Ministro Marco Aurélio. Recorrente: Paulo Roberto Pereira Vallim e outros. Advogado: Dr. Pedro Henrique Xavier - OAB 6511/PR - e outros. Recorrida: Procuradoria Regional Eleitoral no Paraná. Recorrida: União, por seu advogado.
CONCURSO PÚBLICO - PRAZO DE VALIDADE -EXAURIMENTO - INTERESSE DE AGIR. Na dicção da ilustrada maioria, vencido o relator, o exaurimento do prazo de validade de concurso público é elemento neutro em termos de impetração superveniente visando a alcançar nomeação.
CONCURSO PÚBLICO - EDITAL - VAGAS -DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. Obrigando o edital de concurso a administração pública e candidatos, a existência de vagas, previamente anunciadas, no prazo de validade gera o surgimento do direito à nomeação.
Vistos, etc.
Acordam os ministros do Tribunal Superior Eleitoral, por
maioria, vencidos os Ministros Carlos Ayres Britto e Marcelo Ribeiro, em dar
provimento ao recurso, nos termos das notas taquigráficas, que ficam
fazendo parte integrante desta decisão.
Sala de Sessões do Tribunal Superior Eleitoral.
Brasília, 24 de novembro de 2005.
JUCOOUA Ministro CARLOS VELLOSO, presidente
Ministro lf ARCO AURSLIO, relator
RMS n2 339/PR. 2
PRELIMINAR (Pedido de assistência)
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator): Antes
do relatório, submeto ao Colegiado questão que diz respeito à assistência
litisconsorcial e assistência simples, sendo que o último pedido fora
formulado hoje. Quanto à assistência litisconsorcial, por estarmos diante de
mandado de segurança em sede recursal, pois já julgado em primeira
instância, tenho-a por imprópria.
No Supremo Tribunal Federal, não admitimos a assistência
litisconsorcial, tendo em conta a angularidade ativa, a partir do pedido de
informações. Aqui já houve, inclusive, julgamento pela Corte de origem.
Quanto à assistência simples, poderíamos processá-la,
mas, tendo em conta o fato de o processo estar em pauta e o pleito haver
sido formulado no dia de hoje, não há espaço para se observar o
mecanismo do Código de Processo Civil, abrindo vista às partes.
Também indefiro.
Os colegas estão de acordo? Passo ao relatório.
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO: Paulo Roberto
Pereira Vallim e outros interpuseram recurso ordinário contra acórdão
do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná. Eis os fundamentos da decisão
(folha 258):
MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CONCURS£F\ PÚBLICO. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. LEI Ne 10.842/2004 E RESOLUÇÃO DOTSE N2 21.832/2004.
A Resolução não pode criar dispositivo subjetivo não autorizaqp peia lei que regulamentou. \
RMS n9 339/PR. 3
Nas razões recursais de folha 275 a 283, sustentam:
a) o Tribunal Regional Eleitoral do Paraná publicou, em 3 de
abril de 2002, edital que abrira inscrições para concurso público destinado
ao provimento de cargos do respectivo quadro permanente de pessoal;
b) nove cargos seriam preenchidos, bem como formado
cadastro-reserva para o preenchimento de vagas que viessem a surgir até o
prazo final de validade do concurso;
c) a homologação do resultado foi publicada no Diário
Oficial da União do dia 28 de junho de 2002 (folha 66), tendo sido os
recorrentes aprovados;
d) o concurso fez-se com prazo de validade de dois anos e
não foi prorrogado pelo Tribunal;
e) a Lei n- 10.842, que criou novos cargos, foi editada em
20 de fevereiro de 2004. Em 1S de julho de 2004, seguiu-se a Resolução
ns 21.832/2004 deste Tribunal Superior Eleitoral, versando o preenchimento
dos cargos;
f) os recorrentes protocolaram requerimento administrativo
no Tribunal Regional Eleitoral do Paraná, em agosto de 2004, visando a
resguardar o direito de não serem preteridos no preenchimento dos cargos
e a obstar a realização de novo concurso público e o provimento imediato
de oitenta e dois cargos de Analista Judiciário e oitenta e dois de Técnico
Judiciário, obedecida a ordem de classificação;
g) o citado requerimento foi indeferido pelo Presidente do
Tribunal Regional em 9 de setembro de 2004 (folha 190). Adotou-se como
razões o contido em parecer da Assessoria da Direção-Geral daquela
Corte, cujo teor é o seguinte:
Trata-se de requerimento de candidatos habilitados classificados para o cargo de Técnico Judiciário no concurs realizado por este Tribunal Regional Eleitoral, mediante o Edita ns 01/2002, objetivando o aproveitamento no provimento do cargos criados pela Lei 10.842/2004.
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Alegam os requerentes, por meio de seu procurador, que segundo o art. 5̂ da lei supramencionada, combinado com o art. 2-da Resolução 21.832 do T.S.E., devem ser obrigatoriamente aproveitados para os cargos criados, não podendo serem preteridos pela realização de novo concurso.
Ademais, indicam o disposto no item 1.3 do Edital de Concurso Público na 01/2002 para fundamentar o pedido formulado.
A Coordenadoria de Treinamento e Desenvolvimento de Recursos Humanos prestou informações às fls. 89.
Passemos à análise da questão trazida.
Em meados de fevereiro deste ano, foi publicada a Lei 10.842, que criou cargos de provimento efetivo, bem como funções comissionadas, nos Quadros de Pessoal dos Tribunais Regionais Eleitorais.
Em seu art. 5-, determinou a referida lei que caberia ao Tribunal Superior Eleitoral baixar instruções para sua aplicação.
Assim, aguardou esse Tribunal que fosse expedidas pelo T.S.E. as determinações necessárias para que fosse cumprida a legislação em vigor.
No entanto, apenas em primeiro de julho foi publicada a Resolução 21.832/04, que determinou em seu art. 2£ que poderiam ser aproveitados para o provimento dos cargos efetivos, criados pela lei em comento, candidatos habilitados em concurso já em andamento nos Tribunais Regionais Eleitorais.
Todavia, na data de 28 de junho de 2004, expirou o prazo de validade do concurso público realizado por este Tribunal, uma vez que passados dois anos da publicação de sua homologação (28.06.2002), conforme previsto no item 11.1 do respectivo edital.
Destarte, como tal concurso não foi prorrogado e as instruções baixadas pelo T.S.E. foram publicadas após expirada a sua validade, não há como aproveitar os candidatos habilitados para as vagas ora existentes.
Ante o exposto, opina no sentido de que seja indeferido o pedido formulado pelos requerentes, uma vez que não lhes cabe o direito alegado.
Em 22 de outubro de 2004, foi impetrado mandado de
segurança no Tribunal Regional Eleitoral do Paraná contra o ato que
indeferiu o requerimento. O Regional, por meio do Acórdão n2 29.51É,
negou a impetração (folha 258).
No recurso ordinário, afirmam os recorrentes a ilegalidadeie
inconstitucionalidade do ato impugnado em face da existência de direito
RMS ne 339/PR. 5
líquido e certo de não serem preteridos no provimento dos cargos criados
pela Lei n- 10.842/2004 e da impossibilidade de concursados, tendo em
conta novo edital, virem a ser aproveitados em detrimento dos
anteriormente aprovados.
Asseveram que a Resolução n- 21.832 reduziu a
discricionariedade dos Tribunais Regionais Eleitorais ao restringir a
realização de nova seleção, em não havendo concursos válidos ou em
andamento.
Aduzem a ocorrência de desrespeito à hierarquia da Justiça
Eleitoral e de afronta ao Regimento Interno do Tribunal Regional Eleitoral
do Paraná, no que preconiza o cumprimento das decisões e instruções do
Tribunal Superior Eleitoral.
Entendem que se deve anular o ato impugnado em razão
de ter sido motivado pelo parecer da Assessoria da Direção-Geral, não
possuindo respaldo jurídico.
Alegam que a referência ao aproveitamento dos
concursados não deve ser a data da publicação da Resolução, e sim a da
Lei n9 10.842, que ocorreu em 20 de fevereiro de 2004, ocasião em que o
concurso público do Tribunal Regional ainda era válido.
Indicam julgado da Terceira Turma do Tribunal Regional
Federal da Quarta Região em situação análoga, no qual, asseguram, foi
considerada ilegal a omissão administrativa em convocar candidatos
habilitados.
O recurso foi admitido por meio da decisão de folha 273.
Às folhas 287 a 290 e 319 a 332, contra-razões da
Procuradoria Regional Eleitoral e da União, instando seja m a n t i d o ^
acórdão regional e julgada prejudicada a Medida Cautelar ns 1.623, coni a
cassação da liminar. Sustenta que, ante a não-prorrogação do prazo po
concurso, o qual expirou em 28.6.2004, não há como pretender-se o retorno
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da situação à data da edição da Lei n9 10.842, regulamentada pela
Resolução-TSE n9 21.832, publicada no Diário da Justiça de 1s.7.2004.
A Procuradoria Geral Eleitoral emitiu o parecer de folha 296
a 299, no sentido do desprovimento do recurso.
Em 1 s de abril de 2005, veio-me o processo por
redistribuição, em virtude de o relator, Ministro Carlos Velloso, ter assumido
a Presidência desta Corte.
António Marcos Ferreira dos Santos, Lúcia Dalazoana,
Samuel de Lara Lopes e Adriano Santos Machado, candidatos aprovados
no concurso público realizado por meio do Edital n2 1/2002, solicitaram o
ingresso como assistentes litisconsorciais dos recorrentes. Determinei a
intimação das partes. A União requereu a inadmissão dos peticionários, ao
fundamento de não haver interesse jurídico a legitimar a intervenção.
A Procuradoria Geral Eleitoral opinou:
Os pleitos devem ser indeferidos.
Conforme restou asseverado no parecer de fls. 296/299, nota-se a ausência de direito líquido e certo a amparar a pretensão dos Requerentes. A Lei n.a 10.842/04, que criou cargos no âmbito da Justiça Eleitoral, somente foi regulamentada com a publicação da Resolução/TSE n.fi 21.832, havida em 12 de julho de 2004. Até então, a Lei não se encontrava apta a gerar seus jurídicos e legais efeitos, pelo que, à época da expiração do prazo de validade do concurso prestado pelos Requerentes, não havia que se falar em cargos a serem preenchidos no âmbito do TRE/PR, pois a Lei n.e 10.842/04 não havia ainda sido regulamentada.
Não obstante, essa Procuradoria Geral Eleitoral recebeu ofício da Presidência do Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Paraná, as sucessivas intervenções de terceiros postulando intervir no presente feito vêm postergando seu julgamento, o que pode prejudicar o funcionamento daquela Corte, pois o certame aberto para preenchimento das vagas surgidas com a regulamentação da Lei n.5 10.842/04 se encontra suspenso pela Medida Cautelar n.e 1623, restando impossibilitada a contratação de novos servidores.
Por tais razões, opina-se pelo indeferimento dos pedidos ctev assistência litisconsorcial e requer o Ministério Público Federal/a \ inclusão do feito em pauta para julgamento. I
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Após essas manifestações, foi protocolada petição por
Marlene Flores Carvalho, candidata aprovada no concurso (Edital n- 1/2002),
objetivando o ingresso como assistente litisconsorcial.
Alessandra Vendramine Vanço e outros, ora recorrentes,
protocolaram peça mediante a qual requerem não seja apreciado o novo
pedido de assistência litisconsorcial antes do julgamento do recurso, cuja
inclusão em pauta é pleiteada.
Em 20.10.2005, às 14h58, deu entrada em meu gabinete
petição dirigida por Cynthia Loredana Cristina Guglielmi Kobylansky e
Robert José Pereira, candidatos aprovados no concurso (Edital n2 1/2002),
requerendo o ingresso como assistentes.
É o relatório.
VOTO
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator): É
fundamento da República a preservação da dignidade do homem, é o que
nos vem do primeiro artigo da Constituição Federal, que Ulysses Guimarães
apontou como Constituição Cidadã.
Tenho sustentado, a partir dessa visão, que o Estado não
pode brincar, tripudiar, em cima do cidadão. Tenho sustentado que há de
se evoluir, considerada vetusta jurisprudência, segundo a qual, apenas em
caso de preterição, se tem o direito subjetivo à nomeação.
O edital é lei entre as partes. É a lei do certame: obriga
candidatos e também a administração pública. E se a administração pública
sinaliza, visando arregimentar, para os respectivos quadros, certo numerei
de servidores, os candidatos, aprovados e classificados, têm em patrimpnio\
ação exercitável para lograrem as nomeações. \ 1
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Sob pena de o concurso público ser algo lírico, algo que
fique a critério de uma das partes a efetividade e a concretude, caminharia
para o provimento deste recurso, não fosse um aspecto, que é obstáculo,
infelizmente - e gostaria de atuar inclusive de forma pedagógica - , à
concessão da ordem. Que aspecto é esse? O mandado de segurança foi
impetrado após o período de validade do concurso.
Dir-se-á: a administração pública não prorrogou o prazo de
validade do concurso. Está-se no campo da faculdade - possibilidade, ou
não, segundo o artigo 37 da Constituição - de haver a prorrogação.
Dir-se-á mais que, em janeiro, certa lei criou cargos.
Realmente, criou, mas não implicou essa lei, como também não implicou a
Resolução do Tribunal que a regulamentou, a prorrogação automática dos
concursos, substituindo-se o legislador e substituindo-se o Tribunal Superior
Eleitoral à administração, aos Regionais. Não.
Uma coisa é ter-se, como se tem, realmente, na Resolução,
sinalização desta Corte, que infelizmente não foi observada - e exerceria a
glosa se pudesse - pelos Tribunais Regionais Eleitorais, que contavam com
concursados aprovados e classificados. Deixaram escoar o prazo de
validade do concurso e não nomearam os candidatos aprovados, sob minha
óptica tripudiando, atuando de forma condenável. Mas, o mandado de
segurança não foi impetrado no prazo de validade do concurso, quando
ainda existente direito a ser defendido.
Para mim, o óbice é intransponível. Não posso, quando se
deixou escoar o prazo de validade do concurso, tomar o mandado de
segurança impetrado como a retroagir, para dilatar esse mesmo prazo.
O DOUTOR DANIEL KRÚGER MONTOYA (advogado):
Excelência, questão de ordem.
O ato que homologou o concurso público, portanto, a partir
do qual deve-se contar como início do prazo de validade do concurso, fai
RMS n5 339/PR. 9
publicado em 28 de junho de 2002. Assim, contando ali dois anos, o prazo
de validade do concurso público foi até 28 de junho de 2004.
Se contarmos 120 dias de 28 de junho de 2004, ou seja, o
prazo de validade do concurso, até a data de impetração, a impetração
ocorrera dentro dos 120 dias da publicação do encerramento do prazo de
validade do concurso.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator):
Os fatos são verídicos. Os fatos lançados da tribuna o foram com
honestidade intelectual e técnica. São verídicos. Mas, não disse o contrário.
Realmente, teve-se a vigência do concurso até junho de
2004 e a impetração dentro da vigência do concurso, tendo em conta
possível indeferimento de pleito de prorrogação do concurso e o Direito
subjetivo à nomeação? Não. A impetração ocorreu em 22 de outubro de
2004, observado o prazo decadencial de 120 dias, mas em relação a algo
irrito, ou seja, um concurso que por sua vez já decaíra quanto à valia.
O SENHOR MINISTRO GERARDO GROSSI: Animo-me a
pedir licença para um aparte, porque vi o esforço, e eu diria até a
indignação de V. Exa., com o que fora feito com os candidatos.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator): Daí vir
adotando, nas sessões administrativas, posição rígida quanto ao que
admito ter-se tornado a indústria das requisições.
O SENHOR MINISTRO GERARDO GROSSI: Os agora
recorrentes, impetrantes, na visão de V. Exa. - que creio como correta
também - , teriam direito a ser nomeados naquele período. Mas eles só
souberam que tal direito não fora atendido após encerrado o prazo do
concurso, não?
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator): So]6a^
minha óptica, eles teriam o direito à nomeação tão logo surgidas as vages.
O Tribunal, na Resolução, sinalizou que deveriam ser aproveitados los
servidores concursados, aprovados e classificados. Acontece que fcs
RMS n9 339/PR. 10
interessados silenciaram. Deixaram escoar o prazo de validade do concurso
para, após esse escoamento, virem a Juízo reclamar algo situado em
espaço de tempo já ultrapassado, qual seja, o prazo alusivo à validade do
concurso.
Como juiz, ao defrontar-me com conflito de interesses,
adoto sempre a solução mais justa, de acordo com minha formação
humanística, e, após, vou à dogmática, porque o Direito é posto e, nele,
devo respaldar a solução idealizada.
Aqui me vejo diante da impossibilidade de implementar a
solução voltada a fazer, como faria, se pudesse, justiça.
Indaga-se: realizado um concurso, e assinado prazo para a
validade desse concurso, a passagem do tempo não tem força inafastável
quanto a reivindicações, quanto a esse mesmo concurso? Tem.
Se a impetração tivesse ocorrido quando ainda latente o
direito subjetivo, porque em vigor o concurso dos impetrantes, a caminhada
seria muito fácil, no sentido de prover o recurso e conceder a ordem. Mas a
dificuldade maior está aí. Se pudesse dar à lei que criou os cargos a
eficácia de projetar a validade dos concursos, a questão estaria suplantada.
Se pudesse dar à Resolução do Tribunal também esse efeito, da mesma
forma estaria suplantada. O Tribunal Superior, na citada Resolução, cogitou
realmente do aproveitamento de candidatos aprovados em relação a
concursos, mas a concursos ainda válidos.
O SENHOR MINISTRO GERARDO GROSSI: Presidente,
V. Exa. permitiria um aparte? A lei não obriga a direção do Tribunal a
nomear imediatamente?
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator): Não.
Os Tribunais poderiam não ter concurso em andamento, ou concurso fiá
encerrado, com candidatos aprovados. I
A lei, simplesmente, criou os cargos. Diante dessa lei Ao
Tribunal entendeu que seria conveniente um balizamento quanto às
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diversas situações notadas nos Regionais Eleitorais. E aí estabeleceu o
balizamento, mas balizamento que encerra - e está na Resolução - o
aproveitamento de candidatos aprovados se ainda em vigor o prazo de
validade do concurso. Quando editada a Resoiução, o prazo ainda estava
em vigor. Quando ganhou publicidade e foi publicada, o prazo não mais
estava em vigor.
Ainda que pudéssemos dar à Resolução - e eu não
caminharia tanto, o passo para mim seria demasiadamente largo - o efeito
de compelir, e não apenas de sinalizar o aproveitamento, somente ganhou
publicidade depois de esgotado o prazo de validade do concurso.
O SENHOR MINISTRO GERARDO GROSSI: Se entendi
bem, o Dr. Advogado, da tribuna, disse que, após a Resolução, ainda fora
feita uma nomeação.
O DOUTOR DANIEL KRUGER MONTOYA (advogado):
Exatamente. No mesmo dia da edição da resolução, o TRE do Paraná
fizera uma nomeação.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator):
Quando válido ainda o concurso.
Então, houve o termo final de validade do concurso.
Portanto, sob meu modo de ver, já não se poderia mais, validamente,
acionar o resultado desse concurso. Infelizmente ele se tornou irrito, quanto
aos aprovados, por essa postura omissiva do Tribunal, que não nomeou.
O SENHOR MINISTRO JOSÉ DELGADO: Durante a
validade do concurso, os impetrantes ingressaram com requerimento
pedindo a prorrogação?
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator): Ainda
que tivessem ingressado, ante quer o ato omissivo de não-apreciação o i a
recusa, caberia uma medida dentro do prazo de validade. I
RMSn*339/PR. 12
O SENHOR MINISTRO JOSÉ DELGADO: Nem
ingressaram com medida administrativa?
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator): Eu não
posso asseverar peremptoriamente que não ingressaram. Pelo menos não
vi notícia.
O SENHOR MINISTRO JOSÉ DELGADO: Eu também não
vi nenhuma notícia de que, no prazo de dois anos, eles tenham ingressado
com qualquer medida.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator): Para
mim, não teria importância maior, a ponto de afastar o óbice.
O SENHOR MINISTRO JOSÉ DELGADO: Eles teriam de
ingressar com mandado de segurança.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator): Diante
da omissão, espezinhando-se um direito, ou diante do ato comissivo,
indeferindo a prorrogação, teriam que ingressar, porque ainda seriam
detentores do direito subjetivo a que me referi, que é o direito à nomeação,
mas dentro do prazo de validade, com a medida.
O DOUTOR DANIEL KRUGER MONTOYA (advogado):
Senhor Presidente, qual é o prazo a quol
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator):
Posteriormente, Vossa Excelência entre com embargos declaratórios.
O DOUTOR DANIEL KRUGER MONTOYA (advogado):
Então vou reformular minha afirmação.
Não haveria como os recorrentes entrarem com mandado
de segurança a partir do dia em que foi editada a lei, pelo simples fato da.
que não havia nenhum ato que pudesse cercear... /
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator): Senhor
Advogado, tem a palavra para esclarecimento de matéria fática, e não nova
sustentação. \
RMS ne 339/PR. 13
Compreendo a angústia dos recorrentes. Se eu pudesse
estabelecer critério para decidir esse recurso em mandado de segurança,
estabeleceria e, não tenha a menor dúvida, concederia a ordem. Infelizmente,
a passagem do tempo tem força insuplantável. Eu aprendi, nos bancos da
Nacional de Direito, que o Direito não socorre os que dormem.
O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO: Eu sou
testemunha no Supremo Tribunal Federal da disposição do Ministro Marco
Aurélio de sempre se pronunciar no sentido do recrutamento, ainda a
tempo, de servidores aprovados em concurso.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator): A não
ser que surja uma justa causa para não se respeitar o edital. Um fator
alheio à vontade da administração.
O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO: De fato,
a Constituição assegura aos aprovados em concurso público direito de
precedência sobre novos concursados, porém, desde que essa precedência
seja desrespeitada, seja inobservada, ainda no prazo de validade do edital
do primeiro concurso.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator):
Costumo citar Celso António quanto a esse direito.
O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO:
Entretanto, há situações, no plano fático, em que a administração pública
deixa expirar intencionalmente o prazo do edital de um concurso e já vai
tomando providências para abertura de um novo certame, revelando, com
isso, o propósito...
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator): Vossa
Excelência me permite ler o preceito?
Inciso IV do artigo 37: I ^
"Durante o prazo improrrogável previsto no edital Ide convocação, aquele aprovado em concurso público de provas wu de provas e títulos será convocado com prioridade sobre novos concursados para assumir cargo ou emprego, na carreira". \
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O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO: Dizia eu
que há situações em que a administração pública incorre na conduta, no
comportamento malsão de deixar intencionalmente expirar o prazo do edital
para, imediatamente, ou de dois a três meses após, abrir edital de uma
nova competição, revelando com isso um desapego àquilo que subjaz à
lógica desse inciso IV do artigo 37. Que lógica é essa que subjaz à
exigência, durante o prazo de validade do concurso, de arregimentação dos
servidores aprovados?
É o apego à palavra empenhada. É o princípio da lealdade,
que é um dos conteúdos do princípio da moralidade administrativa, significa
aquilo que os alemães chamam de "proteção da confiança".
Quando a Administração Pública acena para os
administrados, para os concursados, com a perspectiva de chamamento
deles para figurar nos quadros estatais, para se profissionalizar no interior
do Estado, num determinado lapso de tempo, a administração pública fica
vinculada a essa expectativa social que gerou, sob pena de desrespeito,
volto a dizer, ao princípio que se chama de lealdade. É o apego à palavra
empenhada.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator): Vossa
Excelência, como eu, admite que ela possa consignar no edital que o
concurso é para preenchimento imediato de tantas vagas, e preenchimento
de outras, de acordo com as necessidades da própria administração.
Isso já tivemos em um concurso, após decisão da Segunda
Turma do Supremo, em que reconhecemos o direito subjetivo à nomeação,
mesmo não tendo havido a preterição. No Tribunal Regional do Trabalho da
Décima Região em relação a magistrados, havia um número maior de
vagas, mas a administração pública, quando sinalizou que arregimentí
alertou os candidatos que o faria para preenchimento imediato de tai
vagas, ficando as demais sujeitas à necessidade do próprio Tribunal.
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PEDIDO DE VISTA
O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO: Senhor
Presidente, sabedor dessa prática administrativa, que não é tão inusual,
peço vénia ao eminente relator para pedir vista dos autos.
EXTRATODAATA
RMS n2 339/PR. Relator: Ministro Marco Aurélio.
Recorrente: Paulo Roberto Pereira Vallim e outros (Adv.: Dr. Pedro
Henrique Xavier - OAB 6511/PR - e outros). Recorrida: Procuradoria
Regional Eleitoral no Paraná. Recorrida: União, por seu advogado.
Usou da palavra, pelos recorrentes, o Dr. Daniel Krúger
Montoya.
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, indeferiu os pedidos
de assistência, nos termos do voto do relator. No julgamento do recurso,
após o voto do Ministro Marco Aurélio (relator), dele conhecendo e o
desprovendo, pediu vista o Ministro Carlos Ayres Britto. Ausente,
ocasionalmente, o Ministro Carlos Velloso.
Presidência do Exmo. Sr. Ministro Marco Aurélio. Presentes
os Srs. Ministros Carlos Ayres Britto, César Asfor Rocha, José Delgado,
Caputo Bastos, Gerardo Grossi e o Dr. Mário José Gisi, vice-procurador-
geral eleitoral.
SESSÃO DE 20.10.20
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VOTO-VISTA
O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO: Senhor
Presidente, como o processo foi relatado pelo eminente Ministro
Marco Aurélio e votado há pouco tempo, tenho para mim não haver
necessidade de ler o relatório de S. Exa., pois todos estão suficientemente
lembrados, além do que o próprio voto que proferirei parece tornar
dispensável essa leitura.
O Ministro Marco Aurélio votou pelo conhecimento do
recurso e, no mérito, pelo seu desprovimento. Assim o fez por entender que
o mandado de segurança fora impetrado quando já expirado o prazo de
validade do certame.
É por aqui que encerro o apanhado que fiz na assentada do
dia 20 e vou imediatamente ao voto.
Começo pelo entendimento pessoal de que a impetração é
tempestiva. Assim o digo porque os impetrantes se insurgiram contra a
decisão proferida no requerimento administrativo então endereçado ao
egrégio Tribunal Regional Eleitoral do Paraná. Decisão administrativa essa
que chegou ao conhecimento do causídico dos impetrantes em 13.9.2004,
fl. 195. E como a impetração foi deduzida em 22.9.2004, segue-se que o
prazo decadência! de 120 dias estava bem distante de se materializar.
Cito o art. 18 da Lei n9 1.533, que impõe a contagem do
prazo de 120 dias para o manejo do writ a partir da ciência pelo interessado
do ato impugnado, o que não é nenhuma novidade. Contrariamente, pois,
ao douto pensar do eminente relator, peço vénia a S. Exa. para vocalizar
meu entendimento pela franca tempestividade do writ
Já no plano da questão de fundo, estou convencido de < ue
o direito do candidato que obtém aprovação em concurso público de pro' as
ou de provas e títulos é de duas ordens: primeira, o implícito direito de ser
RMS n* 339/PR. 17
recrutado em estrita observância à ordem descendente de classificação
de todos os aprovados. Concurso é sistema de mérito pessoal
- é meritocracia - , contanto que ainda em curso o prazo de validade do
respectivo edital de convocação, que é de dois anos, prorrogável apenas
uma vez, por igual período.
Segunda, o explícito direito de precedência que os
candidatos aprovados em concurso anterior têm sobre os candidatos
aprovados em concurso imediatamente posterior. No caso dos autos, o
segundo concurso se deu seis meses depois; ainda fluente, porém, o prazo
daquele primeiro certame, ou seja, ainda vigente o prazo inicial ou prazo de
prorrogação da primeira competição pública de provas ou de provas e títulos;
mas ambos os direitos, acrescente-se, de existência condicionada ao querer
discricionário, o poder público, quanto à conveniência e oportunidade do
chamamento daqueles candidatos tidos por aprovados.
Noutro modo de dizer as coisas, concurso público e edital
de convocação dos candidatos são dois institutos de trato diretamente
constitucional. É a Lei Maior Republicana que dispõe sobre ambos os
temas: concurso e edital. E o faz de modo vinculante para o Poder
Legislativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
conforme se vê da seguinte transcrição (art. 37 da Constituição Federal):
"Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei;
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provaí> títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do carga ou \ emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeadões ^ para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; \
RMS n* 339/PR. 18
III - o prazo de validade do concurso público será de até dois anos, prorrogável uma vez, por igual período;
IV - durante o prazo improrrogável previsto no edital de convocação, aquele aprovado em concurso público de provas ou de provas e títulos será convocado com prioridade sobre novos concursados para assumir cargo ou emprego, na carreira;
QUESTÃO DE ORDEM
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator): Peço
licença para levantar questão de ordem. É que quando proferi voto, muito
embora possa ter até adiantado entendimento quanto à matéria de fundo no
mandado de segurança, fiquei no que seria uma prejudicial: a impetração
após exaurido o prazo de validade do concurso. Afasta Vossa Excelência
esta hipótese?
O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO: Afasto,
porque o mandado de segurança foi impetrado contra uma decisão
administrativa, desfavorável aos impetrantes.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator): Pelos
dados que tenho, o requerimento fora formalizado em agosto de 2004,
quando a valia do concurso se encerrou em 28 de junho do mesmo ano.
Quando se formulou o requerimento - daí eu ter dito - , já não haveria no
património dos concursados qualquer direito, porque exaurido o prazo de
validade do concurso.
O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO:
A questão, se teriam direito, ou não, é de mérito.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator): Nãb.
É a questão que está em discussão. E ultrapassada essa questão, selo
Tribunal entender que não houve a extemporaneidade da impetração, pego
RMS ne 339/PR. 19
licença para, como relator, votar em primeiro lugar quanto ao mérito
propriamente dito.
O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO:
Confesso ter pensado que V. Exa. houvesse, no mérito, emitido o seu voto.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator): Na
matéria que apontei como prejudicial, para não falar em preliminar
propriamente dita, quais são as premissas do seu voto? Tenho aqui que o
requerimento administrativo visando à prorrogação foi formalizado em
agosto de 2004, e o concurso expirara no dia 28 de junho de 2004. A
decisão do Presidente do Regional deu-se em 9 de setembro de 2004 e,
para mim, não teria a eficácia de reabrir o prazo de validade do concurso. O
mandado de segurança só foi impetrado em outubro de 2004.
O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO: Isso,
22 de outubro de 2004, antes dos 120 dias.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator): Quero
frisar que quando da impetração, quando do requerimento no campo
administrativo, já não tinham os concursados em património direito
exercitável.
O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO: Nossa
divergência está nesse ponto.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator):
Entende Vossa Excelência que se projeta o que aponto como direito
exercitável, considerado o prazo de decadência do mandado de segurança,
como se, impetrado o mandado de segurança dentro dos 120 dias após o
exaurimento da validade do concurso, ainda tivessem os impetrantes, em
património, direito líquido e certo.
O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO: C o n t o u
tempestividade do mandado de segurança a partir da ciência peps
impetrantes do ato que têm como coator, qual seja, a decisão administrativa
denegatória do pedido que fizeram. \
RMS n* 339/PR. 20
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator): Então
que fique pelo menos bem explicitado que o requerimento administrativo
fora formalizado após o prazo de validade do concurso. A decisão desse
requerimento, por via de consequência, também fora posterior, e a
impetração ocorrera em outubro de 2004.
Senhor Presidente, a base do meu voto é única. Eu só
poderia, no caso, discutir o direito líquido e certo se a impetração tivesse
ocorrido no espaço de validade do concurso. A rigor, quando formalizado o
requerimento à autoridade administrativa, ao presidente do Tribunal
Regional Eleitoral, já não se tinha mais em vigor o concurso.
O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO: Eles
esperaram que o prazo do concurso se expirasse, na perspectiva de
nomeação. Esperavam ser nomeados na fluência do prazo de validade do
concurso. Todavia, expirado o prazo, como as esperadas nomeações não
se deram, entraram com requerimento administrativo pedindo a nomeação,
em face de uma resolução do Tribunal Superior Eleitoral.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator): Como
se nossa Resolução tivesse a eficácia de prorrogar o prazo de validade
do concurso.
O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO: Quanto
a isso, não temos dúvida, pois considero mérito. O fato é que eles entraram
com requerimento administrativo, que foi indeferido. Da data da petição
administrativa, não se consumou o prazo decadencial de 120 dias.
Portanto, o dies a quo, para mim, o marco temporal de que me valho para
contar o prazo decadencial de mandado de segurança, é a ciência pelos
impetrantes do indeferimento de sua petição administrativa.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator): Nãpv
afirmo que a impetração em si ocorrera após o exaurimento dos 120 dias.
Ela ocorreu, considerado o ato atacado, o indeferimento pelo presidente,
dentro dos 120 dias. O que afirmei em meu voto na assentada anterior,\e
RMS ng 339/PR. 21
reafirmo agora, é que, quando formalizado o requerimento administrativo,
eles, impetrantes, já não tinham como questionar qualquer direito alusivo a
esse concurso, porque exaurido o prazo de validade.
O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO: A nossa
discordância está neste ponto. À luz da Constituição, tinham eles o direito
da petição, e peticionaram administrativamente, mas essa petição foi
indeferida.
Penso que o Ministro Marco Aurélio tem razão, temos de
resolver esta questão prejudicial.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator): Penso
que essa matéria prefere o julgamento de fundo propriamente dito, e
simplesmente desprovejo o recurso, considerado esse aspecto.
O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO: Divirjo
do Ministro Marco Aurélio quanto à tempestividade do recurso.
VOTO
O SENHOR MINISTRO HUMBERTO GOMES DE
BARROS: Senhor Presidente, peço vénia ao eminente Ministro Marco
Aurélio para acompanhar o Ministro Carlos Ayres Britto. Parece-me que,
durante o prazo do concurso, eles não teriam acesso ao mandado de
segurança, pois não sofriam coação.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator):
Avizinhando-se o vencimento do prazo de validade do concurso, poderiam,
ainda dentro desse prazo, pedir a prorrogação. Não apreciadoras
requerimento, se se sentiam titulares do direito líquido e certo à nomeação, \
poderiam impetrar o mandado de segurança. I
RMS ng 339/PR. 22
VOTO
O SENHOR MINISTRO JOSÉ DELGADO: Senhor
Presidente, sabemos que o Direito Administrativo, especialmente, tem de
ser interpretado dentro de um sistema do qual temos de extrair a proteção
de direitos subjetivos.
Entre o período de 28 de junho de 2004 - período fatal da
expiração do prazo do concurso - e a publicação da Resolução
n2 21.832/2004, deste Tribunal, que não concedera nenhuma
discricionariedade aos Tribunais Regionais Eleitorais, determinou a
resolução, no seu art. 29: "Os Tribunais Regionais Eleitorais deverão
aproveitar, nos cargos de que trata o artigo anterior, os candidatos
habilitados em concurso público, realizado ou em andamento na data da
publicação da lei".
Em face desse contexto, peço vénia ao eminente Ministro
Marco Aurélio para abrir espaço para que o mérito seja discutido.
VOTO
O SENHOR MINISTRO GERARDO GROSSI: Senhor
Presidente, desde o primeiro momento, este caso me preocupou bastante.
Pelo que me lembro, o Tribunal Regional Eleitoral do Paraná abriu concurso
público porque dispunha de uma vaga a ser preenchida. Durante a feitura
do concurso, a realização do concurso, ou durante a validade do concurso,
foi editada uma lei federal que parece ampliou, de muito, o número
daquelas vagas a serem preenchidas.
Havia um concurso realizado e candidatos aprovados
classificados. Creio que aquela primeira vaga terá sido preenchida, mas
demais, não. Parece-me que é a partir da lei que surge o direito d
RMS n2 339/PR. 23
candidatos aprovados. E, assim, antes da determinação do Tribunal
Superior Eleitoral, em resolução, dizendo que os tribunais deverão
aproveitar os candidatos concursados e aprovados. É uma resolução
elogiávei, mas d.v. seria desnecessária.
Se o tribunal tem cargos vagos que estejam ocupados por
funcionários não concursados, e há funcionários concursados, obviamente
os tribunais deverão aproveitar aqueles concursados e classificados.
A meu ver, o mandado de segurança é impetrado contra ato
omissivo da autoridade. Em que momento se pode dizer que a autoridade se
omitiu? No último minuto do último dia de validade do concurso. Até ali havia
a possibilidade de o cidadão ser nomeado, independentemente de
requerimento administrativo. Nomeado em consequência da existência de
cargos criados por lei e da existência de candidatos aprovados em concurso.
Penso que a partir dessa data, 28.6.2004, de validade do
concurso, disporiam os candidatos eventualmente do prazo regulamentar
do mandado de segurança de 120 dias para corrigir aquele ato omissivo.
Creio que, nesta hipótese, a decisão do mandado de
segurança positiva a postulação, terá feito para alcançar a validade deste
concurso. Caso contrário, vamos admitir que os concursos se tornem
inócuos. Vamos outorgar à autoridade encarregada de fazer essas
nomeações, esses aproveitamentos, uma discricionariedade intolerável no
Direito Administrativo. Este é ato absolutamente vinculado.
Para se nomear alguém, há necessidade de haver um
cargo, um concurso público, uma aprovação e uma classificação.
Ocorrendo tudo isso, a autoridade está obrigada a nomear. Não é da
discricionariedade da autoridade nomear, ou não; quem dispõe a respeito
da existência de cargo é a lei. A lei diz: há um cargo. O concurso diz: há um
candidato classificado, então que se nomeie.
Com todas as vénias ao eminente Ministro Marco Auréli
peço licença para aderir à divergência.
RMS n9 339/PR. 24
VOTO
O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO: Senhor
Presidente, confesso que fiquei um pouco perplexo, porque está me
parecendo que a decisão de se admitir como tempestivo, ou ainda em
tempo, o mandado de segurança parte de inversão, ou seja, primeiro se
verifica se eles têm direito para depois admitir, ou não, o mandado de
segurança. Está-se considerando que, com a Resolução na 21.832, seria
obrigatória a nomeação deles ainda no prazo de validade do concurso.
O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO (presidente):
A resolução veio depois?
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator):
A Resolução foi publicada após o exaurimento do prazo do concurso.
O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO (presidente):
Será que a resolução poderia determinar a nomeação depois de vencido o
prazo?
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator): É um
fundamento para desprover. Agora, suplantado esse fundamento, lerei meu
voto quanto ao fundo propriamente dito.
O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO: Não vou me
estender, Sr. Presidente, porque já está decidida a matéria, mas causou-me
perplexidade o fato de a resolução ter sido publicada em 1 f i de julho, e o
concurso, expirado em 28 de junho. A resolução não determina o
aproveitamento de concursos vencidos, mas que os Tribunais Regionais
Eleitorais deverão aproveitar nos cargos os candidatos habilitados em
concurso público, realizado ou em andamento, desde que, evidentement
ainda no prazo.
O SENHOR MINISTRO GERARDO GROSSI: Minist
Marcelo Ribeiro, V. Exa. me admitiria um aparte? Esqueça essa resoluçã
RMS ne 339/PR. 25
Os candidatos aprovados em concurso, havendo vaga, deverão ser
aproveitados? Essa é a pergunta.
O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO: Mas temos
muitos concursos feitos pela administração pública em que a nomeação
não é imediata. Muitas vezes o prazo se esgota e não ocorrem as
nomeações.
Para admitir o mandado de segurança como tempestivo,
estamos admitindo que o Tribunal tinha de nomear, quando talvez
não tivesse.
O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO: Este
caso é de mérito.
O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO: Essa
discussão toda é de mérito, quando se diz que a resolução obriga.
Acompanho o eminente Ministro Marco Aurélio, mesmo
vencido.
€
VOTO
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator):
Na interposição deste recurso, foram observados os pressupostos de
recorribilidade que lhe são próprios. A peça subscrita por profissional da
advocacia, credenciado por meio do documento de folha 16 a 49, restou
protocolada no prazo legal. Publicada a decisão no Diário da Justiça do
Estado em 15 de dezembro de 2004, quarta-feira (certidão de folha 269),
ocorreu a manifestação do inconformismo em 20 de dezembro de 2004^
segunda-feira (folha 275). /
No mais, constata-se que o prazo de validade do concurao
exauriu-se em 28 de junho de 2004, sendo que somente após, em agosíp
RMS n2 339/PR. 26
de 2004, os ora recorrentes protocolaram requerimento visando a
resguardar direito. Em síntese, não houve formalização de inconformismo
em tempo hábil, ou seja, ainda na vigência do concurso realizado. Ante
esse enfoque, considerado esse fundamento, não tenho como prover o
ordinário interposto.
Suplantada essa visão, valho-me do que tive oportunidade
de consignar em situação semelhante, na qual a Corte de Santa Catarina
deixou de observar a existência de candidatos aprovados, presentes vagas
abertas ainda na vigência do concurso, vindo, a seguir, a convocar novo
certame:
Transcrevo do RMS ns 343/SC:
"VOTO (vencido)
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator): Senhor Presidente, apenas registro que o ilustre profissional da advocacia não tem procuração nos autos dos 47 mil inscritos no novo certame.
Analiso os pressupostos de recorribilidade e conheço do recurso.
Reafirmo a convicção exteriorizada quando se deu o julgamento perante a 2- Turma do Supremo Tribunal Federal do Recurso Extraordinário n2192.568/PI.
"CONCURSO PÚBLICO - EDITAL - PARÂMETROS -OBSERVAÇÃO. As cláusulas constantes do edital de concurso obrigam candidatos e Administração Pública. Na feliz dicção de Hely Lopes Meirelles, o edital é lei interna da concorrência.
CONCURSO PÚBLICO - VAGAS - NOMEAÇÃO. O princípio da razoabilidade é conducente a presumir-se, como objeto do concurso, o preenchimento das vagas existentes. Exsurge configurador de desvio de poder, ato da Administração Pública que implique nomeação parcial de candidatos, indeferimento da prorrogação do prazo do concurso sem justificativa socialmente aceitável e publicação de novo edital com idêntica finalidade. [E cito aqui um trecho que é de Celso António Bandeira de Mello] 'Como o inciso IV (do artis 37 da Constituição Federal) tem o objetivo manifesto dte resguardar precedências na sequência dos concursos, segue-se que a Administração não poderá, sem burlar o dispositivo e sem incorrer em desvio de poder, deixar escoar deliberadamente o período de validade de concurso anterior
RMS n£ 339/PR. 27
para nomear os aprovados em certames subsequentes. Fora isto possível e o inciso IV tornar-se-ia letra morta, constituindo-se na mais rúptil das garantias/ (Celso António Bandeira de Mello, 'Regime Constitucional dos Servidores da Administração Direta e lndireta\ página 56)".
Sim, o edital obriga não só os candidatos como também a Administração Pública, valendo notar que desta última é esperada postura exemplar que sirva de norte aos cidadãos em geral. O Estado não pode tripudiar considerado cidadão. Ele existe para proporcionar a todos a indispensável segurança jurídica. O edital de concurso, em atendimento até mesmo à ordem natural das coisas, versou sobre o objeto do certame - preenchimento dos cargos existentes e daqueles que viessem a surgir no período de validade respectiva. Pois bem, de forma surpreendente o Tribunal Regional Eleitoral indeferiu a prorrogação do prazo de validade do concurso, acenando, a seguir, com a realização de outro, visando ao preenchimento das vagas resultantes da Lei na 10.842/2004. Em relação a esta, sob o ângulo regulamentador nela previsto, veio o Tribunal Superior Eleitoral a editar a Resolução ns 21.832, DJ de 12 de julho de 2004. Pedagogicamente, a Corte veiculou que:
"Art. 2- Os Tribunais Regionais Eleitorais deverão aproveitar, nos cargos de que trata o artigo anterior, os candidatos habiiitados em concurso público, realizado ou em andamento na data de publicação da lei, ou, caso não disponham de concurso público válido ou em andamento, realizar concurso público específico, no prazo máximo de um ano, contado da data de publicação desta Resolução ou, se for o caso, aproveitar candidatos habilitados em outros concursos públicos realizados pelo Poder Judiciário da União".
O texto da cabeça do artigo 2* da Resolução da Corte mostrou-se realmente pedagógico, portanto o que nele está contido já decorria do próprio arcabouço normativo. Mas, no caso deste processo, a Corte Regional indeferiu a prorrogação do prazo de validade do concurso, alegando, como consignado nas informações, que a alternância dos servidores, vale dizer, a substituição de servidores requisitados não seria de interesse da Administração Pública. Há de haver um ponto final na cultura requisitória, (...)".
Em síntese, Senhor Presidente, não posso sufragar vetusta
jurisprudência que restou assentada na premissa de que somente há direito
subjetivo à nomeação, ocorrida a preterição. Aqueles que têm vivência no
âmbito administrativo, que se preocupam com a vida gregária, sabem o q
é a feitura, a mobilização gerada pela feitura de um concurso. Se
administração, objetivando arregimentar, se propõe a realizar um concur
público, existentes vagas, não o faz para brincar com o candidato, não o f
RMS n2 339/PR. 28
simplesmente para aferir se o candidato tem condições ou não de
assumir o cargo. Ela o faz para, uma vez aprovados os candidatos, numa
verdadeira via-crúcis, vir a nomeá-los, e não simplesmente brincar com
esses mesmos candidatos.
O que temos no caso concreto? Realizou-se o concurso
público, com validade de dois anos. Não se procedeu às nomeações em
que pese a existência das vagas para, após, sem prorrogação do prazo de
validade, convocar-se, com a mesma finalidade, desprezando-se a lista dos
aprovados, outro concurso público. O que é isso senão a adoção de uma
postura à margem, a mais não poder, da ordem jurídica em vigor, do
objetivo colimado com o instituto do próprio concurso.
Será que podemos, presente o direito posto, endossar essa
prática a partir de um quase bater de carimbo, no sentido de que só há o
direito à nomeação se preterido o candidato? A resposta para mim é
desenganadamente negativa. A partir do momento em que a maioria
assenta, neste caso concreto, que se mostrou hábil o manuseio do
mandado de segurança viabilizando o questionamento sobre a postura
adotada pelo Tribunal Regional do Paraná, como administrador público,
adentro, de forma crítica, o tema de fundo.
Concluo pelo conhecimento e provimento do recurso
interposto para, consideradas as vagas existentes, o Tribunal proceder à
nomeação dos aprovados segundo a ordem de classificação desses
mesmos aprovados.
A consequência natural de meu voto, se prevalecente, si
a insubsistência do concurso realizado logo após o ato omissivo,
comissivo, não importa, que haja implicado ausência de prorrogação
validade do concurso efetuado inicialmente.
É como voto.
ou
da
RMS n* 339/PR. 29
ESCLARECIMENTO
O DOUTOR MÁRIO JOSÉ GISI (vice-procurador-çeral
eleitoral): Trago uma questão de fato, pois preocupo-me em relação ao que
foi levantado aqui, eis que, possivelmente, tendo em vista o tempo
decorrido, outro concurso já houve, e o ministro mesmo considera que
deveria ser desconsiderado.
O fato é idêntico, enfim, as pessoas fizeram o concurso e
também se sujeitaram às mesmas dificuldades que ocorreram com os
primeiros. E me leva a também considerar essa questão do limite de vagas.
Talvez fosse adequado pensar o limite que se refere aos requisitados à
época do concurso, para que a Corte não imponha ao administrador tarefa
administrativa.
Quero ponderar o aspecto de que, se a preocupação, de
fato, é o limite de vagas com relação aos requisitados - e acabar com essa
questão da requisição, cuja preocupação do ministro considero
extremamente salutar - , que seja fixada sua extensão ao limite dos
requisitados à época em que o concurso em foco fora realizado.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator): Senhor
Presidente, como relator, já que o Ministério Público, como fiscal da lei veio
a pronunciar-se após meu voto, e, em certo sentido, para infirmá-lo, desejo
utilizar a palavra.
A premissa de meu voto é única. Publicado o edital,
sinalizando a existência de vagas, o objetivo que é ínsito ao edital do
próprio concurso, tem-se, uma vez aprovados os candidatos, o direito
subjetivo à nomeação. Essa é a premissa de meu voto: os requisitad
preencheram os cargos. Tivessem preenchido, esse ato do admini:
público seria um ato à margem da Constituição: aproveitamenti
concurso específico para o próprio cargo.
RMS n5 339/PR. 30
Nós sabemos, e procuramos administrativamente coibir isso
em nossas sessões, o que até aqui vingou. Daí o retardamento no
preenchimento das vagas criadas pela lei nova, cuja exposição de motivos
se fez fundamentada justamente na necessidade de colocar um ponto final
nas requisições. Estamos tentando coibir, afastar do cenário administrativo
essa cultura das requisições.
Discutimos nesse processo se há, ou não, uma vez
existentes as vagas e aprovados os candidatos, o direito à nomeação. E
penso que sim, sob pena de esvaziar e não dar a maior concretude possfvel
ao que se contém no inciso IV do artigo 37 da Constituição Federal:
"Art. 37. (...) IV - durante o prazo improrrogável previsto no edital de
convocação, aquele aprovado em concurso público de provas ou de provas e títulos será convocado com prioridade sobre novos concursados para assumir cargo ou emprego, na carreira;
Por que teria preferência a segunda leva, a leva do segundo
concurso, em relação àqueles que se apresentaram confiando na
administração pública, fizeram as provas e lograram aprovação?
Não vejo como.
Se fecharmos os olhos a essa situação, ultrapassado o
óbice por mim inicialmente vislumbrado, estaremos como que, perdoem-me
os colegas, encampando o abuso do poder como se tudo que se eifcon^e
no âmbito administrativo possa ter tratamento de natureza privada, rçinanqo
as conveniências.
RMS n5 339/PR. 31
VOTO (vencido)
O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO: Senhor
Presidente, divirjo quanto à questão de fundo, de tão bem fundamentado
voto do Ministro Marco Aurélio.
Estou convencido de que o direito do candidato que obtém
aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos é um
direito de duas ordens: primeiro, um direito implícito de ser recrutado em
estrita observância à ordem descendente de classificação de todos os
aprovados. Por quê? Porque concurso é sistema de mérito pessoal.
A Constituição, ao estabelecer a investidura em cargo ou
emprego público ser dependente de aprovação prévia em concurso público
de provas ou de provas e títulos, nem assegurou a nomeação pelo
dispositivo do inciso II do art. 37, nem determinou que a ordem de
recrutamento se faria segundo a precedência dos candidatos, ou seja, que
os candidatos de maior pontuação teriam precedência sobre os candidatos
de menor pontuação. A Constituição não diz isso, mas é da lógica do
concurso, porque concurso é certame, é competição.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator): Como
também é o aproveitamento, o chamamento dos candidatos aprovados.
O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO:
Enfrentarei essa questão.
Sendo concurso um processo competitivo, um certame,
uma disputa, é lógico que o recrutamento dos aprovados far-se-á segundo
a ordem descendente de classificação, senão o concurso não estaria a
homenagear a meritocracia, o mérito pessoal de cada candidato.
Mas, para que o candidato seja nomeado, é preciso
esteja em curso o prazo de validade do respectivo edital de convocação,
RMS n9 339/PR. 32
que a própria Constituição explicita: um prazo de dois anos, prorrogáveis
por dois anos uma única vez.
Qual o segundo direito que entendo assistir aos aprovados
em concurso público? Já é direito explícito, porque a Constituição explicita
mesmo: o direito de precedência em relação a dois concursos. Para que
haja o direito à nomeação, é preciso que haja dois concursos, senão não há
precedência, A precedência do primeiro concurso se impõe sobre o
segundo.
Estabelece o inciso IV do art. 37 da Constituição Federal,
cuja redação é clara, ao estabelecer que será nomeado:
"Art. 37.
(...)
IV - durante o prazo improrrogável previsto no edital de convocação, aquele aprovado em concurso público de provas ou de provas e títulos será convocado [ou seja, será nomeado, mas, em que condição?] com prioridade sobre novos concursados para assumir cargo ou emprego, na carreira.
Vale dizer, havendo sucessividade de concursos, ainda no
prazo de validade do primeiro edital, os aprovados no primeiro concurso
terão precedência de nomeação sobre os aprovados no segundo concurso.
Aí, sim, existe o direito explícito à nomeação.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator): Fiquei
vencido, junto com o Ministro Marcelo Ribeiro. Prevaleceu a óptica no
sentido de que, quando da impetração, eles ainda podiam discutir o direito à
nomeação.
O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO:
O explícito direito de precedência que os candidatos aprovados em concurso
anterior têm sobre os candidatos aprovados em concurso imediatamei
posterior, ainda fluente, porém, o prazo daquele primeiro certame; ou seja,'
desde que ainda vigente o prazo inicial ou o prazo de prorrogação da primeira
competição pública de provas ou de provas e títulos.
RMS ne 339/PR. 33
Porém, ambos os direitos, o implícito e o explícito, de
existência condicionada ao querer discricionário do poder público quanto à
conveniência e oportunidade do chamamento daqueles candidatos tidos por
aprovados, vaie dizer, se a administração pública promovente do certame
resolver convocar alguém, terá que fazê-lo segundo a ordem descendente
de classificação e priorizando os primeiros concursados sobre os segundos
concursados.
Senhor Presidente, noutro modo de dizer as coisas,
concurso público e edital de convocação dos candidatos são dois institutos
jurídicos de trato diretamente constitucional. A Constituição se deu ao
trabalho de dispor sobre concurso público e sobre edital de publicação. É a
Lei Maior Republicana que dispõe sobre ambos os temas e o faz de modo
vinculante para o poder legislativo da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios.
Com mais razão de modo vinculante para a administração
pública de qualquer dos entes federativos brasileiros.
Transcrevo os dispositivos da Constituição, especialmente
esses dois:
"Art. 37. (...)
III - o prazo de validade do concurso público será de até dois anos, prorrogável uma vez, por igual período;
IV - durante o prazo improrrogável previsto no edital de convocação, aquele aprovado em concurso público de provas ou de provas e títulos será convocado com prioridade sobre novos concursados para assumir cargo ou emprego na carreira".
Na sucessividade de recursos ao direito de nomeação para
os aprovados precedentemente, diz a voz clara da Constituição. Daqui se
conclui, penso, inexistir o automático direito subjetivo à nomeação d<&
candidatos aprovados. j \
O que existe é uma expectativa de direito no sentido! de
que, se a administração entender de aviar o recrutamento de mão-de-oora
RMS n2 339/PR. 34
para o desempenho de suas atividades normais, terá de fazê-lo entre os
aprovados no concurso por ela mesmo promovido e segundo a ordem
descendente de aprovação dos candidatos.
Ainda assim, volta-se a dizer, se não exaurido o prazo de
validade do edital desse mesmo concurso.
Muito bem! Por que essa discricionariedade para o
recrutamento ou não-recrutamento de mão-de-obra efetiva, enquanto
vigentes os prazos editalícios? Porque, em sequência, a Lei Maior estatui
que
*Art. 37 (...)
IV - durante o prazo improrrogável previsto no edital de convocação, aquele aprovado em concurso público de provas ou de provas e títulos será convocado com prioridade sobre novos concursados para assumir cargo ou emprego na carreira".
É dizer: apenas nessa hipótese de sucessividade de
concursos públicos - ainda no prazo de validade inicial ou de validade
prorrogada do primeiro concurso - é que o direito subjetivo de ser chamado
se configura para todo candidato. Mas que candidato? Precedentemente
aprovado e ainda não efetivamente recrutado. Restando claro que, fora
dessa hipótese de concursos que se sucedem no tempo, com imediatidade,
o primeiro concurso público bem pode se exaurir sem que nenhuma
nomeação ou contratação ocorra.
Entenda-se bem: o poder público não está proibido de abrir
novo concurso para obtenção de mão-de-obra permanente. Pode abrir um
novo concurso enquanto vigente ou sobrevigente o prazo de validade d
anterior e imediato certame.
O SENHOR MINISTRO GERARDO GROSSI: O Mir
Carlos Ayres Britto me permite um aparte?
RMS n2 339/PR. 35
Tenho aqui em mãos a Lei n2 8.112, que, no seu art. 12, diz
o contrário: "(...) Não se abrirá novo concurso enquanto houver candidato
aprovado em concurso anterior com prazo de validade não expirado".
O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO: Mas, no
caso dos autos, estava expirado.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator): Pelo
Ministro Carlos Ayres Britto, para que a administração drible o próprio edital,
basta que haja interregno entre o prazo de validade do concurso efetuado
sem nomeação e a abertura do concurso seguinte. Claro que,
concomitantemente, não serão realizados dois concursos.
Contempla o inciso IV do artigo 37 da Constituição Federal
situação jurídica que não corresponde ao dia-a-dia da administração
pública.
O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO: Mas,
Excelência, se a administração quiser, pode promover novo concurso.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator): Mas é
algo extravagante.
O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO: O que
acontece se ela abrir novo concurso? Instaura-se o direito de nomeação
para os aprovados no concurso precedente.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator): Já que
o Tribunal admitiu discutir a existência do direito à nomeação, no que foi
vencedora a corrente sustentada por Vossa Excelência, a premissa de meu
voto é o fundamento da República: a dignidade do homem.
O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO: Senhor
Presidente, em sede de interpretação diretamente constitucional, podj
afirmar que o tema dos concursos públicos vem imbricado com o tei
discricionariedade administrativa. Já começo a enfrentar a objeçãj) de
Vossa Excelência.
RMS n2 339/PR. 36
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator): Coloco
acima dessa discricionariedade a dignidade do homem. Aí é que está o
problema.
O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO: Não se
trata de ofender a dignidade do homem.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator): Como
não, Ministro? Dá-se esperança vã apenas para se tripudiar, apenas para
perceber se existem no mercado pessoas habilitadas ao preenchimento dos
cargos? Quando a administração pública torna público um edital é porque
ela quer arregimentar. E se ela insere no edital que o concurso é feito para
preenchimento de um número de vagas, ela se obriga a esse
preenchimento a partir do momento em que haja aprovados. Essa é a
premissa de meu voto.
O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO: Vamos
enfrentar o cerne do voto de V. Exa. com premissa e tudo, em sede de
interpretação diretamente constitucional, portanto, pode-se afirmar que o
tema dos concursos públicos vem imbricado com o tema da
discricionariedade administrativa. Daí que, abrir ou deixar de abrir um
concurso público, ofertar o número de vagas a preencher dentro daquelas
criadas por lei, fixar o prazo de até dois anos para o respectivo edital;
prorrogar ou não esse prazo também em até dois anos e uma única vez;
arregimentar ou deixar de arregimentar os candidatos aprovados, enfim,
tudo jaz sobre o querer discricionário de cada qual dos entes estatais
federais.
O que escapa desse querer discricionário é o dever de
observar o citado direito de precedência que assiste aos candidatas
aprovados em concurso imediatamente anterior com o prazo de va dad4
ainda em aberto.
É a linguagem textual da Constituição.
RMS n2 339/PR. 37
O SENHOR MINISTRO GERARDO GROSSI: Ministro, por
essa afirmação é que pedi a Lei n2 8.112. V. Exa. d.v. está criando uma
situação extralegal. Há um segundo concurso e há que se nomear aqueles
aprovados e classificados em um primeiro concurso ainda com o prazo de
validade.
O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO: Mas o prazo
de validade já estava vencido.
0 SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO: Neste
rumo de ideias, cabe averbar que não é outro o pensar jurisprudencial do
Supremo Tribunal Federal na matéria. Veja-se, à guisa de ilustração, o
aresto do Mandado de Segurança n2 21.870, relator que não foi outro senão
o notável jurista e operador Ministro Carlos Velloso.
"CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. CONCURSO PÚBLICO. DIREITO À NOMEAÇÃO. Súmula 15-STF. 1 - A aprovação em concurso público n^o gera direito à nomeação, constituindo mera expectativa de direito. Esse direito somente surgirá se for nomeado candidato não aprovado no concurso ou se houver o preenchimento de vaga sem observância de classificação de candidato aprovado. Súmula 15-STF. II - Mandado de Segurança indeferido".
Convergentemente com esse entendimento da Suprema
Corte de Justiça do país, este nosso Tribunal Superior Eleitoral decidiu no
Recurso em Mandado de Segurança ns 343 de Santa Catarina:
"FUNCIONALISMO PÚBLICO. JUSTIÇA ELEITORAL CARGO. PREENCHIMENTO. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATOS APROVADOS. DIREITO SUBJETIVO A NOMEAÇÃO. INEXISTÊNCIA. PRAZO DE VALIDADE DO CONCURSO. NÃO-PRORROGAÇÃO. ATO DISCRICIONÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CRIAÇÃO ULTERIOR DE NOVOS CARGOS. IRRELEVÂNCIA. MANDADO DE SEGURANÇA DENEGADO. RECURSO IMPROVIDO. VOTOS VENCIDOS. Candidato aprovado em concurso público não tem direito subjetivo ^sàr nomeado após a não-prorrogação, pela Administração Pública, da prazo de validade, não obstante a criação ulterior de i IOVOSI cargos". (Recurso em Mandado de Segurança n9 343, í antal Catarina. Relator originário, Ministro Marco Aurélio. R< lator I para o acórdão, Ministro Cezar Peluso) \ I
RMS n9 339/PR. 38
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator):
Sopese a questão: daqui a dois anos poderemos estar aqui a julgar o
mandado de segurança dos concursados desse segundo concurso. A
administração jamais estará obrigada a preencher as vagas, podendo
realizar o terceiro concurso, quarto, quinto, sexto e jamais nomear.
O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO: Como
também uma administração de fim de feira pode fazer um concurso para
atrapalhar a administração subsequente.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator): Não
raciocino com o excepcional ou com o extravagante. Eu diria que essa
supremacia do Estado ficaria muito bem - me perdoe Vossa Excelência e
não receba como crítica pessoal - na Itália anterior ao término da Segunda
Guerra Mundial.
O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO:
Excelência, vou enfrentar com toda calma deste mundo as objeções de
V. Exa., inclusive no plano dos valores, a razão de ser de a Constituição
preservar a discricionariedade da administração pública na matéria.
Vamos procurar a ratio "constitucional" a base de inspiração
da Constituição para dispor como entendo que dispôs.
Bem vistas as coisas, a vontade objetiva da Constituição
Federal, na matéria, é ditada pela própria natureza das atividades
administrativas, que, bem mais próximas do cotidiano da população,
primam pela sua extrema cambiância ou mutabilidade. Implica dizer: as
circunstâncias que presidem a abertura de um concurso público ficam
sempre sujeitas à variabilidade do cotidiano, das circunstâncias, não raras
vezes de forma intensa e a curto prazo, inclusive no plano da
disponibilidade dos recursos orçamentários.
E, numa época então de contingência orçamentária
administração abre um concurso e não pode prover os cargos por efeitc
contingenciamento orçamentário. Quantas vezes ocorre isso?
RMS n£ 339/PR. 39
Donde aquilo que se revelava oportuno e conveniente num
primeiro instante pode mudar de configuração num segundo e imediato
momento, como nuvens no céu, que mudam de configuração a todo
instante.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator): No
caso concreto, o Tribunal já sinalizou que não, porque convocou o segundo
concurso.
O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO: Se
convocar o segundo e proceder à nomeação ainda no prazo de validade do
primeiro, sobrevêm a imperatividade do comando constitucional: tem de
nomear. Mas não foi o caso dos autos. Daí porque, em meu pensar, nem
mesmo as normas editalícias podem mitigar essa discricionariedade do
poder público, sob pena de comprometer a eficiência da atividade
administrativa, de que depende toda a coletividade administrada, que se
compõe não apenas dos servidores aprovados em concurso.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator): Por
isso é que atravessamos a quadra atual. São os concursados os culpados.
O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO: Eu não
entendo assim, Excelência.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator): São os
concursados os culpados.
O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO: Senhor
Presidente, já me encaminhando para o fecho do meu voto, ajuízo que,
diferentemente do sustentado pelos recorrentes, a Resolução n2 21.832,
deste Tribunal Superior Eleitoral, não pode obrigar o Tribunal Regional do
Paraná a aproveitar os candidatos aprovados em certame válido, para
provimento dos cargos recém-criados pela Lei n2 10.842/04. É que a Cprtai
Cidadã dotou os tribunais pátrios do poder de auto-administração. Incluí ive, |
os tribunais regionais eleitorais têm poder de autogoverno para compc * os
RMS ne 339/PR. 40
seus quadros dirigentes e têm poder de auto-administração para organizar
os seus serviços e prover os seus cargos e abrir os seus concursos.
Nele compreendido, entre outras, a faculdade de
"Art. 96. (...)
e) prover, por concurso público de provas, ou de provas e títulos, obedecido o disposto no art. 169, parágrafo único, os cargos necessários à administração da justiça, exceto os de confiança assim definidos em lei".
Logo, somente a Corte Regional paranaense é que estava
habilitada a se decidir pelo chamamento que veio a se constituir no objeto
do mandado de segurança de autoria dos ora recorrentes. Não devendo, no
tema, nenhuma obediência à Resolução em causa.
Com esses fundamentos, Sr. Presidente, reitero meu
respeitoso pedido de vénia ao Ministro Marco Aurélio, conhecendo e
desprovendo o recurso em mandado de segurança.
QUESTÃO DE ORDEM
O DOUTOR DANIEL KRUGER MONTOYA (advogado): Eu
gostaria de apontar que o Ministro Humberto Gomes de Barros não estava
presente no início do julgamento e, a partir do Regimento Interno do
Tribunal Superior Eleitoral combinado com o do Supremo Tribunal Federal...
O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO (presidente):
V. Exa. está querendo levantar uma questão de ordem?
O DOUTOR DANIEL KRUGER MONTOYA (advo
Isso, uma questão de ordem.
RMS n9 339/PR. 41
O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO (presidente):
No sentido de que não poderia o senhor ministro votar?
O DOUTOR DANIEL KRUGER MONTOYA (advogado):
Não, simplesmente gostaria de que me fosse dada a oportunidade de
renovar minha sustentação oral.
O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO (presidente):
Não, isso não é regimental. Está indeferido.
O DOUTOR DANIEL KRUGER MONTOYA (advogado):
Regimento do Supremo Tribunal Federal, Excelência...
O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO (presidente):
Não é regimental. O regimento do Supremo Tribunal Federal dispõe que, se
o juiz se julga habilitado, ele vota.
VOTO
O SENHOR MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS:
Senhor Presidente, a preocupação do eminente advogado é procedente, mas
me julgo habilitado, porque me pareceu que este caso é absolutamente
semelhante a um de Santa Catarina que julgamos há pouco tempo.
Simplesmente me reporto ao que disse na assentada
anterior no julgamento daquele outro recurso em mandado de segurança.
No caso, aconteceu algo interessante: a administração
convocou um concurso, efetivou-o, esperou o transcurso dos dois anos e
instaurou um novo concurso.
O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO:
meses após vencido o primeiro.
O SENHOR MINISTRO HUMBERTO GOMES
BARROS: Se tivesse havido uma hecatombe que houvesse desmonta
RMS n5 339/PR. 42
estrutura administrativa, matando a grande maioria... Não, isso na verdade
me parece, com todas as vénias, uma fraude. Como é fraude o chamado
contingenciamento do orçamento. Nós brincamos de fazer orçamento e a
administração brinca também de fazer concurso.
Ora, o Poder Judiciário existe para fazer valer a lei em seu
espírito com intuito de desconstituir a fraude. Para aplicar a máxima fraus
omnia corrumpit, a fraude tudo corrompe, é preciso que o Poder Judiciário
evite que o administrador brasileiro corrompa até a instituição do concurso.
Peço respeitosa vénia ao eminente Ministro Carlos Ayres
Britto para acompanhar o Ministro Marco Aurélio.
VOTO
O SENHOR MINISTRO JOSÉ DELGADO: Senhor
Presidente, em face dos debates, tentarei apresentar meu voto de modo
sintético por meio de enunciados.
Primeiro enunciado: li e reli a obra do Ministro Carlos Ayres
Britto e sou hoje um aluno - faço questão de dizer - dedicado a sua obra,
em face de ter-me levado para a chamada "humanização da interpretação
do Direito Constitucional" e senti-lo e aplicá-lo dentro de um sistema.
Segundo enunciado: coloco no topo desse sistema o
chamado "postulado da dignidade humana", que para mim não é um
princípio, é um postulado, consequentemente, tem que ser interpretado de
modo absoluto, sem qualquer restrição.
Nesse caso em exame, exponho princípios, a meu ver,jqu^
estão postos a partir do art. 5a, § 2-, da Constituição Federal, os chame dos í
princípios implícitos, e, com base nesses princípios implícitos, ou tem que
haver a confiabilidade, a segurança, a tranquilidade até em relacionamento
RMS ns 339/PR. 43
do particular com o poder público, impressiona muito o chamado princípio
posto no art. 37 - o princípio, a eficiência - , que foi depois acrescido
originariamente da Constituição de 1988.
Alio, ainda, a esses princípios a leitura que faço, sistémica,
dos incisos II, III e IV do art. 37 da Constituição Federal. Não analiso
separadamente, aliás, S. Exa., o Ministro Carlos Ayres Britto, o fez também
de modo sistémico, sendo que minha leitura deflui para entender que o
inciso III, em face da combinação do art. 2- da Constituição Federal, com
base no postulado que enunciei, com base também no princípio da
eficiência, deve ser interpretado com a maior largueza possível.
Quando o inciso II menciona que a investidura em cargo ou
emprego púbico depende da aprovação prévia em concurso público de
provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade
do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações,
etc, está-se buscando aqui, com o concurso público, dar maior largueza ao
princípio da eficiência. E, assim, ele diz: "o prazo de validade do concurso
público será de até dois anos, prorrogável uma vez, por igual período".
Vejo nesse inciso II carga imperativa de obrigatoriedade da
prorrogação e que o inciso IV, como expõe, durante o prazo, é
improrrogável. O prazo é improrrogável de dois mais dois, de quatro anos,
em face de o inciso II determinar a obrigatoriedade da prorrogação, salvo se
houver manifestação expressa da administração pública determinando que,
após este prazo, não haja mais necessidade daqueles funcionários
concursados para se tornar eficiente.
Mas, o que ocorreu aqui, Sr. Presidente? A Lei n2 10.842
reconheceu a ineficiência dos tribunais regionais eleitorais. Tão ineficiente
que criou 1.150 cargos para o exercício de 2004. No exercício de 20fl(4\
foram criados 1.150 cargos efetivos de analista judiciário e igual número
para técnico judiciário. Para quê? Para nada? Isso para ser eficiente o
RMS n* 339/PR. 44
funcionamento dos tribunais regionais eleitorais. Essa lei foi publicada em
20 de fevereiro de 2004 e nada disso produziu efeitos.
Venho, agora, com o último enunciado que apresento: o
chamado silêncio da administração pública. Sabemos que o Direito
Administrativo, hoje, está trabalhando muito com o chamado "efeitos do
silêncio da administração pública", que, muitas vezes, estão sendo muito
mais danosos do que os atos comissíveis. E aqui temos silêncio danoso,
prorrogação do concurso não motivada afetando direitos subjetivos como já
apontado.
Peço vénia para acompanhar c voto do relator.
ESCLARECIMENTO
O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO: Senhor
Presidente, entendo que, quando a administração pública deixa,
maliciosamente, vencer prazo de edital e, em sequência, 30, 40, 50 dias
depois abre novo edital de concurso, entendo que é fraude ao primeiro.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO {relator):
Ministro, qual a diferença entre 30,40 dias e 6 meses?
O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO: Mas
quando um prazo é mais dilatado, já não identifico, de plano, essa malícia.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator): Quer
dizer, ela sinalizou quanto à necessidade ao convocar o segundo concurso.
Foi quando eu disse: talvez tenhamos o terceiro, o quarto, o quinto, o sexto
concursos. / \
O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO: Ente/ido
perfeitamente a lógica do voto do Ministro José Delgado, como também do
Ministro Humberto Gomes de Barros. \
RMS n2 339/PR. 45
O SENHOR MINISTRO HUMBERTO GOMES DE
BARROS: O que me preocupa é aquilo que se dizia de galhofa do saudoso
Jânio Quadros: "fi-lo porque qui-lo". Hoje o ato administrativo é vinculado
aos motivos. Então, não; fiz porque quis. Creio que é preciso que
controlemos isso. Minha preocupação é dessa natureza.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator): Senhor
Presidente, é apenas um dado que tenho aqui - o quadro gráfico das
nomeações. Referiu-se o Ministro José Delgado ao ano 2004. No Tribunal
Regional do Paraná, houve a criação de 82 cargos de analista e 82 de
técnico. Preenchimento: 0 e 0. Em 2005, 62 de analista e 62 de técnico.
Preenchimento: 0 e 0 - 206 cargos de analista, no total, criados..
Preenchimento: 0; 206 cargos de técnico criados. Preenchimento: 0.
VOTO
O SENHOR MINISTRO GERARDO GROSSI: Senhor
Presidente, pedindo vénias ao Ministro Carlos Ayres Britto, acompanho o
Ministro Marco Aurélio e os que o seguiram.
VOTO (vencido)
O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO: Senhor
Presidente, peço vénia ao eminente Ministro Marco Aurélio para
acompanhar o Ministro Carlos Ayres Britto, porque entendo que não há
obrigatoriedade de nomeação. E, no caso, creio que nem mesmo/a\
resolução criou essa obrigatoriedade. Na verdade, a resolução disse que
deveriam ser aproveitados nos cargos os candidatos habilitados porque
eram cargos novos, quer dizer, cargos criados após a realização do
RMS n2 339/PR. 46
concurso. Apenas para explicitar que um concurso anterior poderia servir
para nomear em cargo que não existia quando o concurso foi aberto. Creio
que seja isso. Além do mais, a publicação da resolução é posterior ao
encerramento da validade do concurso público.
Em relação às questões administrativas, não sei se havia
verba, se havia dotação orçamentária. Quer dizer, há uma infinidade de
questões...
O SENHOR MINISTRO JOSÉ DELGADO: O Presidente
poderia muito bem, quando indeferiu o pedido, ter motivado, e não há essa
motivação.
O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO: Quando
indeferiu o pedido, o prazo já tinha se esgotado, já não havia...
O SENHOR MINISTRO JOSÉ DELGADO: Ele poderia
muito bem ter motivado,..
O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO: Mas af seria
motivação retroativa, não é ministro? Porque já estava vencido o prazo, e
não havia sido prorrogado.
De qualquer maneira, Sr. Presidente, embora vencido, vou
acompanhar o eminente Ministro Carlos Ayres Britto, com as vénias dos
demais.
O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO (presidente):
Faço uma indagação: Ministro Gerardo Grossi, essa lei que criou esses
cargos mandou aproveitar?
O SENHOR MINISTRO GERARDO GROSSI: Não
Presidente, não determinou o aproveitamento, que decorre de normas
gerias do Direito Administrativo e da Lei n- 8.112/90, principalmente.
O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO (preside
Fiquei impressionado com a sua intervenção. Quer dizer, não foi a lei
RMS n2 339/PR. 47
criou os cargos. É dizer: quando a lei criou os cargos, já estava vencido o
prazo do concurso?
O SENHOR MINISTRO GERARDO GROSSI: A lei é de
fevereiro de 2004 e o concurso venceu em junho de 2004.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator): Aí, na
regulamentação do Tribunal, e a lei previu a regulamentação pelo TSE,
consignou-se o aproveitamento de candidatos de concursos ainda válidos.
O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO (presidente):
A lei que criou os cargos...
O SENHOR MINISTRO GERARDO GROSSI: É de fevereiro
de 2004.
O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO (presidente): E
quando venceu o prazo?
O SENHOR MINISTRO GERARDO GROSSI: O concurso
venceu no dia 28 de junho de 2004.
O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO: A lei criou os
cargos antes de vencer o prazo de validade - criou os cargos.
ESCLARECIMENTO
O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO: Senhor
Presidente, tenho que me retificar, por questão de honestidade intelectual.
Realmente a Lei n2 8.112 se aplica aos regionais eleitorais.
O SENHOR MINISTRO JOSÉ DELGADO: Como se.eles
fossem estaduais, e não são estaduais.
O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO (presfaen
O tribunal regional é federal.
e):
RMS n9 339/PR. 48
O SENHOR MINISTRO MARCELO RIBEIRO: O artigo que
V. Exa. citou apenas diz que não se pode nomear um na frente do outro.
O SENHOR MINISTRO CARLOS VELLOSO (presidente):
Vou proclamar, então, o resultado. Vou começar desde o princípio, já que
houve divisão com relação ao fundamento. Então vamos deixar expresso:
Após o voto do Ministro Carlos Britto, conhecendo do recurso e o provendo,
relativamente ao fundamento de que o requerimento fora feito após o
vencimento do prazo...
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator): Senhor
Presidente, Vossa Excelência talvez tenha até levado a essa mesclagem,
porque, em última análise, os dois temas estão ligados ao mérito. Eu dividi
porque entendi que o primeiro seria prejudicial no tocante ao segundo e não
tomaria o tempo dos colegas com a segunda parte do voto. Mas, creio que
talvez possamos chegar à proclamação sem fazer o desdobramento.
Nunca fizemos quanto a fundamentos, separando
desprovimento relativamente a tal fundamento e provimento no
tocante a outro.
VOTO (Aditamento)
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (relator): Senhor
Presidente, apenas para conferir o pedido formulado na inicial do mandado
de segurança.
Transcrevo:
"(...) declare-se o direito líquido e certo dos recorrentes de não serem preteridos na ordem de classificação no provimerrto dos cargos de Analista Judiciário e Técnico Judiciário ao E. Tribunal Regional Eleitoral do Paraná, caso este venha! a prover os cargos, pois plenamente válido o concurso público em que foram aprovados quando da publicação da Lei n2 10.842/2004". \
RMS ns 339/PR. 49
Atento-me à premissa assentada inicialmente pelo Tribunal.
Defiro o pedido formulado com a seguinte extensão: para que,
considerados os concursados aprovados e classificados e as vagas
existentes até a data de encerramento da validade do concurso, haja as
nomeações.
Fica esse fecho no voto e nas notas taquigráficas, se os
colegas estão de acordo, os colegas que me acompanharam.
EXTRATODAATA
RMS n9 339/PR. Relator: Ministro Marco Aurélio.
Recorrente: Paulo Roberto Pereira Vallim e outros (Adv.: Dr. Pedro
Henrique Xavier - OAB 6511/PR - e outros). Recorrida: Procuradoria
Regional Eleitoral no Paraná. Recorrida: União, por seu advogado.
Decisão: O Tribunal, por maioria, deu provimento ao
recurso, nos termos do voto do relator. Vencidos os Ministros Carlos Ayres
Britto e Marcelo Ribeiro.
Presidência do Exmo. Sr. Ministro Carlos Velloso. Presentes
os Srs. Ministros Marco Aurélio, Carlos Ayres Britto, Humberto Gomes de
Barros, José Delgado, Gerardo Grossi, Marcelo Ribeiro e o Dr. Mário José
Gisi, vice-procurador-geral eleitoral.
SESSÃO DE 24.11.
CERTIDÃO DE PUBLICAÇÃO
Certifico a pnlriicaçáo de*te acórdão no Diário da
Jjutiça de H / o W ^ i t a , J j ^ L .
Eu* <&L<D^J& « lavrei a presente certidão.
v
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